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Saúde Saúde rais, ao invés dos medicamentos sintéticos. “Pelo fato de a maior parte da população considerar os tratamentos com plantas como naturais, existe a ideia errada de que esses produtos, ao contrário dos medicamentos sin- téticos, são inofensivos ao organismo humano”, explica a professora Lucinéia dos Santos, da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. “A verdade é que as plantas e seus princípios ativos podem ser tão perigosos quanto os me- dicamentos vendidos nas farmácias”, alerta. Lucinéia e sua orientanda, Carolina Correia Fuzaro, realizaram uma pesquisa recente para verificar o uso de plantas medicinais e fitoterápicos pela população. O resultado mostrou que a maioria dos respondentes não toma o devido cuidado ao fazer uso desse tipo de tratamento. Além de não conhecerem o verdadeiro potencial terapêutico das plantas medicinais utilizadas, os entrevistados desco- nhecem os efeitos das interações das plantas com os medicamentos sintéticos. O projeto de pesquisa está alinhado uma re- comendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomendou a aplicação de inves- tigações experimentais nas plantas medicinais O s antropólogos dizem que o uso de plan- tas para fins medicinais data do Paleo- lítico, um dos três períodos da idade da pedra. Indícios do uso dessas plantas são encontrados em todas as partes do globo terrestre. Mais es- pecificamente no Brasil, em razão da grande diversidade biológica e cultural que possuí- mos em nosso território, é possível constatar uma carga considerável de conhecimento e tecnologias tradicionais passadas de geração em geração, em especial o manejo e o uso de plantas medicinais. Soma-se a esse contexto questões econô- micas, o difícil acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), o alto preço de medicamentos e a dificuldade de locomoção das populações rurais, fatores que estimulam ainda mais a tendência de utilização de recursos natu- utilizadas, no intuito de descobrir seus princí- pios ativos e garantir sua eficácia e segurança. A recomendação levou o Ministério da Saú- de a aprovar, em 2006, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que incen- tiva o estabelecimento de linhas prioritárias de desenvolvimento e estudos para garantir aos brasileiros um acesso seguro e racional às plantas medicinais e aos fitoterápicos. Lucinéia afirma que, apesar da orientação da OMS e da iniciativa do Ministério da Saúde, não mais que 1% das espécies nativas brasileiras foi objeto de pesquisas quanto ao seu uso terapêutico e bioeconômico. “Ainda existem inúmeras plantas brasileiras que são usadas pela população sem a comprovação de seus benefícios por pesquisas científicas ou, se comprovados, a população os desconhece. Existe também inúmeras plantas cuja interação com fármacos é totalmente des- conhecida”. O uso de plantas medicinais pode interferir nos processos de absorção e excreção dos fármacos, pode também modificar os seus efeitos e colocar em risco a saúde do usuário. Efeitos negativos podem ocorrer quando se usa simultaneamente, por exemplo, alho, camomila e goji berry com fármacos. Determinados medicamentos sintéticos, explica Lucinéia, precisam ser processados no fígado por um sistema chamado citocro- mo P-450 para terem seus efeitos negativos inativados. Também as plantas precisam pas- sar por esse processo. “Quando se faz uso, ao mesmo tempo, de fármacos e plantas, pode haver a interferência do princípio ativo das plantas sobre o dos fármacos, sendo essa interferência capaz de potencializar a ação daqueles medicamentos cujos princípios no- civos são inativados no fígado, da mesma for- ma que pode também anular os seus efeitos benéficos”, afirma a pesquisadora de Assis. A docente aponta que o Brasil, por conta de sua expressiva biodiversidade vegetal e variedade de plantas usada no tratamento de enfermidades, necessita a divulgação, por meio de medidas educacionais, dos co- nhecimentos científicos comprovados pelas pesquisas. A docente também ressalta a importância de se incentivar estudos etno- botânicos e etnofarmacológicos que valori- zem o conhecimento popular e comprovem as ações farmacológicas e toxicológicas das plantas brasileiras. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE RECOMENDOU A APLICAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES EXPERIMENTAIS NAS PLANTAS MEDICINAIS, NO INTUITO DE DESCOBRIR SEUS PRINCÍPIOS ATIVOS E GARANTIR SUA EFICÁCIA E SEGURANÇA ESTUDO MAPEIA EFEITOS DE SUBSTÂNCIAS NATURAIS ASSOCIADAS A FÁRMACOS SINTÉTICOS Medicina natural: desinformação também coloca saúde em risco Lucinéia dos Santos é professora da Faculdade de Ciências, Câmpus da Unesp de Assis Carolina Correia Fuzaro, bolsista do projeto de extensão “O uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos” 22 23 CAROLINA CORREIA E LUCINÉIA CORREIA UNESPCIÊNCIA | JULHO 2018 JULHO 2018 | UNESPCIÊNCIA

Medicina natural: desinformação também coloca saúde em risco · Saúde Saúde rais, ao invés dos medicamentos sintéticos. “Pelo fato de a maior parte da população considerar

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rais, ao invés dos medicamentos sintéticos.“Pelo fato de a maior parte da população

considerar os tratamentos com plantas como naturais, existe a ideia errada de que esses produtos, ao contrário dos medicamentos sin-téticos, são inofensivos ao organismo humano”, explica a professora Lucinéia dos Santos, da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. “A verdade é que as plantas e seus princípios ativos podem ser tão perigosos quanto os me-dicamentos vendidos nas farmácias”, alerta. Lucinéia e sua orientanda, Carolina Correia Fuzaro, realizaram uma pesquisa recente para verificar o uso de plantas medicinais e fitoterápicos pela população. O resultado mostrou que a maioria dos respondentes não toma o devido cuidado ao fazer uso desse tipo de tratamento. Além de não conhecerem o verdadeiro potencial terapêutico das plantas medicinais utilizadas, os entrevistados desco-nhecem os efeitos das interações das plantas com os medicamentos sintéticos.

O projeto de pesquisa está alinhado uma re-comendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomendou a aplicação de inves-tigações experimentais nas plantas medicinais

O s antropólogos dizem que o uso de plan-tas para fins medicinais data do Paleo-

lítico, um dos três períodos da idade da pedra. Indícios do uso dessas plantas são encontrados em todas as partes do globo terrestre. Mais es-pecificamente no Brasil, em razão da grande diversidade biológica e cultural que possuí-mos em nosso território, é possível constatar uma carga considerável de conhecimento e tecnologias tradicionais passadas de geração em geração, em especial o manejo e o uso de plantas medicinais.

Soma-se a esse contexto questões econô-micas, o difícil acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), o alto preço de medicamentos e a dificuldade de locomoção das populações rurais, fatores que estimulam ainda mais a tendência de utilização de recursos natu-

utilizadas, no intuito de descobrir seus princí-pios ativos e garantir sua eficácia e segurança.

A recomendação levou o Ministério da Saú-de a aprovar, em 2006, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que incen-tiva o estabelecimento de linhas prioritárias de desenvolvimento e estudos para garantir aos brasileiros um acesso seguro e racional às plantas medicinais e aos fitoterápicos.

Lucinéia afirma que, apesar da orientação da OMS e da iniciativa do Ministério da Saúde, não mais que 1% das espécies nativas brasileiras foi objeto de pesquisas quanto ao seu uso terapêutico e bioeconômico. “Ainda existem inúmeras plantas brasileiras que são usadas pela população sem a comprovação de seus benefícios por pesquisas científicas ou, se comprovados, a população os desconhece. Existe também inúmeras plantas cuja interação com fármacos é totalmente des-conhecida”. O uso de plantas medicinais pode interferir nos processos de absorção e excreção dos fármacos, pode também modificar os seus efeitos e colocar em risco a saúde do usuário. Efeitos negativos podem ocorrer quando se usa simultaneamente, por exemplo, alho, camomila e goji berry com fármacos.

Determinados medicamentos sintéticos, explica Lucinéia, precisam ser processados no fígado por um sistema chamado citocro-mo P-450 para terem seus efeitos negativos inativados. Também as plantas precisam pas-sar por esse processo. “Quando se faz uso, ao mesmo tempo, de fármacos e plantas, pode haver a interferência do princípio ativo das plantas sobre o dos fármacos, sendo essa interferência capaz de potencializar a ação daqueles medicamentos cujos princípios no-civos são inativados no fígado, da mesma for-ma que pode também anular os seus efeitos benéficos”, afirma a pesquisadora de Assis.

A docente aponta que o Brasil, por conta de sua expressiva biodiversidade vegetal e variedade de plantas usada no tratamento de enfermidades, necessita a divulgação, por meio de medidas educacionais, dos co-nhecimentos científicos comprovados pelas pesquisas. A docente também ressalta a importância de se incentivar estudos etno-botânicos e etnofarmacológicos que valori-zem o conhecimento popular e comprovem as ações farmacológicas e toxicológicas das plantas brasileiras.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE RECOMENDOU A APLICAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES EXPERIMENTAIS NAS PLANTAS MEDICINAIS, NO INTUITO DE DESCOBRIR SEUS PRINCÍPIOS ATIVOS E GARANTIR SUA EFICÁCIA E SEGURANÇA

ESTUDO MAPEIA EFEITOS DE SUBSTÂNCIAS NATURAIS ASSOCIADAS A FÁRMACOS SINTÉTICOS

Medicina natural: desinformação também coloca saúde em risco

Lucinéia dos Santos é professora da Faculdade de Ciências, Câmpus da Unesp de Assis

Carolina Correia Fuzaro, bolsista do projeto de extensão “O uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos”

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CAROLINA CORREIA E LUCINÉIA CORREIA

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