Memória e Esquecimento Do Cacique Mateo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Sobre memória de um cacique indígena

Citation preview

  • 1

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Memria e esquecimento do cacique Mateo Pumacahua no

    bicentenrio da independncia do Peru

    Jaime de Almeida*

    Os caciques Tpac Amaru e Mateo Pumacahua enfrentaram-se durante

    a Grande Rebelio (1780-1781). O primeiro, embora reivindicasse ser

    descendente de Beatriz Clara Coya (neta de Manco Capac, filha de Sayri

    Tpac e meia-irm de Tpac Amaru), casada com o nobre espanhol Martn

    Garca de Loyola, (por isto ele autonomeou-se Tpac Amaru II durante a

    rebelio), no estudou no colgio San Borja destinado aos ndios nobres e

    filhos de caciques, no conseguiu ser reconhecido como o legtimo herdeiro do

    Marquesado de Oropesa e sua rebelio foi combatida pela nobreza incaica. O

    segundo reivindicava ser descendente do inca Huayna Capac (e reforou tal

    pretenso casando suas filhas Polonia e Ignacia com descendentes oficiais

    daquele), foi aluno do colgio de San Borja e era oficial do Regimento de ndios

    Nobres de Cusco, embora no integrasse a mais elevada elite quchua,

    representada pelos 24 Eleitores do Cabildo Inca.1

    Por sua decisiva participao em defesa da ordem, o cacique Mateo

    Pumacahua conseguiu maior ascenso social e econmica. Adquiriu

    propriedades, tornou-se um mecenas oferecendo festas e construindo obras

    pblicas. Quando, em consequncia da ocupao da Espanha por tropas

    francesas e do sequestro da famlia real por Napoleo Bonaparte, formaram-se

    juntas nas principais cidades da Pennsula e da Amrica em defesa da

    monarquia espanhola, o brigadeiro Mateo Pumacahua participou da represso

    desencadeada pelo vice-rei do Peru Jos Fernando de Abascal contra as

    tropas revolucionrias enviadas pela junta patritica de Buenos Aires ao Alto

    Peru, sendo nomeado coronel do Regimento de Milcias de Infantaria de ndios

    Nobres de Cusco. Dentre a nobreza ndia do continente, Mateo Pumacahua foi

    quem alcanou o mais elevado cargo poltico da monarquia espanhola,

  • 2

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    atuando como governador intendente e presidente da Audincia de Cusco (em

    1807 e de setembro de 1812 a maio de 1813).2

    Em agosto de 1814 o velho cacique aderiu ao projeto autonomista do

    Ayuntamiento de Cusco que exigia da Audincia a aplicao da Constituio

    liberal promulgada em Cdiz em 1812 e integrou a Junta de Governo de Cusco

    organizada pelos irmos Jos e Vicente Angulo. A rebelio se difundiu por

    grande parte das provncias de Cusco e Charcas e foi violentamente reprimida

    pelo vice-rei Abascal. O cacique Mateo Pumacahua, derrotado na batalha de

    Umachir, foi preso, julgado e enforcado (em seguida foi decapitado e

    esquartejado) em Sicuani, em maro de 1815.

    A perpetuao da memria de Mateo Pumacahua foi objeto de um dos

    primeiros decretos do Congresso Constituinte do Peru (6 de junho de 1823),

    inscrevendo-o no rol dos Benemritos da Ptria.3 A maior parte de sua famlia

    escapara dos rigores da represso; suas filhas podiam apelar memria de

    seu martrio e os homens da famlia podiam eleger-se deputados. Aqui se

    encontra um fio de continuidade a ser reconstitudo, a presena de seus

    descendentes em cargos polticos e honrarias.

    Um fragmento das memrias de Daniel OLearyindicaqual era a

    percepo intelectual e afetiva de Simn Bolvar e seu crculo acerca da

    historicidade do Peru e seus grandes personagens indgenas, em que se

    destacam Tupac Amaru e Mateo Pumacahua:

    La ciudad del Cuzco puede, en verdad, llamarse la Roma de Amrica.

    Su historia, sus fbulas encantan. La inmensa fortaleza del lado del

    norte, es el Capitolio; el templo del sol, su coliseo; Manco Cpac fue

    su Rmulo; Viracocha, su Augusto; Huscar, su Pompeyo, y

    Atahualpa, su Cesar. Los Pizarros, Almagros, Valdivias y Toledos son

    los hunos, godos y cristianos que la destruyeron; Tupac-Amaru es su

    Belisario que le dio un da de esperanza; Pumacahua, su Rienzi y

    ltimo patriota.4

    As memrias de Luis Valcrcel, nascido em 1891, evidenciam a forte

    presena de Mateo Pumacahua na paisagem urbana, nas vizinhanas e na

    cultura oral de Cusco dos incios do sculo XX. A comemorao do centenrio

  • 3

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    de Pumacahua (sic) ocorreu na poca em que ele compunha, com um grupo

    de colegas vinculados greve estudantil de 1909e em sintonia com o novo

    reitor da Universidade, Alberto Giesecke, o que veio a se chamar a escola

    cusquenha, comuma decidida proposta indigenista. O grupo publicou em

    memria de Pumacahua uma srie de documentos inditos de um cartrio

    local, no primeiro (e nico) nmero da revista que criaram chamada Nuestra

    Historia. O contexto em que atuavam foi assim lembrado por ele:

    En los comienzos de la 'escuela cusquea' el llamado problema

    indgena se reduca a la defensa del indio. Esa actitud tiene, como se

    sabe, antecedentes lejanos en nuestra historia, pero que en esa

    poca nos eran casi desconocidos. Es curioso comprobar que por

    entonces no exista la menor preocupacin por figuras histricas de

    tanta relevancia como el padre Las Casas y Tpac Amaru y no se

    haba valorado el aspecto indigenista de la obra de Garcilaso. A la

    labor de defensa del indgena que ellos y otros personajes realizaron

    no se le conceda el mnimo valor. A nosotros, catedrticos y alumnos

    indigenistas, nos toc rescatar esas figuras y darles el reconocimiento

    que merecan. As, por ejemplo, en 1914 hicimos un homenaje a

    Pumacahua, en ocasin del primer centenario de su alzamiento, y en

    1916 el Instituto Histrico del Cusco, compuesto por intelectuales y

    profesores universitarios, celebr el tricentenario de la muerte del

    Inca Garcilaso de la Vega. En los aos posteriores se han dado

    significativas muestras de gratitud a estos personajes tanto tiempo

    olvidados.

    Luis Valcrcel tambm relata que um grupo de estudantes da Faculdade

    de Letras representou o drama quchua do sculo XVIII "Usca Paucar" no

    centenriode Pumacahua: El hecho de que hubiese obras en quechua atraa

    tambin a la gente humilde. 5 Enquanto isso, ocorria um fenmeno

    surpreendente a apropriao das memrias de Mateo Pumacahua e Tpac

    Amaru, numa perspectiva milenarista,por ndios convertidos ao adventismo e

    por crculos anarquistas em ao na regio andina de Cusco:

    Qu se puede esperar de la trinidad monstruosa del Estado, la

    iglesia y el capital? que de jesuitas inquisidores y sanguinarios

    descendientes de un fraile y un soldado asesinos de Atahualpa,

    Tupac Amaru y Pumacahua?6

  • 4

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    A criao do Parque Pumacahua (1916), e a inaugurao do Arco de

    Pumacahua (1918) em Sicuani, local em que o cacique fora executado, embora

    certamente imbudas de um sentido nacionalista oficial, no devem ter deixado

    de alimentar, junto a alguns crculos plebeus da regio, o sentido contestatrio

    que assim se manifestava na imprensa anarquista:

    [] Soy de la estirpe de los hijos del trabajo

    mi abolengo viene desde abajo.

    Soy de la raza que subyugaron ibricos ladrones,

    soy de la raza sojuzgada por repblicas mandones.

    Es mi orgullo ser indio y tener la rebelda,

    de Cahuide, Tpac Amaru y Pumacahua [...]

    Es mi orgullo ser indio y ser anarco7.

    O Centenrio privilegiou a memria hispnica e criolla das elites; mas

    Tpac Amaru e Mateo Pumacahua foram includos no conjunto de heris da

    ptria peruana por meio de placas com seus nomes no Panten de los

    Prceresem 29/06/1921 (centenrio da independnciatrazida pelas tropas

    platinas e chilenas de San Martn e Thomas Cochrane) e inaugurado

    precisamente em10/12/1924 (centenrio da batalha de Ayacucho vencida por

    tropas bolivarianas e platinas comandadas por Sucre).

    A histria do Panteo, lugar de memria excepcional, apresenta ciclos,

    em cada ciclo so incorporados novos heris. Nesse momento inicial de

    panteonizao,parece que os dois caciques foram colocados em p de

    igualdade do ponto de vista de status. Com o acmulo progressivo de

    personagens (atualmente, j so mais de 500) e, principalmente, com a

    variao das formas de representao/exposio que definem e hierarquizam

    graus de status (placas, efgies, bustos, esttuas, cenotfios, etc.), atualmente

    notvel a diferena das atenes dispensadas memria dos dois caciques.

    Mateo Pumacahuasegue representado sob formas hierarquicamente mais

    simples: uma placa com seu nome e, mais recentemente, um busto.8

    Quanto panteonizao do cacique Tpac Amaru, alm do busto e

    esttua(s) que a se encontram,ser necessrio acompanhar a tramitao do

  • 5

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Projeto de Lei n. 2885/2013-CR, recentemente apresentado ao Congresso da

    Repblica pela Comisso de Cultura e Patrimnio Cultural. Esse projeto

    prope, para a comemorao do Bicentenrio da Independncia do Peru em

    2021, o reconhecimento oficial da gesta emancipadora de Tpac Amaru e

    Micaela Bastidas, a entronizao de seus bustos em vrios locais pblicos

    importantes (inclusive, apesar de que ali j esto, no Panteo) e a construo

    de um Mausolu Nacional.9

    Retornemos ao contexto do Centenrio, cuja data central o 28 de

    julho, no ambiente serrano em torno de Cusco, para retomar o tema das

    apropriaes utpicas das figuras de Mateo Pumacahua e Tpac Amaru por

    anarquistas e indgenas. 10 Desde 1919, membros do Comit Pr-Direito

    Indgena Tahuantinsuyo passaram a atuar junto aos ndios das provncias altas

    de Cusco. Prometiam outros tempos, "o renascimento do Imprio do

    Tahuantinsuyo". Comeou a circular o rumor de que os ndios deviam liquidar

    como cachorros os brancos e mestios infiltrados em seus povoados. O ponto

    central de suas prticas rituais era a montanha do Apu Rumitaque onde eram

    abenoados pelos seus paq'os (sacerdotes). Mensageiros divulgavam a

    palavra de ordem: "alcotawan mistitawan khanka qaqapin wauhina

    (o mestio, como o cachorro, se mata sobre rocha spera).

    O 28/08/1921 Centenrio da Independncia foi anunciado como "el

    da en que Rumitaque se sacudira para aplastar a los mistis". Os fazendeiros

    deviam ser esquartejados como Tpac Amaru. Numa escaramua, uma

    multido de ndios prendeu o lder dos mestios, Leopoldo Alencastre, e

    lhe cortaram a lngua, arrancaram-lhe os olhos e os cabelos e esmagaram-lhe

    os dedos. Na manh de 31 de julho, cerca de 2.500 ndios concentrados na

    montanha Rumitaque enfrentaram com ferres de gado, fundas e pedras as

    escopetas e revlveres dos mestios. O resultado dessa luta pela restaurao

    do Tahuantinsuyo foi mais de 500 mortos, muitos feridos presos, o xodo para

    as alturas ou para a selva.Mesmo sobo peso da represso e das represlias,

    os sobreviventes e seus descendentes seguiriam evocando orgulhosamente as

    batalhas do Apu Rumitaque, invocando os seus deuses ancestrais e

    aguardando o retorno do Inca.O surto milenarista associado ao Centenrio

    prosseguiu at1924 com as rebelies indgenas de Huaquira e Quiota.

  • 6

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Um Manifesto aos ndios de Cusco assinado por um grupo que se

    identificava como Os Filhos de Cahuide, em Sicuani (onde morreu o cacique

    Pumacahua) no dia 28/08/1921 demonstra que o massacre recente no havia

    intimidado os rebeldes. O manifesto conclua assim: No detenten las tierras!!

    Puede llegar una hora bonita, seores propietarios!! Viva Pumacahua!11

    Por sua vez, o historiador Carlos Wiesse explicitava em 1925 o discurso

    oficial e hegemnico acerca da independncia do Peru; nele, a rebelio de

    Pumacahua de 1814 aparece como um levantamento genuinamente nacional

    cujo fracasso se explicaria pela desorganizao dos insurgentes e, sobretudo

    pelas divises entre os ndios e sua falta de preparao.12 Assim, em contraste

    com o protagonismo indisciplinado das massas indgenas do passado e do

    presente, Mateo Pumacahua sobressaa como um membro legtimo das elites

    cuja memria merecia ser recuperada na comemorao.

    muito sugestiva a forma como a memria de Mateo Pumacahua se

    infiltrou no processo de reurbanizao de Lima promovido em funo do

    Centenrio.13 A cinco quarteires da histrica Plaza Mayor que mantm at

    hoje a sua centralidade poltica e religiosa, criou-se um novo polo urbano mais

    moderno e conectado s novas dinmicas do comrcio, indstria, finanas,

    transportes coletivos, etc.: a Plaza de San Martn, que foi inaugurada na

    vspera do dia do Centenrio. A nova praa foi progressivamente rodeada por

    edifcios construdos com os novos materiais e tcnicas da arquitetura

    moderna, convertendo-se numa vitrine que antecipava o progresso da cidade e

    do pas. Um desses edifcios o Portal de Pumacahua, que dialoga com outros

    edifcios identificados com nomes de personagens relevantes da histria

    nacional como o Portal de Zela homenagem ao prcer Francisco Antonio de

    Zela (1768-1819) e revoluo de Tacna (1811); alm de evocar e afirmar, tal

    como se fazia com Pumacahua, a participao dos prprios peruanos no

    processo da independncia nacional, o Portal de Zela introduzia nesse

    importantssimo lugar de memria o tema crucial das provncias ocupadas pelo

    Chile ao final da Guerra do Pacfico e o Hotel Bolvar. Com seu elogiado estilo

    neocolonial, a nova paisagem urbana materializava a leitura do passado

    oficializada pelo Centenrio e pelo Oncenio do presidente Augusto B. Legua e

    anunciava um futuro radicalmente oposto ao projeto anarquista andinizado de

  • 7

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    restaurao do Tahuantinsuyo. O escultor Luis Agurto produziu dois

    expressivos medalhes em bronze retratando Pumacahua e Zela. O medalho

    de Mateo Pumacahua foi inaugurado em 1933.

    A cidade de Lima recebia dezenas de monumentos pblicos, muitos

    deles doados pelas colnias de imigrantes estrangeiros bem sucedidos nos

    negcios. A Sociedade Central Japonesa ofereceu um monumento a Manco

    Cpac, o primeiro inca; o escultor David Lozano iniciou a obra em 1922. Com

    mais de 5 metros de altura, o monumento seria inaugurado em 1926. Por sua

    vez, Luis Agurto apresentou em 1924 um projeto de monumento a Tupac

    Amaru, mas a iniciativa provocou apenas um prolongado debate acerca de

    como o heri se vestiria.14Sem ignorar essa polmica, Jos Carlos Maritegui

    que criticava a utopia do retorno ao Tahuantinsuyo abordou a questo de

    como compreender Tpac Amaru no ensaio Lo nacional y lo extico:

    El Per es todava una nacionalidad en formacin. Lo estn

    construyendo sobre los inertes estratos indgenas, los aluviones de la

    civilizacin occidental. La conquista espaola aniquil la cultura

    incaica. Destruy el Per autctono. () Un artificio histrico clasifica

    a Tpac Amaru como un precursor de la independencia peruana. La

    revolucin de Tpac Amaru la hicieron los indgenas; la revolucin de

    la independencia la hicieron los criollos. Entre ambos acontecimientos

    no hubo consanguineidad espiritual ni ideolgica.15

    Quatro anos mais tarde, Maritegui fez duas menes bastante

    significativas ao cacique Mateo Pumacahua e no se referiu a Tpac Amaru

    em sua mais importante obra. A primeira dessas referncias aparece no

    segundo dos sete ensaios, O Problema do ndio, geralmente apontado como

    o mais importante do conjunto da obra:

    La Revolucin de la Independencia no constituy, como se sabe, un

    movimiento indgena. La promovieron y usufructuaron los criollos y

    aun los espaoles de las colonias. Pero aprovech el apoyo de la

    masa indgena. Y, adems, algunos indios ilustrados como

    Pumacahua, tuvieron en su gestacin parte importante. El programa

    liberal de la Revolucin comprenda lgicamente la redencin del

  • 8

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    indio, consecuencia automtica de la aplicacin de sus postulados

    igualitarios. Y, as, entre los primeros actos de la Repblica, se

    contaron varias leyes y decretos favorables a los indios. Se orden el

    reparto de tierras, la abolicin de los trabajos gratuitos, etc.; pero no

    representando la revolucin en el Per el advenimiento de una nueva

    clase dirigente, todas estas disposiciones quedaron slo escritas,

    faltas de gobernantes capaces de actuarlas.La aristocracia

    latifundista de la Colonia, duea del poder, conserv intactos sus

    derechos feudales sobre la tierra y, por consiguiente, sobre el indio.

    Todas las disposiciones aparentemente enderezadas a protegerlo, no

    han podido nada contra la feudalidad subsistente hasta hoy.16

    Est claro, portanto, que diferentemente da participao de Mateo

    Pumacahua na revoluo de Cusco em 1814 a rebelio de Tpac Amaru tem

    sua importncia e relevncia num outro contexto, totalmente alheio reflexo

    mariateguiana acerca da independncia do Peru e, como veremos, da prpria

    forja da nao peruana. Os leitores desavisados poderiam surpreender-se ao

    encontrar a segunda referncia feita por Maritegui ao mais poderoso

    adversrio de Tpac Amaru no ltimo dos seus famosos Sete Ensaios O

    Processo da Literatura ,j que no se conhece nenhum texto literrio escrito

    por Mateo Pumacahua. Para a compreenso do que desejamos destacar, a

    transcrio precisa ser mais longa. Depois de criticar o carter exclusivamente

    urbano e limenho da literatura do perodo colonial, Maritegui passa

    imediatamente ao contexto da revoluo de 1814 em que atuaram o cacique

    Pumacahua e o poeta Mariano Melgar:

    El sentimiento indgena no ha carecido totalmente de expresin en

    este perodo de nuestra historia literaria. Su primer expresador de

    categora es Mariano Melgar. La crtica limea lo trata con un poco de

    desdn. Lo siente demasiado popular, poco distinguido. Le molesta

    en sus versos, junto con una sintaxis un tanto callejera, el empleo de

    giros plebeyos. Le disgusta en el fondo, el gnero mismo. No puede

    ser de su gusto un poeta que casi no ha dejado sino yaraves. ()

    Por reaccin, no superestimo artsticamente a Melgar. Lo juzgo

    dentro de la incipiencia de la literatura peruana de su poca. Mi juicio

    no se separa de un criterio de relatividad.

  • 9

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Melgar es un romntico. Lo es no slo en su arte sino tambin en su

    vida. El romanticismo no haba llegado, todava, oficialmente a

    nuestras letras. En Melgar no es, por ende, como ms tarde en otros,

    un gesto imitativo; es un arranque espontneo. ()

    Algunos yaraves de Melgar viven slo como fragmentos de poesa

    popular. Pero, con este ttulo, han adquirido sustancia inmortal.

    Tienen, a veces, en sus imgenes sencillas, una ingenuidad pastoril

    que revela su trama indgena, su fondo autctono. La poesa oriental,

    se caracteriza por un rstico pantesmo en la metfora. Melgar se

    muestra muy indio en su imaginismo primitivo y campesino.

    Este romntico, finalmente, se entrega apasionadamente a la

    revolucin. En l la revolucin no es liberalismo enciclopedista. Es,

    fundamentalmente, clido patriotismo. Como en Pumacahua, en

    Melgar el sentimiento revolucionario se nutre de nuestra propia

    sangre y nuestra propia historia.

    Para Riva Agero, el poeta de los yaraves no es sino "un momento

    curioso de la literatura peruana". Rectifiquemos su juicio, diciendo

    que es el primer momento peruano de esta literatura.17

    A primeira referncia feita por Maritegui a Mateo Pumacahua se insere

    na problemtica marxista das infraestruturas, do modo de produo: o

    Problema do ndio se d a ler aps o Esquema da Evoluo Econmica e abre

    caminho para a leitura do Problema da Terra. J a segunda referncia est

    inserida na abordagem das superestruturas, da formao histrico-social da

    nao peruana. Maritegui poderia ter recorrido a muitos outros personagens,

    paisagens ou processos sociais para contextualizar a obra potica de Mariano

    Melgar; mas ao decidir associ-lo a Mateo Pumacahua, ele reforou a

    importncia social e cultural que via na revoluo de Cusco para a formao

    nacional peruana, em contraste com as limitaes que criticava, tanto na

    grande rebelio de Tpac Amaru, quanto no desfecho oficial e criollo do

    processo da independncia.

    No ano seguinte publicao dos Sete Ensaios, o historiador Jorge

    Basadre manifestou sua discordncia frontal em relao ao conceito de

    comunismo inca proposto por Maritegui (Al comunismo inkaico -que no puede

  • 10

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    ser negado ni disminuido por haberse desenvuelto bajo el rgimen autocrtico

    de los Inkas-, se le designa por esto como comunismo agrario) e tambm,

    provavelmente, em relao a um texto acadmico recm-publicado na Frana

    por Louis Baudin sobre o Imprio Socialista dos Incas: Muy poco o nada tiene el

    socialismo doctrinario de nuestros das -o mejor dicho de los das del futuro- con el

    socialismo pre-hispnico.18

    E mais, em 1931, no ano em que se inaugurava em Sicuani um primeiro

    monumento pblico em memria de Mateo Pumacahua, o mesmo Jorge

    Basadre explicitou a diferena entre os dois caciques num captulo chamado

    El planteamiento de la cuestin social y Jos Carlos Maritegui que comea

    justamente com o subttulo TUPAC AMARU E PUMACAHUA:

    Si podemos simpatizar con Tpac Amaru, tenemos que reflexionar

    mucho sobre lo que hubiera ocurrido en el caso utpico de que

    triunfase; con anhelante solidaridad, podemos seguir, en cambio, el

    levantamiento de Pumacahua, desear su triunfo, lamentar su derrota

    porque el xito de este levantamiento hubiese sido el xito del

    Per fusionado, ni alejado de lo criollo como Tpac Amaru ni alejado

    del indio como la Emancipacin sanmartiniana y bolivariana.19

    Assim, tanto o discurso nacionalista da comemorao oficial quanto os

    anarquistas (com notvel recepo indgena, como vimos), Maritegui, Basadre

    eos apristas tendiam no somente a valorizar Tupac Amaru e Mateo

    Pumacahua ao mesmo tempo mas, em certos casos, chegavam at mesmo a

    atribuir a este ltimo um protagonismo histrico mais relevante.

    Um primeiro ponto de inflexo ocorre em 1932 com a fundao do

    Grupo Tpac Amaru na Argentina pelo intelectual marxista boliviano Tristn

    Marof (Gustavo Adolfo Navarro Ameler, 1898-1979)com um programa radical

    de luta contra a guerra do Chaco e pela unificao dos grupos antiimperialistas.

    Cabe examinar se j se havia cogitado, nos crculos de esquerda e,

    principalmente, no Comintern, da possibilidade de adotar Tpac Amaru como

    cone da militncia comunista na Amrica do Sul. Ao que parece, como Tristn

    Marof no se submeteu disciplina imposta pelo stalinismo e veio a ser um dos

    fundadores do POR (Partido Obrero Revolucionario) trotskista na Bolvia, o

  • 11

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Partido Comunista Peruano rigidamente controlado por Eudocio Ravines desde

    1930 no teria maior interesse em apropriar-se da figura de Tupac Amaru,

    enquanto se concentrava na atuao junto classe operria e na crtica aos

    desvios pequeno-burgueses de todos os tipos.Por isto, somente a partir da

    fundao do Partido Obrero Revolucionario (trotskista) no Peru em 1946

    pouco depois que o Partido Comunista retornara s teses de Jos Carlos

    Maritegui que o recurso memria e simblica de Tupac Amaru poderia

    tornar-se uma alternativa possvel para os comunistas peruanos.

    No entanto,a memria oficial permanecia evidentemente muito mais

    identificada aos grandes personagens espanhis da Conquista e aos criollos

    da Colnia e da Independncia. O momento mais solene da comemorao do

    quarto centenrio da cidade de Lima, em janeiro de 1935, por exemplo, foi a

    inaugurao de um monumento a Francisco Pizarro no trio da catedral. Por

    sua vez, a partir da criao do Colgio Emblemtico Mateo Pumacahua em

    Sicuani, em 1939, passou a existir um vnculo explcito entre uma parcela da

    populao letrada peruana e a memria do cacique de Chincheros. O

    intelectual indigenista Jos Mara Arguedas, por exemplo, a trabalhou como

    professor (1939-1941) enquanto redigia a novela Yawar Fiesta.

    Um novo ponto de virada se localizaria em 1942, quando Luis Valcrcel

    e seu grupo da escola cusquenha comemoram o bicentenrio do nascimento

    de Tpac Amaru; aparentemente, uma iniciativa bastante isolada. Logo mais,

    basta comparar a quantidade de livros publicados a partir de meados da

    dcada de 1940 para se perceber o crescimento do interesse pela rebelio de

    Tupac Amaru no Peru e no mundo enquanto Mateo Pumacahua, em sua

    situao ambgua de cacique realista em 1780 / cacique patriota em 1814, tal

    como figurava nos livros didticos e no Panteo, permanecia praticamente

    isolado em seus nichos locais de Cusco e Sicuani. Entre 1947 e 1957,

    enquanto somente uma obra focalizava Mateo Pumacahua, publicaram-se trs

    sobre Tpac Amaru, duas delas com circulao internacional.20

    A recepo dessas novas obras com caractersticas acadmicas veio a

    fazer-se num quadro marcado pela reabertura poltica do pas (1958) e pelo

    impacto da revoluo cubana (1959).21 Os jovens militantes ou simpatizantes

    do Partido Comunista e da APRA (Ao Popular Revolucionria Americana)

  • 12

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    que entravam a partir de agora num processo de radicalizao de suas

    posies polticas retornando s questes originais formuladas por Jos Carlos

    Maritegui e Haya de la Torre intensificaram a inquietao com a questo

    indgena ou camponesa, conforme as suas leituras acadmicas e, em

    certos casos, com a guerrilha. O primeiro movimento importante a atuao do

    jovem universitrio Hugo Blanco junto ao movimento campons a partir de

    1962 na regio de La Convencin, nas imediaes de Cusco.

    Em 1964, ao final de muitas peripcias inaugurou-se o primeiro

    monumento pblico em memria de Tpac Amaru, feito em bronze pelo

    escultor Juan Bravo Vizcarra, na Plaza de Armas de Yanaoca. Parece que

    esse primeiro monumento no tem atualmente muita visibilidade.22No mesmo

    ano ocorre a apario pblica do movimento revolucionrio Tupamaros no

    Uruguai; esta apropriao da memria de um cacique inca do sculo XVIII por

    jovens tipicamente urbanos descendentes, em sua maioria, de imigrantes

    europeus,atesta a expanso do processo de aproximao entre a nova

    esquerda latino-americana e o indigenismo. Neste contexto, significativa a

    apario de um primeiro agrupamento guerrilheiro peruano diretamente

    identificado com o nome (e, provavelmente, com a simblica) de Tpac Amaru

    em 1965, atuando na regio de Cusco e na serra central. Trata-se de um grupo

    de militantes universitrios do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria,

    uma dissidncia da ala esquerda do APRA) que foi duramente reprimido pelas

    foras armadas; alguns de seus militantes haviam recebido treinamento

    poltico-militar em Cuba; o saldo desse enfrentamento foi de cerca de 300

    mortos, a includos os principais dirigentes do grupo guerrilheiro Tpac Amaru:

    Luis de La Puente Uceda e Guillermo Lobatn. Aparentemente, esta

    apropriao marcadamente poltica da memria de Tpac Amaru por jovens

    intelectuais urbanos radicalizados no conseguiu adeso ou simpatia por parte

    do campesinato ndio e mestio.23

    O ponto de inflexo mais decisivo nesse processo em que estamos

    tentando reconstituir os momentos de maior visibilidade / invisibilidade da

    memria dos caciques Tpac Amaru e Mateo Pumacahua nas representaes

    do passado peruano, especialmente em contextos comemorativos a

  • 13

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    espetacular oficializao de Tpac Amaru como o cone central da nao

    peruana no dia 24/06/1969 pelo regime militar nacionalista dirigido pelo general

    Juan Velasco Alvarado, que abria uma nova etapa do seu projeto de reformas

    chamado Plano Inca.

    Aqui se apresenta um tema fascinante por aprofundar, o dia 24 de junho

    como lugar de memria. Numerosos especialistas j analisaram as tentativas

    de colagem da festa mvel catlica do Corpus Christi festa solar incaica do

    Inti Raymi desde os primeiros momentos da colonizao espanhola do Peru.24

    Pareceque, aps a independncia e com a diminuio do poder eclesistico,

    finalmente prevaleceu a associao mais evidente entre a festa andina do

    solstcio de inverno do hemisfrio sul (Inti Raymi) e a festa crist do solstcio de

    vero do hemisfrio norte (So Joo). O presidente Augusto Legua instituiu o

    Dia do ndio a celebrar-se no dia 24 de junho por meio de um decreto supremo

    a 23/05/1930. O intelectual cusquenhista Humberto Vidal Unda, futuro prefeito,

    instituiu a festa local do Dia de Cusco no dia do Inti Raymi / So Joo de 1944,

    com a presena do presidente Manuel Prado Ugarteche.

    , portanto, mais que evidente a inteno do general-presidente Juan

    Velasco Alvarado de imprimir extrema importncia cerimnia, amplamente

    difundida por todos os meios de comunicao, em que anunciou a decretao

    da Lei da Reforma Agrria (decreto n. 17716) no dia do Inti Raymi / So Joo /

    do ndio / de Cusco em 1969. O general-presidente mandou preparar um

    grande retrato de Tpac Amaru com os braos abertos rompendo as correntes

    que os atavam e se colocou sua frente, para que a televiso, o cinema e as

    fotografias dos jornais difundissem uma imagem inequvoca de ruptura com as

    seculares estruturas de opresso dos ndios. A partir da, o retrato de Tpac

    Amaru substituiu o de Francisco Pizarro no antigo Salo Pizarro do palcio de

    governo.25

    Por outro lado, o decreto n. 17718, anunciado na mesma data,

    estabelecia que o dia 24 de junho passasse agora a ser chamado Dia do

    Campons. Esta aparentemente simples substituio de nomes ajustava

    contas com a face sombria da modernizao acelerada durante o Oncenio do

    presidente Augusto Legua. Apesar de criar o Patronato da Raa Indgena e a

  • 14

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Direo de Assuntos Indgenas no Ministrio de Fomento, e estabelecer o Dia

    do ndio no dia 24 de junho, a principal atitude de Legua em relao ao

    problema indgena fora a Ley de Conscripcin Vial logo apelidada mita

    republicana que obrigava todos os ndios vares entre 18 e 60 anos a

    trabalhar doze dias ao ano, sem remunerao, na construo de estradas que

    passassem por seus vilarejos. Agora, o regime militar pretendia, com a reforma

    agrria, transformar definitivamente os ndios (categoria tnica) em

    camponeses (categoria sociolgica).

    Abria-se agora o caminho para a monumentalizao de Tpac Amaru

    que implicaria numa guerra de imagens que precisa ser pesquisada com

    especial ateno. Uma lei previa desde 1966 a criao de um monumento

    pblico em memria de Tpac Amaru na Plaza de Armas de Cusco; mas j

    estava ali uma fonte com um monumento anacrnico em memria de

    Atahualpa. Embora se tratasse de mera cpia de uma escultura genrica de

    ndio importada dos Estados Unidos ao que parece, por iniciativa de Albert

    Giesecke, que fora reitor da Universidade de San Antonio Abad e prefeito de

    Cusco no incio do sculo isto no impedia que uma forte corrente da opinio

    pblica da cidade manifestasse simpatia por ela. Na noite de 5/09/1969 (dois

    meses aps o decreto da reforma agrria), um grupo de tupacamaristas

    arrancou do seu pedestal a esttua-pastiche de Atahualpa.

    Um novo decreto do governo militar reafirmou como questo de

    interesse pblico a instalao de um monumento a Tpac Amaru na Plaza de

    Armas de Cusco. Quase s vsperas da comemorao do Sesquicentenrio

    da Independncia, a 29/10/1970 o mesmo grupo tupacamarista cometeu um

    atentado similar contra o monumento a Mateo Pumacahua em Sicuani por

    consider-lo traidor de Tpac Amaru. A reao emocional provocada por

    esses atentados impediu que eles atingissem plenamente os seus objetivos.

    Em Sicuani, a esttua de Pumacahua foi restaurada um tanto grosseiramente

    sua cabea ficou ligeiramente inclinada para baixo. Em Cusco, a velha e

    discutvel esttua de Atahualpa foi substituda por uma outra com uma

    aparncia mais prxima do consenso estabelecido acerca de como representar

    os imperadores incas.

    Depois de trs concursos pblicos sem projeto aprovado, o escultor

  • 15

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    Joaqun Ugarte y Ugarte foi encarregado de executar o seu projeto de

    monumento a Tpac Amaru. A inaugurao da enorme esttua equestre

    (fundida em 1976) ocorreu quatro anos depois, durante a comemorao do

    bicentenrio da grande rebelio, na praa Tpac Amaru que se decidiu

    construir em 1979.26

    Assim, o Sesquicentenrio da Independncia foi comemorado enquanto

    a monumentalizao de Tpac Amaru ainda estava em curso; provvel que

    os principais interessados apostassem na aproximao de outra efemride

    muito mais significativa para os seus propsitos, os 200 anos da rebelio.

    A bibliografia relativa ao Sesquicentenrio privilegia a intensificao da

    disputa historiogrfica em torno do verdadeiro sentido da independncia. E

    muito logicamente, a bibliografia que vem sendo produzida em funo do

    Bicentenrio que se avizinha retoma esse debate colocando-o em perspectiva.

    Um tema especfico a pesquisar so as polticas recentes relativas aos lugares

    de memria e, mais especificamente, as polticas de memria diretamente

    articuladas aos usos pblicos das imagens de Mateo Pumacahua e Tpac

    Amaru.

    No campo da discusso historiogrfica, sobressaem a importncia e os

    prolongamentos do severo questionamento feito ao porre nacionalistaque

    representou a gigantesca comemorao organizada pelo governo militar de

    Juan Velasco Alvarado por um grupo de historiadores acadmicos em que se

    destacou o jovem historiador Heraclio Bonilla:

    En 1972 los historiadores Heraclio Bonilla y Karen Spalding, al

    publicar trabajo tan original ("La Independencia en el Per: las

    palabras y los hechos") en la obra colectiva publicada por el Instituto

    de Estudios Peruanos "La independencia en el Per (Lima: .E.P

    ediciones, 1972), que presenta traba os tanto o ms novedosos y

    trascendentes como los de Pierre Chaunu, Tulio alperin Donghi, E.J.

    obsbawm y Pierre ilar, causaron una gran conmocin en el mbito

    intelectual vinculado al campo histrico al sostener, como idea

    fundamental -hertica para aquellos tiempos- que el proceso de la

    independencia peruana estuvo determinado ntegramente por

    intereses extrarregionales, bsicamente por los intereses comerciales

    y financieros de Inglaterra, de tal manera que la independencia no

  • 16

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    pod a ser analizada ni interpretada como un proceso interno, como

    producto de un largo proceso de lucha por ella, sino que le fue

    impuesta a los peruanos, quienes realmente no la deseaban, por no

    convenirles la separacin con relacin a Espaa.27

    Esse debate permanece em aberto e sempre se aprofunda explcita ou

    implicitamente por ser o centro da reflexo acerca da prpria ideia de

    historicidade da nao peruana, e j est voltando a inflamar-se em torno do

    Bicentenrio que se avizinha. Um bom exemplo de que o interesse pelo tema

    no se limita aos historiadores pode ser visto num vdeo recente em que o

    deputado Manuel Dammert justifica o projeto de lei n. 2855/2013-CR, (j

    mencionado) pela necessidade de enfrentar corrientes historiogrficas

    conservadoras que pretenden borrar de la memoria el aporte de figuras

    epnimas como la del cacique de Tungasuca.28 Pela nossa parte, interessa

    identificar e avaliar os momentos e os modos de uso poltico da memria e da

    imagem de Tpac Amaru e de Mateo Pumacahua.

    Apesar da inequvoca ascenso de Tpac Amaru ao posto de cone

    maior da nao peruana, promovida pelo regime militar nacionalista,

    importantes setores de opinio sem questionar a importncia histrica do

    personagem recusam o voluntarismo, o autoritarismo e o utopismo

    frequentemente vinculados ao seu culto. Por outro lado, a radicalizao do

    encontro entre o comunismo e o indigenismo a partir do encerramento do

    governo militar radicalizao que conduziu ao surgimento do Sendero

    Luminoso (cujo programa poltico-ideolgico conciliava o mariateguismo e o

    maosmo) e do Movimento Revolucionrio Tpac Amaru esgotou-se ao final

    de uma longussima e dura guerra suja que fez quase 70.000 vtimas, em sua

    maioria ndios e mestios.

    A historiografia peruana muito sofisticada, e convida-nos a comparar a

    trajetria da memria de dois personagens importantes. O contraponto entre o

    cacique Tpac Amaru cone maior de um processo que ultrapassa os limites

    da histria peruana e o cacique Mateo Pumacahua, heri da independncia

    do Peru pode contribuir ao questionamento da dimenso mtica pela

  • 17

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    historiografia crtica.

    * Universidade de Braslia. Contato: [email protected]

    1V. CAHILL, David. Nobleza, identidad y rebelin: los incas nobles del Cuzco frente a Tpac

    Amaru (1778-1782) in Histrica, vol. 27, n. 1, 2003, pp. 9-49;ALAPERRINE-BOUYET, Monique. La educacin de las elites indgenas en el Per colonial. Lima: Institut Franais dEtudes Andines, 2007; GARRETT, David T. Shadows of Empire. The Indian Nobility of Cusco, 1750-1825. New York: Cambridge University Press, 2005, pp. 80, 84, 241. 2V. PERALTA, Luz & PINTO, Miguel. Mateo Pumacahua. En torno a la personalidad del

    cacique de Chinchero. Lima: Seminario de Historia Rural Andina. Universidad Nacional Mayor de San Marcos; OP ELAN GODOY, Scarlett. Dionisio nca Yupanqui y Mateo Pumacahua: dos indios nobles frente a las Cortes de Cdiz (1808-1814) in ORREGO PENAGOS, Juan Luis; ALJOVN DE LOSADA, Cristbal; LPEZ Soria (comp.). Las independencias desde la perspectiva de los actores sociales. Lima: Organizacin de Estados Iberoamericanos para la Educacin, la Ciencia y la Cultura / Universidad Nacional Mayor de San Marcos / Pontificia Universidad Catlica del Per, 2009, pp. 93-104. 3V. HERRERA, Jos Hiplito. El lbum de Ayacucho: coleccin de los principales documentos

    de la guerra de la independencia. Lima: Tipografa de Aurelio Alfaro, 1862, p. 246. A obra, com seu estilo comemorativo, situa-se no contexto do Cinquentenrio da Independncia. 4Cf. RUMAZO GONZLEZ, Alfonso. O'Leary, edecn del Libertador: biografa. Caracas:

    EDIME, 1956, p. 121. 5VALCARCEL, Luis E. Memorias. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1981, pp. 142-143 e

    47. 6Fragmento do artigo La Raza nd gena in La Protesta n. 39, 1914 cf. KAPSOLI, Wilfredo.

    Ayllus del Sol. Anarquismo y utopa andina. Lima: TAREA, 1984, p. 179. 7La Protesta n. 86, 1920, apud KAPSOLI, pp. 188-189.

    8V. CASALINO SEN, Carlota Alicia. Los hroes patrios y la construccin del Estado-nacin en

    el Per (siglos XIX y XX). (Tese de Doutorado). Lima: Universidad Mayor de San Marcos, 2008. 9"Ley que declara de importancia histrica e inters nacional el reconocimiento de la Gesta

    Emancipadora de Tpac Amaru II y Micaela Bastidas en la celebracin del Bicentenario de la Independencia del Per" disponvel em http://www2.congreso.gob.pe/Sicr/ApoyComisiones/comision2011.nsf/DictamenesFuturo/CACC500489DBF8F005257CD30060FF7D/$FILE/CULTURA_2855-2013-CR_Txt.Fav.Sust.Mayor%C3%ADa.pdf [visitado em 7/08/2014). 10

    KAPSOLI, W. op. cit. pp. 51-59; o autor se fundamenta emVALENCIA, Abraham. "Las Batallas de Rumitaque" in VALENCIA, A. et al. Homenaje al Bicentenario de la Rebelin Campesina de Thupa Amaro (1780-1980). Cusco: Centro de Estudios Andinos, 1980; VALDERRAMA FERNNDEZ, Ricardo & ESCALANTE GUTIRREZ, Carmen. Levantamiento de los indgenas de Huaquir y Quiota (1922-1924/Apurimac Cuzco). Lima: Imp. Miguel Angel Pinto, 1981; apud KAPSOLI, op. cit. p. 62. 11

    El Tiempo, 17/10/1921 apud KAPSOLI, pp. 50-51. 12

    ESP NOZA, Antonio. La ndependencia en los textos escolares peruanos, 1821-1921in MC EVOY, Carmen; NOVOA, Mauricio; PALTI, Elas (orgs.). En el nudo del imperio. Independencia y democracia en el Per. Lima: IEP, IFEA, 2012, p. 403. 13

    A este respeito, cf. ORREGO PENAGOS, Juan Luis.Y Lleg el Centenario! Los festejos de 1921 y 1924 en la Lima de Augusto B. Legua. Lima: Titanium, 2014. 14

    FLORES LEDESMA, Mara. "Mrmol y nacin: monumentos urbanos en el centenario de la independencia del Per (1921-1924)" in TRIM. Tordesillas Revista de Investigacin Multidisciplinar n. 3, 2011; VIUALES, Rodrigo Gutirrez. Monumento conmemorativo y espacio pblico en Iberoamrica. Madrid: Ctedra, 2004. 15

    Publicado na revista Mundial, 9/12/1924. 16

    MARITEGUI, Jos Carlos. Siete ensayos de interpretacin de la realidad peruana. Lima: Biblioteca de Amauta, 1928; o grifo meu. 17

    MARIATEGUI, op. cit.; o grifo meu. 18

    BASADRE, Jorge. Marx y Pachacutec in Nueva Revista Peruana n. 1, 1/08/1929, p. 21 apud David Sobrevilla in BASADRE, Jorge. Per, problema y posibilidad: y otros ensayos. Caracas: Biblioteca de Ayacucho, 1992, p. XXIII; BAUDIN, Louis L'Empire socialiste des Inka. Paris: Universit de Paris Travaux et mmoires de l'Institut d'Ethnologie V, 1928.

  • 18

    Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niteri Rio de Janeiro

    ISNB 978-85-66056-01-3

    19

    BASADRE, Jorge. Per, problema y posibilidad: y otros ensayos. Caracas: Biblioteca de Ayacucho, 1992, pp. 121-122. A primeira edio de 1931. 20

    VALCRCEL, Daniel, La Rebelin de Tupac Amaru. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1947; CORNEJO BOURONCLE, Jorge, Tpac Amaru. La revolucin precursora de la emancipacin continental. Cuzco: Universidad Nacional de Cuzco,1949; CORNEJO BOURONCLE, Jorge. Pumacahua: La revolucin del Cuzco de 1814. Cuzco: H. G. Rozas, 19 ; LEWIN, Boleslao. La rebelin de Tpac Amaru y los orgenes de la emancipacin americana. Buenos Aires: achette, 19 7. 21

    Cf. PINHEIRO, Marcos Sorrilha. Utopia andina e socialismo na historiografia de Alberto Flores Galindo (1970-1990 (Tese de Doutorado). Franca: UNESP, 2009. 22

    USCAMAITA HUAMN, Tefilo.Historia y odisea del primer monumento a Tupac Amaru. Lima: Universo, 1980. 23

    PINHEIRO, Marcos Sorrilha, op. cit., pp. 37-38. 24

    DEAN, Carolyn. Inka Bodies and the Body of Christ. Corpus Christi in Colonial Cuzco, Peru.Durham: Duke University Press, 1999;para um detalhado estudo crtico da bibliografia sobre esse tema, cf. GAREIS, Iris. "Los rituales del Estado colonial y las lites andinas" in Bulletin de l nstitut Franais dtudes Andines n. 37 (1), 2007, pp. 97-109. 25

    V. LITUMA AGERO,Leopoldo. El verdadero rostro de Tpac Amaru (Per, 1969-1975). Lima: UNMSM y Pakarina Ediciones, 2011; LEONARDINI, Nanda. Identidad, ideologa e iconografa republicana en el Per inArbor: ciencia, pensamiento y culturaclxxxv/740, 2009, pp. 1259-1270. 26

    TAMAYO HERRERA, Jos.La historia del monumento a Tpac Amaru. Lima: Comisin Nacional del Bicentenario de la Rebelin Emancipadora de Tpac Amaru, 1980. 27

    PAREDES M., Jorge G. La independencia peruana un don forneo?Disponvel em http://www.monografias.com/usuario/perfiles/jgparedesm/monografias. V. um bom mapeamento das principais questes da disputa historiogrfica em torno da independncia em MORN RAMOS, Luis Daniel. Borrachera nacionalista y dilogo de sordos. eraclio Bonilla y la historia de la polmica sobre la independencia peruana in Praxis en la istoria. Revista del Taller de Estudios Histrico-Filosficos ao V n. 6, 2007, pp. 25-40. 28

    Exposicin 'Tpac Amaru, la Independencia y el Bicentenario', por el congresista Manuel Dammert, disponibilizada emhttps://www.youtube.com/watch?v=8dYwZSOuLbU