Upload
icaro-de-almeida-vieira
View
216
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Melancolia na visão psicoanalítica. Desenvolvido no instituto de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE PSICOLOGIA
DEPARTAMENTO DE PSICANÁLISE E PSICOPATOLOGIAPROFESSORA MARTA D’AGORD
O entendimento psicanalítico sobre a Melancolia
Luciana Rubensan Ourique
Porto Alegre, 08 de Dezembro de 2005
O presente trabalho consiste em uma breve revisão teórica a respeito de como a
psicanálise explica a melancolia. Primeiramente, pretendo expor a concepção freudiana
sobre a mesma e posteriormente relacionar com os conceitos lacanianos, pensando também
no aspecto da estrutura.
Para iniciar, considero importante mencionar a teoria energética elaborada por
Freud, segundo Balbure (1996). Ela consiste na energia sexual somática que se desenvolve
e gera uma tensão, atinge um limiar e então transforma-se em energia sexual psíquica. Tal
percurso energético poderia falhar de três maneiras: a primeira delas é quando a energia
somática não chega a atingir um limiar suficiente para que seja gerada a tensão; a segunda
consistiria em uma não transformação da energia somática em psíquica, o que geraria
angústia, acarretando na neurose de angústia; a terceira seria uma impossibilidade de
realizar a descarga final dessa energia devido à falta de objeto, levando a um acúmulo de
tensão sexual psíquica.. Essa última falha indicaria uma tendência à neurose de angústia.
A melancolia se daria nesse último caso, no qual o sujeito fica impossibilitado de
descarregar a energia sexual psíquica já que lhe falta o objeto de investimento da mesma. A
diferença entre a neurose de angústia e a melancolia se daria justamente nesse aspecto
relacionado ao objeto, ou seja, na neurose de angústia há objeto e na melancolia não há
(Balbure, 1996).
Ainda segundo a autora, em 1895, Freud relacionou a melancolia com a anorexia,
considerando a anorexia como a “melancolia da fome”, dessa vez havendo uma falha na
descarga não mais no plano sexual e sim no alimentar. Já que na melancolia supõe-se uma
perda, ela seria então como “um luto provocado pela perda da libido”, já que o luto seria
entendido como o desgosto amargo pelo objeto perdido.
Essa foi a forma como inicialmente Freud compreendeu essa patologia.
Posteriormente ele irá situá-la como uma neurose narcísica, já que o narcisismo primário,
no caso da melancolia, se daria de uma forma aberrante, sem investimento da libido no
objeto, o que gera a perda de todo o narcisismo, um esgotamento do mesmo, levando o
sujeito a considerar-se um nada (Balbure, 1996).
É importante mencionar a diferença entre luto e melancolia de acordo com Balbure
(1996). O luto consiste em um desinvestimento do objeto perdido e a uma renúncia do
mesmo, sendo possível um posterior retorno da libido ao eu, para que seja possível o
investimento em outro objeto. O luto se torna patológico na medida em que não se encerra,
em que a libido não retorna ao eu e então não é possível desejar outro objeto que não aquele
perdido. O desejo voltado apenas para esse objeto não permite que haja investimento no
próprio sujeito, esgotando temporariamente, de certo modo, o seu narcisismo. Moreira
(2002) afirma que o que Freud chamou de “trabalho do luto” é justamente esse processo
psíquico pelo qual o sujeito passa frente a uma perda objetal. Seria, então, um desligamento
da libido do objeto perdido, o que ocorre com grande dispêndio de tempo e de
investimento. Quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica livre e desinibido.
Segundo Balbure (1996), Freud entendia a melancolia como uma “depressão
profunda, caracterizada por uma perda de interesse pelo exterior, um desaparecimento do
desejo, um sentimento de dor extrema, uma inibição geral, um desinvestimento narcísico, o
todo podendo conduzir o sujeito ao delírio ou à passagem ao ato” (p. 140). O que há nela de
semelhante ao luto é que ambos procedem da perda de objeto. No entanto, no luto há uma
renúncia ao objeto perdido e na melancolia não é possível que se faça esse trabalho, já que
esse objeto passa a ter um estatuto particular: é o próprio eu. Assim, o desinvestimento no
objeto perdido só faz aumentar a perda, culminando no estado subjetivo da renúncia.
Moreira (2002) afirma que a diferença entre o luto e a melancolia está no fato de que para o
melancólico existe uma outra perda, a do amor-próprio. Segundo a autora, Freud colocava
que podia-se observar no melancólico uma redução de sua auto-estima, o que está
relacionado com o desinvestimento narcísico mencionado anteriormente.
Isso se deve a um mecanismo de identificação que ocorre com o objeto perdido. O
objeto que era desejado e por isso havia sido trazido para o interior do sujeito, fora
exteriorizado, perdido, carregando consigo, por deslocamento e identificação, o resto do
interior do sujeito, o seu eu.
De acordo com Moreira (2002) outra diferença é que no luto pode-se saber qual foi
o objeto perdido, mas nem sempre é assim na melancolia, o que implica que ela está
relacionada a uma perda objetal retirada da consciência. É possível que o sujeito saiba
quem perdeu, mas não o quê perdeu nesse objeto, diz a autora. Se a alguns a perda conduz
ao trabalho do luto, a outros conduz ao abismo melancólico.
A melancolia entendida através dos conceitos lacanianos, de acordo com Balbure
(1996), é colocada como a doença do desejo. Ela produz o declínio, chegando à extinção,
do desejo do sujeito, que é justamente aquilo que dá ao sujeito sua consistência. Isso porque
a causa do desejo no sujeito é o objeto, o objeto a, ocasionando, de certo modo, o impulso
do desejo. Mais precisamente, é a sua falta que produz o desejo. A partir dessa falta o
sujeito irá engajar-se em uma eterna busca por um substituto para esse objeto de desejo,
substituto que nunca cumprirá fielmente o lugar do mesmo e que por isso é cambiável e
entendido como um engodo.
No caso do luto, trata-se da perda desse objeto, substituto do objeto de desejo, que
faz o sujeito tomá-lo como o próprio objeto do desejo. Assim, se ele é percebido e sentido
pelo sujeito dessa maneira, não há mais falta e nem desejo. Trabalhar o luto consiste em
remeter novamente tal substituto ao seu lugar de falta, dando, assim, lugar ao desejo.
O sujeito melancólico é aquele em quem a perda não se faz elaborar como falta, não
desencadeando um processo de luto e sim anulando a falta que ali se encontrava e que
permitia a existência de um desejo que o sustentava. É a relação do melancólico com o
objeto que caracteriza a melancolia e não simplesmente a perda do mesmo.
Além disso, pode-se fazer uma relação entre a concepção de Freud de que o objeto
perdido na melancolia é o próprio eu e aquilo que Lacan entende por eu. Para Lacan, a
função do eu é antes de tudo imaginária, participando estreitamente na formação dos
sintomas e chegando ele mesmo a ser o sintoma. Assim, a perda do eu da qual Freud falava
designa para Lacan uma ruptura do sujeito para com sua imagem, mas também, sendo o eu
o protótipo dos objetos outros e desejados.
Gostaria também de mencionar o que Lambotte nos traz a respeito da melancolia.
Ela situa a origem da melancolia como sendo em uma espécie de traumatismo, mas algo
sem representação, o contrário do que ocorreria com os neuróticos. Ela coloca que na
melancolia o que ocorre é a deserção do outro em relação ao sujeito, antes mesmo que se
possa falar de objeto.
Assim, em relação à estrutura, se é possível ou não afirmar que a melancolia seja
uma estrutura à parte ou se está dentro de um quadro psicótico ou neurótico, Lambotte
afirma que ela é diferente da psicose. Isso porque o sujeito está no simbólico, seu discurso
se dá da seguinte maneira: “Eu não sou nada” ou “Eu não tenho nada, estou arruinado”.
Isso quer dizer que o “nada” pode ser visto como o significante mestre do melancólico,
aquele que faz manter o discurso. O sujeito, então, está sempre com o risco de ir juntar-se
ao nada, colar-se a esse nada, porque ele não se identificou com a imagem e o que ocorreu
foi o encontro direto com o objeto pequeno a, o qual mencionei anteriormente quando falei
sobre Lacan, o que significa uma ruptura da iniciação do desejo. Esse encontro pode ser,
então, o nada, que deixa o sujeito melancólico cair, despencar. Lambotte também aponta
para um aspecto interessante ao falar sobre a questão das estruturas, que seria a respeito da
identificação do sujeito melancólico. Com que ele irá identificar-se se, no momento em que
está sendo iniciado no campo do desejo, o outro desaparece bruscamente? Pode-se pensar
que há uma identificação justamente com esse nada, que na verdade é alguma coisa, é a
marca do outro. Nesse aspecto é que ela difere a melancolia das psicoses.
Ainda se tratando do assunto estrutura, a autora coloca que clinicamente ela pode
observar dois tipos de discursos, sendo um o que ela chama de depressivo, que se trata do
sujeito que consegue narrar a sua história e dizer: “me aconteceu isso e eu estou assim, não
consigo fazer mais nada, etc.”. Há um outro discurso que ela chama de melancólico, que
consiste em um discurso negativista, no qual o “eu” quase não aparece, há uma inibição
total do sujeito.: “a vida é assim”, “a verdade não existe, não tem sentido”. Esse discurso,
além disso, segue um raciocínio lógico impecável, com pontos que o sustentam: “logo”,
“ora”. Lambotte coloca o primeiro discurso do lado das neuroses e o segundo do lado das
neuroses narcísicas, salientando que não se trata de psicose.
A autora também fala a respeito da castração, dizendo que a sua afirmação é, ao
mesmo tempo, para o sujeito melancólico, um evitamento. Quando o sujeito diz: “não tem
sentido”, “a verdade não existe”, essas afirmações para ele tem peso de coisa, existindo
então, uma espécie de desapego, de nivelamento, de indiferença da realidade, um objeto
não tendo mais valor do que outro, sendo todos equivalentes. Ela faz uma analogia com a
psicose, em que as palavras têm peso de coisa também. Fica para mim uma questão a
respeito da castração na melancolia, de que forma ela se dá. Isso porque, se pode-se
considerá-la como neurose narcísica, é porque se deu a castração e o recalcamento. Como é
possível falar de afirmação e evitamento da castração em um sujeito neurótico? Outra
questão que para mim não ficou clara é o seguinte: Lambotte afirma que a melancolia se
diferencia da psicose porque o sujeito melancólico está no simbólico, ou seja, tem um
discurso organizado, tem um significante mestre. Como fica o fato de as afirmações terem
peso de coisa para o melancólico assim como as palavras o têm para o psicótico, parecendo
ser isso uma falha no eixo Simbólico? Não ficou claro para mim como se dá o nó
borromeano na estruturação melancólica.
A partir do que foi exposto pôde-se ter uma noção da origem dos estudos a respeito
da melancolia, como se pode entendê-la a partir dos conceitos lacanianos e como se pode
pensá-la como estrutura ou entidade clínica. Ficam algumas questões a serem ainda
investigadas e estudadas, para uma posterior discussão.
Referências:
Moreira, A.C.G. (2002). Clínica da Melancolia. São Paulo: Escuta/Edufpa.
Lambotte, M.C. (1996). Melancolia. Em Kaufmann, (1996). Dicionário
enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar.
Entrevista de Marie-Claude Lambotte para a revista da APPOA (2001): A deserção
do outro.