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anais do anais do anais do anais do 2º 2º encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança (2011) (2011) (2011) (2011) Dança: contrações epistêmicas Dança: contrações epistêmicas Dança: contrações epistêmicas Dança: contrações epistêmicas www.portalanda.org.br/index.php/anais Memórias, Narrativas e Registros de Dança: Uma retrospectiva dos Trabalhos sobre a História da Dança no Rio Grande do Sul Memories, Narratives and Dance Records: A Retrospective of Works on the History of Dance in Rio Grande do Sul Flavia Pilla do Valle (UFRGS) 1 Míriam Medeiros Strack(ULBRA) 2 Resumo O texto inicia com uma breve introdução que faz uma retrospectiva do trabalho da pesquisadora e professora Flavia Pilla do Valle realizado junto a Graduação em Dança na Universidade Luterana do Brasil, sediada em Canoas /RS, no período aproximado de 2008 a 2010. Segue republicando o texto que busca registrar dados do Grupo Terra, uma companhia gaúcha independente que atuou entre os anos de 1981 e 1984, a nível nacional e internacional. Este trabalho identifica a formação do grupo; mapeia a produção artística; traz questões abordadas em obras relevantes; e busca traçar, ao longo da investigação dos registros, considerações sobre o panorama histórico da cena de dança teatral do Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, a pesquisa coleta fotos, imagens, recortes de jornais e programas de espetáculos, para mapear a trajetória do grupo. Posteriormente, realiza entrevistas com membros do grupo para se ter acesso a outras idéias e interpretações que não estão ainda escritas. A pesquisa se identifica com o que se tem chamado de Nova História, isto é, uma nova forma de visualizar a história escrita, que considera o olhar particular e reconhece que a realidade é um ponto de vista embebido de pré-concepções. Por fim, o Grupo Terra se configurou como um grupo de grande expressão no cenário gaúcho do início dos anos de 1980. Deste grupo, muitos profissionais ainda se encontram atuantes, dentro e fora do Brasil. Palavras-chave: Dança, Rio Grande do Sul, história, Grupo Terra. 1 Doutoranda em Educação pela UFRGS. Mestre em Dança pela New York University e Especialista pelo Laban/Bartenieff Institute. Faz parte do corpo docente das graduações em Dança e Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS). Já atuou na graduação em Dança da ULBRA e UERGS/FUNDARTE e atua/atuou na Especialização em Dança da ULBRA, PUC/RS e Especialização em Arte da FACED/UFRGS. Tem formação em técnicas de balé, moderno, contemporâneo e dança criativa, entre outras. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Graduada em Dança ULBRA.

Memórias, Narrativas e Registros de Dança: Uma ... · a aula prática, de leituras de história da dança no Brasil, no Rio Grande do Sul, vídeos disponíveis sobre o assunto e

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Memórias, Narrativas e Registros de Dança:

Uma retrospectiva dos Trabalhos sobre a História da Dança no Rio Grande

do Sul

Memories, Narratives and Dance Records: A Retrospective of Works on the

History of Dance in Rio Grande do Sul

Flavia Pilla do Valle (UFRGS)1

Míriam Medeiros Strack(ULBRA)2

Resumo O texto inicia com uma breve introdução que faz uma retrospectiva do trabalho da pesquisadora e professora Flavia Pilla do Valle realizado junto a Graduação em Dança na Universidade Luterana do Brasil, sediada em Canoas /RS, no período aproximado de 2008 a 2010. Segue republicando o texto que busca registrar dados do Grupo Terra, uma companhia gaúcha independente que atuou entre os anos de 1981 e 1984, a nível nacional e internacional. Este trabalho identifica a formação do grupo; mapeia a produção artística; traz questões abordadas em obras relevantes; e busca traçar, ao longo da investigação dos registros, considerações sobre o panorama histórico da cena de dança teatral do Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, a pesquisa coleta fotos, imagens, recortes de jornais e programas de espetáculos, para mapear a trajetória do grupo. Posteriormente, realiza entrevistas com membros do grupo para se ter acesso a outras idéias e interpretações que não estão ainda escritas. A pesquisa se identifica com o que se tem chamado de Nova História, isto é, uma nova forma de visualizar a história escrita, que considera o olhar particular e reconhece que a realidade é um ponto de vista embebido de pré-concepções. Por fim, o Grupo Terra se configurou como um grupo de grande expressão no cenário gaúcho do início dos anos de 1980. Deste grupo, muitos profissionais ainda se encontram atuantes, dentro e fora do Brasil.

Palavras-chave: Dança, Rio Grande do Sul, história, Grupo Terra.

1 Doutoranda em Educação pela UFRGS. Mestre em Dança pela New York University e Especialista pelo Laban/Bartenieff Institute. Faz parte do corpo docente das graduações em Dança e Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS). Já atuou na graduação em Dança da ULBRA e UERGS/FUNDARTE e atua/atuou na Especialização em Dança da ULBRA, PUC/RS e Especialização em Arte da FACED/UFRGS. Tem formação em técnicas de balé, moderno, contemporâneo e dança criativa, entre outras. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Graduada em Dança ULBRA.

anais do anais do anais do anais do 2º2º2º2º encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança (2011) (2011) (2011) (2011) Dança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicas

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Abstract The text begins with a brief introduction that presents a retrospective of the work of researcher and teacher Flavia Valle Pilla conducted with undergraduate Dance at the Lutheran University of Brazil, located in Canoas / RS, the approximate period 2008 to 2010. Republishing the following text, which record data from Terra Group, an independent south Brazilian company that acted between the years of 1981 and 1984, at national and international level. This work identifies the formation of the group; relates its artistic production; brings approached aspects of relevant pieces; and search to relate, as long the study takes, considerations about the historical view of theatrical dance of Rio Grande do Sul. First, this research collects pictures, images, newspapers and programs of spectacles, to clear the group trajectory. Then, it makes interviews with group members to access other ideas and interpretations not still written. This research identifies itself to the New History, it means, a new way to visualize the written history, which takes account the particular look and recognizes that reality is a point of view surrounded of preconceptions. Indeed, the Terra Group was a group of great expression in the south Brazilian scene in the beginning of the years 1980s. From this group, many professionals still are acting, inside and outside Brasil.

Keywords: Dance, Rio Grande do Sul, History, Grupo Terra.

Neste breve texto introdutório buscamos fazer uma retrospectiva do trabalho realizado

pela professora e pesquisadora Flavia Pilla do Valle junto a Graduação em Dança na

Universidade Luterana do Brasil, sediada em Canoas /RS, no período aproximado de 2008 a

2010. O trabalho iniciou em 2004, quando ela lecionava a disciplina de Técnica de dança II –

balé clássico no curso em questão. Surgiu como um trabalho de sala de aula pelas seguintes

razões:

- os livros de história da dança no Brasil mal tocavam na história da dança em solo gaúcho –

conseqüência da nossa própria deficiência no Estado em registrar e circular nossa história;

- o currículo do curso de dança enfatizava a história da dança euro-americana no tempo

disponível;

- os alunos das primeiras turmas do curso de dança foram alunos com extensa bagagem de

dança que foram buscar essa nova graduação no Estado. Com eles, escutava histórias que

sentia que precisavam ser contadas, registradas e circuladas.

Na disciplina de Técnica de dança II, então, se começou a fomentar um trabalho, após

a aula prática, de leituras de história da dança no Brasil, no Rio Grande do Sul, vídeos

disponíveis sobre o assunto e posterior trabalho sobre uma personalidade local ou nacional da

anais do anais do anais do anais do 2º2º2º2º encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança (2011) (2011) (2011) (2011) Dança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicas

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dança. Foi nessa disciplina que a Flavia iniciou um trabalho com a aluna Míriam Medeiros

Strack, hoje formada, e que foi bolsista de pesquisa vinculada aos meus projetos entre 2008-

2010.

Neste período, destacamos as principais produções do projeto da professora:

VALLE, F. P. do; ATHANÁSIO, M. Â. P. 2009. Memória da dança teatral gaúcha: Marina Fedossejeva. Logos: revista de divulgação científica/ Universidade Luterana do Brasil, Ano 20, N°1, Jan/Jul. VALLE, F. P. do; STRACK, M. M. 2009. Registros de Dança: a dança teatral gaúcha e Carlota Albuquerque. Anais do I Seminário e Mostra Nacional de Dança-Teatro. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa UFV/ Curso de Dança, 22-25/04/2009. VALLE, F. P. do; STRACK, M. M. (2009). Registros de Dança: a dança teatral gaúcha e Carlota Albuquerque. Informe C3., Ano 1, Edição 03, Maio. http://www.processoc3.com (republicação do texto anterior) VALLE, F. P. do; STRACK, M. M. 2009. Registros de Dança: a trajetória do Grupo Terra. Anais do XV São de Iniciação Científica/ IX Fórum de Pesquisa. Canoas, ULBRA, 17-19/11/2009.

Trabalhar com a história da dança no Rio Grande do Sul é trabalhar a nossa história, as

nossas raízes. É um trabalho que foi realizado com muito prazer e que rendeu certo acervo

que está localizado no curso de dança da ULBRA e disponível para consulta mediante contato

prévio com a coordenação. Neste momento, Flavia se dedica à minha pesquisa de doutorado e

alterou um pouco a ênfase da sua pesquisa, mas nem por isso deixou de ser uma apaixonada

por história e pela dança em si. A última publicação, citada anteriormente, e entitulada

Registros de Dança: a trajetória do grupo Terra é trazida novamente aqui pelas autoras com

intuito de fazê-la circular no meio da dança em uma publicação mais específica.

Introdução

Esta pesquisa surge a partir da preocupação com a investigação científica dos fatos e

personalidades locais e seu registro através da escrita. Os livros de história da dança

normalmente tratam da história da dança européia e americana e, quando se referem ao Brasil,

tendem a se concentrar na história do eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. O presente

trabalho se propõe a suprir uma demanda regional pela preservação da memória da dança,

criando oportunidades para que as futuras gerações tenham possibilidade de acesso a esse

anais do anais do anais do anais do 2º2º2º2º encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança (2011) (2011) (2011) (2011) Dança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicas

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conhecimento. Ainda hoje, apesar de trabalhos estarem surgindo no âmbito universitário,

poucas pessoas tem se preocupado em registrar e difundir a dança do Rio Grande do Sul.

Preservar a memória da dança e conhecer suas raízes, através de um estudo histórico, é

importante para sua valorização, registro, cultura e formação de uma identidade cultural forte

no Estado. Segundo Layson (1995):

[...] a história é frequentemente justificada por seu valor inerente, uma vez que o passado de qualquer grupo de pessoas é considerado como um legado cultural a ser valorizado. Além disso, a história parece prover ligações entre o passado e o presente e assim, através do seu estudo, o aqui e agora pode ser informado.

O presente trabalho busca registrar a trajetória do Grupo Terra, uma companhia

gaúcha independente que atuou entre os anos de 1981 e 1984, a nível nacional e internacional.

O trabalho identifica a formação do grupo; mapeia a produção artística, buscando, dentro dos

recursos e registros existentes, um banco de dados audiovisual3; traz aspectos abordados em

obras relevantes, registrando outras questões como colaborações, escolhas musicais,

elementos cênicos, críticas de época, etc.; e busca traçar, ao longo da investigação dos

registros, considerações sobre o panorama histórico da cena de dança teatral do Rio Grande

do Sul.

Neste sentido, esta pesquisa quer informar futuras gerações sobre a dança construída

no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre. Que aspectos sobre a história

da dança em Porto Alegre emergem na investigação da história deste grupo de dança local?

Esta pesquisa não busca estabelecer a verdade absoluta ou esgotar tudo sobre o assunto,

apenas organizar dados de forma a oferecer ao leitor um ponto de vista.

Materiais e Métodos

Ao revitalizar a memória, remonta-se eventos de uma época determinada através do

ato da escrita. Ao registrar, une-se os diversos pontos de vista, seja da mídia, dos registros

existentes e dos depoimentos e dados colhidos.

3 Há um DVD com imagens do grupo disponível na coordenação do Curso de Dança da ULBRA – Canoas.

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O percurso se faz ao caminhar e as escolhas vão acontecendo rizomaticamente, porém percebem-se regiões de silêncio bastante significativas às quais me rendo e tento ouvir o que elas murmuram baixinho ou ecoam. Trabalhar com memória ensina-nos a percorrer essas regiões .... Para suprir algumas carências relativas aos lapsos de memória ou por falta de informação ou de registro, tentamos ouvir depoimentos de pessoas que fizeram parte desta história. Sempre existem espaços, lacunas que não serão preenchidas, com as quais aprendemos a conviver, ou deles armamos um quebra-cabeça com as peças que faltam, e que são ocupadas por interpretações mais viáveis (FREIRE, 2005).

A partir da perspectiva da Nova História, esta pesquisa concentra-se em um grupo já

extinto do estado gaúcho: Grupo Terra. Diferente do paradigma tradicional de fazer história,

que pode ser visto como uma visão do senso comum, influenciada mais pela política nacional

e internacional do que local, e por uma visão de cima de grandes homens e grandes feitos, a

Nova História considera o olhar particular. Na história tradicional os documentos são

geralmente registros oficiais que expressam o ponto de vista oficial e se vangloriam da grande

ênfase na objetividade. A Nova História propõe que, ao invés de ver este paradigma como a

maneira de se fazer história, este deve ser percebido como uma dentre várias abordagens

percebidas possíveis do passado, uma vez que a realidade é culturalmente construída. Essa

perspectiva é uma forma diferenciada de visualizar a história escrita, na qual considera o olhar

particular e reconhece que a realidade é, na verdade, um ponto de vista embebido de pré-

concepções associadas a cor, credo, classe ou sexo – isto é, não é neutro. Além disso, vai

passar pela experiência pessoal do escritor, que não estão isentas de representações.

Tudo o que foi um dia poderá vir a ser contado de outra forma, cabendo ao historiador elaborar uma versão plausível, verossímil de como foi. Mesmo admitindo uma certa invariabilidade no ter sido, as formas de narrar o como foi são múltiplas e isso implica colocar em xeque a veracidade dos fatos (PESAVENTO, 2005).

A história da dança quer apontar mudanças na dança através dos tempos, destacar

feitos importantes e discutir certos eventos. Entretanto, quando os fatos ainda não estão

disponíveis necessita-se fazer um trabalho de campo, e utilizar a descrição. O objetivo seria

fomentar “o alargamento do universo do discurso humano” (GEERTZ, 1989). Esta pesquisa

busca uma inspiração no olhar etnográfico, que perpassa por procurar narrativas e enredos que

nos tornem visíveis para nós mesmos.

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[...] a análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas, e não a descoberta do continente dos significados e o mapeamento da sua paisagem incorpórea (GEERTZ, 1989).

Num primeiro momento, a pesquisa coleta fotos, imagens, recortes de jornais e

programas de espetáculos, para mapear a trajetória do grupo. Posteriormente, realiza

entrevistas com membros do grupo para se ter acesso a outras idéias e interpretações que não

estão ainda escritas. As entrevistas são semi-estruturadas, realizadas num clima de diálogo,

registradas através de filmagem. A escolha dessas pessoas deu-se pelo fato de serem pessoas

com as quais as pesquisadoras têm alguma relação. Este contato estabelece um laço de

confiança que pode ser um meio facilitador da conversa.

As tentativas abordadas e os possíveis erros cometidos em campo, constituem

informações que serão levadas em conta. Essa pesquisa evita a utilização de protocolos

rígidos, determinados a priori. O método não pode ser concebido como algo que aprisiona a

investigação.

A análise e interpretação dos dados foram feitas durante o processo da pesquisa em si.

Conforme o corpo de conhecimentos foi sendo constituído fez-se textos sobre o assunto

expondo recortes de um todo. Construir textos ao longo do processo é uma forma de análise,

interpretação e organização dos dados coletados. A análise, interpretação e escrita é um

momento conectado, no qual se tenta ver o sentido do todo.

Resultados

A formação do Grupo Terra remete a tentativa anterior de formação de uma

Companhia do Estado do Rio Grande do Sul pela Associação dos Professores de Dança do

Rio Grande do Sul - ASGADAN. Essa associação já havia tentado formar um grupo de dança

estável, porém, sem subsídios oficiais era muito difícil. Até o dia em que a Associação

resolveu, primeiro, mostrar um trabalho de alto nível para, depois, lutar por auxílio.

Em novembro de 1980, o bailarino e coreógrafo argentino Valério Césio veio a Porto

Alegre ministrar um curso de dança a convite de Tony Petzhold. O sucesso foi tão grande que

foi montado um espetáculo em apenas quinze dias com coreografias dele em parceria com a

ASGADAN. Por conseguirem resultados excelentes neste tempo curtíssimo, a Associação

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resolveu criar a Companhia convidando o professor Valério para dirigi-la, já que o mesmo

soube tão bem aproveitar o pessoal disponível.

Em 12 de março de 1981 uma nota no Segundo Caderno do jornal Zero Hora chama a

atenção de muitos bailarinos. A Associação dos Professores de Dança do Rio Grande do Sul

promove a seleção de bailarinos para fazer parte de sua Companhia de Dança. Segundo a

nota, seriam selecionados 14 bailarinos fixos e 16 com bolsa de estudos, para ambos os sexos.

“Carmina Burana”, o primeiro espetáculo, já estava com data marcada: 26 de abril. Pela

primeira vez na história da dança de Porto Alegre estaria sendo formada uma Companhia de

Dança com a participação de bailarinos profissionais. Segundo Dreher, Queiroz e Steckert

(2004), era a realização de um sonho. Era a chance de trabalhar naquilo que gostavam sem

precisar sair de sua própria terra, sem precisar tentar vencer em outros lugares. Segundo a

crítica de Heemann (1981): “uma iniciativa de mérito”.

A resposta foi tamanha e o nível dos bailarinos tão acima do esperado que a seleção

teve que ser feita em mais de um dia. Só assim poderiam analisar as possibilidades dos 50

bailarinos inscritos. Os critérios de escolha do elenco fixo não se limitaram apenas à técnica,

mas principalmente à sensibilidade e responsabilidade artística dos bailarinos. A idéia inicial

da Companhia era trabalhar sempre junto com a OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre)

e, além de Carmina Burana montar mais quatro obras grandes e dezesseis medianas.

O espetáculo Carmina Burana foi um sucesso e um marco na carreira dos bailarinos,

principalmente porque, para esta montagem, pela primeira vez no município de Porto Alegre,

foi concedido o Prêmio Açoriano de Dança, categoria que até então não existia. A pré-estréia,

conforme já dito, se deu em 26 de abril no Clube Aliança na cidade de Novo Hamburgo. As

demais apresentações foram no Salão de Atos da PUC (Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul) nos dias 28 e 30 de abril e dois e três de maio. Contaram com a parceria

da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, regida por Túlio Belardi e mais quatro corais

convidados. As coreografias nos mostraram sete paisagens distintas dos conflitos humanos

segundo as músicas de Carl Orff.

Houve, entretanto, apenas essas apresentações, cujo patrocínio inicial era da Secretaria

de Cultura, Desporto e Turismo e apoio da Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS). A

associação não obteve êxito em relação a patrocinadores e nem apoio do governo e, por

motivos que até hoje os ex-bailarinos questionam, o grupo acabou por se dissipar. Eles não

sabem ao certo quais foram os empecilhos que impediram os planos da Companhia Estadual

de serem levados adiante.

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Foram três dias de seleção, e participaram centenas de bailarinos de todo o Brasil e de países vizinhos. A companhia foi idealizada pela ASGADAN, na época presidida por Eva Landes, com o apoio da PUC e do próprio Estado. [...] Dois meses depois, ninguém.... nenhuma satisfação. Alguns especulam que, uma vez que as próprias escolas patrocinavam a existência do grupo, as mesmas escolas se desentenderam por não terem suas próprias alunas representadas na seletiva. Outros especulam que a briga foi no entendimento de quem dirigiria o grupo. Desta seleção e desta indignação surge o Grupo Terra (VALLE; STRACK, 2009).

Grupo Terra

A maioria dos bailarinos se dispersaram com o fim da Companhia Estadual, mas

houveram alguns no qual a inquietude e a vontade de vencer foram maior. Esses resolveram

se unir e fundar o grupo que seria um dos mais conhecidos do Rio Grande do Sul: Terra

Companhia de Dança. Estes bailarinos foram Andréa Druck, Carlota Albuquerque, Carlos

Rosito, Eneida Dreher, Eliane Dupuy, Heloiza Paz Vielmo, Luciana Burgos, Maria José

Mesquita, Sayonara Pereira, Simone Rorato e o diretor artístico e coreógrafo Valério Césio,

todos integrantes da Companhia de Dança que recém acabara. Os objetivos e as motivações

da nova Companhia eram similares às daquela que acabava de findar, como podemos

perceber na fala de Valério pela entrevista realizada por Campuoco aos integrantes do grupo

em 1981:

De nossa parte, a fundação do Grupo Terra busca a criação de um grupo artístico e pedagógico de primeiro nível, para o desenvolvimento e difusão de trabalho da maior seriedade e vitalidade, oferecendo obras coreográficas ligadas às problemáticas de nossa época, ao mesmo tempo em que oferecemos também formação de dança o mais completa possível.

Além disto, o grupo também visava não ter barreiras estilísticas de nenhuma espécie e

elegeu como personalidade a força e a ductibilidade, motivo pelo qual deram ao grupo “o

curto e eloqüente nome de nosso planeta: Terra (DREHER, QUEIROZ & STECKERT,

2004).

O grupo passou por um demorado período de estruturação, incluindo o Cadastramento

Nacional como Pessoa Jurídica (CNPJ) e a legalização de contrato de trabalho com o

coreógrafo argentino, e durante este tempo trabalharam na escola de Eneida, a Simon-Dreher

Dance, que mais tarde seria fechada para que a bailarina pudesse dedicar-se integralmente à

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companhia. O Grupo procurou logo uma estruturação como entidade particular, pois este era

um dos pontos fracos das tentativas anteriores de formação de uma companhia de dança no

Estado. Para isso foram criados departamentos jurídico, administrativo, de arquivos, de

correspondência constante com o exterior, de representação artística, de pesquisa técnica e

teórica de dança, de capacitação pedagógica, de cenografia e vestuário, de arquivo musical e

de difusão e relações públicas. A direção artística estava com Valério Césio e a administrativa

com Eneida Dreher.

Além dos dez integrantes fundadores que formavam o núcleo da Companhia, já

contavam com um grupo adjunto de dezesseis bailarinos que participavam das montagens.

Havia também um grupo de bolsistas exclusivamente masculino, cuja formação estava nas

mãos do núcleo, levando em conta a dificuldade de encontrar bailarinos homens na cidade, e

um grupo de aperfeiçoamento intensivo, exclusivamente feminino, cuja formação também

estava nas mãos do núcleo. Os grupos de bolsistas e de aperfeiçoamento intensivo contavam

com dez integrantes cada um.

1981

Após o período de estruturação, dançaram pela primeira vez em 02 de agosto de 1981,

no Auditório Araújo Viana para a Campanha do Agasalho. Neste espetáculo foi apresentado

Bachianas n°5 de Heitor Villa Lobos e, segundo Heloiza Paz Vielmo (apud COSTA &

STUMPF, 2004), “foi um momento muito especial para todos nós, e para a Companhia um

ótimo início”.

Em 24 de outubro do mesmo ano apresentaram uma Aula Master no Teatro

Renascença, onde Valério comunicou às pessoas especializadas em Porto Alegre os novos

rumos de sua técnica com uma palestra ilustrada. A partir do dia 14 de novembro, levaram a

dança a lugares inusitados como penitenciárias, centros sociais, hospitais psiquiátricos entre

outros lugares. Com o projeto “Dança para todos, cultura para a comunidade”, mais de 100

mil pessoas assistiram a apresentações do Terra, pessoas, estas, que de outra maneira não

poderiam ter acesso a esta linguagem da dança. Além disto, dançaram no Gigante do Beira

Rio e na inauguração do Centro Cultural de Montenegro. Um dos símbolos do grupo era uma

gota vermelha com purpurina em forma de lágrima utilizada na testa, entre o nariz e os olhos.

“Nosso protesto, nossa alegria, nossa marca registrada. Desta forma ficamos conhecidos.

Conquistamos respeito, admiração e platéia” (VIELMO apud COSTA & STUMPF, 2004).

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A estréia oficial do grupo se deu nos dias 29 e 30 de dezembro de 1981 com um

espetáculo feito em duas partes. A primeira Building Clown com música de Astor Piazzola e a

segunda Essas Canções que reuniu cerca de uma dúzia de composições de Mercedes Sosa. A

esta altura, o Grupo já tinha trinta e duas coreografias montadas.

Quando o grupo foi criado, no segundo trimestre de 1981, havia apenas um homem

entre os bailarinos. Quando dançaram pela primeira vez na Campanha do Agasalho em agosto

do mesmo ano, já havia quase um homem para cada bailarina. Já na época da estréia oficial, o

time masculino estava reforçado e recebendo elogios da crítica: “... excelente grupo

masculino, [...] em sua maioria aparentemente bem mais jovens que as moças, mas

demonstrando segurança, concentração e ótimo domínio técnico” (HOHLFELDT, 1982).

O elenco sofreu algumas variações ao longo de sua existência, porém sua principal

formação administrativa e artística era: Maestro, coreógrafo e diretor artístico: Valério Césio;

Diretora Administrativa: Eneida Dreher; Diretor de Produção: Rosito Di Carmine; Assistente

de Coreografia: Simone Rorato; Departamento Legal: Dr. Arlindo Dreher, Dr. Paulo

Wainberg, Dra. Lúcia Brunelli; Departamento Contábil: Bel. Cilo Hummes; Professores

estagiários: Simone Rorato, Sayonara Pereira; Fotógrafos: Cláudio Etges, Francisco Filho,

Irene Santos, Leko Vielmo e Ricardo Tisser; Massagistas: Antonio e Dario Muto; Auxiliares

de produção: Equipe Butterflies, Arq. Regina Graciolli, RP. Maria Tereza Brunelli, Bea

Rossato e Profª Zica Vargas; Bailarinos: Eneida Dreher, Rosito Di Carmine, Simone Rorato,

Andréa Druck, Margareth Markus, Sayonara Pereira, Heloíza Paz, Carlota Albuquerque,

Lucia Brunelli, Ana Holderbaun, Eliane Dupuy, Fabiana Bulgarini, Zezé Mesquita, entre

outros.

As obras que compunham o repertório da Companhia foram: Carmina Burana, música

de Carl Orff (1981); Catulli Carmina, música de Carl Orff (1982); Os Triunfos de Afrodite,

música de Carl Orff (1982); Blue (fragmentos da obra A. F. F. Chopin), música de John

Lennon (1981); Building Clown, música de Astor Piazzolla (1981); Estas Canções, música de

Mercedes Sosa (1981); Batalhas, Música de Astor Piazzolla (1982); Solidões I e II,

montagem sonora de música popular (1982); Suspiros I e II, Música de Rodolfo Medeiros

(1982); Cartão Postal N°1, música de George Gershein (1982); Vozes, música de Carlos Lyra,

Tom Jobim, Baden Powell, Toquinho, sobre poemas de Vinícius de Moraes (1982); Building

Birds, música de Astor Piazzolla (1983); Expedientes Extraviados, música de Astor Piazzolla

(1983); e Five Inn, música de Villa-Lobos (1983).

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1982

O Grupo abriu o ano de 1982 com o show Para os olhos nas tardes de domingo,

projeto temporariamente patrocinado pelas Lojas Renner que consistiu em apresentações

gratuitas durante os três últimos domingos de janeiro ao ar livre nos parques Moinhos de

Vento, Marinha do Brasil e Farroupilha. Trinta mil pessoas assistiram às apresentações,

lotando literalmente os parques, uma iniciativa inédita para a época, principalmente por contar

com o patrocínio de uma grande empresa.

Em maio daquele ano, puderam dançar ao lado de Mercedes Sosa, a intérprete das

músicas do espetáculo Essas Canções, em participação especial na turnê da cantora quando a

mesma passou por Porto Alegre. No mesmo mês estrearam o espetáculo As Solidões, onde

mostraram Solidões I, já montada por Césio em 1978, quando ministrou um curso em Porto

Alegre e Solidões II, que estreou mundialmente nesta data. Nos meses seguintes, fizeram

apresentações sem recebimento de cachê para que a verba fosse destinada à reconstrução do

Theatro São Pedro. Pelo depoimento de Eva Sopher (apud COSTA & STUMPF, 2004)

podemos notar a importância deste gesto:

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A reconstrução do Theatro São Pedro foi tarefa das mais complicadas. Era opinião geral que jamais chegaríamos ao final das obras. Por isso aqueles poucos que acreditaram em nós e nos apoiaram com suas respectivas participações foram muito mais importantes emocionalmente falando do que com recursos financeiros que ocasionalmente nos foram entregues.

No mês de julho de 1982 foi o único grupo sul-americano e o primeiro brasileiro

selecionado para participar do Festival Internacional de Dança de Colônia na Alemanha

Ocidental, antes mesmo de a companhia completar um ano de existência. O público vibrou

com a apresentação de um fragmento de Carmina Burana, e os bailarinos tiveram que voltar

quatro vezes ao palco para novos aplausos. Em entrevista à Fleck (1982), os bailarinos

notaram que a principal diferença foi a de que “nossa dança é mais quente, mais envolvente,

enquanto os europeus optam por um desempenho mais frio”. O coreógrafo observou que não

era possível pensar em copiar modelos europeus

[...] porque a vivência e a idade da América Latina são diferentes da Europa. Nós apenas confirmamos com essa excursão, que estamos no rumo certo. Os europeus até nos consideraram atrevidos no sentido da plena criação (apud FLECK, 1982).

Esta apresentação rendeu ao grupo convites para dançaram naquela mesma noite numa

exibição noturna, numa exibição particular na Itália e num festival em 1983 na Alemanha.

Em agosto gravaram uma nova abertura para o Jornal do Almoço. As gravações foram

feitas no Parque Laje de Pedras em Canela e visavam um caleidoscópio coreográfico com

base no repertório original do grupo.

Com um ano de existência, o grupo fez nova estréia em setembro de 1982. Apresentou

Vozes, uma homenagem à Vinícius de Morais, uma coreografia considerada de caráter

singelo, e Batalhas, do qual consistia em um sexteto feminino com música de Astor Piazzolla

já montado por Valério Césio em 1976 em Buenos Aires. Batalhas era considerada uma obra

com características dramáticas que insere-se no gênero da dança-teatro. Obino (1982) nos fala

deste contraste entre as duas partes da peça: “Se a outra dança foi de espírito poético, essa foi

de densidade dramática e aqui Valério Césio mostrou o poder de contrastar, em gênero e

espécie, sua criatividade”.

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Vinte e cinco dias depois da estréia de Vozes e Batalhas o grupo surpreende

novamente o nos apresenta A Trilogia formada por três peças de Carl Orff, cada uma

apresentada em um final de semana de outubro: Carmina Burana, já apresentada

anteriormente, Catulli Carmina e Os Triunfos de Afrodite. Presser (1982a) nos fala um pouco

sobre cada parte da obra: Carmina Burana exalta a juventude com conotações eróticas;

Catulli Carmina, uma grande paixão com desfecho trágico; e Os Triunfos de Afrodite “é uma

visão cósmica do amor que exalta como valor supremo a união dos dois sexos”. Esta última é

certamente a peça de maior destaque, não só da trilogia, mas de todo o repertório do grupo.

Além das bailarinas dançarem com o torso nu e os seios à mostra, Eneida, no papel de

Afrodite dançou com uma jibóia de dois metros e dez centímetros de comprimento, chamada

pelo grupo de Colette, que representava o pecado capital. Esta obra fala do rito animal do

amor e nos mostra o homem simplesmente com suas emoções e necessidades, posição que

Césio deixou bem marcada na opção de não usar vestes nas bailarinas.

Quanto à cobra, o grupo diz não ter sido nada fácil acostumar-se, mas, “como a

participação do réptil, segundo o coreógrafo e diretor Valério Césio, era indispensável, a idéia

foi, aos poucos, digerida pelos doze bailarinos” (PRESSER, 1982b). Para isso contaram com

a colaboração do zoólogo Thales de Lemos da Fundação Zoobotânica e Eneida, que dançou

com a cobra enrolada no corpo, foi aos poucos, tocando nela, acariciando, pegando-a até que

ela escorregasse em seu corpo como uma das colegas humanas.

Os Triunfos de Afrodite causou furor na época e o público

[...] talvez tenha descoberto, com espanto, que os propósitos da Cia Terra não são ser mais uma escola de dança na cidade, mas firmar-se na dança como forma de expressão cênica, além dos códigos e preconceitos burgueses (HEEMANN, 1982).

Em novembro, o grupo dançou na inauguração do Teatro do Liceu no Rio de Janeiro,

onde, além da Trilogia também dançaram Vozes e Batalhas. Também com estas coreografias

fizeram uma turnê pelas principais capitais brasileiras entre elas São Paulo e Belo Horizonte.

Em dezembro de 1982 o grupo percorreu o interior gaúcho apresentando Batalhas,

Vozes e Estas Canções. “A turnê, aliada às apresentações na Capital, em Centros

Comunitários, [...] é de extrema importância ao grupo ‘pois nossa intenção é dançar sempre

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para mais gente’, afirma Valério” (PRESSER, 1982c). Neste mesmo mês ainda comemoraram

a 150ª apresentação do ano com um espetáculo no Estádio Olímpico na chegada do Papai

Noel da RBS (Rede Brasil Sul) e fizeram seu primeiro teste de seleção para novos bailarinos,

estagiários e bolsistas.

1983

No início do ano de 1983, a companhia montou o espetáculo Expedientes Extraviados.

Segundo o programa das apresentações, o espetáculo “é uma seqüência de peças, de roteiro

muito simples e linguagem extremamente elaborada”. Durante o final de abril e todo o mês de

maio, levaram este espetáculo em pré-estréia pelo interior do Estado. De primeiro a três de

julho, estrearam oficialmente a nova peça no Teatro Presidente, arrancando elogios do crítico

Heemann (1983): “As apresentações de Expedientes Extraviados mostraram o grupo em boa

forma” e ainda “O rendimento revelou a Terra em seu melhor momento”.

Em 07 de julho de 1983 o grupo participou da II Rezegna Metropolitana de Dança

Moderna e Novas Tendências no Palácio de Rivaldi na Itália. Lá mostraram fragmentos de

Vozes e Estas Canções. Ao final do evento, Maria Helena Gonzalez, diretora do encontro,

acabou por convidar o grupo para fechar o evento, com uma noite inteira reservada a eles, o

que permitiu a programação de grande parte do repertório do grupo. Césio (apud

CAMPUOCO, 1983) contou que

[...] em Roma aconteceu-nos o que jamais conseguimos nem aqui nem no centro do país. Maria Helena é diretora do Miskro Dança, um conjunto bastante contemporâneo, e fomos literalmente adotados por eles, o que nos permitiu fazer aulas, mostrar repertório e discutir longamente sobre dança, aprendendo inclusive algumas coisas importantes.

Na mesma época do encontro em Roma, viajam para a Alemanha onde, na cidade de

Colônia, participaram novamente do Festival Internacional de Danças, juntamente com outros

grupos de várias partes do mundo. Neste festival, o grupo estreou Five in... com música de

Villa Lobos. Como a música ainda não havia sido editada no Brasil, foi executada pelo

pianista cubano José Echaniz. O êxito foi tamanho que a brasileira Sandra Diecken, ex-

primeira bailarina do Municipal do Rio e na época professora na Universidade de Colônia

dedicou um espaço no programa A Voz da Alemanha para comentar a apresentação do grupo.

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Porém, ao voltarem ao Brasil, deparam-se com uma situação angustiante: a falta de

sede para ensaios do grupo. Porém o grupo não se deixou abater, como falam Césio e Rorato

(apud CAMPUOCO, 1983):

Nossa viagem, principalmente, decidiu-nos de maneira irreversível. Vamos ensaiar oito horas por dia, dedicarmo-nos inteiramente à dança, com ou sem apoio das chamadas autoridades culturais da cidade e do estado. E haveremos de chegar onde queremos, porque trazemos uma certeza: estamos no caminho certo.

Em julho ainda levaram à Assembléia Legislativa a montagem Suítes em Pauta, com

suítes de Vozes, Estas Canções e Building Birds, esta última, retirada de Expedientes

Extraviados. Em agosto de 1983, dançaram na VII Semana das Artes em Porto Alegre e em

setembro voltaram a dançar no Teatro do Liceu no Rio de Janeiro no Ciclo de Dança 83. Nos

dois eventos levaram a obra Expedientes Extraviados.

Entretanto, por falta de apoio do governo e de patrocinadores, o grupo resolveu

encerrar as atividades, fazendo suas últimas apresentações em 1984.

Conclusão

Este trabalho quer informar futuras gerações sobre a dança gaúcha. Não busca

estabelecer a verdade absoluta ou esgotar tudo sobre o grupo, apenas organizar dados de

forma a oferecer ao leitor um ponto de vista. O Grupo Terra revela um pouco da realidade da

dança em Porto Alegre, sendo algumas questões ainda bem comuns nos grupos da atualidade,

como a questão da estabilidade financeira. Valério Césio trouxe, através do Grupo Terra, uma

ideia até então inovadora em Porto Alegre, que era a questão de ter um grupo independente,

que não estivesse vinculado a nenhuma escola de dança. Também inovou com a proposta de

dançar em vários lugares, para aproximar-se do público. Por isso, o Terra tinha um público

cativo que via o Terra com olhos de renovação e rebeldia. A falta de apoio, entretanto, levou o

Grupo a se extinguir. A personalidade de Valério também é apontada como uma das causas,

uma vez que ele centralizava bastante a atenção em si. Quando Valério Césio deixou o grupo,

esse ainda tentou manter-se, mas parece que neste momento já havia um desgaste de toda a

situação – o que não tira o mérito da iniciativa.

De agosto de 81 a setembro de 84, o Grupo Terra realizou 431 apresentações entre

nacionais e internacionais (média de 14 apresentações por mês) e tinham uma carga horária de

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trabalho de oito por dia. Levou a dança a lugares não convencionais, pois esta foi uma meta

abraçada pela Companhia. Para isso, tinham um número grande de coreografias: umas mais

leves, com músicas populares, para os trabalhos apresentados na rua, e outras mais densas e

intimistas, englobando assim os mais diversos tipos de palcos onde dançavam.

O Grupo Terra se configurou como um grupo de grande expressão no cenário gaúcho

do início dos anos de 1980. Deste grupo, muitos profissionais ainda se encontram atuantes,

dentro e fora do Brasil. Uma vertente deste grupo, com sua identidade própria, mas com

passagem de vários colaboradores do Grupo Terra, é a Companhia Terpsí Teatro de Dança,

hoje atuante em Porto Alegre desde 1987. Deste modo, podemos afirmar que o Grupo Terra

foi de grande importância para o cenário artístico gaúcho, seja por ter sido uma das primeiras

companhias de dança estruturadas do Estado, bem como pela grande atuação e repercussão

durante seu período de existência.

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