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Memórias da Belém de Antigamente

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Livro que relata historias da cidade de Belém do Pará

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ReitoraVice-Reitora

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoPró-Reitor de GraduaçãoPró-Reitora de Extensão

Pró-Reitor de GestãoDiretora do Centro de Ciências Sociais e Educação

CoordenadoraRevisor

Designer Gráfi co

Apoio Técnico

Conselho Editorial

Universidade do Estado do Pará

Marília Brasil XavierMaria das Graças da SilvaJofre Jacob da Silva FreitasRuy Guilherme Castro de AlmeidaMariane Cordeiro Alves FrancoManoel Maximiano JuniorMaria José Cravo

Josebel Akel FaresNilson Bezerra NetoHudson Maik Campos da SilvaLaíza Araújo LoureiroWillame de Oliveira RibeiroBruna Toscano Gibson

Elizabeth TeixeiraHebe Morganne Campos RibeiroIvanilde Apoluceno de OliveiraJofre Jacob da Silva Freitas Joelma Cristina Parente Monteiro AlencarJosebel Akel FaresMaria das Graças da SilvaMarília Brasil XavierNorma Ely Santos BeltrãoTânia Regina Lobato dos Santos

Editora da Universidade do Estado do Pará

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Memórias da Belém de Antigamente

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Livro fi nanciado com os recursos do Projeto Memória Belém, nas versões Histórias de Velhos e Testemunhos de Artistas, captados nos editais da Universidade do Estado do Pará/ Programa de Apoio e Desenvolvimento às

Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão.

FICHA TÉCNICA DO PROJETO

Coordenação Geral: Profª. Drª. Josebel Akel Fares (Depto de Artes)

PROJETO MEMÓRIA DE BELÉM EM HISTÓRIA DE VELHOSRealização: 2004/2005, na Associação da Pia União de Santo Antônio

(Asilo Pão de Santo Antônio)Professores pesquisadores:

Profª. Drª. Josebel Akel Fares (coordenadora); Profª. MsC. Venize Nazaré Ramos Rodrigues.

Bolsistas Elaine Riker (Curso de Formação de Professores);

Marcela Aritéia Oliveira Nogueira (Curso de Formação de Professores); Merynilza Santos de Oliveira (Curso de Formação de Professores);

Wellingson Valente (Licenciatura em Letras – Voluntário);Advaldo Castro Neto (Curso de Filosofi a (UFPA) – Voluntário).

PROJETO MEMÓRIA DE BELÉM EM TESTEMUNHO DE ARTISTASRealização: 2006/2007

Professores pesquisadores: Profª. Drª. Josebel Akel Fares (coordenadora);Profª. MsC. Venize Nazaré Ramos Rodrigues; Profª. MsC. Joelciléa de Lima Ayres Santiago.

Bolsistas José Denis de Oliveira Bezerra (Licenciatura em Letras);

Renata dos Santos Lameira (Licenciatura em Letras); Wellingson Valente do Reis (Licenciatura em Letras);

Merynilza Santos de Oliveira (Curso de Formação de Professores).

Dados Internacional de Catalogação na PublicaçãoDiretoria da Biblioteca Central da UEPA

Memórias da Belém de antigamente / Josebel Akel Fares (org.). _ Belém : EDUEPA, 2010.

240 p. : il. ISBN: 978858837536-9

1. Belém (PA) – história. 2. Belém ( PA) – memórias. 3. Belém (PA) – cotidiano da cidade. I. Fares, Josebel Akel, org.

CDD 21. ed. 981.15

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MEMÓRIAS DA BELÉM DE ANTIGAMENTE

Josebel Akel Fares (org.)Advaldo Castro Neto

Joelciléa de Lima Ayres SantiagoJosé Denis de Oliveira BezerraMerynilza Santos de OliveiraRenata dos Santos Lameira

Urubatan Ferreira de CastroVenize Nazaré Ramos Rodrigues

Wellingson Valente dos Reis

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Em memória

Benedicto Monteiro; Florinda Bastos da Cunha ;

João Sarmanho;Oswaldino de Oliveira - Seu Dino;

Yolina Herreira.

Agradecimentos a todos que colaboraram nesta etapa do projeto, especialmente,

aos intérpretes da pesquisa:

Alonso Rocha; Cleodon Gondim; Iracema Oliveira; Guilhermina Nasser; João Bosco Castro; Joana do Espírito Santo; Januário Guedes; José Sales;

Lenora Brito; Maria José Amaral; Mário Nazareth de Souza; Nilza Maria; Paolo Ricci; Pinduca; Raimunda da Silva Nazaré;

Terezinha Monfredo Silva

e mais,

Maria Raimunda Sales da Silva, Valéria Costa e demais membros da equipe gestora do Pão de Santo Antônio.

Hudson Maik, Jessiléia Eiró; Nilson Bezerra.

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SUMÁRIOPELA MEMÓRIA DE UMA CIDADE, 13APRESENTAÇÃO, 17PRIMEIRO DESENHO MEMÓRIA DE BELÉM: ORIENTAÇÕES TEÓRICAS, METODOLÓGICAS. OS INTÉRPRETES, 21

Memória, Tempo e Oralidade, 27 Josebel Akel Fares

Memória mítica, esquecimento e reminiscência, 27Memórias pretéritas, presentes e futuras: diálogos inaugurais no Asilo Pão de Santo Antônio, 32Memória e história oral, 35

Espaço da Escuta: Associação da Pia União de Santo Antônio, 39 Os Intérpretes de Belém, 41Memórias de Belém em Histórias de Velhos, 42 Elaine Riker; Marcela Aritéia Oliveira Nogueira; Merynilza Santos de Oliveira

RAIMUNDA da Silva Nazaré (1919); 42JOANA Graça da Conceição do Espírito Santo (1937), 43TEREZINHA de Jesus Monfredo Silva (1930), 44OSWALDINO Ferreira de Oliveira - Seu DINO (1913 - 2008), 45Raimunda YOLINA Souza Herreira (1926 - 2005), 46João Souza SARMANHO (1942 - 2008), 47MÁRIO Nazareth de Souza (1923), 48FLORINDA Bastos da Cunha (1916 - 2008), 49José SALES (1934), 50MARIA JOSÉ Amaral (1927), 51

Memórias de Belém em Testemunhos de Artistas, 52 Elaine Riker; José Denis de Oliveira Bezerra; Renata dos Santos Lameira; Wellingson Valente dos Reis; Merynilza Santos de Oliveira

Raimundo ALONSO Pinheiro ROCHA (1926), 52BENEDICTO MONTEIRO (1924 - 2008), 53 PAOLO RICCI (1925), 54CLEODON Romano Medeiros GONDIM (1940), 55NILZA MARIA Feitosa (1922), 56IRACEMA Jesus de OLIVEIRA (1937), 57GUILHERMINA Tereza Serveira NASSER (1920), 58Maria LENORA Menezes de BRITO (1936), 59Aurino PINDUCA Quirino Gonçalves (1937), 60JOÃO BOSCO da Silva CASTRO (1940), 61João JANUÁRIO Barros GUEDES (1941), 62

SEGUNDO DESENHOMEMÓRIA DE BELÉM EM HISTÓRIAS DE VELHOS, 63

Cidade Narrada: Memórias, Histórias e Representações, 65Venize Nazaré Ramos Rodrigues

A Casa, o Bairro, a Rua, 66Água, Luz, Lixo, 74Bonde, Trem, Zepelim: circulação e transporte, 76Comer, Cozinhar, Sobreviver: as comodidades de uma vida simples, 81

Saberes Poéticos em Signos Verbais: espaços de leitura e de escrita, 89 Josebel Akel Fares

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Leituras da Voz, 90Leituras das Letras, 96Romances, Jornais, Revistas, 97Correspondências, 104

Entrelace do Amigo e do Amante nos Sonhos da Memória de Belém, 111 Merynilza Santos de Oliveira

TERCEIRO DESENHOMEMÓRIA DE BELÉM EM TESTEMUNHOS DE ARTISTAS, 123

A Arte na Belém do Passado, 125A Música no Final do Século XIX e Primeira Metade do Século XX, 125 Joelciléa de Lima Ayres Santiago & Urubatan Ferreira de Castro No Palco da Reminiscência: lembranças de um espetáculo do passado, 141José Denis de Oliveira Bezerra

Memória do Teatro no Pará, antecedentes, 141Do teatro religioso ao profano, 142Teatro de Época: notas baseadas em Vicente Salles, 146Época Natalina, 147Época Junina, 148Épocas de carnaval e quaresma, 150Época Nazarena, 152

O Cinema no Século Passado, 159 José Denis de Oliveira Bezerra

Cine Belém: carpe dien, 160Flash Back, 161Olympia, Palácio e Nazaré: metamorfoses ambulantes, 163

A Radionovela e a Televisão: processos e passagens, 169 Advaldo Castro Neto & Renata dos Santos Lameira

Nós criamos o som, você cria as imagens, 170A chegada da televisão em Belém. Fim da era de ouro do rádio?, 175

A Procissão de Narrativas: Imagens do Círio de Nazaré, 183Wellingson Valente dos Reis

A história do surgimento do Círio, 184As Imagens da Memória, 186Os Preparativos, 187A Procissão, 188As Festas, 192Almoço do Círio, 194

A Escola nas Histórias de Antigamente, 199Merynilza Santos de Oliveira Memórias de Guerra, 207 Venize Nazaré Ramos Rodrigues

RESUMOS/ABSTRACTS, 217APÊNDICE 1 - Memória de Belém em Histórias de Velhos Roteiro de Entrevista, 224APÊNDICE 2 - Memória de Belém em Testemunho de Artistas Roteiro de Entrevista, 226APÊNDICE 3 - Termo de Cessão Gratuita de Direitos sobre Gravações de Voz e de Imagem, 229APÊNDICE 4 – Projeto Arte no Pão, 230APÊNDICE 5 - Matéria de O Liberal Cartaz Capa 2005, 238

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PELA MEMÓRIA DE UMA CIDADE

Jerusa Pires Ferreira1∗

Para além das águas, que também constroem um circundante e imenso espa-ço, Belém é uma cidade que nos oferece a memória viva de cada pedra, constru-ção, desconstrução, caminho, coisa, objeto captado ou recriado.

Suporte de ações do homem, a memória é ainda matéria pela qual o mundo se transmite. Ela não existe em condição plena ou despótica ou nos oferecendo um todo completo.Tudo é percurso, apreensão, vivência e ritmo: passando pela linguagem ou pelas linguagens, pelas reservas conceituais, metafóricas, icônicas, sempre prontas tanto a se repetir quanto a se transformar num movimento sem fi m.

No que se refere à imensidão do mundo que nossa memória inventa ou re-descobre, não há outra saída: vamos territorializando e escolhendo espaços pro-pícios, para que nossa subjetividade se organize e os afetos se assentem, apesar do trânsito constante.

Algumas cidades apresentam, no entanto, espaços mais vazios e dependendo do que se tenha passado, se transformam para nós num deserto (um desêtre como nos diria Jacques Derrida). Outras requerem um projeto intenso que aproxima viver e evocar, experimentando algo que parece estar à nossa espreita e espera, a cada momento que surge, como uma virtualidade que se atualiza.

Recentemente, em 2008, na Praça da Igreja de São João2, comemorando com alguns colegas o quarto centenário do Padre Antonio Vieira, pude perceber a circulação de relatos, que acionavam a memória viva daquele lugar, como se partindo das grandes portas que se ofereciam a nós. Foi ali então que ouvi a his-tória (e aí a lenda cumpre bem o seu papel) do famoso jesuíta no cárcere, naquele mesmo lugar, em que socorrido por uma índia que cozinhava para não deixá-lo morrer de fome e se esgueirava para levar-lhe alimento, aconteceu que ela foi presa.

Diante dos inquisidores que a ameaçaram com a queima de sua aldeia, caso ela insistisse em alimentar o pregador, lhes teria oferecido a resposta pronta:

-“Cozinharei então para ele nas brasas da minha aldeia”.

1∗ Professora do CJE/ECA-USP e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Coordenadora do Centro de Estudos da Oralidade do COS/PUC-SP. 2 A Igreja de São João Batista localiza-se na Cidade Velha/Belém-PA, já foi a matriz da cidade e sua cons-trução é de 1777.

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Cena de tão grande visualidade que se apresenta a nós como uma tirada heróica de literatura épica, e se oferece pronta para a fi lmagem de série cine-matográfi ca. Verdade ou fábula, não importa. Vale o que se condensa de vida, história, ação sob aquelas pedras tantas vezes pisadas. Conta a marca e a presen-ça dos povos indígenas, africanos, migrantes que construíram a civilização do Grão-Pará, da cidade de Santa Maria de Belém, vivos em sua memória, na qual podem ressoar ainda palavras de jesuítas como Vieira, perplexo3, ou do notável antropólogo que parecia ser o Padre João Daniel4.

Tantos motivos como este, para desencadear uma atenção viva aos relatos, narração que se insinua a cada passo, conferindo ao ato memorial que um senti-do que tudo re-signifi ca, a vida e as culturas.

Entre mim e a cidade de Belém surgiram desde os primeiros momentos vín-culos fortíssimos. Visito um dia o Arquivo Público do Estado, em companhia dos amigos Lucia van Velthen e Marcio Meira. Passo a compor, com muita honra, o Conselho da Revista Arquivos e fi co maravilhada não só com o mobiliário e ar-quitetura daquela Instituição, as estantes de ferro vindas da Europa Belle Époque, mas com o rigor do trabalho que vi fazer-se ali com uma preciosa documentação. Que nos convida a todos.

Depois, em contato com o poeta João Jesus Paes Loureiro, aproveito para atender ao seu convite e visitar o Instituto das Artes que se estava inauguran-do, naquela ocasião. Um espaço muito privilegiado, construído com entusiasmo, numa bela recuperação arquitetônica de antigo edifício militar, criando-se um espaço cultural de grandes possibilidades para abrigar projetos, ofi cinas, realiza-ções no domínio da criação e da refl exão. Entre os muitos amigos e os projetos de projetos, recebi sempre acolhida e sabedoria.

Mas o passeio pelo centro da cidade trouxe um apelo intenso, da descoberta da geometria de cada cuia pintada vendida na praça ao movimento das folhas das mangueiras que dão sombra e frescor à cidade, sucessão de cheiros, de um micro universo que é o Mercado do Ver-o-Peso. Há todo um compasso de per-cepções, refl etidas no poente disposto a fazer daquelas àguas um esplendor.

Adotei o Hotel Beira Rio, suas aberturas sobre o Rio Guamá, a piscina de águas muito claras junto às touceiras de açaí. E o caminho até o hotel com suas casas pobres e de madeira, ao contrário do que costuma ocorrer com aqueles que rejeitam a precariedade deste trajeto, sempre me prendi a ele. As casas popula-

3 Cf. Benedito Nunes. “Os Tristes, Brutos Índios de Vieira, ou um Missionário Aturdido”. In: Revista Asas da Palavra, Belém/PA, Centro de Ciências Humanas e Educação da UNAMA, v. 10, no. 23, pp. 160-169, 2007 (Edição comemorativa – Antonio Vieira - IV Centenário). 4 Cf. Prefácio de Vicente Salles, “Rapsódia Amazônica de João Daniel”. In: João Daniel (1722-1776). Tesou-ro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. Rio de Janeiro, Contraponto, 2004, vol. I. Atualmente objeto de pesquisa pós doutoral de Henryk Siewierski.

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res de madeira, seus labirintos, suas privações e promessas. A estética daquelas tábuas reaproveitadas, a memória da vida que não está posta ou imobilizada em museus. Assim muitas incursões foram feitas e veio daí a descoberta de artistas e de seus objetos.

Desde sempre, esta cidade me alcançou, devolvendo-me inteireza. O destino de fi car se insinuava, quando pela primeira vez e a convite de Maria do Socor-ro Simões da UFPA, pude descobrir este pedaço de Amazônia, a que me referi como hipérbole de vida. Daí viriam orientandos muito queridos, trazendo cada um em seu projeto parte da cidade e de seu mundo. Viagens, encontros, trajetos de navegação e terra fi rme, escapadas para a noite com seus músicos, parte da memória viva desta cidade.

No momento refi ro-me ainda a universidades paraenses e ao espaço que tem ocupado a Unama, desde que pela primeira vez estive em seu Fórum de Letras. Tenho colaborado permanentemente em suas belas publicações. Célia Jacob e Lucilinda Teixeira, competentes propiciadoras da produção e circulação de ma-teriais que nos trazem a cidade do Pará e a Amazônia em suas páginas bem cuidadas e contando com o talento de escritores como Paulo Nunes e Josse Fares entre tantos outros.

E cada visita ao Museu Paraense Emílio Goeldi se transformava num fascí-nio, num pensar sobre formas de memória, no parque ou no mundo da edição. Parei numa das vezes, em que ali estive, para pensar na condição das tartarugas tracajás, cinzentas e como lousas, umas sobre as outras, limites entre a condição animal e a pedra, como nos convidando a pensar numa pré-memória num per-turbador mergulho a um tempo tão anterior, que parecia nem mesmo existir.

Mas um dia, e devo contar, atravessamos o estreito de Breves e era festa de Santana (como no lugar do sertão onde nasci), momento de celebração para se pensar na unidade impressionante deste país. Nas afi nidades culturais, apesar da diversidade em regiões tão distantes e diferentes, e no papel dos jesuítas quanto à organização desta unidade.

Este projeto, Histórias da Belém de Antigamente, conduzido por Josebel Fares tem a ver com tudo isso, na medida em que a memória tem sido seu objeto per-manente de refl exão e pesquisa. Guarda nele todo um repertório de materiais de campo, em que fi guras as mais diversas vão conquistando o seu espaço de memória que os pereniza e legitima.

Mas falo aqui de um caminho que vai do inventário ao pesquisador. No sé-culo XX, diz-nos o pensador Fausto Colombo, em seus notáveis Arquivos Imper-feitos5, cria-se uma autêntica vocação para a Memória, espécie de mania arquivís-tica que permeia conjuntamente a cultura e a evolução tecnológica. A gravação e

5 Cf. Arquivos Imperfeitos. São Paulo, Perspectiva, 1991.

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o arquivamento. Aponta para a busca de nexos no exercício das memórias con-temporâneas, em que contam as espacializações da memória, da tecnologia ao homem6, seus espaços disponíveis a isso. Apresenta-nos os arquivos telemáticos como parentes das antigas formas de memorização, transmitidas e sedimentadas na mnemotécnica ou arte da memória, como também o fi zera Frances Yates7, lembrando-nos da importância dos “armazéns” de imagens. É assim que chega à ideia de forma-saber, equivalendo a forma-memória, quando da estruturação do mundo. A capacidade informativa das memórias espacializadas e traduzidas baseia-se na competência limitada por parte do leitor e que o conjunto das leitu-ras de textos e imagens não constitui a própria memória como um todo, mas ela é o sintoma de cada um.

Somos ainda levados à construção labiríntica da memória, o que nos faz des-pertos para as diferenças entre o arquiteto e o viajante. Dédalo e Teseu.

Um signifi cado da nova ordem temporal é imposta pelos arquivos (ou por eles assinalada) emergindo apenas em relação com a memória. E esta memória se defi ne em função da ordem da colocação dos objetos que recordamos. Penso ser da maior importância buscar o nexo profundo entre a organização de arquivos e de sistemas de memória com as durações temporais contemporâneas8.

Por tudo isso, esse projeto desenvolvido pela pesquisadora e demais inte-grantes da equipe, pertencentes ao grupo de pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA), da UEPA, representa um passo rumo a possíveis entendi-mentos, que vão do lendário ao histórico à experiência direta dos narradores e a tipos humanos confi gurados nesta grande cartografi a. A cidade que nela habita a ela se oferece, em condição de permanência, e a nós os passantes que a adotamos, e nela nos encontramos, mesmo à distância. Arquitetos e viajantes todos nós, em-penhados em captar e construir, a partir de fragmentos perecíveis, a presença de toda uma cultura, que passa a nos pertencer em parte, quando nos integramos ou conseguimos imaginar. Vozes, gestos, objetos, fatos, paisagens vão se oferecendo como virtualidades, que nos levam a acreditar que todos os arquivamentos são necessários, mesmo quando em suas imperfeições nos fazem crer que provêm da semantização dos afetos, a garantir-lhes longevidade e presença.

6 Conferência ministrada por Jerusa Pires Ferreira, “As Artes da Memória e Frances Yates”. In: Semi-nário “O Local da Memória no Pensamento Contemporâneo: Frances Yates e Paul Ricoeur. IEL-UNI-CAMP, 03 de abril de 2008. 7 Cf. Frances Yates. A Arte da Memória. Trad. Flavia Bancher. Campinas/SP, Editora da Unicamp, 2007. 8 Bernard Stiegler. La technique et le temps 2: La désorientation. Paris, Galilée, 2001.

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Memórias da Belém de Antigamente

APRESENTAÇÃO

Este livro é resultado de parte da pesquisa “Memória de Belém”, coordenada e executada por professores e alunos do Grupo de Pesquisa Culturas e Memó-rias Amazônicas (CUMA), registrado no diretório 5/CNPq, ligado ao Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará. O projeto tem como proposta contribuir para a recuperação da memória sociocultural de Be-lém, de 1940 a 1960, por meio da voz das lembranças de pessoas com mais de 65 anos. É uma pesquisa qualitativa e se utiliza da metodologia de história oral. O trabalho desenvolve-se em três partes, duas etapas concluídas e uma em proces-so de construção.

A primeira etapa constitui-se do projeto “Memória de Belém em histórias de velhos” (2004),1 os intérpretes, moradores do Asilo Pão de Santo Antônio, permi-tiram construir registros da cidade no aspecto sociocultural, como bairro, mora-dia, equipamentos urbanos, transporte, saúde, escolaridade, divertimento, moda, política. A segunda “Memória de Belém em Testemunho de Artistas”(2005/6), por meio de vozes de artistas das diferentes expressões estéticas, desenhou-se Belém, especialmente, pelas narrativas vindas do mundo das artes, os aspectos artísticos da cidade: espaço, formação e circulação. Na terceira parte, em anda-mento, “Memória de Mestre: Belém Antiga em Narrativas de Professores da Educação Básica” prossegue-se a urdidura do município por meio da voz de educadores de diferentes graus de ensino, e, assim, reconstrói-se as dimensões da educação e da história social, com traços expressos nos relatos sobre escolas, professores, métodos de ensino, bem como movimentos educacionais para além do instituído.

Este livro apresentará os resultados das duas primeiras partes da pesquisa, que foram fi nanciadas pela Universidade do Estado do Pará/ Programa de Apoio e Desenvolvimento às Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão (Editais 2005; 2006; 2007).

Organiza-se a cartografi a da cidade em três desenhos fundamentais, que cor-respondem às partes do livro. Os artigos escritos por professores e, na época, alu-nos de graduação dos cursos de Licenciatura em Formação de Professores e em Letras, do Centro de Ciências Sociais e Educação, trazem as marcas de leitura dos seus autores, os temas de análise foram escolhidos a partir do interesse da cada um. Por este motivo, esclarece-se que apesar do projeto pretender os registros da Belém pretérita, muitas vezes, extrapola-se a essa marca, delineia-se o presente, prospecta-se o futuro da cidade e as vozes dialogam no tempo. O material das entrevistas é grande e está disponível para novas abordagens e novos estudos.

1 Este projeto deu origem ao projeto de extensão Arte no Pão e, posteriormente, Música no Pão (ver anexo).

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O primeiro desenho, Memórias de Belém: orientações teóricas, metodológi-cas e intérpretes, refere-se, como o próprio título indica, as questões gerais sobre o projeto. No texto de abertura, Memória, tempo e oralidade, apresento um breve estudo sobre memória, a partir da leitura mítica, esquecimento e reminiscência; em seguida, estabeleço um jogo dialógico entre diferentes tempos de convívios no Pão de Santo Antônio; além do percurso teórico-metodológico inscrito em memória e história oral. Na segunda parte, apresenta-se o espaço do Pão de San-to Antônio, a partir de documentos disponibilizados pelo corpo técnico da insti-tuição à época do projeto. Por fi m, os intérpretes da cartografi a são apresentados por cada um dos bolsistas que participaram da entrevista com o narrador descri-to: em Memórias de Belém em Histórias de Velhos os autores são Elaine Riker; Marcela Aritéia Oliveira Nogueira; Merynilza Santos de Oliveira. Memórias de Belém em Testemunho de Artistas, Elaine Riker; José Denis de Oliveira Bezerra; Renata dos Santos Lameira; Wellingson Valente dos Reis; Merynilza Santos de Oliveira

O segundo desenho, Memória de Belém em Histórias de Velhos, fi gura-se a cidade a partir dos dez intérpretes do projeto homônimo. Venize Rodrigues, em Cidade narrada: memórias, histórias e representações, analisa o bairro, a mora-dia, equipamentos urbanos, transporte, bem como formas de vida. A construção do texto traz a marca da historiadora, apóia-se em teóricos da história cultural ou do cotidiano. Josebel Akel Fares, em Saberes poéticos em signos verbais, estuda questões referentes à leitura e a escrita, ou seja, analisa as leituras da voz e das letras e faz uma breve incursão sobre o tema da escrita de correspondência. Em Entrelace do amigo e do amante nos sonhos, Merynilza Santos de Oliveira, a partir de sua base fi losófi ca, apresenta as formas de namoro, casamento, e os amores e sonhos do passado.

O terceiro desenho, Memória de Belém em Testemunhos de Artistas, risca-se a partir dos 11 intérpretes da segunda pesquisa e alguns da primeira. Orga-niza-se em três partes: as memórias da arte, da escola e da guerra. A primeira analisa 5 aspectos relacionados à Belém Antiga. Em A música na primeira metade do século XX, Joelciléa de Lima Ayres Santiago e Urubatan Ferreira de Castro, a partir de uma abordagem historiográfi ca, que se inicia no século XIX, estudam o movimento da música erudita. Com o mesmo tipo de abordagem, baseado nos estudos de Vicente Salles, José Denis de Oliveira Bezerra escreve No palco da reminiscência: lembranças de um espetáculo do passado sobre o teatro de época e se propõe a recompor alguns traços da memória dessa forma de expressão. Este autor também elabora O cinema no século passado, uma refl exão sobre a chamada sétima arte, baseada especialmente em Pedro Veriano, e o desaparecimento das salas de cinema em Belém. A radionovela e a televisão em Belém: processos e passa-

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gens, de Advaldo Castro Neto &Renata dos Santos Lameira, estudo dividido em duas partes, apresenta as radionovelas, gênero radiofônico da Época de Ouro do Rádio, inicialmente importado e posteriormente desenvolvido por radioatores e técnicos local, depois se percebe que o grupo do rádio transmuta-se para a Tv Marajoara, no início dos anos 60, no artigo privilegia as vozes de radioatores, intérpretes do projeto. Em A procissão de narrativas: imagens do Círio de Nazaré, Wellingson Valente dos Reis conta a história da devoção e as partes da festa em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, padroeira dos paraenses, a partir da voz dos narradores e de textos literários de autores amazônicos. A segunda parte desse traçado A escola nas histórias de antigamente, Merynilza Santos de Oliveira rememora a cidade pelo viés da educação e observa os processo educativos e as posturas dos educadores. A terceira parte traz as Memórias de guerra, escrito por Venize Nazaré Ramos Rodrigues, que relata o “tenso cotidiano” vivido por moradores da cidade.

Esses desenhos compõem os traços da cartografi a da cultura de Belém no sé-culo passado. Cada voz faz reaparecer histórias, que se expressam em rios, ruas, alamedas, praças, logradouros, de onde surgem em linhas sinuosas ou retas, os amores, os namoros, as leituras, as escritas, as formas de vida, a guerra, a edu-cação e a arte na expressão musical, cênica, audiovisual, literária... Memórias da cidade cerzidas com saudade, emoção, seja de dor, ou de alegria, reminiscências de um tempo considerado por muitos melhor que os atuais.

Josebel Akel Fares

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Título Memórias da Belém de Antigamente

Organizadora Josebel Akel Fares

Revisão Nilson Bezerra Neto

Editoração Gráfica Hudson Maik Campos da Silva

Criação de Capa Hudson Maik Campos da Silva e Laiza Araújo Loureiro

Formato 18 x 23,5 cm

Tipologia Book Antiqua 9/10/11/12

Papel Cartão triplex 250 g/m2 (capa)

Top print 90 g/m2 (miolo)

Páginas 240

Tiragem 500 und.

Impressão e acabamento Graphitte Gráfica & Editora

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