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Como explica à SM o Dr. Hernâni Caniço, médico de família em Coimbra, “habitual- mente as crianças são mais afectadas [pela diarreia], no entanto existe uma in- cidência sazonal relacionada com o pe- ríodo estival, que é comum e transversal a todos os grupos etários. Há também al- guns casos em população com risco sani- tário”. Assim, importa conhecer as causas e perceber se se trata de uma diarreia aguda ou crónica. “No primeiro caso, são de origem infecciosa, habitualmente viral, auto-limitadas, e com um quadro de rela- tiva prostração. No caso das diarreias cró- nicas, a sua causa dependerá da investi- gação complementar diagnóstica, tendo casos frequentes de iatrogenia medica- mentosa, síndrome do intestino irritável, doença intestinal inflamatória ou neoplá- sica e celiaquia, o que pode motivar refe- renciação a cuidados secundários”, conta o também docente da Faculdade de Medi- cina de Coimbra. “Poderá haver diarreia aguda ou crónica (se não diagnosticadas atempadamente), no caso específico das parasitoses intestinais que encontramos, muito frequentes, particularmente hel- mintíases e giardíase”, acrescenta. Nas crianças, esta é também uma patolo- gia frequente, em especial nas mais pe- quenas. O Dr. António Macedo, pediatra do Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa, refere que, nestas faixas etárias, “a grande maioria das situações de diarreia são cau- sadas por vírus, sendo que o rotavírus ocupa uma posição de destaque, não só por ser o principal agente causador de diarreia, mas também por ser responsável por casos potencialmente graves. Mais ra- ramente pode estar implicada uma bac- téria, como a salmonela ou a shigella, sendo o diagnóstico clínico habitualmente difícil; algumas circunstâncias epidemio- lógicas ou clínicas, como febre alta, fezes com muco e sangue e alterações neuroló- gicas, podem fazer suspeitar de etiologia bacteriana”. Não obstante, a maioria das situações não são graves e o tratamento pode mesmo ser feito no domicílio, sob orientação médica. O pediatra dá exemplo de algumas das perguntas que importa colocar aos pais: “A diarreia é muito fre- quente? A criança vomita ou tolera líqui- dos? A criança está a urinar como é habi- tual? A actividade é normal? A língua está seca? Bebe água com sofreguidão? Que peso terá perdido? (Aqui os pais habitual- mente pecam por excesso). Estas questões permitem, na maior parte dos casos, evitar uma ida ao médico ou ao hospital”. Tratamento em adultos Quanto à diarreia aguda, na generalidade dos casos deve actuar-se mantendo a hi- dratação, usando solutos ricos em elec- trólitos e açúcar e esperando pela reso- lução espontânea dos sintomas. De acordo com o Dr. Hernâni Caniço, as pre- parações absorventes e o bismuto em diarreias agudas simples, o difenoxilato e a loperamida (com precaução e restrição na doença inflamatória intestinal e shi- gelose) são opções terapêuticas, em curta duração, e os anticolinérgicos na sín- drome do intestino irritável. Médicos recomendam prevenção e tratamento Casos de diarreia aumentam no Verão Com o calor e o crescimento do número de viagens para o estrangeiro, designadamente para países com condições higieno-sanitárias menos favoráveis, os distúrbios gastrointestinais tornam-se mais frequentes. A escolha do tratamento adequado depende da causa, mas também do grupo etário. Com a globalização e o turismo para destinos exóticos, os casos de diarreia do viajante têm vindo a aumentar. O uso de fontes de água locais não tratadas pode estar na origem do problema. Foto Mitarart I Dreamstime semana “Artigo publicado na edição 626 da Revista Semana Médica (10-06-2011)”

Médicos recomendam prevenção e tratamento Casos de ...static.simposium.pt/...aumento-e-tratamento-de-diarreias-no-verao.pdf · tuações mais graves de desidratação ou quando

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10 a 23 de Junho.1118

Como explica à SM o Dr. Hernâni Caniço,

médico de família em Coimbra, “habitual-

mente as crianças são mais afectadas

[pela diarreia], no entanto existe uma in-

cidência sazonal relacionada com o pe-

ríodo estival, que é comum e transversal a

todos os grupos etários. Há também al-

guns casos em população com risco sani-

tário”. Assim, importa conhecer as causas

e perceber se se trata de uma diarreia

aguda ou crónica. “No primeiro caso, são

de origem infecciosa, habitualmente viral,

auto-limitadas, e com um quadro de rela-

tiva prostração. No caso das diarreias cró-

nicas, a sua causa dependerá da investi-

gação complementar diagnóstica, tendo

casos frequentes de iatrogenia medica-

mentosa, síndrome do intestino irritável,

doença intestinal inflamatória ou neoplá-

sica e celiaquia, o que pode motivar refe-

renciação a cuidados secundários”, conta

o também docente da Faculdade de Medi-

cina de Coimbra. “Poderá haver diarreia

aguda ou crónica (se não diagnosticadas

atempadamente), no caso específico das

parasitoses intestinais que encontramos,

muito frequentes, particularmente hel-

mintíases e giardíase”, acrescenta.

Nas crianças, esta é também uma patolo-

gia frequente, em especial nas mais pe-

quenas. O Dr. António Macedo, pediatra do

Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa,

refere que, nestas faixas etárias, “a grande

maioria das situações de diarreia são cau-

sadas por vírus, sendo que o rotavírus

ocupa uma posição de destaque, não só

por ser o principal agente causador de

diarreia, mas também por ser responsável

por casos potencialmente graves. Mais ra-

ramente pode estar implicada uma bac-

téria, como a salmonela ou a shigella,

sendo o diagnóstico clínico habitualmente

difícil; algumas circunstâncias epidemio-

lógicas ou clínicas, como febre alta, fezes

com muco e sangue e alterações neuroló-

gicas, podem fazer suspeitar de etiologia

bacteriana”. Não obstante, a maioria das

situações não são graves e o tratamento

pode mesmo ser feito no domicílio, sob

orientação médica. O pediatra dá exemplo

de algumas das perguntas que importa

colocar aos pais: “A diarreia é muito fre-

quente? A criança vomita ou tolera líqui-

dos? A criança está a urinar como é habi-

tual? A actividade é normal? A língua está

seca? Bebe água com sofreguidão? Que

peso terá perdido? (Aqui os pais habitual-

mente pecam por excesso). Estas questões

permitem, na maior parte dos casos, evitar

uma ida ao médico ou ao hospital”.

Tratamento em adultosQuanto à diarreia aguda, na generalidade

dos casos deve actuar-se mantendo a hi-

dratação, usando solutos ricos em elec-

trólitos e açúcar e esperando pela reso-

lução espontânea dos sintomas. De

acordo com o Dr. Hernâni Caniço, as pre-

parações absorventes e o bismuto em

diarreias agudas simples, o difenoxilato e

a loperamida (com precaução e restrição

na doença inflamatória intestinal e shi-

gelose) são opções terapêuticas, em curta

duração, e os anticolinérgicos na sín-

drome do intestino irritável.

Médicos recomendam prevenção e tratamento

Casos de diarreia aumentam no VerãoCom o calor e o crescimento do número de viagens para o estrangeiro,designadamente para países com condições higieno-sanitárias menosfavoráveis, os distúrbios gastrointestinais tornam-se mais frequentes.A escolha do tratamento adequado depende da causa, mas tambémdo grupo etário.

Com a globalização e o turismo para destinos exóticos, os casos de diarreia do viajante têm vindo a aumentar.O uso de fontes de água locais não tratadas pode estar na origem do problema.

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19semana

“Os antibióticos não são rotina para a diar-

reia bacteriana, podendo ser mesmo con-

traproducentes, mas podem ser usados

de forma empírica (fluorquinolonas) em

indivíduos idosos e debilitados, na diar-

reia do viajante e doença grave ou em

doentes com culturas positivas. Shigella,

febre tifóide, colite pseudo-membranosa,

Campilobacter e Yersinia são tratadas

com antibióticos específicos (trimetoprim

+ sulfametoxazol, amoxicilina, cloranfe-

nicol, eritromicina, vancomicina, metro-

nidazol, colestiramina, rifampicina e ba-

citracina, a cada caso), tal como as

infecções parasitárias com diarreia com

metronidazol, di-iodo-hidroxiquina e qui-

nacrina”, informa o especialista em Me-

dicina Geral e Familiar.

Já o tratamento da diarreia crónica tem de

ter em conta a etiologia (corticóides, sul-

fassalazina, suplementos enzimáticos, lo-

peramida), sem prejudicar o diagnóstico o

mais precoce possível de lesões neoplásicas.

Tratamento em criançasNos mais pequenos, “a administração

adequada de líquidos, nomeadamente de

um soro de hidratação, pode evitar a evo-

lução para um quadro mais grave”, reco-

menda o Dr. António Macedo. Já dietas

muito restritivas devem ser evitadas “por-

que conduzem muitas vezes a perdas

ponderais desnecessárias”. “A prática cor-

rente de diluir mais as fórmulas ou dar

leites sem lactose na fase aguda da diar-

reia parece ter um benefício marginal na

evolução da doença. O leite materno

deve ser sempre mantido”, acrescenta o

pediatra. Alguns casos “podem beneficiar

com a administração criteriosa de anti-

-eméticos, que, em caso de sucesso, per-

mitem o recurso aos líquidos orais”.

No que respeita às opções terapêuticas

em função dos diferentes casos, o espe-

cialista diferencia consoante a possibili-

dade de fazer o tratamento no domicílio

ou a necessidade de internamento, nas si-

tuações mais graves de desidratação ou

quando estão associados vómitos in-

coercíveis. “Sempre que é necessário in-

ternar é importante quantificar o grau de

desidratação, em função do peso que foi

perdido e definir o tipo de desidratação

(sódio está normal, alto ou baixo), que

condiciona o ritmo a que a criança vai

ser reidratada”, explica. Embora rara-

mente seja necessário identificar o

agente, alguns casos causados por bac-

térias como a shigella ou o campylobacter,

beneficiam de tratamento antibiótico, re-

fere o médico. Depois, “há substâncias

susceptíveis de reduzir a duração da diar-

reia, e que, como tal, podem ser utiliza-

das como adjuvantes da hidratação; in-

cluem-se aqui o racecadotril e os

probióticos”.

Papel dos probióticosOs probióticos são microrganismos vivos

que, entre outros efeitos, ajudam a regu-

larizar a flora intestinal e têm efeitos be-

néficos para a saúde do indivíduo. Os mais

utilizados são os lactobacillus e bifidobac-

térias (bactérias produtoras de ácido lác-

tico) e uma levedura, Saccharomyces Bou-

lardii. “Vários estudos demonstram a sua

eficácia em reduzir a duração da diarreia

aguda infecciosa e na prevenção da diar-

reia causada por antibióticos”, adianta o

Dr. António Macedo, que sustenta a sua

afirmação nos estudos e orientações clí-

nicas internacionais. “Nas normas apre-

sentadas pelas ESPGHAN [Sociedade Eu-

ropeia de Gastrenterologia Pediátrica,

DIARREIA DO VIAJANTE

A diarreia do viajante tornou-se muito frequente face à globalização, ao turismo e às migrações. A suaprevenção faz-se evitando o uso de fontes de água locais de duvidosa qualidade, vegetais frescos e cubos degelo, admitindo-se por vezes a quimioprofilaxia antibiótica, atentando à alta frequência de resistênciasbacterianas e a eficácia do bismuto, recomenda o Dr. Hernâni Caniço.“É possível prevenir a diarreia, através das fórmulas, espaços e estratégias de promoção da saúde e priorizandoa educação sanitária do doente e do meio ambiente”, salienta o médico. Para tal, importa “aconselhar atranquilidade, a manutenção da boa hidratação (até com preparações de açúcar e electrólitos se justificadose sem contra-indicação), a utilização de água engarrafada, a evicção de alimentos potencialmentecontaminados (vegetais crus, prazos de validade ultrapassados), e os cuidados perianais (banhos quentes,lavagem com algodão absorvente embebido em água tépida em vez de papel higiénico após a defecção, evitaro uso do sabão)”.

Perante um quadro de diarreia, uma das perguntasprementes, em particular nesta altura do ano, é aocorrência de uma viagem recente.

“Existe uma incidênciasazonal [de diarreia]relacionada com o períodoestival, que é comum e transversal a todos os grupos etários”, assinala o Dr. Hernâni Caniço

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“Artigo publicado na edição 626 da Revista Semana Médica (10-06-2011)”

19semana

“Os antibióticos não são rotina para a diar-

reia bacteriana, podendo ser mesmo con-

traproducentes, mas podem ser usados

de forma empírica (fluorquinolonas) em

indivíduos idosos e debilitados, na diar-

reia do viajante e doença grave ou em

doentes com culturas positivas. Shigella,

febre tifóide, colite pseudo-membranosa,

Campilobacter e Yersinia são tratadas

com antibióticos específicos (trimetoprim

+ sulfametoxazol, amoxicilina, cloranfe-

nicol, eritromicina, vancomicina, metro-

nidazol, colestiramina, rifampicina e ba-

citracina, a cada caso), tal como as

infecções parasitárias com diarreia com

metronidazol, di-iodo-hidroxiquina e qui-

nacrina”, informa o especialista em Me-

dicina Geral e Familiar.

Já o tratamento da diarreia crónica tem de

ter em conta a etiologia (corticóides, sul-

fassalazina, suplementos enzimáticos, lo-

peramida), sem prejudicar o diagnóstico o

mais precoce possível de lesões neoplásicas.

Tratamento em criançasNos mais pequenos, “a administração

adequada de líquidos, nomeadamente de

um soro de hidratação, pode evitar a evo-

lução para um quadro mais grave”, reco-

menda o Dr. António Macedo. Já dietas

muito restritivas devem ser evitadas “por-

que conduzem muitas vezes a perdas

ponderais desnecessárias”. “A prática cor-

rente de diluir mais as fórmulas ou dar

leites sem lactose na fase aguda da diar-

reia parece ter um benefício marginal na

evolução da doença. O leite materno

deve ser sempre mantido”, acrescenta o

pediatra. Alguns casos “podem beneficiar

com a administração criteriosa de anti-

-eméticos, que, em caso de sucesso, per-

mitem o recurso aos líquidos orais”.

No que respeita às opções terapêuticas

em função dos diferentes casos, o espe-

cialista diferencia consoante a possibili-

dade de fazer o tratamento no domicílio

ou a necessidade de internamento, nas si-

tuações mais graves de desidratação ou

quando estão associados vómitos in-

coercíveis. “Sempre que é necessário in-

ternar é importante quantificar o grau de

desidratação, em função do peso que foi

perdido e definir o tipo de desidratação

(sódio está normal, alto ou baixo), que

condiciona o ritmo a que a criança vai

ser reidratada”, explica. Embora rara-

mente seja necessário identificar o

agente, alguns casos causados por bac-

térias como a shigella ou o campylobacter,

beneficiam de tratamento antibiótico, re-

fere o médico. Depois, “há substâncias

susceptíveis de reduzir a duração da diar-

reia, e que, como tal, podem ser utiliza-

das como adjuvantes da hidratação; in-

cluem-se aqui o racecadotril e os

probióticos”.

Papel dos probióticosOs probióticos são microrganismos vivos

que, entre outros efeitos, ajudam a regu-

larizar a flora intestinal e têm efeitos be-

néficos para a saúde do indivíduo. Os mais

utilizados são os lactobacillus e bifidobac-

térias (bactérias produtoras de ácido lác-

tico) e uma levedura, Saccharomyces Bou-

lardii. “Vários estudos demonstram a sua

eficácia em reduzir a duração da diarreia

aguda infecciosa e na prevenção da diar-

reia causada por antibióticos”, adianta o

Dr. António Macedo, que sustenta a sua

afirmação nos estudos e orientações clí-

nicas internacionais. “Nas normas apre-

sentadas pelas ESPGHAN [Sociedade Eu-

ropeia de Gastrenterologia Pediátrica,

DIARREIA DO VIAJANTE

A diarreia do viajante tornou-se muito frequente face à globalização, ao turismo e às migrações. A suaprevenção faz-se evitando o uso de fontes de água locais de duvidosa qualidade, vegetais frescos e cubos degelo, admitindo-se por vezes a quimioprofilaxia antibiótica, atentando à alta frequência de resistênciasbacterianas e a eficácia do bismuto, recomenda o Dr. Hernâni Caniço.“É possível prevenir a diarreia, através das fórmulas, espaços e estratégias de promoção da saúde e priorizandoa educação sanitária do doente e do meio ambiente”, salienta o médico. Para tal, importa “aconselhar atranquilidade, a manutenção da boa hidratação (até com preparações de açúcar e electrólitos se justificadose sem contra-indicação), a utilização de água engarrafada, a evicção de alimentos potencialmentecontaminados (vegetais crus, prazos de validade ultrapassados), e os cuidados perianais (banhos quentes,lavagem com algodão absorvente embebido em água tépida em vez de papel higiénico após a defecção, evitaro uso do sabão)”.

Perante um quadro de diarreia, uma das perguntasprementes, em particular nesta altura do ano, é aocorrência de uma viagem recente.

“Existe uma incidênciasazonal [de diarreia]relacionada com o períodoestival, que é comum e transversal a todos os grupos etários”, assinala o Dr. Hernâni Caniço

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“Os antibióticos não são rotina para a diar-

reia bacteriana, podendo ser mesmo con-

traproducentes, mas podem ser usados

de forma empírica (fluorquinolonas) em

indivíduos idosos e debilitados, na diar-

reia do viajante e doença grave ou em

doentes com culturas positivas. Shigella,

febre tifóide, colite pseudo-membranosa,

Campilobacter e Yersinia são tratadas

com antibióticos específicos (trimetoprim

+ sulfametoxazol, amoxicilina, cloranfe-

nicol, eritromicina, vancomicina, metro-

nidazol, colestiramina, rifampicina e ba-

citracina, a cada caso), tal como as

infecções parasitárias com diarreia com

metronidazol, di-iodo-hidroxiquina e qui-

nacrina”, informa o especialista em Me-

dicina Geral e Familiar.

Já o tratamento da diarreia crónica tem de

ter em conta a etiologia (corticóides, sul-

fassalazina, suplementos enzimáticos, lo-

peramida), sem prejudicar o diagnóstico o

mais precoce possível de lesões neoplásicas.

Tratamento em criançasNos mais pequenos, “a administração

adequada de líquidos, nomeadamente de

um soro de hidratação, pode evitar a evo-

lução para um quadro mais grave”, reco-

menda o Dr. António Macedo. Já dietas

muito restritivas devem ser evitadas “por-

que conduzem muitas vezes a perdas

ponderais desnecessárias”. “A prática cor-

rente de diluir mais as fórmulas ou dar

leites sem lactose na fase aguda da diar-

reia parece ter um benefício marginal na

evolução da doença. O leite materno

deve ser sempre mantido”, acrescenta o

pediatra. Alguns casos “podem beneficiar

com a administração criteriosa de anti-

-eméticos, que, em caso de sucesso, per-

mitem o recurso aos líquidos orais”.

No que respeita às opções terapêuticas

em função dos diferentes casos, o espe-

cialista diferencia consoante a possibili-

dade de fazer o tratamento no domicílio

ou a necessidade de internamento, nas si-

tuações mais graves de desidratação ou

quando estão associados vómitos in-

coercíveis. “Sempre que é necessário in-

ternar é importante quantificar o grau de

desidratação, em função do peso que foi

perdido e definir o tipo de desidratação

(sódio está normal, alto ou baixo), que

condiciona o ritmo a que a criança vai

ser reidratada”, explica. Embora rara-

mente seja necessário identificar o

agente, alguns casos causados por bac-

térias como a shigella ou o campylobacter,

beneficiam de tratamento antibiótico, re-

fere o médico. Depois, “há substâncias

susceptíveis de reduzir a duração da diar-

reia, e que, como tal, podem ser utiliza-

das como adjuvantes da hidratação; in-

cluem-se aqui o racecadotril e os

probióticos”.

Papel dos probióticosOs probióticos são microrganismos vivos

que, entre outros efeitos, ajudam a regu-

larizar a flora intestinal e têm efeitos be-

néficos para a saúde do indivíduo. Os mais

utilizados são os lactobacillus e bifidobac-

térias (bactérias produtoras de ácido lác-

tico) e uma levedura, Saccharomyces Bou-

lardii. “Vários estudos demonstram a sua

eficácia em reduzir a duração da diarreia

aguda infecciosa e na prevenção da diar-

reia causada por antibióticos”, adianta o

Dr. António Macedo, que sustenta a sua

afirmação nos estudos e orientações clí-

nicas internacionais. “Nas normas apre-

sentadas pelas ESPGHAN [Sociedade Eu-

ropeia de Gastrenterologia Pediátrica,

DIARREIA DO VIAJANTE

A diarreia do viajante tornou-se muito frequente face à globalização, ao turismo e às migrações. A suaprevenção faz-se evitando o uso de fontes de água locais de duvidosa qualidade, vegetais frescos e cubos degelo, admitindo-se por vezes a quimioprofilaxia antibiótica, atentando à alta frequência de resistênciasbacterianas e a eficácia do bismuto, recomenda o Dr. Hernâni Caniço.“É possível prevenir a diarreia, através das fórmulas, espaços e estratégias de promoção da saúde e priorizandoa educação sanitária do doente e do meio ambiente”, salienta o médico. Para tal, importa “aconselhar atranquilidade, a manutenção da boa hidratação (até com preparações de açúcar e electrólitos se justificadose sem contra-indicação), a utilização de água engarrafada, a evicção de alimentos potencialmentecontaminados (vegetais crus, prazos de validade ultrapassados), e os cuidados perianais (banhos quentes,lavagem com algodão absorvente embebido em água tépida em vez de papel higiénico após a defecção, evitaro uso do sabão)”.

Perante um quadro de diarreia, uma das perguntasprementes, em particular nesta altura do ano, é aocorrência de uma viagem recente.

“Existe uma incidênciasazonal [de diarreia]relacionada com o períodoestival, que é comum e transversal a todos os grupos etários”, assinala o Dr. Hernâni Caniço

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“Artigo publicado na edição 626 da Revista Semana Médica (10-06-2011)”

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Hepatologia e Nutrição], baseadas em vá-

rias metanálises, é referido um efeito be-

néfico dos probióticos, em particular nos

casos por rotavírus, mais evidente quando

o tratamento é iniciado precocemente, re-

duzindo o tempo de diarreia em cerca de

um dia. É provável que todos os probióti-

cos tenham algum efeito positivo, embora

tendo em conta o desenho dos estudos

efectuados seja difícil discriminar indivi-

dualmente qual o efeito de cada um. Pre-

sentemente, as estirpes com eficácia com-

provada são o Lactobacillus GG e o Saccha-

romyces Boulardii”, sustenta. Por isso, na sua

prática clínica, o médico pediatra recorre

ao Saccharomyces Boulardii. “No que respeita

à minha experiência com o Saccharomyces

Boulardii, posso afirmar que o utilizo com

alguma frequência nas situações de diar-

reia aguda; embora a sua eficácia seja

modesta (menos um dia de diarreia),

quando usado com critério é seguro e

tem um custo aceitável”, visto ainda ser

comparticipado.

Já o Dr. Hernâni Caniço afirma que os pro-

bióticos podem ter um papel tanto na pre-

venção como no tratamento. “Podem ser

uma opção na diarreia aguda, como pre-

venção, em adultos e crianças; e no tra-

tamento, em crianças e adultos, particu-

larmente na gastroenterite viral; na

diarreia associada a antibióticos e, admite-se,

na diarreia induzida por radiação”, diz. E

mais acrescenta: “A minha experiência

clínica com probióticos sugere a redução

da severidade e a duração da diarreia no

tratamento da diarreia infecciosa aguda

em crianças e adultos, bem como na pre-

venção da diarreia associada a antibióti-

cos em adultos, tal como refere a World

Gastroenterology Organisation”. No caso

do Saccharomyces boulardii, o clínico conta

que o tem usado na sua prática clínica,

“em situações específicas de tratamento

da diarreia aguda infecciosa, em crianças

e adultos, e prevenção da diarreia asso-

ciada a antibióticos em adultos, com efi-

cácia e sucesso aparente”.

Evidência científicaA evidência científica sobre a utilidade

dos probióticos é diversa, destacando-se

as referências da World Gastroenterology

Organisation e da Organização Mundial

de Saúde. “No entanto, apenas algumas

cepas de probióticos, nomeadamente Sac-

charomyces boulardii, têm sido incluídas

em estudos com método científico (cujos

achados podem ser cepa-específicos) e

há necessidade de novos conhecimentos

em relação ao mecanismo de acção para

que se possa explorar a potencialidade

terapêutica, sendo necessários futuros

estudos para comprovar a eficácia e se-

gurança na população pediátrica, con-

forme cita o Jornal de Pediatria da Socie-

dade Brasileira de Pediatria”, sublinha o

médico de Coimbra. Até porque “existem

probióticos com géneros, espécies e ce-

pas diferentes, sendo que os estudos apli-

cados a cada cepa e dose utilizada não

podem ser generalizados automatica-

mente a outras cepas ou doses mais bai-

xas, além do veículo/enchimento que al-

tere a viabilidade da cepa”.•

Em crianças pequenas com diarreia, evitar a desidratação deve ser uma das preocupações principais.

PROBIÓTICO SACCHAROMYCES BOULARDII

O Dr. José Feliz, investigador de Biomedicina na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, explica que os mecanismosde acção do Saccharomyces boulardii podem ser classificados em três tipos: luminal, trófica e anti-inflamatória. “Nolúmen intestinal, o S. boulardii apresenta um efeito anti-toxina, ao bloquear os receptores das toxinas produzidas poragentes patogénicos”, refere. Este probiótico “possui também um efeito antimicrobiano, ao impedir o crescimento deagentes patogénicos, a adesão destes aos enterocitos e promovendo a integridade da barreira intestinal, como foidemostrado in vitro com células do cólon infectadas por E. coli enteropatogénica e enterohemorrágica”. E, igualmentecomo acção luminal, “exerce um efeito restaurador da flora comensal intestinal e um efeito metabólico, estimulandoa produção de ácidos gordos de cadeia curta que se encontram diminuídos durante a doença inflamatória intestinal”. Em relação à acção trófica, o investigador explica que “o S. boulardi, estimula a maturação do enterocito edesse modo promove o aumento de enzimas da ‘bordadura em escova’, como a lactase, a maltase e a sacarase.Aumenta também a produção de IgA secretória”.Por fim, a sua acção anti-inflamatória “é exercida ao estimular o sistema imune e ao reduzir as respostaspró-inflamatórias.

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“Os antibióticos não são rotina para a diar-

reia bacteriana, podendo ser mesmo con-

traproducentes, mas podem ser usados

de forma empírica (fluorquinolonas) em

indivíduos idosos e debilitados, na diar-

reia do viajante e doença grave ou em

doentes com culturas positivas. Shigella,

febre tifóide, colite pseudo-membranosa,

Campilobacter e Yersinia são tratadas

com antibióticos específicos (trimetoprim

+ sulfametoxazol, amoxicilina, cloranfe-

nicol, eritromicina, vancomicina, metro-

nidazol, colestiramina, rifampicina e ba-

citracina, a cada caso), tal como as

infecções parasitárias com diarreia com

metronidazol, di-iodo-hidroxiquina e qui-

nacrina”, informa o especialista em Me-

dicina Geral e Familiar.

Já o tratamento da diarreia crónica tem de

ter em conta a etiologia (corticóides, sul-

fassalazina, suplementos enzimáticos, lo-

peramida), sem prejudicar o diagnóstico o

mais precoce possível de lesões neoplásicas.

Tratamento em criançasNos mais pequenos, “a administração

adequada de líquidos, nomeadamente de

um soro de hidratação, pode evitar a evo-

lução para um quadro mais grave”, reco-

menda o Dr. António Macedo. Já dietas

muito restritivas devem ser evitadas “por-

que conduzem muitas vezes a perdas

ponderais desnecessárias”. “A prática cor-

rente de diluir mais as fórmulas ou dar

leites sem lactose na fase aguda da diar-

reia parece ter um benefício marginal na

evolução da doença. O leite materno

deve ser sempre mantido”, acrescenta o

pediatra. Alguns casos “podem beneficiar

com a administração criteriosa de anti-

-eméticos, que, em caso de sucesso, per-

mitem o recurso aos líquidos orais”.

No que respeita às opções terapêuticas

em função dos diferentes casos, o espe-

cialista diferencia consoante a possibili-

dade de fazer o tratamento no domicílio

ou a necessidade de internamento, nas si-

tuações mais graves de desidratação ou

quando estão associados vómitos in-

coercíveis. “Sempre que é necessário in-

ternar é importante quantificar o grau de

desidratação, em função do peso que foi

perdido e definir o tipo de desidratação

(sódio está normal, alto ou baixo), que

condiciona o ritmo a que a criança vai

ser reidratada”, explica. Embora rara-

mente seja necessário identificar o

agente, alguns casos causados por bac-

térias como a shigella ou o campylobacter,

beneficiam de tratamento antibiótico, re-

fere o médico. Depois, “há substâncias

susceptíveis de reduzir a duração da diar-

reia, e que, como tal, podem ser utiliza-

das como adjuvantes da hidratação; in-

cluem-se aqui o racecadotril e os

probióticos”.

Papel dos probióticosOs probióticos são microrganismos vivos

que, entre outros efeitos, ajudam a regu-

larizar a flora intestinal e têm efeitos be-

néficos para a saúde do indivíduo. Os mais

utilizados são os lactobacillus e bifidobac-

térias (bactérias produtoras de ácido lác-

tico) e uma levedura, Saccharomyces Bou-

lardii. “Vários estudos demonstram a sua

eficácia em reduzir a duração da diarreia

aguda infecciosa e na prevenção da diar-

reia causada por antibióticos”, adianta o

Dr. António Macedo, que sustenta a sua

afirmação nos estudos e orientações clí-

nicas internacionais. “Nas normas apre-

sentadas pelas ESPGHAN [Sociedade Eu-

ropeia de Gastrenterologia Pediátrica,

DIARREIA DO VIAJANTE

A diarreia do viajante tornou-se muito frequente face à globalização, ao turismo e às migrações. A suaprevenção faz-se evitando o uso de fontes de água locais de duvidosa qualidade, vegetais frescos e cubos degelo, admitindo-se por vezes a quimioprofilaxia antibiótica, atentando à alta frequência de resistênciasbacterianas e a eficácia do bismuto, recomenda o Dr. Hernâni Caniço.“É possível prevenir a diarreia, através das fórmulas, espaços e estratégias de promoção da saúde e priorizandoa educação sanitária do doente e do meio ambiente”, salienta o médico. Para tal, importa “aconselhar atranquilidade, a manutenção da boa hidratação (até com preparações de açúcar e electrólitos se justificadose sem contra-indicação), a utilização de água engarrafada, a evicção de alimentos potencialmentecontaminados (vegetais crus, prazos de validade ultrapassados), e os cuidados perianais (banhos quentes,lavagem com algodão absorvente embebido em água tépida em vez de papel higiénico após a defecção, evitaro uso do sabão)”.

Perante um quadro de diarreia, uma das perguntasprementes, em particular nesta altura do ano, é aocorrência de uma viagem recente.

“Existe uma incidênciasazonal [de diarreia]relacionada com o períodoestival, que é comum e transversal a todos os grupos etários”, assinala o Dr. Hernâni Caniço

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“Artigo publicado na edição 626 da Revista Semana Médica (10-06-2011)”

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