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 MEDICINA TIBETANA Livro 13 Uma publicação destinada ao estudo da medicina tibetana, editada pela Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos, Dharamsala, Índia

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MEDICINA TIBETANALivro 13

Uma publicação destinada ao estudo da medicina tibetana,editada pela Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos,Dharamsala, Índia

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 MEDICINA TIBETANA

Livro 13

Dr. Yonten GyatsoJan Bärmark

Traduzido por :Williams Ribeiro de Farias

Dra. Yeda Ribeiro de Farias

EDITORA CHAKPORI

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Título original: Tibetan Medicine Series 13©1991 Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos, Dharamsala,Índia

1996 

Direitos autorais para edição em línguas portuguesa e espanholaadquiridos pela

EDITORA CHAKPORI

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AGRADECIMENTOS À PRESENTE EDIÇÃO

Agradeço ao Sr. Lhasang Tsering, ao Venerável DagomRimpoche e seu assistente Lama Tsultrim Dorge, ao Sr.Lobsang Samten, à Srta. Nyingma Sherpa, ao Sr. TsewangJigme Tsarong, Diretor do Centro Médico Tibetano emDharamsala, à Maria do Carmo Chagas Ribeiro e ao Sr. SérgioFanelli, que ajudaram a tornar possível a edição destes livros

sobre Medicina Tibetana.

O Editor 

Williams Ribeiro de Farias 

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 ÍNDICE

A MEDICINA BUDISTA TIBETANA SOB A PERSPECTIVA DAANTROPOLOGIA DO CONHECIMENTO....................................................... 8

PARTE1. A PERSPECTIVABUDISTA..................................................................... 8Um Dia no Consultório de um Médico ........................................................ 8Uma Mudança Filosófica ............................................................................. 9

Uma Compreensão Interna ........................................................................ 10Uma Descrição mais Profunda da Medicina Tibetana ............................... 11A Educação Médica ................................................................................... 12Sobre as Pílulas Tibetanas ........................................................................ 13As Características Mentais do Médico ....................................................... 14Todo o Conhecimento Médico Tem Origem na Sabedoria de Buda .......... 15A Primeira Volta da Roda do Dharma ........................................................ 16A Causa Básica de Todas as Doenças ...................................................... 17Doença é Desequilíbrio .............................................................................. 17Buda, O Médico Ideal ................................................................................ 18As Raízes Históricas da Medicina Tibetana ............................................... 18

O Significado da Própria Motivação ........................................................... 21Bodhicitta ................................................................................................... 22Lo-jong, Treinamento Mental ..................................................................... 23Equilíbrio Interno ........................................................................................ 24Sanidade Básica ........................................................................................ 24As Doenças Psiquiátricas .......................................................................... 26Demônios e Insanidade ............................................................................. 29Uma Escalada Gradual para a Sabedoria e a Compaixão ......................... 29Mantendo a Mente Atenta, Permanecendo Dentro da Compaixão ........... 30Tong-len, Dar e Receber ........................................................................... 31O Bodhicitta Relativo e o Absoluto ............................................................. 32

A Qualidade da Franqueza e da Claridade em Todos os Fenômenos....... 33A Mente é Inexistente ................................................................................ 34Mahamudra ................................................................................................ 34Duas Verdades .......................................................................................... 36Meditações no “shunyata” .......................................................................... 37Experiência Não-Dual ................................................................................ 38

PARTE2: ALGUMASOBSERVAÇÕESMETA-CIENTÍFICAS...................................... 38Fontes do Conhecimento ........................................................................... 38

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Tranquilizando a Mente e Discernindo o Real ........................................... 40Tradição e Autoridade ................................................................................ 42Conhecimento na Medicina Tibetana ......................................................... 42O Desenvolvimento do Conhecimento ....................................................... 43Alguns Problemas de Interpretação ........................................................... 45Os Três Humores ...................................................................................... 45A Cientificação da Medicina ....................................................................... 46Algumas Observações Sobre Comensurabilidade ..................................... 47Uma Visão Relacional do Homem ............................................................. 49Realismo na Medicina Tibetana ................................................................. 50Medicina Tibetana como um Programa de Pesquisa ................................. 52Razão hábil ................................................................................................ 53Etnociência ................................................................................................ 55O Significado da Compreensão Prévia ...................................................... 56Os Três Mundos do Homem ...................................................................... 57Uma Cultura da Ciência e Uma Cultura da Sabedoria ............................... 58Harmonia ................................................................................................... 59Ciência e Sabedoria ................................................................................... 59Sabedoria Prática, “Phronesis” .................................................................. 60Um Diálogo Possível Entre o Budismo e a Ciência Ocidental ................... 61

OS SEGREDOS DA FÓRMULA DA PÍLULA NEGRA* ................................ 63

INTRODUÇÃO................................................................................................... 63TRADUÇÃO DOTEXTO:“A ETERNAGEMAPRECIOSA PARA ACLARAREVELAÇÃO DOSSEGREDOS DA

FÓRMULA DAPÍLULANEGRA” ............................................................................ 66PURIFICAÇÃODO MERCÚRIO E OS INGREDIENTESPRECIOSOS............................. 69A PRÁTICA DADESINTOXICAÇÃO DOSINGREDIENTESPRECIOSOS........................ 70A GRANDEFÓRMULA ....................................................................................... 71POLIMENTO..................................................................................................... 76PARA DETERMINAR UMA INTOXICAÇÃO ............................................................... 80APÊNDICE1: TRADUÇÃO DOTEXTO“UMMÉTODOCARACTERÍSTICO DE

ADMINISTRAR AS

PÍLULAS

PRECIOSAS 

- U

MAP

RÁTICA DEH

ABILIDADE” ................ 86APÊNDICE2: A ORAÇÃO DEBENÇÃOS............................................................... 89

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A MEDICINA BUDISTA TIBETANA SOB A PERSPECTIVA DAANTROPOLOGIA DO CONHECIMENTO

Jan Bärmark

Que eu possa ser o médico e a medicina

E que eu possa ser aquele que assisteA todos os seres doentes no mundoAté que todos estejam curados.

Shantideva

Parte 1. A Perspectiva Budista*

Um Dia no Consultório de um MédicoDois pequenos monges indicaram-me e ao fotógrafo Thoma

Ljungqvist o caminho para o consultório de Shekar Amchi. Suasala localizava-se em uma casa próxima ao monastério KhendrupSherap Ling em Kathmandu. Shekar Amchi estava sentado emuma sala pequena, frugalmente mobiliada, com uma imensavariedade de potes de pílulas cobrindo as prateleiras e a mesa.Sobre a parede estava uma pintura em seda, uma thangka, deSangye Menla, o Buda da Medicina. Não havia nada quelembrasse a alguém que aquele era o consultório médico. Nenhuminstrumento médico. Nenhuma roupa branca. Shekar Amchi (amchi 

* Este estudo é dedicado a meu professor, Khenpo Tsultrim GyatsoRimpoche.

O Dr. Jan Bärmark recebeu seu Ph.D. sobre a psicologia daciência e a teoria de Abraham Maslow em 1976. Seu principal campode estudo é Teoria da Ciência. Atualmente realiza pesquisa emantropologia do conhecimento, ou seja, estudos comparativos sobreconhecimento e cultura.

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significa médico) estava vestido com uma roupa vermelha escura,usada por monges. Nós o reconhecemos do monastério. Ele haviaestado lá em uma cerimônia de oferendas, onde textos foramrecitados acompanhados pela música de grandes tambores,chifres, trompetas, sinos e címbalos. Naquele momento, nós oencontrávamos ali em seu papel de médico.

Com o auxílio de um monge que falava inglês, eleperguntou qual nosso trabalho no Nepal. Dissemo-lhe queestávamos em Kathmandu por um mês para estudar a filosofia

budista com o lama tibetano Khenpo Tsultrim Gyatso Rimpoche,em seu recentemente inaugurado centro de estudos chamadoMarpa Institute. O intérprete sueco do lama Khenpo, KickiEkselius, recomendou que viéssemos consultá-lo para que nosajudasse com nossos estômagos. Shekar Amchi perguntou-nosalguma coisa sobre os sintomas e sobre o que tínhamos comido epediu para observar nossa língua. Após examinar também osolhos, ele tomou o pulso sobre o braço muitas vezes. Considera-seque a energia vital, importante para a saúde e a doença, possua

um canal através do braço, o que explica o cuidado com que eletoma o pulso. Quando o diagnóstico foi estabelecido, ele nosaconselhou sobre a dieta – para evitarmos carne de galinha, café eálcool – e nos prescreveu pílulas duras e redondas. Devíamostomar duas pílulas grandes e três pílulas pequenas três vezes aodia com água morna. A visita ao médico estava terminada.Retornamos para casa e tomamos nossas pílulas e ficamos bemnovamente alguns dias depois.

Uma Mudança Filosófica

Como é possível interpretar e compreender uma medicinaincomum como a tibetana, onde tantas idéias e práticas parecemtão irracionais para nós? Ao cruzar com um grupo de crenças quepareçam irracionais à primeira vista, qual deveria ser minha atitudecom relação à elas?

Nossa visita ao médico tibetano nos trouxe à memória aquestão de Steven Lukes: Como podem crenças e práticas

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médicas, que obviamente não estão de acordo com a realidade“objetiva” e com a medicina Ocidental, serem ao mesmo tempointernamente lógicas e mesmo efetivas?

Temos que analisar a racionalidade mística e religiosa emtermos completamente diferentes e seguindo outro critério daqueleque utilizamos quando analisamos a racionalidade científica?Sentimos que poderíamos estabelecer uma identidade com asanotações que John Woodroffe fez há mais de um século quando,no prefácio para seus estudos sobre tantra – uma tradição

filosófica indiana frequentemente considerada irracional no mundoOcidental –, ele escreve: “Quando comecei o estudo desteshastra, estava acreditando que a Índia não possuía maisestúpidos do que os existentes em outros povos. Atrás da práticaininteligível, que sem dúvida existe em alguma extensão em todasas crenças, tive certeza de que deveria haver um princípioracional, uma vez que os homens como um todo não continuariam,através de muitas eras, a fazer o que não possuísse significadopróprio e não tivesse resultados.”

Uma Compreensão InternaNosso objetivo é uma compreensão interior da medicina

tibetana, uma compreensão em seus próprios termos, o que não éo mesmo que concordar com eles. Podemos tambémcompreender crenças estranhas, tais como a medicina e obudismo tibetano, da mesma maneira que os tibetanos ascompreendem? Uma outra questão importante: que espécie decognição e outras experiências devemos desenvolver antes quepossamos declarar com certeza que compreendemos uma cultura

estrangeira interiormente? Uma compreensão interna envolve umaduplicação da mentalidade nativa – apegar-se ao ponto de vistanativo, compartilhar seus pensamentos interiores, ser capaz deexaminar seu raciocínio na mente do indivíduo. Nós duvidamosque seja possível compreender uma cultura estrangeiraexatamente da mesma maneira que um nativo. Podemos chegar muito próximo e até ver a cultura estrangeira sob a perspectiva e

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os preconceitos de um Ocidental. Para chegar tão próximo,devemos seguir os padrões da cultura estrangeira de forma asermos socializados dentro dela, o que significa prestar atençãoaos ensinamentos dos lamas e médicos, fazer meditações,entrevistar lamas e médicos e estudar textos junto com budistas.Pode-se ir ainda mais longe e fazer um refúgio durante três anos,três semanas e três dias para ser um lama, de acordo com ocostume da tradição Kagyu do budismo, e até ser um lamaOcidental. No entanto, haverá sempre um intervalo, mas este

intervalo na realidade é o local exato do diálogo criativo entre asculturas e seus modos de pensar.

Uma Descrição mais Profunda da Medicina TibetanaEste relato de nossa visita a Shekar Amchi é uma descrição

superficial da medicina tibetana. Como podemos chegar a umadescrição mais profunda?1 O verdadeiro contexto sócio-econômicono qual Shekar Amchi atua é interessante. Sob a perspectiva daantropologia do conhecimento, a medicina tibetana pode ser vistacomo um texto com muitas dimensões ou regras para sereminterpretadas e explicadas hermeneuticamente. Temos quearticular a visão global – as conjeturas, a cosmologia e suaepistemologia, a plataforma filosófica para a prática médica. Umadescrição profunda da realidade clínica na medicina tibetanaimplica em uma análise da estrutura social da realidade médica.Como são construídas as realidades das doenças? Como otratamento médico transforma a realidade da doença em saúderecuperada a partir da perspectiva do paciente, na rede social dopaciente e do médico? Qualquer que seja a natureza e a causa da

doença, quaisquer que possam ser seus processos fisiológicos,bioquímicos ou psicológicos fundamentais, eles penetram no

1Tomei os dois conceitos de descrições “superficiais” e “profundas” deY. Elkana, A Programmatic Attempt at an Anthropology of Knowledge,Sciences and Cultures, publicado por Y. Elkana e E. Mendelsohn,“Sociology of the Sciences Yearbooks”, 1981, págs. 1-76. Reidel 1981.

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mundo da vida humana e tornam-se objetos da ação humanacomo realidades significativamente constituídas.

A Educação MédicaA primeira dimensão, ou regra, na medicina tibetana é a

realidade material concreta, o contexto social do ambientemonástico e sua posição e função dentro da mais ampla cultura.Amchi é um médico e um monge. A religião e a ciência médicaestão integradas entre si. Amchi foi educado em uma cultura

permeada com a filosofia budista, assim como os médicos emmuitas outras culturas budistas. Sua educação durou cerca detreze anos, durante os quais ele estudou medicina e aprendeu areconhecer, coletar e transformar ervas em medicamentos. Comooutros estudantes de medicina, ele começava seus estudos às trêshoras da manhã, com orações a Manjushri, o Buda da Sabedoria.Depois disso, estudava textos sobre medicina e astrologia querecitava e memorizava até as seis horas. Exercícios físicos, umtipo de rathayoga, vinham a seguir e às oito horas eram oferecidasorações para Sangye Menla, o Buda da Medicina. Após o café damanhã havia um horário para instrução individualizadadependendo do nível do estudante. A astronomia e a medicinaeram estudadas paralelamente com comentários orais sobre ostextos. Exigia-se que os estudantes novos aprendessem gramáticae escrevessem poesia.

Após o almoço, à uma hora, eram estudadas as mediçõesdo corpo, localização das energias corporais sutis ereconhecimento das plantas medicinais. Os estudos continuavamdurante o restante do dia até próximo do anoitecer, quando os

estudantes se reuniam para debater questões médicas eastrológicas. Testes regulares eram realizados e os estudantesrecitavam os textos médicos, astrológicos ou astronômicos quehaviam memorizado. Após muitos anos de estudo, permite-se queum estudante treine juntamente com um médico, para que adquira

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habilidade nos diag-nósticos através do exame do pulso, ummétodo que necessita sete anos de aprendizado.2 

De volta para o hotel, comparamos nossa experiência davisita ao médico com o que havíamos lido sobre medicina tibetana.O médico não havia levado em consideração qualquer possívelinfluência astrológica sobre nossos estômagos, e também nãoanalisou nossa urina, o que nos desapontou um pouco. Éprincipalmente por causa do exame da urina que a medicinatibetana se fez conhecida. A urina é vista como uma espécie de

espelho no qual o médico pode observar a condição interna dopaciente. Grande importância é dada ao clima, à estação do ano eà vida sexual do paciente, mas isto não foi comentado durantenossa consulta. Talvez nossas queixas fossem demasiadamentesimples para que estes importantes aspectos da medicina fossemnecessários no diagnóstico.

Sobre as Pílulas TibetanasAs pílulas que recebemos foram feitas de uma certa

quantidade de ervas e especiarias. Juntas, eram positivamentepara estimular as energias vitais e restaurar o equilíbrio corporalperdido, indicado pela doença. Há muitas centenas de anos, oTibete tornou-se famoso por seu conhecimento em plantasmedicinais. O vale YarLung é famoso por sua riqueza nestasplantas e é mencionado em numerosos textos chineses. Há umacomplicada metodologia para a coleta das plantas e preparaçãodas pílulas, com orientações sobre o que e quando deve ser feito.Além disso, a motivação do médico é muito importante. O médico,invariavelmente, deve ser motivado por um forte sentimento de

compaixão por todas as criaturas vivas. Durante nenhuma fase doprocesso de manipulação podem ocorrer quaisquer açõesnegativas – pois teriam um efeito prejudicial sobre o

2Para uma apresentação posterior do processo educacional namedicina tibetana, ver  Medicina Tibetana, de Rechung Rimpoche,Berkeley, Los Angeles, 1973.

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medicamento3. A condição mental do médico representa um papelimportante na medicina tibetana. Para ser capaz de prescrever umbom tratamento, é necessário que o médico possua qualidadescomo sabedoria e compaixão e que utilize seu trabalho para aprática de virtudes como generosidade, paciência, entusiasmo emoralidade. É preciso que o paciente tenha total confiança.

As Características Mentais do MédicoAs características mentais de um médico são mais

valorizadas que suas habilidades teóricas. Afirma-se que muitosmédicos são bem sucedidos na cura de muitos pacientes graçasàs suas experiências meditativas, apesar de serem até mesmoiletrados. O papel representado pelas qualidades internas domédico também é salientado. “A crença de que é a pessoa domédico, e não o sistema conceitual ou suas técnicas particulares,o fator de importância decisiva para o processo de cura é tambémum inquestionável contrato de confiança para a maioria dospacientes indianos.”4 Sudhir Kakar menciona também aimportância dada ao médico que possui qualidades como “mentelimpa”. Um médico deve sofrer uma transformação internatornando possível que ele seja capaz de curar. Na medicinatibetana, o médico deve seguir onze leis. Algumas delasdeterminam que ele deve ter um grande respeito pelos seusprofessores e considerá-los como deuses. Ele deve acreditar naquilo que o professor lhe ensina e não deve ter dúvidas emquaisquer de seus ensinamentos. Deve ter grande respeito peloslivros sobre medicina. Deve ter simpatia pelos pacientes. Deveconsiderar a medicina como uma oferenda do Buda da Medicina e

de todas as outras divindades curativas.5 O médico deve, por 

3T. Clifford, Tibetan Buddhist Medicine and Psychiatry, Wellingborough,1984, págs. 115-125.4S. Kakar, “Shamans, Mystics and Doctors”, New York, 1982, pág. 39.5Rechung Rimpoche, “Tibetan Medicine”, Berkeley e Los Angeles,1973, págs. 91-92.

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outro lado, ser capaz de conseguir a motivação necessária parautilizar a sabedoria e a compaixão tornando-se capaz de beneficiar outros. Ele deve ser motivado pela postura do Bodhisattva ideal. OBodhisattva, por amor a todos os seres sem distinção, sejam reisou mendigos, promete adiar sua própria entrada no nirvana demodo que possa permanecer no mundo para libertar os outrosseres do sofrimento perante si mesmos. O voto e o ideal doBodhisattva é o caminho do amor. É expressado pelo poetabudista indiano, Shantideva:

Tão duradoura quanto a existência do espaço eTão duradoura quanto a existência terrena,Que durante este longo tempo minha existência possaser devotada aos sofrimentos do mundo.Quaisquer que sejam tais sofrimentos,Que possam todos amadurecer em mim;E possa o mundoSer confortado pelos gloriosos Bodhisattvas.6 

Neste ideal não há separação entre as habilidades de cura

e o Dharma. Realizando o melhor do Dharma em seu ser e sendoo melhor médico, haverá a dupla natureza da sabedoria ecompaixão do Buda, tornando-o mais capaz de compreender asprofundezas da ciência médica e de satisfazer as necessidadesfísicas, emocionais e espirituais dos pacientes.

Todo o Conhecimento Médico Tem Origem na Sabedoria de BudaA relação entre o budismo e a cura é inata e extraordinária.

Precisa-se apenas reconhecer que o Buda falou da verdadefundamental em termos de uma analogia médica. Afirma-se quetodo o conhecimento de Buda destina-se a prevenir o sofrimento.De acordo com Buda, nós sofremos da frustração inerente daexistência condicionada, e nosso sofrimento é causado pelo fatode que tudo quanto existe ou pode existir é impermanente e pelo

6Shantideva, retirado de Terry Clifford, “Tibetan Buddhism and Psychia-try”, pág. 25.

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desejo sem fim que surge da ilusão básica da auto-existência doego. A medicina é o ensinamento, o Dharma, que Buda prescreveupara dominar nosso sofrimento e nossa ilusão. E a essênciadestes ensinamentos é subjugar a mente e transformar asemoções negativas. A palavra em sânscrito para budismo,dharma, pode ser interpretada com o seguinte significado “o quenos mantém naquilo que é benéfico”, e a palavra correspondenteem tibetano, chos, significa “curar”. Tais analogias médicas sãoextremamente básicas no budismo. Buda é referido como Médico

Supremo.A Primeira Volta da Roda do Dharma

Quando Buda girou pela primeira vez a Roda do Dharmapara dar seus primeiros ensinamentos, comparou-se a um médico,relacionou os ensinamentos à medicina e sua aplicação aotratamento. Os ensinamentos são propostos da mesma maneiraque um diagnóstico médico, de acordo com a tradição Ayurvédicaindiana daquela época.

Há uma doença?Do que é constituída?Há uma condição saudável?Como se pode alcançar esta condição?

Em torno da doença, todos os seres sencientes circundamem um ciclo de sofrimento e insatisfação. A causa destesofrimento está em nossa mente confusa. O estado de saúde ebem-estar é a mente iluminada, livre da confusão e da ignorância.Ignorância, Ma-rig-pa,  significa que a inteligência e a claridadenatural da mente estão obscurecidas pelas emoções negativas. O

modo de remover esta condição é o caminho óctuplo, cujoselementos básicos são moralidade, meditação e sabedoria (pontode vista correto, intenção correta, ação correta, fala correta, modode vida correto, esforço correto, atenção correta, meditaçãocorreta).

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A Causa Básica de Todas as DoençasDe acordo com a filosofia, psicologia e medicina budista, o

“apego ao ego” é a causa básica deste estado de confusão mentale, consequentemente, de toda doença e sofrimento. “Não hásenão uma causa para todas as doenças, e esta causa é a totalfalta de compreensão do significado da inexistência da identidade(a não existência de um ego independente). Por exemplo, mesmoquando um pássaro voa a grande altitude, ele não se separa desua sombra. Da mesma forma, mesmo quando todas as criaturas

vivem e agem com alegria, enquanto possuírem a ignorância, éimpossível para elas estarem livres da doença.”7 O Dr. YesheDhonden expressa o assunto em termos enérgicos. Todas aspessoas são basicamente doentes. Até que tenhamos atingido amente iluminada, encontramo-nos em um estado de ignorância.Desde que haja um apego à crença em um “eu auto-existente”inerentemente, nós não estaremos livres da doença e dosofrimento. Na presença das condições necessárias ao seusurgimento, diferentes doenças psicológicas e fisiológicas vêm à

tona. A doença latente, por assim dizer, manifesta-se.Doença é Desequilíbrio

A doença é um sinal de desequilíbrio entre o microcosmointerno e o macrocosmo externo. No entanto, a doença em si nemsempre é atribuída a causas imediatas ou evidentes. O sintomaque se manifesta é apenas o último estágio de um processo quecomeça frequentemente algum tempo antes. Fala-se de trêsestágios no desenvolvimento de uma doença: formação, acúmuloe manifestação. Os tibetanos fazem uma analogia com as nuvensno céu que começam a se acumular imperceptivelmente e atingemuma densidade crítica para fazer cair chuva; mas isso apenasocorre se as condições atmosféricas assim permitirem, e da

7ibid. pág. 6.

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mesma maneira as estações podem determinar o início de umadoença.8 

Buda, O Médico IdealCom o passar do tempo, Buda tornou-se o modelo do

médico-santo, com quem os médicos budistas procuraram seigualar, o ser realizado espiritualmente que ajuda aos outros,curando suas doenças. A analogia médica é estabelecida no sutra chamado “Lótus of the Good Law” no qual Buda afirma: “Nesta

comparação, Tathagata deve ser considerado como o grandemédico; e todos os seres devem ser considerados cegados peloserros, como um homem que nasceu cego”9. Toda medicinatibetana tem como base filosófica os ensinamentos de Buda e osmesmos têm origem, segundo os budistas, em uma menteiluminada.

As Raízes Históricas da Medicina TibetanaA medicina tibetana tem suas raízes no Ayurveda. As

primeiras influências vieram da Índia, no século 6, mas não se

estabeleceram até o século 8, assim como a entrada do budismono país. O rei tibetano Srong-brtsan sgam-po tinha duas esposas,uma chinesa e outra nepalesa. Ambas eram budistas einteressadas em medicina. As duas esposas converteram o rei aobudismo e convenceram-no a mandar buscar médicos da Índia,China e Mongólia. A cada um deles foi requisitado que traduzissee apresentasse um texto médico ao Rei. No entanto, não havialíngua escrita no Tibete daquela época. Conforme o desejo do Rei,tibetanos estudiosos em linguística foram enviados à Índia com a

tarefa de criar uma linguagem escrita. Com este objetivofinalmente realizado, textos puderam ser traduzidos, tal como oassim chamado “Quatro Tantras” sobre medicina, escrito por 

8Dott. Luigi Vitiello, “Introduction to Tibetan Medicine”, Shang-Shungedizione, 1983, pág. 11.9T. Clifford, “Tibetan Buddhism and Psychiatry”, pág. 23.

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Chandrananda, conhecido em tibetano como “rGyud-bzhi”.Sessenta textos foram traduzidos do sânscrito. O melhor dentre osmuitos eminentes tradutores foi Rinchen Zangpo, que viveu entre985 e 1055, um importante período em termos de difusão dafilosofia budista através do Tibete. Os médicos tibetanos viajavampara a Índia para estudar, e médicos indianos eram convidadospara se estabelecerem no Tibete. Do século 8 ao século 17, houveuma intensa difusão da tradição médica da Índia para o Tibete.Influências posteriores vieram da China e da Grécia, estas através

da Pérsia. Até o século 17, a medicina tibetana não caminhavainteiramente sobre seus próprios pés. A primeira escola paraestudos médicos, Chakpori, foi então fundada nos arredores deLhasa.10 

A Árvore da MedicinaQuando um estudante de medicina memoriza os textos,

utiliza uma pintura da árvore da medicina, como auxíliopedagógico. A árvore da medicina possui três raízes, novetroncos, quarenta e sete ramos, cento e vinte e quatro folhas, duasfrutas e três flores. As duas frutas são a saúde e a longa vida, astrês flores são o de-senvolvimento espiritual, a riqueza e afelicidade. A primeira raiz tem duas divisões, uma caracterizando ocorpo saudável e a outra o corpo doente. O corpo saudável temtrês ramos, os humores, a constituição corporal e as excreções. Oramo dos humores, sobre o tronco do corpo saudável possui trêsfolhas, rLung, mKris-pa e Bad-kan. Estes três, por sua vez, podemser divididos em cinco tipos diferentes, com sítios e funçõesespecíficas. O corpo saudável é caracterizado por um equilíbrio

entre os três humores.A doença é causada pelo desequilíbrio. Como esclarece o

Dr. Yeshe Dhonden, apesar de todas as pessoas serembasicamente doentes, a doença apenas se manifesta quando há

10ibid. págs. 35-63 e E. Finckh, Foundations of Tibetan Medicine, vol. 1,Londres 1978.

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um desequilíbrio entre os humores. O tronco do corpo doentepossui nove ramos. O primeiro é o ramo da causa e o segundo é oramo da condição, que descreve os fatores que permitirão amaturação e a manifestação da doença. O terceiro ramo é o daentrada. Este descreve os diferentes estágios no desenvolvimentode uma doença, como penetra no corpo e como se dissemina nointerior do mesmo. O quarto ramo indica onde a doença finalmenteocorre, dependendo de sua relação com rLung, mKris-pa e Bad-kan. O quinto ramo descreve como a doença de dissemina no

corpo. O sexto ramo relaciona o tempo para a ocorrência dadoença, o período do ano e o clima característico. O sétimo ramorefere-se às doenças que levam à morte, os oito efeitos colateraisde um tratamento e o nono ramo refere-se ao modo como asdoenças podem ser classificadas como “frias” e “quentes”.

O ramo da causa sobre o tronco do corpo doente possuitrês folhas: ignorância-confusão (ma-rig-pa), ódio-aversão (zhe-sdang) e apego-desejo-ânsia (‘dod-chags). Estas três emoçõesperturbadoras (nyon mongs, em tibetano), ou como são

geralmente chamados “venenos psíquicos”, são apontadas como acausa primária de todas as doenças psicológicas e fisiológicas. Oprincípio da medicina tibetana (assim como ocorre em muitasoutras medicinas tradicionais) é de que o semelhante cura osemelhante (similia similibus curantor, o axioma da homeopatia). Oapego possui as mesmas qualidades que rLung e, portanto, criadoenças de rLung; a confusão-ignorância possui as mesmasqualidades escuras e pesadas que Bad-kan e, portanto, criadoenças relacionadas com o mesmo e o ódio tem as qualidades

demKris-pa e cria doenças de mKris-pa.11

 

11Y. Dhonden, Saúde Através do Equilíbrio, Editora Chakpori, SãoPaulo 1993.

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O Significado da Própria MotivaçãoAs virtudes no budismo preparam a mente para uma

percepção mais avançada, que é a sabedoria, considerando ofenômeno sem apego. No budismo, podemos encontrar acompreensão da relação entre motivação (as virtudes), o tipo deconsciência e a percepção. O propósito da prática do Dharma, ouseja, da aplicação dos ensinamentos budistas em sua própria vida,é livrar-se do sofrimento e da frustração. De acordo com osbudistas tibetanos, para alcançarmos este objetivo nós temos que

ouvir, refletir e meditar. “Ouvir” significa que precisamos prestar atenção aos ensinamentos que nos são dados por uma mulher ouum homem experientes capazes de transmitir o Dharma de umaforma pura e de uma maneira adequada às nossas necessidadese à nossa capacidade de compreender. Quando escutamos dessamaneira, evitamos três tipos de erros, o erro de ouvir como umaxícara virada com a abertura para baixo, de ouvir como uma xícaracom um buraco no fundo e o erro de ouvir como uma xícara naqual algum veneno foi colocado, onde o veneno é o responsável

por nossa mente prejudicada. Depois de ouvir, temos queexaminar os ensinamentos, como um homem que vai comprar ouro, examinando seu valor. Se encontramos algum valor naquiloque ouvimos, devemos aplicá-lo em nossas mentes através docultivo mental (meditação), assimilá-lo e fazê-lo nosso. Em tudoisso nossa motivação é da maior importância. A motivação paralutar pela iluminação não deve destinar-se apenas para livrar a nósmesmos do sofrimento, mas deve incluir todos os seressencientes, “tanto quanto o céu é vasto”. Um homem inferior luta

pela própria libertação e apenas para este período de vida. Umhomem medíocre luta também pela libertação em sua próximasvidas, mas um homem superior luta pela libertação de todos osseres sencientes.

Ele deseja eliminar Todas as misérias dos outros,

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Porque na correnteza de seu próprio ser compreendeu a natureza da miséria,Este é um excelente homem.12 

BodhicittaO tipo de motivação sobre a qual estamos discorrendo é

denominado Bodhicitta (literalmente, “mente da iluminação”, maspode ser traduzido como “mente dirigida para a iluminação”).Bodhicitta é a mente preciosa que deseja alcançar a iluminação

para o benefício dos outros. Diz-se que é a verdadeira base paraentrar no caminho do Mahayana no budismo. Um homem ou umamulher que tenham realizado o Bodhicitta são chamadosBodhisattvas. O ideal para o médico é trabalhar por todos os serescomo umBodhisattva.

Esta intenção de beneficiar todos os seres,Que não surge em outros,mesmo que seja para sua própria salvação,É uma extraordinária jóia da mente,E seu nascimento é uma maravilha sem precedentes.13 

Bodhicitta, o desejo de beneficiar os outros, é a verdadeiraessência da compaixão no budismo. Está junto com a sabedoria. Acompaixão e a sabedoria são semelhantes também às duas asasde um pássaro. Mas nenhuma surge espontaneamente. Sãohabilidades a serem cultivadas. (Recordam-nos o que disseAristóteles sobre a prática da sabedoria. Virtudes tais como ser umbom homem são habilidades que devemos exercitar). Nós temos

que cultivar nossas mentes para desenvolver estas qualidades.Uma palavra tibetana para meditação, “gom”, tem o significado detornar a mente de uma pessoa familiarizada com algo. Em nosso

12sGompopa,The Jewel Ornament of Liberation, Boulder, 1981, pág.18.13Shantideva, A Guide to the Bodhisattva’s Way of Life, Dharamsala,Libraey of Tibetan Works and Archives, 1979.

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treinamento mental, devemos deixar que nossas mentes sefamiliarizem com pensamentos que sejam benéficos para nós epara os outros.

Lo-jong, Treinamento MentalEste treinamento mental (em tibetano, lo-jong)14 significa

modificar a mente de um estado para outro, acima de tudo, livrar nossos pensamentos de atitudes centradas em si mesmas. Enfim,objetiva libertar nossa natureza inerente de Buda, tornando

possível para nós beneficiarmos os outros. Apesar de possuirmosuma mente sombreada por emoções negativas (ganância,aversão, egoísmo e assim por diante) e visões distorcidas (acrença na existência de um Eu inerente), a mente em si tem umasanidade básica, um potencial para ser iluminada. Toda medicinabudista apóia-se na hipótese de que nossa mente por si mesmapossui a natureza de Buda, o potencial para ir além do sofrimentoe da doença.

O treinamento mental aqui mencionado poderia ser comparado ao processo do refinamento do ouro, ou seja, retirandode nossa natureza de Buda, aqui comparada ao ouro, asimpurezas, que seriam comparadas às emoções negativas. É umprocesso que envolve observar tudo o que acontece em suamente com intensa consciência, mas sem ser levado pelas fortesemoções ou pelo esvoaçar das idéias. Deve-se apenas observar este “murmúrio interno” da mente sem qualquer esforço para

  julgar, interpretar ou reprimir. Usando a expressão deKrishnamutri, é uma “consciência sem escolha”. Assim, sãonossas emoções negativas e perturbadoras os obstáculos para

realizar nossa sanidade básica, devemos chegar aos limites com

14Para explicações mais detalhadas sobre lo jong, ver J. Kongtrul, TheGreat Path of Awakening, Boston e Londres, 1987; G. Rabten e G.Dhargyey, Advice From a Spiritual Friend, Londres, 1977; Sonam Gyat-so, Essence of Refined Gold, Ithaca, 1982.

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nossa própria mente. Você deve ser o mestre de sua própriamente, não seu escravo.

Equilíbrio InternoO ponto de vista aqui nos remonta muitas vezes ao antigo

filósofo grego. Em ambas as culturas, o equilíbrio interno é vistocomo um pré-requisito ao bem-estar. Apenas quando o indivíduonão é mais prisioneiro dos sentimentos é que pode ser considerado uma pessoa livre. De acordo com Sócrates, aquele

que é escravo de seus sentimentos é mais estúpido que o maisestúpido dos animais. Quando sentimentos tais como ódio,ganância ou apego surgem, devemos agir “como um leão entreraposas”, como diz Shantideva.

Portanto, nós devemos trabalhar com as emoções e omelhor caminho para fazê-lo é observando sua substância básica.Sua qualidade, a natureza fundamental das emoções, é apenasenergia. E, se o indivíduo é capaz de relacionar-se diretamentecom a natureza-energia, não há necessidade de qualquer conflito.O princípio básico para esta prática é apenas estar lá, estar presente.

“Estar exatamente nesse momento, nemreprimindo nem deixando ir abertamente, masestando precisamente consciente do que você é”,

assim Chögyam Trungpa descreve a prática.

Sanidade Básica

Apesar das lâmpadas da casa terem sido acesas,O homem cego vive na escuridão.Apesar da espontaneidade estar próxima e abranger tudo,Para a mente iludida, ela permanece sempre distante.15 

15Retirado de T. Allione, Women of Wisdom, Londres, 1984, pág. XV.

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Este poema, escrito pelo iogue indiano Saraha poderia ser lido para dar a mensagem de que enquanto não realizarmosnossa natureza inata de Buda, continuaremos a viver naescuridão, sofrendo diferentes tipos de frustrações e doenças.Todos os seres vivos possuem a natureza de Buda, mas isso nãopermanece exposto. No Gyu Lama,16 é comparada à manteiga noleite, ao óleo de gergelim na semente do gergelim e uma pequenaestátua em um bolo de mel circundado por abelhas. A manteiga, opotencial, deve ser trabalhada no leite para se manifestar. As

abelhas em torno do bolo poderiam ser vistas como “emoçõesperturbadoras”, tais como raiva e medo juntamente com o apegopelas doçuras da vida. Enquanto formos escravos de nossaspróprias “emoções perturbadores” não seremos capazes deexperimentar nossa natureza mais profunda. Estes aspectos,colocados nas palavras de Shantideva: 

Embora os inimigos, como o ódio e o apegoNão possuam nem braços nem pernas,E não sejam corajosos nem sábios,

Não tenho sido usado por eles como um escravo?17

 

Todos os ensinamentos de Buda poderiam ser considerados como conselhos pessoais sobre como podemoscultivar nossas mentes para livrar-nos de emoções perturbadorase visões distorcidas e, portanto, realizarmos nossa próprianatureza inerente de Buda. O que é, no entanto, a natureza deBuda? É frequentemente comparada ao céu aberto sem centro oufronteiras. A natureza da mente é a franqueza e a claridade. É o

nada, ou seja, a não existência. A mente não é um objeto. Nada

16Gyud bLama, ouMahayana Uttara Tantra Shastra foi traduzido para o inglêscom o títuloThe Changeless Nature, Samye Ling, Eskdalemuir, 1985.17Shantideva, A Guide to the Bodhisattva’s Way of Life, Dharamsala, 1979,pág. 39.

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para pegar. Nada para se agarrar.18 Ou, colocando nas palavraspoéticas de Kalu Rimpoche:

A essência da mente é o vazioA natureza da mente é a claridadeA mente vazia e clara é o campo de BudaO estado de franquezaEstas três qualidades não estão separadasSão todas o mesmo

Em seres sencientes o vazio não é experimentadoA ignorância o éA claridade não é experimentadaOs cinco sentidos o sãoA verdadeira natureza da mente é eternaÉ inataE imortalE portanto eternaApenas o corpo morre.19 

As Doenças PsiquiátricasNão é nada extraordinário que a psiquiatria ocupe uma

posição única na medicina tibetana, porque o ensinamento budistarepousa principalmente sobre a natureza da mente. De qualquer modo, não existe para isso nenhuma categoria especial dehabilidade médica. A divisão de trabalho e especialização quecaracteriza nossa medicina Ocidental está ausente na medicinatibetana.

Com relação a todas as formas de sofrimento, somático ou

existencial, considera-se que a raiz do infortúnio esteja naconfusão do ser humano, suas concepções errôneas sobre suaprópria mente. Demasiado ódio, confusão ou apego levam a umdesequilíbrio e, portanto, à doença. Porém, em uma perspectiva

18Wisdom Energy 2, Wisdom Culture, Cumbria, 1979, pág. 14.19Ver T. Clifford, Tibetan Buddhism and Psychiatry, págs. 127-197.

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mais limitada, são apontadas principalmente cinco causas dedoenças psicológicas: karma (o resultado de ações realizadas emvidas anteriores), tristeza/aborrecimento, desequilíbrio doshumores, venenos e demônios. As doenças psicológicas podemtambém surgir em consequência de stress, relações familiaresinsalubres, problemas com amor, ansiedade e isolamento domundo. O resultado é uma doença psicológica essencialmente detrês tipos, caracterizado por seus sintomas: 1) medo e paranóia, 2)agressão e 3) depressão e isolamento. A base filosófica para todo

tratamento psiquiátrico é a natureza inerente de Buda, de que háuma insanidade básica no homem. É possível transformar aconfusão e o isolamento através de métodos habilidosos. Paradoenças relacionadas com o karma, há apenas um tratamento queauxilia, a prática do Dharma, que tem como objetivo limpar amente do indivíduo e restaurar sua sanidade básica.

A prática do Dharma significa exercitar os seis paramitas, agenerosidade, a paciência e assim por diante. De acordo com obudismo tibetano, a prática do Dharma não é apenas uma cura

para as doenças que estão se manifestando, mas também umamedida preventiva contra futuros desequilíbrios. Enquantotivermos concepções irreais sobre a realidade estaremos aptos acair no abismo dos sofrimentos psíquicos. Todos os fenômenossão impermanentes. Entretanto, é necessário livrar-se das oitopreocupações mundanas e realizar que os ganhos e as perdas, afelicidade e a infelicidade, as falhas e o sucesso, as conversasagradáveis e desagradáveis não são algo para apegar-se, todaselas vêm e vão. A renúncia é uma expressão deste discernimento.

É a prática do não-apego. Apegos a fenômenos transitórios são“como mel lambuzando o fio de uma navalha”, nas palavras deShantideva. Trazem apenas frustração e sofrimento. O termotibetano traduzido geralmente como renúncia possui umsignificado literal de “emergência definitiva”. Indica uma decisãoprofunda e sincera para emergir definitivamente das repetidasfrustrações e desapontamentos da vida comum. Na realidade, a

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renúncia é uma atitude. Renúncia significa desistir dos apegos àscoisas do mundo, um apego por possui-los.

O fato de tais fenômenos como felicidade e infelicidade,falhas ou sucessos, ganhos ou perdas serem transitórios e,portanto, o fato de não podermos confiar nossa felicidade emnada, podem, se rejeitados ou reprimidos, criar ansiedade esofrimento psicológico. Se fizermos deste fato (de que todos osfenômenos são transitórios), um ponto de partida para nossaaplicação do Dharma, isto pode ser o impulso para tentar 

seriamente a iluminação. Emoções perturbadoras, negativas,podem ser transformadas através de práticas meditativas. Nobudismo, nunca se fala em “repressão”, mas em “transfiguração”ou “transformação” de emoções, uma vez que são na realidadeelementos essenciais de nossa psique. Meditações, visualizaçõese mantras são os métodos para este processo alquímico, o qualdeve ser realizado sob a orientação de um professor experimentado. Os fundamentos da insanidade e da iluminaçãosão os mesmos, assim como samsara (o ciclo do sofrimento) e

nirvana (o estado além do sofrimento) são inseparáveis. Mas elessão dois modos distintos de experimentar o mesmo fenômeno.Através da prática do Dharma, realizamos a verdadeira naturezado fenômeno, como franqueza e claridade e podemos permanecer felizes em um mundo onde tudo é impermanente. Na longatrajetória, a prática do Dharma é o melhor medicamento paratodas as doenças. Mas também há tratamentos com um caráter mais próximo da terra, para lidar com as necessidades imediatasdo paciente. São tratamentos mais breves para doenças

psicológicas, por exemplo, medicamentos à base de ervas,massagens, banhos medicinais e exorcismo. Também pode ser prescrito que o paciente, que a pessoa doente, permaneça em umambiente com pessoas gentis, que fique rodeado por objetosbonitos e que receba livros que possam ser estimulantes.Podemos descrever esta prescrição como um tipo de terapiaocupacional na prática.

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Demônios e InsanidadeOs demônios (gdon) são considerados uma possível causa

de insanidade. A medicina tibetana interpreta como demôniosdiferentes tipos de forças e emoções não-visíveis que tem o poder de criar um desequilíbrio. Representam uma imensa variedade deforças e emoções que normalmente estão além do controleconsciente e todas impedem o desenvolvimento espiritual e obem-estar. Também podem estar relacionadas com ligaçõesconscientes tais como a preguiça, a má companhia, demasiada

sensitividade, apego às possessões, as oito aflições mundanas jámencionadas, sectarismo ou orgulho. Todos constituemobstáculos ao desenvolvimento espiritual.20 Portanto, demôniossão a princípio fenômenos psicológicos associados com umavariedade de obscurecimentos mentais e emocionais. A incríveliogue Ma-chig-la, no século 12, explicou para um de seusdiscípulos o significado de demônio. Ela descreveu-os como“muito, muito grandes, e totalmente negros. Quem quer que visseum deles ficaria verdadeiramente apavorado e tremeria da cabeça

aos pés – mas demônios, na realidade, não existem”. O quepodemos compreender disso é que os demônios são reais em umsentido psicológico, como por exemplo, “objetos interiores”mencionados na teoria das relações do objeto em psicanálise.Eles existem da mesma maneira que os sonhos ou como fantasiaspsicóticas. Os demônios parecem muito reais, mas na verdade,são apenas fabricações mentais.

Uma Escalada Gradual para a Sabedoria e a Compaixão

Na prisão do sofrimento da existência cíclica sem limitesVagam os seis tipos de seres sencientes privados da felicidade.Pais e mães que o protegeram com bondade estão lá,Abandonando o desejo e o ódio,medite no amor e na compaixão.

20ibid. págs. 147-170.

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Não deixe sua mente desviar-se,coloque-a dentro da compaixão.

Mantendo a Mente Atenta, Permanecendo Dentro da Compaixão21 

Lam-rim é um caminho gradual no qual podemos treinar nossas mentes para torná-la iluminada. O fundamental são aspráticas preliminares nas quais contemplamos o precioso corpohumano, a morte e a impermanência, as ações e seus resultados

(karma) e as imperfeições da existência cíclica. Isso significa,entre outras coisas, livrar-se ou abandonar os oito conflitosmundanos, o apego à felicidade e infelicidade, ganhos e perdas,as falhas e os sucessos, as falas amáveis e ásperas. Devemoscontemplar tudo isso cuidadosamente e refugiar-nos em Buda, noDharma e na Sangha. Esta é a base sólida para práticasposteriores.22 

Uma vez entrando no caminho gradual, devemos combater nossos principais inimigos internos, o apego à crença naexistência independente de um Eu inerente e seus dois principaisserventes, a auto-importância e o auto-carisma. Estes inimigossão as causas principais de todo sofrimento e doença. Elesfuncionam como “venenos psíquicos” e são as causasfundamentais para as doenças físicas e psicológicas. Notreinamento da mente, tudo o que ocorre em nossas vidas podeser usado como métodos habilidosos para cultivar a sabedoria e acompaixão. Há meditações recomendadas até mesmo paratransformar obstáculos em recursos. Os inimigos nos dão aoportunidade para praticar a paciência. Mesmo as doenças físicas

21Kalsang Gyatso, The Seventh Dalai Lama, The Song of the Four Mindfulness Causing the Rain of Achievments to Fall, The PreciousGarland and the Song of the Four Mindfulnesses, G & Unwin, 1975,pág. 115.22Para uma explicações das práticas preliminares ver  The Torch of Certainty, Jamgon Kongtrul, Boulder e Londres, 1977

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e os sofrimentos podem ser um auxílio para aprofundar nossodesejo pela iluminação. Podem também nos ajudar a desenvolver a compaixão e a transformar nosso sofrimento em caminho.

Tong-len, Dar e Receber O exercício chamado “dar e receber” (tong-len, em

tibetano) é um bom exemplo disso. Inicia-se imaginando quenossa própria mãe está sentada em nossa frente. Então,imaginamos todas as coisas boas que ela fez por nós. Depois,

imagina-se que durante eras sem princípio todos os seressencientes em algum momento podem ter sido nossa mãe ou paie nos dado igualmente muito amor e compaixão. Agora é nossavez de dar-lhes algo de volta. Agora todos estão passando por diferentes tipos de sofrimentos por causa de sua própriaignorância e confusão. Consequentemente, você deve desejar sinceramente que todos os sofrimentos dos outros venham para sie que todas as suas felicidades sejam também deles. Imagine queos sofrimentos de todos entram em suas narinas na forma depiche negro que é absorvido pelo seu coração. Pense que todosos seres estão livres do sofrimento para sempre. Então, quandoexalar, imagine que sua própria felicidade sai das narinas e éabsorvida pelos corações de todos. Deseje que todos os seresadquiram o estado de Buda. A importância dessa prática de dar ereceber é claramente definida por Shantideva:

Se eu não trocar completamenteMinha felicidade pela tristeza do outro,o estado de Buda não se realizará.23 

Meditando dessa maneira combatemos nossa própriaatitude de auto-estima, nosso costume de sempre colocarmos anós mesmos e a nossa própria felicidade em primeiro lugar.

23Shantideva, A Guide of Bodhisattva’s Way of Life, citação de J.Kongtrul, The Great Path of Awakening, pág. 15

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Colocando este ensinamento nas palavras poéticas de Shantidevanovamente:

Qualquer que seja a felicidade que exista neste mundoTudo vem do desejo de que os outros sejam felizesE qualquer que seja o sofrimento que exista neste mundoTudo vem do meu próprio desejo de ser feliz24.

O Bodhicitta Relativo e o Absoluto

Bodhicitta, a mente preciosa, pode ter dois significados,relativo e absoluto. Bodhicitta em um sentido relativo significacultivar os seis paramitas, virtudes como generosidade, paciência,entusiasmo, moralidade, concentração e sabedoria. No sentidoabsoluto, Bodhicitta implica na completa realização do“shunyata”25. Vamos tomar como exemplo o paramita dagenerosidade. Generosidade, como explica Shantideva, significadar tudo, incluindo o pensamento de dar. Em sua essência, é umestado da mente. Mas, que tipo de estado é este? É

fundamentalmente um estado onde não há mais qualquer sentidode meu e seu, dar e receber. Todas estas idéias são construçõesmentais. O ato de dar vem de uma mente onde o apego à idéia deum Eu e meu desapareceu. A generosidade, neste sentido é umtratamento direto para a ganância, o apego às coisas como seestas fossem nos dar felicidade permanentemente. A paciência é,da mesma forma, um remédio para a raiva e a aversão. OBodhicitta absoluto vem de uma mente que realizou o shunyata, o“vazio”, que todos os fenômenos não possuem uma existência

inerente. Tendo realizado isso, podemos tomar para nós mesmoso sofrimento de outros, para sermos um “receptáculo” destessentimentos como assim define Winnicot, e ao mesmo tempovermos que os mesmos não são reais em um sentido absoluto.

24ibid.25J. Hopkins, Compassion in Tibetan Buddhism, Londres, 1980.

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A Qualidade da Franqueza e da Claridade em Todos osFenômenos

A filosofia do “shunyata” é talvez a mais difícil de seapreender em todas as idéias budistas.26 A idéia de que arealidade possui a natureza do “shunyata” nos dá facilmente aimpressão de que os budistas são niilistas, negando a realidadeque todos nós podemos experimentar como sendoverdadeiramente real. Mesmo na literatura budista, há muitasadvertências para evitar a má interpretação do “shunyata”.

Nagarjuna afirmou em seu Tratado Fundamental chamado“Sabedoria”:

Analisar o “estado de vazio” erroneamente,Assim como agarrar uma cobra incorretamente,Traz a ruína àqueles de pouca inteligência.27 

Há dois erros que podem ser cometidos. Um deles éacreditar que “shunyata” significa uma completa negação do

fenômeno, niilismo. O outro erro é pensar que o fenômeno possuiuma existência autônoma, que é permanente, eterno. Ainda deacordo com a filosofia budista, as experiências meditacionaislevam-nos a verificar que todo fenômeno está em constantemutação, que toda realidade é um fluxo. O budismo é o caminhointermediário entre estes dois extremos, do niilismo e doeternalismo. Os fenômenos não possuem qualquer substânciapermanente. E isso é que é negado pelo “shunyata”. Osignificativo é que todo fenômeno carece de um si mesmo

inerente. O “shunyata”, portanto, não é uma negação da realidadedo fenômeno, mas exprime algo relacionado à maneira comoexistem os fenômenos. Não existem por si mesmos,

26Garma C. C. Chang, The Budhist Philosophy of Totality, UniversityPark e Londres, 1974, pág. 60.27G. Rabten e G. Dhargyey, Advice From a Spiritual Friend, Londres,1977, pág. 40

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independentemente de outros fenômenos. Todo fenômeno surgepor causa da interdependência com outro fenômeno e desaparececomo consequência das causas. Existem na forma de processosinterdependentes.

A Mente é InexistenteA mente é vista como uma corrente do processo. Não há

entidade permanente nesta corrente que possamos qualificar como um eu, tal como nossa ignorância (ma-rig-pa) nos faz

acreditar. A mente também não tem existência independente.Qualquer estado da mente depende de numerosos momentos deconsciência e vários fatores mentais. Cada fator mental individual,tal como um sentimento de felicidade ou tristeza, também édependente de uma variedade de condições, que uma vezreunidas, fazem com que ocorra um sentimento particular. Apessoa também é dependente. A pessoa existe meramente nadependência de componentes físicos e mentais dos quais éconstituída. Consequentemente, “shunyata” significa a anulaçãocompleta ou a ausência de qualquer existência independente,inerente dentro de um fenômeno.

MahamudraPara tornar este termo “shunyata” mais claro, ele tem sido

traduzido como vazio, abertura, etc. A realidade não tem aqualidade de uma coisa. Sua natureza é franca e clara. A filosofiado “shunyata” segue juntamente com um maneira específica deperceber a realidade. Ao invés de enfocar os fenômenosconcretos da forma como ocorrem, consideramos o campo no qual

surgem, o espaço aberto no qual residem todos os fenômenos.28

 Da mesma forma, ao invés de sermos seduzidos por qualquer coisa que ocorra em nossa mente, observamos a abertura e a

28Herbert Guenter, The Dawn of Tantra, Guenther, Chogyam Trungpa.Berkeley e Londres, 1975, págs. 26-33; S. Odin, Process Metaphysicsand Hua Yen Budhism, Albany, 1982, págs. 32-52.

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claridade da mente em si. Realizamos mais e mais que a menteem si não tem existência. É aberta e clara. Não há nadasemelhante a alguma coisa para apegar-se. A meditação sobre o“shunyata” é o mais poderoso remédio para nosso auto-apego. Épor causa deste auto-apego, juntamente com nossa maneira deimpor uma auto-existência ao fenômeno, que experimentamostudo de uma forma distorcida. Os fenômenos ocorrem e podemosexperimentá-los, mas enfim eles não existem independentementede nossos conceitos e imposições. Assim todos os fenômenos

possuem o selo do “shunyata”. Isso é chamado Mahamudra (maha, grande e mudra, selo), uma experiência não-dual da“qualidade inerente” de todos os fenômenos, transcendendo todasas conceitualizações. Mahamudra é deixar a mente repousar emseu estado natural, apegando-se a nada.

“No Mahamudra sem objeto, livre de imagens,Os dez mil pensamentos ilusórios são vazios.Uma vez que todos os fenômenos são o conhecimento ea pura consciênciaEu vejo minha realidade como Mahamudra.”

Mas devemos fazer um fetiche do “shunyata”, por que estetambém carece de existência inerente. O “shunyata”, portanto, nãoé um fim em si mesmo. É apenas um meio para elevar a mente aoprajna, um discernimento transcendental. Aqueles que convertemo “shunyata” em outra doutrina estão, como dizia Nagarjuna,verdadeiramente além da esperança e da ajuda. A realização do“estado de vazio” não é simplesmente um despertar para uma

realidade ontológica, mas um passo salvador que liberta o homemde suas frustrações e sofrimentos.

A experiência do “shunyata” segue juntamente com agrande compaixão. É uma experiência direta de não-dualidadefrequentemente simbolizada por um casal divino enlaçado,geralmente visto na arte sacra tibetana, e ambos inspiram e

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expressam visualmente as experiências e a visualização demeditações.

Exatamente naquele momentoquando a Grande Compaixão surgeEmerge de forma nua e vívida o Grande Shunyata.Deixe-me sempre encontrar este inconfundível Caminho Duplo-em-UmE praticá-lo dia e noite.29 

Duas VerdadesTodos os fenômenos, seus e de outros (verdade relativa)

compartilham a natureza do “shunyata” (verdade absoluta). Asduas verdades são inseparáveis. Realizar a natureza fundamentaldo “estado de vazio” luminoso é dissolver a distinção entre osamsara e o nirvana. Portanto, todos os fenômenos sãoconcebidos com “percepção pura” como inseparáveis do “estadode vazio” radiante e consequentemente como a expressão

sagrada da natureza de Buda. A experiência direta do “estado devazio” é frequentemente acompanhada por felicidade, e todos osfenômenos são concebidos como o divertimento da divindade do“shunyata”, da abertura e claridade. Como disse o iogue LongchenRabjampa:

Visto que a mente em si – pura desde o início e semnenhuma raiz para apegar-se a algo que não seja elamesma – não possui nenhuma relação com umacausa ou com algo a ser feito, esta mente pode muito

bem ser feliz... Visto que tudo é meramente umaperfeita aparição, sendo o que é, não tendo qualquer relação com o bom ou o mal, com a aceitação ou a

29R. Moacanin, Jung’s Psychology and Tibetan Buddhism, Londres,1986, pág.19.

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rejeição, uma pessoa pode muito bem cair nagargalhada.30 

Meditações no “shunyata”A realização do “shunyata” é o resultado de meditações em

um caminho progressivo. No início, com sua primeiracompreensão, melhor do que um bom senso grosseiro, progride-se através de estágios incrivelmente sutis e mais refinados atéchegar à completa e perfeita compreensão. Cada estágio no

progresso prepara a mente para o próximo e assim por diante,cada passo está inteiramente integrado em sua própriacompreensão através do processo meditativo.31 

O caminho graduado para a meditação no “shunyata” temcomo objetivo um conhecimento experimental do “estado devazio”. Combina meditação com raciocínio lógico.

Da mesma maneira, cientistas estudam objetos físicos,como flores. A primeira análise grosseira separa a flor em suaspartes, pétalas, estame, etc. Uma análise mais refinada separa-a

em células, moléculas depois átomos, partículas sub-atômicas.Finalmente, estas partículas sub-atômicas em si perdem suaidentidade, tornam-se simples movimento no espaço vazio e anatureza fundamental deste movimento desafia a análise racional.Contudo, a flor permanece ainda vívida e óbvia como sempre.Deve-se aceitar, portanto, que há duas verdades, a relativa e aabsoluta. A relativa refere-se a como as coisas aparecem para aconsciência comum e não-crítica e a verdade absoluta é anatureza fundamental de uma coisa, estabelecida através da

análise precisa e minuciosa da mente racional. A relativa refere-sea simples conceitos e a absoluta é “shunyata”, livre de conceitos.32 

30T. Clifford, Tibetan Budhist Medicine and Psychiatry, pág. 29.31Khenpo Tsultrim Gyatso Rimpoche, Progressive Stages of Meditationon Emptiness, Longchen Foundation, Oxford, 1986, pág. 11.32ibid. págs. 57-58

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Experiência Não-DualO objetivo final é uma percepção direta do “shunyata”, livre

de conceitos e fabricações mentais. Mas, antes de ser possíveluma percepção direta da mente e do corpo, assim destituída deuma existência substancialmente auto-suficiente em si, emprimeiro lugar deve estar compreendida conceitualmente aausência dos mesmos. Os filósofos desenvolvem uma imagemmental de si mesmos até finalmente, através de uma crescentefamiliaridade com aquela imagem, tornarem possível a percepção

direta.33 

Compreendendo o trabalho ilusório da menteQue observa todas as coisascomo se fossem isoladas umas das outras,A visão penetra o drama ilusório da manifestaçãoe surge o “vazio”.Então livre dos abismos do niilismo e do eternalismopelo rei das perspectivas abertas como o céu,

A mente está repleta de alegria.34

 

Parte 2: Algumas Observações Meta-Científicas

Fontes do Conhecimento

Até agora, tentei entrar em harmonia com a perspectivabudista sobre filosofia e medicina. Agora é tempo de representar o

papel de meta-cientista e fazer algumas questõesepistemológicas. Assim, temos que questionar primeiramente

33Anne Klein, Knowledge and Liberation, Ithaca, New York, 1986, págs.13-32.34Selected Works of the Dalai Lama VII, Songs of Spiritual Change,Ithaca, 1982, pág.8.

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sobre a epistemologia da filosofia budista, e depois como isso estárelacionado com a medicina. Portanto, quais são as fontes deconhecimento e erro de acordo com a filosofia e a medicinabudista? Quais são as conjunturas epistemológicas atrás de tudoisso? As fontes do conhecimento podem ser definidas como sendosocialmente determinadas, como apontado por Elkana.35 Osconceitos centrais em qualquer epistemologia estão relacionadoscom as estruturas culturais e resultam de um consenso social. Hámuitas fontes de conhecimento, e Elkana fornece uma lista parcial:

a) experiência, b) evidência dos sentidos, c) idéias claras edistintas, d) tradição, e) autoridade, f) revelação, g) inovação, h)beleza, i) intuição, j) analogia.36 

Se aplicamos esta lista à medicina tibetana, podemos notar que a experiência representa um papel central: experiências coma produção de medicamentos, no tratamento dos doentes, daanálise dos corpos de pessoas mortas, etc. Aprendia-se atravésda experimentação de tratamentos. A experiência vem dossentidos, mas é sempre enfatizado que o indivíduo não deve se

enganar tomando ingenuamente por certo apenas o que ossentidos informam. Devemos estar conscientes sobre a atividadedos sentidos, e fazer uma distinção entre o que é vistoespontaneamente como estando lá, e o que realmente está lá.Nossa experiência espontânea da realidade pode nos enganar. Étípico para uma cultura pré-científica como a tibetana que aexperiência esteja unida à percepção, uma percepção imediata darealidade e racionalizações da informação obtida através destapercepção imediata. A ciência Ocidental é distintiva, entretanto,

criando deliberadamente novas experiências através da invençãode entidades e modelos teóricos no desenvolvimento de bom-senso na observação. Na ciência Ocidental nós experimentamos a

35Y. Elkana, A Programmatic Attempt at on Anthropology of Knowledge,Sciences and Cultures, E. Mendelsohn e Y. Elkana, Sociology of theSciences Yearbook, 1981, pág. 19.36ibid. pág.19.

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realidade através de nossos modelos. No budismo e na medicinatibetana é crucial a percepção mental, enquanto na ciênciaOcidental, cruciais são nossos modelos. A experiência na filosofiae medicina budista é pessoal. É um conhecimento pessoal. Aciência Ocidental tende para a despersonalização.

O papel das idéias claras e distintas é muito enfatizado nafilosofia budista. O papel da lógica e a habilidade de fornecer argumentos racionais é consequentemente central. Desde aépoca de Buda, tem havido um debate contínuo entre diferentes

escolas no budismo sobre epistemologia, assim como problemaslógicos. Mas em geral, podemos dizer que todas as escolasbudistas concordam em alguns pontos essenciais.37 

Tranquilizando a Mente e Discernindo o RealDesse modo, as análises da mente através de diferentes

tipos de meditação são consideradas para fornecer umconhecimento confiável sobre os processos mentais e mesmosobre a natureza da mente em si. Percepção e conhecimento (blo-rig) é o estudo da consciência, da mente. Compreender a mente éessencial para compreender o budismo tanto em seus aspectospráticos como teóricos, e ainda, para o processo de conquista dailuminação, esta compreensão é sistematicamente a primeira napurificação e intensificação da mente. Dentro da ordem Gelugpado budismo tibetano, a mente é estudada formalmente no tópicode “Percepção e conhecimento”. É a segunda maior área deestudo realizado durante um curso de treinamento intelectual quetermina depois de vinte a vinte e cinco anos de estudos intensivosna obtenção do grau de ge-she, um doutor em filosofia. A

consciência é examinada principalmente através da divisão emtipos e subtipos a partir de diversos pontos de vista, por meio doqual um estudante desenvolve uma compreensão das variaçõesda consciência, suas funções e interrelações. Além desses

37Ver, por exemplo, A. Klein, Knowledge and Liberation, Ithaca, NewYork, 1986.

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estudos teóricos os estudantes também precisam aprender sobresuas mentes através de práticas meditativas.

Ao examinar nossa realidade interna e externa devemosem primeiro lugar acalmar nossas mentes para sermos capazesde discernir o que é real. Através do “zhi-ney” tranquilizamosnossa mente e aguçamos sua capacidade analítica. No “lhag-thong” (meditação no discernimento), aplicamos esta agudezapara a análise de fenômenos externos e processos internos.Dessa forma, os diferentes tipos de meditação trabalham como

meios efetivos para uma análise de nossas maneiras de “elaborar o mundo”, conforme a adequada expressão de Nelson Goodman.A análise é dirigida para o papel representado por diferentesfatores mentais em nossa percepção do mundo. Mesmo que oobjetivo final seja uma percepção não dual, direta, da realidade,além de todas as formas de conceitualizações e fabricaçõesmentais, temos que utilizar conceitos e lógica na direção desteobjetivo. Nessa análise lógica e conceitual investigamos quaisfatores mentais levam ao conhecimento válido e confiável e quais

fatores distorcem nossa percepção do mundo. O método é apurificação da faculdade do conhecimento. A verdade fundamentalé não-conceitual. Portanto, o método na escola Madyamika debudismo é para desconceitualizar a mente e para livrá-la de todasas noções, tanto empíricas como a priori. A implicação dessemétodo é que o real é encoberto pelas elaborações de nossasnoções e pontos de vista. O real é conhecido através dadescoberta do mesmo, removendo a opacidade das idéias,observando-as como o “vazio” da existência absoluta. O intelecto

torna-se tão puro e transparente que nenhuma diferença podepossivelmente existir entre o Real e o Intelecto que o apreende. Aênfase aqui é para a atitude correta sobre nosso conhecimento, enão como na ciência, na qual a ênfase é para o conhecido. Amente no budismo não é semelhante à inteligência de Aristóteles,dotada da habilidade para conhecer a existência; longe disso, suaatividade natural ou sua conceitualização é também uma

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obstrução, a qual deve ser tranquilizada e clareada através dasmeditações mencionadas, antes da verdade estar presente.

Tradição e AutoridadeA tradição e a autoridade são conceitos centrais no

budismo. Os ensinamentos de Buda, por exemplo, sãoconsiderados impositivos. A tradição nos dá acesso à experiênciacoletiva dentro do contexto budista. “Revelação” é uma palavracomplicada para ser usada no contexto do budismo. Não se falam

de experiências meditacionais como revelações. Elas sãocontadas como experiências derivadas de análises e observaçõesda mente. Há imagens do conhecimento que falam decompetência mais que originalidade, enquanto outras enfatizam acriatividade, a abertura e a inovação. A filosofia budista e amedicina tibetana pertencem a estas tradições, onde acompetência é mais importante que a originalidade e a inovação.As analogias, no entanto, representam um papel central namedicina tibetana. Nos ensinamentos sobre filosofia ou medicina,elas são frequentemente utilizadas para esclarecer um assunto, eaté mesmo para fazer com que pareçam mais semelhantes. Mascomo na ciência, a medicina tibetana não repousa sobre umaúnica fonte de conhecimento. A experiência e as evidênciasexperimentais, as idéias claras e distintas, as consideraçõesestéticas e as analogias são todas fontes legítimas deconhecimento.

Conhecimento na Medicina TibetanaComo em todas as outras áreas da medicina tibetana,

Buda é um paradigma também nas questões epistemológicas.Portanto, diz-se que todo conhecimento médico surge dasabedoria dos Budas. A verdadeira base “filosófica” da medicinatibetana, sua imagem do homem e sua cosmologia é um efeito dailuminação de Buda. A medicina tibetana tem seu início em umatradição de praticantes tecida em uma longa tradição religiosa quetem sofrido alterações muito lentamente. Ao ler livros sobre

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medicina tibetana ou ouvir médicos tibetanos falando sobremedicina, nota-se a riqueza de metáforas, espelhando umaproximidade com a terra, a vida diária e a natureza. Ao mesmotempo, há uma riqueza de variações na observação e tambémuma taxonomia rígida. A tradição tem mapeado cuidadosamenteas diferentes condições da mente ou do pensamento e dasdoenças relacionadas por estarem suas raízes fundamentadasnestas condições. De acordo com a medicina tibetana as doençasfísicas sempre possuem dimensões “psicológicas” e vice versa.

A medicina tibetana pode ser caracterizada por considerações como a habilidade baseada na filosofia budista einfluências de numerosas outras culturas e suas medicinastradicionais, juntamente com suas próprias experiências.

O Desenvolvimento do ConhecimentoRobin Horton faz uma distinção entre as culturas

progressistas e tradicionalistas.38 Em uma cultura progressista hámuita ênfase no desenvolvimento do conhecimento. Aracionalidade da cultura está unida à idéia de que há um contínuodesenvolvimento do conhecimento. O conhecimento de ontem nãoé tão relevante e, amanhã, o conhecimento de hoje serásuperado.39 Em uma cultura tradicionalista, por outro lado, há umatransmissão, de uma geração para outra, do que se considera ser o conhecimento. Há pouca ou nenhuma mudança dentro de umatradição. Com isso em mente, perguntamos a um médico tibetanosobre o desenvolvimento do conhecimento na medicina tibetana.Como poderia alguém interpretar a afirmação de que todoconhecimento médico originou-se da sabedoria de Buda? Isso

poderia significar que todo conhecimento, definitivamente, écompleto e disponível, e é transmitido de médico para médico, deuma geração para outra? Nosso informante respondeu

38R. Horton, Tradition and Modernity Revisited, Rationality and Relativ-ism, publicado por M. Hollis e S. Lukes, Oxford, 1982, págs. 201-260.39ibid. págs. 238-260

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afirmativamente a estas questões. Sua resposta é uma indicaçãodo que Horton chama “conhecimento tradicionalista”. A fonte doconhecimento em uma cultura tradicionalista está nos anciãos e étransmitido através da tradição de pessoa para pessoa. Asopiniões são aceitas, de acordo com o conceito de conhecimentotradicionalista, não apenas porque são vistas como antigas, masporque são consideradas como comprovações pelo tempo. Emuma visão tradicionalista o consenso é enfatizado, enquanto nopensamento progressivista Ocidental a competição é valorizada.

Em uma cultura progressista o desenvolvimento doconhecimento é enfatizado através da competição entre teóricosque inventam teorias para derrotar seus oponentes. Comoresultado conseguimos uma progressiva separação entre a teoriasecundária e a vida prática. Na medicina tibetana nãoencontramos nada semelhante a esta teoria crítica secundária. Oconhecimento médico é transmitido do professor para o discípuloe está próximo ao tratamento prático. Como dissemosanteriormente, é um conhecimento de um praticante de nível

elevado. Isso poderia ser entendido, entre outras coisas, pelo fatode que na medicina tibetana não havia até recentemente nadasemelhante ao que chamamos de pesquisa. Não havia um grupode médicos que tinham a tarefa exclusiva de desenvolver novasteorias. Supunha-se que o fundamento verdadeiro já fosseconhecido, e influências de outras tradições eram assimiladasdentro da tradição. Visto a partir do ponto de vista da tradição aqual pertence Rimpoche, a escola Madhyamika no budismo, suaresposta é lógica e racional. A concepção Madhyamika da

filosofia, como intuição não-dual, ou sabedoria, evita o progresso ea surpresa. Progresso implica que o objetivo é alcançadosucessivamente através de uma série de etapas em uma ordem, eque pode ser mensurado em termos quantitativos. A sabedoria(prajna) é conhecimento da realidade completa, definitiva. Umarealização progressiva do absoluto é portanto incompatível. Oconceito de progresso é aplicável à ciência, não à filosofia budista.

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É possível, no entanto, conceber a eliminação progressiva dosobstáculos que bloqueiam nossa visão da realidade, da formacomo aprendemos na abordagem lam-rim.

Alguns Problemas de InterpretaçãoNesta seção gostaria de enfocar algumas questões sobre

interpretação. A primeira refere-se à interpretação de algunsconceitos centrais na medicina tibetana. A segunda refere-se aoproblema meta-científico clássico da comensurabilidade – por 

exemplo, é “o mesmo” corpo humano que a medicina tibetana e amedicina Ocidental “configuram” em seus atlas de anatomia esistemas de conceitos? A terceira questão refere-se àdependência cultural do conhecimento, uma discussão que temsido geralmente conduzida sob o tema de “etnociência”. Euquestionaria finalmente se a medicina tibetana, em algum sentido,poderia afirmar ser racional, e se afirmativo, em qual sentido. Nadiscussão do problema da incomensurabilidade, argumentariacontra uma ruptura total entre as culturas e tradições, ou de umlado a incomensurabilidade e do outro lado contra o idealconvencional acerca de um crescimento cumulativo doconhecimento. Entendemos cada um e nos comunicamos atravésda membrana semi-permeável da tradução de uma cultura paraoutra. Somos capazes de tolerar a falta de clareza nossignificados e temos a habilidade de coexistir em diversas ordensde discurso. O rumo para nosso encontro com outras culturas eseus pensamentos está no diálogo com outros, um diálogo ondepodemos testar as conjeturas básicas de nossa própria cultura, noconfronto com o modo de pensar estrangeiro.

Os Três HumoresA dificuldade de interpretar e compreender a medicina de

uma outra cultura é exemplificada nos três humores da medicinatibetana. A apresentação da saúde e da doença como umaquestão de equilíbrio e desequilíbrio pode ser encontrada emnumerosas culturas em países que circundam o Mediterrâneo, na

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América Latina, na Grécia antiga, China e Índia. Encontramosfamiliaridades em muitas áreas. Afirma-se, por exemplo, emdiversas culturas, que o equilíbrio entre os “humores” estárelacionado às estações do ano e ao clima, e que os alimentos“quentes” e “frios” podem ter influências mediadoras entre oshumores. Outro ponto em comum é a definição de saúde e doençacomo termos relacionados, isto é, com relação ao desequilíbriocomo tendo poder não apenas sobre o doente, mas também entrea pessoa doente e sua família, a sociedade, a natureza e o

cosmos. Apesar dessas similaridades, não podemos concluir queas diferentes culturas dão a mesma interpretação para seusconceitos. Devem ser vistos dentro da estrutura de suascosmologias. Se observarmos a medicina tibetana como um textoa ser abordado de maneira hermética, podemos cortá-la empequenos pedaços. Vamos descobrir que cada fragmento contémtoda a cosmologia budista. Portanto, não se pode comparar osconceitos da medicina tibetana acerca do equilíbrio comHipócrates sem dar cuidadosamente contextos das extensas

descrições dos quais eles são uma parte.A Cientificação da Medicina

Uma comparação entre as convicções médicas dediferentes culturas não é suficiente para observar os conceitos dastradições. Devemos observá-las também em seus discursosteóricos e suas práticas sociais e materiais. Devemos buscar otipo de produção, a divisão de trabalho em sociedade, e como ossistemas e normas, valores e poder são socialmente construídas.A medicina tibetana é uma arte de cura pré-científica e uma

análise comparativa do desenvolvimento da medicina Hipocráticae tibetana seria capaz de lançar alguma luz na “cientificação” damedicina em nossa própria cultura. Pode-se ver já nos textos deHipócrates o verdadeiro embrião da medicina moderna.Hipócrates define a medicina como uma ciência separada dareligião e da superstição. Requer que suas hipóteses sejambaseadas em fatos observáveis. Podemos encontrar em seus

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textos uma essência racional de um tipo semelhante à damedicina moderna.40 Quais foram as razões sociais, materiais ecognitivas para que a medicina se tornasse uma ciência nestaépoca em particular e nesta cultura em particular?

No Tibete, a medicina manteve uma habilidade profissionalintimamente conectada com a religião. Ela possui a racionalidadedas habilidades do médico que a pratica juntamente com oprofundo discernimento sobre a mente humana. Retornaremosposteriormente à questão sobre a relação entre a ciência

Ocidental e a sabedoria budista, mas primeiro faremos algumasobservações sobre comensurabilidade.

Algumas Observações Sobre ComensurabilidadeÉ necessária uma compreensão da concepção global para

nossa compreensão dos conceitos centrais “rLung”, “mKris-pa” e“Bad-kan” usados. Um médico contemporâneo explicou um pontode vista moderno dos três Nyes-pas (grosseiramente traduzidoscomo “humores”) como segue: O humor “rLung” (grosseiramentetraduzido como “ar” ou “vento”) é a força vital. É compreendidacomo estando concentrada no núcleo; controla o metabolismo. Ohumor “mKris-pa” (grosseiramente traduzido como “bile”) é aenergia vital. Entendida como a energia liberada durante aatividade catabólica pelas reações enzimáticas. O humor “Bad-kan” (traduzido como “fleuma”) é compreendido como forçaanabólica que sintetiza o protoplasma.41 

A realidade, de acordo com a cosmologia budista, éformada de cinco elementos ou formas de energia - “terra”, “ar”,“fogo”, “água” e “espaço”. Estes elementos básicos são

encontrados também no homem, “terra” corresponde às partessólidas do corpo, da carne e dos ossos, “água” corresponde aosangue e linfa, “fogo” à energia e habilidades motoras e “espaço”

40Ver G. E. R. Lloyd, Magic, Reason and Experience, Studies in theOrigins and Development of Greek Science, Cambridge, 1979.41T. Clifford, Tibetan Buddhist Medicine and Psychiatry, pág. 91.

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à mente. Um filósofo da ciência chinês, Lan Zheng, apontoualgumas dificuldades na comparação das diferentes tradições emum artigo sobre a medicina chinesa e a Ocidental: “Os conceitosfísicos e patológicos encontrados na teoria médica chinesa sãosistematicamente diferentes dos ocidentais. Apesar de existiremalgumas semelhanças na terminologia, os termos possuemconotações físicas e patológicas completamente diferentes.”42 

Por exemplo, de acordo com Lan Zheng, umdeterminado órgão pode realizar muitas funções que são

realizadas por outros órgãos, segundo a medicina Ocidental.Outras funções que a medicina Ocidental considera que sejarealizada por um órgão são compreendidas na medicina chinesacomo sendo o resultado de cooperação entre muitos órgãosdiferentes. Isto porque o modelo chinês observa o órgão,frequentemente, em termos fisiológicos e patológicos do quesimplesmente em termos anatômicos. Há correspondências namedicina chinesa, assim como na medicina tibetana, para ofígado, coração, rins e outros, mas eles possuem também outras

conotações. Como exemplo, Zheng pega o coração, para o qualsão atribuídas as mesmas funções, de muitas maneiras, tanto namedicina chinesa como na tibetana, mas o qual é responsáveltambém por numerosas atividades mentais e emocionais.

Complicações correspondentes podem ser observadasna análise simultânea da medicina tibetana com a Ocidental emcomparações relacionadas ao coração, o qual é considerado namedicina tibetana a sede da clareza mental. A doença é analisadaquanto ao nível celular e molecular na medicina Ocidental,

enquanto dentro da medicina tibetana e chinesa, é analisada emgrandes unidades. As tentativas de traduzir os ensinamentos yin-yang da medicina chinesa em termos Ocidentais, da mesma formaque as tentativas correspondentes com a medicina tibetana, têmsido infrutíferas. As diferenças teóricas entre as tradições levam a

42Artigo não publicado de uma conferência em Dubrovik, 1987.

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diferentes princípios de diagnóstico e tratamento. A análise deZheng é convincente e estou preparado para ver sua conclusão,para que seja aplicável à medicina tibetana também.

Creio que os fatos acima mencionados sãocompletamente suficientes para demonstrar aincomensurabilidade das teorias chinesa e Ocidental.Cada uma possui suas próprias estruturas conceituaisfísicas e patológicas e seu próprio sistema de

classificação. Elas interpretam as doenças diferentementee aplicam métodos de tratamento também diferentes.

Na medicina tibetana, cada diagnóstico deve considerar a estação do ano, quais dos três elementos estão envolvidos, se éuma doença quente ou fria, e quais efeitos proporcionados pelacura na constituição corporal do paciente.

Uma Visão Relacional do HomemNa cosmologia budista, o homem é visto como um

cosmo em miniatura. Tanto o homem como o mundo onde ele vivesão considerados processos de energia ou campos de energia.Considera-se consequentemente que, contanto que haja umestado de equilíbrio entre humores, ou energias, dentro de umapessoa e entre uma pessoa e seu ambiente social e biológico,haverá um estado de saúde. Quando o equilíbrio é rompido, surgeum estado de desarmonia ou doença. Como resultado, é naturalque o médico tibetano, com sua abordagem global e relacional,atente para o ambiente social e cultural do paciente. Ele deve

saber algo sobre a região na qual vive o paciente e seu equilíbriocom as circunstâncias, incluindo a família e a sociedade. Sudhir Kakar fez as mesmas observações sobre a medicina tradicional naÍndia.43 

43S. Kakar, Shamans, Mystics and Doctors, New York, 1982.

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Enquanto as modernas ciências Ocidentais do homemconcebem a pessoa como de natureza individual(indivisível), que é permanente, fechada, possuidora deuma estrutura interna homogênea, as teorias indianas(como evidenciado nos textos sobre astrologia, biologia,moral e rituais) consideram a pessoa como divíduo, ouseja, divisível. De acordo com Marriot, o divíduo Hindu éaberto, mais ou menos fluido e apenas temporariamenteem integração; não é um mônada, mas (pelo menos)

binário, derivando sua natureza pessoalinterpessoalmente. As pessoas Hindus, portanto, sãoconstituídas de relações; todos os sentimentos,necessidades e motivos são relacionais e seussofrimentos são distúrbios destas relações.44 

Realismo na Medicina TibetanaAs medicinas tibetana e Ocidental mapeiam o corpo

humano de maneiras diferentes. Seus mapeamentos teóricospossuem termos teóricos e analíticos diferentes. Exatamentecomo na medicina Ocidental, a linguagem analítica é impregnadade teoria. Os conceitos teóricos tais como Bad-kan, mKris-pa erLung desempenham uma função dentro de uma teoria e ordenamo fenômeno de forma a possibilitar a explicação, o diagnóstico e otratamento. Como é o mapa Ocidental do homem com relação aotibetano? O mapa médico tibetano deve ser visto apenas comoirracional, não possuindo conteúdo cognitivo? Pode haver qualquer tipo de verossimilhança nas teorias médicas tibetanas, ese afirmativo, em que sentido? Nossas respostas a questões

como estas têm relação com nosso ponto de vista acerca derelativismo e realismo.

44ibid. págs. 274-175.

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Sigo as duas linhas de pensamento de Elkana, de que épossível ser simultaneamente realista e relativista.45 Neste caso,significa que podemos ver ambos os mapas como realistas, de umcerto sentido. Tendo escolhido uma estrutura, a medicina tibetana,por exemplo, somos realistas dentro desta estrutura. Seinterpretamos a medicina tibetana como sendo realista, em quesentido ela é realista?

Quando falamos em realismo, temos que dizer algo acercade qual tipo de realismo estamos nos referindo. Como pudemos

ver até agora, o tipo de realismo que chega mais próximo é aqueleque Rom Harre chama realismo referencial.46 Conforme Harre,temos que nos deslocar da cognição para a prática, de forma queo ato de estabelecer a suposta existência ou não-existência estarána dependência de um material prático. O realismo referencialrequer que alguns dos termos substantivos em um discursodenotem ou pretendam denotar entidades de várias categoriasmetafísicas, que existam independentemente deste discurso.47 Esta forma de realismo deve ser considerada como “uma política,

a política de buscar entidades suficientemente semelhantes àssupostamente existentes, cujas características estejamdeterminadas na teoria”. Harre acrescenta que um referencialrealista seria absurdo se ele necessitasse da possibilidade de ser reconhecido simplesmente pelas propriedades da teoria de queseus termos denotam realmente algo.

O realismo referencial implica na não invocação deconceitos tais como verdadeiro ou falso. É diferente de “realismoverdadeiro”. Referência, neste contexto, é estabelecida

adquirindo-se uma ligação física entre o cientista personificado (ouo médico, em nosso caso) e a existência em questão. Suaexistência está ligada à do cientista. O realismo defendido por 

45Y. Elkana, A Programmatic Attempt at an Anthropology of Knowledge,Sciences and Cultures, págs. 3-5.46Rom Harre, Varieties of Realism, Oxford, 1986, págs. 65-70.47ibid. pág. 69

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Harre deve ser entendido em termos de práticas materiais, e nãoatravés de relações lógicas. O aparecimento de termos queparecem denotar alguma existência extra-analítica (tais comorLung, mKris-pa e Bad-kan, por exemplo) deveria ser consideradocomo a base para um projeto material, uma busca do mundo realpara uma existência que poderia servir como sua referência.48 Considero a ênfase de Harre no “prática material” muitoproveitosa. Temos que observar os médicos tibetanos em suaspráticas . McMullin possui outro ponto de vista interessante de

realismo. Ele sugere que observemos o modelo comofuncionando até certo ponto como uma metáfora na linguagem.Ela expressa um pensamento complexo.49 Possui seu próprio tipode precisão. Possui a precisão de uma poesia. Talvez possamoscompreender os “humores” na medicina tibetana como umametáfora para os complexos campos de energia no interior docorpo. A metáfora aqui poderia, segundo McMullin, agir como umatentativa de sugestão. Somos convidados a experienciar o corpohumano como um campo de diferentes energias. A metáfora

poderia ser um guia para o cientista em seu material prático. Aomesmo tempo, ele está confiante de que há algum tipo de ligaçãoentre a metáfora e a estrutura do mundo.

Medicina Tibetana como um Programa de PesquisaA medicina tibetana e a Ocidental constituem o corpo de

diferentes maneiras. Os mapas são desenhados dentro de duasvisões diferentes. Podemos considerar cada um deles comorealistas. Os princípios utilizados para desenhar os mapas sãomuito diferentes, o que dificulta as comparações. Entretanto, não

impede que sejam julgados como dois programas de pesquisa(concorrentes), com heurísticas positivas e negativas. Temos quedar uma olhada mais de perto ao “núcleo” de seus “programas de

48ibid. pág. 67-7049Ernan McMullin, A Case for Scientific Realism, publicado por J. Lep-lin, Berkeley, 1984, págs. 30-36.

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pesquisa” para tornar explícitas suas metafísicas. Este “núcleo” ,conforme o conceito de Lakatos, pode ser semelhante ao códigodo DNA de um gene. Contém os fatores essenciais determinantesda produção do conhecimento.

Na medicina tibetana este código conduz a mapas que têmo caráter de narrativas. Na ciência Ocidental, o código dáexplicações do tipo dedutivo. Na medicina tibetana, nãoobservamos o tipo de “arrebatamento” epistêmico, a ruptura denossas experiências espontâneas do mundo sobre a qual referiu-

se Gaston Bachelard. O antimorfismo ideal, a idéia de que aNatureza é escrita na linguagem da Matemática, é desconhecidapara a ciência médica tibetana, pois é o ideal do experimento. Aoinvés de descrever suas teorias em uma linguagem matemática,eles utilizam o idioma da poesia. Ambas as linguagens possuemseus próprios critérios de exatidão.

Razão hábilA experiência na filosofia budista significa conhecimento

experimental, algo experimentado fenomenologicamente, e nãoconhecimento experimental como na ciência Ocidental. Não é por causa da sofisticação de nossos modelos teóricos que elesaprofundam o conhecimento sobre, por exemplo, a mentehumana, mas através de uma percepção mais avançada.50 

Enquanto a razão na ciência Ocidental é epistêmica, ouseja, lógica, dedutiva, objetiva e despersonalizada, a razão nafilosofia budista e na medicina tibetana é pessoal, utilizando o queElkana chama de “razão habilidosa”. “Razão habilidosa”, implicaem “um corpo coerente e verdadeiramente complexo de atitudes

mentais e comportamento intelectual que combina discernimento,sabedoria, prudência, sutileza da mente, erros, desenvoltura,

50A. Klein, Knowledge and Liberation, Ithaca, New York, 1986; LatiRimpoche, Mind in Tibetan Medicine, publicado por E. Napper, Lon-dres, 1980; B. Krishna Matilal, R. D. Evans, Buddhist Logic andEpistemology, Dordrecht, 1982

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atenção, oportunismo, várias habilidades e experiência adquiridadurante anos. É aplicada a situações que são transitórias,mutáveis, desconcertantes e ambíguas, situações estas que nãose prestam a precisar medições, cálculos exatos ou lógicavigorosa.”51 

Na filosofia budista e na medicina tibetana há um tiposemelhante de razão que é chamada “recursos hábeis”. O iogueou o médico habilidoso usa o que quer que venha a suas mãoscomo habilidade, meios efetivos para gerar as condições corretas

para a iluminação ou a saúde. Diz-se que tudo pode ser utilizadocomo medicamento pelo médico habilidoso. Na ciência Ocidentaltemos o mesmo tipo de “recursos hábeis” na psicoterapia epsicanálise. Os profissionais precisam trabalhar com a lógica dasituação. Precisam penetrar a racionalidade da mente do paciente,da existência do paciente esquizofrênico, por exemplo, e utilizar osrecursos corretos para lidar com isso. Terapêutas como JohnRosen, de maneira semelhante aos médicos e iogues tibetanos,utilizam comportamento não convencional e a fala aparentemente

irracional para “passar através” do paciente ou do discípulo. Oiogue tibetano ou o psicoterapêuta, em seu trabalho com umdiscípulo ou um paciente psicótico, podem utilizar um efeito dechoque, o que significa que eles puxam o tapete que está sob ospés do outro para quebrar a resistência antagônica para amudança. Mudam abruptamente as regras do jogo. O discípulo ouo paciente é confrontado com um conjunto de circunstânciasinteiramente novas e deve mudar a posição de seus pés durante o

  jogo para lidar com estas novas circunstâncias. Eles devem

encarar seu próprio apego aos preconceitos e ao pensamentoconvencional, e observar que ele está preso na armadilha de suaspróprias fabricações mentais.

51Y. Elkana, A Programmatic Attempt at an Anthropology of Knowledge,Sciences and Cultures, pág. 48.

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EtnociênciaNão estamos abordando um assunto sem preconceitos,

com uma tabula rasa. Nossos preconceitos, através dos quaisacomodamos nossos problemas e hipóteses, estão impregnadospela cultura científica e filosófica na qual nosso pensamento émoldado. O encontro entre duas culturas, a medicina Ocidental e atibetana, por exemplo, lança uma luz sobre ambas. Aoaprendermos sobre o modo de pensar de outras culturasaprofundamos nossa auto-compreensão. Tal encontro dá origem a

uma enorme quantidade de problemas metodológicos para umantropologista do conhecimento. Devemos, ao mesmo tempo,manter a proximidade e a distância de nosso objetivo. Devemosestar próximos para entrarmos em harmonia com a outra cultura,para conseguirmos vestir a pele, por assim dizer. Ao mesmotempo, devemos manter a distância para sermos capazes de fazer uma análise teórica de nosso material.

Horton relaciona uma variedade de dicotomias geralmenteutilizadas para caracterizar a diferença entre a ciência Ocidental e

o pensamento “primitivo”. Entre estes opostos estãoverdadeiro/falso, racional/irracional, profano/religioso, onde aciência Ocidental representa o que é racional, verdadeiro eprofano. A medicina tibetana é religiosa, mas nãonecessariamente irracional e falsa. O que é verdadeiro ou falso namedicina tibetana é um problema de investigação empírica. Amedicina tibetana pode, como dissemos anteriormente, comomuitas outras medicinas de tradição cultural, ser chamadatradicionalista segundo Horton. Mas isso não a torna irracional.

Assim como na ciência e filosofia Ocidental, na tradição budistapodemos encontrar muitos exemplos de análise lógica e racional.Muitos tópicos de importância central no discurso filosóficoOcidental sobre epistemologia são também postos em jogo na

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tradição budista e talvez tenha chegado o momento decomeçarmos um diálogo entre as culturas.52 

As dicotomias relacionadas implicam em critérios que dão àciência Ocidental uma posição privilegiada. Quando Horton julga aciência Ocidental e o pensamento africano, seu ponto de partida éa filosofia da iluminação. A marca de todo pensamento racional éo progresso. Seus preconceitos favorecem a ciência modernaOcidental. Mas ele está correto quando alerta para o outroextremo, que é a idealização do pensamento da outra cultura,

analisando toda a ciência Ocidental como pseudocientífica. Devehaver um respeito mútuo por ambas as culturas.

O Significado da Compreensão PréviaNão devemos negligenciar nossos próprios preconceitos

como adeptos da iluminação, mas torná-la objeto de reflexão.Devemos, em outras palavras, iluminar a iluminação. O quesignifica, liberar-nos das falsas crenças e examinar cuidadosamente o preconceito de ser não preconceituoso? Amedicina tibetana tem suas raízes em uma cultura onde odesencantamento do mundo Ocidental não ocorreu. Assim comoinvestigamos a medicina tibetana e seu ponto de vista,confrontamos as conjeturas básicas de nossa própria culturavoltando às raízes da filosofia da Iluminação. Precisamos voltar aoséculo 16 e reler Francis Bacon e sua visão utópica da ciênciacomo uma libertadora da espécie humana. A ciência, segundo

52No espírito de Manjushri, argumentaria que os filósofos colocam

obstáculos ou por tendência materialista ou romântica, não importandoque difidência possam ter sobre o papel crítico central e a forçaliberativa da filosofia deveria encontrar um novo encorajamento einspiração da “luz do Ocidente”, apenas se pudessem tronar-se livresde certas pressuposições implícitas impostas sobre eles pela sabedoriaconvencional de nossa cultura. R. Thurman, Tsong Khapa’s Speech of Gold in the Essence of True Eloquence, Princeton University Press,Princeton, 1984, pág. 6.

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Bacon, ajuda a dominar e controlar a realidade. Enquanto Baconvolta sua atenção para a realidade física, os filósofos budistas, noTibete frequentemente denominados “confidentes”, aquelesinteressados no mundo interior do homem, enfatizam anecessidade de conhecer mais sobre nossa mente. Bacon quer que dominemos a natureza. Os budistas salientam a importânciade dominar nossa própria mente. Falando em termos doconhecimento-interesse de Jurgen Habermas, podemos dizer quea visão de Bacon sobre a ciência implica um conhecimento-

interesse tecnicamente orientado. Isto objetiva a criação deciência e tecnologia. A hermenêutica do conhecimento-interesseimplicado pela filosofia budista é dirigido para uma transmissão datradição, favorável à compreensão do mundo simbólico no qualvivemos.

Os Três Mundos do HomemDe acordo com antropologistas filosóficos, o homem vive

em três “mundos”. Podemos estudar o homem em seu “Um-Welt”,que significa observar o homem no contexto da natureza, ohomem como um organismo biológico, um animal entre outrosanimais. Podemos também investigar o homem em seu “Eigen-Welt” e em seu “Mit-Welt”, seu mundo mental “interior” e suaexistência com outros. A medicina Ocidental tem estudadoprincipalmente o homem em seu “Um-Welt”, o homem como umorganismo biológico, observando seu mundo mental como umepifenômeno a ser explicado em termos fisiológicos e bioquímicos.A medicina budista tibetana, por outro lado, tem investigadoprincipalmente o homem em seu “Eigen-Welt”, observando-o

como um criador de símbolos, vivendo em um mundo significativo.A medicina social e a pesquisa psiquiátrica são exemplos

na medicina Ocidental de uma quebra no “Eigen-Welt” e no “Mit-Welt” do homem, mostrando as deficiências de um positivismoreducionista limitado. A pesquisa nos cuidados com a assistênciae o crescente número de formas alternativas de tratamento, taiscomo a arte de cura antroposófica, não delineia limites nítidos

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entre a saúde física do homem (seu “Um-Welt”), seu modo de vidae sua “vida espiritual” (seu “Mit-Welt” e seu “Eigen-Welt). Namedicina tibetana, as três expressões são unidades indivisíveis.Ao encontrarmos tal medicina, temos a oportunidade de articular afilosofia sobre a qual repousa a medicina Ocidental, como observaa saúde e a doença, não apenas medicalmente (no “Um-Welt” dohomem), mas também existencialmente (no “Eigen-Welt” e no“Mit-Welt” humano).

Uma Cultura da Ciência e Uma Cultura da SabedoriaA medicina Ocidental e a tibetana podem ser observadas

como um encontro entre duas culturas. Vamos denominar umacomo cultura da ciência e a outra como cultura da sabedoria. Aciência Ocidental é secularizada, a medicina tibetana é religiosa,mágica e fundamentada na experiência mística e na experiênciacomprovada. Voltando ao século 16, na história Ocidental dasidéias, podemos obter um material interessante para esclarecer oencontro entre as duas culturas. Em nossa própria história daciência, podemos encontrar um paralelo para a confrontação entreuma cultura voltada à ciência e uma cultura voltada para asabedoria.

O filósofo Charles Taylor analisou a tradição de sabedoriainspirada por Platão e sua relação com o desenvolvimentoexperimental das ciências.53 De acordo com a tradição dasabedoria, o conhecimento pressupõe algum tipo de amor. Háuma íntima relação entre a compreensão de alguma coisa e estar em harmonia com a mesma. Não se compreende a ordem dascoisas sem compreender seu próprio lugar nas mesmas, porque

se é parte desta coisa. E não podemos compreender a ordem enosso lugar nela sem amá-la, sem ver sua excelência. Isso é oque Taylor chama de estar em harmonia com a realidade. Paraqualquer pessoa com este ponto de vista, de acordo com Taylor,

53C. Taylor, Rationality and Relativism, publicado por M. Hollis e S.Lukes, Oxford, 1982, págs. 87-105.

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há uma tentação para crer em uma ordem significativa, umaordem que possa ser amada. A ruptura da conexão entre acompreensão e a harmonia era, portanto, uma parte essencial daciência moderna, experimental.

HarmoniaA concepção da realidade tão significativa quanto um

possível objeto de harmonização era visto como um obstáculo aopensamento científico. Assim, Charles Taylor distingue entre

estudo científico, e seu acessório tecnológico, por um lado, e aatividade simbólica na qual se entra em acordo com o mundo, por outro. A expressão de Taylor “entrar em acordo” parece ser bastante adequada à medicina tibetana. O médico entra emacordo com o mundo mental interior de seu paciente. Também écorreto caracterizar a medicina tibetana quanto às atividadessimbólicas. Todo o modo de pensar chega muito próximo do queTaylor denomina harmonia. O caminho para esta harmonia éatravés da meditação, das visualizações e dos rituais derecitações. Segundo a análise de Taylor, conclui-se que haja umadiferença entre a cultura científica e a cultura da sabedoria, masserão elas compatíveis? Podem elas coexistir? O progresso daciência, de acordo com Taylor, sempre leva à contribuiçãotecnológica. Há pouquíssimo progresso científico edesenvolvimento tecnológico na cultura tibetana. Portanto, nesteaspecto, a cultura tibetana não é tão avançada como nossacultura.

Ciência e Sabedoria

Nossa cultura Ocidental da ciência representa umacompreensão superior do universo físico. Na tradição budista, por outro lado, conhece-se muito mais sobre o universo mental interior do homem, sobre processos mentais e como transformá-los. Emtermos budistas pode-se falar sobre conhecimento mundano econhecimento espiritual. Com relação ao conhecimento mundano,a cultura da ciência é mais avançada e também mais racional.

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Quando chegamos ao “conhecimento espiritual”, entretanto,devemos ir além dos domínios da ciência de forma aencontrarmos algo de valor, a arte, a música, a literatura, afilosofia ou misticismo. Talvez as críticas estejam corretas, quandoafirma que temos nos tornado cada vez mais distantes de nósmesmos em nossa civilização tecnológica. Mesmo sendo dessaforma, não negaríamos, segundo Taylor, nossa superioridadecientífica. Mas poderíamos falar algo da importância da cultura dasabedoria para que o homem se torne menos distante e para que

consiga um domínio sobre si mesmo novamente.Além de nossa “filosofia do conhecimento”, segundoNicholas Maxwell, necessitamos de fato de uma “filosofia dasabedoria”, uma base filosófica para a ciência, dizendo-nos o quevale a pena investigar. Conectar o conhecimento científico sobre arealidade com uma sabedoria de vida é a observação-chave parao programa de Maxwell. 54 Se a ciência é o meio para um mundomelhor, devemos possuir algum tipo de sabedoria sobre como talmundo deveria se assemelhar. O tipo de sabedoria que

necessitamos, penso eu, é aquilo que Aristóteles denomina“phronesis”, sabedoria prática, na filosofia budista, a união desabedoria e compaixão e não aquele tipo de versão ampliada dafilosofia de Popper deniminada por Maxwell de “objetivo orientadoao racionalismo”.

Sabedoria Prática, “Phronesis”Hilary Putnam dá uma boa sugestão sobre este tipo de

sabedoria. “Penso que Aristóteles estava profundamente corretoem afirmar que a ética está relacionada com a felicidade humana

e como viver, e também profundamente correto em afirmar queeste tipo de conhecimento (“conhecimento prático”) é diferente doconhecimento teórico. Uma visão do conhecimento que admiteque a esfera do conhecimento é mais ampla do que a esfera da“ciência” parece ser uma necessidade cultural se desejamos

54Nicholas Maxwell, From Knowledge to Wisdom, Oxford, 1983, pág. 1

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atingir uma visão sadia e humana de nós mesmos ou daciência”.55 Considero também que um diálogo entre o Budismo e aciência Ocidental pode nos ajudar a aprofundar nossosdiscernimentos sobre este tipo de sabedoria prática e ampliar nossos horizontes de forma que sejamos capazes de ir além doobjetivismo e do relativismo, do positivismo e do romancismo. Aantropologia do conhecimento deveria ser um remédio paranossos apegos “românticos” à crença em um único tipo superior de racionalidade, o Ocidental, o tipo positivista da realidade e

também para seu antídoto, o subjetivismo idealista. Há diferentesmaneiras de construir a humanidade: a dos cientistas, dos artistas,dos místicos, etc. Todos eles descrevem a realidade de diferentesmaneiras. Todos eles têm seus pontos de apoio e de fraquezas.

O místico vence sua dúvida descobrindo a realidade,como consciência, dentro de si mesmo, e tenta persuadir-nos de que ela está localizada aí. O artista constrói umanova realidade externa e tenta persuadir-nosemocionalmente de que é universal. E o cientista, comsua cabeça matemática, sua língua lógica e seus dedosempíricos prova-nos que a realidade é construída naimagem dos símbolos que ele formula misteriosamentepara ela.56 

Um Diálogo Possível Entre o Budismo e a Ciência OcidentalNa história das idéias os desenvolvimentos mais

proveitosos ocorreram frequentemente naqueles pontos ondeduas formas diferentes de pensar se encontraram. O encontroentre a filosofia budista e a medicina tibetana e a ciência Ocidentalpoderia ser tal ponto de encontro criativo. Para os cientistas, ostextos budistas podem ser fontes de discernimento para o

55R. J. Bernstein, Beyond Objectivism and Relativism, Oxford, 1983,pág. 1.56B. A. Scharfstein, Mystical Experience, Penguin Books, 1974, pág. 98.

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desenvolvimento das teorias científicas – fontes estas melhores,de fato, do que materiais não-científicos, uma vez que a filosofiabudista também procura compreender o mundo. Os filósofosbudistas podem desenvolver novas idéias utilizando teoriascientíficas como metáforas-raízes ou como fontes de imagensesclarecedoras; ou podem adquirir consciência de seus própriospostulados. Realmente, tal diálogo entre budismo e ciênciaOcidental já está sendo conduzido. Mas como, se budismo eciência são incompatíveis? Sua Santidade o Dalai Lama

respondeu da seguinte forma: “suponha algo que estejadefinitivamente comprovado através de investigação científica.Que uma certa hipótese é verificada ou que um certo fato surgecomo resultado de investigação científica. E suponha que,posteriormente, este fato seja incompatível com a teoria budista.Não há dúvidas de que devemos aceitar o resultado da pesquisacientífica. Veja, a posição geral do budismo é a de que devemosaceitar o fato. Mera especulação destituída de uma base empírica,quando possível, não basta.”57 

57H. H. the Dalai Lama, The Bodhgaya Interviews, publicado por J. I.Cabezon, Ithaca, 1988. pág. 20.

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OS SEGREDOS DA FÓRMULA DA PÍLULA NEGRA* 

Dr. Yonten Gyatso

IntroduçãoA preparação desta preciosa pílula conhecida como “Pílula

Negra Preciosa” (Rinchen Rilbu) é a mais elevada expressão daprática farmacológica na medicina tibetana. Envolve uma amplavariedade de técnicas que requerem paciência, precisão eextremo cuidado. Nesta formulação, a parte mais importante ecomplicada é a preparação do btso-thal, uma mistura de refinadose desintoxicados pós de mercúrio, oito metais e oito minerais quesão processados individualmente com técnicas específicas. Estepó é o componente básico ao qual são adicionados outrosingredientes. Há outros tipos de pílulas preciosas denominadas

rat-na bsam-’phel, btso-bkru zla-shel e mang-sbyor chen-mo nasquais é adicionado o btso-thal e alguns poucos ingredientes.Haviam outras formas predominantes no Tibete de formular 

o mercúrio antes do advento da prática do btso-thal. São menoscomplicados. O mais simples e menos célebre método de formular o mercúrio é ensinado nos textos médicos tibetanos (“rGyud-bzhi”), que dedica um capítulo detalhado sobre o assunto. A época

* A pedido do autor, este artigo está sendo publicado como nos foi

apresentado. O Dr. Yonten Gyatso foi graduado no Tibetan Medical &Astro Institute, Dharamsala, Índia. Atualmente, trabalha noDepartamento de Pesquisa do Instituto, e é um espacialista no campodas plantas medicinais. Seu trabalho mais importante é odesenvolvimento de um moderno herbário de plantas medicinaistibetanas, para o qual tem coletado e fotografado espécimes dediferentes regiões dos Himalaias. Planeja publicar um catálogo dacoleção do herbário no futuro próximo.

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e a origem deste texto, apesar de envolto em mistério,indubitavelmente antedata a prática do btso-thal. Esta prática foitrazida ao Tibete no século 13 por O-rgyan-pa rin-chen-dpal(1230-1303) cujas instruções afirma-se que tenha recebido dasVajra dakinis e transmitido para Karma-pa rang-byung rdo-rje, oTerceiro Karma-pa (1284-1339), e a partir daí a transmissão demestre para discípulo foi ininterrupta, chegando a Zur-mkhar mnyam-nyid rdo-rje (1439-1475) uma centena de anos após amorte de Karma-pa rang-byung rdo-rje. Entretanto, o texto (ver 

nota 58) não menciona os nomes das pessoas para quem foitransmitida sua linhagem durante este período de mais de cemanos. Quando chegou às mãos de Zur-mkhar mnyam-nyid rdo-rje,este desenvolveu e finalizou a prática, compondo o texto sobre oassunto.

Zur-mkhar mnyam-nyid rdo-rje, o fundador da tradição Zur (Zur-lugs), uma das duas principais tradições médicasdesenvolvidas no século 15, é um dos grandes representantes dahistória da medicina no Tibete. Escreveu numerosos textos sobre

medicina durante seus poucos trinta e sete anos de vida.Como foi um dos primeiros na linhagem da intrução sobre aformulação da Pílula Negra, somos levados a crer, através de suaafirmação (na primeira linha do texto, após a frase de saudação)que este texto é o primeiro a trazer uma explicação por escritosobre a fórmula da Pílula Negra.

Considero-me afortunado por ter sido encarregado datarefa de traduzir este texto. A tradução refere-se ao textoencontrado na obra “Rin-chen dngul-chu sbyor-sde phyogs-

bsdebs” (“Coletânea de Trabalhos sobre a Formulação doMercúrio”), publicado pela Library of Tibetan Works and Archives,Dharamsala, em 1986, fólios 1-20. Pode ser encontrado tambémno “Man-nang bye-ba ring-bsrel” de Zur-mkhar mnyam-nyid rdo-rje(suas Obras Reunidas), publicado em três edições diferentes, dosquais aquele publicado pelo Dr. Tashi Gangpa é utilizado nestetrabalho para comparação. Foram observadas as variações na

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ortografia, na estrutura da sentença e, com frequência, nosignificado. Comparei também diversas linhas com omissão depalavras assim como expressões adicionais ou extras em ambasas edições. Não houve qualquer intenção de fazer menção a cadavariação, entretanto, aquelas que observei serem mais concretase importantes são apresentadas nas notas. Em muitos casos, atradução para o inglês deixa para trás significados inerentes quesão transmitidos pela estrutura da frase ou da palavra utilizada nooriginal tibetano. Em tais casos, palavras usadas para a

compreensão que não são mencionadas na versão tibetana sãoadicionadas e colocadas entre colchetes.Para traduzir os nomes dos ingredientes medicinais no

texto, consultei principalmente as seguintes referências:

1. “Bod-ljongs rgyun-spyod krung-dbyi’i sman-rigs”, Mi-rig dpe-skrun-khang, Beijing, 1973.2. Mia Molvray, “Um Dicionário de Plantas Medicinais Tibetanas”,Medicina Tibetana Livro 11, Editora Chakpori, Brasil, 1996.

3. “Mdo-dbus mtho-sgang sman-ris gsal-ba’i me-long”, Mi-rigs dpe-skrun-khang, Mtsho-sngon, 1976, 2 volumes.4. A coleção de plantas medicinais do herbário do Tibetan Medical& Astrological Institute’ Plants, Seção de Pesquisas.

Anexo a este trabalho está a tradução de um breve texto :“Um Método Característico de Administrar a Pílula Preciosa - UmaPrática Habilidosa” (“Rin-chen ril-bul gtong-lugs khyad-bcos (chos)mkhas-pa’i phyag-len”), com saudações ao primeiro texto e

informações de como administrar a pílula preciosa. Este textotambém encontra-se no “Rin-chen dngul-chu sbyor-bde phyogs-sdebs”, fólios 26-29, entretanto, o autor não é mencionado e nãopude identificá-lo a partir de outras fontes para mim disponíveis.Nesta tradução foram incluídas notas explicativas, de maneira atorná-lo mais útil para aqueles que estão tomando as pílulaspreciosas.

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Este trabalho não teria sido possível sem o gentil auxíliodos seguintes mestres aos quais dedico meus sincerosagradecimentos: Mr. Tashi Tsering, Administrador da seção depesquisa da Library of Tibetan Works and Archives, Dharamsala, oqual, além de encarregar-me desta tarefa, encorajou-me eorientou-me através da mesma; meu professor Dr. PasangYonten, atualmente conferencista no Central Institute of BuddhistStudies, Ladakh; Dr. Lobsang Chophel, conferencista no TibetanMedical Institute (TMI), Dharamsala; Prof. Jampa Gyaltsen

Drakthon, astrólogo, e Dr. Lobsang Tenzin (Ragdo Khentrul) doTibetan Medical Institute, que explicaram-me os termos difíceis dotexto. Ao D.r L. T. McDougall, por auxiliar-me com meu inglês. Dequalquer forma, sou inteiramente responsável por quaisquer errosque os leitores encontrem neste trabalho.

Tradução do Texto “ A Eterna Gema Preciosapara a Clara Revelação dos Segredos da

Fórmula da Pílula Negra”

Em homenagem ao Senhor da Água Marinha. Aqui,algumas instruções orais, até este momento não transmitidas deforma escrita, sobre a [fórmula da] Pílula Negra, é registrada apedido de um amigo muito querido;1 que os mestres e a

1 Segundo o que pudemos encontrar sobre a linhagem da formulaçãodo mercúrio no “Bla-sman o-rgyal bstan-’dzin”, Rin po che ‘i sbyor ba’i

brtso bo bdud rtsi bcud rgyal dngul chu gter mdzod, fólios 153-301, e noRin chen dngul chu sbyor sde phyogs bsdebs (Dngul chu gter mdzod nas referências subsequentes), Library of Tibetan Works and Archives,Dharamsala, 1986, fólios 188:5-192:6; e uma anotação no versoconcusivo do mesmo trabalho de Zur mkhar mnyam nyid rdo rje, Rilnag gsangs don gsal byed ‘chi med nor bu encontrado na coletânea desuas obras “Man ngag bye ba ring bsrel” (Bye ba ring bsrel nasreferências posteriores), Dr. Tashi Gangpa, SSS volume 58, Leh,

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assembléia de Dakinis possam felizmente conceder suapermissão [para esta transcrição]. Como o mercúrio é o principalcomponente de todas as Preparações-Frias-Preciosas e seja qualfor o mercúrio, superior (rgod-pa) ou inferior (g-yung-ba),excetuando apenas os casos de tratamento de gag-lhog2 entreoutras patologias menores individualmente, todas as fórmulaspara a extração da essência (bcud-len), a cura e prevenção dasdoenças (nad-zhi), os processos de purificação, desintoxicação,harmonização, a preparação adequada, etc. são muito

importantes. Assim, há um número inconcebível de métodos deresfriamento e limpeza para refinar o mercúrio, cozinhá-lo por umou dois anos, um ou dois meses ou dias e horas, etc. Comnumerosos antídotos diferentes, incluindo constituintesabsorventes3 e ligas metálicas4 , etc., e através de métodos

1974, fólio 204:3, é bastante certo que o amigo querido seja seudiscípulo chamado Khra- dbon bsod-nams bkra-shis.2

Este é um nome combinado para duas doenças diferentesdenominadas gag-pa e lho-pa que são semelhantes no que se refereàs causas, sendo portanto denominadas gnyan (infecção oumicroorganismos). “Gag-pa” é uma doença infecciosa da garganta e daúvula (difteria?) onde a obstrução ou o bloqueio da cavidade é osintoma principal; o nome refere-se a este sintoma. “Lhog-pa” é umadoença do tecido muscular, causada por processo infeccioso,semelhante à água fervente em sua aparência, por isso o nome.3 Constituintes absorventes, também denominados os OitoConstituintes (Khams-brgyad), consistem de oito componentes

rochosos: (i) chu-skhyur-rdo (lit. pedra água-amarga, depósitosolidificado formado na primavera e que possui sabor azedo), (ii) lhang-tsher dmar-po (mica vermelha), (iii) gser-rdo (lit. pedra de ouro), (iv) ba-bla (arsênico), (v) khab-len (magnetita), (vi) pha-bang long-bu (amonite), (vii) ldongs-ros (ocre). (viii) dngul-rdo (lit. pedra de prata, éum minério de prata).4 Ligas metálicas (ching-byed lcags) consistem de oito metais: (i) lcags(ferro), (ii) zha-nye (chumbo), (iii) zangs (cobre), (iv) ra-gan (latão), (v)

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tântricos, o efeito tóxico do mercúrio é extraído e suas qualidadesterapêuticas são geradas de várias maneiras. De todos estesmétodos o mais relevante e mais profundo que os demais, com asbênçãos mais elevadas das dakinis e uma linhagem ininterruptana prática de iogues altamente realizados, menos complicada emuito objetiva, é aquela transmitida ao Senhor Supremo dosIogues, o Oddiyanese (O-rgyan-pa rin-chen-dpal)5 , peloConquistador Vitorioso, Vajrayogini:

“O Penetrante, o grande êxtase em forma de lua,

[epíteto para o mercúrio]Aquele que Sopra o Calor, o Rei dos Nagas,[epíteto para o enxofre e o chumbo]Através da afinidade do óleo ao calor extremo,Conquista o poder daquele que é Todo Venerado”.

E prossegue:“Oito tipos de metais, a suprema essência,E móvel-estável6 , e a essência do óleo

Quando misturados e ‘expostos ao oposto’(dgra-dang sprad-pa)Transformarão [em pílulas] preciosas de formas desejadas.”

Prosseguindo:“Seu significado veio do local da emanação de Oddyiana7 

‘khar-ba (bronze), (vi) gser  (ouro), (vii) dngul (prata), (viii) gsha’-dkar  (estanho).5

O principal aluno de Chos-rje rgod tshang-pa mgon-po rdo-rje (?-1256) e Grub-chen kar-ma-pak-shi (1204 ou 1206-1283) que poderiaser chamado talvez de pai da formulação do mercúrio no Tibete.6 Refere-se ao mercúrio, pois é ao mesmo tempo móvel e estável.7 Refere-se à cidade de Oddiyana conhecida como Dhu-ma tha-lasituada no oeste da Índia, de onde a atual tradição da formulação domercúrio (btso-thal) predominante no Tibete foi trazida por O-rgyan-parin-chen-dpal (1230-1303).

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Com as bênçãos do Senhor da Doutrina, o Senhor Vitoriosodos Seres Sencientes [refere-se ao guru-raiz do autor?],É a essência da profunda instrução das Dakinis.Como podem os discípulos não receptivos compreender?O fluxo mental dos discípulos receptivos deve estar aberto”.

Purificação do Mercúrio e os Ingredientes PreciososNo caso de um “zho”8 de mercúrio, adicione cinco “se-ba”9 

de chumbo, uma colher cheia de óleo de crotão ou óleo de

gergelim e misture-os juntos. Coloque a substância conhecidacomo “o que sopra o calor” (tsha-ba’i-dbugs-can) em um recipientede ferro, quando derretidos sobre um fogo feito com carvão,ambos o mercúrio e o chumbo neutralizam-se um ao outro, equando adquirirem um só sabor, lave três vezes com o suco daHippophae tibetana (Schlecht), ou com a urina de vaca, e utilizeda maneira como necessitar. Então, devem ser usadosingredientes preciosos, tais como turquesa, lápis-lazúli, pérolas,a mãe-da-pérola, âmbar amarelo, “nal” (coríndon)10, cristal de

rocha11

, “spug”12

, rubi, safira, etc., e também ingredientesconstituídos de rochas, vidro, cristal, de natureza não fundível.Qualquer que seja a substância utilizada, se não for conhecido o

8 1 sang = 10zho; 1 zho = 10skar ; 1skar = 12 se-ba 9 Ver nota nº 8.10 Gostaria de estender meus sinceros agradecimentos ao Dr. BarryClark por esta identificação. Outros minerais identificados pelo mesmoserão reconhecidos nas notas de rodapé, aparecendo como “Dr. Barry

Clark” nas referências posteriores.11 Dr. Barry Clark.12  Spug: Outro nome de chu’i-nor-bu (literalmente, gema d’água) éconsiderado neve ou gelo que se torna solidificado após milhares deanos. Há dois tipos: multicolorido e verde-amarelado. Para maioresdetalhes ver De’u-dmar-dge-bshes bstan-’dzin-phun-tshogs, “Shel-gongshel-phreng” (abreviado como SG SP nas referências posteriores. Mi-rigs dpe-skrun-khang, Mtsho-sngon, 1980.

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processo de desintoxicação, seu efeito será mais fraco, as açõesbenéficas não agirão tão rapidamente, e o vigor físico (lus-zung)da fórmula será enfraquecido. Está declarado na “Coletânea doNéctar” (Bdud-rtsi ‘phreng-ba):13 

Turquesa, lápis-lazúli, pérola e outros.Todos os ingredientes preciosos formados na natureza:Estáveis, móveis, fundíveis e não-fundíveisPrecisam ser separados do veneno para serem utilizados.Serão mais prejudiciais do que benéficos se não separados.

Esta é a razão do significado de tudo o que foi dito [sobre aimportância da purificação e da desintoxicação].

A Prática da Desintox icação dos Ingredientes PreciososQualquer que seja o ingrediente precioso [escolhido] para

ser utilizado, misture igual quantidade de sal-gema, samambaiacomum e broto de carvalho, um terço [desta quantidade] de Gentiana urnula H. S., almíscar suficiente para produzir odor, a

mesma quantidade [do ingrediente precioso] de borato de sódio,Terminalia chebula Retz., pó de cauril calcinado em quantidadeadequada14, Hippophae tibetana, de preferência em quantidademaior [do que a do ingrediente precioso], e misture uma soluçãoorgânica indicada, retirada de uma criança de oito anos ou de ummonge completamente ordenado. Adicione [na mistura acima] oingrediente precioso triturado em pedaços e cozinhe durante umamanhã. Depois, cozinhe com água limpa e ainda com “chang” deboa qualidade. Após este procedimento, é vital que seja lavado

com água limpa. Com relação àqueles ingredientes preciosos denatureza metálica, tais como ouro e outros, devem ser utilizadosapenas os pós produzidos pela calcinação com seus respectivos

13 Este é o nome de um texto, no entanto, não pude identificá-lo.14 A frase tibetana “tsha-’debs-tsam” no texto é traduzida literalmentecomo: aproximadamente a quantidade de sal colocada no alimento oucozido, significando, portanto, a quantidade adequada.

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antídotos e separados de suas toxinas. Assim, qualquer que sejao ingrediente precioso utilizado, em primeiro lugar, o processo dedesintoxicação é muito importante e deve ser mantido.

Agora a seção sobre a formulação médica real será expli-cada a partir do texto “The Practical Instruction for Opening theSecret of Heart to Manifest the Heart Treasure”15 (Thugs-gter gab-pa mngon-du phyung-ba’i lag-len dam-pa snying-gyi gsang-gtol).Possui três seções principais, a grande fórmula, a intermediária ea sucinta, e uma seção sobre instruções secundárias menores.

A Grande FórmulaMisture metade de um “sang” de mercúrio desintoxicado e

dois “zho” de enxofre processado da mesma forma que ouro.Misturar completamente durante metade de um dia ou mais atéque estejam secos, sobre uma bacia de pedra polida sem retirar do calor. Então, reúna duas mãos cheias de “tsi” em forma de pó(rtsi-bzhin btags: literalmente, pó semelhante à resina,transformado, pulverizado tão fino quanto for possível), Oxitropis

lapponica (Wahl) Gay16

, coletada antes do solstício do verão eposta a secar na sombra, ou as sementes da planta coletadas nooutono, e Hippophae tibetana a quantidade aproximada de umapequena bola de esterco de carneiro. Adicione estes trêsingredientes (a mistura de mercúrio e enxofre, Oxitropis lapponica 

15 Alguns leitores podem considerar esta frase como sendo o nome deum texto. No entanto, não penso que o seja. O autor afirma que averdadeira formulação medicinal explicada aqui é a instrução prática da

fórmula da Pílula Negra para manifestar o tesouro estimado, referindo-se à instrução que vem de seu coração.16 Apesar desta identificação botânica parasrad-nag ser proveniente dacoleção das espécies do herbário, as quais foram identificadas peloscientistas do Botanical Survey of India e do The Forest ResearchInstitute em Dehradun, ainda tenho dúvidas acerca de sua precisão.Espero publicar em breve um catálogo da coleção do herbário no qualesta será corretamente identificada.

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Wahl, Gay ou suas sementes e a H. tibetana) à uma soluçãoorgânica extraída de um lactente; a consistência [da misturaresultante] deve ser semelhante à do iogurte mais ralo. Então,movimente a ‘dam-btags [a mistura} por um dia. A ordem deingredientes preciosos a serem adicionados à mistura é: dois “zho” de ouro, três “zho” de prata, dois e meio “zho” de cobre e ferro,dois “zho” de turquesa antiga de boa qualidade, um “zho” deâmbar amarelo, meio “zho” de pérola ou mãe-da-pérola de boaqualidade, lápis-lazúli, coral, coríndon, rubi, safira, cristal,

diamante e concha, [e] um “zho” dekhyung-skyug.17 [Deve ser adicionado] um quarto de “zho” de cada um dos

seguintes ingredientes na forma de rochas: “sbal-rgyab”18 de boaqualidade, calamina19, magnetita, muscovita fóssil20, minério deferro, óxido de ferro, calcita, “rdo-dkar-po chig-thub”21, “mdung-rtsedmar-po”22, sal-gema e cinzas de cauril calcinado como antídotopara assimilá-los.

Diferentes ingredientes (“bzang-sman”) [a seremadicionados]: três “zho” de Crocus sativus Linn, dois e meio “zho”

de “tabashir” (a resina do bambú), Eugenia caryophillus Spregal,Bullock e Harrison, Myristica fragrans Houtt., Elettaria

17 Khyung-skyug é uma pedra preciosa azul semelhante à turquesa eafirma-se que produza uma coloração vermelho-sangue quandofriccionada no suco de Curcuma longa Linn. Para maiores detalhes ver SG SP, págs. 93-94.18 sbal-rgyab, que literalmente significa o dorso da tartaruga, é um tipode rocha ou pedra utilizada na medicina da qual há dois tipos

principais: smug-po sbal-rgyad e dkar-po sbal-rgyab. Para maioresdetalhes ver: SG SP, págs. 125-126.19 Dr. Barry Clark.20 Dr. Barry Clark21Rdo-dkar-po-chig-thub; também denominada mdung-rtse dkar-po.Para maiores detalhes ver SG SP, pág.126.22 Também denominado smug-po chig-thub. Para maiores informaçõesver SG SP, pág. 126.

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cardamomum Linn., Maton e Amomum sabulatum Roxb. Três“zho” de cada um dos seguintes, “ghi-wam” (gorochan em hindi)de boa qualidade, bile de urso, almíscar, tecido hepáticoconservado, extraído de uma criança de doze anos do sexofeminino23 que teve morte súbita ou, se não for possível obter, ode uma porca virgem cujo peito seja multicolorido; um “zho” demúsculo do antebraço de um homem de meia idade morto por uma facada; meio “zho” de mecônio proveniente de bebê humano,filhote de cão ou de cavalo; um quarto de “zho” de cada um dos

seguintes, Cinnamomum camphora Linn., Sieb, Santalum album L., Pterocarpus santalinus L. F., Aquilaria agallocha Roxb., o fluidoextraído de onze sementes de Strychnos nux-vomica, raladas comágua limpa, e uma dose dupla24 de cada um dos seguintes, córtexde Berberis aristata DC., Rosa macrophyla Lindl., Myricariagermanica L., Desu, e Saussurea hieracioides Hook. F.

Ervas [a serem adicionadas]: três “zho” de Aconitunheterophyllum Wall., um “zho” de cada um dos seguintesingredientes, Aconitum brunnuem Hand. Mazz., Aconitum

autumnale, Phytolacca esculenta Van Houtte, e “dpa’-bo”25 selvagem, dois “zho” de “su-mi-dmar-ser”  26 (“su-mi” amarelo evermelho), dois “zho” de “glang-chen Chig-thub”27 , meio “zho” decada um dos seguintes ingredientes, Gentiana urnula H. Smith e

23 Uma menina de treze anos, e referido como “stag-lo-ma” (nascidano ano do Tigre) conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 192:5.24 Uma colher cheia de cada segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 193:2.25 Dpa’-bo ser-po é ignorado, pois no “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 193:3,

encontramos dpa’-po ser-po entre Phytolacce esculenta (dpa’-bo dkar-po) e dpa’-bo (Dpa’-rgod). A linha é a seguinte: “bon-nga dmar-po ser-po dpa’-bo dkar-po ser-po dpa’-rgod zho-re-re”.26 Dois “zho” ou do su-mi vermelho ou do su-mi amarelo (su-mi dmar-ser gang-yang rung-ba zho-do) no “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 1933.27 É um tipo de dpa’-bo com raiz de tamanho maior do que os outros.Consequentemente, denominada também de dpa’-bo chen-po (dpa’-bo grande).

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concentrado de Sambucus adnata Wall., um“zho” de cada um dosseguintes28, Corallodiscus kingianus (Craib.) e concentrado deDryopteris barbigera Moore, O. Ktze. (que cresce em brotos deárvores), uma dose grande de cada um dos seguintesingredientes, Delphinium brunonianum Royle, Sisymbrum irio Linn., Oxitropis microphylla DC., Lilium tenuifolium Fisch.,Gentiana algita Pall. (variedade branca) e Gentiana tibetica King eHook. F., uma casca de ovo cheia29 de sementes de naboenvelhecidas por uma ano30 e a mesma medida de óleo de

sementes de Brassica alba Linn., Boiss, que não tenha sidotocada por mulheres e pela luz do sol, três doses de sementes de Brassica nigra Linn., Koch., e os cabelos da região púbica de umbode, um “zho” de chifre de rinoceronte branco, seis penas derabo de pavão (na forma de pó calcinado), cinco vértebras deduas polegadas (“sor-zhi-pa”) de porco-espinho, todo o conjuntode fios de bigode de um tigre, e cabelos das axilas e do topo dacabeça de uma menina limpa nascida no ano do Tigre, calcinadoscom o calor do sol através de uma lente convexa.

Os imprescindíveis ingredientes secretos são: mica negradenominada “a-pa-ra”31, a qual é triturada por cinco ou sete diasem uma mistura de solução orgânica extraída do bode, Hippophaetibetana e soro de leite. Despeje [a mistura] em uma bolsa de pelee amasse completamente. Retire-a [da bolsa] e misture com umaquarto desta quantidade (de mica negra) de enxofre que seassemelha a ouro, coloque em um recipiente de cerâmica feito de“zhi-ka” (uma argila especial para cerâmica) e de uma argilaresistente ao fogo e que não se quebra, as aberturas do recipiente

são seladas e o pote é colocado no fogo durante uma manhã; dois28 Dois “zho” de cada no “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 193:4.29 Duas cascas de ovo cheias de cada (sgong kyogs ou skogs)conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 193:6.30 Doze anos (lo bcu gnyis lon pa) conforme o “Bye-ba ring-bsrel”,fólio193:5.31 A-pa-ha-ra conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 194:2.

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e meio “zho” de pó assim preparado [é necessário]. Misture apolpa finamente pulverizada (“rtsi-bzhin btags-pa”) de 21 frutosnão estragados e com odor agradável de Terminalia chebula coma solução orgânica extraída de uma criança de oito anos ecoloque-a em um recipiente de ferro novo, coberto com um panolimpo e quando o tecido tornar-se negro e seco, adicione manteigaao pó precioso (o pó de mercúrio purificado) , e cozinhe32 . Então,misture estes dois [preparados] que ficam expostos à luz da lua nodécimo quinto dia do mês (conforme o calendário tibetano, quando

a lua está cheia)32 ; três bolas de gordura humana e de veadoaproximadamente do tamanho de uma semente de quilaia. Dentreos 83 ingredientes medicinais, embora quatro33 deles, tais comocoríndon, etc., não sejam encontrados, o restante deve ser coletado em suas medidas exatas de “zho”, em concordância comconjunções planetárias e estrelares. Então, começando com omais duro deles, pulverize finamente cada um dos ingredientes

32 Estas duas sentenças, e acordo com o “Bye-ba ring-bsrel”, fólios

194:4-195:1, são lidas como:a-ru gser-mdog nyi-shu rtsa-gcig rul-sung med-pa’i sha-rtsi bzhin-btags-pa’i phye-ma phyed-lo brgyad-chu-dang sbyar-la/ lcags-kyi snod-gsar-pa’i nang-du blug-nas gos-gtang-mas byibs/ mdog-nag-por song-babyas-pa de skams-pa-dang/ phyed rin-po-che’i sder-mar byug-nastshes-bco-lnga’i zla-’od-la gdugs-pa gnyis-bsres.Tradução: Misture metade do pó da polpa pulverizada como umaresina de 21 frutos de Terminalia chebula, não apodrecidos e sem odor fétido, com a urina de uma criança de oito anos. Depois, coloque-a emum recipiente de ferro novo e cubra com um pano limpo, até que ele se

torne preto e seco; então, misture a outra metade com o grupo deingredientes preciosos, aplicada com manteiga, que tenha ficadoexposta à luz da lua no décimo-quinto dia do mês (conforme ocalendário tibetano, quando a lua está cheia). Depois os doispreparados devem ser misturados.32 Ver acima33 Infelizmente, ambas as edições do texto não especificam quais dosquatro ingredientes não são encontrados, a não ser “nal” ou coríndon.

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nesta ordem [do mais duro ao menos duro]. Misture todos osingredientes e seque-os misturando durante um dia. Depois,esprema [o pó misturado] através de um pano fino e despeje umasolução orgânica extraída de uma crinça de oito anos neste pó oqual é então misturado à mistura contendo mercúrio [mencionadaanteriormente] até a consistência do mais fino iogurte, amasse-adurante dois dias. Despeje duas mãos cheias de suco desementes de Punica granatum grosseiramente trituradas eamasse continuamente durante sete dias sem interrupção durante

as noites. Se não for possível realizar desta forma, deixe [opreparado] com consistência de massa durante a noite. Aoamassar, é importante que esteja com consistência mais fina edeve ser amassada por onze dias34. O ponto perfeito é obtido se[a preparação acima] tornar-se azul como o céu e com a cor deum nanquim de boa qualidade (“rgya-snag”) quando está comconsistência semelhante a um iogurte fino35. Se estiver amareloquando fino e levemente preto quando grosso, está imperfeito.Após [alcançar o ponto de] perfeição, quando a consistência [da

preparação] é de uma massa fina, enrole em pílulasaproximadamente do tamanho de ervilhas frescas grandes.Coloque em uma balança para manufaturar [as pílulas]exatamente com o mesmo peso, e torne-as muito redondas, semondulações ou rachaduras. [As pílulas] devem ser colocadassobre uma rede de bambu, semelhante a uma bandeja, cobertacom um tecido de fina qualidade deixando-se algum espaço [entreas pílulas e o pano], postas a secar na sombra.

PolimentoQuando as pílulas estiverem um pouco úmidas ainda,

coloque-as em um pano preto [transformado em um longo saco] eagite suavemente. Quando completamente secas, agitenovamente com força, removendo-as quando estiverem brilhando,

34 Quatorze dias, conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 195:6.35 O mais fino iogurte, conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 195:6.

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emitindo raios prateados. Mergulhe-as por um momento no sucode sementes de linhaça (ligeiramente trituradas?) socadas emágua, e depois seque-as novamente. Devem ser conservadas emum agente conservante, Cinnamomum camphora Linn., Sieb.,36 em um bom esquife de material precioso [pedra ou metal], cujoscantos são vedados com cera. É melhor [que elas sejam] dotadascom muitas cerimônias consagradas e abençoadas tanto quantopossível. É essencial que os [ingredientes] medicinais, desde omomento em que são coletados, não sejam tocados por mulheres

ou pelo sol – e se forem prescritas para uma mulher, um homemdeve administrá-las. Esta formulação é denominada “A GrandePílula Negra”. Que possa ser conhecida em todo o país, poispossui qualidades [terapêuticas] inexprimíveis. Torna-se o melhor dos elixires se ingerida por uma pessoa saudável que mantém osvotos e repelirá os venenos enquanto viver 37 . Não há nada queesta fórmula não cure, todas as doenças – por exemplo, as febrescrônicas e modificadas, entre outras patologias – que são difíceisde curar por outros meios.

Agora, será apresentada a fórmula intermediária.Três “zho” de mercúrio desintoxicado, o mesmo de enxofreprocessado, triture um “zho”38 de Oxitropis lapponica Wahl, Gay,como anteriormente, dois “zho” de almíscar, dois e meio “zho” de“gi-wam” e bile de urso, um “zho” de cada uma das Seis DrogasDiferentes (“bzang-po-drug”), sete sementes de Strychnos nux-vomica Linn., um “zho”  39 de cada um dos seguintes, Aconitum

36 Ga-bur ‘bras conforme o “Bye-ba ring-bsrel, fólio 196:6, que poderia

ser o Cinnamomum camphora e arroz ou o fruto do Cinnamomumcamphora, pois a palavra ‘bras significa tanto fruto como arroz.37 Cada pílula combate os venenos durante toda uma vida (ril-bu-resmi-tshe ‘di-’i dug-thub-ste), conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 197:4.38 Duas mãos cheias (khyor-ba-gang) conforme o “Bye-ba ring-bsrel,fólio 197: 5-6.39 Dois “zho” (zho-do) conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 198:1. Noentanto, a palavra “re” (cada) está omissa.

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Heterophyllum Wall., Royle, Aconitum brunneum Hand., Mazz., e“su-mi”. O pó calcinado de cinco penas de cauda de pavão, umacasca de ovo de uma galinha jovem cheia de sementes de nabo eBrassica alba Linn., Boiss., Terminalia chebula  40, um quarto de“zho”41 de cada um dos três seguintes: turquesa, âmbar amarelo ecoral (uma quantidade superior a esta não é bom), sete peças depérolas, meio “zho” de pó de mica que deve ser peneirado.Misture com o suco de Punica granatum. O método de enrolar aspílulas e outros é o mesmo do anterior. [A fórmula destes] 27

ingredientes é chamada a “Pílula Negra Intermediária”. [A ação] decada pílula dura seis meses42 se ingerida por alguém que realizaos votos prometidos. Para o tratamento das doenças, sua ação ésemelhante à anterior [a Grande Pílula Negra].

Enfim, a fórmula da Pequena [Pílula] Negra: [Junte] um“zho” de mercúrio desintoxicado e uma igual quantidade oumetade de enxofre, duas mãos cheias de Oxitropis lapponica,meio “zho” de almíscar, uma casca de ovo de uma galinha jovemcheia de Brassica alba, cinza calcinada em três doses de cada um

dos Seis Medicamentos Diferentes; pulverize-os como antes eamasse-os, até que a mistura fique semelhante à cor da ferrugemde um espelho (“dam-’thag me-long g-ya’-ltar-byas”), com asolução orgânica extraída de uma criança de oito anos, e enroleas pílulas do tamanho de ervilhas frescas. [A açãomedicamentosa] de cada pílula dura quatro meses. Quandoutilizada para tratar doenças, a ação terapêutica potencial [dapílula] é semelhante à da formulação anterior. Portanto, [aformulação destes dez ingredientes medicinais43 é conhecida

como a Pequena Pílula Negra. Misturar meio “zho” de cinza de40 Quinze (frutas de) Terminalia chebula Gaertn., Retz. (A-ru-gser-mdogbco-lnga) conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 198:1.41 Apenas uma quantidade não ausente de cada (ma-chad-tsam re),segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 198:242 Um ano e um mês (lo-zla), segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 198:4.43 Treze (bcum-gsum) segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 199:2.

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cobre calcinado em ambas as [fórmulas] Intermediária e Pequenaé unicamente44 uma instrução secreta [adicional] e genuína.

As instruções para a administração [da Pílula Negra] noscasos ‘dred 45 e como investigadora (“bya-ra”) [um medicamentoutilizado para determinar a doença] no organismo são [asseguintes]:

Abstenha-se de uma refeição noturna e tome uma dose deZanthoxylum armatum DC. À meia-noite, tome uma pílula negraamassada em pó, com um “chang” de boa qualidade. Ao romper 

do dia, adicione uma dose de bile de urso a um gole de umasolução orgânica retirada de seu próprio corpo ou à manteigabranca aquecida (“mar-dkar btsag-bcad-pa”). Esta administração évital para a abertura e o fechamento dos canais. O medicamentonão terá qualquer poder se o indivíduo não souber desta[instrução].

44 A palavra “apenas” (kho-na) segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio198:4.45 A palavra está mal escrita – ‘bred, no texto, que deve ser corrigidapara ‘dred como pode ser observado em outras edições do texto.Entretanto, lamento não conseguir encontrar uma palavra exata nemuma frase adequada que transmita aqui o significado deste termocomplexo ‘dred. No entanto, tentarei explicar o significado a seguir:Esta palavra, literalmente significa escorregar. No entanto, o termo nocontexto da terminologia médica é utilizada para definir uma fase

pertinaz da doença onde outras formas de tratamento falham emproporcionar uma cura, ou seja, a ação terapêutica “escorrega” e nãopenetra. Nestes casos,a nona forma de tratamento, que é a FórmulaPreciosa, é utilizada como “log-gnon”. Para uma melhor compreensãoda palavra ver: Sde-srid sang-rgyas rgya-mtsho, “Gso ba rig pa’i bstanbcos sman bla’i dgong rgyan rgyud bzhi’i gsal byed bai dur sngon po’ima li ka, volume IV, Dr. Tashi Yangphel, Leh, Ladakh, 1981, pág.162:3-5.

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A promessa do indivíduo é – que seja para toda a vida,para um mês46 ou durante o período em que o indivíduo sinta quea pílula está no corpo - a não utilização de qualquer purgativo,emético ou venissecção. Quem toma a pílula deve abster-se deHippophae tibetana, pera, talo de Rheum nobile Hook. F. &Thoms., “chang” amargo e dietas e regimes comportamentais quecausem destruição do mercúrio. Se as restrições dietéticas ecomportamentais não puderem ser observadas, repita amedicação.

Para determinar um EnvenenamentoNão importa qual o tipo de alimento ou bebida ingeridos, [a

pílula era] administrada quando o indivíduo eliminava um arrotocom odor de almíscar imediatamente antes da digestão [quandoocorre o envenenamento]. Aplique um purgativo e um eméticoforte. Além disso, para curar o paciente, a princípio, deve ser feitoum exame com “Rhino-4”47. Se [o envenenamento] for confirmado48, o tratamento é o mesmo para qualquer espécie de

intoxicação.O néctar essencial da instrução sagrada é:

Não deve ser contra-atacada quando não concentrada.Não deve ser limpa quando não contra-atacada.Não deve ser veniseccionada quando não eliminada.

46 Ano, mês, etc. (Lo zla ba sogs) conforme o “Bye-ba rings-bsrel”, fólio199:6.47

Sua fórmula é: chifre de rinoceronte branco, metade desta quantidadede Su-mi-sman de Mon (Tawang e Butão), metade desta quantidade dernam-rgyal (o mais raro e a melhor espécie de mirabólano) e metadedesta quantidade de almíscar. Ver “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 185:1-2.48 Administrar o medicamento “Rino-4” para determinar se o indivíduoestá sendo intoxicado ou não, os seguintes sinais confirmarão que elepossui o veneno no organismo: diarréia, vômitos e flatulência. Ver  “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 185.

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Em caso de envenenamento, a primeira atitude a ser feita é“concentrar” [o veneno que está espalhado no corpo], com a ajudada “Decocção-13”49 , que é constituída de: quantidades iguais deSambucus adnata Wall., Dryopteris barbigera Moore, O. Ktze.(encontrada na árvore do carvalho), Myricaria germanica L.,Desu., Pterocephalus hookeri Cl., Airy-Shaw e Green,Aleuritopteris argentea (Gmel.) Fee, o córtex da Berberis aristata DC., Hypecoum leptocarpum Hook. & Th., Gentiana urnula H.Smith, Picrorhiza kurroa Royle e Benth., Taraxacum officinale 

Web., o córtex da Rosa macrophyla Linda., Meconopsis horridula Hook. F. & Thoms., e Selaginalla involvens Spr. Se isto não puder ser reunido [ou colhido], o pó de cinco Terminalia chebula Retz., omirabólano de cinco-bordas (“a-ru zur-lnga”) e almíscar sãoadicionados à “Decocção-4”: Sambucus adnata, Dryopterisbarbigera, Myricaria germanica e o córtex da Berberis aristata .Deve ser administrada morna, ao meio-dia e à meia-noite50, ou adecocção única concentrada de “su-mi-sman” de boa qualidadecrescido na bacia de Mon (Tawang e Butão). Se ocorrerem

complicações gástricas e hepáticas, ataques de dor, etc., prepareuma fórmula combinada de contra-ataque e purgação da seguinteforma: Pegue sete pílulas preciosas, cinco pontas do mirabólanode ponta curvada (“a-ru chu-sngung”) e sete sementes de Crotontiglium Linn. Sem pele e semente, pulverize-os em um pó fino erole as pílulas aproximadamente do tamanho de ervilhas com osuco de sete sementes de Cassia fistula Linn. trituradas em“chang”, e depois limpe o organismo exatamente como na práticada purgação intestinal. Depois de contra-atacada e limpa, deve ser 

administrada uma pílula preciosa em pó até que a doença sejaeliminada. Para pacientes com falta de apetite e poder digestivo

49 Um nome mais descritivo seria “Decocção Herbácea-13” (sngo-thangbcu-gsum-pa) conforme o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 210:1.50 Ao meio-dia e à meia-noite durante alguns dias (gung-gnyis-la zhag-’ga’) segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 201:1.

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fraco, deve ser administrada “Punica granatum-4”51 juntamente[com a medicação anterior]. Estes medicamentos dominamaqueles transformados em compostos prejudiciais, verdadeirosvenenos (“dngos-dug”) e todo tipo de toxina, como um leãodomina uma raposa.

Discutiremos também outras instruções secundáriasimportantes. Um “zho” de mercúrio desintoxicado desintegrado por um terço de “zho” de enxofre e apresentando a coloração de“rgya- snag” (literalmente: nanquim), três “zho” de brotos em

germinação de Oxitropis lapponica ou suas sementes, sementesde nabo ou um concentrado de nabos com aproximadamente otamanho de esterco de carneiro, uma Terminalia chebula Retz., detamanho adequado e meio “zho” de almíscar devem ser trituradose misturados com a solução orgânica de uma criança de oito anos.As pílulas são enroladas aproximadamente do tamanho deervilhas, mas [o método[ de abrir e fechar os canais e asexigências a serem seguidas continuam como as anteriores. [Estepreparado é] conhecido como “Salvador do Medo-6”52 . [A

potência de] cada pílula dura por um mês – e é uma instrução quenão tem falhas.Novamente, em um “zho” de mercúrio desintegrado por um

quarto de enxofre, [adicione] três frutos de Terminalia chebula,metade de duas mãos cheias de cada um dos seguintes,Dryopteris barbigera crescido sobre um carvalho, folhas e floresde Myricaria germanica  53 e Sisymbrium rio Linn., e prepare umconcentrado em um recipiente de ferro [com os ingredientesacima] com a mistura ou combinação de um número ímpar de

51 Composto de quatro ingredientes: Punica granatum (Se-’bru),Cinnamomum zeylanicum (shing-tsha), Elettaria cardamomum L.,Maton. (Sug-smel) e Piper longum Linn. (Pi-pi-ling).52 Possui outro nome, “O único na suprema armadura” (dbang-phyuggo-cha gyon-pa), segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 202:4.53 Ou as folhas ou as flores da Myricaria germanica L., Desu. (‘Om-bu’ilo-ma-’am me-tog), no “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 202:6.

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diferentes metais (“lcag-sna-kha-yar ”) e água de neve, umconcentrado de nabo aproximadamente do tamanho de umasemente de quilaia e três doses de almíscar. Durante três dias,amasse-os e misture-os com a solução orgânica extraída de umacriança de oito anos. Se a pílula, com aproximadamente otamanho de uma ervilha, é administrada, cada uma será eficazsobre cada tipo de veneno, em especial toda espécie deintoxicação por carne,54 e a proteção não terá falhas.

Para aqueles acometidos por intoxicação grave por acônito

(Aconitum laciniatum, Stepf.): Prepare uma mistura deexcrementos frescos ou não de cão55 ou humano, e aqueça aurina [fresca] tanto quanto possível, e se o paciente tornar-secambaleante e sentir tontura, ele vomitará e purgaráviolentamente. Quando a perda da consciência é recuperada,formule antídotos adequados para concentrar, conta-atacar eeliminar [a intoxicação]. Este é o significado de “Pingar um ‘bre’ 56 de néctar [na boca]”, como declarado no “Khu-tshur zhal-’dams”57,que é um texto tão profundo.

Com isso, anuncio [os versos conclusivos]:54 Vinte e um dias cada (zhag nyer-gcig re’i) segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 203:2.55 De humano ou de cachorro (mi-’am khyi’i) segundo o “Bye-ba ring-bsrel”, fólio 203:3.56 Unidade de medida de peso no Tibete. De acordo com H.A. Jaschke,um “bre” é equivalente a aproximadamente 4 pontos. (Ver H.A.Jaschke, A Tibetan-English Dictionary, Frederick Ungar Publishing Co.,New York, 1965).57

Não pude definitivamente identificar este texto. Entretanto, é provávelque seja um dos seguintes:a)”Bum-khu-tshur ”, por Skyes bu me lha alias Bha ro phyag rdum(extensão?)b) “Zla-ba nag-po’i rgyud-bum khu-tshur ” ( na biblioteca do TibetanMedical & Astrological Institute, Lhasa, Tibete).c) “Bum-khu-tshur ‘dam-pa sum-bcu-pa”, por Lcang-sman sangs-rgyasmgon-po.

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 Do passado, sábios com visão extra-perceptivaE mestres realizados da Índia e do TibeteTransmitiram58 estas instruções.As bênçãos se desvanecerão se corrompidas.Assim, convém não serem alteradas – últimas gerações!Aquelas instruções quintessenciais secundariamente ensinadas

também,São evidentemente para fornecer uma crença verdadeira, e

com pouco esforço.Portanto, [elas] devem ser praticadas frequentemente e nãoignoradas.

Estão descritas para que a tradição não seja interrompida.Embora mantendo o tesouro de muitas instruções,Não há nenhuma outra que não esta preciosidade que seja

sinceramente apreciada.Não haveria tal instrução vital em tal período decadente,A maioria das pessoas respeitáveis iriam morrer precocemente.Tal refúgio-dependente-da-vida-extremamente-difícil-de-

encontrar É confiado a você59, o melhor amigo, mais íntimo que um filho.Não o deixe desaparecer, pois poderia desencadear a punição

58 Para a linhagem da transmissão da fórmula do mercúrio em detalhesver: Dngul-chu gter-mdzod, fólios 188:5-192:6; Sde-dge drung-yig gu-ru-’phel, Srid-gsum gtsug-rgyan si-tu chos-kyi ‘byung-gnas-kyi zhal-lungdngul-chu btso-chen-dang rin-chen ril-bu’i sbyor-sde zla-ba-bdud rtsi’ithig le ces bya ba bi dza ram, no texto “Rin-chen dngul-chu sbyor-sde

phyogs-bsdebs”,fólios 308:3-310:2; Kong-sprul yon-tan rgya-mtsho,Bdud-rtsi bcud-kyi rgyal-po dngul-chu btso-bkru chen-mo’i sbyor-basgrub-pa’i bsud-len-tu bsgyur-ba’i lag-len rnam-par gsal-ba ‘tsho-byedmkhas-pa’isnying-bcud ces-bya-ba bzhugs-so, também presente no“Rin-chen dngul-chu sbyor-sde phyogs-bsdebs”, fólios 397:6-399:5.59 Um dos principais discípulos do autor, Khrag-dbon bsod-nams bkra-shis, ou simplesmente Khrag-dbon como escrito no “Bye-ba ring-bsrel”,fólio 206:3.

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da Dakini.A pessoa receptiva para quem este tesouro pode ser aberto é:Aquele que é devotado, diligente, muito compassivo,Que pode manter o segredo e que se mostra perfeito.Dê este texto se um “sang” de ouro (“sang-ra’i-me-tog”)

for oferecido.Pessoas mal agradecidas que desejam a instrução furtivamente

e por meios indiretos.O ganancioso e aquele que não domina as palavras e a lei,

Se oferecida a tal tipo de pessoas a lei do ensinamento serácorrompida.Não desvie das palavras de O-rgyan, o Realizado.Na entrada para a residência do Vitorioso, naParte mais baixa da terra de Kong-po,A caverna da meditação tântrica secreta conhecida como

“O Segredo”,No jardim de flores da feliz floresta solitária dos medicamentos,O Dharma foi escrito, e a iluminação pode ser obtida através

de suas virtudes.

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Apêndice 1: Tradução do Texto“ Um Método Característico de Adminis trar as

Pílulas Preciosas – Uma Prática de Habilidade” 1 

Em homenagem ao Buda da Medicina, aos sábios e àlinhagem. Refere-se ao modo como a Pílula Negra Preciosa deveser administrada: Em um recipiente de porcelana brancachinesa2,α ,β sem lascas ou rachaduras, colocado sobre um

1 Apesar de distribuir folhetos com instruções simplificadas paraaqueles que precisam tomar as pílulas preciosas, nós no TibetanMedical & Astro. Institute sempre nos deparamos com pacientestomando as pílulas sem seguir quaisquer das restriçõesrecomendadas, e o benefício completo da pílula não pode ser garantidopara estes pacientes.2 O “chang” forte é utilizado como um veículo (sman-rta) por pessoassaudáveis que tomam a pílula preciosa como um tônico. Há diferentesveículos para a pílula dependendo da doença para a qual esteja sendotomada. Por exemplo, se o paciente tiver smug-po (úlcera gásrica?) efebre crônica (tshad-rnying), deve ser utilizado chá preto sem sal (ostibetanos usam sal em seu chá); portadores de “chu-ser”α , “grum-bu” (reumatismo?), “Bad-kan skya-rbab”β e doenças de natureza friadevem tomar  Cong-zhi ‘khrul-thal, um preparado de pó de calcitacalcinada, com “chang” ou com suco de Punica granatum. Paramaiores detalhes, ver mKhyen rab nor bu, “Rin-chen ril-bu’i phan-yondang bstan-thabs gsal-ba’i me-long bi-ha ra-ti ma” (gsal-ba’i me-long

nas referências posteriores), ano e editor desconhecidos, Lhasa, sManrTsis khang, impresso em bloco de madeira, fólio 6b:2-5.α  “Chu-ser”, significa literalmente fluido amarelo e está localizadoprincipalmente na pele e nas articulações. De acordo com a medicinatibetana, um resíduo (“snyig-ma”) do sangue armazenado na vesículabiliar é o “chu-ser ”. É frequentemente traduzido como fluido linfático e“soro”. Não estou na posição adequada para comentar, mas creio queum estudo comparativo completo dos diferentes sistemas médicos

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crânio [humano] padrão repleto de cevada branca (nas-dkar ), um “phu-lu” (ou Phul) de “chang” de cevada forte aos quais sãoadicionados quatro “se-ba”3 de medicamento precioso. Éessencial utilizar uma colher de ferro4 como instrumento paraagitar. Cubra [o recipiente] com um pano vermelho dobrado emquatro. Tendo realizadas orações de humildade da linhagem dosQuatro Tantras e rituais consagrados, tome a mistura à meia-noite sem deixar restos. Depois permaneça na cama, aquecido, edurma. Ao romper do dia, os seguintes sinais da ação positiva do

medicamento surgirão: perspiração, calor e roncos no estômago eno cólon. Estes são sinais positivos, portanto, não retire as roupasde cama de sobre seu corpo. Nesta fase, [deixe] todas as doençasserem eliminadas [através] da transpiração. Para aquelesportadores de doença severa e vigor físico adequado, a decocçãoconcentrada de treze “a-ru chu-snyung”5 deve ser administrada àtemperatura de um chá quente de hora em hora, e deve ser 

deveria ser feito para identificar os termos médicos tibetanos com a

terminologia médica Ocidental. β  “Bad-kan skya-rbab”: uma doença causada pela ingestão de dietacom qualidades fria e pesada e no envolvimento com condutas damesma natureza, resultando em indigestão e portanto a essência doalimento não pode ser processada para formar um constituinte físico(refere-se ao sangue, neste caso) no fígado, transformando-secontrariamente em “sangue prejudicial” e “chu-ser” os quais sãoespalhados pela ação de “rLung” disseminando-se por todo o corpo.Consequentemente, causa acúmulo de fluidos no organismo. Estadoença tem sido traduzida como edema ou como anemia. 3

Equivalente a uma pílula feita pelo Tibetan Medical & Astro. Institute,Dharamsala, Índia.4 Pode ser utilizado o dedo anelar limpo também.5 Em minha tradução do texto “Eternal Gem for the Revelation of theSecrets of Black Pill Formulation”, este ingrediente foi traduzidoliteralmente como mirabólano curvado e pontudo. É uma espécie de “a-ru” ou mirabólano. Na farmácia do Tibetan Medical Institute sãoutilizados os frutos da Terminalia chebula.

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fornecida água fervida morna algumas vezes também. Quando apurgação alcança o limite apropriado6 , interrompa a decocção de “a-ru” e beba água fervida com sal (“rgyam-tsha”). [Para a dieta] éessencial ingerir pasta fina de carne e uma alimentação nutritiva(“gsar-bcud”, ou seja, carne fresca, manteiga e “chang”). As açõesbenéficas descritas no texto7 [para a pílula negra] serãoproduzidas de acordo. O trabalho preparatório (“bca’-gzhi”)8 deveser feito de acordo. Devem ser feitas a recitação dos “SeteRamos”9, as palavras de oração e oferendas à imagem do Buda

da Medicina.

6 O ponto de demarcação é determinado pelo seguinte:a) Frequência de evacuações - um a três “bre” [dentro de umasequência]b) Volume das evacuações - aquosa, esbranquiçada e amarelada. Emresumo, de acordo com as condições de saúde do paciente. Paramaiores detalhes, ver “Bdud-rtsi snying-po yan-lag brgyad-pa gsang-ba

man-ngag-gi rgyud ces-bya-ba” (um compêndio dos quatro tantras damedicina; “rGyud-zhi” nas referências posteriores, Tibetan MedicalAstro. Institute, Dharamsala, 1984, págs. 635:17-636:4. Para maioresdetalhes ainda, ver o comentário na obra de sDe srid sang rgyas rgyamtsho, “Ba’i-dur sngon-po”, volume IV, Dr. Tashi Gangpa, Leh, Ladakh,1981, pág. 196:2-5.7 Não é possível saber a quais textos o autor desconhecido se refere,mas para maiores detalhes sobre as forças curativas da pílula,aconselho aos leitores o texto “gsal-ba’i me-long”, fólios 3a:2-6a:1.8 Geralmente relacionado com a realização de rituais. Refere-se a

etapas preparatórias antes dos verdadeiros rituais que são amanufatura e colocação de bolos rituais e outros objetos. Inclui acolocação da pílula no copo, a agitação, cobri-la, etc. Uma descriçãodetalhada desta etapa pode ser encontrada no “Gsal-ba’i me-long”,fólios 6a:4-7a:4.9 Há diferentes versões para esta citação, e recomendo os leitores àversão mais simples e resumida dos “Sete Ramos”, com traduçãotibetana e inglesa encontrada no “Daily Recitations” (Nyin-re’i zhal-

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Apêndice 2: A Oração de Bênçãos

Invoque o Senhor da Água Marinha, o Rei de Luz (epítetoao Buda da Medicina) e imagine o recipiente com o medicamentocomo a tigela de néctar. Começando com o verso “Rei dos

Médicos, o Conquistador Vitorioso...”10 (epíteto ao Buda daMedicina), [e] o mantra11 deve ser recitado sete vezes. Para orar,recite três vezes a oração composta por Zha-dmar chos-kyi grags-pa (1453-1524).

“Em homenagem ao Conquistador Vitorioso, o Deus daMedicina, o Rei da Luz Água Marinha.

Possa o poder da verdade se desenvolver.Incluindo este local de meditação, e em todo o universo, possa

o conhecimento da arte de curar florescer sem degeneração.

’don), Library of Tibetan Works and Archives, Dharamsala, quintaedição revisada, 1987, págs. 39-40.10 Este é o verso de bênção. O verso completo pode ser encontrado no“rGyud-zhi”, pág.113.11

  Om namo bhagavate bhaishajya-guru-vaidurya-prabha-rajayatathagatayarhate samyak-sambuddhaya tad yatha: om bhaishjyebhaishjye mahabhaishjye-rajaya-samudgate svaha. Transliterei omantra de acordo com o livro “Saúde Através do Equilíbrio” na pág.202. Na nota, a tradução de Birnbaum é a seguinte: “Honro o Senhor Mestre da Cura, o Rei da Radiância do Lápis-lazúli, Tathagata, Arhat,O Perfeitamente Iluminado dizendo: Pela cura, pela cura, pela supremaaclamação da cura!”

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Possam o corpo, a fala e a mente de todas as pessoasexperimentar a ausência da doença e do sofrimento.

Possam todas as doenças que estejam ocorrendo oupredominando serem curadas.

Possam todos os fatores de cura ser reunidos juntos.Possa não existir o médico que repudia seus pacientes.Possa não existir o paciente que abandona seu médico.Possam toda dieta, medicamento e comportamento levar 

a condições de cura.

Possam não levar a condições de morte.Possam as causas, condições e natureza exatas das doençasser compreendidas – e sendo compreendidas, possam [todas]existir em alegria através da estima [pelo conhecimento

compreendido].Possam compreender que toda doença origina-se da ilusão

e dokarma,Possam todos se unir para eliminá-los.Se a doença sucumbir, possa a motivação ser direcionada

através do acompanhamento voluntário do sofrimento de umoutro ser senciente.Possa, especialmente, a doença mental – o desejo, o ódio e a

ignorância – ser totalmente eliminada.”

Recite as linhas acima três vezes e ambos o paciente e omédico devem visualizar o medicamento, e o néctar da cura para

as 404 doenças12. [O medicamento] deve ser ingerido pelo

12 As 404 doenças são: 101 doenças menores temporárias (ltar-snang‘phral-nad), aquelas doenças que têm remissão mesmo sem seremtratadas; 101 doenças causadas por energias prejudiciais (kun-brtagsgdon-nad); 101 doenças causadas pelo distúrbio dos próprios humoresou “nyes-pa” (yong-sgrub tshe-nad) que responderão ao tratamento

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paciente. Depois recitam-se os versos abençoadores do Buda daMedicina.13 

médico; e 101 doenças causadas por suas próprias ações em vidasanteriores (gzhan-dbang sngon-nad) para as quais a medicina não temajuda.13 Há diferentes versões dos versos abençoadores do Buda daMedicina composto por diferentes lamas.