Medit-e-Neuro-Cap-7

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Meditação e neurociências

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  • Meditao da Plena Ateno (Mindfulness)

    Neurocincias e Sade

    7

    A Plena Ateno, a Percepo Sensorial e as Sensaes

    Arthur Shaker Fauzi Eid

    .

    Como se d o processo sensorial atravs do qual percebemos a

    realidade? Quais suas bases neurofisiolgicas? Como so produzidas as

    sensaes? Como as sensaes condicionam nossas reaes a elas? E como

    o treinamento da Plena Ateno pode intervir de modo propcio nesses

    processos?

    Do ponto de vista das bases neurofisiolgicas da percepo sensorial,

    temos quatro tipos principais de receptores sensoriais, segundo o estmulo

    captado: os quimioreceptores (captadores de substancias qumicas no nariz e

    lngua); os termoreceptores (para estmulos trmicos, pela pele);

    mecanoreceptores (estmulos mecnicos, como a compresso ou estiramentos

    sob a forma de fonoreceptores, detectores de variaes de presso no ar, e

    estatoreceptores, detectores da posio do corpo na fora da gravidade, como

    o exemplo do ouvido); e os fotoreceptores (captadores de estmulos

    luminosos). [Amabis & Martho, p. 487-88]

    O processo perceptivo inicia-se pela captao de um estmulo: um

    estmulo altera a permeabilidade da membrana plasmtica da clula sensorial,

    nela gerando potenciais de ao, que se transmitem na forma de impulsos

    nervosos [Amabis & Martho, p. 488]. Estes impulsos so transmitidos s reas

    cerebrais afins, que interpretam os impulsos. Em outras palavras, no encontro

    dos objetos sensoriais com os rgos dos sentidos, surge a conscincia.

    Devido ao encontro entre o rgo sensorial e conscincia, surge o contato

    (phassa) e a conscincia correspondente: objeto visual/conscincia visual;

    objeto sonoro/conscincia auditiva; objeto olfativo/conscincia olfativa; objeto

    gustativo/conscincia gustativa; objeto ttil/conscincia corporal. E ainda inclui-

  • se, nos ensinamentos budistas, os objetos mentais (pensamentos, memrias,

    imagens)/conscincia mental, pois a mente considerada um sexto sentido.

    O processo cognitivo de um objeto passa por vrias etapas: por

    exemplo, se o objeto sensorial uma rvore, em uma srie de momentos de

    conscincia a mente compe uma imagem progressiva com a totalidade de

    dados visveis, e o que vemos apenas um objeto-dado visvel (conceito

    coisa). Em seguida, a conscincia busca na memria do passado referncias

    de similitude com os dados visveis, para depois nome-la: rvore (conceito

    nome). Segundo o Ven. Silananda, para dizermos vejo uma rvore, uma srie

    de processos cognitivos so necessrios, cada um deles pode surgir talvez

    milhares de vezes (Ven. Silananda, 2003, p. 231). Veremos mais adiante que a

    conscincia sensorial surge e desaparece momento a momento, junto com o

    surgimento e desaparecimento do contato com o objeto sensorial

    correspondente. Neste ponto, podemos levantar uma questo cientfica

    importante: so as reas especficas do crebro que interpretam e significam

    os impulsos nervosos, ou a mente que, atravs dos suportes das reas

    especficas do crebro, percebe e significa os dados sensveis? Esta questo

    especfica se situa, de fato, dentro das atuais investigaes neurocientficas

    das relaes crebro-mente. Questo em aberto.

    De todo modo, fato que no momento do contato, vibraes surgem e

    so conduzidas pelos nervos at o Sistema Nervoso Central, onde estes sinais

    sero interpretados: a percepo (saa) que torna essa vibrao um objeto

    individual, como os pontos individuais de um desenho infantil. A percepo

    que liga os pontos para formar uma imagem, uma figura. Quando os pontos se

    ligam, a figura fica colocada na pgina e damos o nome. Embora o nome no

    seja necessrio, quando o objeto fica separado dos outros em sua volta, isso

    a percepo, que faz a diferenciao das formas/figuras em realidades

    individuais. Se no houvesse percepo na mente, veramos um labirinto de

    vrias cores de uma dimenso. (Bhante Rahula, 11/03/2011, retiro 2011, Casa

    de Dharma. Anotaes).

    Aqui tende a surgir novos problemas. Sucede que a percepo, como

    um dos cinco agregados (khandhas), condicionada por mltiplos fatores:

    estresse, passado/futuro, emoes, pensamentos e reatividades. Percepes

    condicionadas criam opinies, e reagimos de acordo com nossas opinies

    formadas, carregadas de apego ou averso: Desde que nascemos, formamos

    percepes na mente. Dependendo de nossa formao, criamos nossa opinio

    sobre essas percepes. A percepo apenas surge como reao a uma

    sensao (vedana). Se a sensao do objeto desagradvel, o objeto da

  • percepo ser visto como desagradvel (o mesmo valendo, inversamente,

    para o objeto prazeroso). Padres reativos se fixam na mente, mesmo que as

    coisas no sejam ruins em si. As percepes podem ter sido criadas em vidas

    passadas. Pensamos que queremos (ou no queremos) um objeto, mas o que

    queremos a sensao que o objeto nos traz. O objeto no to importante, o

    que queremos/no queremos a sensao prazerosa (ou rejeitar a sensao

    desprazerosa). Pois se o objeto parar de produzir aquela sensao prazerosa,

    no queremos mais aquele objeto (ou aquela pessoa). Devido

    impermanncia das sensaes, mudamos nossas preferncias (Bhante

    Rahula, 2011).

    As sensaes fazem parte dos quatro agregados mentais (nama):

    sensao (vedana), percepo (saa), formaes mentais (sankhara, que

    inclui pensamentos, emoes, memrias, reaes) e conscincia (viana).

    Junto com o agregado do corpo (rupa), formam os cinco agregados

    (pacakkhandha), que convencionalmente chamamos de pessoa. Toda a

    questo do sofrimento advm de nossa identificao com os cinco agregados,

    e por isso se tornam os Cinco Agregados do Apego. Identificamo-nos com eles,

    como sendo meu corpo, minhas sensaes, minha percepo, meus

    pensamentos, minha conscincia. E geramos um senso de eu, nos

    identificamos com esse senso de identidade, nos apegamos a essa noo, e

    reagimos com averso a tudo que ameaa a pseudo estabilidade e segurana

    desse eu. E sofremos. Por qu? Porque nos identificamos com esses cinco

    agregados que so insatisfatrios. E por que so insatisfatrios? Porque so

    impermanentes. Nossos desejos de permanncia se conflitam incessantemente

    com a lei da impermanncia, que segue na direo oposta de nossos desejos.

    Todo o treinamento da Plena Ateno investigarmos o funcionamento desses

    cinco agregados em nossa vida diria: como nos relacionamos com nosso

    corpo? Com apego? Com averso? Com indiferena? Como nos relacionamos

    com nossas sensaes, percepo, pensamentos, conscincia?

    Compreendendo, cuidando e no se identificando com eles, liberamos

    gradualmente a mente do apego a eles. E como isso se d, do ponto de vista

    prtico, com as sensaes, que se ligam s nossas percepes, na maioria das

    vezes distorcidas?

    Temos trs tipos de sensaes: agradvel corporal (sukha) agradvel

    mental (somanassa); desagradvel corporal (dukkha) desagradvel mental

    (domanassa); e indiferente ou neutra (upekkha). De acordo a cada sentido,

    teremos seis tipos de sensaes a eles associadas, ou surgidas atravs deles.

    Examinemos primeiramente a sensao da dor. A dor uma sensao

    desagradvel, diante da qual nossos padres mentais condicionados se

  • esforam por rejeit-la com averso. No queremos a experincia da dor,

    queremos afast-la de ns.

    Como se processa a Neurofisiologia? Atravs das fibras nervosas

    transmissoras, estmulos so conduzidos pela medula at o Bulbo. Aqui,

    reaes corporais quase automticas so produzidas pelo Sistema Nervoso

    Autnomo: aumento da presso arterial, dos batimentos cardacos, mudanas

    na respirao, sudorese. Os estmulos prosseguem para a regio central do

    Tlamo, a estao retransmissora para a rea da Amgdala, o porto para o

    Sistema Lmbico, responsvel pelas emoes.

    Do Tlamo so enviadas para reas superiores do crtex cerebral,

    envolvidas na ateno e significao, onde esses estmulos sero interpretados

    como sensaes. O crtex somatossensorial e o crtex insular (a dobra

    profunda que divide os lobos temporal e frontal) permitem ao crebro saber em

    qual parte do corpo a dor se origina; a parte anterior do crtex cingulado (ACC)

    gera o significado emocional da dor e a gravidade da leso. Outras reas

    tambm estariam ligadas a este processo: os crtices motor e motor

    suplementar (responsveis pelo planejamento e execuo do movimento; no

    caso, escapar dos estmulos dolorosos); o crtex parietal (volta a ateno para

    a ameaa), e o crtex frontal (significado da dor e o que fazer com isso) [O

    Livro do Crebro, 2, p. 112-115].

    Este processamento, entretanto, no rgido. Certos fatores mentais

    podem intervir na modulao da sensao, na percepo e resposta a esses

    estmulos dolorosos. De acordo com as observaes cientficas, as reas

    cerebrais superiores podem enviar sinais nervosos que diminuam ou

    interrompam os sinais da dor, reduzindo a extenso da sensao dolorosa

    (Meditao e a Dor, em A Meditao e a Cincia, www.acessoaoinsight.net).

    Aqui est presente um fator importante: a ateno. O crtex cingulado

    est envolvido no quanto de ateno dada ao estmulo nervoso. Segundo as

    referncias cientficas acima citadas, h formas diversas, com efeitos opostos,

    no lidar com a dor, o chamado efeito placebo e nocebo. Trazendo a Plena

    Ateno e a Sabedoria diante da sensao dolorosa, diminuindo a resistncia e

    barreira entre o eu e a dor, permitimos que ela se manifeste, no nos

    identificamos como sendo a minha dor, mas apenas como uma sensao

    desagradvel, que tender a passar, por ser impermanente. Evitamos que a

    mente crie conceitualizaes e cenrios mentais trgicos, que desencadeiam

    reaes emocionais aflitivas, pensamentos negativos, ansiedade, pois estes

    ativam o sistema de reatividade na Amgdala, que por sua vez incita o crebro

  • de modo semelhante experincia da dor. Resultado: intensificao da dor,

    sofrimento. [O Livro do Crebro 2, p. 112-115; Bhante Gunaratana, 2002, p.

    102-105]. A dor dada, o sofrimento opcional. Ou, segundo a didtica

    frmula apresentada pelo monge Bhante Rahula, S = d x r (Sofrimento igual

    dor vezes a resistncia a ela). Se a dor 5 e a reatividade 10,

    experienciamos 50 de sofrimento. Se a dor 100 e a reatividade zero, o

    sofrimento zero. Ou seja, sofrimento no sinnimo de dor. Sofrimento a

    reao dor (dada). Podemos evitar at certo ponto condies que criem a

    dor, mas no podemos elimin-la: tendo corpo h dor, em graus e

    circunstncias variveis. Mas o sofrimento, podemos super-lo, com a Plena

    Ateno e a Sabedoria. Vendo a dor apenas como sensao, apenas como

    simples energia, vibrao, ainda que desagradvel, mas como impermanncia

    (anicca), insatisfatoriedade (dukkha) e impessoalidade (anatta). Nenhum

    sujeito, apenas os cinco agregados, sem nenhum eu-meu-mim.

    O controle consciente pela Plena Ateno no significa represso a este

    processo sensorial, nem desviar a ateno ou distra-la atravs de uma

    realidade virtual. No que a ateno desviada ou distrada (experincia pela

    qual se procura deixar menos ateno para o processamento cerebral dos

    sinais dolorosos) seja negativa em si, muitas vezes at podemos fazer uso

    desse expediente. Mas como hbito tem eficcia circunstancial, pois os

    padres mentais de reatividade permanecem inalterados. A Plena Ateno e a

    Sabedoria atuam pelo relaxamento, aceitao, investigao e no-

    identificao, que com isso atuam mais profundamente nos padres de

    processamento do crtex, diminuindo os estmulos nessa rea, aumentando a

    tolerncia e resistncia dor, e abrindo portas para a compreenso da

    natureza frgil da existncia condicionada e a libertao da mente. Mas

    lembremos: so processos de treinamento gradual e o bom senso e adequao

    progressiva aos nossos limites so fundamentais.

    A experincia do prazer o outro lado da moeda sensorial: queremos os

    prazeres sensoriais, investimos muito esforo para consegu-los; quando

    conseguimos nos apegamos e no queremos que terminem. Como se

    processa nossa relao entre desejo e recompensa? Para muitos de ns, a

    felicidade vista (e buscada) como sinnimo de maximizao das experincias

    prazerosas, agradveis. E h toda uma ideologia atual para induzir em nossa

    mente esse modelo: compre, consuma, sacie seus desejos, isto felicidade,

    realizao. H profissionais altamente treinados em vender desejos.

  • Do ponto de vista neurofisiolgico, tudo comea com o estmulo. O

    desejo visto segundo dois ngulos: o querer (seria uma necessidade real) e o

    gostar (obteno do prazer). J neste incio podemos ver, nesta dupla face do

    desejo, que necessidade no obrigatoriamente sinnimo de prazer, mas

    tambm que necessidade no precisa obrigatoriamente rejeitar o prazer

    decorrente. A questo : com qual critrio de prioridade nos relacionamos com

    os objetos? Veja que essa pergunta importante j um treinamento de Plena

    Ateno, e tem na sua base outra pergunta fundamental: qual o modelo de

    felicidade que temos? Esse modelo baseado na ignorncia sobre a natureza

    impermanente das coisas, e que nos trar sofrimento, ou baseado na

    sabedoria que conduz felicidade duradoura?

    O estmulo pode ser provocado por vrios fatores: uma necessidade real

    (por ex. a necessidade de se alimentar gera estmulo cerebral para a busca de

    alimentos), ou um desejo provocado por contato com um objeto agradvel que

    nos traga prazer, ou por queda de glicose, carncia afetiva, buscas de

    compensao diante de perdas, frustraes, etc. O estmulo envolve uma

    antecipao, uma expectativa de recompensa; esta por sua vez condicionada

    pelo tipo de aprendizado e memria que temos sobre experincias anteriores.

    E aprendizado e memria por sua vez so condicionados pelo grau de

    ignorncia (moha) ou sabedoria enraizada em nossa mente. Tendemos a no

    ter uma viso clara dos elos desse processo que se move muito rpido em

    nosso corpo e mente.

    O estmulo desencadeia a necessidade, o desejo, que notificado pelo

    sistema lmbico. O desejo registrado como desejo consciente no crtex

    cerebral, que orienta o corpo a agir para a realizao do desejo. Sob orientao

    do crtex cerebral, aes corporais so desencadeadas, e as aes retornam

    sinais ao sistema lmbico, que libera neurotransmissores semelhantes a

    opiides: A expectativa de recompensa aumenta o fluxo de sangue cerebral na

    amgdala e no crtex rbito-frontal, indicando atividade no ncleo accumbens

    (que libera dopamina) e no hipotlamo (rico em receptores de dopamina)...

    neurotransmissores elevam os nveis de dopamina em circulao, gerando

    sensao de satisfao (O Livro do Crebro, 2, p. 136).

    Se a questo da busca do prazer ficasse apenas nesse nvel, qual o

    problema, poderamos nos perguntar? Tenho necessidade, conjugo com o

    prazer, vou em busca, consigo, experiencio satisfao, fico feliz. Mas o

    problema no pra a. Pelo fato das sensaes serem impermanentes, a

    sensao prazerosa seguida pela experincia da sensao desagradvel, a

    falta, a insatisfatoriedade. Ao apego segue-se a averso e seus irritantes

  • psquicos. A questo do desejo-recompensa-felicidade o cerne dos

    ensinamentos do Buddha, pois em torno do desejo que est o problema da

    existncia. Nossa mente condicionada no v, e no quer ver, as duas faces

    da correlao entre desejo sensorial e felicidade. S vemos o lado gratificante

    (assada). Qualquer coisa que tente interferir em nosso modelo

    desejo=felicidade, vista e rejeitada como moralismo, represso,

    obscurantismo, invaso dos nossos direitos felicidade = prazeres

    maximizados. Corremos atrs dos desejos sensoriais, algumas vezes

    conseguimos experienciar alguns prazeres, mas eles se vo, e nos vemos

    novamente diante dessa sede insacivel, tanh. No vemos esse lado ardiloso

    (adinava) que nos aprisiona, o anzol escondido na isca. Por isso o Buddha

    associa essa sede com o fogo, uma queimao na mente. O fogo queima,

    consome, transforma tudo em cinzas, e busca novos combustveis, nos

    empurrando atrs de novos objetos e pessoas que nos sejam fontes dessa

    experincia. Como o burro que corre atrs da cana de acar amarrada sua

    frente e nunca alcana, e no final cai morto de exausto e fome.

    Em um importante sutta chamado Magandiya Sutta, do Majjhima Nikaya

    (MN 75), Buddha dialoga com o filsofo Magandiya, defensor do hedonismo,

    filosofia que pensa o significado da vida como busca do prazer. Nesse sutta,

    Buddha procura mostrar para Magandiya que a questo no os prazeres

    sensuais em si, mas a nsia e o apego a eles, mantendo a mente prisioneira

    dessa forma de satisfao, qual uma febre, uma drogadico, com todos os

    sofrimentos decorrentes dessas dependncias, no apenas mentais, mas

    tambm qumicas, corporais. Buddha usa didticamente smiles drsticos, com

    o da aflio da lepra, para trazer o conhecimento sobre a natureza ilusria

    desses apegos. No que o Buddha ignorasse a satisfao que os prazeres

    sensuais trazem, pois se no trouxesse alguma satisfao, quem empenharia

    esforos em consegui-los? A questo que so impermanentes, e por isso

    mantm a insaciedade intacta em seu nvel mais profundo, e reforam o padro

    de apego e sofrimento.

    Quando tocamos nesse ponto, frequente surgir na mente a pergunta:

    mas sem a busca do prazer sensorial, que sentido restaria para a vida? Como

    possvel viver sem desejos? A vida no seria com isso insossa, deprimida?

    Por debaixo desse receio, compreensvel at certo ponto, est outra viso

    equivocada, gerada pelo apego e ignorncia: at hoje, tudo que entendemos

    como felicidade isso: felicidade sinnimo de busca de prazer sensual.

    Portanto, s existiria isto. como se passssemos nossa vida num deserto,

    comendo cactus, e achando isso a fina iguaria. Ento algum chega e nos diz:

  • i! H um osis ali diante, com gua cristalina, sombra e frutas sublimes.

    V l, veja por si mesmo!

    Buddha mostra que h outros nveis mais sutis de deleite que podem ser

    alcanados, em direo felicidade duradoura, Nibbana:

    Suponha, Magandiya, que houvesse um leproso, com feridas e bolhas

    no seu corpo, sendo devorado por vermes, coando com as unhas as crostas

    abertas de suas feridas, cauterizando seu corpo com pedaos de carvo em

    brasa. Ento seus amigos e companheiros, e seus parentes, trouxessem um

    mdico para lhe tratar. E mdico faria um remdio para ele, e atravs disso o

    homem ficaria curado da lepra, e ficaria bem e feliz, independente, mestre de si

    mesmo, podendo ir aonde quisesse. Ento ele visse outro leproso com feridas

    e bolhas nos seu corpo, sendo devorado por vermes, coando com as unhas

    as crostas abertas de suas feridas, cauterizando seu corpo com pedaos de

    carvo em brasa. O que voc pensa, Magandiya? Aquele homem teria inveja

    daquele leproso pelo uso do carvo em brasa ou de seu remdio?

    No, Mestre Gotama. Porque isto? Por que quando h doena, um

    remdio precisa ser feito, e quando no h doena, o remdio no precisa ser

    feito.

    Buddha mostra que ele tambm, quando ainda vivia a vida familiar,

    deleitava-se nos prazeres sensuais, mas que depois, tendo compreendido

    como realmente era a origem, o desaparecimento, a gratificao, o perigo e a

    possibilidade do escape dos prazeres sensoriais, abandona essa nsia por

    eles, conseguindo a paz interior. E que ele no invejava aqueles que ardiam na

    busca desses prazeres sensoriais, pois que ele encontrara um deleite que est

    para alm desses prazeres, para alm desses estados no saudveis, que

    ultrapassa inclusive os deleites celestes (MN 75, 11-13, 2004, p. 610-611).

    As sensaes prazerosas materiais tm subjacente a tendncia do

    apego, as desagradveis materiais tm subjacente a tendncia averso, e as

    neutras-indiferentes tm subjacente a tendncia confuso ou cobia sutil.

    Mas h tambm as sensaes no materiais, espirituais. Assim, as sensaes

    espirituais prazerosas podem provir do deleite (piti), alegria (sukha), paz

    (khanti), trazidas pela concentrao ou devoo. As sensaes espirituais

    desagradveis podem provir de percepes de que nossa prtica ainda

    enfrenta certos obstculos em seu progresso, exigindo de ns revermos a

    prtica e perseverar. As sensaes espirituais neutras se referem aos estados

    de equanimidade mental (upekkha), o que bem diferente da indiferena,

  • expresso da ignorncia e insensibilidade fria diante da realidade e do

    sofrimento dos outros. A equanimidade, pelo contrrio, um estado de

    equilbrio, uma das mais altas virtudes, pela qual nos sensibilizamos com o

    sofrimento; podemos agir com compaixo e sabedoria, mas sem sermos

    arrastados no sofrimento, nosso ou dos outros. Seria como a atitude

    equilibrada do guarda-vidas, atento aos descuidos dos banhistas, orientando-

    os, alertando-os, socorrendo-os quando necessrio, mas sem se afundar no

    debater-se daqueles que ele socorre.

    Trazendo agora para o nvel prtico: colocamos a Plena Ateno no foco

    de nossa respirao, e procuramos perceber em nosso corpo e mente quando

    surge alguma sensao, se agradvel, desagradvel ou neutra, que estados

    mentais acompanham essas sensaes: Apego? Averso? Indiferena? Com

    plena ateno e sabedoria percebemos o surgimento na mente dessa busca de

    experienciao das sensaes agradveis, e o que fazem em nosso corpo e

    mente. Com plena ateno e sabedoria percebemos o seu desaparecimento, e

    o que acontece em nosso corpo e mente em seguida. Uma das formas de

    treinamento para lidar e superar o forte apego aos prazeres sensuais a

    contemplao das impurezas do corpo, atravs da contemplao das partes do

    corpo, ensinada pelo Buddha no Satipatthana sutta, em que aprendemos a

    visualizar e contemplar cada uma das partes do corpo, em sua forma, cor,

    localizao e sua natureza impermanente:

    Reflexo sobre as Impurezas do Corpo

    Novamente, bhikkhus, um bhikkhu reflete sobre esse mesmo corpo de baixo para cima

    a partir da sola dos ps, e de cima para baixo a partir do topo da cabea, limitado pela

    pele e repleto de diversas impurezas assim:

    Existe neste corpo:

    Cabelo, pelo do corpo, unhas, dentes e pele;

    Carne, tendes, ossos, medula e rins;

    Corao, fgado, diafragma, bao e pulmes;

    Estmago, intestino, peritnio, fezes e crebro;

    Bile, catarro, pus, sangue, suor e gordura;

    Lgrima, linfa, saliva, muco, gordura das juntas e urina.

  • Como se houvesse um saco com abertura dupla, cheio de vrios tipos de gros, tais

    como arroz, arroz com terra, arroz com casca, palha de arroz, ervilha, gergelim, e um homem

    com boa viso o abrisse e examinasse e dissesse: Isto arroz, isto arroz com terra, isto

    arroz com casca, isto palha de arroz, isto ervilha, isto gergelim. Da mesma forma,

    bhikkhus, um bhikkhu reflete sobre seu corpo, de baixo para cima a partir da sola dos ps, de

    cima para baixo a partir do topo da cabea, limitado pela pele e repleto de diversas impurezas:

    Existem nesse corpo cabelo, pelo do corpo, unhas, dentes e pele; carne, tendes, ossos,

    medula e rins; corao, fgado, diafragma, bao e pulmes; estmago, intestino, peritnio,

    fezes e crebro; bile, catarro, pus, sangue, suor e gordura; lgrima, linfa, saliva, muco, gordura

    das juntas e urina.

    Assim ele permanece contemplando o corpo no corpo internamente, ou permanece

    contemplando o corpo no corpo externamente, ou permanece contemplando o corpo no corpo

    tanto internamente como externamente.

    Permanece contemplando no corpo os seus fatores de aparecimento, ou permanece

    contemplando no corpo os seus fatores de dissoluo, ou permanece contemplando no corpo

    tanto os fatores de aparecimento como os de dissoluo.

    A plena ateno de que existe apenas o corpo se estabelece. A plena ateno se

    estabelece apenas com a abrangncia necessria para se aprofundar o conhecimento e a

    prpria plena ateno.

    Permanece despreendido de tudo que diz respeito ao apego e viso errada. No se

    apega a nada do mundo dos cinco agregados do apego.

    Assim como um bhikkhu permanece contemplando o corpo no corpo.

    (Baseado no texto do Venervel U Silananda,

    The Four Foundations of Mindfulness, Boston, Wisdom, 2002).

    Investigamos quais sensaes e desejos so inbeis, quais nos

    prendem ao ciclo do samsara e do sofrimento; ao invs de negar ou tentar

    rigidamente suprimir a experienciao dos prazeres sensoriais, procuramos

    substituir progressivamente por deleites mais sutis, desejos mais sbios. E o

    que seriam desejos sbios? As aspiraes no contaminadas pela cobia, dio

    e ignorncia; aspiraes que provm de relaes mais amorosas consigo e

    com o mundo, deleites mais refinados que emergem dos estados mais

    profundos da mente, propiciados pela concentrao e cultivo das qualidades

    saudveis inatas da mente, como a amizade amorosa, a compaixo, a alegria

    pelo sucesso dos outros, a equanimidade, a sabedoria, a restrio vigiada dos

    sentidos e suas portas, atravs das quais os contatos se do, com o

    surgimento das sensaes e do desejo inbil.

  • Mesmo os deleites mais sutis, ainda so deleites. A longo prazo, trata-

    se de desapegarmos totalmente de qualquer expectativa de deleite. Em um

    nvel mais confrontante de treinamento para o desapego ao sensualismo e o

    corpo, Buddha recomenda a contemplao da morte, da decomposio do

    corpo como a verdade sobre a impermanncia do corpo, de modo a

    contrabalancearmos a verso unilateral das vantagens (assada) do desejo

    sensual e apego ao corpo, com a viso das desvantagens (adinava) do corpo

    material, reveladas pela contemplao do corpo em decomposio:

    As Nove Contemplaes do Cemitrio

    Novamente, bhikkhus, quando um bhikkhu v no cemitrio um corpo morto depois de

    um, dois ou trs dias aps a morte, inchado, lvido, jogado em uma vala, compara seu prprio

    corpo a esse: Na verdade, este corpo tambm tem a mesma natureza, se tornar igual a esse

    outro, no est isento desse destino.

    Assim ele permanece contemplando o corpo no corpo internamente, ou permanece

    contemplando o corpo no corpo externamente, ou permanece contemplando o corpo no corpo

    tanto externamente como internamente.

    Permanece contemplando no corpo os seus fatores de aparecimento, ou permanece

    contemplando no corpo os seus fatores de dissoluo, ou permanece contemplando no corpo

    tanto os fatores de aparecimento como os de dissoluo.

    A plena ateno de que existe apenas o corpo se estabelece. A plena ateno se

    estabelece apenas com a abrangncia necessria para se aprofundar o conhecimento e a

    prpria plena ateno.

    Permanece despreendido de tudo que diz respeito ao apego e viso errada. No se

    apega a nada do mundo dos cinco agregados do apego.

    Assim como um bhikkhu permanece contemplando o corpo no corpo...

    (Baseado no texto do Venervel U Silananda, The Four Foundations of Mindfulness,

    Boston, Wisdom, 2002).

    Como esse processo bastante exigente, procuramos caminhar

    gradualmente. Contemplamos o corpo, e as sensaes, no para criarmos uma

    averso ao corpo. Continuamos a cuidar dele com zelo, para que seja

    saudvel, porm trazendo a viso realista sobre sua impermanncia, bem

    como a das sensaes que surgem na mente a partir do contato com os

    objetos sensoriais. Do mesmo modo que em relao com ao lide com a dor, o

    lide com as experincias sensoriais prazerosas e agradveis um processo de

  • treinamento gradual. Experimente e veja. Relembrando, sempre mantendo o

    bom senso e a adequao progressiva s nossas possibilidades e limites.

    Escala, escada, rumo a Nibbana, a felicidade duradoura.

    Referncias

    Amabis, J. Mariano; Martho, Gilberto R. Biologia dos organismos. Vol. 2. SP:

    Editora Moderna, 1998.

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    Bhante Rahula. Anotaes .11/03/2011, retiro 2011, Casa de Dharma.

    Bhikkhu anamoli, Bhikkhu Bodhi (trads). The Middle Length Discourses of the

    Buddha. A New Translation of the Majjhima Nikaya. Boston: Wisdom

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    Henepola Gunaratana, Bhante. Os Quatro Fundamentos da Plena Ateno.

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    U Silananda, Sayadaw. The Four Foundations of Mindfulness. Boston: Wisdom

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    _____________ La Matria (Rupa). Notas de Clase # 7. Curso Introductorio de

    Abhidhamma. Mexico: Publicaciones Fondo Dhamma Dana. Centro Mexicano

    del Buddhismo Theravada A.C, 2003