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1
Mecanismo de Anticítera: a precisão das engrenagens
Beatriz Bandeira1
email: [email protected]
Universidade de São Paulo/USP
1.Introdução
Restos de 82 fragmentos de bronze encontrados no Mediterrâneo, em 1901, compõem hoje o
mecanismo de Anticítera (205 a.C.), um dispositivo portátil operado por relações de
engrenagens miniaturizadas, que movidas por uma manivela, representam vários fenômenos
astronômicos. O funcionamento dessas rodas de trabalho por meio do contato direto dos
dentes, faz com que os eixos ligados a elas estejam sempre sincronizados um com o outro, o
que torna possível determinar relações de marchas exatas, e que permitem representar
mecanicamente, o Cosmos Geocêntrico. A partir desse contexto, tem-se por finalidade com
este estudo, discutir sobre a precisão com que as engrenagens do dispositivo foram
construídas. Para atingir tal objetivo, trataremos de expor algumas sequências de rodas que
refletem em específico, os ciclos: – lunissolar (Metônico e Calíptico) e de previsões de
eclipses (Saros e Exeligmos) –, e sinalizam de maneira econômica por meio de ponteiros,
eventos de relevância social e de avanços tecnológicos desse período.
Palavras-Chave: Anticítera, engrenagens, precisão
2.Mecanismo de Anticítera
O mecanismo de Anticítera2 (205 a.C.) é um artefato arqueológico3 que combina
relações de engrenagens dentadas para representar os movimentos dos corpos celestes.
1 Pós-Doutoranda em História da Ciência – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FLCH/USP,
sob orientação do Professor Gildo Magalhães. 2 É importante enfatizar que, as investigações sobre o mecanismo de Anticítera tomam como referências: restos
dos principais fragmentos nomeados de A-G, as relações de engrenagens (com número de dentes que variam
entre 224 a 12), e, as inscrições (em torno de 3500.) gregas que foram encontradas em alguns deles (A, B, C, E,
F e G). Os 82 fragmentos de bronze estão expostos no Museu Arqueológico Nacional de Atenas. (FREETH et
al., (2006, 2008), FREETH e JONES (2012).
2
Detalhes dessas engrenagens como: formato dos dentes, tamanho, quantidades,
conexões, movimentos (diferenciais4 e epicíclicos5), e funções, foram identificadas por
técnicas de Raios-X, Tomografias Computadorizas e Mapeamento de Textura Polinômicas, e
revelam uma precisão de funcionamento que desafia nossas conjecturas sobre o progresso da
tecnologia ao longo dos tempos. (PRICE (1974), WRIGHT et al., (1995, 2003),
MALZBENDER et al., (2000, 2001, 2006), FREETH et al., (2006, 2008), FREETH e JONES
(2012)).
Esses resultados definem hoje o aparato, como sendo um Cosmos geocêntrico (Figura
1), dividido em três seções principais. Uma na parte da frente, que, dividida em setores,
mostra duas escalas concêntricas, sendo que, a externa exibe o calendário Egípcio6 com 365
dias, e a interna, apresenta a escala do Zodíaco7, dentro da qual, são mostradas as posições:
exata da Lua (suas fases e anomalias), do Sol (e sua anomalia), e dos cinco planetas
conhecidos na época (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno). Ainda, acima e abaixo
dessas escalas há inscrições de um parapegma8 (lista de datas da primeira e da última aparição
das estrelas9 com suas principais constelações).
3 Datado inicialmente, por volta de 87 a.C. (PRICE, 1974) posteriormente, entre 150 a.C. - 100 a.C. (FREETH et
al., 2006) e, atualmente, em 205 a.C. (CARMAN e EVANS (2014), FREETH (2014)). 4 Que marcam os movimentos do Sol, da Lua e possivelmente dos Planetas. (FREETH e JONES, 2012). 5 Modelos de funcionamento das engrenagens: Epiciclos e deferentes de Apolônio de Perga (ao final do século
III a.C.) e Hiparco (século II a.C.) citados por Ptolomeu no Almagesto (TOOMER (1984), EVANS (1998, p.
212)). Claudio Ptolomeu era grego-egípcio e viveu em Alexandria no início do século II d.C. O modelo
geocêntrico não é criação sua, mas foi ele quem reuniu ordenadamente em sua obra conhecida como
Almagesto,“O maior”, os 13 livros que apresentam os modelos do Sol e da Lua (III a VI), a teoria das estrelas
fixas (VII e VIII), e, a teoria dos cinco planetas (IX a XIII). (PEDERSEN, 1974:14-25; NEUGEBAUER,
1975:836-839). Os sistemas de engrenagens epicíclicas do dispositivo têm como função estender as operações
matemáticas de multiplicação de frações para poder calcular somas e restos. É relevante enfatizar aqui, que a
possibilidade de efetuar esses cálculos não existia na tecnologia ocidental até o evento da aparição da
calculadora de Wilhelm Schickard (1623), a primeira máquina de calcular mecânica, capaz de realizar as
operações básicas de adição e subtração para números de seis dígitos. (MACCHI, 2012, p.4). 6 No Calendário Egípcio (3000 a.C), o ano tem 365 dias, 12 meses de 30 dias e cinco dias extras (epagômenos),
dedicados aos deuses. Os egípcios são os primeiros a usar um calendário solar. O ano começava no momento em
que Sírius, a estrela mais brilhante do céu, aparecia no mesmo lugar em que o Sol nascia. O fenômeno coincidia
com a cheia do Nilo, importante para a fertilização das terras. Havia três estações de quatro meses: Inundações
ou cheias (Akhet), semeaduras (Peret) e colheitas (Shemu). (CLAGETT, 1995, pp. 22-24). 7 Composto por doze constelações que são atravessadas pelo Sol em seu deslocamento aparente com respeito às
estrelas fixas, e que é resultado do movimento da Terra ao redor do Sol pela eclíptica. (JONES, 2017). 8 Com 9 linhas de textos (PRICE, 1974), e, em alguns casos com 11 linhas de inscrições (FREETH, 2012). 9 Algumas investigações atuais relacionadas às estrelas e aos eclipses podem ser encontradas em: Bandeira,
Beatriz. “Mecanismo de Anticítera: o extraordinário Cosmos portátil”. Khronos, Revista da História da Ciência,
nº5, p. 133-144, 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/khronos. Acesso em: 10/06/2018.
3
As duas outras seções, na parte detrás do dispositivo correspondem aos ciclos10: –
lunissolar (Metônico (Mt) e Calíptico (Cl)) e as datas dos Jogos Pan-Helênicos (que, no
momento não serão discutidas nesse artigo), identificado na parte superior, e de previsões11 de
eclipses lunares – Lua cheia – e solares – Lua nova (Saros (Ss) e Exeligmos Exs))
posicionado na parte inferior –.
Figura 1. Cosmos Geocêntrico. Sistema de engrenagens completo. (FREETH e JONES, 2012).
Esse conjunto de mostradores é operado por engrenagens dentadas (mais de 36) que
foram cuidadosamente construídas e ajustadas, para calcular relações astronômicas com uma
precisão surpreendente para a época. (PRICE (1974), WRIGHT (2005, 2005b, 2013),
FREETH et al., (2006, 2008), FREETH e JONES (2012), JONES (2017)).
Com efeito, o funcionamento dessas engrenagens conduz-nos a questionamentos
sobre: Quem construiu o mecanismo? Qual a sua real finalidade? Qual a sua ligação com
outros instrumentos movidos por engrenagens? Como essa tecnologia se perdeu ao longo do
tempo? O que aconteceu com esse conhecimento?
10 Os ciclos: Mt, Cl, Ss e Exs estão indicados por inscrições específicas no fragmento 19, uma espécie de manual
do mecanismo. 11 Os eclipses são representados na parte detrás do aparato pelas seguintes inscrições: (∑) para um eclipse lunar
que só ocorre na Lua Cheia e, (H) para um eclipse solar. que só acontecem na Lua Nova.
4
Referências antigas de esferas e mecanismos similares12, pistas sobre locais de seu uso
− Rodes e Siracusa −, (ANASTASIOU et al., 2013) e, recente datação para sua construção em
205 a.C., (CARMAN e EVANS (2014), FREETH (2014)), remontam como precursor dessa
engenhosidade planetária, à Arquimedes (século III a.C.)13.
Acredita-se, contudo, que o mecanismo poderia ter sido usado pelos gregos como uma
ferramenta de ensino e como um calendário funcional, com aplicação aos campos da
agricultura, geografia, pesquisas astronômicas14, sociedade e religião. Inclusive, poderia ter
influenciado, posteriormente, na construção de outros dispositivos15 movidos por engrenagens
como, por exemplo, o Relógio Solar-Calendário Bizantino (século VI d.C.) e, o Astrolábio
Persa (1221/2 d.C.). (FIELD e WRIGHT, (1985), PRICE (1974)).
Nesses dois dispositivos (Bizantino e Persa) a quantidade de engrenagens é reduzida,
e, ambos são menos complexos e precisos16 que o aparato de Anticítera, que põe em
funcionamento, sistemas de engrenagens que coordenam partes que giram em velocidades
diferentes como, por exemplo, nos casos das representações das variações dos movimentos do
Sol, da Lua (e seus diferentes períodos de revolução: sinódico ou lunar17, sideral18,
12 São mencionados por Cícero em De República 1,14 (54-51a.C.)), Papus de Alexandria (século IV d.C.) viii, p
1026, e Tusculan Disputations, em Almagesto XIII. 2, de Ptolomeu (120 - 140 d.C.). (HEATH, 1921, FREETH
e JONES, 2012). 13 Matemático, geômetra e astrônomo do Período Helenístico. Pioneiro na Mecânica, na Estática e na
Hidrostática. Construiu máquinas e autômatos, incluindo máquinas de Guerra. (ROSA, 2012, p. 151;
MOUSSAS, 2015, p. 15). (Alavanca, Equilíbrio dos planos, Sobre os corpos flutuantes, Sobre as espirais, As
leis da hidrostática, O contador de areia (WEINBERG, 2015) e, Dimensão dos círculos (Valor do (ð) pi)
durante a Guerra Púnica. (OLESON, 2008, p. 796). 14 Outros dispositivos como, tais como, o relógio solar, a dioptra e a esfera armilar permitiram que o
tempo fosse medido e, os ângulos entre objetos e as posições dos corpos celestes fossem observadas.
(EVANS (1998, pp. 33-38, 84), EVANS e BERGGREN (2006, pp. 28-29, 34-35, 38-46)). 15 Comparações entre os mecanismos com engrenagens do século. II a.C. a 1221/2 d.C. (Bandeira, 2012). Parte
destas comparações estão publicadas nos Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da
Tecnologia. Organização: Márcia Regina Barros da Silva e Thomás A. S. Haddad. Sociedade Brasileira de
História da Ciência. Brasil, 2012. ISBN: 978-85-64842-05-2. Disponível em:
http://www.13snhct.sbhc.org.br/site/anaiscomplementares. 16 Posterior a esses dispositivos também foram construídos: o Relógio de Giovanni de Dondi entre 1348-1364.
(LIN e YAN (2016), BEDINI e MADDISON (1966), De DONDI (1937), (PRICE, 1976, p. 66) e, o Planetário de
Leonardo Da Vinci (1452-1519) que aparece em um manuscrito do século XV. (RETI (1974), TADDEI (2007).
Da Vinci aperfeiçoou as rodas de moinhos de água, desenhou o relógio de contrapesos (Madri I, 27v.).
(THUILLIER, 1994, pp. 99, 108). 17 Tempo que a Lua leva para regressar (de Lua Nova à Lua Nova) à mesma posição em relação ao Sol. Sua
duração equivale a 29,530589 dias e se denomina lunação. 18 Período que a Lua demora para regressar à mesma posição em relação a uma estrela fixa. Este período
corresponde a 27,321612 dias.
5
anomalístico19 e dracônico20) e, dos ciclos: – Mt, Cl, Ss e Exs – marcados por meio de
ponteiros (Figura 2), assunto esse, ao qual se limita nossa discussão.
3. Precisão na construção das engrenagens do mecanismo
Para discutirmos com mais detalhes sobre a precisão na construção das engrenagens
do mecanismo, é necessário definirmos dois conceitos que são: de engrenagens e, de precisão.
Engrenagens são rodas com dentes padronizados que servem para transmitir
movimento e força entre dois eixos. Muitas vezes, as engrenagens são usadas para variar o
número e o sentido da rotação de um eixo para outro. (DUDLEY, 1994).
O conceito de precisão neste caso específico, refere-se: − ao número de dentes de cada
engrenagem que indica a operação que realiza cada uma delas no aparato, os tipos de dentes
(triangulares, que se aproximam de triângulos equiláteros), as dimensões diferentes e, os
padrões de montagem (JONES, 2017, p. 204) − que, por trabalharem por contato direto,
engatadas umas às outras, têm a força e a frequência de seus funcionamentos multiplicados
representando assim, exatos fenômenos astronômicos.
Isso, consequentemente, evita o deslizamento entre as engrenagens fazendo com que,
os eixos ligados a elas, estejam sempre sincronizados um com o outro, tornando possível,
determinar relações de marchas exatas.
Aqui, um exemplo para essa definição pode ser representado na figura 2, onde, ao
girar a manivela (M), para dar uma rotação completa da engrenagem principal (b1) com 224
dentes, se representa a passagem de um ano. Sendo que, essa roda b1 transmite força e
frequência às rodas secundárias (b2) com 64 dentes e (l1) com 38 dentes que giram uma
fração de 64/38 vezes por ano. (FREETH e JONES, 2012).
19 Tempo decorrido entre perigeus, que corresponde ao período que a Lua leva para orbitar a Terra uma vez, e
voltar a ficar a mesma distância em relação a ela. Sua duração equivale a 27,554550 dias. Este período
representa a anomalia que a Lua tem em seu movimento em longitude, isto é, de aceleração e desaceleração. 20 Período médio entre duas passagens consecutivas da Lua por um mesmo nodo de sua órbita. Equivale a
27,212219 dias, e é importante para prever eclipses lunares ou solares. (EVANS, 1998, pp. 245-259,
PEDERSEN, 2010, pp. 160-161, 424).
M
l1
6
Figura 2. Diagrama das engrenagens do mecanismo de Anticítera. Engrenagens dos planetas não inclusas.
Letras: (M) manivela, (b1) engrenagem principal com 224 dentes rodas secundárias: (b2) com 64 dentes e (l1)
com 38 dentes. (FREETH e JONES, 2012).
No dispositivo, como podemos observar, essas rodas de trabalho (Figura 2) foram
construídas para calcular e mostrar informações dos calendários lunares e solares e, mesmo
que houvesse imperfeições no diâmetro e na circunferência real, a relação de marcha seria
sempre controlada pelo número de dentes, por exemplo, duas rodas – b1/b2 – estão ligadas ao
mesmo eixo para que, assim, se possa obter a melhor combinação de força, distância e
velocidade. (FLORES e GOMES, 2014).
A partir desse cenário, toma-se aqui, as relações de engrenagens que marcam os
ciclos: – lunissolar (Mt e Cl), e de previsões de eclipses (Ss e Exs) – (Figura 3) para
demonstrar a precisão com que reproduzem tais periodicidades. (FREETH et al., (2006,
2008), KALTSAS et al., (2012), EVANS e BERGGREN (2006).
b1
b2
7
Figura 3. Mostrador posterior do dispositivo de Anticítera. Ciclos: Mt (A) e Cl (a), parte posterior superior e, Ss
(B) e Exs (b) parte posterior inferior. (FREETH et al., 2008).
3.1. Ciclos
3.1.1. Metônico
Na parte posterior superior do aparato (Figura 3), está o ciclo Mt (formado por um ano
com o valor um pouco mais elevado, o que corresponde a uma meia hora mais longo.), o
primeiro ciclo conhecido há vários séculos pelos babilônios21 e criado por Méton de Atenas
(432 a.C.). (EVANS e BERGGREN, 2006:90).
Utilizando esses registros, Méton percebeu que, 19 anos solares correspondem a quase
exatamente, 235 meses sinódicos, com diferenças de apenas duas horas (WEINBERG, 1933,
p. 91).
21 Os babilônios registravam em tabuletas datas de ocorrência de eclipses (há uma data para a previsão de um
eclipse da Lua que marca cerca de 621 a.C. , há ainda, em outras tabuletas, registros dispostos em arranjos de 18
anos, cobrindo um período que vai desde 731 a.C. até 317 a.C. e um similar, para eclipses do Sol que começam
em 348 a.C. e terminam em 286 a.C. (RODRIGUES (2000, p.21-23), JONES (2017, 78-83)).
Metônico (Mt)
5 voltas espirais
235 meses sinódicos
Subsidiário Calíptico (Cl)
4 setores
Saros (Ss)
4 voltas espirais
223 meses sinódicos
Subsidiário Exeligmos (Exs)
3 setores
A
B
B
b
B
a
B
8
Em função disso, foi possível fazer um calendário cobrindo 19 anos, em vez de um
ano só, identificando corretamente a cada dia, a época do ano e as fases da Lua, sendo
consequentemente, aceito como um período composto por múltiplos: do Ano Solar (ASs) –
365,26 dias –, do Mês Sinódico (MSins) – 29,530589 dias, e Mês Sideral (MSids) –
27,321612 dias – que são:
19 ASs;
235 MSins;
254 MSids;
6940 dias.
Esse ciclo é exibido no mecanismo em uma espiral semicircular de 5 voltas
(ANASTASIOU et al., 2014) que é representada em função do movimento de três pares de
engrenagens (Figura 4) que, movem um ponteiro que marca, exatos, 19 anos solares em 5
voltas (Tabela 1).
Figura 4. Diagrama dos três pares de engrenagens [(b2/l1)*(l2/m1)+(m2/n1)] que representam o ciclo Mt (parte
posterior superior) indicado por um ponteiro. (FREETH et al., (2006), JONES, (2017)). Imagem: Elaborada por
Natan Vieira Amorim, 2018.
Todavia, mesmo 19 anos solares sendo quase 235 meses lunares exatos, faltavam
quase 13⁄ de dia para completar 6940 dias. Então, esse valor, conforme veremos em seguida,
foi corrigido um século mais tarde.
3.1.2. Calíptico
9
No interior da espiral do Mt (Figura 3) há um relógio subsidiário que marca o ciclo Cl
que, dividido em 4 setores, indica quando é necessário omitir 1 dia a cada 4 ciclos de 19 anos
(1 volta cada 76 anos).
Foi Cálipo de Cízico (330 a.C) que22, um século mais tarde, alterou o ciclo Mt, de 19
anos solares substituindo-o pelo Cl, o que resultou, no valor do ano de exatamente 365,25
dias, aumentando assim, a precisão do ciclo Mt por meio dos múltiplos: dos ASs –365,26 dias
– e dos MSins – 29,530589 dias– que são:
76 ASs;
4 ciclos Mts – 1 dia;
940 MSins.
Esse ciclo é representado no aparato em função do movimento de dois pares de
engrenagens (Figura 5) que movem um ponteiro que marca, exatamente 1 volta no Cl de 4
ciclos que está dentro do Mt de 5 voltas (Tabela 1).
Figura 5. Diagrama dos dois pares de engrenagens [(n2/p1)*(p2/q1)] que representam o relógio subsidiário do
ciclo Cl (parte posterior superior) indicado por um ponteiro. (FREETH et al., (2006), JONES, (2017)). Imagem:
Elaborada por Natan Vieira Amorim, 2018.
22 Comparou suas observações em relação ao ano solar, e concluiu que, a duração do ano era de 365 + ¼ dias ou
365 dias e 6 horas. (EVANS e BERGGREN, 2006, pp. 91-92).
10
3.2. Saros
O ciclo Saros, também conhecido pelos babilônios, desde o século VII a.C., foi
herdado pelos gregos para prever a ocorrência dos eclipses lunares e ou solares. É um ciclo
que surge a partir dos três ciclos da órbita da Lua, e corresponde aos múltiplos dos meses:
Mês Sinódico (MSins) – 29,530589 dias, Mês Anomalístico (MAnms) – 27,554550 – e, Mês
Dracônico (MDrcs) – 27,212219 –, que são:
223 MSins;
239 MAnms;
242 MDrcs;
Logo, convertendo os meses indicados em dias teremos 6585 ⅓, o que equivale a 18
anos, 11 dias e 8 horas.
Assim, pelo fato de o ciclo Ss, não corresponder a um número inteiro de dias, o eclipse
ocorre cerca de 8 horas mais tarde no dia e 120° de longitude mais a Oeste do que no ciclo
anterior. No caso de um eclipse solar, por exemplo, isso significa que a região de visibilidade
muda e, como resultado, os dois eclipses não serão visíveis a partir do mesmo local na Terra.
Já no caso de um eclipse lunar, o eclipse seguinte pode ainda, ser visível do mesmo
local na Terra, porém, ocorre umas 8 horas mais tarde, contanto que, a Lua esteja acima do
horizonte. Mas, esperando-se a passagem de 3 Ss, o primeiro e o quarto eclipse da série
poderão ser visíveis aproximadamente, a partir da mesma região e na mesma hora do dia.
No mecanismo, este calendário de previsões de eclipses Ss está localizado na parte
posterior inferior, na qual está ordenado por uma espiral de 4 voltas, representadas por cinco
pares de engrenagens (Figura 6) que marcam por meio de 1 ponteiro, exatamente 4 voltas no
Ss (Tabela 1).
11
Figura 6. Diagrama dos três pares de engrenagens [(m3/e3)*(e4/f1) + (f2/g1)] que representam o ciclo Ss (parte
posterior inferior) indicado por um ponteiro. (FREETH et al., (2006), JONES, (2017)). Imagem: Elaborada por
Natan Vieira Amorim, 2018.
Ainda, em seguida, veremos que dentro desse ciclo, está inserido um ciclo de triplo Ss,
que foi criado para corrigir o problema de que a cada 223 meses, um eclipse adianta 8 horas
ou atrasa 8 horas.
3.2.1. Exeligmos
Pelo fato de, o ciclo Ss, não ter um número inteiro de dias (6585 ⅓), é necessário
multiplicá-lo por 3 ciclos de Saros para que se obtenha um número inteiro, o que resulta no
ciclo Exs, que também corresponde aos múltiplos dos meses: MSins – 29,530589 dias, MAnms
– 27,554550 – e, MDracs – 27,212219 –, que são:
669 MSins;
717 MAnms;
726 MDracs;
54 ASs, 34 dias (19756 dias).
Esse ciclo Exs, está situado no interior da espiral Sss (Figura 3), na parte posterior
inferior do mecanismo e é representado por 2 pares de engrenagens (Figura 7) que giram
lentamente um ponteiro que assinala quando é necessário adicionar 8 horas (H), 16 (Iς) ou 0
(sem símbolo) para indicar o tempo inicial no Ss.
12
Assim, é possível somar 8 horas entre a aparição dos eclipses entre um ciclo, ou outro,
ou seja, dos primeiros aos segundos, e dos segundos aos terceiros 223 meses, o que permite
prever a hora exata de repetição dos eclipses. (Tabela 1).
Figura 7. Diagrama dos dois pares de engrenagens [(g2/h1)* (h2/i1)] que representam o relógio subsidiário do
ciclo Exs (parte posterior inferior) indicado por um ponteiro. (FREETH et al., (2006), JONES, (2017)). Imagem:
Elaborada por Natan Vieira Amorim, 2018.
Mecanismo de Anticítera
Precisão das Engrenagens
Períodos Rotacionais
Ciclos Relações de Engrenagens
Anos
Dias Meses Lunares
Metônico
(5 voltas)
5/19
[(64/38)*(53/96)*(15/53)]
19 1388
[(19*365,25) ÷5]
235 (MSins)
[(1388*5) ÷ 29,530589]
254 (MSids)
[(1388*5) ÷27,321612]
Calíptico
(4 setores)
1/4*1/5
[(15/60)*(12/60)]
76
(19*4)
27759
(76*365,25)
940 (MSins)
(27759/29,530589)
Saros
(4 voltas)
4/18
[(223/27)*(188/53)*(30/54)]
18
1646,33
[(18*365,25) ÷4]
223 (MSins)
[(1646,33*4) ÷29,530589]
239 (MAnms)
[(1646,33*4) ÷ 27,554550]
242 (MDracs) [(1646,33*4) ÷27,212219]
Exeligmos
(3 setores)
1/3 * 1/4
[(20/60)*(15/60)]
54
(18*3) 19756
(54*365,25)
669 (MSins)
(19756/29,530589)
717 (MAnms)
(19756/27,554550)
726 (MDracs) (19756/27,212219)
13
Tabela 1. Precisão das relações de engrenagens que marcam os ciclos: – lunissolar (Metônico e Calíptico) e de
previsões de eclipses (Saros e Exeligmos) – em número de anos solares, dias e meses lunares. (FREETH e JONES
(2012), JONES (2017)).
A tabela 1 apresenta os ciclos: – lunissolar, Mt e Cl, e de previsões de eclipses Ss e Exs
na coluna 1–. Na coluna 2 estão suas respectivas relações de engrenagens (5/19), (1/4 e 1/5),
(4/18) e (1/3 e 1/4) que expressam resultados exatos de seus períodos rotacionais, que são
representados na coluna 3, em número de anos (19, 76, 18 e 54), na coluna 4 em número de
dias (1388, 27759, 1646,33 e 19756) e, na coluna 5, em número de meses lunares do
Metônico (235 MSins, 254 MSids) e Calíptico (940 MSins) e, do Saros (223 MSins,
239MAnms, 242 MDracs) e Exs (669 MSins, 717 MAnms, 726 MDracs).
Os resultados (Tabela1) mostram que, cada uma das engrenagens do dispositivo foi
construída de maneira precisa e econômica. Essas rodas, representadas por frações diferentes
dão conta de transmitir seus movimentos para ponteiros que marcam, com apenas dois
calendários (Mt e Ss) e dois relógios subsidiários (Cl e Exs) os distintos ciclos do Sol, da Lua
e de ocorrência de eclipses.
Sendo que, o calendário Metônico vincula a longitude do ano solar com as fases da
Lua onde, 19 ASs, 235 MSins e 254 MSids, marcados por 1 ponteiro que dá 5 voltas em 19
anos. E, conta com o relógio subsidiário Cl, que ao completar 1 volta, mostra 4 ciclos Mt de 5
voltas.
Enquanto, o calendário Ss, depende dos três períodos orbitais da Lua onde, 18 ASs,
223 (MSins), 239 (MAnms) e 243 meses (Mdracs) são marcados por 1 ponteiro que dá 4
voltas em 18 anos. E, baseia-se no relógio Exs, que ao completar 1 volta, mostra 3 ciclos Ss de
4 voltas o que, consequentemente, desafia nossas conjecturas sobre o progresso da tecnologia
ao longo dos tempos.
4. Conclusão
Assim, ao considerarmos a precisão com que as engrenagens do mecanismo de
Anticítera determinam matematicamente suas relações entre os calendários: – lunar e de
14
previsão de eclipses – é possível identificarmos um contexto tecnológico amplo para sua
época, tanto nos aspectos estruturais das engrenagens, quanto funcionais.
Esse estudo corrobora ainda, com as hipóteses de que o aparato poderia ter sido usado
para observações astronômicas e agrícolas, para cálculos matemáticos, na mecânica e,
também como uma ferramenta educacional23.
Vale mencionar, que recentemente, foram elaboradas propostas de aplicações
interdisciplinares do aparato usando-o como um recurso didático para potencializar o
processo de ensino e aprendizagem no Ensino Médio, em específico, nas disciplinas de
História, Matemática, Física e Geografia. (BANDEIRA e MAGALHÃES, 2018), que serão
tratadas em outro momento.
Notas
i. Agradeço ao Professor Gildo Magalhães, do Centro de História da Ciência/USP, pelas
orientações dos projetos de pesquisa nas áreas da História da Ciência e da Educação. Ao
futuro engenheiro mecânico Natan Vieira Amorim, do Centro Universitário Dinâmica de
Cataratas, pela oportunidade de aprendizado sobre a mecânica das engrenagens e pelo seu
comprometimento com os desenhos dos sistemas de engrenagens. À Driely Amorim, da
Universidade do Vale do Itajaí, pela colaboração na organização das imagens deste artigo.
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