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MEDIATECA DE SENDAIA ESTÉTICA DO PROJETO DE TOYO ITO
Marina Freitas Klein
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Mediateca de Sendai é mundialmente conhecida por sua inovação estrutural e por sua
versatilidade funcional. O arquiteto, Toyo Ito, buscou ressaltar em seu projeto a fluidez, alteridade e
conectividade presentes no mundo da informática. O programa deveria ser capaz de assegurar
diversas funções, desde exposições, biblioteca e informática até cafés, galerias e cabines de internet,
e por isso, ela deveria ser capaz de acompanhar os avanços tecnológicos. Desta maneira, a estética
da Mediateca de Sendai buscava fugir das tradicionais tipologias arquitetônicas de bibliotecas e
museus. Ela precisava ser um reflexo do homem contemporâneo, conectado e atual e deveria
interagir com a cidade, com a paisagem e com as pessoas que por ela transitam.
O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
Analisando o croqui abaixo, ainda nas primeiras fases do concurso para uma mediateca em Sendai, é
possível notar que o desenho e as ideias de Toyo Ito estavam bem claros logo no início. Percebe-se
como o arquiteto buscava simplificar ao máximo os elementos, deixando-os mais puros possíveis,
resumindo a obra em lajes metálicas, colunas e fechamento de vidro. O que mais se destaca é a
estrutura em forma de algas marinhas, que suportam todos os pavimentos e deixam a planta livre.
Ela já estava pensada desde o início, e foi realmente a partir dela que Toyo Ito desenvolveu as
demais características deste projeto. O croqui mostra também que as colunas teriam mais funções
além da estrutural. O preenchimento destas iria variar de vazio até completamente denso, no caso
de integrar a circulação vertical. Outra característica perceptível no croqui abaixo e que se manteve
durante a concepção do projeto é a diferença de alturas entre os diversos níveis do prédio,
aumentando a dinamicidade da fachada, composta pelas linhas horizontais da textura do vidro.
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Figura 1. Croqui apresentado por Toyo Ito nas fases iniciais do concurso para a Mediateca. Fonte: Ito, T. (2003)
CONCEITOS DO PROJETO
FLUIDEZ
Fica claro pelo desenho da planta – totalmente livre – e da estrutura utilizada por Toyo Ito – colunas
metálicas irregulares e orgânicas – que um dos conceitos que lhe guiaram durante o
desenvolvimento do projeto da Mediateca foi o de fluidez do espaço. A planta livre e a estrutura
separada do fechamento, características do modernismo de Le Corbusier, são as peças chave deste
projeto. Contudo, Ito as trabalha de forma inovadora, criando uma arquitetura líquida, ambígua,
sem diferenciação dos espaços e sem a imposição de limites visuais.
Ito parece utilizar a fluidez do espaço para transmitir uma mensagem de liberdade aos usuários
deste edifício público. Com a planta aberta, busca fugir da ordem pragmática que os ambientes
fechados impõem e assim permitir a liberdade total dos usuários. Ito consegue trazer para a
Mediateca uma característica da arquitetura tradicional japonesa: a proposta de uma arquitetura
sem limites impostos por paredes. Essa não-separação dos espaços e liberdade do programa
surgem para Peñín (2012) como uma aposta na desmaterialização do edifício, vinculada a eliminação
do material pelos meios eletrônicos.
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A proposta de Toyo Ito é então de espaços fluidos, batizados de arquitetura líquida, onde a relação
entre o usuário e o ambiente se torna muito mais dinâmica. A fluidez alcançada pela planta aberta e
por essa falta de limites reflete na realidade o pensamento do homem contemporâneo. Este,
conectado pela tecnologia da informação, não encontra mais nenhuma barreira para o
conhecimento e não mais é preso pelas coisas materiais, mas é sim conectado pela rede virtual.
CONECTIVIDADE
O conceito de conectividade está presente no projeto e reflete na estética do mesmo. Originado da
proposta inicial de programa do prédio que incluem várias atividades relacionadas com a
informática, tecnologia, comunicação e interações virtuais, este projeto abriga o simbolismo de uma
arquitetura para a conectividade presente no dia-a-dia dos indivíduos contemporâneos.
Isso acabou refletindo no projeto de Toyo Ito, que concebeu a estrutura do edifício de forma
orgânica, interligando todos os níveis, conectando-os. Essas várias colunas irregulares fogem do
formalismo moderno tradicional, composto pela laje e pilar de concreto, e transmite a conectividade
das redes e da tecnologia por essas estruturas inovadoras e orgânicas de metal. Peñín (2012) afirma
que a tecnologia atualmente faz parte do desenvolvimento do processo de projeto, que de forma
ambígua e abstrata busca os caminhos de uma nova expressão arquitetônica. E é o que Toyo Ito faz
quanto busca ajuda dos técnicos para utilizar a tecnologia dos materiais e dos novos métodos para
projetar de forma sábia esta estrutura única, orgânica, parametrizada que interligam todos os níveis
e transpassa as lajes planas.
Figura 2. Colunas interligando as lajes planas.
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Mas é importante notar que o conceito de conectividade está além da estrutura. Ela se encontra
também nas relações existentes dentro do edifício, visto que a inexistência de limites entre os
ambientes internos cria novas possibilidades de interações. As plantas livres permitem então que as
atividades que ali aconteçam estejam interligadas pelo menos de forma visual. Seja através do uso
da tecnologia, da manipulação estrutural ou da disposição aberta da planta, e consequentemente do
programa, que deve acompanhar rápido desenvolvimento das tecnologias da informática, o conceito
de conectividade está presente na Mediateca de Sendai.
ESTRUTURA
A busca da planta livre só foi possível com a idealização desta estrutura tubular e está é, portanto a
peça chave que permitiu a construção deste edifício translúcido. A estrutura neste caso foi o
diferencial do projeto, que possui a essência moderna da estrutura como elemento controlador da
arquitetura. Essas colunas “informais” – ou seja, não tradicionais – caracterizam o edifício e lhe dão
o um caráter único e monumental.
Além de suportar as cargas do edifício, e dar solidez ao mesmo, estas enormes estruturas conectam
visualmente os diversos níveis e abrigam também funções importantes do mesmo, como por
exemplo, a circulação vertical, feita por meio de uma destas colunas ocas gigantes, dutos de
ventilação, luz e de instalações elétricas. São elas que suportam todas as cargas do edifício,
resistindo muito bem à abalos sísmicos. Foram usados métodos de calculo e engenharia de ponta
para dimensionar estas colunas (Peñín, 2012).
Figura 3 – Colunas, não só estrutura, mas circulação, iluminação e ventilação.
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Esteticamente esses elementos são de grande importância para o projeto. Segundo Peñín (2012),
esta obra de Toyo Ito compartilha a essência moderna que identifica a estrutura como elemento
controlador da arquitetura, mas também utiliza os avanços da modernidade, dos cálculos estruturais
e da revolução dos materiais em busca de um uso mais autentico da estrutura. Para ele, o arquiteto
atualmente possui as ferramentas certas para construir uma natureza artificial, e é o que Toyo Ito faz
na Mediateca de Sendai.
Essas colunas, que possuem ângulos diversos, dão a impressão de terem sido colocadas de forma
aleatória dentro da planta quadrada de 50mx 50m da Mediateca, gerando uma sensação de
organicidade. Como disse Ito (2000):
“La sensación es similar a la experiencia que se tiene cuando se camina por un bosque. Por la
presencia de los árboles, se producen diferencias entre cada lugar, y se seleccionan los
lugares donde la gente realiza sus actividades. Desde antaño, la gente ha escogido el lugar
para vivir dentro del espacio que fluye llamado naturaleza.”
As colunas em si lembram algas flutuando no fundo de um aquário – o próprio volume translúcido –
e devido à suas formas irregulares criam uma sensação de dinamismo e movimento. Por vezes, estas
estruturas também lembram os ramos das árvores existentes na avenida do entorno (PEÑÍN, 2012),
que durante o outono, exibem somente galhos secos. A estrutura parece se inspirar na forma desses
troncos e trazer de alguma forma, a natureza para o interior deste prédio.
Figura 4. Mediateca de Sendai – Estrutura e similaridades com a natureza do entorno.
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Prédio este que parece funcionar como um organismo vivo, por base de uma simbiose com as
pessoas. São os usuários que lhe dão um sentido, uma função. Sem as pessoas o edifício seria apenas
uma sequencia de plantas livres cobertas por uma vedação transparente. Contudo, seu caráter
público o torna um objeto animado, vivo, que respira, observa e se comunica com o bairro. Suas
fachadas de vidro permitem que ele enxergue, transformando-o em um grande olho no meio da
cidade, que observa o ritmo rápido das pessoas e está sempre atento e vigilante, trazendo uma
maior sensação se segurança para as ruas. Sua estrutura única lhe sustenta e simula os ramos de
uma frondosa árvore, funcionando como o esqueleto de um humano ou as raízes e galhos e uma
planta. Este organismo abraça a cidade, mimetizando com o espaço livre da rua, de tal maneira que
quando o pedestre percebe já está dentro do mesmo, como se o térreo fosse uma extensão da
calçada.
TRANSPARÊNCIA
Outro importante conceito para o arquiteto durante o projeto é a transparência. A Mediateca de
Sendai é uma obra que consegue transmitir uma incrível sensação de conectividade entre o interior
e exterior. Vista pela rua, esta obra de Toyo Ito não é apenas mais um edifício na cidade de Sendai,
mas sim uma caixa de vidro, aberta e fluida, que interage com aqueles que por ali transitam e os
convidam a entrar. Não há nenhum muro que separe o prédio da rua, e também não há nenhum
bloqueio visual. Na verdade, a relação entre o espaço exterior e interior é ainda facilitada pelo pé
direito duplo existente no térreo. Essa permeabilidade convida os transeuntes das arborizadas ruas
de Sendai para adentrarem este bloco de vidro e aço.
As fachadas de vidro – tratadas de formas diferentes – são como uma pele permeável que envolve
todo o edifício. Na fachada defronte à avenida principal, o vidro é translúcido, duplo, permitindo
uma relação visual que se relaciona sempre com o reflexo causado pelas variações na iluminação e
vegetação externas. Quando necessário, para as atividades, uma maior proteção da luz, a fachada é
coberta com telas de caráter provisório.
Peñín (2012) afirma que essa transparência abre o edifício ao público e que essa sobreposição de
plataformas vazias fechadas pelo vidro acaba trazendo um aspecto de monumentalidade.
Certamente, quando observado pelo lado de fora, a Mediateca de Sendai acaba se destacando entre
o entorno, principalmente pelo contraste com os demais edifícios tradicionais da avenida, e também
pela curiosidade gerada por toda essa transparência.
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Além disso, Peñín (2012) afirma que a transparência deste edifício é ambígua, pois devido ao uso de
diversas tecnologias de vidros e iluminação, ora e luz é refletida, ora absorvida, às vezes iluminando
o interior, ou destacando os limites da fachada com o uso de texturas no vidro.
RELAÇÃO COM O USUÁRIO
A obra de Toyo Ito relaciona-se de uma forma muito particular com os usuários, pois estes, ao
adentrarem a Mediateca de Sendai, não encontram ambientes fechados e delimitados, como em
qualquer prédio tradicional. Ao entrar no térreo deste bloco de vidro, o indivíduo na realidade é
conduzido para uma extensão da rua, para um espaço totalmente amplo, com pé-direito duplo,
muito iluminado e sem paredes dividindo os espaços. Essa continuidade visual é buscada pelo
arquiteto em todos os andares, que seguem este modelo de construção com a planta livre.
Esse amplo controle visual que o usuário possui também acontece em relação ao exterior. Como o
fechamento do bloco é feito inteiramente por fachadas de vidro, a relação do usuário com a rua é de
vigilante, observador e contemplador da paisagem urbana.
Figura 5. Relação entre o interior e o exterior na Mediateca de Sendai.
A planta do térreo, por exemplo, graças à utilização de grandes portas móveis de vidro, tem a
intenção de fundir-se com o passeio arborizado da avenida, estendendo as atividades da Mediateca
para a calçada. Isso transforma o edifício em um grande espaço público aberto, completamente
permeável e mutável, características que traduzem a expressão do homem contemporâneo virtual.
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RELAÇÃO COM O CONTEÚDO
Como o projeto deveria contemplar uma grande quantidade de funções distintas – biblioteca,
exposições, cafés, salas de vídeos,... - o edifício foi pensado de forma que a atender qualquer
programa de necessidades. Sua planta deveria permitir usos e atividades quaisquer, visto que Ito
acredita que espaços pensados para uma determinada função agem como agentes limitadores de
uma livre ação do usuário. Assim, o edifício foi planejado com a planta totalmente livre, para
“permitir que os usuários descubram novos espaços e novos usos por eles mesmos”. Desta forma
não há paredes dividindo espaços e determinando – e assim limitando - funções. Como o próprio
Toyo Ito (2000) afirma:
(...) si acotamos una habitación correspondiente a una función determinada, resulta limitar
una libre actuación. Por su naturaleza, los actos humanos son complejos y no debemos
limitar ningún acto a ningún espacio determinado. La teoría de planificación moderna ha
justificado este acto unilateralmente, pero me parece que si podemos liberar de nuevo al
cuerpo humano de esta sistematización, podremos fomentar la producción de actividades
creativas de vivencia común.”
Assim, Ito, com a sucessão de plantas livres, torna possível a mutabilidade e a transformação deste
ambiente. O programa pode sofrer alterações a qualquer momento, e desta maneira, o projeto será
capaz de suportar estes novos usos e necessidades, deixando o usuário livre para a produção de
atividades criativas. O espaço físico interno na Mediateca é totalmente aberto – os limites de cada
espaço não são estritamente definidos – ou seja, os espaços internos servem tanto para as
atividades em si como para a circulação por exemplo, e, para Benesch (2007), entre funções distintas
há o que ele chama de “buffer zones”, uma espécie de área de transição, mas nada de paredes ou
portas.
Figura 6 – Buffer Zones. Espaços de transição, comuns na arquitetura japonesa.
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Cada pavimento da Mediateca possui diferentes distribuições de usos, o que realmente demonstra a
ideia de uma arquitetura “protótipo” e a liberdade permitida pelo sistema construtivo (Capitel,
2010). Para diferenciar os andares, os ambientes e as funções do espaço preferiu-se então utilizar o
mobiliário como estratégia (Benesch, 2007). Cada um destes andares teve o design realizado por
diferentes profissionais, dando ainda mais um caráter coletivo para a obra. Trabalhar com móveis,
que podem ser facilmente arrastados, permite ao usuário a criação de novas configurações do
espaço e de novos usos. Ao mesmo tempo é possível trazer uma maior interação entre o usuário e o
ambiente e ainda, permitir que o indivíduo esteja totalmente livre para usufruir dos espaços e usar a
criatividade de forma livre.
Figura 7. Visualização da Mediateca a noite. Diferentes andares com diferentes funções.
Desta maneira, Toyo Ito incita uma interação maior entre o usuário e o ambiente, de forma que para
que o espaço tenha uma função este precise ser utilizado. Benesch (2007) acredita que para que o
projeto realmente funcione, é necessário que haja um comprometimento dos seus usuários para
com as atividades que ali ocorrem, é preciso o ambiente seja usado para que lhe seja garantida uma
função.
CONCLUSÃO
Toyo Ito projetou um edificio públco completamente aberto e verdadeiro. Transparente, para ser
observado desde o exterior e para que o dinâmico espaço interior esteja exposto para fora.
Multifuncional e com a planta livre, para acolher os mais diversos usos, não limitar a criatividade dos
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usuários e ainda acompanhar a evolução da tecnologia da informática. Dinâmico e inovador, com
uma estrutura que apesar de ter bases nas ideias modernistas, surpreende pela escala e novidade.
Resumindo, o projeto de Toyo Ito para a Mediateca de Sendai resultou em um edifício composto por
lajes planas sobrepostas, interligadas por uma estrutura metálica inovadora e revestido com a
transparência do vidro. Ito trouxe para a cidade de Sendai uma obra única, multifuncional, que
integra a cidade, relaciona-se com seus usuários, traz a modernidade, o uso de novas tecnologias, o
simbolismo da era da conectividade e ainda a tradição milenar de seu povo, e por isso, é
extremamente reconhecido pela qualidade e sucesso do seu projeto.
REFERÊNCIAS
ARTIGOS
PEÑÍN, Alberto - Procesos de desmaterialización, el Centro Pompidou de Paris y la Mediateca de Sendai. PALIMPSESTO #05, 2012.
ROMERO, José Maria - Cómo la arquitectura desaparece para ser más arquitectura: el proceso de la Mediateca de Sendai. P3T, Journal of Public Policies And Territories. The territorial dimensión of EU policy guidelines (EU2014 2020), Nº 4, Winter 2013, pp. 1 20. Disponível em:‐ ‐ http://www.politicsandterritories.com
CAPITEL , Antón. La Mediateca de Sendai, de Toyo Ito, tradición e innovación. Cuadernos de Proyectos Arquitectónicos de la Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid, Nº 1, 2010. Disponível em: http://polired.upm.es/index.php/proyectos_arquitectonicos/issue/view/14
BENESCH, Henric - Institution, Organisation, Space - Reading Seattle Public Library And Sendai Mediatheque. No 2 Nordes 2007 - Design Inquiries. University Of Arts, Crafts And Design, Stockholm, Sweden, 2007.
ENTREVISTAS
A entrevista com Toyo Ito foi realizada em Barcelona (Espanha) no mês de maio de 1998. Foi publicada na revista española Experimenta (número 24, janeiro de 1999). A entrevista foi disponibilizada em Vitruvius em dezembro de 2000.
Disponível em :http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/01.004/3348?page=3
VIDEOS
MEDIATECA DE SENDAI, POR TOYO ITO.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cspi9uLrRTo
TOYO ITO - THE SENDAI MEDIA CENTER.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NZJSjTIm2Uk&feature=related
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