MEDEIROS, Pedro H. C. de - Cartas Pastorais e o Discurso Da Imprensa Religiosa Do Rio de Janeiro Na Segunda Metade Do Século XIX

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    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA DA UFRRJ

    MESTRADO EM HISTRIA

    CARTAS PASTORAIS E O DISCURSO DA IMPRENSA RELIGIOSA DO RIO DE

    JANEIRO NA SEGUNDA METADE DO SCULO XIX

    PEDRO HENRIQUE CAVALCANTE DE MEDEIROS

    Trabalho apresentado como

    avaliao para o curso de

    Documentao Eclesistica e

    Histria Social (XVII-XIX)

    Prof. Roberto Guedes

    Prof. talo Santirocchi

    Nova Iguau, 2012/2

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    Sumrio

    Introduo 3

    Introduo 3

    1. O Regalismo: a relao entre Igreja e Estado antes da Reforma Ultramontana 5

    2. Reforma Ultramontana 12

    3. O papel dos protestantes na tensa relao entre Estado e Igreja 15

    4. A imprensa religiosa da dcada de 1860: Imprensa Evangel ica e O Apostolo 16

    5. Cartas Pastorais: d. Antnio de Macedo Costa e d. Pedro Maria de Lacerda 18

    6. O discurso presbiteriano: a Imprensa Evangeli ca 36

    Concluso 40

    Fontes 41

    Bibliografia 42

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    Introduo

    A Igreja catlica no Brasil durante a segunda metade do sculo XIX passou pordiversas transformaes, marcada principalmente por uma busca gradual de autonomia a nvel

    jurisdicional e eclesistico, procurando se afastar cada vez mais do antigo modelo marcado

    apenas pelas prticas de ritos externos e devocionais, muitas vezes sincrticos e pouco

    ortodoxos, alm de ser marcada pelo regalismo portugus e posteriormente brasileiro que a

    afastava da Santa S subordinando-a a gide do poder civil.

    A reforma ultramontana foi a tomada de posio da hierarquia eclesistica com a

    inteno de reformar o clero e as prticas dos catlicos, tornando a Igreja brasileira maisortodoxa e mais unido a hierarquia da Santa S. A reforma foi empreendida pelos bispos que

    assumiram as dioceses do Brasil no perodo imperial, esses bispos tinham uma formao mais

    ortodoxa e aliada a hierarquia da Santa S, conhecidos como ultramontanos, eles combateram

    diversas prticas que eram comuns aos clrigos brasileiros e que os distanciava da ortodoxia,

    dentre as prticas comuns aos clrigos brasileiros e que foram combatidas pelos bispos

    ultramontanos podemos destacar: a prtica do concubinato, a posio passiva nas festas

    organizadas pelas confrarias de leigos, a ativa participao poltico-partidria, etc.A reforma ultramontana teve um alcance muito maior, de nvel mundial, pois de forma

    geral toda a Igreja Catlica passou a marcar uma posio contra tudo o que contradizia seus

    dogmas e que eram marcas do mundo moderno. Tal posio contrria da Igreja foi sintetizada

    na Encclica Quanta Cura e oSyllabus em anexo, em 1864 pelo Papa Pio IX. Atravs desse

    documento a Igreja se colocava contra: o pantesmo, o naturalismo, o racionalismo, o

    indiferentismo, o latitudinarismo, o socialismo, o comunismo, as sociedades secretas, as

    sociedades bblicas, as sociedades clrico-liberais, a ideia de que a Igreja no era umasociedade civil perfeita, os erros acerca da sociedade civil em suas relaes com a Igreja, os

    erros acerca da moral natural e crist, os erros acerca do matrimnio cristo, os erros acerca

    do principado civil do pontfice romano e os erros relativos ao liberalismo do sculo XIX.

    No decorrer da reforma, as relaes entre a Igreja e o Estado no Brasil tornaram-se

    cada vez mais tensas, visto que, embora tenha sido o prprio Estado que tenha proporcionado

    o incio da reforma nomeando bispos ultramontanos para as dioceses do Imprio com a

    inteno de afastarem os clrigos da participao poltico-partidria, os bispos no sesubmeteram a gide do poder civil representada pelas doutrinas regalistas. Tais bispos no

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    aceitavam comprometer a liberdade da Igreja em prol das doutrinas regalistas representadas

    pelas doutrinas do beneplcito rgio e recurso a coroa, por exemplo.

    Alm disso, havia outra questo que dividia os interesses do Estado dos interesses da

    Igreja: era a poltica de imigrao. Interessava ao Estado a vinda de imigrantes,

    principalmente de pases protestantes, representantes do progresso, para trabalharem nas

    lavouras, com a inteno de gradativamente substiturem a mo de obra escrava. A poltica

    imigratria foi favorecida por diversas leis imperiais que favoreciam os no catlicos. Na

    segunda metade do sculo XIX, devido a essas leis e devido ao apoio recebido por polticos

    liberais, comeam a chegar ao Brasil diversos missionrios protestantes, que no eram apenas

    capeles de colonos protestantes, eram evangelistas e tinham claras intenes de fazer

    proselitismo entre os brasileiros divulgando a mensagem evanglica entre os catlicos. Para

    atingir esse fim, os missionrios utilizaram diversos meios, dentre os quais a imprensa.

    A misso oficial da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos no Brasil teve incio em

    1859 atravs do envio do rev. Ashbel Green Simonton. Em 1864, Simonton e outros

    missionrios presbiterianos decidem fundar o primeiro jornal evanglico do pas, a Imprensa

    Evangelica, atravs das folhas desse peridico, os missionrios puderam se posicionar diante

    de diversas questes concernentes s relaes entre poltica e religio no Brasil alm de

    divulgarem a mensagem evangelstica, propriamente dita.

    Diante dessa situao, os catlicos ultramontanos passaram a reagir de diversas

    maneiras, dentre as quais, tambm, pela imprensa. Dessa forma foi fundado em 1866 o jornal

    O Apostolo, uma publicao ultramontana da diocese de S. Sebastio do Rio de Janeiro.

    Atravs dessa folha os ultramontanos se posicionaram frente s diversas questes religiosas e

    polticas vividas no Brasil. Dentre as diversas publicaes ao longo das folhas do jornal,

    destacamos a publicao das pastorais de diversos bispos no Brasil.

    No presente trabalho pretendemos fazer uma anlise das publicaes desses dois

    jornais, dando destaque para as questes acerca da situao religiosa no Brasil. Enfocaremos

    principalmente, algumas cartas pastorais publicadas por d. Pedro Maria de Lacerda, e d.

    Antnio de Macedo Costa em O Apostolo, procurando compreender, em seus discursos, as

    ideias ultramontanas.

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    1. O Regalismo: a relao entre Igreja e Estado antes da Reforma Ultramontana

    Podemos considerar o regalismo como um conjunto de doutrinas de interveno do

    Estado na disciplina da Igreja. Em Portugal, tal doutrina alcanou o seu pice durante o

    governo do Marqus de Pombal, primeiro ministro do rei D. Jos I.

    Candido Mendes de Almeida, autor ultramontano do sculo XIX, destacava que o

    regalismo era marca da gesto de Pombal. Segundo Mendes de Almeida, o regalismo foi fruto

    de um processo longo ocorrido em Portugal desde pelo menos o sculo XIII, tendo o seu

    triunfo no reinado de D. Jos I.1

    Em uma citao, esse autor assim define a origem do termo regalismo:

    ARegaliaconsistia em certos direitos uteis ou honorificos, de que gosavoos Reys de Frana em algumas Igrejas daquele paiz, no tempo da vacanciados Bispados. Elles percebio as rendas, apresentavo os Benefcios, e haexemplos de os conferirem directamente.

    Uma tal prerogativa, arrancada benevolencia e gratido da Igreja, davalugar odiosos abusos. O XIV Concilio Geral congregado em Lyo em1274; reconhecendo esses direitos, limitou-os s Igrejas onde ento se

    achabo estabelecidos, prohibindo alarga-los.Luis XIV excitado por seus Ministros, em 1673, tomou a deliberao deapplicar todas as Igrejas de Frana esse odiosissimo privilegio. De toexaggerada preteno resultou a declarao de 1682, e as perseguies deque foro victimas certos Bispos, a igreja, e com ella os Papas.2

    Desta forma a ideia de regalismo estava totalmente vinculada a doutrina da Igreja

    galicana ou ao galicanismo que defendia uma nacionalizao da Igreja e sua subordinao ao

    poder civil.

    Segundo Almeida esse poder do Estado sobre a Igreja se agravara durante o governo

    de Pombal sobre o Estado lusitano quando a seita jansenista3 aliada ao ministro passou a

    1ALMEIDA, Candido Mendes de. Direito Civil Ecclesiastico Brazileiro Antigo e Moderno em suas relaescom o Direito Canonico. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, Livreiro Editor, 1866, pp. XXXIV e XXXV.2Idem, Ibidem, p. XLV.3O jansenismo, como amplamente conhecido, foi o nome dado tentativa de reforma e reavivamento dentroda Igreja Catlica, no sculo XVII, baseada nos preceitos religiosos de Fleming Cornelius Otto Jansen (1563-1638), Bispo de Ypres. Esse movimento, depois da morte de Jansen, foi liderado na Frana por seus discpulosAntoine Arnaud e Pasquier Quesnel.Jansen tentara reformar a Igreja Catlica, sugerindo a mudana da sua teologia do tomismo para oaugustianismo. De certo modo, Jansen reagia tambm contra o protestantismo, se bem que muitos dos seus

    ensinamentos religiosos fossem muito parecidos com os de Joo Calvino, especialmente em questes quelidavam com a predestinao. Como Calvino, antes dele, Jansen acreditava que o homem, a fim de ser salvo,tinha de passar por um processo de converso, mas que essa converso dependia da vontade de Deus ou do seucapricho. Acreditava, ainda, que o homem era irremediavelmente dependente de Deus e, a despeito de quantas

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    interferir diretamente na independncia da Igreja. Almeida conceitua como sendo uma

    revoluo, a ascenso de Pombal ao posto de primeiro ministro portugus. Para ele a partir do

    momento em que Pombal assumiu o posto, a seita pode triunfar, tudo em Portugal tomou a

    cor das doutrinas dessa abominvel seita. A reforma dos estatutos da Universidade de

    Coimbra teria sido feita a partir das doutrinas desta seita, esses Estatutos no so

    propriamente um Regulamento de Estudos, mas um Tratado das doutrinas Jansenico-

    Gallicanas, que se procurava enraisar em Portugal e seus domnios.4

    Aps a expulso dos jesutas em 1759, uma srie de atitudes so tomadas em Portugal,

    que segundo o autor seriam marcadamente jansenistas e regalistas no Estado absolutista

    portugus, tais como: oPlacet Regio, a secularizao da educao primria e secundria com

    a implantao do Catecismo de Montpellier para a educao religiosa, a organizao da Mesa

    Censria, dispensas de casamento para os casos em que eram vedados, circulao de obras

    herticas e cismticas.5

    Candido Mendes de Almeida, citando Donoso Cortez, destaca que o regalismo se

    dividia em quatro grupos: os regalistas moderados, os regalistas consequentes, os

    revolucionrios e os socialistas ou comunistas. Os moderados eram aqueles que defendiam

    que a Igreja era igual ao Estado, consequentemente eles defendem que de natureza laical

    aquilo que seria misto e que de natureza mista aquilo que seria eclesistico. Os regalistas

    consequentes eram aqueles que defendiam a inferioridade da Igreja perante o Estado,

    defendiam o princpio das igrejas nacionais sendo governadas por decretos e leis nacionais.

    Os revolucionrios eram aqueles que defendiam que a Igreja nada tinha haver com o Estado e

    proclamavam a separao absoluta entre o Estado e a Igreja, consequentemente, a manuteno

    do clero e a conservao do culto deveriam ficar sob a responsabilidade dos fiis. Os

    socialistas e os comunistas seriam aqueles que defendiam que a Igreja era totalmente intil;

    essa teoria resultaria na supresso violenta da ordem sacerdotal e a sano da perseguio

    religiosa.6

    boas aes tivesse praticado, ainda assim no alcanava justificao. A justificao era um processo gradual querequeria uma relao pessoal entre o homem e Deus. O processo de crescimento para conhecer a Deus, de acordocom Jansen, exigia, entre outras coisas, a leitura diria da Bblia. No entanto, porque Jansen tambm acreditavana sucesso apostlica, sustentava que esta relao ntima entre o homem e o Criador s podia ser obtida pormeio da Igreja Catlica. VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no

    Brasil. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1980, p. 29.4ALMEIDA, op. cit., pp. LII-LIII.5Idem, Ibidem, pp. XCIII-XCIV.6CORTEZ, Donoso.Erros do tempo presenteapud ALMEIDA, op. cit., pp. L-LI.

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    V-se por isto que em ultima analyse, e unico resultado todos esses erros, nasua variedade quasi infinita, se resolvem num s, que consiste em seu haverdesconhecido ou falsificado a ordem hierarchica, immutavel em si, que Deusestabeleceu nas cousas. Esta ordem firma a superioridade hierarchica do quehe sobrenatural sobre tudo o que he natural, e por consequencia, asuperioridade hierarchica da f sobre a razo, da graa sobre o livre arbitrio,da providencia divina sobre a liberdade humana, da Igreja sobre o Estado, epara tudo dizer ao mesmo tempo e em uma s palavra, a superioridade deDeus sobre o homem.7

    Dilermando Ramos Vieira, baseando-se em Candido Mendes de Almeida, afirma que

    o ocorrido na Metrpole afetava a Amrica Portuguesa. Justificando sua assertiva, Vieira

    destaca alguns bispos de dioceses brasileiras do sculo XVIII que aderiram ao pensamento

    pombalino regalista,

    ... a literatura pombalina e, principalmente, o tratamento que as autoridadesleigas dispensavam aos padres e religiosos sedimentaram uma mentalidade,ou um modo poltico de se comportar, que criaria razes, vindo a se tornarcausa de um contnuo descrdito para o clero na Colnia e do Imprio que asucederia.8

    Dentre esses bispos destacados por Dilermando Vieira estavam: d. Toms da

    Encarnao da Costa e Lima, bispo diocesano de Olinda de 1774 at 1784; d. Jos Joaquim da

    Cunha dAzeredo Coutinho, bispo diocesano de Olinda a partir de 1794at 1821, fundador do

    seminrio de Olinda e elaborador dos estatutos do seminrio que se baseavam nos estatutos da

    Universidade de Coimbra; d. fr. Manoel da Ressurreio, bispo diocesano de So Paulo a

    partir de 1774 at 1789; d. Mateus de Abreu Pereira, bispo diocesano de So Paulo de 1794

    at 1824; e d. fr. Jos Caetano da Silva Coutinho, bispo diocesano do Rio de Janeiro de 1808

    at 1833. Todos esses bispos eram influenciados pelas ideias regalistas, segundo Vieira.9

    Conforme Dilermando Vieira, embora o pombalismo no tenha sido o responsvel

    principal pela singularidade da religiosidade popular no Brasil, ele influenciou, uma vez que

    inibia o trabalho catequtico colaborando para uma religiosidade baseada na exterioridade e

    nas prticas devocionais externas. Os fiis acabavam por se agrupar em irmandades e a

    atitude de cada uma dessas associaes para com a hierarquia eclesistica variava segundo a

    sua etnia e gradao social.10

    7CORTEZ, Donoso.Erros do tempo presenteapud ALMEIDA, op. cit., p. LII.8VIEIRA, Dilermando Ramos. O processo de reforma e reorganizao da Igreja no Brasil.Aparecida: EditoraSanturio, 2007, p. 33.9Cf.Idem, Ibidem,pp. 32-41.10VIEIRA, Dilermando, op. cit., p. 41.

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    De acordo com as pesquisas de talo Santirocchi, o direito de padroado em Portugal

    tem uma histria longa e complexa, difcil de ser resumida em poucas linhas. O direito de

    padroado teria sua origem no processo de expanso ultramarina e na luta contra os mouros por

    Portugal. A primeira legislao eclesistica sobre o padroado em Portugal teria sido a bula do

    papa Eugnio IV,Etsi susceptide 09 de janeiro de 1442 que doava Ordem de Cristo, para

    sempre, o domnio espiritual das terras do Ultramar j conquistadas ou no. Depois o papa

    Calixto III em 13 de maro de 1455, pela bula Inter caetera quae, concedeu ao Gro-Mestre

    da Ordem de Cristo a jurisdio ordinria episcopal, tal documento teria confirmado a bula de

    Nicolau V, Romanus Pontifex, de 08 de janeiro de 1454, que afirmava o domnio temporal

    dos reis portugueses sobre as terras de conquista ultramarina. A jurisdio espiritual da

    Ordem de Cristo sobre as terras ultramarinas teria sido posteriormente confirmada pelo papaSisto IV, em 21 de junho de 1481, atravs da bulaAeterni Regis clementia, concedendo para

    sempre Ordem de Cristo o padroado das Terras de Ultramar. Posteriormente, a Coroa

    Portuguesa uniu-se para sempre aos Mestrados da Ordem de Cristo, Santiago e Avis, atravs

    da bulaPraeclara Charissimi do papa Jlio III.

    Os reis assumiram, ento, total controle do padroado, seja como monarcas,

    seja como Gro-Mestres. No segundo caso, porm, tal direito dependia daOrdem de Cristo, pois era o gro mestrado desta que o conferia. Certo queo padroado real portugus tornou-se duplo, o rgio e o da Ordem de Cristo.

    Entretanto, Santirocchi ainda ressalta que o padroado rgio no residia numa nica

    pessoa, era na verdade um corpo de padroeiros formado pelo rei, pela rainha, pelos bispos,

    pelos abades, pelos conventos e pelas classes abastadas. Citando Candido Mendes,

    Santirocchi afirma que de duvidosa existncia a bula que teria criado o direito de padroado

    rgio supostamente concedida pelo papa Alexandre VI, em 23 de agosto de 1495,

    autorizando o Rei D. Manuel a apresentar os bispos das dioceses que fundasse. Tal direitoteria sido confirmado pelo Papa Leo X que, em 07 de junho de 1514, teria assegurado ao

    soberano o padroado ultramarino. Continuando, Santirocchi afirma ser um

    ... assunto complexo este das delimitaes dos poderes do padroado, umavez que as bulas deixaram margem a exagerados comentrios einterpretaes. (...) Pelo padroado rgio, os reis tinham direito de apresentaros bispos a serem confirmados pelos Papas, e, pela Ordem de Cristo, receberos dzimos e nomear outras autoridades eclesisticas. Teriam tambm

    obrigaes, como manter o culto, expandir e defender a f, zelar pelaobservncia dos cnones e construir igrejas. Essa ltima disposio quase

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    nunca foi cumprida no Brasil, onde a maioria das igrejas foi construda pelosfieis.11

    Quando o Brasil tornou-se independente, a questo do padroado voltou tona na

    primeira dcada do imprio. A interpretao que foi dada ao padroado rgio foi totalmenteregalista a ponto de algo que era uma concesso da Santa S, tornar-se uma prerrogativa

    constitucional do poder executivo, embora d. Pedro I tenha solicitado uma concordata com a

    Santa S, assim que o Brasil se emancipou de Portugal, solicitando o reconhecimento da

    independncia do Brasil e a concesso dos mesmos direitos de padroado concedidos aos

    soberanos portugueses como gro-mestres das ordens militares, o que foi conseguido atravs

    da bula Praeclara Portugaliae de 30 de maio de 1827, sendo que ela foi aceita. A

    interpretao dos representantes do Estado a respeito do padroado dizia que no Brasil, os reis

    de Portugal nunca exerceram o direito de padroeiros como gro-mestres, e sim como reis,

    logo, os benefcios do padroado rgio continuavam com o Imperador, sendo

    ... essencialmente inerente Soberania do atual Imperador do Brasil e SeusSucessores no Trono, pelo ato da Unnime Aclamao dos Povos desteImprio e Lei Fundamental do mesmo, artigo 1 e 2 2. Conclua-se,portanto, que a bula ociosa, porque tem por fim confirmar o Imperador doBrasil no direito que o Mesmo Senhor tem por ttulos mais nobres.12

    Para Santirocchi,

    Este documento essencial para a compreenso do regalismo imperialbrasileiro. (...) O Governo imperial brasileiro, por sua vez, justificava seuregalismo com base na suposta aclamao popular que cedeu a soberania aoImperador e na Constituio imperial. Ou seja, para o regalismo liberalbrasileiro, o Imperador tinha direito ao padroado porque foi aclamado pelopovo soberano. Este direito era inerente soberania e confirmado pelaConstituio do Imprio. Portanto, em momento algum, derivava de umaconcesso da Igreja ou do Papa, muito menos da igreja primitiva. Para o

    Governo a administrao exterior da igreja nacional era competncia edireito do poder civil e no um privilgio a ele concedido.O padroado imperial foi estabelecido unilateralmente pela Constituio enovamente confirmado pela deciso n 115, de 4 de dezembro de 1827.(...)Estava consolidado o padroado civil, base do regalismo imperial, queposteriormente seria sagazmente instrumentalizado por maons e liberais eque conseguiria, como afirmou pe. Jlio Maria, prender a Igreja numcrcere de ouro.13

    11SANTIROCCHI, talo. Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Imprio (1840-1889). 2010.Dissertao (Doutorado em Histria e Bens Culturais da Igreja) Pontifcia Universidade Gregoriana, Roma, pp.

    24-27.12VATICANO. Affari ecclesiastici straordinari. Parecer das Comisses reunidas de Constituio e Eclesisticasobre a Bula Praeclara Portugalliae, fasc. 171, pos. 108, f. 28v apud SANTIROCCHI, op. cit., p. 75.13SANTIROCCHI, op. cit., p. 75-76.

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    Guilherme Pereira das Neves tambm ressalta esse empreendimento dos legisladores

    brasileiro em se distanciarem do padroado como direito concedido pela Santa S ao Mestrado

    das Ordens Militares, tornando-o padroado civil, ao pesquisar a Mesa da Conscincia e

    Ordens14. Segundo o autor, a extino deste tribunal em 1828 est relacionada a ideia

    compartilhada pelos legisladores brasileiros de que o padroado imperial era uma instituio

    civil e no uma concesso da Santa S ao Gro-Mestrado das Ordens Militares. 15A Mesa foi

    extinguida pela Lei de 22 de setembro de 1828, e suas atribuies que eram as atribuies

    concedidas pelo padroado foram transferidas para a jurisdio civil.

    Pela lei de 22 de setembro de 1828, decretada pela Assembleia Geral, que d.

    Pedro, por graa de Deus e unnime aclamao dos povos, imperadorconstitucional e defensor perptuo do Brasil, houve por bem sancionar, eregistrada na Secretaria de Estado dos Negcios da Justia em 8 de outubro,ficaram enfim extintos os tribunais das Mesas do Desembargo do Pao e daConscincia e Ordens. Por ela, regulava-se igualmente a expedio dosnegcios que lhes pertenciam e ficam subsistindo. Relativamente competncia da Mesa de Conscincia, no que diz respeito ao culto, passou acaber aos juzes de primeira instncia anular eleies de irmandades feitascontra os compromissos e mandar renov-las. Ao Tesouro e s Juntas deFazenda, impor as penses que os procos devem pagar para a capelaimperial. Ao governo, pelas secretarias de Estado pertinentes, expedircartas de apresentao de benefcios eclesisticos sobre resposta dos

    prelados, na forma at aqui praticada; confirmar os compromissos deirmandades, depois de aprovados pelos prelados na parte religiosa; e decidirtodos os mais negcios sobre que at agora eram consultados os tribunaisextintos e que forem da competncia do mesmo governo. s Relaes

    14O tribunal foi criado em princpios do ms de dezembro do ano de 1532 (...) por el rei d. Joo III para neletratarem, particularmente, as matrias que tocassem ao descargo de sua Conscincia. Quando, em 1551, omestrado das trs ordens militares foi assumido pela Coroa portuguesa, a Mesa de Conscincia incorporou osassuntos relativos s Ordens de Cristo, SantIago de Espada e So Bento de Avis, passando a denominar-se daConscincia e Ordens. Alm do governo espiritual e temporal das ordens, sa lvo o que toca s comendas dasMesas Mestrais, cuja administrao pertencia ao Conselho da Fazenda, cabia-lhe, entre outras, aresponsabilidade: pela provedoria dos cativos, seus resgates e seus tesoureiros, mamposteiros e os mais

    ministros deles e a boa arrecadao da fazenda da redeno; pela Provedoria-mor dos defuntos que morremfora destes Reinos (...) e (...) ministros da arrecadao das fazendas que deles ficam [e] que se ordenou para bemde suas almas e proveito de seus herdeiros; pelo governo e superintendncia da Casa das rfs e Meninosrfos da Cidade de Lisboa e distribuio dos dotes de casamentos; pelo governo e provimento das coisastocantes ao Hospital das Caldas e vrios outros hospitais e tambm gafarias e albergarias; pelos neg cios daUniversidade de Coimbra; por diversos ofcios ligados arrecadao de contribuies monetrias; pela visitaode diversas capelas em que jaziam os soberanos portugueses, para se saber como se cumprem as obrigaes quedeixaram; pelo cumprimento de testamentos que o soberano tivesse aceitado; pelas bulas das ordens militaresque tocarem jurisdio que nelas tem a Mesa, concedidas pela Santa S; pelo provimento dos mestres degramtica e canto e de ler e escrever, nos lugares das ordens (...) e assim dos pregadores e tangedores de rgos;e, sobretudo, para efeito deste trabalho, pelas coisas espirituais que os prelados das ilhas e das partes da ndia eGuin me escreverem a que for necessrio das resposta, assim no que tocar converso dos infiis, como aoacrescentamento do culto divino e bem de suas prelazias, de que me daro conta [o presidente e deputados da

    Mesa] antes de fazerem as respostas. NEVES, Guilherme Pereira das. E receber merc: A Mesa daConscincia e Ordens e o clero secular no Brasil (1808-1828).Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997, pp. 25-26.15Idem, Ibidem,p. 127.

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    provinciais, por ltimo, julgar as questes de jurisdio que houverem comos prelados e outras autoridades eclesisticas, de que at agora conhecia oextinto Tribunal do Desembargo do Pao, ouvindo o procurador da Coroa eSoberania Nacional.16

    Assim, tudo o que se referia ao padroado das Ordens Militares, com a extino daMesa do Desembargo do Pao e da Conscincia e Ordens passou para a jurisdio civil.

    Para Jos Scampini que estudou os fundamentos jurdicos, filosficos e prticos da

    legislao regalista imperial, a Constituio do Imprio criou uma antinomia kantiana que no

    foi resolvida em todo o perodo imperial e que teria sido o fundamento de todos os conflitos

    existentes entre Igreja e Estado durante o sculo XIX. A antinomia estaria centrada no artigo

    5 que estabelecia a Religio Catlica Apostlica Romana como religio do Estado e o artigo

    102 que concedia ao Poder Executivo a competncia de intervir nos assuntos eclesisticos. 17Esses artigos teriam dividido os anticlericais, liberais e regalistas que consideravam o artigo

    5 como sendo inconstitucional, pois defendiam a liberdade religiosa a todas as crenas e a

    separao entre Estado e Igreja, de um lado; e os ultramontanos que consideravam o artigo

    102 como sendo inconstitucional, pois feria a liberdade da Igreja que era a religio oficial do

    Imprio. Alm disso, afirma que o padroado no uma instituio propriamente regalista,

    mas atravs dele introduziram-se abusos, claramente regalistas.18

    O resultado do regalismo liberal do incio do Imprio foi a formao de um grande

    nmero de clrigos ligados a poltica partidria liberal, muitos dos quais envolvidos em

    revoltas liberais,19o fortalecimento de uma religio exteriorizada, baseada fundamentalmente

    em irmandades de leigos, onde o padre s tinha atribuies essencialmente espirituais durante

    as cerimnias organizadas pelas confrarias,20e um afastamento da Igreja brasileira da gide

    da Santa S como centro da unidade crist catlica.21 Fazendo com que embora todos os

    brasileiros se assumissem catlicos, era difcil encontrar algum que fosse realmente catlico

    no sentido ortodoxo do termo.22

    16NEVES, op. cit.,p. 132.17SCAMPINI, Jos. A liberdade religiosa nas constituies brasileiras: estudo filosfico-jurdico comparado.

    Revista de Informao Legislativa, v. 11, n. 41, jan./mar. de 1974, p. 108.18Idem, Ibidem, p. 85.19Cf. SANTIROCCHI, op. cit., pp. 120-138.20Idem, Ibidem, pp. 16-17.21 notvel o empreendimento realizado pelo pe. Diogo Feij na tentativa de emancipar a Igreja brasileiranacionalizando-a. Cf. SCAMPINI, op. cit., pp. 98-102; SANTIROCCHI, op. cit., pp. 81-94; VIEIRA,

    Dilermando, op. cit., 77-99.22BARROS, Roque Spencer M. de. Vida Religiosa. In: ELIS, Myriam; ARAJO FILHO, Jos R. de; LUZ,Ncia Vilela et al. O Brasil Monrquico, v. 6: Declnio e queda do Imprio . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2004, p. 377.

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    Durante o segundo reinado, muitas questes relacionadas ao regalismo continuaram

    sendo praticadas, entretanto, logo no incio do governo de d. Pedro II, a situao da Igreja no

    Brasil comearia a passar por algumas mudanas, que ficaram conhecidas como reforma

    ultramontana ou romanizao do clero.

    2. Reforma Ultramontana

    O ultramontanismo, no sculo XIX, se caracterizou por uma srie de atitudesda Igreja Catlica, num movimento de reao a algumas correntes teolgicase eclesisticas, ao regalismo dos estados catlicos, s novas tendncias

    polticas desenvolvidas aps a Revoluo Francesa e secularizao dasociedade moderna. Pode-se resumi-lo nos seguintes pontos: ofortalecimento da autoridade pontifcia sobre as igrejas locais; a reafirmaoda escolstica; o restabelecimento da Companhia de Jesus (1814); adefinio dos perigos que assolavam a Igreja (galicanismo, jansenismo,regalismo, todos os tipos de liberalismo, protestantismo, maonaria, desmo,racionalismo, socialismo, casamento civil, liberdade de imprensa e outrasmais), culminando na condenao destes por meio da Encclica Quanta curae do Slabo de Erros, anexo mesma, publicados em 1864.23

    talo Santirocchi levanta a questo terica sobre a conceituao que a historiografia fez

    a respeito da reforma pela qual a Igreja Catlica passou no sculo XIX. O autor afirma que

    tradicionalmente, a partir da dcada de 1950, desde a obra dos brasilianistas Roger Bastide e

    Ralph Della Cava, a historiografia tem utilizado o conceito de romanizao para se referir a

    reforma que a Igreja brasileira empreendeu no sculo XIX. Segundo Santirocchi,

    Roger Bastide usa a expresso igreja romanizada, que seria a afirmao daautoridade de uma igreja institucional e hierrquica estendendo-se sobretodas as variaes populares de catolicismo. Na opinio deste autor, noBrasil ela vem atravs do movimento reformista do episcopado, em meados

    do sculo XIX, para controlar a doutrina, a f, as instituies e a educao doclero e laicato, levando a uma dependncia cada vez maior, por parte daIgreja brasileira, de padres estrangeiros, principalmente das congregaes eordens missionrias, para realizar a transio do catolicismo colonial aoCatolicismo universalista, com absoluta rigidez doutrinria e moral. Nabusca destes objetivos, o episcopado agiu independentemente e mesmocontra os interesses polticos locais, que se baseavam no regalismo detradio lusitana.(...)

    23SANTIROCCHI, talo. Uma questo de reviso de conceitos: Romanizao Ultramontanismo Reforma,

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG, Belo Horizonte,vol. 2, n. 2, ago./set. 2010, p. 24. Disponvel em:. Acessoem: 31 jul. 2012.

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    Na concepo de Della Cava a romanizao j no traz a conotao deidentidade e universalidade da Igreja, num movimento que buscava arestaurao do seu prestgio e a adequao das prticas e crenas religiosastradicionais com a f catlica. Ele coloca o movimento reformista comoalgo que h de se opor ao catolicismo popular. Della Cava tende aprivilegiar o devocionismo, as crenas populares e, at mesmo, a indisciplinahierrquica.24

    A partir dessas obras grande parte das obras sobre Histria da Igreja no Brasil do

    sculo XIX utiliza o conceito de romanizao. Outro autor citado que contribuiu para o

    estabelecimento do conceito foi Riolando Azzi, conforme Santirocchi, ao mesmo tempo em

    que defendia o movimento ultramontano como reformista ou renovador, tambm enfatizava a

    atitude de reserva que estes reformadores mantinham com relao ao catolicismo

    tradicional.

    A razo era que, alm de possuir um carter marcadamente devocional, estavertente da piedade popular se encontrava eivada de regalismo. Ambas ascaractersticas herdadas de Portugal. Os bispos reformadores do sculopassado buscavam a reforma da Igreja no Brasil, para mold-la aosprincpios tridentinos, colocando nfase na organizao hierrquicaeclesistica e na praxe sacramental, levando-a avante nas diversas classes demembros que compunham a estrutura da Igreja: clero, ordens religiosas eleigos.

    Continuando, Santirocchi afirma que Jos Oscar Beozzo foi o primeiro a afirmar que oconceito de romanizao j era algo consolidado em 1977.25

    Luciano Dutra Neto afirma que Beozzo leva o conceito de romanizao ao quase

    paroxismo de uma luta dentro do Catolicismo, pois afirmava que com a europeizao do

    catolicismo ultramontano, o equilbrio entre dois catolicismos quebrado, formando-se uma

    luta entre o catolicismo mais puro, isto , menos sincretista; mais branco, isto , menos

    ligado s religies africanas; mais ortodoxo, mais prximo de Roma, isto , mais

    identificado doutrina catlica, e que, por fim, sufocaria o catolicismo mestio e barroco.26

    Assim, a romanizao passava a ser entendida como um processo de reforma da

    Igreja Catlica no Brasil com o intuito de sufocar o catolicismo tradicional. E aqueles que

    empreenderam a reforma, principalmente as ordens religiosas, foram considerados agentes

    de Roma. Entretanto, alguns estudos recentes tm contestado essas ideias, dentre eles, os j

    citados - Dilermando Ramos Vieira, talo Santirocchi e Luciano Dutra Neto - que demonstram

    24SANTIROCCHI, Os Ultramontanos..., pp. 203-204.25Idem, Ibidem, p. 206.26DUTRA NETO, Luciano. Das terras baixas da Holanda s montanhas de Minas: uma contribuio histriadas misses redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. 2006. Tese (Doutoradoem Cincia da Religio) Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, p. 32.

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    em seus trabalhos que o conceito de romanizao e de conceituar os reformadores como

    agentes de Roma so modos muito simplistas de se analisar a Histria da Igreja no sculo

    XIX.

    Conforme Luciano Dutra Neto, sempre foi uma preocupao da Igreja ao longo da

    histria empreender reformas. Para ele, chamar tais movimentos de romanizao e seus

    promotores de agentes de Roma reflete, sem dvida, uma certa tendncia a rejeitar que a

    Igreja tenha uma hierarquia qual cabe zelar pela identidade da f e de suas manifestaes.27

    Ao contrrio do que afirmavam os autores tradicionais, para Dutra Neto,

    Quando se fala em reforma, est implcito no conceito a conservao doexistente e a retirada de algo que descaracteriza o objeto ou, de detalhes lhetiram a originalidade ou mesmo a eficinciaIsso torna evidente que a reforma do catolicismo, promovida do perodo emquesto, retirou-lhe exageros, desvios, enfim, aspectos que odescaracterizavam como tal pela ausncia, quase total de uma identidadedoutrinria.28

    Para Luciano Dutra Neto, ao designar os missionrios estrangeiros como agentes de

    Roma, desconfigura-se o seu trabalho e desconhece-se os projetos internos que marcavam a

    histria de cada instituto.29 Segundo o autor, os missionrios no tinham o propsito de

    sufocar as expresses religiosas populares.30

    talo Santirocchi demonstra em um artigo publicado em 2010 que o conceito de

    romanizao inadequado para se classificar o processo de reforma pela qual a Igreja passou

    no sculo XIX. Para o autor, a reforma se baseou na investida dos bispos brasileiros,

    nomeados a partir do segundo reinado, de colocar em prtica a reforma tridentina na Igreja

    brasileira ao mesmo tempo em que combatiam os erros da modernidade especificados na bula

    Quanta cura e no anexo Syllabus, do papa Pio IX, ao mesmo tempo em que aceitaram a

    designao de ultramontanos visto que isso indicava uma aproximao com os ideais da Santa

    S.31

    Conforme nos afirma Santirocchi, no

    existiam ordens pr-estabelecidas vindas de Roma ou agentes daromanizao enviados pela Santa S, mas uma constante troca de

    27DUTRA NETO, op. cit., p. 37.28Idem, Ibidem, p. 38.29Idem, Ibidem, p. 39.30Idem, Ibidem, p. 42.31SANTIROCCHI, Uma questo ..., p. 26

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    informaes e discusso entre bispos, Governo e Santa S (e ao interno daestrutura desta ltima, entre os Cardinais das vrias Sacras Congregaes eda Secretaria de Estado), sobre cada um dos aspectos da religiosidade noBrasil, exatamente com intuito de tomar decises que fossem de acordo comas exigncias e especificidades locais de cada diocese brasileira e tambm doBrasil como um todo.(...)Pesquisando no Arquivo Secreto Vaticano, ao confrontar com instrues e asordens enviadas por Roma ao seu representante no Brasil e aos bisposbrasileiros, encontrei um cenrio muito diverso daquele pregado pelaromanizao, me deparei com bispos que haviam ideias prprias parareformar a Igreja. Tais ideias surgiam das exigncias reais e palpveisnascidas da normal administrao das suas dioceses. E no s, existiamresistncias a algumas ordens e instrues vindas de Roma, existiram ordensque no foram cumpridas e, o que mais importante, muitosposicionamentos da Santa S no partiram de ideias pr-concebidas, mas de

    uma atenta analise dos ofcios, cartas e documentos enviados pelosrepresentantes, pelos prelados e por laicos brasileiros, numa tentativa decompreender a especificidade brasileira e do desenvolvimento docatolicismo no nosso pas.32

    O processo de reforma ultramontana da Igreja no Brasil comeou como um

    empreendimento do prprio Estado na inteno de afastar os padres da poltica partidria,

    tendo em vista a expressiva participao do clero em revoltas de cunho liberal. Entretanto, os

    mesmos bispos que procuraram afastar os sacerdotes da participao poltico-partidria, foram

    tambm os que no concordavam com as prticas regalistas do Estado brasileiro.

    Assim, ao mesmo tempo em que o Estado resolvia o problema da participao poltica do

    clero, criava uma tenso entre o poder civil e o poder eclesistico no Brasil, tendo em vista

    que a Igreja comeava a defender sua autonomia.33

    Entre os diversos motivos de conflito existentes entre o Estado e a Igreja no sculo

    XIX estava a questo dos imigrantes protestantes e a defesa pelos seus direitos. sobre essa

    questo, e mais especificamente sobre a atuao dos missionrios protestantes presbiterianos

    que temos desenvolvido nossa pesquisa de mestrado.

    3. O papel dos protestantes na tensa relao entre Estado e Igreja

    No propsito de trocar a mo de obra escrava pela livre, o Estado facilitou a vinda de

    muitos imigrantes protestantes que comearam a se instalar no Brasil. Conforme o nmero de

    imigrantes ia crescendo a luta por direitos civis s famlias protestantes crescia junto, diversos

    32Idem, Ibidem, p. 32.33Cf. SANTIROCCHI, Os ultramontanos..., pp. 147-152; 170-191.

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    polticos liberais, ainda na Constituinte de 1823 defendiam a plena liberdade de religio, com

    vistas a favorecer a imigrao de trabalhadores protestantes para o Brasil.34

    Durante a dcada de sessenta, alguns missionrios j estavam divulgando a mensagem

    protestante no Brasil, dentre eles os presbiterianos. A amizade que esses missionrios

    fizeramm com polticos regalistas, liberais, maons e republicanos j foi bem trabalhada na

    obra de David Gueiros Vieira, em sua obra, este autor defende que essas redes de amizade

    foram um dos fatores que contriburam para a Questo Religiosa.35

    Dentre os polticos liberais que defendiam reformas para favorecer as famlias no

    catlicas, e que combatiam os ultramontanos, podemos citar: Aureliano Candido Tavares

    Bastos36e Jos Thomaz Nabuco de Arajo37.

    4. A imprensa religiosa da dcada de 1860: Imprensa Evangel ica e O Apostolo

    A imprensa no sculo XIX foi o principal instrumento utilizado por diversos grupos

    polticos e sociais para manifestarem suas ideias e exporem suas opinies a respeito de

    diversos temas no Brasil.

    Em nosso projeto de pesquisa para o mestrado, escolhemos trabalhar com a imprensa

    religiosa da dcada de sessenta at os anos iniciais de 1870, especificamente a produzida no

    34Guilherme Pereira das Neves ao tratar das questes a respeito da liberdade religiosa na Constituinte, afirmaque a uma sensibilidade que no mais concebia a incluso das questes de conscincia religiosa na poltica, que

    buscava separar a crena da poltica, somava-se a preocupao prtica, externada por muitos outros, de atrairimigrantes, capazes de substituir a fora-de-trabalho escrava, cada vez mais identificada como inaceitvel pelos

    partidrios do progresso. NEVES, Guilherme Pereira; NEVES, Lcia M. Bastos Pereira. And if thereis nosattelzeit? The concept of religion and its Role in nineteenth-century Brazil. In:, THE 14TH ANNUALCONFERENCE OF THE HISTORY OF POLITICAL AND SOCIAL CONCEPTS GROUP INSTABILITY

    AND CHANGE OF CONCEPTS: SEMANTIC DISPLACEMENTS, TRANSLATIONS, AMBIGUITES,CONTRADICTIONS: 7 Problems for the study of the History of Political and Social Concepts in Latin America,14, 2011, Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes, 28 set. 2012. Disponvel em: . Acesso em: 07 jan. 2013.35 vista da evidncia apresentada neste estudo, pode-se seguramente afirmar que a presena protestante noBrasil foi um elemento que contribuiu para a Questo Religiosa. (...) a faco brasileira republicana-liberal-maonica da poca achava que essas contribuies eram essenciais ao crescimento da nao e por esta razo,entre outras, estava disposta a batalhar contra os que queriam conservar o imigrante acatlico fora do Brasil.VIEIRA, David, op. cit., p. 377.36Idem, Ibidem, p. 95-112.37 Nabuco de Arajo deu um parecer favorvel causa protestante no caso Kalley em 1859. CARDOSO,Douglas Nassif.Robert Reid Kalley: mdico, missionrio e profeta; a histria da insero do protestantismo no

    Brasil e em Portugal. So Bernardo do Campo: Edio do autor, 2001, pp. 130-136; Sobre a proximidade desses

    dois polticos com os protestantes a nvel de discurso veja tambm: MEDEIROS, Pedro H. C. de Medeiros. Ojornal Imprensa Evangelica: o discurso protestante no Brasil imperial (1864-1867). 2011. Monografia(Licenciatura em Histria) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto Multidisciplinar, NovaIguau.

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    Rio de Janeiro. Dos jornais religiosos fundados na dcada de 1860 na Corte, privilegiamos O

    Apostolo, jornal ultramontano fundado em 1866, e a Imprensa Evangelica, jornal

    presbiteriano fundado em 1864.

    Um dos instrumentos utilizados pelos protestantes para exporem suas ideias e lutar por

    direitos civis foi a imprensa. Os missionrios presbiterianos, liderados pelo norte-americano

    Ashbel Green Simonton, em 1864 fundaram o primeiro peridico dedicado totalmente aos

    interesses dos protestantes imigrantes e nacionais, era aImprensa Evangelica.

    Segundo David Gueiros Vieira, Simonton estava impressionado com o que lia nos

    peridicos da poca com relao a assuntos religiosos. Embora no houvessem ataques

    jornalsticos ao protestantismo, havia uma poro de publicaes contrrias aos

    ultramontanos, a Igreja Catlica e ao papismo.

    Para Vieira,

    Simonton, entretanto, no se deixava enganar pelo liberalismo brasileiro,nem pela fraqueza aparente do catolicismo nacional. Na sua opinio, adefesa do protestantismo feita pelos polticos liberais era baseada nosomente na necessidade que o pas tinha de imigrao, como tambm na suaabsoluta indiferena religio em geral.38

    O interesse de Simonton pelo que era escrito a respeito de religio e o carter negativo

    do interesse que os intelectuais e polticos nutriam pela religio teriam feito com que

    Simonton fundasse o jornal, conforme nos afirma David Vieira.39

    Atravs da anlise do discurso produzido neste peridico, podemos ter uma noo da

    viso presbiteriana a respeito da situao poltico-religiosa no Brasil, ao mesmo tempo em

    que apresentavam ao pblico brasileiro a mensagem protestante presbiteriana com intenes

    conversionistas.40

    Dentre os principais interlocutores da Imprensa Evangelica estava o jornal catlico

    ultramontano O Apostolo. Vrios artigos publicados nesses jornais se citavam, sempre em

    tons de crtica e combate.41

    Dentre os artigos temas de debate entre os dois jornais podemos citar os publicados

    pelaImprensa Evangelica: O culto de imagens e a sensualidade, publicado em 03 de maro

    38VIEIRA, David, op. cit., p. 137.39Idem, Ibidem, p. 147.40MEDEIROS, op. cit.,pp. 46-53; 62-67.41Idem, Ibidem,pp. 68-77.

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    de 1866, foi a partir deste artigo que o debate se iniciou entre a Imprensa Evangelica e O

    Apostolo; O que um Sacramento, publicado em 15 de setembro de 1866; Uma palavra ao

    Apostolo, publicado em 03 de novembro de 1866; O desafio do Apostolo, publicado em

    04 de maio de 1867, dentre outros.

    Quando esses jornais foram fundados, a S do Rio de Janeiro estava vaga, o Conde de

    Iraj, d. Manuel do Monte Rodrigues de Arajo, havia morrido em 1863. O jornal Imprensa

    Evangelica foi fundado um ano depois da morte de d. Manuel, e O Apostolo, trs anos depois.

    Durante os primeiros anos dO Apostolo, alm dos artigos de cunho religioso e

    polemista, o jornal foi espao para publicao de diversas cartas pastorais de bispos

    ultramontanos. E sobre o contedo dessas cartas que trabalharemos a partir deste momento.

    Analisaremos algumas dessas cartas pastorais com a inteno de compreendermos o discurso

    ultramontano, ao mesmo tempo em que analisaremos como certos temas trabalhados pelos

    ultramontanos foram combatidos pelos presbiterianos atravs daImprensa Evangelica.

    5. Cartas Pastorais: d. Antnio de Macedo Costa e d. Pedro Maria de Lacerda

    De acordo com Edilberto Cavalcante Reis, a pratica epistolar uma tradio crist que

    remonta ao tempo dos Apostolos, no primeiro sculo, ocupando um importante lugar na

    Teologia, na espiritualidade e na liturgia crists. Aps a Reforma tridentina, no sculo XVI, a

    Igreja teria empreendido um grande projeto de manter a unidade e a ortodoxia crist, sendo

    que as cartas pastorais e as visitas pastorais exerceram um importante papel neste projeto.42

    Ao trabalhar com as caractersticas das cartas pastorais de d. Lus Antnio dos Santos

    e d. Joaquim Jos Vieira, bispos do Cear no oitocentos, o autor prope a seguinte divisotemtica para as cartas pastorais:

    A) Documentos de cunho doutrinrio e pastoral: cartas que tratavam dequestes prticas como a sacramentalizao (casamentos, confisses emissas), festas, atendimento de fiis, devoes, associaes pias, retiros parao clero.

    42 REIS, Edilberto Cavalcante. Visitas e cartas pastorais: a construo de um projeto eclesial. In: IIIENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH:Questes terico-metodolgicas no estudo das religies e religiosidades, Revista Brasileira de Histria das

    Religies, Maring, v. 3, n. 9, jan. 2011, pp. 1-2.

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    B) Sobre moral e costumes: essas tratavam de questes relativas relaoentre casados , definiam o comportamento do clero, apontavam erros edepravaes morais.C) Documentos disciplinares e normativos: traduziam para o povo e para oclero aquelas normas que deveriam ser seguidas no culto e na vida diriapara que se pudesse viver de acordo com os preceitos da Igreja.43

    Segundo Edilberto Reis, as cartas serviam como espaos privilegiados de

    comunicao entre a Igreja e os fiis, conseguindo alcanar at os iletrados que ficavam

    cientes daquilo que era discutido no mundo dos letrados. Edilberto ainda afirma, podemos

    dizer que eram as idias que mais fundo penetravam na sociedade brasileira. Em certa medida

    mais que imprensa, mais que a literatura e infinitamente mais que os escritos filosficos,

    cientficos e polticos da intelectualidade de ento44.

    Para Edilberto Reis, os bispos do Cear se utilizaram das cartas e visitas pastorais

    como principal instrumento de combate as ideias protestantes que estavam se inserindo na

    sociedade cearense oitocentista.

    Encerrando sua argumentao Edilberto Reis diz que quando os bispos produzem suas

    cartas pastorais, eles falam como membros do Magistrio e em unio com todo o Magistrio d

    Igreja.45

    Outro pesquisador que trabalha com cartas pastorais Andr Luiz Caes, segundo esteautor, as cartas pastorais foram amplamente utilizadas pela hierarquia catlica como um

    instrumento essencial para o estabelecimento da autoridade espiscopal nas dioceses, e assim

    como Edilberto Reis, Caes defende que as cartas eram o principal meio de comunicao

    entre o Bispo, os procos e, atravs destes, os fiis. Era atravs delas que o Bispo podia se

    fazer presente em cada comunidade e estabelecer sua autoridade entre os clrigos e a

    populao de sua jurisdio.46

    As cartas pastorais deveriam ser copiadas no Livro de Tombo e comunicadas aos fiisdurante a cerimnia religiosa. Sendo que durante o Imprio, com a ampla utilizao da

    imprensa, as pastorais passariam a ser impressas e distribudas nas parquias da diocese.

    Assim como Edilberto Reis, Andr Caes explica os propsitos das pastorais.

    43Idem, Ibidem,p. 3.44REIS, op. cit., p. 4.45Idem, Ibidem, p. 8.46CAES, Andr Luiz. A palavra dos pastores, as cartas pastorais dos bispos brasileiros 1821-1890. Disponvelem: . Acesso em: 07 jan. 2013, p. 1.

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    Nas pastorais, os Bispos procuravam responder a todas as necessidades eproblemas que envolviam a administrao diocesana, estabelecendo, pormeio delas, estatutos e regulamentos, tabelas de esprtulas e emolumentos,normas litrgicas e sacramentais, orientaes doutrinais sobre todas asquestes que envolviam os objetivos religiosos e polticos da instituio e,tambm, admoestaes e impedimentos aos procos que no seenquadravam aos padres de comportamento desejados para a vida clerical.Por essas caractersticas as pastorais permitiam a conduo, pelo Bispo, doprocesso de disseminao das prticas catlicas por toda diocese, de acordocom os objetivos institucionais. Nas pastorais esses objetivos eramdelimitados de forma clara e precisa, visto que sua mensagem, excetoquando dirigida exclusivamente ao clero, devia ser lida e explicada na missadominical e afixada em local visvel para o conhecimento dos fiis.47

    Neste estudo, abordaremos ao todo seis pastorais, duas do bispo d. Antnio de Macedo

    Costa e quatro do bispo d. Pedro Maria de Lacerda. O propsito analisar o discurso dos

    bispos a fim de apontarmos para as principais caractersticas do pensamento ultramontano

    presente em seus textos. Entendemos que os discursos dos ultramontanos se constituam de

    diversas intenes. Em suas pastorais, os ultramontanos ao mesmo tempo em que procuravam

    se posicionar perante um fato que envolvia a Igreja, procuravam tambm combater seus

    inimigos, e combater outras religies concorrentes no Brasil como os protestantes.

    Em 28 de janeiro de 1866, O Apostolopublicou uma Instruo pastoral de d. Antnio

    de Macedo Costa.48 A instruo tinha a inteno de orientar os diocesanos sobre como

    poderiam participar das graas concedidas pelo jubileu concedido pelo papa Pio IX, em 08 de

    dezembro de 1865. Alm da instruo, o bispo tambm transcreveu uma pastoral do bispo de

    Orleans, Mons. Flix-Antoine-Phibert Dupanloup,49dizendo assim:

    Folgamos de adoptar como nossas, as idas expostas com tanta clareza comoeloquencia por este insigne Prelado uma das maiores glorias doCatholicismo neste sculo. Folgamos de nos unir a elle, todo o EpiscopadoCatholico, ao immortal Pio IX, e protestamos que no temos, que no

    queremos ter jamais outros sentimentos, outras doutrinas, seno as domesmo Episcopado Catholico unido ao seu augusto chefe.50

    47Idem, Ibidem, p. 2.48 Bispo de Gro-Par, sagrado bispo em 21 de abril de 1861, pelo Internncio Mons. Mariano Falcinelli,assumiu a diocese em 11 de agosto de 1861. Sendo um dos bispos ultramontanos mais atuantes, ficou conhecido

    pela historiografia por ter sido um dos protagonistas da Questo Religiosa da dcada de 1870. Em 1873 recebeuordem de priso pelo Supremo Tribunal de Justia por ter se negado a suspender as interdies s irmandadesque no aceitaram excluir os membros maons de seus quadros. Cf. SANTIROCCHI, Os ultramontanos..., pp.507-531; VILLAA, Antonio Carlos. Histria da questo religiosa no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1974; VIEIRA, David, op. cit., pp. 293-313.49D. Flix-Antoine-Phibert Dupanloup foi colega de d. Macedo Costa no Seminrio de So Sulpcio de Paris nadcada de 1850. SANTIROCCHI, op. cit., p. 265.50MACEDO COSTA, D. Antonio de. Instruco pastoral. O Apostolo, Rio de Janeiro, ano 1, n. 6, 11 fev. 1866,

    p. 8.

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    D. Antonio de Macedo Costa, diz que a bula dogmtica da Imaculada Conceio e a

    Encclica de 1864, marcavam a renovao da ordem crist no mundo, para ele isso era prova

    viva de que aIgreja Catholica ahi est viva, presente ensinando s naes na plenitude de sua

    fora divina, ao contrrio do que os crticos diziam, d. Macedo Costa afirma que se a Igreja

    fosse uma

    ... instituio morta ou moribunda, ninguem com ella se inquietaria.Muitos dos que activamente nos combatem, diz judiciosamente MonsenhorManning, so forados a reconhecer no meio de suas proprias divises aunidade da Igreja e a vitalidade vigorosa della atravez da dissoluocrescente de todo outro systema religioso. positivamente por uma vontadeparticular do divino chefe da Igreja que no meio do XIX seculo, em quanto

    as intelligencias e os coraes tem tocado ao ultimo excesso daincredulidade como da licena em materia de revelao, de moral, ou depolitica, por uma vontade particular de Deus que o Vigario de Jesus-Christo, aquelle a quem chamma o Concilio de Florena o doutor doschristos, tem duas vezes nestes ultimos annos, feito ouvir a voz da infallivelverdade, dando desta arte o Papa um solemne testemunho no s ao singularprivilegio, primeiro fructo da graa de Deus concedida Immaculada Mede Deus, e aos grandes principios da moral e de jurisprudencia sobre osquaes est fundado o mundo christo; mas ainda mostrando Pio IX em suapessoa a assistencia perpetua do Espirito de Deus, essa luz celeste pela quala Igreja e seus Pontifices, em todos os seculos, agora, como no principiodeterminam e publicam onde esto os limites da mentira e da verdade. A

    bulla dogmatica da Immaculada Conceio e a Encyclica do anno passado,marcaram, ns o cremos, uma poca no renovamento da ordem christ nomundo. Os sabios e illustrados podem bem rir-se de ns. Que importa?Deixemol-os rir, at que a zombaria do XXI sculo seja enterrada com asheresias dos desoito precedentes.51

    Algumas questes concernentes ao pensamento ultramontano so evidenciadas neste

    discurso de d. Macedo Costa, questes que como acima j foi demonstrado, vo muito alm

    de uma simples romanizao do clero.

    D. Macedo Costa destaca que a unidade da Igreja Catlica evidenciada pela unio de

    vrios bispos do orbe catlico a favor da centralidade da Igreja e na submisso ao Sumo

    Pontfice. Para o bispo, a unidade da Igreja se contrapunha a diviso que existia entre os

    vrios grupos que a desejavam morta ou adormecida, ou seja, aqueles que eram os principais

    inimigos do ultramontanismo.

    Entendendo o texto como constitudo de mltiplas linguagens e procurando

    compreender o que o autor intencionava dizer ao produzir seu texto.52Podemos entender que

    51MACEDO COSTA, D. Antonio de. Instruco pastoral. O Apostolo, ano 1, n. 4, 28 jan. 1866, p. 4.52POCOCK, J. G. A.Linguagens do Iderio Poltico. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2003,

    pp. 73-75.

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    d. Macedo Costa no s estava se referindo aos inimigos da Igreja a nvel mundial, como

    tambm aos mais prximos de si, aos anticlericais brasileiros. Tomando como ponto de

    partida as ideias que eram combatidas pelo Syllabus de Erros, entendemos que d. Macedo

    Costa estava querendo atingir diversos grupos, tais como: os liberais e os protestantes, dentre

    outros grupos que, ao contrrio da Igreja unida, estariam divididos.

    A respeito dos liberais, a dcada de 1860 marcada pelo fim do perodo conhecido

    como conciliao, fundao do partido progressista com a sucessiva diviso do partido entre

    liberais e republicanos na dcada de 1870.

    Quando o partido progressista fundado em 1864, os membros da Liga Progressista se

    comprometeram com um programa de reformas, entre eles: a liberdade religiosa, a defesa de

    uma igreja livre em um Estado livre, o casamento civil dentre outras questes. Entre os

    membros da Liga Progressista, encontravam-se antigos polticos conservadores dentre eles:

    Arajo Lima, marqus de Olinda, Nabuco de Arajo, Zacarias de Gis e Vasconcelos,

    marqus de Paranagu, Sinimbu, e Saraiva. Conhecidos polticos que combateram o

    ultramontanismo alm de defenderem projetos de direitos civis que favoreciam as famlias

    protestantes.53

    Sobre os protestantes, na dcada de 1860 j haviam diversas denominaesrepresentadas no Brasil. Entre os missionrios, podemos apontar para Rober Reid Kalley,

    pastor independente de qualquer agncia missionria estrangeira e fundador da Igreja

    Evanglica Fluminense em 1858.54 E o j citado Ashbel Green Simonton e seus

    companheiros, financiados pela Junta de Misses da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos,

    fundadores da Igreja Presbiteriana do Brasil em 1862.55Essas duas igrejas missionrias, sem

    contar as dos imigrantes, faz-nos ter uma dimenso da crtica dos ultramontanos com relao

    s divises dentro do protestantismo.

    Outra caracterstica prpria dos ultramontanos a submisso a autoridade pontifcia,

    ao divino chefe da Igreja, ao Vigrio de Jesus Cristo, e a Santa S como centro da

    53COSTA, Emilia Viotti. Da monarquia Repblica: momentos decisivos. 6 ed. So Paulo: Fundao Editorada UNESP, 1999, p. 162.54 No dia 11 de julho de 1858, Kalley realizou o seu primeiro batismo de um brasileiro, Pedro Nolasco deAndrade, no culto domstico realizado na casa de Francisco da Gama, na rua Boa Vista. Nesta data foiestabelecida a primeira Igreja Evanglica. CARDOSO, op. cit., p. 128.55No domingo, dia 12 [de janeiro de 1862], celebramos a Ceia do Senhor, recebendo por profisso de f Henry

    E. Milford e Camillo Cardoso de Jesus. Assim foi a nossa organizao em igreja de Jesus Cristo no Brasil. Foiuma ocasio de alegria e prazer. Muito antes que minha pequena f esperava, Deus permitiu-nos ver a colheitados primeiros frutos de nossa misso. SIMONTON, Ashbel Green. O Dirio de Simonton: 1852-1866. 2 ed.Revisada e ampliada com mapas e fotos. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2002, p. 152.

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    unidade da f catlica. Para o bispo, a bula e a Encclica emitidas pelo pontfice auxiliado

    pelo Esprito de Deusmarcavam uma poca de renovao da ordem crist no mundo. Para o

    bispo era um fortalecimento da Igreja a partir da perspectiva do ultramontanismo.

    Em 04 de fevereiro de 1866, o jornal continua a publicao da Instruo pastoral,

    Ah! que a verdade catholica acha seu echo no fundo de todas asconscincias (...)No, no, pobres inimigos, poderes de um momento, conclue o grandeBispo, quando tivsseis dado em terra com o throno do Papa, no tereisacabado com a Igreja nem com o Papa!(...)Este acto providentssimo do Pastor supremo, Irmos e Filhos dilectissimos,

    acto em que a misericrdia e a verdade se encontro e se enlao na maisfeliz harmonia: Misericordia et veritas obviaverunt sibi, justitia et puxosculatae sunt: a misericrdia na concesso de um Jubileu universal, queattahir por certo sobre a Santa Igreja uma torrente copiosissima de graas; averdade pela declarao das sans doutrinas e condemnao dos errosperniciosissimos que ameaavo infectar com seu veneno mortfero amoderna sociedade; esse acto, duplamente digno dos respeitos e da gratidodos verdadeiros fieis, excitou, devia excitar, todas as cleras da impiedaderevolucionaria.(...)esses homens cujo fim desacreditar o Papa antes de destruil-o; tornarodioso o catholicismo como uma instituio caduca, retrograda, inimiga do

    gnero humano para plantar em logar delle o indifferentismo em matria dereligio e a descrena universal; lanro-se com sanha desabrida contra aEncyclica, desfigurro-na com as mais extravagantes interpelaes,invertero-lhe calumniosamente o sentido, apresentando-a aos povos comodeclarao de guerra feita pelo Pontificado ao verdadeiro progresso e civilizao.Esses clamores repercutiro, ainda que frouxamente, entre ns. Devemosdizel-o com magoa; em geral o nosso jornalismo, que professa oCatholicismo, no se precav bastante contra as insidias dos inimigosdeclarados de nossa Santa Religio.56

    D. Macedo Costa agora faz um apontamento digno de nota, ao afirmar que a inteno

    dos inimigos do papa, antes de destru-lo era desacredit-lo, acusando a Igreja de ser

    retrgrada, uma instituio caduca e inimiga do gnero humano. A nvel nacional,

    percebemos tal acusao vinda de setores regalistas, liberais, manicos e protestantes que

    acusavam os ultramontanos de se porem contra o progresso almejado pelas elites liberais.

    Os presbiterianos, em suas publicaes na Imprensa Evangelica, em diversos

    momentos defenderam a ideia de que os ultramontanos e os defensores do Syllabus agiam

    contra o progresso e a civilizao, em contraponto, os presbiterianos redatores do jornal

    apresentavam a liberdade religiosa como nica maneira de se alcanar o verdadeiro progresso

    56MACEDO COSTA, D. Antonio de. INSTRUCO pastoral. O Apostolo, ano 1, n. 5, 04 fev. 1866, p. 4.

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    na sociedade. Para os presbiterianos, o antagonismo entre o progresso e o atraso ficava

    evidenciado quando se comparavam pases que defendiam o Syllabus e rejeitavam a liberdade

    religiosa e aqueles onde a liberdade religiosa era garantida, uns estavam atrasados, os outros

    abundavam em exemplos de progresso econmico e social. Para exemplificar, temos os

    artigos A Austrlia publicado em 02 de novembro de 1867, como exemplo de pas onde h

    liberdade religiosa e por isso h progresso; e do lado oposto o artigo A Cmara dos

    Deputados da Austria reclamando a liberdade religiosa, publicado em 17 de agosto de 1867,

    em que a falta de liberdade religiosa era apresentada como sendo um empecilho para o

    progresso.57

    Entre os liberais que tinham esse discurso contra os ultramontanos, podemos destacar

    Aureliano Candido Tavares Bastos, em sua obra Cartas do Solitrio, quando trata de defender

    a livre concorrncia para o ensino pblico, e afirma sua posio contrria a reforma pela qual

    a Igreja Catlica estava passando no sculo XIX, defendendo inclusive que devido ao rumo

    que a Igreja estava tomando era importante que o Estado no descuidasse e mantivesse

    extrema desconfiana com os emissarios de Roma.

    Ora, quando a egreja constituda theocraticamente, vive das tradices

    feudaes, abraa-se aos symbolos da edade mdia como se foram a imagemfiel da sua origem divina ou o typo do seu futuro; quando a egreja,caracterisada pelo odio violento, pelo scepticismo corruptor, pelomaterialismo vulgar e pela tenacidade fatalista do cardeal Antonelli, reagecontra o seculo em vez de abraar-se com elle, e entrega a cadeira de S.Pedro, sobre cujos fechos doiro descra um raio de liberdade, s mospolluidas do sangue derramado em Napoles, expondo aos olhos de todos estatriste contradico: 1847 e 1861; quando os emissarios de Roma vagueam deporta em porta, de cidade em cidade, cobrindo com o manto escuro dahypocrisia selvagem a face illuminada dos filhos do seculo XIX; quando areaco ostenta-se e o fanatismo desce do alto, justo, dicemos ns, necessrio, repetimol-o hoje, que o governo encare a egreja catholica com oolhar da mais profunda desconfiana, e no lhe deixe subir o primeiro degraudo favor para que Ella, galgando em um pulo a escada, no tome-nos deimproviso todas as avenidas da libertao.58

    Outra questo levantada por d. Macedo era a questo de que os jornalistas que se

    diziam catlicos no Brasil, embora fossem sinceramente catlicos, no mantinham o devido

    cuidado ao transcreverem artigos produzidos por inimigos da religio, o bispo cita jornais

    franceses, como: Sicle, Opinion Nationale ePresse, fazendo uma crtica clara ao jornalismo

    57A AUSTRALIA, Imprensa Evangelica, v. III, n. 21, 02 nov. 1867, p. 165; A CAMARA dos deputados daAustria reclamando a liberdade religiosa,Imprensa Evangelica, v. III, n. 16, 17 ago. 1867.58Cf. TAVARES BASTOS, Aureliano Candido. Cartas do Solitrio. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Popular deA. A. da Cruz Coutinho; Livreiro Editor, 1863, p. 74.

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    catlico que deveria investir na defesa da f, ao invs de transcreverem artigos de inimigos da

    religio, caracterstica de um bispo que tinha conscincia da importncia da imprensa59.

    Em 11 de fevereiro de 1866, O Apostolocontinua a publicar a Instruo pastoral

    Achamos, Irmos e Filhos carissimos, que chegado o tempo de fallar,porque j passou o tempo de guardar silencio. (...) Ja demos publicidade nafolha religiosa deste Bispado veneranda Encyclica do Summo Pontifice, aqual todos, como verdadeiros catholicos adherimos da maneira a mais plenae do fundo de nosso corao.(...)Nosso intuito na presente instruco esclarecer-vos sobre o verdadeirosentido delle, mostrando-vos qual a doutrina catholica sobre o progresso, acivilisao, a liberdade dos cultos, a liberdade de imprensa, a liberdade de

    consciencia, e outras questes formidaveis que toco ao mesmo tempo ordem social e religiosa e que so todos os dias agitadas pela imprensa impianum sentido to falso no ponto de vista theorico, quo pernicioso no pontode vista pratico.Para attingir este fim no julgamos fazer nada melhor do que dar-vos omagnifico e luminosissimo commentario feito pelo eximio Bispo de Orleans,Monsenhor Dupanloup, ao acto Pontificio. Folgamos de adoptar comonossas, as idas expostas com tanta clareza como eloquencia por este insignePrelado uma das maiores glorias do Catholicismo neste seculo. Folgamos denos unir a elle, todo o Episcopado Catholico, ao immortal Pio IX, eprotestamos que no temos, que no queremos ter jmais outros sentimentos,outras doutrinas, seno as do mesmo Episcopado Catholico unido ao seuaugusto chefe. Lde as paginas seguintes. impossivel percorrel-as comalguma atteno sem se sentir arrastado pela evidencia irresistivel daverdade.60

    Neste momento, o d. Macedo diz qual o propsito desta Instruo, que era esclarecer

    o verdadeiro sentido da Encclica, mostrando qual era a doutrina catlica a respeito do

    progresso, da civilizao, da liberdade de cultos, da liberdade de imprensa, da liberdade de

    conscincia e sobre outras questes concernentes a ordem social e religiosa que eram

    debatidos na imprensa mpia.

    D. Macedo ressalta uma das principais atitudes tomadas pelos ultramontanos no

    intento de reformar o clero e a devoo dos fiis, isto , a instruo sobre as doutrinas

    catlicas de acordo com o Conclio de Trento, e com a Encclica Quanta Cura e Syllabusem

    anexo.61

    59 Conforme a afirmao de Santirocchi, o bispo d. Macedo Costa reconhecia de tal forma a importncia daimprensa que apoiou a fundao do jornal A Estrela do Norte, em 06 de janeiro de 1863. SANTIROCCHI, op.cit., p. 267.60MACEDO COSTA, D. Antonio de. Instruco pastoral. O Apostolo, ano 1, n. 6, 11 fev. 1866, p. 8.61Ao abordar o ministrio de d. Antonio Joaquim de Mello, Santirocchi afirma que durante as visitas pastoraisdo prelado, este se preocupava em exortar, instruir e proceder s confisses, alm de dar importncia e insistircom o clero da necessidade depregao do evangelho e do ensino do catecismo, chegando mesmo a ameaar de

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    Outra questo que neste momento j entrava em choque com o regime regalista

    brasileiro era o fato de d. Macedo Costa ter publicado e afirmar que como verdadeiro catlico

    aderia de maneira mais plena e do fundo do corao os preceitos de uma Encclica que no

    havia recebido o beneplcito imperial. O que demonstra uma posio firme dos ultramontanos

    em no se submeterem ao regalismo imperial procurando a autonomia da Igreja no Brasil e

    sua ligao com a unidade catlica centralizada no pontfice. O acumulo de atitudes como

    essas teriam como conseqncia, na dcada seguinte, o conflito conhecido como Questo

    Religiosa.

    Antes mesmo desta Instruo, d. Macedo Costa j demonstrara que no aceitava se

    submeter ao regalismo estatal, na Memria entregue ao Imperador em 1863 j defendia sua

    posio, isso dez anos antes de estourar a Questo Religiosa.

    Se dever rigoroso dos Bispos fazer chegar a verdade ao p do throno (...)permita V. M. I. que o diga com a dolorosa franquesa que devo ter nestaocasio: de muito, Senhor, os Bispos do Brazil somos contristados comAvisos e Decretos restrictivos da liberdade e independencia de nossosagrado ministerio; de muito notamos com magoa a funesta tendencia dogoverno a ingerir-se na economia da Igreja como se procurasse reduzil-apouco e pouco condio de um estabelecimento humano, a um mero ramo

    dadministrao civil. Parecem no ser mais os Bispos do Brazil quefunccionarios publicos.62

    Neste protesto de d. Macedo, estava revelado seu descontentamento sobre o modo

    como os clrigos eram tratados no regalismo imperial, sem autonomia e sendo tratados como

    meros funcionrios pblicos. Conforme nos afirma Santirocchi, este bispo

    Sem nenhuma timidez iniciou logo uma enrgica defesa da Igreja frente oregalismo imperial. Defendeu a autoridade dos bispos, o direito deautonomia administrativa dos Seminrios em relao ao poder civil,combateu as eleies no recinto das igrejas e a interferncia do Estado nasrelaes do clero com o seu bispo e na administrao das parquias.63

    Por fim, d. Macedo passa a transcrever a pastoral do seu colega do Seminrio So

    Sulpcio, Mons. Dupanloup dizendo que fazia suas as palavras do colega, procurando

    suspenso os procos que no cumprissem estes preceitos. E nas cartas pastorais deste prelado, ele tentaraorganizar e regular as devoes populares, chamando a ateno para as deficincias do ensino religioso nasescolas e combatendo a participao poltico-partidria do seu clero. SANTIROCCHI, op. cit., p. 246.62MACEDO COSTA, D. Antonio de. Memoria apresentada S. M. o Imperador (...), 1863 apud CAES, Andr

    Luiz. A palavra dos pastores: as cartas pastorais dos bispos brasileiros 1821-1890. Disponvel em:. Acesso em: 07 jan. 2013.63SANTIROCCHI, op. cit., p. 267.

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    demonstrar a unidade que existia entre os bispos do orbe catlico sob a direo do Sumo

    Pontfice.

    Em sua pastoral, Mons. Dupanloup, bispo de Orleans, procurou instruir seus

    diocesanos acerca dos erros relacionados na Encclica. Em sua pastoral, o bispo de Orleans

    comeava afirmando que a Encclica no estava sendo interpretada e sim desfigurada. O erro

    que produzira esse estranhamento por parte da sociedade centrava-se no fato de que os

    documentos romanos eram dirigidos aos bispos e no aos jornalistas, entretanto, esse

    documento havia sido subtrado aos bispos e dado em pasto aos jornalistas.

    Segundo o bispo Dupanloup, o motivo de tantos estranhamentos era que os jornalistas

    ao traduzirem a Encclica, encheram-na de contra-sensos, foroso confessal-o os mais

    ridiculos, os mais inesperados mesmo sobre pontos gravissimos.64

    O bispo Dupanloup exemplificava com alguns erros de traduo do latim que os

    jornalistas cometeram. Para o bispo, os redatores do Siclee do Journal des Dbats, no s

    violaram o sentido teolgico, mas tambm o sentido literal, o sentido gramatical, alm do

    dicionrio e da gramtica. Os jornalistas teriam tomado os nomes de cidades pelos de

    homens, os verbos por substantivos, as affirmaes por negaes.

    Para Mons. Dupanloup, era indesculpvel que em um pas de bom senso como aFrana, fosse proibido aos bispos interpretarem e publicarem os documentos pontifcios,

    sendo eles capacitados para o fazerem, enquanto que aos jornalistas, que no tinham

    autoridade para interpretarem os documentos romanos, fossem entregues livremente65

    O bispo de rleans defende a posio do papa como defensor da f catlica ao ter

    publicado a Encclica procurando corrigir e repreender a sociedade contra os erros da

    modernidade.66 Posteriormente, afirma que algumas proposies s eram condenadas no

    sentido de seus autores e no no sentido absoluto das palavras. E diz que era dever da Igreja

    reger as conscincias de seus filhos.67 Ao tratar da questo da civilizao moderna e o

    progresso, o bispo afirmava que o papa s condenava o que havia de ruim no progresso, o que

    havia de bom no somente era aceito pela Igreja como at mesmo proclamado por ela,

    64MACEDO COSTA, D. Antonio de. Instruo pastoral, op. cit., loc. cit..65Idem,O Apostolo, ano 1, n. 8, 25 fev. 1866, p. 8.66Idem,O Apostolo, ano 1, n. 9, 04 mar. 1866, p. 5.67Idem,O Apostolo, ano 1, n. 10, 11 mar. 1866, p. 8.

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    portanto, no havia, como os irreligiosos diziam, um antagonismo entre a Igreja e a

    civilizao moderna.68

    Sobre a questo da liberdade de cultos, Mons. Dupanloup afirmava que o papa

    condenava a indiferena em matria de religio, combatendo aqueles que diziam que todas as

    religies eram iguais, de acordo com o bispo, condenar a indiferena em matria de religio

    no era condenar a liberdade poltica dos cultos, e condenar as doutrinas herticas no era

    fulminar as pessoas. Conforme o entendimento da Igreja, se a verdadeira religio no fosse

    absoluta, no seria verdadeira, o que a Igreja defendia era proteger e corrigir seus filhos dos

    inimigos da famlia em prol da unidade religiosa, sendo esse o desejo de Jesus Cristo e um

    bem para o Estado.

    Tratando da liberdade poltica, afirmava que a Igreja s se envolvia em poltica para

    fortalecer suas bases, condenar o direito a revolta, a doutrina do fim e as doutrinas insensatas.

    Segundo o bispo, no importa qual fosse a forma de governo, o que trazia unidade a sociedade

    era o catolicismo.69

    Com a anlise dessa Instruo pastoral de d. Macedo Costa podemos ter uma noo

    mais abrangente do discurso ultramontano. Procuramos defender que d. Macedo Costa no s

    estava intencionando instruir seus diocesanos, mas tambm tomar uma posio diante doscrticos do ultramontanismo no Brasil.

    Dando continuidade anlise das pastorais publicadas no jornal O Apostolo,

    abordaremos neste momento algumas pastorais publicadas por d. Pedro Maria de Lacerda,

    bispo do Rio de Janeiro a partir de 1869 que adotou o peridico como folha oficial da sua

    diocese.70

    A primeira pastoral publicada por d. Lacerda nO Apostolo tinha como inteno

    conceder aos diocesanos do Rio de Janeiro a dispensa sobre comida de carnes, de ovos e de

    laticnios em tempos de jejuns e Quaresma. Segundo d. Pedro Maria de Lacerda, o papa Pio

    IX havia lhe concedido varias faculdades decenais no momento de sua confirmao para o

    bispado do Rio de Janeiro, dentre elas a dispensa sobre comidas em tempos de jejum. D.

    Lacerda afirmava que

    68MACEDO COSTA, D. Antonio de. Instruco pastoral. O Apostolo, ano 1, n. 12, 25 mar. 1866, p. 4.69Idem, O Apostolo, ano 1, n. 13, 01 abr. 1866, p. 3.70 Cf. SANTIROCCHI, op. cit., p. 546. A partir de 07 de maro de 1869, o editorial assinalava a seguinteinscrio abaixo do ttulo do peridico: SOB OS AUSPICIOS DO EXM. E REVM. SR. BISPO D. PEDROMARIA DE LACERDA. O Apostolo, ano 4, n. 10, 07 mar. 1869.

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    Ns, imitao de outros Exms. Srs. Bispos do Brazil, e condoidos da sortedos pobres e dos escravos, e de muitas outras pessoas que encontram sriasdifficuldades para observarem em nossa Diocese as santas leis da Egreja,

    quanto abstinencia de carne, e por outras razes, havemos determinadofazer uso, por todo este anno corrente, da autorisao, que nos foi concedidapelo Santo Padre Pio IX, e assim contribuir para a salvao das almas denossos queridos filhos em Jesus-Christo.

    Nem todos os jejuns diocesanos foram dispensados, e mesmo concedendo a dispensa

    para se comer carne, d. Lacerda fazia um alerta ao afirmar que a dispensa era apenas para a lei

    de abstinncia e no para o jejum, pois para isso no tinha autorizao papal. Para o bispo,

    no era o comer carne ou o no jejuar que era pecado, e sim o desobedecer Igreja, pois quem

    ouvia a Igreja ouvia a Jesus Cristo, e quem desprezava a Igreja, desprezava a Jesus Cristo.71

    Em 29 de agosto de 1869, outra pastoral de d. Lacerda publicada pelO Apostolo,

    desta vez o propsito era anunciar um novo jubileu concedido pelo Papa Pio IX devido a

    Celebrao do Conclio Ecumnico que seria realizado a partir de 08 de dezembro de 1869,

    sendo significativa esta data pois era a celebrao da Imaculada Conceio de Maria que

    esmagou a cabea da serpente infernal e que recebeu de seu Divino Filho fora bastante para

    esmigalhar todas as heresias do mundo universo.72

    D. Pedro de Lacerda demonstra em seu discurso um entusiasmo pelo fato de que emseu primeiro ano de exerccio como bispo do Rio de Janeiro fosse o ano em que depois de

    trezentos anos, desde o Conclio de Trento, a Igreja fosse se reunir novamente para um

    Conclio Ecumnico e fosse concedido um Jubileu Universal para todo o mundo catlico.

    Argumenta que em Trento os hereges que se gabavam de reformados e reformadores

    foram todos golpeados como uma rvore atingida por um raio, e concordando com d. Macedo,

    como visto anteriormente, demonstrando que a mesma linha de raciocnio era compartilhada

    pelos dois bispos ultramontanos, diz que a fraqueza dos protestantes centrava-se em suas

    vrias ramificaes ou divises. Segundo o bispo, os protestantes

    ... definharam, morreram, myrraram-se; perderam toda a seiva, toda vida def e de obediencia, e cahiram divididos em milhares de seitas subdivididasem outras muitas entre si rivaes, nada crendo, nada praticando, nadaprgando, seno liberdade de pensamento, liberdade de crena e de culto,liberdade de f e de consciencia em tudo que de religio.(...)

    Esse golpe de mestre foi dado pelo Concilio Tridentino71LACERDA, D. Pedro Maria de. Diocese do Rio de Janeiro. O Apostolo, ano 4, n. 10, 07 mar. 1869, p. 74.72Idem,Bispado do Rio de Janeiro: Pastoral. O Apostolo, ano 4, n. 35, 29 ago. 1869, p. 273.

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    (...)Um espetaculo desta ordem que se vai reproduzir em nossos dias, daqui acinco mezes, to prximo est elle.73

    Na continuidade da pastoral de d. Lacerda publicada em 05 de setembro de 1869, o

    bispo defendeu dois dogmas da Igreja Catlica contra as heresias dos protestantes, uma se

    referia ao culto aos santos, e a outra ao valor das Indulgncias. Sobre o culto aos santos o

    bispo criticava aqueles que afirmavam no poder associar a Divina Pessoa de Jesus Cristo aos

    santos.

    Isso assim seria, se os meritos dos Santos valessem de per si e no pelosmeritos do Divino Filho de Deus, que propriamente o nosso UnicoRedentor, porque s elle que com o preo de seu Sangue Divino nosresgatou do captiveiro do peccado e nos deu a liberdade de filhos de Deosadoptivos.

    D. Pedro de Lacerda continuou afirmando saber que Jesus Cristo estava vivo para

    interpelar por ns, que interpelava direita de Deus e que era o nosso advogado. Entretanto,

    baseando-se no texto de II Macabeus 15:14, afirmava que Jeremias orava por Israel mesmo

    depois de morto.74 Para o bispo, no havia injuria em chamar os santos de Redentores

    secundrios para pagamento de penas temporais. E faz um alerta aos protestantes, "no se

    assuste pois nenhum protestante dos poucos que ainda reconhecem a divindade de Jesus

    Cristo", filho desgarrado. Portanto, no haveria injria em cultuar os santos.75

    Sobre o valor das Indulgncias, que era a graa concedida pelo Jubileu. D. Lacerda,

    afirmava que ela servia para suprir o que faltava da prpria satisfao,76 principalmente

    sacramental e no para exclu-la. Citando Bossuet, d. Lacerda afirmava que "tendo como

    temos tantas razes para crer que estamos longe de haver satisfeito quanto devemos, muito

    inimigos seriamos de nos mesmos, se no recorressemos s graas e s Indulgencias da

    73LACERDA, op. cit., p. 274.74Ento, tomando a palavra, disse-lhe Onias: Eis o amigo de seus irmos, aquele que reza muito pelo povo e

    pela cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus. II Macabeus 15:14. BBLIA Ave Maria. Disponvel em:. Acesso em: 08 jan. 2013.75LACERDA, D. Pedro Maria de. Bispado do Rio de Janeiro: pastoral. O Apostolo, ano 4, n. 36, 05 set. 1869, p.282.76 Satisfao: 1. Na linguagem corrente,entre outros sentidos, esta palavra tem o de contentamento e o de

    pagamento integral do devido. 2. Em Teologia,refere-se reparao, pelos mritos infinitos de J. C., sobretudono seu sacrifcio pascal, dos danos causados pelos pecados glria de Deus. Alm de obter da misericrdia deDeus o perdo da culpa desses pecados, J. C., agindo em nosso nome e em nosso favor, reps supera-

    bundantemente a justia divina ferida por esses pecados (no que tiveram de injria). 3. No sacramento daPenitncia,a s. ou penitncia, um dos actos essenciais que ao penitente arrependido cumpre praticar, com o

    sentido de compensar o mal causado pelos seus pecados glria de Deus, Igreja, ao prximo e a si mesmo. Oconfessor, em nome de J. C., deve impor uma s. ou penitncia salutar que tenha em conta os pecadosconfessados e as condies do penitente. FALCO, D. Manuel Franco. Enciclopdia Catlica Popular.Disponvel em: . Acesso em: 07 jan. 2013.

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    Egreja". A recomendao do bispo era que seus diocesanos se esforassem para ganharem a

    Indulgncia daquele Jubileu e que tal Indulgncia tambm era estendida s almas do

    Purgatrio, pois,

    Para l talvez um dia iremos, e porque no faremos pelos outros o que umdia para ns quereremos! meus Filhos em Jesus-Christo, valei s santasalmas do Purgatorio. Coitadinhas! quanto soffrem! O mpio escarnece, masns oraremos por nossos defunctos, porque santa e saudvel cogitao orarpelos defunctos, para serem soltos de seus peccados isto das penas devidaspor elles; quanto mais ganhar por elles huma Indulgencia plenria? Ria-se ompio, mas ns lhe diremos com De Maistre: Que Magnifico espectaculo, oda immensa cidade dos espritos distribuda em suas tres ordenscontinuamente em relao uma com outra! O mundo que combateestende

    uma mo ao mundo que soffree outra ao mundo que triunpha. A aco degraas, a orao, as satisfaes, os socorros, as inspiraes, a f, a esperanae o amor, circulam de um para outro como rios beneficos. Nada isolado, eos espritos, quaes laminas magnetizadas, gozam de sua propria fora e da detodos os mais.

    D. Lacerda faz novamente uma referncia aos protestantes dizendo que segundo eles,

    as indulgncias faziam com que se descuidasse da prpria salvao. Contudo, para d. Lacerda,

    o alm dos protestantes no cuidarem se sua prpria salvao e no trilharem as santas

    veredas da penitencia, as determinaes para receber as graas do Jubileu destruam

    completamente tal objeo.

    A Indulgencia deste Jubilo exige confisso, portanto dor do passado, epropsito firme de emendapara o futuro; com a acceitao da penitenciaquedeve ser feita pelo prprio penitente; exige communho; exige oraonasEgrejas designadas; exige esmola aos pobres; sem de maneira nenhumaprohibir as mais rigorosas penitencias, que cada um queira fazer, pagandopor si sem supprir o que lhe falta (talvez immenso) com o que a Egreja lheofferece do thesouro dos meritos de Jesus-Christo e de seus Santos.

    No decorrer de seu discurso, d. Lacerda se dizia admirado pelo fato dos protestantesfazerem objees a Indulgncia dizendo que o crer bastava por si s, sem as obras meritrias,

    para se alcanar a salvao. Entretanto, citando Liebermann, dizia que se ao menos os

    protestantes cressem, mas nem isso, pois como eles poderiam crer se defendiam que a

    liberdade de conscincia e de culto era o grande dogma da Religio exata, como se a palavra

    Religio no indicasse uma e segunda ligao, que prende em vez de relaxar, prende a

    intelligencia com a crena, e tambem o corao com o dever; o esprito com o culto externo e

    publico.77

    77LACERDA, op. cit., loc. cit..

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    Criticando o reformador Martinho Lutero, o bispo do Rio de Janeiro afirmava que ele

    fez afirmaes contraditrias e imorais, tais como esta:

    S peccador, e pecca fortemente, porm mais fortemente cr e alegra -te emChristo... havemos de peccar emquanto vivermos... Basta... que conheamoso Cordeiro de Deos que tira os peccados do mundo; daqui no nos arrancaro peccado, ainda que mil e mil vezes em hum s dia commettamos adultriosou homicidios.(...)Se conheceis bem