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DESIGN [email protected] Organização País Produto Melhor prática Cooperativa Grande Sertão Brasil Polpas de frutas Gerando benefícios socioeconômicos pela conservação da natureza

Melhor prática Gerando benefícios socioeconômicos pela ... · O bioma possui ainda grande capacidade de estoque de biomassa e fixação de carbono, e abriga um grande número de

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Organização

País

Produto

Melhor prática

Cooperat iva Grande Sertão

Brasi l

Polpas de frutas

Gerando benef íc ios socioeconômicos pela conservação

da natureza

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A História da Cooperativa Grande Sertão

Gerando benefícios socioeconômicos

pela conservação da natureza

Igor Simoni Homem de Carvalho

T h i s d o c u m e n t h a s b e e n r e a l i s e d w i t h s u p p o r t f r o m A FA D , P S O , S o l i d a r i d a d / G D F a n d U N D P / G E F.

V i s i t f o r m o r e i n f o r m a t i o n t h e w e b s i t e w w w. p r o g r e s o n e t w o r k . o r g

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INDICE

� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

4

7

11

15

24

27

31

33

n SUMÁRIO

1 A REALIDADE DA COOPERATIVA GRANDE SERTÃO

2 COMO TUDO COMEÇOU

3 NO CAMINHO

4 O QUE FOI ALCANÇADO

5 LIÇÕES ÚTEIS

n ANEXO 1: LISTA DE ABREVIAÇÕES

n ANEXO 2: BIBLIOGRAFIA

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� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

SUMÁRIO

n País:Brasil

n Organização:CooperativaGrandeSertão

n Produto:Polpasdefrutas

n Melhorprática:Gerandobenefíciossocioeconômicospelaconservaçãodanatureza

No Brasil, existe uma organização de agricultores familiares chamada Cooperativa Grande Sertão.

Dentre os produtos da Grande Sertão, destacam-se as frutas oriundas de cultivos agroecológicos

e do manejo da vegetação nativa. A produção envolve cerca de mil famílias de agricultores fa-

miliares da região. Assim, a Cooperativa Grande Sertão vem contribuindo significativamente para

a melhoria de vida da população local e, ao mesmo tempo, para a conservação dos recursos

naturais.

ArealidadedaCooperativaGrandeSertão

A Grande Sertão localiza-se na meso-região conhecida como Norte de Minas (estado de Minas

Gerais, região Sudeste). O Norte de Minas apresenta um mosaico de ecossistemas, marcado pelo

encontro entre dois grandes biomas do Brasil: a Caatinga e o Cerrado.

Habitam esta região, há cerca de três séculos, populações rurais que desenvolveram sistemas

agrícolas adaptados aos ecossistemas locais, utilizando sustentavelmente seus recursos. A che-

gada do “desenvolvimento econômico” ao Norte de Minas, principalmente a partir da década de

1970, é marcada pela implantação de grandes monoculturas de eucalipto. Tal processo excluiu os

povos tradicionais, que passaram a sofrer diversos impactos socioambientais.

Comotudocomeçou

O início dos trabalhos que deram origem à Grande Sertão pode ser identificado em meados da

década de 1980, com a fundação do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-

NM). Desde então, o CAA-NM vem trabalhando no sentido de organizar os agricultores e agri-

cultoras da região, fortalecendo suas formas de participação política, valorizando sua cultura e

incentivando práticas agroecológicas.

Na primeira fase da Grande Sertão, deu-se a articulação, a apropriação da tecnologia e o início

da comercialização. Esta fase começa em 1995, quando se iniciou a construção da fábrica de pol-

pas de frutas próximo à cidade de Montes Claros. Destaca-se, desde o início, a coleta de frutas

dos agroecossistemas tradicionais.

A segunda fase é de aperfeiçoamento tecnológico, organizativo e comercial, cujo marco principal

é a formalização do empreendimento, com a criação de uma micro-empresa e a inserção de

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seus produtos no mercado formal. Já a terceira fase é a de consolidação, marcada pela fundação

da Cooperativa propriamente dita.

Nocaminho

A Grande Sertão recebeu diversos apoios de organizações de assessoria, do governo e da coo-

peração internacional. Essas parcerias foram fundamentais para que se alcançasse os resultados

atualmente verificados.

O trabalho da Cooperativa Grande Sertão envolve atualmente cerca de 1500 famílias da região

norte de Minas Gerais, que residem em aproximadamente 150 comunidades distribuídas por

mais de vinte municípios diferentes. Esses números vêm aumentando a cada ano.

Das 16 espécies utilizadas para a produção de polpas congeladas, oito são nativas dos ecos-

sistemas locais, pertencentes aos biomas Caatinga e Cerrado. Além das polpas de frutas, a

Cooperativa vem trabalhando com outros produtos alimentícios tradicionais da região, como mel,

derivados da cana, sementes crioulas e oleaginosas.

Oquefoialcançado

Os agricultores envolvidos nos trabalhos da Cooperativa Grande Sertão têm assumido um papel

ativo na luta pela conservação dos recursos naturais do Norte de Minas. O êxito na organização,

na produção, na comercialização e na geração de renda vem proporcionando esse sucesso.

A Grande Sertão já processou cerca de mil toneladas de frutas, chegando à produção de apro-

ximadamente 500 toneladas de polpas congeladas. Gerou, até o momento, uma renda média

de R$ 50,00/família/ano (equivalente a cerca de US$ 25,00), para cerca de mil famílias. Alguns

agricultores, contudo, chegaram a obter quase R$ 3 mil (cerca de US$ 1,5 mil) em uma só safra.

Renda bastante significativa para a zona rural do Norte de Minas.

Na medida em que as árvores frutíferas adquirem valor econômico, as populações que delas

usufruem passam a protegê-las. Seja por meio do plantio para recuperação de áreas degradadas,

ou pelo manejo sustentável dos ecossistemas remanescentes. Ou, ainda, pela luta política em

prol da proteção e recuperação das áreas de coleta extrativa e de seus territórios.

O trabalho da Grande Sertão vem gerando impactos positivos nas diversas comunidades envol-

vidas, sendo exemplos notáveis as comunidades de Abóboras, Água Boa, Vereda Funda e os

assentamentos Americana e Tapera.

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Liçõesúteis

Dentre as lições úteis, destacam-se a importância da organização das comunidades envolvidas,

da produção e da comercialização. A conservação ambiental está sendo possível devido ao êxito

nesses aspectos, principalmente pela valorização das espécies nativas, por meio do aproveita-

mento sustentável de seus frutos.

É imprescindível considerar também a luta das comunidades por seus direitos, principalmente

pelos territórios que tradicionalmente ocupam. Na medida em que as populações tradicionais do

Norte de Minas se fortalecem politicamente e economicamente, elas contribuem para um mode-

lo de desenvolvimento mais eqüitativo e sustentável.

Assim, a Grande Sertão vem demonstrando, na prática, que é possível haver desenvolvimento

social e econômico com a conservação dos recursos naturais. A geração de renda aos agriculto-

res, bem como a valorização da cultura tradicional, vem elevando a auto-estima das comunida-

des. E, assim, a população da região, cada vez mais, passa a protagonizar a luta por um projeto

social, político e econômico mais justo e ambientalmente equilibrado.

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1A meso-região Norte de Minas (Figura 1) abriga quase 1,5 milhão de habitantes, espalhados por

cerca de 128 mil km². Montes Claros é a maior cidade da região, com cerca de 340 mil habitan-

tes. A maior parte da população dos outros municípios é rural, e os próprios aglomerados urba-

nos são compostos por pessoas oriundas das áreas rurais. O Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) do Norte de Minas é de 0,691, abaixo da média brasileira, que é de 0,792.

A região começou a ser povoada há pelo menos 10 mil anos, por populações indígenas que se

espalharam pelas matas e savanas da América do Sul. Desde então, esses povos desenvolveram

habilidades para sobreviver nos ambientes da Caatinga e do Cerrado. Esses dois biomas com-

põem a paisagem do Norte de Minas, e apresentam duas estações bem definidas ao longo do

ano: uma seca e outra chuvosa.

A REALIDADE DA

COOPERATIVA GRANDE SERTÃO

Figura 1 —Localização da meso-região Norte de Minas no Estado de Minas Gerais (MG), Brasil. No destaque, são mostrados os limites dos 89 municípios da região, sendo aqueles pintados os principais de atuação da Cooperativa Grande Sertão.

Brasilia

Brasil

100 km

MGPorteirinha

Montes Claros

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1.1 ACaatinga

A Caatinga ocupa grande parte da porção nordeste do Brasil, e é composta por matas secas e

formações arbustivas, em geral espinhentas. É uma das regiões mais populosas do país, com

cerca de 20 milhões de habitantes, a maioria habitantes da zona rural.

A disponibilidade de recursos hídricos é pequena, principalmente devido aos longos períodos de

seca, que podem durar mais de oito meses. É ainda a região com o mais baixo índice de desen-

volvimento humano (IDH) do Brasil. A principal fruta da Caatinga aproveitada para alimentação é

o umbu (Spondias tuberosa). Grandes projetos econômicos, como os de fruticultura irrigada, vêm

promovendo um crescimento econômico desigual na região, causando fortes impactos sociais e

ambientais negativos.

1.2 OCerrado

O Cerrado é a savana mais rica em biodiversidade do planeta, e ocupa quase 25% do território

brasileiro. O bioma abriga nascentes de três das grandes bacias da América do Sul: Amazonas,

Prata e São Francisco. Sua vegetação nativa desempenha papel fundamental na preservação des-

sas bacias, pois permite que a água da chuva infiltre no solo e abasteça os lençóis freáticos.

O bioma possui ainda grande capacidade de estoque de biomassa e fixação de carbono, e abriga

um grande número de plantas medicinais e frutíferas, como o pequi (Caryocar brasiliense).

Grandes monocultu-ras, como de soja e eucalipto, vêm sendo implantadas nas áreas do bioma,

causando diversos problemas sociais e ambientais na região.

Apesar de parecerem pobres em recursos naturais, principalmente quando visitados na época de

seca, esses dois biomas ofereciam uma infinidade de produtos animais e vegetais para as popu-

lações que os habitavam. A enorme disponibilidade de frutos, animais de caça, plantas medici-

nais e outros recursos possibilitaram o seu povoamento por um grande número de comunidades.

Aspecto da Caatinga Cerrado do Areão, Rio Pardo de Minas

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1.3 AspopulaçõestradicionaisdoNortedeMinas

Com a chegada dos colonizadores europeus, a partir do século XVI, essa história começou a

mudar. Dos indígenas que viviam no Norte de Minas, muitos fugiram para terras mais a oeste,

em busca da paz roubada pelo ímpeto dominador dos homens recém-chegados.

Parte da população nativa, por outro lado, ficou na região e se misturou com os negros e bran-

cos que também aí foram fixando moradia. Dessa forma, o conhecimento sobre a utilização dos

recursos naturais disponíveis foi sendo transmitido, e as diferentes culturas se fundiram para for-

mar o que hoje chamamos de populações tradicionais do Norte de Minas.

Tal formação sócio-cultural originou diferentes grupos étnicos, que hoje são conhecidos por: n Geraizeiros, que habitam as áreas de Cerrado.n Caatingueiros, que habitam as áreas de Caatinga.n Quilombolas, comunidades negras.n Vazanteiros, habitantes das margens do rio São Francisco.n E os indígenas Xacriabás.

Estas populações tradicionais conviveram com os ecossistemas do Cerrado e da Caatinga por três

séculos, dependendo quase que integralmente dos recursos naturais disponíveis. Assim, desen-

volveram técnicas de cultivo, manejo e criação que se mostravam adaptadas aos ciclos naturais.

O aproveitamento dos frutos nativos se inseriam de maneira significativa em suas estratégias de

sobrevivência.

Habitantes tradicionais do Norte de Minas

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1.4 O“desenvolvimento”chegaaoNortedeMinas

A partir da década de 1970, o Norte de Minas começou a passar por mais uma transformação,

dessa vez ainda mais brusca. A chegada dos grandes projetos capitalistas, liderados pelo go-

verno militar junto a grandes empresas nacionais e estrangeiras, trouxe para a região o que se

chama comumente de “desenvolvimento”.

Vastas porções de terra passaram a ser reivindicadas por estes “desbravadores”, para que nelas

fossem instaladas grandes plantações, principalmente de eucalipto. O território, antes ocupado

por comunidades basicamente rurais e auto-suficientes, passou a abrigar também cidades maio-

res, e a se relacionar com mais força aos grandes centros urbanos do Brasil e do mundo.

Por um lado, a economia da região cresceu, gerando renda e melhorias de vida para parte da

população. Mas, por outro lado, as comunidades rurais passaram a ter maiores dificuldades em

acessar os recursos naturais dos quais sempre dependeram. Em muitos locais, o solo e a água

viraram propriedade de pessoas e empresas de fora. Os desmatamentos fizeram escassear os

frutos e a caça, outrora abundantes. E toda essa pressão fez com que muitos moradores tradicio-

nais abandonassem suas terras em busca de melhor sorte.

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2Os agricultores do Norte de Minas começaram, então, a se organizar para lutar por melhores

condições de vida. Já na década de 1970, com o apoio de organizações ligadas à igreja (como

as Pastorais e as Comunidades Eclesiais de Base), foram criados os Sindicatos de Trabalhadores

Rurais (STRs), e a população começou a adquirir maior consciência política. Foi nesse contexto

em que surgiu, em 1986, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM).

O CAA-NM foi fundado por agricultores familiares, técnicos, organizações sociais e lideranças

locais unidos em torno da preocupação com o modelo de desenvolvimento que estava sendo

implantado no Norte de Minas. Sua principal missão é contribuir para um desenvolvimento que

beneficie diretamente a população da região, pela valorização de sua cultura e dos recursos na-

turais.

Por meio da articulação do CAA-NM com associações comunitárias, STRs e também com organi-

zações de cooperação nacionais e estrangeiras, uma proposta de desenvolvimento com o prota-

gonismo das comunidades norte-mineiras começou a se tornar realidade.

Desde sua fundação, o CAA-NM passou a captar recursos e apoios para colocar sua proposta em

prática. O primeiro apoio recebido pelo CAA-NM veio de uma empresa pública. Em seguida, di-

versas organizações não-governamentais, nacionais e internacionais, a maioria ligadas à igreja,

apoiaram a organização no cumprimento de seus objetivos (Tabela 1).

Tabela 1 —Primeiros apoios recebidos pelo CAA-NM

Organizações apoiadoras Tipo de apoio Ano

Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)

(empresa pública vinculada ao

Ministério da Ciência e Tecnologia)

Primeiro apoio institucional 1987

Federação de Órgãos para Assistência

Social e Educacional (FASE)

Apoio na articulação 1987

Misereor Apoio institucional 1988

Pão Para o Mundo (PPM), Coordenadoria

Ecumênica de Serviço (CESE), HEKS (Suíça),

Cáritas, Instituto Marista de Solidariedade

(IMS), W.K.Kellog Foundation, Interamerican

Foundation (IAF).

Apoio institucional Década

de 1990

Logo percebeu-se a importância de se incentivar alternativas de produção e comercialização que

fossem adequadas à realidade dos agricultores familiares. Dessa forma, os cultivos agroecológi-

cos, o extrativismo sustentável e as feiras livres se apresentavam como alternativas promissoras.

Porém, era preciso mais. Era preciso que a cultura e a biodiversidade do Norte de Minas entrasse

COMO TUDO COMEÇOU

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com mais vigor nos mercados e na vida da sociedade como um todo. Assim, começou o empre-

endimento Grande Sertão.

A história da Grande Sertão pode ser divida em três fases. Na primeira, deu-se a articulação com

os agricultores, a apropriação da tecnologia de beneficiamento de frutas e o início da comerciali-

zação. Na segunda, ocorreu o aperfeiçoamento tecnológico, organizativo e comercial, e a forma-

lização jurídica. Já a terceira fase foi a de consolidação, marcada pela fundação da Cooperativa

propriamente dita.

2.1 Primeirafase

—articulação,apropriaçãodatecnologiaeiníciodacomercialização

Estudos realizadas pelo CAA-NM em meados da década de 1990 identificaram que a disponibili-

dade de frutos na região ainda era grande, apesar da degradação ambiental crescente. Foram re-

alizadas também pesquisas de mercado para as polpas de frutas, que mostraram que, no Brasil,

oito grandes empresas dominam este setor, sendo responsável por cerca de 90% do mercado

formal. Aos pequenos empreendimentos do ramo, restam o mercado informal e o pequeno co-

mércio varejista, que representam em torno de 35% da movimentação nacional do produto.

Mesmo assim, concluiu-se que a comercialização de polpas de frutas, cuja matéria-prima seria

fornecida por agricultores familiares, poderia se tornar uma atividade econômica viável.

Em 1995, o CAA-NM começou a construir uma fábrica de polpas de frutas em sua fazenda ex-

perimental. Iniciou-se então a atividade produtiva que deu origem ao empreendimento Grande

Sertão.

Com o começo do funcionamento da fábrica, em 1997, iniciou-se a compra de frutas junto às

comunidades norte-mineiras. Manga, goiaba, tamarindo, cajá, acerola, abacaxi e maracujá são

frutas frequentemente encontradas nos quintais dos agricultores da região, e também em áreas

comunitárias. Panã, cagaita, coquinho-azedo, maracujá nativo, mangaba, araçá e umbu são fru-

tas suculentas nativas do Norte de Minas, secularmente utilizadas pelas populações locais.

Mulheres trabalham no beneficiamento das frutasPolpas de frutas congeladas da Grande Sertão

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Logo percebeu-se que era necessário um alto nível de organização dos fornecedores de frutas

para que o empreendimento desse certo. As comunidades interessadas em participar do projeto

se situavam em diferentes localidades, às vezes a centenas de quilômetros de distância umas

das outras. Mesmo em uma só comunidade, a dispersão entre os moradores fazia-se notável. Os

frutos nativos apresentavam-se ainda mais dispersos, por áreas às vezes inacessíveis.

Dessa forma, para fazer com que o aproveitamento dessa produção acontecesse, o CAA-NM

passou a investir mais ainda em organização e capacitação dos agricultores. Passou também a

incentivar, com mais intensidade, o plantio de espécies frutíferas, em consórcio com outros culti-

vos, nos chamados Sistemas Agroflorestais (SAF’s).

2.2 Segundafase:aperfeiçoamentotecnológico,organizativoecomercial

Já em 1998, identificou-se a necessidade de inserção dos produtos no mercado formal. Foi fun-

dada então a micro-empresa Grande Sertão Produtos Alimentícios Ltda. Nesse período, ocorreu

também a adequação da fábrica de polpas às normas sanitárias brasileiras.

Nos cinco primeiro anos de funcionamento, a Grande Sertão processou quase cem toneladas de

frutas, resultando na produção de quase 50 toneladas de polpas congeladas. A geração de renda

extra para agricultores familiares da região começou a se tornar uma realidade. Vale lembrar

que, para a maioria das frutas utilizadas, o único investimento necessário aos agricultores é a

coleta, não sendo preciso a preparação da terra, o plantio e a adubação, por exemplo.

A relação de confiança entre a Grande Sertão e os fornecedores de frutas começou a ser estabe-

lecida. Mesmo com atrasos no pagamento nos primeiros anos, devido principalmente à carência

de capital de giro, os agricultores logo viram que não se tratava de um empreendimento passa-

geiro. A Grande Sertão havia chegado para ficar.

A Grande Sertão assumiu também uma estratégia de elaboração de produtos diferenciados, com

apelo social, ecológico e cultural. Ademais, adotou sabores não disponíveis no mercado: os das

frutas nativas, produtos do extrativismo ainda não domesticados em escala comercial.

Mangaba, umbu, cagaita e panã, frutas nativas utilizadas pela Grande Sertão

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Em 2002, por meio da lei municipal de incentivo à implantação de indústrias, a Grande Sertão

foi beneficiada com a concessão de uso de um lote no distrito industrial de Montes Claros. Nesse

local foi construída a estrutura da central de armazenamento e distribuição de polpas, que abri-

gou também o escritório da Cooperativa. Somando-se à fábrica de polpas, já em funcionamento,

e à aquisição de veículos de carga, ia sendo formado seu patrimônio.

2.3 Terceirafase:consolidação

Cinco anos após a formalização do empreendimento, identificou-se que a constituição jurídica

como micro-empresa dificultava o acesso do conjunto de agricultores envolvidos, e mascarava o

caráter associativista das atividades. Foi decidido, então, pela substituição do modelo, iniciando-

se um processo de fortalecimento da organização e capacitação dos agricultores e agricultoras

para a criação de uma cooperativa.

Em junho de 2003, foi fundada então a Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrati-

vistas Grande Sertão Ltda. O empreendimento já havia conquistado a confiança dos agricultores

mais envolvidos, que se tornaram os primeiros 30 sócios. Contudo, cerca de 250 agricultores,

nesse momento, já participavam de alguma forma do empreendimento, e cerca de 130 tonela-

das de frutas já haviam sido transformadas em polpas congeladas e comercializadas no mercado

regional.

O aperfeiçoamento técnico e administrativo da Grande Sertão, com a contratação de um enge-

nheiro de alimentos e de um administrador, foi fundamental para sua profissionalização. Uma

estratégia de marketing, elaborada em 2005, também melhorou a identificação visual dos

produtos. Assim ia se fortalecendo o empreendimento dos agricultores familiares do Norte de

Minas.

n “ACooperativaGrandeSertãoeraaengrenagemqueestavafaltandoparafecharessa

cadeiadasustentabilidade,davalorizaçãoambiental.”

(MariadeLourdesSouzaNascimento,ConselheiraAdministrativadaGrandeSertão.)

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1� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

3É importante ressaltar que a criação da Cooperativa Grande Sertão foi fruto de um processo de

trabalho e organização de quase duas décadas, processo no qual o CAA-NM foi o principal agente

animador. Contudo, as atividades organizativas e produtivas que resultaram diretamente no em-

preendimento Grande Sertão foram apoiadas também por diversas organizações, a partir de arti-

culações feitas principalmente pelo CAA-NM. As principais parcerias estão listadas na Tabela 2.

Tabela 2 —Alguns dos principais apoios recebidos pela Cooperativa Grande Sertão

Parceiro Nome do Programa ou Projeto Valor Ano(s)

Companhia Nacional de

Abastecimento (CONAB)

Programa de Aquisição de

Alimentos (PAA)

R$ 2,6 milhões

em compras

de produtos da

Grande Sertão

Desde 2004

Agência Implementadora CONAB

(Estudo do impacto do PAA no

Norte de Minas)

R$ 135 mil 2006

HEKS (Cooperação das Igrejas

Protestantes da Suíça)

Fortalecimento das Populações

Tradicionais Quilombolas e

Geraizeiras do Norte de Minas

R$ 240 mil 2005-2008

GEF/PNUD/ISPN (Global

Environment Facility/ Programa

das Nações Unidas para o Desen-

volvimento/ Instituto Sociedade,

População e Natureza)

Programa de Pequenos Projetos

Ecossociais (PPP-ECOS) [Small

Grants Programme (SGP)]

R$ 300 mil (total

de cinco apoios

ao CAA-NM e à

Grande Sertão)

1995-2007

Fundação Banco do Brasil (FBB) Beneficiamento e Comercialização

da Produção Agro-Extrativista no

Semi-Árido Norte Mineiro

R$ 125 mil Desde 2006

Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA)

Pronaf -Território (Programa Nacio-

nal de Apoio à Agricultura Familiar)

R$ 150 mil 2004-2007

ATER/AMA (Assistência Técnica e

Extensão Rural/ Articulação Mineira

de Agroecologia)

R$ 260 mil 2005-2006

Ministério do Desenvolvimento

Social (MDS)

AGRO-MDS – Estratégia de

Reconstrução Agroalimentar de

Comunidades Tradicionais no

Semi-árido Mineiro

R$ 300 mil 2005- 2006

Fundo Brasileiro para a

Biodiversidade (Funbio)

Programa Integrado de

Conservação e Uso Sustentável

da Biodiversidade (Picus)

R$ 150 mil 1995-2003

Petrobras – Fome Zero Inserção da Agricultura Familiar no

Arranjo Produtivo da Cadeia de

Biocombustíveis no Norte de Minas

R$ 2,5 milhões 2007-2008

NO CAMINHO

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1� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

Além desses apoios, outras parcerias estabelecidas pelo CAA-NM também contribuíram ou con-

tribuem com as atividades da Grande Sertão. Dentre esses outros parceiros, vale mencionar o

Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),

a Cooperação Italiana, a ActionAid e Universidades de Montes Claros. Destaca-se também que as

parcerias locais, estabelecidas com os STRs, Associações Comunitárias e outras organizações de

base, são fundamentais ao trabalho da Cooperativa.

Uma descrição mais profunda da atual organização, produção e relações externas encontra-se

a seguir.

3.1 Organização

Até 2006, a atuação da Cooperativa envolvia 21 municípios, englobando quase 150 comunida-

des e cerca de 1500 famílias, números que vêm aumentando progressivamente. Os municípios

envolvidos se distribuem por quatro territórios diferentes: Montes Claros, Ibiracatu-Varzelândia,

Grão Mogol-Alto Rio Pardo e Serra Geral (Figura 2).

A estrutura de gestão da Cooperativa leva em consideração a diversidade das dinâmicas ter-

ritoriais e logísticas das comunidades envolvidas. Vale lembrar os diferentes grupos étnicos

– Geraizeiros, Caatingueiros, Quilombolas, Vazanteiros, Xacriabás – envolvidos nas atividades da

Grande Sertão, cada um com suas especificidades.

Dessa forma, cada Núcleo Territorial conta com um grupo de lideranças que são responsáveis

pela sensibilização, mobilização e pelo fluxo de informação entre a admininstração e a base

Figura 2 —Localização dos diferentes Núcleos Territoriais da Cooperativa Grande Sertão no Norte de Minas

Montes Claros

Grão Mogol - Alto Rio Pardo

Serra GeralIbiracatu -

Varzelândia

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(Figura 3). Essas lideranças em geral são sócios da Grande Sertão ou mobilizadores designados,

que atuam para facilitar a logística de entrega dos frutos pelos agricultores e o acompanhamen-

to técnico e organizativo nas comunidades.

Os Núcleos Territoriais têm a função de discutir as questões específicas, amadurecê-las e apre-

sentá-las ao Conselho de Administração ou à Assembléia Geral. Periodicamente estes agriculto-

res e agricultoras se reúnem em um fórum especifico – o Fórum de Agricultores – para socializar

informações e subsidiar o processo de tomada de decisões da Cooperativa. A Equipe Técnica da

Cooperativa recebe ainda a assessoria do CAA-NM.

A Cooperativa conta também com uma estrutura central, na qual a instância suprema é a

Assembléia Geral, composta por seus associados. Em sua Assembléia mais recente, o número de

cooperados subiu de 41 para 52. Os sócios são, em geral, lideranças comunitárias, e estabelecem

o elo de suas micro-regiões com a administração central da Cooperativa.

Para que um(a) agricultor(a) se torne um(a) sócio(a), é necessário que participe de cursos de

formação e capacitação em cooperativismo e, ainda, seja adepto de práticas agroecológicas.

Deve também ser indicado por outros cooperados, para que seu nome possa ser aprovado na

Figura 3 —Modelo de organização da Grande Sertão, onde cada território compõe um núcleo e se comunica com a Administração Central por meio das lideranças

Argricultores

NúcleoMontes Claros

NúcleoGrão Mogol - Alto Rio Pardo

NúcleoSerra Geral

NúcleoIbiracatu - Varzelândia

Argricultores

Argricultores Argricultores

Mobilizadores,cooperados

Mobilizadores,cooperados

Mobilizadores,cooperados

Administração

Mobilizadores,cooperados

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1� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

Assembléia Geral. Ou seja, para se tornar um sócio, não basta o agricultor estar ligado apenas

economicamente à Cooperativa, se não tiver uma afinidade político-ideológica e disposição para

assumir as responsabilidades que lhe cabe.

Vale mencionar que há uma desconfiança generalizada sobre cooperativas no meio rural brasi-

leiro. Isso porque, nas últimas décadas, várias cooperativas foram criadas e logo faliram, devido

a falta de formação para o cooperativismo, à ausência de uma produção coletiva consolidada,

à má gestão e à corrupção. Portanto, somente um empreendimento sólido, que conte com a

confiança de sua base produtiva e com a dedicação de seus sócios, pode ter êxito como uma

cooperativa.

A organização da Grande Sertão, em íntima associação com o trabalho do CAA-NM e com as or-

ganizações de base do Norte de Minas, vem dando origem ao que tem sido chamado de “Rede

Sócio-Técnica”. Essa rede tem como princípio fundamental o casamento dos saberes tradicionais

com os saberes técnico-científicos, e a valorização dos agricultores enquanto multiplicadores de

práticas e conhecimentos agroecológicos. A Rede Sócio-Técnica desdobra-se ainda na produção,

constituindo unidades produtivas descentralizadas e compondo uma rede de empreendimentos

da agricultura familiar no Norte de Minas.

Assembléia

Geral

Fórum de Agricultore

Conselho Administrativo

Conselho Fiscal

Secretário Vice-TesoureiroVice-Presidente

Presidente Tesoureiro

DireçãoExecutiva

Equipe Técnica Grande Sertão

Assessoria Técnica CAA-NM

Núcleos Territoriais

Figura 4 —Organograma da administração central da Cooperativa Grande Sertão, mostrando também os espaços e atores que complementam a gestão do empreendimento

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1� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

3.2 Produção

A principal atividade produtiva da Grande Sertão é a produção de polpas integrais congeladas de

frutas. As frutas são adquiridas de cerca de mil famílias de quase 150 comunidades diferentes. Já

processou, desde 1998, cerca de mil toneladas de frutas, chegando à produção de cerca de 500

toneladas de polpas congeladas.

Cerca de 74% das frutas processadas são provenientes dos quintais e de cultivos agroecológicos:

abacaxi, acerola, cajá, caju, goiaba, jabuticaba, manga, maracujá, seriguela e tamarindo. Os

outros 26% são de frutas nativas, provenientes dos ecossistemas da Caatinga e do Cerrado. As

polpas congeladas podem ser vistas em suas embalagens de varejo na. A evolução do volume

de frutas processadas entre as safras de 1998/99 2006/07 pode ser vista no Gráfico 1.

No caso das frutas do Cerrado, nota-se uma grande irregularidade nas quantidades entregues

à Cooperativa, conforme verifica-se no Gráfico 2. Isso pode ser explicado por diversos motivos,

como: n Não há precedentes de aproveitamento em larga escala da maioria desses frutos, que às

vezes se encontram em áreas remotas e inacessíveis, e exigem um alto nível de organização

das comunidades.n Existe uma variação natural na produtividade das plantas, ano a ano. Isso é nítido nos casos

da mangaba e cagaita, que alternam anos produtivos com anos sem produção alguma.n O fogo, muito utilizado na região para renovar os pastos, também prejudica a safra dos frutos

do Cerrado.n Algumas pragas e doenças, pouco conhecidas pela ciência e mesmo pelo conhecimento popu-

lar, vêm afetando a produtividade de alguns dos frutos.n E, ainda, os rebanhos bovinos podem atrapalhar a produção de alguns frutos. Flores e frutos

do coquinho-azedo, por exemplo, são apreciados pelo gado.

0

50

100

150

200

250

19981999

300

Evolução do volume de frutas entregues à Cooperativa Grande Sertão

Safra

Toneladas20052006

20042005

20032004

20022003

20012002

20002001

19992000

20062007

Gráfico 1 —Evolução do volume de frutas entregues à Grande Sertão

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20 Cooperativa Grande Sertão —Brasil

Para minimizar os problemas que afetam a produção dos frutos do Cerrado, a Grande Sertão e

o CAA-NM vêm desenvolvendo algumas ações junto às comunidades. Dentre elas, destaca-se a

elaboração de planos de manejo para suas áreas, onde deve-se evitar o uso do fogo e a entrada

de gado nos locais de extrativismo. Ademais, vem-se incentivando o plantio dessas espécies na-

tivas nos quintais e em áreas mais acessíveis aos agricultores.

Além das frutas utilizadas para a produção de polpas, a Cooperativa trabalha com outros produ-

tos: pequi, mel, derivados da cana, sementes crioulas e farinha de mandioca.

O pequi (Caryocar brasiliense) é uma fruta típica do Cerrado, e um tradicional item da culinária

regional, utilizado principalmente no preparo do arroz e na produção de óleo. Com o pequi, foi

gerada, de 2002 a 2006, uma renda total de mais de R$ 90 mil aos extrativistas. O beneficia-

mento do pequi tem sido realizado de forma mais descentralizada, com a construção de unida-

des comunitárias.

A apicultura é uma atividade produtiva que pode ser desempenhada em áreas de vegetação na-

tiva. Inclusive, quanto mais diversa for a florada visitada pelas abelhas, melhor será a qualidade

do mel. Em 2006, a Grande Sertão comercializou cerca de 20 toneladas de mel.

Os derivados da cana-de-açúcar incluídos nas atividades da Grande Sertão são a rapadura, o

açúcar mascavo e a cachaça. A cana produzida pelos agricultores, em sistemas agroecológicos,

também está em consonância com a proposta de conservação ambiental. Em 2006, foram co-

mercializadas cerca de 50 toneladas de rapadura.

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

20022003

12.000

Entregas de frutos do Cerrado para a Cooperativa Grande Sertão

Safra

KG2006 2007

20052006

20042005

20032004

14.000

Coquinho-azedo

Mangaba

Gagaita

Panã

araçá

Maracujá nativo

Gráfico 2 —Entregas de frutos do Cerrado à Grande Sertão

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21 Cooperativa Grande Sertão —Brasil

A Grande Sertão trabalha também com sementes crioulas de milho, arroz, feijão e sorgo.

Campos experimentais de sementes estão sendo implantados em diversas comunidades, visan-

do garantir a auto-suficiência, a conservação de diferentes variedades e o manejo agroecológico

da produção.

A Cooperativa vem ainda buscando ampliar seu leque de produtos. Já realizou testes, por exem-

plo, com mais três espécies nativas para a produção de polpas. E, a partir de 2007, está se

inserindo na cadeia produtiva do biodiesel, pela qual fornecerá matéria-prima para a Petróleo

Brasileiro S/A (Petrobras). Dessa forma, ampliam-se as possibilidades de geração de renda aos

agricultores da região, e aumenta-se a agrobiodiversidade no meio rural.

O transporte é o principal fator que eleva os custos das atividades produtivas da Cooperativa,

pois as matérias-primas se encontram dispersas em mais de cem comunidades. Esse custo é

ainda maior no que se refere aos frutos nativos, que às vezes se encontram em áreas de difícil

acesso.

Uma das ações empreendidas para diminuir essa dificuldade é a construção da nova unidade

de beneficiamento da Cooperativa, em Porteirinha-MG, que começará a funcionar já na safra

2007/2008. Ela possibilitará um aumento na produção e uma redução nos custos de transporte,

pois se encontra próxima de um grande número de comunidades fornecedoras de produtos da

Grande Sertão.

3.3 Comercialização

Inicialmente, a Grande Sertão trabalhou na busca pelo acesso aos mercados varejistas (p.ex.,

lanchonetes e padarias), conquistando uma clientela significativa no setor. Também se inseriu no

chamado mercado institucional – escolas, creches, hospitais, asilos etc. – via negociação direta

com as entidades e prefeituras.

Mas o maior salto na produção e comercialização da Cooperativa veio a partir da safra 2004/05

(vide Gráfico 1), com a sua inserção no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Esse progra-

ma governamental permite que as prefeituras adquiram alimentos diretamente do agricultores

familiares de seus municípios, com recursos do Governo Federal. Os alimentos adquiridos são

então repassados ao mercado institucional local.

Com o PAA, foi possibilitado um crescimento vertiginoso no volume de produção e vendas de

polpas de frutas da Grande Sertão. Estima-se que, nas duas safras recentes, mais de 80% de

toda a produção da Cooperativa tenha sido destinada a atender tal demanda.

A inserção da produção local na merenda escolar é estratégica do ponto de vista cultural, pois

permite que os filhos dos agricultores consumam o suco oriundo da produção familiar. Isso re-

força os laços nas famílias e nas comunidades, e transmite a valorização da agrobiodiversidade

nativa para as futuras gerações.

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22 Cooperativa Grande Sertão —Brasil

Como se trata de um programa do governo federal, o PAA está sujeito a modificações ou mesmo

à extinção por questões políticas. Mesmo sem mudar o governo, a Grande Sertão já vem enfren-

tando algumas dificuldades em relação ao atraso na aprovação do projeto para a safra 2006/07.

Dessa forma, é importante que não se estabeleça uma relação de dependência ao programa,

e se busque estratégias de participação direta na formulação e execução de políticas públicas

como essa.

Para evitar um impacto negativo com uma possível saída do PAA, a Grande Sertão vem realizan-

do algumas ações estratégicas: n Estabelecimento de contratos diretamente com as prefeituras e escolas.n Participação no programa de formação de estoques da CONAB, que confere maior segurança

na comercialização dos produtos.n E busca de uma inserção mais consistente nos mercados a varejo.

Com relação a esta última estratégia, é importante lembrar sobre a dificuldade da Grande Sertão

em competir com grandes empresas produtoras de polpas de frutas. Estas conseguem comer-

cializar seus produtos a preços muito inferiores, devido à grande escala de produção e ao custo

reduzido no transporte de matéria-prima. Assim, destacam-se algumas ações empreendidas pela

Cooperativa no sentido de superar essa dificuldade: n Produção de polpas de frutas nativas, em especial as do Cerrado, que, por não serem domes-

ticadas, não fazem parte do rol de produtos das grandes empresas. n Marketing diferenciado, com apelo sobre as vantagens socioambientais da aquisição de pro-

dutos Grande Sertão, em vista de ocupar nichos de consumo sensibilizados com a causa.n Participação em feiras voltadas à promoção da agricultura familiar, dos produtos da biodiversi-

dade nativa, dos alimentos orgânicos etc..n Ampliação e diversificação de mercados, especialmente em grandes centros urbanos, como

Brasília e São Paulo.n Articulação com grupos que compartilham propostas produtivas semelhantes, como, por

exemplo, a que vem sendo realizada pelo ISPN (ONG coordenadora do SGP Brasil), denomina-

da Central do Cerrado (www.centraldocerrado.com.br).

A receita total da Cooperativa chegou a quase R$ 960 mil em 2005, sendo mais de 90% referen-

tes à receita com vendas. Com recursos de seu próprio fundo rotativo, no período entre 2005 e

2006, a Grande Sertão investiu quase 170 mil reais na infra-estrutura da nova fábrica de polpas

de Porteirinha, e em 16 unidades comunitárias de beneficiamento descentralizadas. Isso de-

monstra a auto-sustentabilidade econômica do empreendimento.

Uma das principais dificuldades enfrentadas pela Grande Sertão é a carência de capital de giro.

Mesmo com uma movimentação financeira crescente, ainda mostra-se difícil realizar os paga-

mentos aos fornecedores em um prazo menor que três meses. No início do empreendimento,

esse prazo se estendia por até um ano.

A desconfiança em relação às cooperativas rurais no Brasil, já mencionada, afeta também os

bancos, que fazem demasiadas exigências burocráticas para conceder crédito aos empreendi-

mentos associativos. Mesmo assim, a Cooperativa vem conquistando a confiança dos agriculto-

res, que sempre recebem os valores correspondentes aos produtos que entregam.

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

3.4 Geraçãoderenda

Em média, a Cooperativa paga R$ 0,46 pelo quilo de fruta entregue pelo agricultor. De 1998 a

2007 foram compradas cerca de mil toneladas de frutas de aproximadamente mil agricultores,

tendo sido gerada uma renda média de R$ 50,00/família/ano. No entanto, se considerarmos so-

mente a última safra (2006-07), a renda média por família foi de aproximadamente R$ 161,00.

Desses valores, mais da metade é devida à entrega de frutos nativos, com destaque para o

pequi e para o umbu.

Alguns agricultores, contudo, tiveram desempenho destacado, demonstrando o potencial de

geração de renda pela Cooperativa. Um deles, por exemplo, vem recebendo, desde 2002, em

média, cerca de R$ 1000,00 por safra com a entrega de frutos à Grande Sertão, sendo aproxima-

damente 34% devido aos frutos nativos. Registra-se ainda, na safra 2003-2004, a obtenção de

R$ 2857,40 por um agricultor só com a entrega de pequi.

Considerando-se os baixos níveis de renda na zona rural do Norte de Minas, esses valores são

bastante significativos. Cabe ressaltar ainda que alguns destes frutos, em determinadas comuni-

dades, só passaram a ter valor comercial após a entrada da compra pela Grande Sertão, inaugu-

rando mais uma fonte de renda nestes locais.

Vale lembrar ainda sobre a geração de renda proporcionada pelos outros produtos da Grande

Sertão, principalmente mel e derivados da cana. Com a inserção na cadeia dos biocombustíveis,

há a perspectiva de mais uma importante fonte de renda, adequada aos sistemas produtivos tra-

dicionais e agroecológicos. Considerando todas as cadeias produtivas da Cooperativa, em breve

será alcançado o envolvimento direto de duas mil famílias de agricultores do Norte de Minas.

Produtos Grande Sertão: mel, cachaça, rapadura e pequi

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

4Em quase uma década de história, o empreendimento Grande Sertão vem se profissionalizando

e se fortalecendo. As comunidades envolvidas em suas atividades produtivas vêm conquistando

cada vez mais espaço na sociedade, beneficiadas pela geração de renda e pela valorização de

sua cultura, proporcionadas pela Grande Sertão.

Mas, afinal: a qualidade ambiental nessas comunidades está melhorando? Como podemos veri-

ficar?

De fato, todas as frutas utilizadas pela Grande Sertão passaram a ter maior valor a partir do mo-

mento em que o empreendimento começou a comprá-las. Suas árvores, então, passaram a ser

objeto de maior proteção. As árvores, especialmente as nativas, desempenham importantíssimo

papel na conservação da biodiversidade e de seus serviços ambientais, como a manutenção dos

recursos hídricos, da fertilidade do solo e de estoques de carbono.

Afinal, que sentido tem, para uma família de agricultores familiares, a conservação da natureza,

se o seu sustento não está garantido? No que o ser humano pensa primeiro: no bem do planeta

ou na sobrevivência sua e de sua família? Assim, o entendimento sobre a necessidade de con-

servação dos recursos naturais passou a ficar mais claro na medida em que estes recursos pas-

sam a contribuir diretamente para a melhoria de vida das comunidades.

Assim, cada comunidade envolvida no trabalho da Cooperativa Grande Sertão vem adotando es-

tratégias específicas para conservar suas áreas de coleta de frutos. Isso porque a própria situação

fundiária dessas comunidades é muito diversa. Em alguns casos, as principais áreas de extrativis-

mo não pertencem aos comunitários, enquanto em outros sim.

Verifica-se também que, em algumas comunidades, é fundamental que se recupere a vegeta-

ção nativa, enquanto em outras é mais importante buscar proteger as que existem. A seguir,

veremos diferentes formas de como os agricultores da Grande Sertão estão desempenhando a

função de “guardiões da biodiversidade”.

4.1 ComunidadedeAbóboras

A principal área de extrativismo dos moradores de Abóboras (município de Montes Claros) se

localiza na propriedade de uma grande empresa produtora de ovos instalada no local. São cerca

de três mil hectares de Cerrado nativo, onde se permite a entrada dos extrativistas para a coleta

de frutos. No entanto, a relação entre a empresa e a comunidade não foi sempre amistosa.

Desde que a empresa se instalou no local, em 1974, até meados da década de 1990, diversos

conflitos com a comunidade ocorreram. Talvez o principal motivo de tensão foi a impressionante

proliferação de moscas no local, devido ao esterco das aves que não era devidamente acondi-

cionado. Dessa forma, iniciou-se na comunidade um processo de organização e reivindicação por

direitos, junto a famílias de outras comunidades da região também afetadas pelos problemas

causados pela empresa.

O QUE FOI ALCANÇADO

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

Esse processo foi apoiado por organizações como as Pastorais (ligadas à Igreja) e o CAA-NM. A

partir de então, várias conquistas foram obtidas junto à empresa, que hoje é considerada uma

grande parceira da comunidade e do meio ambiente no local. Além de permitir a coleta de fru-

tos em sua área, a empresa vem também empreendendo grande esforço para a revegetação de

seu entorno, contribuindo para recuperar a biodiversidade e os recursos hídricos.

4.2 ComunidadedeÁguaBoaeoCerradodoAreão

A comunidade de Água Boa (Rio Pardo de Minas-MG) utiliza, para a coleta de frutos nativos,

uma grande área de Cerrado nativo denominada Areão. Em 2002, esta área estava sendo “ace-

rada” (delimitada para o desmatamento) por uma empresa que pretendia realizar o plantio de

eucalipto. Tal fato foi identificado devido ao início das atividades de coleta de frutos estimuladas

pela Cooperativa Grande Sertão.

Iniciou-se então uma mobilização para evitar o desmatamento do Areão, estando à frente a co-

munidade, apoiada pelo CAA-NM, pelo STR e pela Pastoral do município de Rio Pardo de Minas.

Logo, o Promotor de Justiça da região foi acionado, e as atividades da empresa na área foram

paralisadas.

Agora, o Areão está sendo pleiteado pelas comunidades de seu entorno para ser transformado

em Reserva Extrativista. O trabalho da Cooperativa Grande Sertão tem possibilitado a identifica-

ção das áreas onde ocorre o extrativismo com potencial para dar maior escala ao uso dos frutos

nativos.

Na medida em que tais áreas são identificadas, torna-se possível uma intervenção em situações

como esta. Pode-se dizer que, no caso, o uso sustentável da biodiversidade, por intermédio da

ação da Grande Sertão e do CAA-NM, foi o principal argumento para se evitar o desmatamento

de uma grande área de Cerrado.

4.3 ComunidadeVeredaFundaea“ReconversãoAgroextrativista”

Após cerca de duzentos anos presente no local, a comunidade de Vereda Funda (Rio Pardo de

Minas-MG), viu sua área de chapada ser ocupada pela monocultura do eucalipto. Uma grande

empresa havia obtido, junto ao Estado de Minas Gerais, uma permissão de arrendamento por 30

anos para executar sua atividade econômica em tais terras “devolutas”. Da década de 1970 até

poucos anos atrás, os moradores tradicionais do local ficaram “encurralados” nas poucas áreas

onde o plantio de eucalipto era inviável.

Em 2003, quando expirou o contrato da empresa com o governo, a comunidade reocupou sua

terra perdida. E logo passou a pôr em prática seu projeto de “Reconversão Agroextrativista”, de

forma a viabilizar o aproveitamento da flora nativa, assim como faziam tradicionalmente. Para

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

tanto, já foram plantadas cerca de mil mudas de pequizeiro, que crescem em meio a outras tan-

tas espécies da agrobiodiversidade tradicional.

Grande parte das famílias presentes no local se comprometeram em preservar o máximo de ár-

vores em suas áreas de produção. Além do entusiasmo com a recuperação de um modo de vida,

contam com a possibilidade concreta de comercializar os frutos para a Grande Sertão. Um estí-

mulo cultural e econômico, fortalecido por ações políticas e comprometidos com a preservação

ambiental.

4.4 AssentamentosAgroextrativistasAmericanaeTapera

Os Assentamentos Agroextrativistas Americana (Grão Mogol-MG) e Tapera (Riacho dos

Machados-MG) são pioneiros no Brasil em uma proposta diferenciada de reforma agrária no

Cerrado. A conquista da terra pelos agricultores teve como pilar fundamental o potencial produti-

vo dos recursos da biodiversidade nativa, identificados por estudos do CAA-NM.

Os dois assentamentos totalizam uma área de mais de vinte mil hectares, onde vivem cerca de

117 famílias. Grande parte dessas famílias é comprometida com a proposta agroextrativista, e

vem contribuindo para implementá-la. Das ações que vêm sendo desenvolvidas, destaca-se o

manejo das áreas de extrativismo, como, por exemplo, a separação do gado dos locais de coleta

de coquinho. Esse tipo de manejo visa melhorar a produtividade dos frutos nativos, e, ao mesmo

tempo, contribui na conservação dos recursos naturais como um todo.

Historicamente, a reforma agrária no Brasil vem sendo realizada sem grandes preocupações am-

bientais. A proposta dos Assentamentos Agroextrativistas vem influenciando o poder público, em

especial aquele relacionado ao planejamento e assistência técnica nos assentamentos.

A perspectiva concreta de geração de renda pela comercialização de frutos nativos proporciona-

da pela Cooperativa Grande Sertão vem fortalecendo essa proposta. Os agricultores assentados,

mesmo que originalmente oriundos de regiões cultural e ambientalmente distintas, vêm se

tornando também os guardiões da biodiversidade e dos recursos naturais nessas novas comuni-

dades.

Cerrado no PA Americana

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

5O empreendimento Grande Sertão nos traz diversas lições que podem servir para iniciativas se-

melhantes em todo o mundo. As principais lições estão listadas a seguir, divididas em organiza-

ção, produção, comercialização, conservação ambiental e luta das comunidades.

5.1 Organização

n O empreendimento Grande Sertão se originou de trabalhos de organização e formação política

de quase duas décadas, liderados por entidades da igreja, organizações de base dos agriculto-

res e, principalmente, pelo CAA-NM.n Somente após a consolidação das atividades produtivas da Grande Sertão é que o empreendi-

mento foi formalizado (em micro-empresa), e somente após a consolidação da base de agri-

cultores dedicados ao empreendimento é que foi fundada a Cooperativa.n É importante que os cooperados tenham não somente um vinculo econômico com o empreen-

dimento, mas também afinidade ideológica com sua proposta e um alto grau de dedicação e

responsabilidade nas várias dimensões do trabalho da Cooperativa.n A gestão da Cooperativa Grande Sertão tem uma administração centralizada, que facilita a

profissionalização do empreendimento, mas conta com uma forte ligação com sua base pro-

dutiva, descentralizando os processos de tomada de decisão que afetam as realidades locais.

Essa gestão conta ainda com a importante assessoria do CAA-NM e de espaços complementa-

res de formação e comunicação, como o Fórum de Agricultores.n A Grande Sertão se relaciona com instituições de governo, organizações não-governamentais,

movimentos sociais e organizações comunitárias de outras regiões. Contudo, destaca-se o pro-

tagonismo das comunidades nas conquistas possibilitadas pela Cooperativa.n Há ainda uma organização mais ampla, que vem sendo chamada Rede Sócio-Técnica, que visa

a valorização dos conhecimentos tradicionais em complemento com os saberes técnico-cientí-

ficos, tornando os agricultores familiares multiplicadores de práticas agroecológicas.

5.2 Produção

n As atividades produtivas da Grande Sertão envolvem em torno de mil famílias espalhadas por

uma região de mais de cem mil km², além de uma grande diversidade de produtos. Isso torna

a produção da Cooperativa bastante complexa, trazendo dificuldades nas questões de escala e

regularidade produtiva e elevando os custos com transporte.n Isso é nítido principalmente em relação aos frutos do Cerrado, que se encontram dispersos e

muitas vezes em áreas inacessíveis. Além disso, sua produtividade é bastante variável, poden-

do alternar safras com grande produção e outras sem nenhuma.n Uma alternativa para ajudar a resolver esses problemas seria a domesticação, de forma a

concentrar mais a produção de matéria-prima, trazendo-a para áreas mais acessíveis. Essa

domesticação, no entanto, deve ser adequada aos princípios ecológicos e dos agricultores fa-

miliares.

LIÇÕES ÚTEIS

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

n Para reduzir os custos de transporte, a Grande Sertão vem buscando descentralizar o benefi-

ciamento das matérias-primas, com a construção da nova fábrica em Porteirinha e das unida-

des comunitárias de pequi.n Ações de manejo são necessárias para manter ou aumentar a produtividade de áreas extrati-

vistas. Por exemplo, existe a necessidade de evitar a presença de gado em áreas de produção

de coquinho-azedo.n Devido à carência de capital de giro, em especial nos primeiros anos do empreendimento,

houveram atrasos no pagamento a seus fornecedores. Contudo, a Grande Sertão nunca deixou

de pagar pelo fornecimento de produtos, dessa forma conquistando a confiança dos agriculto-

res, que já são “vacinados” contra cooperativas que lhes causaram prejuízos em outras ocasi-

ões.

5.3 Comercialização

n A Grande Sertão, ao valorizar economicamente as frutas da região, vem mostrando a viabili-

dade da conservação e uso sustentável dos biomas Cerrado e Caatinga por meio da geração

de renda aos agricultores familiares.n No início do empreendimento, destaca-se a importância da pesquisa de mercado e do plano

de negócios, que nortearam os primeiros passos da Grande Sertão.n O empreendimento começou informalmente, para depois se tornar uma empresa e inserir

seus produtos no mercado formal. Só então foi formada a Cooperativa, quase oito anos após

o início da produção e da comercialização. Isso mostra que o desenho institucional do em-

preendimento deve seguir o ritmo de consolidação das atividades organizativas, produtivas e

também comerciais.n A Grande Sertão sempre buscou o acesso aos mercados varejistas (lanchonetes, padarias),

mas o grande salto comercial veio com a inserção no mercado institucional por meio de um

programa de governo, o PAA. Isso demonstra o impacto positivo que políticas publicas bem

direcionadas podem ter em empreendimentos desse tipo. Contudo, é importante estabelecer

estratégias ante a possibilidade de término do Programa por razões políticas.n A inserção da produção local na merenda escolar é estratégica do ponto de vista cultural, pois

permite que os filhos dos agricultores consumam o suco oriundo da produção familiar. Isso

reforça os laços nas famílias e nas comunidades, e transmite a valorização da biodiversidade

nativa para as futuras gerações.n Os benefícios social, cultural e ambiental dos produtos da Grande Sertão configuram boa es-

tratégia de marketing e ocupação de nichos de mercado diferenciados.n O aproveitamento de polpas de frutas não-disponíveis no mercado, como as nativas do

Cerrado, apresenta-se como grande diferencial dos produtos Grande Sertão.

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2� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

5.4 Conservaçãoambiental

n O Norte de Minas, localizado em uma área de transição entre dois grandes biomas brasileiros

– o Cerrado e a Caatinga – detém grande sócio-biodiversidade, com enorme potencial para seu

aproveitamento sustentável.n A conservação da biodiversidade norte-mineira tem importância fundamental na qualidade

ambiental da região, em especial no que diz respeito à disponibilidade de recursos hídricos.n As práticas agrícolas tradicionais das comunidades do Norte de Minas devem ser estimuladas,

pois se apresentam adaptadas ao uso dos ecossistemas sem a geração de grandes impactos

ambientais negativos. É importante ainda que algumas dessas práticas sejam aperfeiçoadas,

por meio de planos de manejo que visem a sua completa sustentabilidade.n A perspectiva de comercialização dos frutos apresenta-se como um estímulo fundamental

para a conservação e plantio de árvores, contribuindo para melhorias ambientais nos níveis

local e global, e para a manutenção e recuperação de serviços ecossistêmicos.n O extrativismo é um forte argumento a favor da luta pela conservação dos ecossistemas, na

medida em que induz as comunidades a protegerem suas áreas de coleta e a reivindicarem a

recuperação das áreas expropriadas e degradadas.

5.5 Alutadascomunidades

n A organização e o fortalecimento político das comunidades rurais foi o ponto de partida para

o empreendimento Grande Sertão.n Tal organização e fortalecimento político é essencial para a continuidade e melhoria da atua-

ção da Cooperativa. As comunidades devem ser, de fato, protagonistas do processo, pela parti-

cipação direta e também por meio de suas representações.n A conquista da terra e a (re)conquista de territórios tradicionalmente ocupados é fundamental

para a melhoria da qualidade de vida no Norte de Minas, bem como para a valorização e pre-

servação de suas culturas tradicionais.

Flor do maracujá-nativo (Passiflora cincinatta), típico da transição entre os biomas Caatinga e Cerrado

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n A diversidade de situações fundiárias das comunidades envolvidas requer estratégias diferen-

ciadas de luta.n A reivindicação das comunidades pode pressionar determinadas empresas a mudar de postura

em relação ao meio ambiente e às populações locais, como observado no caso de Abóboras.n A luta das comunidades requer também o acesso ao poder institucional, como a Promotoria

Pública, fundamental no processo de reivindicação dos direitos de comunidades do Alto Rio

Pardo sobre o Areão.n O extrativismo é um forte argumento a favor da luta pela (re)conquista dos territórios de po-

pulações historicamente marginalizadas. Associar a luta pela conservação ambiental com as

lutas das populações rurais mostra-se de fundamental importância.n Os agricultores extrativistas assumem o papel de guardiões da biodiversidade quando são

possibilitados de melhorar de vida por meio do uso sustentável de sua agrobiodiversidade.

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ANEXO 1

LISTA DE ABREVIAÇÕES

n AMA Articulação Mineira de Agroecologia

n ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

n CAA-NM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

n CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço

n CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

n Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

n FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

n FBB Fundação Banco do Brasil

n Finep Financiadora de Estudos e Projetos

n Funbio Fundo Brasileiro para a Biodiversidade

n GEF Global Environment Facility

n HEKS Cooperação das Igrejas Protestantes da Suíça

n IAF Interamerican Foundation

n IDH Índice de Desenvolvimento Humano

n IMS Instituto Marista de Solidariedade

n ISPN Instituto Sociedade, População e Natureza

n MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

n MDS Ministério do Desenvolvimento Social

n MG Estado de Minas Gerais

n MMA Ministério do Meio Ambiente

n PAA Programa de Aquisição de Alimentos

n Petrobras Petróleo Brasileiro S/A

n PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

n PPM Pão Para o Mundo

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n PPP-ECOS Programa de Pequenos Projetos Ecossociais

n Pronaf Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar

n SAFs Sistemas Agroflorestais

n SGP Small Grants Programme

n STRs Sindicatos de Trabalhadores Rurais

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ANEXO 2

BIBLIOGRAFIA

n CAA-NM —Unidade de Processamento de Frutos do Cerrado – Proposta de Projeto apresentada

ao Programa de Pequenos Projetos – PPP. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do

Norte de Minas. 4p., 1995.

n CAA-NM —Estudo e pesquisa de mercado: beneficiamento de polpa de frutas – Relatório.

Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. 70p., 1996.

n CAA-NM —Unidade de Processamento de Frutos do Cerrado – Relatório Final apresentado ao

Programa de Pequenos Projetos – PPP. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do

Norte de Minas. 5p., 1997.

n CAA-NM —Estruturação da Unidade de Processamento de Frutos do Cerrado – Proposta de

Projeto apresentada ao Programa de Pequenos Projetos – PPP. Montes Claros: Centro de

Agricultura Alternativa do Norte de Minas. 6p., 1998.

n CAA-NM —Estruturação da unidade de beneficiamento de frutos do Cerrado – Relatório Final

de Projeto PPP. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, 2002a.

n CAA-NM —Iniciativa Cinturão Equatorial. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do

Norte de Minas, 2002b.

n CAA-NM —Formação e capacitação de agricultores e agricultoras rumo à construção da

Cooperativa Agroextrativista Grande Sertão Produtos Alimentícios Ltda. – Relatório Final

apresentado ao Programa de Pequenos Projetos – PPP. Montes Claros: Centro de Agricultura

Alternativa do Norte de Minas. 12p., 2004a.

n CAA-NM —Formação e Capacitação de Agricultores e Agricultoras rumo à Construção da

Cooperativa Agroextrativista Grande Sertão Produtos Alimentícios Ltda. – Relatório de

Progresso II – PPP/GEF/PNUD. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de

Minas, 2004b.

n CAA-NM —Agroecologia, territorialidade, sustentabilidade: uma ação em rede em Minas

Gerais. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. 100p., 2006.

n CAA-NM/AMA —Agroecologia, territorialidade, sustentabilidade: uma ação em rede

em Minas Gerais. Sistematização da Experiência do CAA/NM: Gestão de territórios em

redes sócio-técnicas. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas/

Articulação Mineira de Agroecologia. 102p. 2006.

n CAA-NM/CONAB —Estudo preliminar sobre o mercado institucional em 06 (seis) municípios

do Norte de Minas. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas/

Companhia Nacional de Abastecimento. 33p., 2006.

n CARRARA, Álvaro A. Uso sustentável da biodiversidade do cerrado e da caatinga do norte de

Minas Gerais In: LITTLE, Paul E. (Org.). Políticas ambientais no Brasil: análises, instrumentos e

experiências. São Paulo: Peirópolis; Brasília: IIEB, 2003.

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�� Cooperativa Grande Sertão —Brasil

n CARRARA, Álvaro A. Cooperativa de Agricultores Familiares e Agroextrativistas Grande Sertão.

Cadernos do CEAS – Centro de Estudos e Ação Social. n. 222, p.79-88, 2006.

n CARVALHO, Igor S.H. Potenciais e limitações do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado:

um estudo de caso da Cooperativa Grande Sertão no Norte de Minas. Mestrado em Política e

Gestão Ambiental, Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, 2007.

164p.

n COOPERATIVA GRANDE SERTÃO. Pela sustentabilidade nos cerrados: o agroextrativismo como

alternativa. Montes Claros: Cooperativa de Agricultores Familiares e Agroextrativistas Grande

Sertão Ltda. 3p., 2004.

n COOPERATIVA GRANDE SERTÃO. Apresentação em Power Point no IV Encontro e Feira dos

Povos do Cerrado. Montes Claros: Cooperativa dos Agricultores Familiares Agroextrativistas

Grande Sertão Ltda., 2005.

n COOPERATIVA GRANDE SERTÃO/CONAB. Estudo preliminar sobre o mercado institucional em

06 (seis) municípios do Norte de Minas. Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa do

Norte de Minas/ Companhia Nacional de Abastecimento.33p., 2006.

n COSTA, João Batista de A. Cerrados Norte Mineiro: populações tradicionais e suas identidades

territoriais In Almeida, Maria G.(org.) Tantos Cerrados: múltiplas abordagens sobre a biogeodi-

versidade e singularidade cultural. Goiânia: Ed. Vieira, p. 295-319., 2005.

n LUZ, Claudia; DAYRELL, Carlos. Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade. Montes

Claros: Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. 2000.

n MARRIS, Emma. The forgotten ecosystem. Nature, n.437, v.13, p.944-945, 2005.

n RIBEIRO, Ricardo Ferreira. Florestas anãs do sertão: o Cerrado na história de Minas Gerais. Belo

Horizonte: Autêntica. 480p., 2005.

n SHIKI, Shigeo. Desenvolvimento rural sustentável no domínio dos cerrados. Goiânia: Candeia.

Ano 4, n.5, p.7-17., 2003.

n SILVA, J.M.C da. et al. (orgs.) Biodiversidade da Caatinga: Áreas e Ações Prioritárias para

Conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2004.

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