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18 1.2. Melanie Klein: a técnica do brincar Podemos considerar Melanie Klein a criadora da principal técnica na análise de crianças, a técnica do jogo, ainda que as primeiras publicações sobre técnica na psicanálise infantil tenham sido feitas por Sofia Morgenstein na França e Anna Freud em Viena. Embora Hug Hellmuth tenha sido a primeira analista de crianças que usou jogos com seus pacientes, tendo criado uma metodologia própria, não deixou registrada a sua experiência, logo pouco podemos aproveitar de sua prática. A teoria kleiniana provocou enorme impacto na Inglaterra e foi uma tendência revolucionária para a sua época. Klein considerava que a análise infantil era um benefício para qualquer criança; mesmo que a criança não estivesse muito perturbada emocionalmente, o tratamento evitaria ou dificultaria enfermidades na vida adulta. Atribuía, assim, um valor profilático ao tratamento psicanalítico de crianças. Acreditando no valor profilático da análise de crianças, os analistas, nos anos setenta, tomavam em análise toda criança que chegasse ao seu consultório. E por muitas vezes, os profissionais não se colocavam questões como, por exemplo, se era a criança de fato que precisava de tratamento, se não eram os pais que talvez precisassem de uma orientação... Pensava-se que se um analista era procurado pelos pais de uma criança, esta poderia se beneficiar do que estava sendo oferecido a ela. Através das suas experiências analíticas com crianças de tenra idade, Klein pôde confirmar as afirmações de Freud de que já nos primeiros anos de vida as crianças experimentam não apenas impulsos sexuais e angústia como também grandes desilusões.

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    1.2. Melanie Klein: a tcnica do brincar

    Podemos considerar Melanie Klein a criadora da principal tcnica na anlise de

    crianas, a tcnica do jogo, ainda que as primeiras publicaes sobre tcnica na

    psicanlise infantil tenham sido feitas por Sofia Morgenstein na Frana e Anna Freud

    em Viena. Embora Hug Hellmuth tenha sido a primeira analista de crianas que usou

    jogos com seus pacientes, tendo criado uma metodologia prpria, no deixou registrada

    a sua experincia, logo pouco podemos aproveitar de sua prtica.

    A teoria kleiniana provocou enorme impacto na Inglaterra e foi uma tendncia

    revolucionria para a sua poca. Klein considerava que a anlise infantil era um

    benefcio para qualquer criana; mesmo que a criana no estivesse muito perturbada

    emocionalmente, o tratamento evitaria ou dificultaria enfermidades na vida adulta.

    Atribua, assim, um valor profiltico ao tratamento psicanaltico de crianas.

    Acreditando no valor profiltico da anlise de crianas, os analistas, nos anos

    setenta, tomavam em anlise toda criana que chegasse ao seu consultrio. E por muitas

    vezes, os profissionais no se colocavam questes como, por exemplo, se era a criana

    de fato que precisava de tratamento, se no eram os pais que talvez precisassem de uma

    orientao... Pensava-se que se um analista era procurado pelos pais de uma criana,

    esta poderia se beneficiar do que estava sendo oferecido a ela.

    Atravs das suas experincias analticas com crianas de tenra idade, Klein pde

    confirmar as afirmaes de Freud de que j nos primeiros anos de vida as crianas

    experimentam no apenas impulsos sexuais e angstia como tambm grandes

    desiluses.

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    As descobertas kleinianas, vindo dilatar as fronteiras iniciais da psicanlise,

    relacionam-se aos primitivos estgios do desenvolvimento, originrios do

    funcionamento da vida mental, ou seja, dizem respeito a tudo quanto existe que no

    verbalizado pela criana pequena. A partir de suas experincias clnicas com crianas,

    Klein acredita que o que compe a fonte real das aes e reaes dos seres humanos o

    mundo interno das relaes de objeto e das fantasias inconscientes.

    Assim, para a teoria kleiniana a subjetividade se daria por si mesma, isto , se

    constituiria internamente. Ao longo dos escritos de Klein verificamos que o indivduo

    representado como uma unidade fechada, com ansiedades e defesas inatas. A

    estruturao da subjetividade tem claramente origem no mundo interno, com seus

    objetos internos e suas fantasias inconscientes. Quanto ao objeto externo de Klein,

    corresponde externalizao de um elemento psquico dinmico interno, e no de fato a

    um objeto da realidade externa.

    As relaes objetais, assim como as ansiedades e defesas da criana durante o

    seu primeiro ano de vida, so os aspectos que tm maior nfase na teoria kleiniana. As

    primeiras ansiedades que o beb experimenta provm de fontes internas. As relaes

    iniciais do beb com o mundo externo sofrem influncias da experincia do

    nascimento, considerada como sendo a primeira fonte externa de ansiedade. A

    ansiedade persecutria, segundo Klein, participa desde o incio da relao do beb com

    os objetos, na medida em que ele est exposto a privaes:

    A dor e o desconforto que ele (o beb) sofreu, assim como a perda do estado intra-uterino, so pelo beb sentidos como uma agresso por foras hostis, isto , como uma perseguio. (1952: 217)

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    Para Klein, a fantasia inconsciente a expresso mental dos instintos e, como

    estes, existe desde o comeo da vida. Os instintos buscam objetos: a experincia de um

    instinto no aparelho mental est ligada fantasia de um objeto apropriado a esse

    instinto. Fica claro que a fantasia est situada na base da estruturao da subjetividade.

    Vale ressaltar que a psicanlise inglesa nesse momento se atinha traduo do

    alemo, da obra de Freud, feita por Strachey, em que o conceito Trieb (pulso), to

    valioso, com muita freqncia foi traduzido por instinto. No vamos nos deter nessas

    questes, mas somente mencionar que estamos atentos ao uso impreciso que nessa

    poca a escola inglesa incorporou.

    Assim, Klein tem um modo de tornar a realidade psquica interna muito real:

    qualquer brincar da criana poderia ser visto como uma projeo da sua realidade

    psquica. Portanto, se olhamos uma criana brincando seremos capazes de ver o seu

    mundo interior. Nesse mundo, os objetos internos podem ser vistos como tendo vida

    prpria, independentes da realidade externa.

    Um dos conceitos bsicos dessa teoria exatamente a relao objetal que o beb

    inicia com a me, relao essa que resulta das primeiras experincias da amamentao

    do beb e da presena da me. A princpio, essa relao se d com um objeto parcial,

    uma vez que os impulsos orais-libidinais e orais-destrutivos esto voltados, no incio da

    vida, para o seio da me. A interao desses impulsos corresponde fuso dos instintos

    de vida e de morte. Os estmulos para os impulsos libidinais e destrutivos, para o amor e

    o dio, correspondem s experincias de gratificao e frustrao que a criana

    experimenta.

    A introjeo e a projeo tambm contribuem para essa relao de amor e dio

    com o primeiro objeto:

  • 21

    O beb projeta os seus impulsos de amor e os atribui ao seio gratificador (bom), assim como projeta os seus impulsos destrutivos e os atribui ao seio frustrador (mau). Simultaneamente, pela introjeo, um bom seio e um mau seio so estabelecidos dentro dele. (1952: 218)

    Klein atribui a esses primeiros objetos introjetados a formao do ncleo do

    superego. Este se constituiria a partir das figuras boas e ms que so internalizadas em

    amor e dio nas vrias etapas do desenvolvimento, sendo gradualmente assimiladas e

    integradas pelo ego. Portanto, o superego tambm teria origem na atividade psquica,

    sendo mais um elemento a estruturar a subjetividade a partir do mundo interno da

    criana.

    assim que Klein destaca, no primeiro estgio da vida do beb, a posio

    esquizoparanide como dominante. Nela, a ao recproca dos processos de introjeo e

    projeo so aspectos fundamentais para o desenvolvimento do ego. A primeira relao

    objetal da criana a relao com o seio amado e odiado (bom e mau). Nesse momento,

    a ansiedade persecutria e os impulsos destrutivos esto em evidncia. A fantasia de um

    seio ideal (produto do desejo de gratificao ilimitada), assim como de um seio

    devorador e perigoso (produto da ansiedade persecutria), fazem parte da mente da

    criana. Os dois aspectos do seio materno so introjetados e formam o ncleo do

    superego. Inmeros mecanismos de defesa esto a em funcionamento: a diviso, a

    onipotncia, a idealizao, a negao e o controle dos objetos internos e externos. Nesse

    estgio inicial, a habilidade do ego muito limitada. Ele tem pouca aptido para lidar

    com a ansiedade, para admitir a conjugao dos dois aspectos em relao me, das

    emoes que se opem em relao a ela.

    Segundo a teoria kleiniana, o material trazido por um paciente ou se refere s

    relaes objetais da criana, que por sua vez podem significar relaes com objetos

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    internos e externos, ou aos mecanismos de introjeo e projeo. A abordagem

    kleiniana possibilita portanto trabalhar com os conflitos e ansiedades infantis e defesas

    primitivas, quer o paciente seja adulto ou criana.

    Quanto mais habilidade o ego tiver para suportar a ansiedade, mais os

    mecanismos de defesa se alteram, e os impulsos destrutivos e a ansiedade persecutria

    perdem sua fora. A ansiedade persecutria d lugar, ento, ansiedade depressiva.

    Percebe-se a contribuio do sentido de realidade, das gratificaes e das relaes

    objetais para que se instale a posio depressiva.

    A posio depressiva kleiniana uma conquista que implica um grau de

    integrao pessoal, assim como uma aceitao da responsabilidade por toda a

    destrutividade que est ligada ao viver.

    Assim, a capacidade de se preocupar e sentir culpa representaria um avano.

    essa capacidade que caracteriza a chegada do beb posio depressiva. Nesse

    momento, o beb passa a perceber a me como um objeto completo.

    Como para Klein o objeto da realidade uma externalizao de um objeto

    interno, o desenvolvimento em direo posio depressiva no dependeria de a me

    ter atributos bons ou maus. Na verdade, Klein pouco leva em conta a importncia da

    me na constituio da subjetividade do seu filho.

    medida que o beb cresce, e que se verificam mudanas no seu

    desenvolvimento intelectual e emocional, o seu relacionamento com o mundo externo,

    isto , com as pessoas e as coisas, se diferencia. Aumenta sua capacidade de expressar

    suas emoes e de comunicar-se com as pessoas, e amplia-se o campo de ao de suas

    gratificaes e interesses. Tudo isso demonstra o gradativo progresso do ego. O

    desenvolvimento das funes do ego, a integrao, as capacidades intelectuais, a

    conscincia e a relao com o mundo externo evoluem, tornando-se mais intensos.

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    O ego no s cria defesas mais adequadas para reduzir a ansiedade, mas tambm

    acaba por reduzi-la realmente, e a criana passa a enxergar uma realidade externa mais

    realista e tranqilizadora. Isso, efetivamente, provoca desenvolvimentos essenciais na

    organizao do superego, alterando a sua relao com o ego. Como conseqncia, h

    uma progressiva assimilao do superego pelo ego.

    Esse desenvolvimento progressivo conduz a uma adaptao crescente

    realidade externa e interna. Quando isso ocorre, a criana passa a ser capaz de distinguir

    a frustrao imposta dos perigos internos. Assim, o dio e a agresso passam a ser mais

    associados a fatores externos. Essa forma de lidar com a agressividade provoca menos

    sentimentos de culpa, e permite criana experimentar, e sublimar, a sua agresso de

    uma forma mais egossintnica.

    Dessa forma, a progressiva adaptao realidade acarreta uma diminuio da

    ambivalncia e agresso, possibilitando a atuao dos impulsos reparadores. Logo,

    acaba por ser gradualmente eliminado o processo de recriminao e luto, resultante da

    posio depressiva.

    Segundo Klein, a posio depressiva est diretamente ligada a mudanas

    fundamentais na organizao libidinal infantil, uma vez que nessa fase que a criana

    est diante dos estgios preliminares do complexo de dipo. Apesar de os desejos

    genitais estarem tomando a cena, a libido oral ainda predominante. Porm, ocorre uma

    transferncia dos poderosos desejos orais do seio materno (exacerbados pela frustrao

    sentida em relao me) para o pnis paterno. Os desejos genitais da criana juntam-

    se aos orais, o que resulta numa relao no s oral como genital com o pnis do pai.

    Mas os desejos genitais tambm se dirigem me. Na verdade, o desejo infantil do

    pnis paterno estaria ligado ao cime da me, uma vez que a criana sente que a me

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    que recebe esse objeto desejado. As primeiras angstias e os sentimentos de culpa da

    criana seriam resultado dos impulsos agressivos relacionados ao conflito edpico:

    A anlise de crianas pequenas revela que o conflito edpico se estabelece j na segunda metade do primeiro ano de vida e que a criana comea simultaneamente a modific-lo e a edificar o seu superego. (1932: 30)

    Nas primeiras etapas do desenvolvimento edpico encontram-se desejos de

    procedncias vrias, que se dirigem tanto a objetos totais como parciais. No incio, os

    pais so vistos como absolutamente fundidos. Mas com a crescente possibilidade de

    uma ligao mais realista com os pais, as primitivas figuras paterna e materna

    combinadas do lugar a pessoas separadas uma da outra. Nessa combinao da fase

    edpica com os processos prprios da posio depressiva, o medo de perder a me

    colabora para a exigncia de substitutos, o que faz com que a criana se volte para o pai.

    Os novos conflitos passam a surgir portanto em relao a duas pessoas, ambas amadas e

    odiadas.

    A capacidade de resolver esses conflitos faz parte do processo de modificao

    da ansiedade, que percorre o primeiro e vai at o segundo ano de vida da criana:

    Uma pr-condio do desenvolvimento normal que, na interao da regresso e progresso, sejam mantidos os aspectos fundamentais do progresso j alcanado. Por outras palavras, que o processo de integrao e sntese no seja perturbado fundamentalmente nem permanentemente. Se a ansiedade for modificada de um modo gradual, a progresso estar destinada a dominar a regresso e, no curso da neurose infantil, ficam estabelecidas as bases para a estabilidade mental. (1952: 250)

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    Porm, ao chamar a ateno para a importncia de no se perturbar o processo

    de integrao e sntese - mesmo que numa etapa mais avanada do desenvolvimento da

    criana e confrontando essa influncia com o espao interno dos objetos -, Klein no

    estaria aceitando de alguma forma a influncia do ambiente?

    As contribuies tericas de Klein a respeito do primeiro ano de vida da criana

    foram de fundamental importncia para o desenvolvimento da psicanlise infantil. Mas

    to importante quanto a teoria desenvolvida, foi a tcnica que a analista utilizou.

    Passamos portanto a analisar suas observaes a respeito dessa tcnica.

    A incapacidade da criana de associar livremente tornou necessria a procura de

    uma tcnica que permitisse o acesso ao seu inconsciente. Levando em considerao que

    crianas muito pequenas, com seu vocabulrio muito restrito, tm dificuldades de se

    comunicar, a tcnica do brincar de Klein tornou a anlise dessas pequenas crianas

    possvel.

    A tcnica psicanaltica atravs do brinquedo teve incio quando Klein,

    realizando o tratamento de Rita, uma criana de dois anos e meio, na casa da prpria

    paciente, viu-se interpretando o significado das fantasias e ansiedades que a paciente

    expressava ao brincar com seus brinquedos.

    Tomando como tarefa principal do mtodo psicanaltico a investigao do

    inconsciente e acreditando que a anlise da transferncia o meio para se atingir essa

    meta, Klein permitiu-se estar ao lado da criana observando-a em seu brincar, e

    compreend-la atravs desses conceitos, sempre partindo de seus pressupostos bsicos,

    ou seja, de que o mundo interno, com suas primeiras representaes de objeto,

    organizam o funcionamento da subjetividade.

    Entretanto, a partir da anlise de Rita, Klein decidiu-se por realizar o tratamento

    de crianas em consultrio, e no mais na casa da famlia da criana. Freqentemente os

  • 26

    pais de Rita se manifestavam em relao analista, o que interferia no processo; por

    outro lado, a criana, lidando com os seus prprios brinquedos, no sentia que tinha seu

    espao prprio fora do crculo familiar. Foi ento que Klein deu o passo definitivo no

    desenvolvimento da tcnica pelo brinquedo , ao constatar que:

    A situao de transferncia - a espinha dorsal do processo psicanaltico - pode apenas se estabelecer e se manter se o paciente capaz de sentir que o consultrio ou a sala de brinquedo, na verdade, toda a anlise, algo separado de sua vida domstica corrente. (1953: 29)

    Diante da possibilidade de ter que lidar com os pais de sua paciente, a

    psicanalista imediatamente reconsiderou sua tcnica e decidiu abrir um outro espao

    para a criana, onde sua realidade externa no estivesse to presente. Essa sua atitude

    evidencia a pouca importncia que dava ao papel dos pais em seu trabalho.

    Aps essa experincia, Klein, j atendendo em sua casa, mas ainda sem utilizar

    brinquedos, tomou a iniciativa de incluir uma caixa com vrios brinquedos na sala,

    procurando modificar a postura indiferente e retrada da sua ento paciente, de sete anos

    de idade. Percebeu que a criana interessou-se pelos pequenos objetos e comeou a

    brincar. A partir desse episdio, Klein passou a considerar a presena de brinquedos

    essencial para anlise de crianas. Desde ento, os brinquedos e o jogo passaram a ser

    parte integrante do trabalho analtico com crianas.

    Foram as fantasias das crianas, seus desejos e vivncias atravs de jogos e

    brinquedos, isto , suas expresses simblicas, que serviram de fundamento para a

    elaborao de uma tcnica diferente da tcnica do adulto. Nessa tcnica, as associaes

    livres eram substitudas por jogos.

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    Klein era veemente em afirmar que a diferena entre anlise de criana e anlise

    de adulto era de tcnica e no de princpios, e acreditava que a anlise infantil levava

    aos mesmos resultados que a de adultos. Os mesmos processos como transferncia ou

    represso so trabalhados nos dois tipos de anlise:

    A anlise da situao transferencial e das resistncias, a remoo das amnsias infantis e dos efeitos da represso, assim como a revelao da cena primria, fazem parte da anlise ldica. (1932: 39)

    A escola kleiniana no s considera que a criana tem capacidade de

    transferncia espontnea como tambm recomenda que o analista deve interpretar tanto

    a transferncia positiva como a negativa desde o primeiro momento, porm evitando se

    apresentar como educador. nesse ponto que Klein apresenta claramente suas

    diferenas em relao a Anna Freud. Klein tinha muito cuidado em se apresentar como

    uma analista que no tivesse nenhuma caracterstica pedaggica: suas principais

    interpretaes eram interpretaes transferenciais.

    Sabemos, porm, que a interpretao da transferncia negativa tem como

    resultado uma enorme melhora nas relaes afetivas da criana com seus pais. Isso

    ocorre porque desmistificam-se os aspectos negativos das relaes emocionais, alm

    dessa interpretao servir tambm como uma elaborao.

    Contrariamente ao que se supunha em sua poca, Klein acreditava que a

    psicanlise infantil poderia fortalecer o ego da criana, ajudando-a a desenvolv-lo.

    Como resultado, haveria um alvio da carga excessiva do superego, que pressiona o ego

    de uma forma muito rigorosa nas crianas. De fato, atravs de suas experincias com

    crianas de todas as idades, Klein percebe ser difcil atenuar a severidade do

    superego (1932: 21). Assim, para que se possa penetrar nas razes da severidade do

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    superego, o analista no deve preferir nenhum papel e sim aceitar aquele que a situao

    analtica com a criana lhe oferece.

    Quanto aos questionamentos que eram feitos a respeito das possibilidades

    negativas do entendimento das interpretaes pela criana, Klein manifesta uma certeza

    absoluta sobre as capacidades intelectuais infantis.

    Nessa proposta kleiniana, atravs da tcnica ldica a anlise pode exercer uma

    influncia radical no desenvolvimento da criana, uma vez que acessa as fixaes e

    experincias mais profundamente reprimidas da criana, responsveis pela perturbao

    do curso natural de seu desenvolvimento.

    A partir da nossa prtica particular, podemos verificar que na anlise infantil a

    interpretao atravs do brincar muito eficaz, o que pode ser constatado pela rpida

    mudana de comportamento da criana em anlise.

    O que chama a ateno na teoria de Klein a contradio entre a teoria das

    relaes objetais, que pressupe a relao com o outro, e a nfase que a autora d

    constituio da subjetividade a partir de aspectos inatos. Nesse sentido, poderamos nos

    perguntar at que ponto Klein fazia questo de negar a influncia do ambiente na

    formao psquica do ser humano porque tinha que ser coerente com a defesa da teoria

    do instinto de vida e instinto de morte.