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Do teotro do memoria 00 laborot6rio do Historio: a exposi<;60 museologica e 0 conhecimento historico Ulpiano T. Bezerra de Meneses Departamento de Historia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas/ Universidade de Sao Paulo Eilean Hooper-Greenhill (1988), respeitada especialista na educac;:oo em museus, sugestionada pela afirmac;:oo de Santo Tomas de Aquino, de que 0 sensivel e (:; veiculo natural do inteligivel, pas-se 0 examinar, nos relatos sobre as colec;:oes da Renascenc;:a, a frequencia com que elas eram designadas como Theatrum Mundi, Theatrum Naturae, Theatrum Sapientiae. A palavra 'teatro', como se sabe, privilegiando a visualidode, conservo sua vinculac;:oo etimologica a familia do verbo grego thecomai, ver. Assim, estas colec;:oes de objetos materiais da mais diversa especie, organizadas pelos principes e senhores renascentistas, funcionavam como parodigmas visuais que recriavam simbolicomente a ordem do mundo e oespac;:o do exercicio de seu poder. o Theatrum Memoriae insere-se nessa linhagem, mas enraizando-se, tambem, nas artes do memoria do Antiguidade e da Idade Media, que propunham a articulac;:ao de imagens a lugares e espac;:os, para assegurar a rememorac;:oo. Hooper-Greenhill ve 01 0 surgimento do museu como teatro da memoria, conceituac;:ao que ela acredita deva ser explorado mesmo hoje, pois seu potencial permaneceu ainda parcialmente inexplorado: e mais eficiente do que a escrita e outros sistemas intermediados de registro j6 que a matriz

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Do teotro do memoria 00 laborot6rio doHistorio: a exposi<;60 museologica e 0conhecimento historico

Ulpiano T. Bezerra de Meneses

Departamento de Historia, Faculdade de Filosofia,Letras e Ciencias Humanas/ Universidade de Sao Paulo

Eilean Hooper-Greenhill (1988), respeitada especialista naeducac;:oo em museus, sugestionada pela afirmac;:oo de Santo Tomas de Aquino,de que 0 sensivel e (:; veiculo natural do inteligivel, pas-se 0 examinar, nosrelatos sobre as colec;:oes da Renascenc;:a, a frequencia com que elas eramdesignadas como Theatrum Mundi, Theatrum Naturae, Theatrum Sapientiae. Apalavra 'teatro', como se sabe, privilegiando a visualidode, conservo suavinculac;:oo etimologica a familia do verbo grego thecomai, ver. Assim, estascolec;:oes de objetos materiais da mais diversa especie, organizadas pelosprincipes e senhores renascentistas, funcionavam como parodigmas visuais querecriavam simbolicomente a ordem do mundo e oespac;:o do exercicio de seupoder.

o Theatrum Memoriae insere-se nessa linhagem, mas enraizando-se,tambem, nas artes do memoria do Antiguidade e da Idade Media, quepropunham a articulac;:ao de imagens a lugares e espac;:os, para assegurar arememorac;:oo. Hooper-Greenhill ve 01 0 surgimento do museu como teatro damemoria, conceituac;:ao que ela acredita deva ser explorado mesmo hoje, poisseu potencial permaneceu ainda parcialmente inexplorado: e mais eficiente doque a escrita e outros sistemas intermediados de registro j6 que a matriz

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1. 0 nucleo original dotratamento dado a pro-blenritica da exposi)'ao,aqui largamente amplia-do e adaptado a especifi-cidade do museu hist6ri-co, e urn relat6rio apre-sentado em 1993ao Sim-p6sio Intemacional "0processo de comunica-)'ao em museus de Ar-queologia e Etnologia",organizado pelo Museude Arqueologia e Etno-logia - MAE/USP. 0relat6rio, sob 0 titulo "Aexposi)'ao museo16gica:reflexoes sobre p~ntoscriticos na pratica con-telnporanean, foi entre-gue para publica¢o emCtencia ern museus, masnao tern data asseguradapara aparecer.

sensorial facilita a rememorac;:ao. A partir da selec;:ao mental, ordenamento,registro, interpretac;:ao e sintese cognitiva na apresentac;:oo visual, ganha-senot6vel impacto pedag6gico.

Esta postura, embora nem sempre formulada com a mesmasofisticac;:oo, caracteriza ainda hoje em dia a visoo talvez dominante do queseja 0 museu historico e quais suas func;:oes.

Na realidade, todo essa formulac;:oo e altamente problem6tica.Primeiro, porque os antecedentes do museu historico - que se nucleia no seculoXVIII e se consolida no seculo XIX, como se ver6 mais adiante - soo bastantediferentes no Europa e na America (a America Latina, inclusive 0 Brasil, est6mais proxima do modelo america no do norte). A seguir, porque a vis60 que vaimarcar 0 museu setecentista deriva, sim, do Renascimento, mas e por excelenciaa visoo iluminista - que, na sociedade de consumo, como fruto i6 temporoo,vai desembocar na estetiza<;ao do social e na transformac;:ao do Historia emespet6culo. Por outro lado, se a formulac;:oo deixa de lado troc;:osdefinidores defunc;:oes de evocac;:ao e celebrac;:ao que esses museus continuam a desempe-nhar, tambem marginaliza a questao da produc;:ao do conhecimento. A memo-ria, igualmente, ficou reduzida a um instrumento de enculturac;:oo de paradig-mas a priori definidos e que circulam em vetores sensoriais.

J6 se ve que 0 museu hist6rico contemporoneo apresenta um lequeextremamente aberto de problemas, que serio muito dificil tratar aqui, na suainteireza. Por isso, para garantir um minimo de efic6cia, 0 que ser6 posto emdebate limita-se a dois t6picos b6sicos, apenas: que possibilidade pode haverde participac;:oo do museu historico no produc;:ao do conhecimento historico?como, nessa perspectiva, funciona a exposi<;ao muse%gica?

o primeiro t6pico pressupoe que, por sua natureza mesma, 0 museutenha algo a ver com 0 universo do conhecimento. Isto n60 significa atrel6-loexclusivamente a esse universo. Nao ignoro as tarefas educacionais do museu(mas se nao tiverem como referencia 0 conhecimento, tratar-se-6 de meradoutrinac;:ool, a fruic;:ao estetica, 0 ludico, 0 afetivo, 0 devaneio, 0 sonho, amistica da comunicac;:ao e da comunhoo, a curiosidode, a necessidade demera 'informa<;oo e assim por diante. Muito menos ignoro as responsabilidadessocia is - e politicos - do museu historico. No entanto, estes aspectos todos temsido debctidos com frequencia, se bem que, a meu ver, de forma superficial elacunosa. Reconhecer essa gama multiforme de possibilidades e recusar ummodelo unico de museu, chave da natureza e camisa de for<;a. Portanto, 0 queaqui se discutir6 noo e a trilha que todo museu hist6rico dever6 seguir, mas asdire<;oes em que ele pode trazer uma contribui<;60 especifica (e, portanto,insubstituivell, na produ<;oo do conhecimento historico - tema crucial, masmarginalizado nas discussoes museologicas.

o segundo topico limita, aqui, a problem6tica do conhecimento aexposi<;60 museological

. A forma<;:ao de cole<;:oes, a curadoria e, em suma, avisao integrada do museu como institui<;:oo solidariamente cientifico-documental,cultural e educacional estoo fora, pois, do horizonte imediato deste texto. Ora,falar-se de exposic;:oo pressupoe, por sua vez, certo perfil de museu (quetambem noo se deve opresentar como uniformel, em que hoja pertinencia demanter e exploror colec;:aes de objetos materiais. Isto, por sua vez, pressup6e

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considerar a natureza institucional do museu - sem detrimento do importonciaque se possa atribuir a uma 0<;60 extra-murost a seus aspectos de processot aimportoncia hierarquica de programas sobre as bases formaist etc. etc.

Estas observo<;oes cautelares se justificam por estarem em f}auta, nomeio museologicot principalmente entre nost propostas que ou fornecemmodeJos totalitarios tendentes a cancelar a razoo de ser do museu qualificadode "tradicional", ou nada tem a dizer a seu respeito, '1° que admitem apenas"the non-objective status of knowledge and the politico intlections to wich it issubject" (Shelton 1995: 11). Pela importoncia de partir de bases solidas,conviria, antes de desenvolver os dois topicos anunciados, c1arificar aspremissas que os orientam.

Modelos como os tmuseus comunitoriost (desde os neighbourhoodmuseums americanos, como Anacostia, em Washington, ate os chamadosecomuseusL trouxeram notavel renova~oo no campo geral do Museologia, emparticularquanto a suas responsabilidade sociais. Tambem serviram de escudoe foram utilizados no produ~oo de a1gum efeito anestesico quando se simplifica-ram questoes de sumo complexidade e gravidade - como 0 que serio especificodo museu, num quadro de a~oo cultural - para noo falar do comunica~oo demassas e dq industria cultural. Alias

tapresenta-Ios como uma panaceia ou

formula imperativa ~Ui mesmotidealt Ihes retiraria legitimidade politico, poiseles deixariam a descoberto uma parcela considerovel de necessidadesprementes de uma sociedade que e sociedade de c1assest predominantemente(e patologicamente) urbanizada e em processo de globaliza~oo.

Em maio de 1968, no auge do rebelioo estudantil - que logo assumiufei~oes de movimento social e do Fran~a estendeu-se por boa parte do mundo oci-dental - dizia-se que era preciso "incendiar 0 Louvre", entoo considerado prototipodo almoxarifado de um patrimonio burgues. Funcionando como "templos"t osmuseus apenas homologariam os valores do burguesia. A unica alternativapossivel seriat assimt substitui-Ios pelos "foruns" t espa~os do cria~oo, do debate,da intera~oo. Giulio Carlo Argon, por exemplo, propos que 0 museu de arte con-temporoneat distinto do museu de arte antigo, "historico" et f}ortanto, "patri-monialista" t dispensasse acervot para transformar-se num espa~o de efervescenciacriativa. Como se a perspectiva historica noo fOsse criativa e como se as fun~oes"documentais" noo gerassem democratiza~oot 00 ampliar no tempo e no espa~oo acesso de um numero infinitamente maior de fruidores dessa efervescencia; ecomo se a cidadania pudesse germinar independente da consciencia historica.

Uma decada depoist a ingenuidade deste binomio maniqueistaestava patente: 0 mal noo residia no suporte "patrimonial" do museut pois tantoo templo quanta 0 forum podiam ser instrumentos altamente conservadores; porsua vez, a dimens60 critica (0 proprio nervo do forum) era tambem capaz dedessacralizar 0 templo e contrjbuir para que ele participasse da transforma~ooda sociedade (d. Cameron 1976).

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Estas considera<;:6es levam ao exame de questao trazida 0 baila,entre nos, com certa reitera<;:ao: e posslvel museu sem acervo?

Creio que a pergunta esteja mal formulada e a palissemia do termojustificaria a inclusao de institui<;:Oessem acervo, como centros culturais, espa<;:osinterativos, etc., mas serio como perguntar: existe mula sem cabe<;:a? Existe e podeate mesmo vistosamente soltar fogo pelas ventas. No entanto, se 0 popel de mulativer ainda utilidade, e duvidoso que, sem cabe<;:a, a mula possa executa-Io acontento. E se 0 papel de mula for importante para a sociedade, com a mula semcabe<;:a alguma coisa ficaria faltando. A pergunta correta, pois, deveria ser: ha,ainda, relev6ncia e utilidade, entre nos, no papel que possam desempenharmuseus com acervo? A resposta e francamente positiva. Estamos imersos numoceano de coisas materiais, indispensaveis para a nossa sobrevivencia biologica,psiquica e social. A chamada "cultura material" participa decisivamente naprodu<;:oo e reprodu<;:oo social. No entanto, disso temos consciencia superficial edescontinua. Os artefatos, por exempla, soo naG apenas produtos, mas vetores derela<;:6es socia is. Que percep<;:oo temos desses mecanismos? Noo se trata,apenas, portanto, de identificar quadros materiais de vida, Iistando de objetosmoveis, passando par estruturas, espa<;:os e configura<;:6es naturais, ate obras dearte'. Trata-se, isto sim, de entender 0 fen6meno complexo da apropria<;:ao socialde segmentos do natureza Fisico (Meneses, 1983).

Esta conceitua<;:ao supera a oposi<;:ao entre cultura material e culturanao-material ou, ampliando, fen6menos sociais materiais e noo materiais (ver,no dominio dos museus, a penetra<;:oo destas perspectivas: Pearce 1992,Pearce ed. 1989, 1994, Lubar & Kingery eds. 1993, Fleming, Paine & Rhodeseds. 1993 , Schlereth 1992). Neste rumo e que se compreende a afirma<;:oo deEdwina Tabarsky 11990: 74), de que 0 museu so se interessa pelos objetosmateriais por causa do sentido. E, nisso, ele tem condi<;:6es de analise eentendimento que nenhuma outra plataforma em nossa sociedade iguala.

Ora, 0 museu, precisamente, constitui recurso estrategico pelo qualessa consciencia pode ser alargada e aprofundada. No museu nos defrontamoscom ob;etos enquanto ob;etos, em suas multiplas significa<;:Oes e fun<;:6es- aocontrario, par exemplo, do que ocorre num supermercado. Objetos de nossocotidiano (mas fora desse contexto e, portanto, capazes de atrair a observa<;:oo)ou estranhos 0 vida corrente Icapazes, por isso, de incorporar a minha asexperiencias alheias). Doutra parte, e a fun<;:oodocumental do museu (por via deum acervo, completado por bancos de dados) que garante naG so ademocratiza<;:ao da experiencia e do conhecimento humanos e do frui<;:oodiferencial de bens, como, ainda, a possibilidade de fazer com que a mudan<;:a-atributo capital de toda realidade humana - deixe de ser um saito do escuro porao vazio e passe a ser inteligivel. Enfim, seria bom lembrar que, ao se falor emacervo, e preciso acrescentar ao acervo cortorialmente definido, de posseinstitucional do museu, aquele acervo operacional (porque e sobre ele que 0

museu opera), constituido par todo aque/e tipo de evidencia - que pode estender-se a um territorio inteiro (Sua no 1978: 122-3, Meneses 1984-5: 200-1).

Todavia, ainda persistem posi<;:6es conservadoras, que assumemradica/mente a desimport6ncia das cole<;:6es, as quais chegam, ate mesmo, a

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ser apresentadas como estorvo. Um porta-voz desse extremismo e JulianSpalding, diretor dos museus e galerias de Glasgow, segundo 0 qual os museusnao mais poderiam continuar a tuncionar meramente como storage facilities - 0

que, sem duvida, me parece observa~ao pertinente e sensata. A alternativa,entretanto, e desconcertante e j6 vem expressa no titulo de seu artigo:"Interpretation? No[ communication" (Spalding 1993). Comunicar serio, emultimo instancia, atender aos interesses do pUblico: ate agora, os museus temtentado lito fell the public what interests us - instead of asking what interests them"lib,: 1 1). Sem meias polavras, Spalding conceitua: IIMuseums are in theinterest business. Our job is to generate interesf' lib.: 13). Por isso, reformulouas carreiros profissionais nos museus de suo cidade, on de nao h6 maiscuradores encarregados das eole~6es (coleta sistem6tica, documenta~ao,estudo, etc.); agora h6 apenas um Conservation Department[ cujo objetivoprecipuo e tomar as cole~6es acessfveis, com seguran~a[ aeoplado a umCreative Services Department[ incumbido de "generate interesf' fib.: 14). Tudoisso tern motiva~oo das mais nobres: III wish to put the people we serve at theabsolute centre of our museum"(ib.: 1 1). Apesar da merit6ria inten~ao, 0

resultado s6 pode ser socialmente prejudicial. A especificidade do museu (comtudo aquilo que ele poderia fazer enquanto museu) dissolve-se nessa atmosferararefeita e, apesar das aparencias, socialmente descompromissada, engolfando-se numa visoo too ingenua de industria cultural que ignora ate mesmo queinteresses (seja 16 0 que esta expressoo designar) jamais soo naturais, jamaissocialmente inocentes. Doutra partet caixeiros diligentes, os ex-curadores temagora que inv~stir apenas em sua habilidade no transferencia daquilo queatende aos redamos do consumidor, evitando qualquer risco de contaminar osprodutos adequadamente embalados para consumo. De guardiaes de tesourose preceptores autorit6riost que eram, passaram a eunucos culturaist respons6veispelo acesso[ aos destinat6rios leg/timost nos condi~6es desej6veist de bens dosquais nao precisam mais ter experiencia. Esta gratificante candura noconcep~oo espontaneista da vida social noo apenas e inepta, mas social epoliticamente conden6velt por constituir uma acabada receita de aliena~ooteliminando do horizonte qualquer perspectiva crltica. Com issot jogci-se fora acrian~a com a 6gua do banho, reduzindo-se a cole<;:oo a um balcoo designificantes prElf-d-porter j6 com todos os seus significados quintessencialmenteembutidost au entaot 0 que termina no mesma vola comumt a1moxarifado designificantes disponfveis para os significados escolhidos self-service pelosusu6riost sem qualquer media~oot supoe-se, de processos cognitivos e atemesmo das for~as que agem no interior do sociedade capitalista em quevivemos.

Sem restringir 0 museu a um centro de documenta~ao, serio social-mente leviano, poremt marginalizar SUaS responsabilidades documentais nocom po do cultura material. A nao ser que se projetasse outra formainstitucional de preencher tais responsabilidades, coso em que poder/amostransferir-Ihe a denomina~ao tradicional de museu ... Em sumat sem museucom acervo[ a inteligibilidade do mundo material sofreria rude golpe emqualquer sociedade complex6. 0 desenvolvimento das tecnicas de

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2. A bibliografia sobre 0

museu hist6rico e volu-mosa e de qualidade e in-teresse muito desiguais.Para nao sobrecarregarainda mais 0 presentetexto, fica reservada paraum numero posteriordos Al1aisdoMuseuPau-/isla uma bibliografiaseletiva comentada (0ntlmero especial da revis-ta Museum dedicada aotema "Nouveaux aspectsdu musee d'Histoire",1977 inclui bibliografiaseletiva, p.1SO ss.).

reprodu<;ao, da telematica etc., nao reduzira, penso, a fun<;ao do museu nodominio da documenta<;ao. Ele continuara a justificar suo existencia pelanecessidade de dar conta do apreensao sensorial, empirical corporal,exigida pelo universo da cultura material (sem esquecer implica<;oes sociais,como as da "aura" ou da fetichiza<;ao - de que os museus sac osinstrumentos ideais, nao de cultivo, e claro, mas de analise). Alem disso, nomuseu, a dimensao cognitiva sempre se imbrica, profundamente, na afetiva.Estou convicto de que, no seculo XXI, os museus nao serao espa<;osanacr6nicos e nostalgicos, receosos de se contaminarem com os virus dasociedade de massas, mas antes, poderao constituir extraordinarias vias deconhecimento e exame dessa mesma sociedade. Serao, assim, bolsoes paraos ritmos personalizados de frui<;ao e para a forma<;ao da conscienciacritical que nao pode ser massificada.

Nessa perspectival a produ<;ao de "eventos" e 0 funcionamento domuseu como "centro cultural" saG legitimos e desejaveis apenas para multiplicare potenciar as fun<;oes do museu enquanto museu: nao para fugir delas, comsubstitui<;6es mais c6modas, como e muito frequente, quando noo se conseguedar conta do enfrentamento desse universo complexo da cultura material, sejano nivel propriamente da curadoria, seja no do conhecimento. Em outraspolavras, aqui - como em varios outros pontos, tal qual se vera adiante - apalavra de ordem serio a integra<;oo do museu a outros patamares de a<;oes efun<;oes, alem das que Ihe sao consubstanciais; jamais manter 0 museu comomere alibi para, em vez de museu, atuar segundo outras plataformas que, porsi, exigiriam maior eficacia.

As presentes reflexoes estao centradas no museu hist6rico.Rigorosamente, todos os museus soo hist6ricos, e claro. Dito de outra forma, 0

museu tanto pode operar as dimensoes de espa<;o como de tempo. No entanto,do tempo jomais podera escapar, ao menos na suo a<;oo caracteristica, aexposi<;ao. Harbison (1988: cap.8L partindo da pr6pria configura<;ao Fisica domuseu, examina 0 edificio na sua fun<;oo de organizar 0 tempo no seu quadro.E Crang, desenvolvendo as perspectivas apontadas por Ricoeur, sobre aspraticas narrativas como ordenadoras do mundo, concebe 0 museu "asmachines that inscribe time on space" (Crang 1994: 32). Segundo 0 autor, elesencapsulam 0 tempo, usando suas categorias analiticas para segmenta-Io e re-presenta-Io exibindo periodiza<;oes e estabelecendo hierarquias pela aloca<;aodiferencial e mobiliza<;ao do espa<;o.

No entanto, condensou-se uma categoria especificia de museuhist6ricd. No Europa, como demonstra Bonn (1990L ha duas inven<;6esexpositivas que voo decisivamente nuclear a poetica distintiva do modernomuseu hist6rico, contribuindo para Ihe definir a natureza. Elas se exprimem, deum lado, pelo Musee des Monuments Fran<;ais, criado em 1795 e, de outro,quase vinte anos depois, pelo Musee de Cluny, ambos em Paris (ver tambemPoulot 1986).

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No primeiro se tem um principio diacronico, quando AlexandreLenoir, artista, conhecedor e classificador de monumentos e esculturasmedievais, organiza a galleria progressiva. (Museus de arte e argueologia,galerias de retratos, etc. mais tarde, puderam servir de matrizes de museushistoricos, matriz mais tarde ainda refon;:ada pelos museus militares).

Jo no Hotel de Cluny, Alexandre du Sommerard, quando montou aChambre de Franc;ois ler., lan<;:ava as bases do que posteriormente seriodenominado period room, 00 sincronicamente dispor, num mesmo espa<;:oreferido ao inicio do seculo XVI e 00 monarca frances, camas com dosseis,armorios, mesasr tapetes e alfaiasr armas e objetos de luxo e pessoais.

No seculo XIXr 0 desenvolvimento dos museus historicos estaassociado ao surgimento das nacionalidades (Horne 1984), 00 mesmo tempoque, sem contradi<;:ao, a Historia Universalr no qual a Historia Nacionalrepresentaria a culmina<;:ao do desenvolvimento do civiliza<;:ao. Dai aimportancia dos museus de arqueologia das civilizo<;:oes clossicas do Grecia ede Romar bem como do Egito e do Mesopotamia (Bennett 1994).

Nos Americasr as raizes sac um pouco diversas. Definem-ser nosEstados Unidos, entre 1740 e 1870 r quando se consolida 0 Americancompromise de que se ocupa Joel Orc>sz (1990), gerado no influxo doIluminismo europeu, mas temperado com os idea is republicanos do jovemna<;:ao, a emergencia das classes medias e 0 advento do profissionalismo nociencia (e no museu). Educa<;:ao popular e pesquisa academica sac os eixosque 0 compromisso americano desenvolve a partir de museus complexos,basicamente modelados como museus de Historia Natural, aos quais tambem seintegra a atua<;:ao de sociedades historicas e arquivos. Disto resulta um certoalargamento de horizonte e uma organicidade que, por exemplor nos museusdo pioneiro Charles Wilson Peale ja incluia a tecnologia como tra<;:odistintivodo na<;:ao independente cuja identidade se procura firmar (Helm 1992; verainda Wallace 1986, Swank 1990).

No Brasil, 0 modelo oitocentista er tambemr 0 do museu de HistoriaNatural, no qual S8 insere organicamente a Antropologia er como um enclaveevocativo e celebrativo, a Historia. Somente no decada de 20 deste seculo eque se condensa 0 museu hist6rico como categoria distinta das demais3

.

A fragmenta<;:ao dos museus em especialidades tem tambem suahistoria que aponta para 0 seculo XVIIIe que esta ainda por ser feita. 0 resultadoe uma tipologia multiforme, em que, 00 lado de museus enciclopedicos (do tipodo British Museum ou do Metropolitan Museum) e dos historicos, se encontrammuseus de arte, de arqueologiar de antropologia, de folclore, de HistoriaNatural (desmembrados em zoologia, botanica, geologia, etc.), de ciencia etecnologia e assim por diante. Finalmente, ha os tematicos e micro-tematicos,muitas vezes corporativos e patrocinados por empresas: dos transportes, do mar,do telefone, das abelhas, do madeira, de moedas, selosr medalhas, do chapeu,do Coca-Cola e do farmacia. A pulveriza<;:ao nao tem limite.

Esta fragmenta<;:ao toda milita contra 0 reconhecimento de umasociedade complexa (Horne 1992: 66) e tem repousado no referencia que setornou exclusiva: 0 objeto e sua naTureza, quer em ultima instancia, determinaria

3.Ja com~ram a surgiralgunsestudossabre nos-sos museus hist6ricos eseus antecedentes, subs-tituindo trabalhos maisantigos, de perspectivadescritiva (como Sodre1950): Abreu 1991 eneste volume (MuseuHist6rico NacionaI),Santos 1989e 1992(Mu-seu Hist6ricoNacionaleMuseu Imperial), Heizer1994 (Museu Imperial),Mounio 1994(Museu daInconfidencia),Schwarcz 1993(os qua-tro museus oitocentis-tas). Ha dois sucintosapanhados descritivos,por Lacombe 1977 eBarata 1986,como tam-bem alguns catalogosilustrados (Paiva 1984,Godoy 1989). Outrostrabalhos se preocupa c

ranl genericamente erndenunciar os compro-missos ideol6gicos dosmuseus hist6ricos (Si-moes Neto 1988, Lara1991, Funari 1994).Alem disso, ha variosprojetosem curso (Ceci-lia Helena Sallesde Oli-veira, AnaClaudia Fon-seca Brefe, Maria JoseElias,Jose Neves Betten-court, etc.).

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a natureza do museu. Assim, essa taxonomia dos museus baseia-se menos emcampos do conhecimento ou problemas humanos, do que em categorias deobjetos, isolados ou agrupados, sempre, portanto, tendendo a reifico<;:ao. Parisso, 0 conceito vigente e 0 de que museu historico serio aquele que opera"objetos historicos".

Como resultado, a ciencia e a tecnologia nao incorporam a Historiae esta parece desprovida de qualquer conteudo cientifico e tecnologico, mesmodepois do Revolu<;:ao Industrial. Num museu de arte, uma tela, por exempla, edocumento pl6stico lmas sem consideror que a constru<;:ao do visualidadeintegra a realidade historical. J6 no museu historico, a mesma tela seriovalorizada pelo tema, como documento iconogr6fico (mas ignorando ahistoricidade do materia pl6stica (ver Meneses 1992b). Foram criterios comoesse que determinaram em 1904 e em momentos posteriares, a transferencia detelas do Museu Paulista (hoje do USP, um museu entao historico, antropologico ebiologicol, para aPinacoteca do Estado (um museu de arte).

A rela<;:ao entre museu historico e museu de arte sempre foi ambigua,pois h6 um compromisso de origem e umo oposi<;:ao latente, ao mesmo tempo.Assim, por exemplo, na Inglaterra vitoriana e, mais ainda, nos Estados Unidos,os fundadores de museus exploraram a estetica, nos museus historicos eantropol6gicos, para industriar e formor disciplinarmente 0 povo em geral e asclasses oper6rias em particular e, num segundo momento, para reafirmar - nosEUA - valares americanos como controponto aos riscos da imigra<;:ao e, emseguida, estimulo 00 progresso (Ettema 1987, Kammen 1991: 310-374).Quanto aos museus antropologicos sempre faram acusados de se apropriaremideologicamente das "outras culturas", estetizando-as (Clifford 1985, Ames1993, Price 1989). E os museus de "ortes decorativas" muitas vezesconstituiram um modelo variante de museu historico (Froissart 1994).

E necess6rio, j6 se ve, esclorecer 0 que seja objeto historico e seindagor que rela<;:ao ele mantem com 0 documento historico. Antes, porem,conviria tecer algumas considera<;:6es finais sobre a taxonomia de museus queinclui a categoria de museu historico.

Est6 claro que nao se pode ser total mente negativo com rela<;:oo ascompartimenta<;:oes apontadas. Ainda que sua justificativa noo sejaepistemologica, como se apontou, noo h6 duvida de que a descontinuidade econdi<;:ao para 0 conhecimento e, assim, tais subdivisoes podem criar condi<;:oesfavar6veis pora aprofundar a investiga<;:ao de um campo de fenomenos. Poroutro lado, do ponto de vista documental, a natureza empirica das fontes noopode ser desconsiderada. Alem disso, e bom tambem noo esquecer que foiessa comportimenta<;:oo que, entre nos, muitas vezes, assegurou a preserva<;:oodo que de outra forma teria desaparecido. Finalmente, nao soo secund6rios osaspectos pr6ticos e institucionais que levam a tal estado de coisas.

Resta, porem, 0 fato de que conhecimento e fonte nao soobiunivocos. A natureza da fonte noo pode ser a mesma que a do conhecimento,nem determinar a natureza do conhecimento (pode, sim, definir limites, alcance,prioridades, pontos de for<;:a, etc.). Por isso, tomar um referencial exclusivamentedocumental, recortando tipos de objetos e procedimento insuficiente.

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Calec;oo ou problemas? Er antesr de uma problem6tica que sedeve partir. Masr ja que se trata de museur de uma problem6tica que possa sermontada (ou me/hor montada) com objetos materiais. Portantor instaura-se umadialeticar sem exclusoor em que a problematica define um horizonte dedocumentac;oo potencial desejavel e em quer por sua vezr categorias documentaispermitem delineor territ6rios de problemas a serem formulados e explorados.

Orar se ? amplitude das problem6ticas possiveisr no atual organizac;oode museusr e reduzida Ie noo ha raz6es pora preyer mudanc;as radicais a curtoprazo e nem mesmo para consider6-las desej6veisL nada impede a articulac;oo demuseusdiferentes em torno de interesses comuns. Er na exposiC;oor particulormentenos de curta durac;oor a Hexibilidade destas articulac;6es e ineg6vel.

Uma ilustrac;oo tomara mais c10ra esta necessidade de consideroruma relac;oo dialetica entre objetos e problemas.

Um museu de cidader par exemplar pode contor com uma calec;oode rel6gios de rua. E pode ampliar tipolagicamente tal colec;oo e tambem expo-la tipalogicamenter em poralelo a v6rias outras classes de objetosr cada umaem seu segmento taxonomico. Pouco conhecimento se tera do cidader salvonuma escala pontual e limitada. Sequer ficoriam c10ras as func;6es desse tipo demonumento urbano. No entantor coso se porta de um problema (que a pr6priacolec;oo derelogios pode sugerirL como a do tempo enquanto forma decontrale social no espac;o urbanor j6 se pode montor uma estrategia e mobilizoroutras colec;6es existentes ou definir uma palitica de coleta. Asimr a portir dorel6gio de rua como referencia que projetava no espac;o urbano assigniticac;6es do tempo enquanto fator de organizac;oo e convergenciar numasociedade em processo r6pido de fragmentac;oor buscor-se-iam relac;6es comoutras formas de controle social por meio dos objetos pertinentes. Comor porexemplor a domesticac;oo do tempo naturalr pelas exigencias da produc;oor quenossa sociedade imp6e. A produc;oo requer continuidader mas 0 tempo naturalapresenta rupturasr como a alternancia dia/noite. Dai ser adequado incorporara exposic;oo calec;6es de equipamentos de iluminac;oo (domesticar industrialr de

. rual, capazes de permitir 0 entendimento deste dominio sobre 0 tempo. Outrarelac;oo poderia ser com 0 dominio do durac;60 das coisasr da vida util dosobjetos reduzidos a mercadoriar a fim de que elas circulem mais rapidamente(er portantor a mesma matriz). Assimr a exposic;60 contaria tambem com umacolec;oo de objetos descartaveisr como embalagensr copOSr por exemplor ououtros objetos morcados pelo efemero ou pela obsolescencia programada.Poderia parecer uma exposic;60 comp6sitar ecletica. De fator mas nisso mesmoela remete as multiplas malhas do interac;oo socialr sem a qual escaporia 0sentido historico dos diversos tipos de objetos exibidos.

Objeto historicor documento historico.

Escrevendo nrO Paizr na decada de 20r quando no Brasil sedefinem os dois principais modelas mais antigos de museu hist6ricor 0 MuseuPaulista e 0 Museu Hist6rico Nacionalr assim falava Jose Mariano Filho (1922:162)r ecoando ainda a oposic;oo entre objeto historico e objeto artistico.

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"Casos ho, e noo raros, em que 0 interesse artistico apparece, por assim dizerdouble do interesse histarico. Seria 0 coso de se citar a coma do patriarcha JoseBonifacio, uma das maiores maravilhas do talha executada no Brasil em fins do seculoXVII. Mas nao e iusto argumentar com as excepc;:oes. 0 tamborete tosco de AntonioConselheiro, 0 lapis azul do monarcha Pedro II, especie de guilhotina que invalidavaem um simples tra<;:oa vida dos homens publicos; 0 catre de Diogo Feij6, tudo issonada representa sob 0 ponto de vista art/stico. Soo pec;:asde Museu Historico, simplessubsidios anedoticos, ou documentos curiosos 00 sabor do paladar publico".

Quase setenta anos depois, um historiador australiano, KimberleyWebber, previa que "0 cultivo de um sentido serio do passado" de seu paisteria que "rest upon a clear distinction between the rhetoric of the relic and thereality of the artefact (apud Bennett 1995: 146).

Por mais diversos que sejam, pela epoca, pelo contexto em que seinserem e pela perspectiva de que falam, estes dois testemunhos servem deemblema para consubstanciar um dilema (falso) ainda hoje atuante e queopae, no museu historico, estas duas categorias basicas de objetos.

A primeira e a categoria sociologica do obieto historico que, emmuitos museus, constitui presenc;::aexclusiva ou de clara prevalencia. Na nossasociedade, ele se caracteriza, quaisquer que sejam seus atributos intrinsecos, porsentido previo e imutavel que 0 impregna, derivado, nao desses atributos, masde contaminac;::ao externa com alguma realidade transcendental - por exemplo,a "vinculac;::ao a fatos memoraveis do historia do Brasil" (acrescentorlamos fIe seusagentes excepcionais"), no expressao do Decreto-Iei 35, de 1937, que criou 0SPHAN - SeNic;::o do Patrim6nio Historico e Artlstico Nacional. Sao objetossingulores e auraticos, no expressoo benjaminiana ou, mais precisamente, nao-fungiveis. Nao poderiam ser substituldos por capias ou par objetos de atributosequivalentes. Sao excluidos de circula<;:ao e nao so tem seu valor de usadrenado, como trazem para qualquer uso pratico eventual a pecha dosacrilegio.

Malinowski percebeu com acuidade a semelhanc;::aexistente entre osobjetos do circuito do kula e as joias da coroa brit6nica, que ele contemplou nocastelo de Edimburgo. 0 kula e um ritual de troca de objetos, entre os nativos dasIlhas Trobriand, marcado par regras numerosas e precisas e, alem disso,respeitadas, pela integrac;::ao social que propiciavam. Tanto quanto as joias docoroa, os objetos do kula nao valem pelo usa pr6tico, "pois sao possuidos pelaposse em si". Posse que transfere gloria e fama. "Podem ser feios e inuteise,segundo os padraes correntes posssuir muito pouco valor intrinseco", arremata 0

famoso antropologo, como se reproduzisse 0 mote de Jose Mariano Filho, "poremso 0 fato de terem figurado em acontecimentos hist6ricos e passado pelas moos depersonagens antigos constitui um veiculo infalivel de importante associac;::aosentimental e passam a ser considerados grandes preciosidades" (Malinowski1976: 80). Sao semioforos, express60 rebarbativa forjada por Pomian (1977)pora identificar objetos excepcionalmente apropriados e exclusivamente capazesde portor sentido, estabelecendo uma mediac;::60 de ordem existencial (e naocognitiva) entre 0 vislvel e 0 invislvel, outros espac;::ose tempos, outras faixas derealidade. Escusado insistir que 0 conceito de reliquia, no campo religioso, condizcom os anteriores, ressaltando a necessidade de contiguidade, contacto com um

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transcendente, para que 0 objeto prolongue esse transcendente, seja, entre nos, 0que dele ficou (relicta). Todos funcionam como fetiches, significantes cujosignificado Ihes e imanente, dispensando demonstrac;:oo: as relfquias do SantoLenho, por exemplo, impunham credibilidade, n60 pela autenticidade de suasorigens, mas pelo poder manifestado (Lowenthal 1992: 91).

Reliquia, semioforo, objetos historicos: seus compromissos s60essencialmente com 0 presente, pois e no presente que eles soo produzidos oureproduzidos como categoria de objeto e e as necessidades do presente queeles respondem. Qu, em outras palavras:

I/O objeto antigo, obviamente, foi fabricado e ~anipulado em tempoanterior ao nosso, atendendo as contingencias sociais, economicas,tecnol6gicas, culturais, eteetc. desse tempo. Nessa medida, deveria ter variosusos e fun<;6es, utilitarios ou simb6licos. No entanto, imerso na nossacontemporaneidade, decorando ambientes, integrando cole<;6es ouinstitucionalizado no museu, 0 objeto antigo tem todos os seussignificados, usose fun<;6es anteriores drenados e se reciela, aqui e agora, essencialmente, comoobjeto-portador-de-sentido. Assim, por exemplo, todo eventual valor de usosubsistente converte-se em valor cognitivo a que, por sua vez, pode alimentaroutros valores que 0 passado acentua ou legitima. Longe, pois, de representor asobrevivencia, ainda que fragmentada, de uma certa ordem tradicional, e dopresente, indica Jean Baudrillard, que ele tira sua existencia. E e do presente quederiva sua ambiguidadel/ (Meneses 19920: 12).

Estas conotac;:oes temporais SOOt de fato multiplas, embora 0 presenteconstitua 0 foco ordenador. Assim, 0 mesmo Baudrillard, apesar de opor 0objeto antigo ao objeto funcional e localiz6-lo na modernidade, n60 0considera a-tuncional. Sua func;:60 e precisamente significar 0 tempo:

'l'exigence a laquelle repondent les objets anciens est celie d'un etre definitif,un etre accompli. Le tempsde I'objet mythologique, c'est Ie parfait: c'est ce qui a lieudans Ie presentcomme ayant eu lieu jadis, et qui, par cela memeest fonde sur soi,'authentique'" (Baudrillard 1968: 91-2).

Ao inverso, os objetos funcionais se esgotam no presente,comprometendo qualquer indice de plenitude e sem passado. Existem apenasno indicativo e no imperativo pratico, como propoe Baudrillard.

Eis porque 0 decurso do tempo constitui fator relevante dequalificac;:oo do objeto historico - a 'ponto de ser utilizado,automaticamente, como criterio discriminatorio. Alois Riegl, em obra c16ssica(1984, original de 1903) aponto como as marcas da passagem do tempo,a degradac;:oo fisica, as lacunas - fundamentam 0 criterio maior de valordo objeto antigo, imediatamente perceptivel (ao inves do valor historico, queremete a um conhecimento). A posse de objetos hist6ricos como vetor dec1assificac;:oo sociol noo e tema novo, seja no tocante a colec;:oes (Stillinger1980), seja em mecanismos mais individuados, como a 'sindrome dapatina', que McCracken (1883) estuda na Inglaterra, nos processos degentrification ."

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Esta categoria de objeto historico, assim, par sua propria naturezae fun<;:6es,privilegia as classes dominantes - fato facilmente observavel nosmuseus e abundantemente denunciado na bibliografia. Curioso e que estevies tenha como vetores seja 0 excepcional, principalmente no versoo dasartes decorativas (a belissima cama de Jose Bonifacio), seja 0 banalirrelevante (0 lapis de D.Pedro II) que, por sua propria insignificoncia, servede cau<;:oo ao excepcional e a credibilidade dos valores que se devemexaltar. Nos do is casos, os vinculos pessoais soo condi<;:oo relevante esingularizadora. Com outros acr8scimos, que constituem variantes oudesc:lobramentos destas duas vertentes, tem-se um quadro verdadeiramenteparadoxal: a visita a maioria dos museus historicos justificaria levantar-se ahipotese de que, ai, a materia-prima com que se faz a Historia soo moveisde c1asse, objetos de luxo (Iou<;a brasonada, p.ex.l, pertences pessoais(armas, indumentaria, moedas, quinquilharial, sem esquecer, e claro, sfmbolosdo poder e, ainda, telas (pela far<;:ado imagem nas fun<;:6esevocativas ecelebrativas) .

Torna-se evidente, destas considera<;:6es,que 0 objeto historico e deordem ideologica e noo cognitiva. Noo que noo possa ser utilizado para aprodu<;oo de conhecimento. Ao contr6rio, soo fontes excepcionais para seentender a sociedade que os produziu ou reproduziu enquanto obietos historicos.

E quanto 00 objeto purificado do retorica, 0 objeto concreto,identico a si proprio, aquela real thing que Webber almejava como antidoto areliquia? Par certo noo existe. Qu, na formula<;oode Bennett (1995: 146): " ...the artefact, once placed in a museum, itself becomes inherently and irretrievablya rhetorical object".

Com efeito, 0 artefato neutro, asseptico e ilusoo, pelas multiplasmalhas de media<;6es internas e externas que 0 envolvem, no museu,desde osprocessos, sistemas e motivos de sele<;oo (na coleta, nas diversificadasutiliza<;:6esl, passando pelas classifica<;6es, arran'los, combina<;6es edisposi<;6esque tecem a exposi<;60, ate 0 caldo de cu tura, as expectativas evalores dos visitantes e os referenciais dos meios de comunica<;60 de massa, adoxa e os criterios epistemologicos na moda, sem esquecer aqueles dasinstitui<;6esque atuam na 6rea, etc.etc.

Poder-se-ia concluir dizendo que 0 objeto puro ou purificado, "thereal thing" pode, sim, existir, mas somente saturado de hiper-realidade:"imagination demands the real thing and, to attain it, mustfabricate the absolutefake" (Lowenthal 1992: 97; para a hiper-realidade e 0 simulacro, ver Eco1984 e, j6 seduzido pelo virtual, Baudrillard 1981).

suplantado 0 falso dilema reliquia (objeto historicol versus artefatoem si, resta saber que alternativa cabe ao museuhistorico.

Segundo a tipologia museologica acima discutida, concebe-secorrentemente 0 museu historico como aquele que opera com objetoshistoricos. se, contudo, e a dimensoo do conhecimento que sobe a tona, epreciso retificar e dizer, como vimos, que 0 museu historico deve operar comproblemas historicos, isto 8, problemas que dizem respeito a dinamica na vidadas sociedades. .

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Nessa otica, 0 museu deveria servir-se tambem dos objetos historicos,e de qualquer objeto que Ihe possa permitir formular e encaminhar ,os problemasgue tiver selecionado como prioritarios dentro de seu campo. (E clara, alemdissot a necessidade de emprego de Fontes naG materiais, que e precisointegrar as Fontes materiais, as quais cabe a hierarquia, j6 que os problemasprivilegiados, como tambem se viu, devem ser pertinentes, num museu, adimensoo fisico, sensivel, do produl';oo/reproduc;oo social). Introduz-se aqui aquestoo do documento historico.

Para reduzir um complicado problema a sua minima expressoo, nonivel empirico pode-se dizer que documento e um suporte de informac;:Oo.

Hat em certas sociedadest como as complexas, uma categoriaespecifica de objetos que sac documentos de nascenc;a, sac projetados pararegistrar informal';oo. No entantot qualquer objeto pode funcionar comodocumento e mesmo 0 documento de nascenc;a pode fornecer informac;:oesjamais previstas em sua programal';Oo. Se, 00 inves de usar uma caneta paraescrevert Ihe soo colocadas questoes sobre 0 que seus atributos informamrelativamente a sua materia primo e respectivo processamento, a tecnologia econdic;:oes sociais de fabrical';oot forma, func;oo, significa<;oot etc. - este obietoutilitario est6 sendo empregado como documento. (Observe-se, poist que 0

documento sempre se define em rela<;oo a um terceirot externo a seu contextooriginal). 0 que faz de um obieto documento naG e, pois, uma cargo latente,detinidat de informal';Oo que ele encerret pronto para ser extraida, como 0

sumo de urrilimOo. 0 documento naG tem em si sua propria identidadetprovisoriamente indisponivelt ate que 0 osculo metodojogico do historiadorresgate a Bela Adormecida de seu sono programatico. E, pois, a questoo deconhecimento que cria 0 sistema documental. 0 historiador nao faz 0

documento falar: e 0 historiador quem fala e a explicitac;:ao de seus criterios eprocedimentos e fundamental para definir 0 alcance de sua fala .. Todaopera<;oo com documentos, porjanto, e de natureza retorica. Noo h6 por que 0

museu deva escapar destas trilhas, que caracterizam qualquer pesquisahistorical

E importante notor que esta preocupac;:ao em conceituor 0

documento se encontra muito mais frequentemente nos museus antropologicosdo que em seus paralelos historicos. Paradoxal e que possam ate mesmo ocorrercas os de pacifica convivencia entre documentos e obietos historicos, na mesmainstituic;oo. Exemplo sintom6tico e 0 do Museu Paulista, criado em 1893 comoMuseu de Historia Natural, reproduzindo 0 modelo europeu, que introduziu arelal';oo simbiotica mais perfeita entre museus e um determinado campo dosober. Mas a Historia, 00 nele se inserir, coda vez mais se afasta dosprindpios e normas de um museu de Historia Natural:

"Alias, sua comodo inser<;ao em museus desso categoria nunca implieouadesao a suas premissas, Pelos fun<;6escomemorativas que a propria legisla<;aoqueo instituiu preserevia, heava patente que a Historia nao tinha estatuto epistemologico,mas etico. Dai a convivencio pacifica com 0 museu de Historia Natural, apesar doexistencio do que hoie nos pareeeriam graves eontradi<;6es. Assim, a no<;ao decole<;ao e estronha 00 museu historica, pais a acervo e composto de objetos

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singulares. A coleta de campo e absolutamente irrelevante; a permuta,desconhecida; a compra e prejudicada pelos altos custos do antiquariato; resta adoac;:ao, que introduz, com freguencia, os objetos como suporte da auto-imagem dosdoadores. 0 uso documental das pec;as e praticamente nulo. Predomina a metafora,capaz de ilustrar, na exposic;ao, conhecimento produzido alhures. A import6ncia daiconografia se funda numa concepc;ao visual da Historia, magistra vitae, e no poderde evocac;ao e celebrac;ao da imagem. Por isso, 0 museu nao apenas coletadocumentos iconograficos, como passo a produzi-Ios, encomendando-os a pintores eescultores, segundo prescric;6es bem definidos (Carvalho & Lima 1993). Finalmente,e 0 predio inteiro, arquitetura e um oceano de figuros que, do saguao ao salaonobre, passando pela escadaria monumental, com seus quadros, nichos, molduras ebras6es estucados, plotaformas e bases para esculturas etc., se organizaalegoricamente para .evocar e celebrar a transformac;ao do territorio em nac;aoindependente. Taunay, nos anos 20, introduz nesse imaginario da Independencia aideologia paulista (0 projeto hegemonico de Sao Paulo na Republica Velha estava,

. entao, sendo contestado). 0 oandeirante, associado a proeza da extensao doterrit6rio e predecessor do tropeiro, do fazendeiro de cafe e do capitao de industria,tem suas iconografia e ideologia gestadas no Museu Paulista. A presenc;:a dobandeirante serve para avaliar a autonomia da Hist6ria com reloc;:60 as demaisareas de conhecimento no museu: este predador de indios convive pacificamentecom sua presa, abrigada na sec;60 etnografica ... Alias, 0 indio da Hist6ria (porexemplo, de uma tela como 0 desemborque de Cabral em Porto Seguro, 7500, deOscar Pereira do Silva) e 0 indio documentado pela Arqueologia e pela Etnografiasempre mantiveram identidades separadas, sem jamais se terem cruzado sob 0mesmo teto institucional. Este descompromisso da Historia como forma deconhecimento e 0 que explica 0 fato de ° acervo museol6gico do Museu Paulistanunca ter sido utilizado como fonte para a pesquisa hist6rica. Nao era esta a suafunc;ao. Era, sim, a do Arquivo Historico, criado pelo mesmo Taunay - autor, diga-sede passagem, de uma obra copiosa, toda ela basicamente fundamentada em fontesescritas" (Meneses 1994: 576-7).

Antes de entrar na especificidade da exposi<;;ao historica, impoe-seexaminar uma serie de questoes gerais, ainda que ressaltando 0 que possam terde mois relevante para as exposic;:oes historicas: a exposic;:ao como convenc;:ao,o falso bin6mio objetos versus ideias e a exposic;:ao como linguagem.

A caracteristica basilar e de cujas implicac;:oes pouco nos damoscanta e 0 caroter da exposic;:60 como convenc;ao visual, organizac;ao deobjetos para produc;:ao de sentido. A exibic;:ao de pec;:as museol6gicas comovetor de sentido nao se confunde com outras operac;:oes semelhantes [porexemplo, a ostensao ritual de objetos, que nao depen<;Je de seu valor"documental", referencia externa, mas de seu valor imanente). E impossivel tratara exposic;:ao, assim, como um processo natural, 6bvio, espontaneamenteoperavel (Pearce 1992: 137). A "Iinguagem do museu" nao pode, pois, sertomada como linguagem natural e e va procura de recursos que permitam uma"comunicac;ao imediata".

Levando em conta a dissoluc;ao, em nossa sociedade de classes, dasestruturas e relac;:oesde comunidade (salvo em situac;:ao residual e que nao

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poderia justificcr 0 curso, too reiterado entre nos, do termo comunidade nouniverse dos museusL e for~oso reconhecer que 0 usa do museu naG se incluinos processos formais e informais de encultura~ao vigentes entre nos - como,por exemplo, a alfabetiza~ao ou 0 dominio dos c6digos visuais do publicidade,da comunica~ao de massas etc. A diferencia~ao etaria, sexual, educacional,profissiona" de gosto, etc., alem, e claro, da economica e, numa palavra,social, com a gera~ao de diferentes sistemas de valores e codigos diversos decomunica~ao, implicam uma enorme fragmenta~ao do linguagem que so aindustria cultural se apresenta em condi~6es de enfrentar (por ter investido noeficacia e com metod os e objetivos, e natural, que naG coincidem com aquelesproprios dos museus e das exposi~6es).

Nessa otica, a primeira orienta~ao de uma exposi~ao deveria tercomo meta a 'alfabetiza~ao museoI6gica'4. Ellie Caston, que coordenou osprogramas interdisciplinares do Carnegie Museum of Natural History and Art,realisticamente apontava que a fun~ao educacional do museu naG seriocompleta se ele naG ensinasse 0 que e um museu, o que e uma exposi~ao ecomo devem e podem ser usados: "museums in addition to everything else theymay do, must be concerned with educating people about museums asmuseums ... (with) developing audiences for museums - as multifaceted resourcesfor use" (apud Schlereth 1992: 315).

Isto, evidentemente, naG equivale a presumir que uma exposi~aoso sera devidamente fruida com a media~ao, suponhamos, de um monitor.Seria 0 mesmo que pressupor a presen~a de um alfabetizador a coda leiturade um texto. Ao contrario, devE'?-sefixar como alvo a capacita~ao do usuariopara dominar a conven~ao. E preciso, pois, acentuar a importancia dasquest6es metodologicas entre as obriga~6es basicas que os museus precisamassumir.

Outra questao gravissima que a natureza convencional daexposi~ao acarreta numa sociedade compartimentada e a impossibilidadede se dispor de uma moeda comum, polivalente, universal, 00 alcance detodos os grupos e segmentos. De um ponto de vista meramente formal,poder-se-ia fazer paralelo, mais uma vez, com a aprendizagem do leitura[aquisit;ao do competencia para fazer uso personalizado de exposi~6esLque naG equivale 00 entendimento de todo tipo de texto (a exposi<;:aoespecificaf enquanto expressao de um determinodo conceito). No entanto,na pr6tica, vejo com dificuldade solu<;:ao para 0 impasse. Noimpossibilidade de se contar com um miraculoso Esperanto museologico,conviria apenas adiantar, como imagino, que se deva desenvolver aexposi<;:ao a partir de um nudeo basico e simples, em que predomine alinguagem dos objetos (ver adiante) e em torno do qual se expandamcamadas concentricas (conforme as faixas de diversifica<;:ao possiveis deatingir) - mas sempre voltadas para 0 mesmo nudeo b6sico em questao e decrescente complexidade.

Contudo, a tendencia dominantef acentuadamente, e a de definir umpublico-alvo (target audience). Infelizmente, tal tendencia tem-se embasadof codavez mais, naG no considera~ao das responsabilidades do museu com reia<;:aoa

4. 0 problema cia '''aIfa-betiza,ao museol6gica"tern sido levantado comcerta freqiienda (cf. Rice1988; Stapp 1984), masde forma ainda ligeira eassociada, em geral, asartes visuais. As vezes seaproxima, mesmo, daspropostas da arte-edu-ca~ao. No entanto, ahorizonte aqui propostoe mais amplo e deveriaabranger todo 0 campoda cultura material e,dentro dela, alguns seg-mentos institucionaliza-dos, como e 0 caso dosmuseus.

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diversifica<;:oo de usuarios, mas nas exigencias do mercado. Nos Estados Unidos,a tendencia ja se tomou padroo, nos grandes museus. Com efeito, exposi<;:oescujos or<;:amentos beiram milhoes de dolores (como ados 'tesouros' deTutanc6mon) e que c9ntam com pesados investimentos privados, naG podem terfracasso de publico. E for<;:oso, entoo, que se busque 0 retorno a qualquer custo-com 0 que os museus mergulham indiscriminadamente na comunico<;:60 de massase na industria cultural (e de entretenimentol, sem preservar qualquer especificidade,nem mesmo a de eventualmente servirem como filtrocritico, num mundo no qual asmassas soo uma realidade inelutavel (para 0 bem e para 0 mal) e imposslvel deignoror.

A principal decorrencia desse estado de coisas e 0 enfraquecimentoda dimensoo polltica do museu, muitas vezes substituida pelo paternalismo, ou,mais raramente hoje, pelo elitismo. Ora, 0 museu que noo se preocupa compreparar seu publico pora operar uma conven<;:oo enquanto conven<;:oo (eavalio-Ia em suas consequencias), mas simplesmente busca sua ades60 ouinduz, as vezes com sedutora conivencia, a aceita<;:oo e refor<;:o de um sentidoja cristalizado, este museu estaro sempre vulnerovel as pressoes dadespolitiza<;:oo, seja elitista, seja populista.

Este novo dilema - objetos ou ideias (sentido, conceitos, problemas) ?- tem sido colocado, como jo se a1udiu acima, referido ao museu como um todo(d. Schlereth 1980) ee uma variante do dilema - templo ou forum? Entretanto,e no exposi<;:oo que ele assume contornos bem explicitos.

o que e exposi<;:60: uma exibi<;:oo que oferece 00 oIhar objetos, ouideias? A exposi<;:60 museologica somente poderio exibir objetos circunscritosem sua propria concretude como um ritual de idolatria. Tudo 0 que se debateuate aqui, porem, em especial 0 caroter convencional do exposi<;:ao, conduz adire<;:oo diversa, em que 0 objeto aporece fundamentalmente como suporte designifica<;:oes que a propria exposi<;:oo propoe.

Ate mesmo 0 desfrute estetico jamais existe em estado puro. Estafrui<;:60 sensorial encontra no exposi<;:60 de orte, como serio de esperar, seuespa<;:o ideal. Ernst Gombrich, num artigo polemicamente intitulado "Deve 0museu ser ativo?" (1987: 189-194), advogava a superioridade docontempla<;:oo, reduzindo qua'iquer "preocupa<;:oo morfologico" noapresenta<;:oo das obras a n60 mais que "fresh method of display which will bewritten up by press and discussed at cocktail forties but will this nine-day wonderreally bring the nine-hundred-yeors wonder 0 craftmanship (as obras) nearer thebeholder?" fib: 189). E termina dizendo que os curadores (conservators) dosmuseus deveriam ser fieis 00 significado etimol6gico do termo que os designa edispor-se a "that rarest of abilities, the ability to leave well alone" (ib.: 194). Asforpas do conhecido historiador da crte se dirigem, sem duvida, as pretensoesdos escrit6rios de design (aos quais cada vez mais se tem atribuido amontagem de exposi<;:oes) em obter 0 monumental e 0 espetacular, ou entoo,

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aquele too almejado 'total environment of communication' (Miles & Zavala1994: 147)5.

Todavia, e bom reiterar que tal postura extrema, ainda que Fossedese\'ovel, seria inviovel. Nao ho como assegurar tal recolhimento contemplativoabso uto, salvo numa utopia como aquela que Friedrich Schlegel formulava h6quase dais seculos, para evitar que, no museu, cada quadro perturbasse 0

vizinho: 0 oratorio privado, imerso em obscuridade, com apenas uma imagemiluminada (Recht 1989: 85). A historia dos museus de arte revela a rejeic;oo detal partido, de sorte que todo museu da especie (incluindo os de artecontempor6nea, aqueles mesmos que Argan opunha ao caroter 'patrimonialista'dos museus de 'arte antiga') e, em ultima analise, um museu de historia da arte.Ainda que nao haja um conceito explicito, um conceito impllcito sempre estaropresente como prindpio organizativo. Recht (1989: 86), ao descrever um dostipos da exposic;ao de quadros nos period os cIossico e barraco (eixo desimetria, telas suspensas segundo regras de equilibrio quanta a tema e/oudimensao e referidas a uma tela, no meio, tida como principal), infere que assimse tecia uma "histoire de I'art autour de chefs-d'oeuvre, de faits majeurs, que lesoeuvres contigOes sont destinees a mettre en valeur ou par rapport auxquelleselles doivent recevoir leur signification propre" (ver tambem McClellan 1984).

Da mesma forma, os conceitos subjacentes a aparente desordem eheterogeneidade dos gabinetes de curiosidades dos seculos XVI e XVII (como sepode ver nos estudos reunidos por Impey & MacGregor, eds: 1985), permitemconcluir a presenc;a de um modelo miniaturizado e uma totalidade, cujo sentidotinha sido precisamente formulado.

Tambem quanto aos museus historicos e antropologicos, j6 se notouabundantemente que nao pode haver, nunca, exibic;ao neutra ou literal deartefatos. (As premissas e os compromissos soo sempre muito densos). Aexposic;oo museologica pressupoe, forc;osamente, uma concepc;ao desociedade, de cultura, de dinomica cultural, de tempo, de espac;o, de agentessocia is e assim por diante (Shanks & Tilley 1987). Nessa medida, a taxonomiapraposta, desde 1836 por Worsae e Thomsen (Pearce 1992: 103) paraorganizar 0 'sistema das tres idades' arqueologicas nos museus (idades dopedro lascada, polida e dos metais) e simplesmente um esquema evolucionistaque parte de referendal morfologico e funcional e de indices de complexidadetecnolog ica para justificar I seqOencias e estogios'. Escusado insistir naassimilac;oo do papel que tal sistema teve no organizac;ao dos acervos e dasexposic;oes, ate os dias de hoje. 0 evolucionismo e 0 funcionalismo sacperspectivas, alias, que, declarada ou subrepticiamente, organizam a maiorparte das exposic;oes arqueologicas e antropologicas.

Nos museus de ciencias natura is, por sua vez, a explicitac;ao dosprindpios e pressupostos na organizac;ao de colec;oes e exposic;oes sempre foinorma nos seculos XVIII e XIX. Mais ainda, e no museu de Historia Naturaloitocentista que se encontra, como se disse, a articulac;60 mais intima e fecundaentre museus e produc;ao de conhecimento. Na realidade, eo unico modelo (comseu derivado antropologico) qu.e funcionou plenamente como instrumentoinstitucional da contribuic;ao museologica a atividade cientifica. Conceitos e

5. a problema nestepasse levantado, de umafrui~ao discretamenteestetica (e, consequente-mente, da possibilidadede outras formas, tam-bem discretas, de frui-~ao: hist6rica, antropo-logica, etc., au entao,modalidades, como aeducacional e assimpordiante), apesar de seurelevante interesse, nao

sera desenvolvido aqui.Em primeiro lugar por-que as quest6es envolvi-das (como, em DouglasCrimp 1993, 0 histori-cisnlo museo16gicoj ouem Phillip Fisher 1991,a ressocializa~ao doobjeto de arte no museu;ou em Otilia Arantes1993,a exposi~dOcomoquermesse - eletronicaou nao -, conflitandocom 0 necessaria reco-lhimento) tern sido for-muladas essencialmentea partir da 6tica da arte;s6 recentemente come-,ou a estender-se paraoutros campos (cf. Ver-go 1994). Em seguida,porque tais quest6esexi-giriam uma discussaomuseogcifica; ora, a mu-seografia e aqui refendaapenas nas suas implica-,oes para elucida~o deproblemas conceituais.

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categorias como cole~ao (inclusive diferencialmente destinada a pesquisa e aexposi<;aol, coleta de compo, conservo~aot c1assifica~aot especimet tipotduplicatot etc.etc.t de que dependia 0 ovan~o da disciplinat tambem foramessenciois no compo do museu. A exposi<;aot principalmente no seculo passadotsempre esteve ojustada aos est6gios mais ovan~ados das ciencias da natureza. Ahierarquia e as relo~6es espociaist nos galerias de exposi~aot davam conta dasnecessidades e dos objetivos e1assificatorios como forma de conhecimento [Sheets-Pyenson 1988; Pearce 1992: 91-115).E openas em nosso seculoque se d6 umaruptura profunda e cada vez mais abertat nos museus de tHistoria Natural't entrecole~6es/pesquisa e exposi~6es - 0 que tem multiplicadot segundo algunsbi6l0gost como Van Praet (1989)t os riscos de mistifica~ao. Esse autor apontacomo um dos fatores de omplia~ao da ruptura a moda, cada vez mais corriqueiratdo diorama, 0 desaparecimento de objetos originais em exposi~aot assim comorumos

tnos c;iencios biologicost menos dependentes de cole~oes (ib.: 29).

E interessante - e inquietonte - observar que e justamente nos museusde Historia Natural que se travaram alguns dos mais acirrados embatescorporativos registrados no Inglaterra (por exemplo, no Museum of NaturalHistory, South Kensington) e nos Estados Unidos (por exemplot no Field MuseumtChicago), entre pesquisadorest educodores e designerst loteando em territoriosquase incomunic6veis coda area de otua~ao - e deixando sem qualquerconsidera<;ao a presen<;o de museologos que nao fossem profissionais decienciat educa~ao ou design.

Enfimt no caso dos museus de ciencia e tecnologiat as exposi~6esou se apresentom compor6veis as dos museus historicos, ou funcionam(particularmente nos centros de ciencio) como espa~os de demonstro~ao - asvezes espetaculosa - de conceitos e problemas cientificos (Parr 1992)t e naopara apresenta~ao de documentos.

A natureza da exposi~ao como conven<;aot a distin<;ao entre objetohistorico e documento historicot a relevoncia do problema do sentido e dosquodros de referenda - sac questoes para as quais as reflexoes acima apontamdire<;oes. 0 que nao quer dizert porem, que a explora<;ao e 0 tratamento porque passom os objetos na exposi<;ao estejam e1aros.

Consequentementet valeria a pena deter-se em alguns podroescostumeiros no que interessa a exposi<;ao historica. Sao padr6es muitoimbricados uns nos outros, aqui discriminodos apenas para melhor compreensao.

A tendencia mois comum no museu historico, previsivel pela caracteri-zo~ao corrente que dele se fezt e a fetichiza<;:ao do objeto na exposi<;:ao. Inseri-do numa dimensao de fenomenos historicos ou sociaist a fetichiza<;:ao tem queser entendida como deslocomento de otributos do nivel das relm;:oes entre oshomens, opresentondo-os como derivados dos objetost autonomamente, portan-

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to "naturalmente". Ora, as objetos materiais so dispoem de propriedades ima-nentes de natureza fisico-quimica: materia-prima, peso, densidade, textura,saborl opacidade, forma geometrical etc. etc.etc. Todos as demais atributos sooaplicados as coisas. Em outras palavras: sentidos e valores (cognitivos, afetivos

1

esteticos e pragmaticos l noo soo sentidos e valores das coisasl mas dosociedade que as produz, armazena, faz circular e consumir

lreeida e descarta,

mobilizando tal ou qual atributo fisico (naturalmente, segundo padroes historicos1

sujeitos a permanente transforma<;:60).Exposi<;:6es meramente taxonomicos (numism6tica

lporcelanas

l

mobiliario, armaria etc.) incorrem sempre em fetichiza<;:601 mistificando asobjetos. N60 que 0 conhecimento especializado possa dispensarl no nivelempirico, estes procedimentos c1assificatorios. Alem disso, nao haveria por queexcluir do museu os interesses legitimos dos amadoresl colecionadores espeeiali-zados, experts. Dai que alguns museus tenham procurado oferecer

lentre a

reserva tecnica das cole<;:oes e a exposi<;:ao publical

"galerias de estudo" I emque doo acesso visual direto as peyas dispostas conforme sua c1asse.

Naturalmente, sistemas c1assificatorios mais f1exiveis, como os denatureza geog rOfico 1 cronological funeionall etc'l quando exclusivos1 tambemabsorvem as efeitos desfiguradores do fetichiza<;:60.

Uma forma sutil de fetichizar 8 a estetiza<;:ao do objeto: ela remete auma "humanidade imanente", em geral para escapar 00 "pesadelo da historia"(Shanks & Tilley, 1987: 73).

Se e limitadorl para a exposi<;:ao, fetichizar obietos, 8, 00 contrariol

de extremo interesse procurar registrar e explicar a fetichiza<;:aol

estudar e dar aconhecer 0 objeto-fetiche. Em consequencial 00 inves de eliminar as "obietoshistoricos" 1 as reliquias, 0 museu hist6rico deve 8 inseri-Ios no seu quadro deanalise e opera<;:6esl procurando desvendar suo constru<;:ao, transforma<;:6es,usos e fun<;:oes. Deportar as relisuias serio ineidir no crime perpetrado por RuiBarbosa 1 00 proporl apos a Lei Aureal a destrui<;60 dos documentos relativos aescravidoo, por ser esta moralmente inaceit6vel.

Mas, como desfetichizar 0 objeto, no exposi<;:oo?' Simplesmentetrilhando 0 caminho inverso do fetichiza<;ao, isto 81 partindo do obieto para asociedade. Ao inves de fazer historia das arm os 1 por exemplol dar a ver ahistoria nos armas: expor as rela<;:6es do corpo com a armal como media<;:oespara definir 0 lugar do individuo (armas broncos), do grupo (armas de fogo,padroniza<;:ao, disciplina), da multidao urbanal perigo latente (pistolasminiaturizadas) e ossim par diante (Carvalho 1992). Ou tomando a mobili6riocolonial de S60 Paulo como indice para assinalar e compreender as condi<;:6ese padroes de ossentamento, no mobilidade e graus de acesso de areas,canastrasl comodas (Suano 1992). Ou aindal utilizando liteiras e cadeirinhaspara questionar 0 espa<;:o publico como cenario de c1assifica<;:oessociais e osdeslocamentos pessoais em relo<;:60 as escalas do oIhar (ver, ser visto, dar aver)(Barbuy 1992). Ou, enfim, expondo a tela de Benedicto Calixto

lA fundar;ao

de sac Vicentel de 1900, n60 como "representa<;:60" da origem do futurocidade, em 1532, mas como v§'iculo do imaginario da virada do s8culo XIX,relevante para 0 conhecimento de conceitos oitocentistas e representa<;:6es

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sociais que se reportam a cidadel territorio, institui<;:6eslcoloniza<;:ool relat;:6esinter-etnicas etc. IMeneses 1992b).

Tomar a parte pelo todo e procedimento que caracteriza maispropriamente as exposi<;:6esantropol6gicas, mas do qual noo est6 imune aexposi<;:oohistorica.

Com ametorllmia, 0 objeto perde seu valor documentalI transmuta-senum leone cultural, de valor, agora, puramente emblematico. E 0 que ocorrequando objetos (no coso do Historial tambem os eventos reificados) soomobilizados para afirma<;:ooou refor<;:ode identidades. Oral a identidade e urnprocessol noo um produto, que so pode ser apreendido e entendido em situm;iJol

naG abstratamente (a identidade se define sempre por oposic;:aoa uma alteridadee conforme escala movel que 0 jogo dialetico produzl. Transform6-la numaquintessencia, que pode ser perdido, resgatada etc. e pura ilusoo. 0 empregodo /ltlpico/l If6ci! de descambar para 0 estereotipo), constitui simplifica<;:aoqueinelutavelmente mascara a complexidade, 0 conflitol as mudan<;:ase funcionacomo mecanismo de diferencia<;:aoe exclusoo (Meneses 1993).

Por outro angulo, imaginar-se que e possivel, por intermedio deexposi<;:6esmuseologicas, expressar a /lsignificac;:oo/lde determinado grupo oucultural /lpovo" , nac:;:ooou segmento social e ingenuidade em que os museolo-gos profissionais noo poderiam cair. Nao e possivel, decididamente, exibir cul-turas Ie as categorias correlatas que se acabou de apontar). Muitos dos traba-Ihos incluidos no coletanea de Karp & Lavine (eds. 1991), com esse titulol tor-nom patentes os desvios ideologicos do metonimizac:;:ao.Ali6s, foi com essesuporte museologico que a Antropologia Cultural do fim do seculo passado einicios deste forneceu suporte a expansoo colonialista europeia.

Juntamente com 0 emprego do objeto-fetiche, eo coso mais correnteno exposi<;:oohistorica.

o uso metaforico do objeto, numa mera relac;:aosubstitutiva desentido, talvez naGseja too nocivo quanto os que j6 foram expostos. Mas tornainocuo 0 museu, por reduzir a exposi<;:ooa uma exibi<;:oode objetos que apenasilustram sentidos, conceitos, ideiasl problemas que noo foram deles extraidos,mas de outras Fontesexternas, independentes daquilo que se esta apresentando.Ao falar do proposito de 'I assembling a museum collection that illustrateshistoricalevents/l, D.R. Richeson11985: 56), exemplifica atitude dominantel queelimina a vantagem peculiar do museu e de sua caracteristicamais poderosa: 0

trabolho com 0 obieto. Esta postura reveloI assim, uma incapacidode de sedefrontar com 0 objeto, de explor6-lo em seus proprios termos.Em lugar dissolpreferem-se suportesaos quais j6 se est6 habituado, como os suportesverbois,nao so para formular os conceitos, mas tambem para comunic6-los:nesta linhalde foto esvazia-sea utilidade de um museucom acervo.

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Esta tendencia, reveladora de despreparo, inercia ou desorienta<;oo,noo e nova. H6 um seculo, George Brown Goode, que foi um dos grandesdiretores do Museu de Historia Natural da Smithsonian Institution, emWashington, dizia ironicamente que uma boa exposi<;:oo did6tica era aquelaque dispunha de uma cole<;:oo instrutiva de legendas, cada uma ilustrada porum especime bem escolhido (apud Belcher 1991: 62).

Com esta transferencia de responsabilidade para legendas, paineis,audiovisuais, recursos de multimidia e dispositivos interativos, noo deve causarestranheza um padroo de visita escolar que ocorre com frequencia no museuhistorico, quado os visitantes soo solicitados, por seus professores, a copiar todas asinforma<;6es escritas disponiveis, esquecendo-se de chamar a aten<;:oo para aquiloque seria espedfico do museu: 0 objeto. Nao h6 duvida de que uma exposi<;:ooquedispensasse eses apoios multi-sensoriais correria 0 risco de fetichizar os objetos. 0problema come<;:a quando 0 que seria apoio se transforma em espinha dorsal. Damesma forma, seria absurdo recusar a cesariana: mas talvez valesse a pena aplic6-1asomente quando se esgotassem as possibilidades do porto outrora dito natural.

Ainda que sumariamente, imp6e-se dizer algo quanto a nova modaque come<;:a a tomar car po entre nos ~ que deriva, tambem, de um tratamentometaforico dos objetos museologicos. E a cren<;:a de que a instalar;:oo art/stieaseria a nova t6bua de salva<;:oo, capaz de destravor e unificor as linguasbalbuciantes dessa babel que e a exposi<;:oo historica.

A instala<;:ao surge, na arte contemporanea, dentro daspreocupa<;:6es da orte conceitual para superar 0 estatuto da obra encerrada nosestreitos limites de sua materialidade, dependente de suporte Fisico.Desmateriolizada ou estendida, a obra (a<;:oo, conceito) incorpora 0 espa<;:ocircundante, multi plica objetos e interven<;:6es no ambiente.

Pierre Bourdieu, comentando a atua<;:ao de grandes artistas que setem valido de instala<;:6es, como Hans Haacke, implac6vel critico da "culturamedi6tica" e das hipocrisias do mecenato artistico, fala da importancia deinventor formas de a<;:oo simbolica a servi<;:o das lutas contra a violenciasimbolica. Obras nesse espirito soo Um6quinas simbolicas que funcionam comoarmadilhas e fazem entrar em a<;:oo 0 proprio publico. (... ) Estas obras fazemfolar e diferentemente das obras de certos artistqs conceituais, por exemplo, elosnoo fazem falor apenas do artista; elas fazem falar tambem daquilo sobre 0 quefola 0 artista" (Bourdieu & Haacke 1995: 30).

Quando Haacke transforma 0 espa<;:o central do pavilhao alemao naBienal de Veneza, em 1993, com sua instala<;:ao Germania (pela qualrecebeu 0 Leoo de OuroL ele cria, com tapumes de madeira e placasestilha<;:ados, inscri<;:6es monumentais de fachada, fac-similes da moeda oIemo efotografias historicas, um contraponto critico a visita de Hitler a Bienal em1934, com extraardin6rio impado emocional e capaz de dar a apreenderprofunda mente uma certa historieidade lib.: 1 1 1-135)

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Mas, conviria a instala~oo a exposi~oo hist6rica? A instalo~oo comoparte de uma exposi~oo, sem duvida alguma. A instala~oo como forma ideal oupredominante, ou unica, noo, com certeza. A instalac;:oo e obra ambiental.Nessa medida, ela esvazia toda especificidade do documento hist6rico, que seamalgama com outros documentos e outros suportes, tudo metaforizado paraproduzir uma sfntese estetica.

Ha, pois, espac;:o no museu hist6rico para instala~oes, assim comopara performances e dramatizac;:oes (outras formas de metaforizac;:oo que podemconduzir a deformac;:oes irreversiveis, como se vera mais adiante). Noo e pouca acontribuic;:oo que elas podem trazer. A pretensoo, porem, de as instalac;:oessubstituirem as exposic;:oes analiticas mais uma vez revelo a incapacidade deenfrentamento do objeto, do coisa material, preferindo-se a apropriac;:ooindolentemente ingenua de uma linguagem moldada em outro contexto e comoutra economia. Nesse caso,z 0 museu historico serio totalmente dispensavel. Masentoo, como dar conta do func;:oo seminal que Ihe competia, em nossa sociedade?

Doutra parte, e preciso tambem acrescentar que instalac;:oes noopodem ser improvisadas. Considero-Ias como um c6digo auto-operavel, quedispensa consistencia como obra plastica e cair de imediato no pastiche, dando ainstalac;:oo um caroter puramente mltico - no sentido utilizado por Barthes (1957:2161, quando diz que 0 proprio do mito "c'est de transformer un sens en forme".

A considerac;:oo rotineira de que 0 objeto descontextualizado sedesfigura tern colocado, legitimamente, a questoo do contexto e a necessidadede reintroduzi-Io na exposi~oo. Estranhamente, porem, noo se tem visto qualqueresforc;:o na conceitua~oo do que seja contexto e de como, quando e por queele permite ampliar as significac;:oes do objeto. Por isso, tem-se tomado comosoluc;:oo imediata, pronto e aeabada, a mera reproduc;:oo do contexto enquantoaparencia visua" isto e, reeorte empirico que, como tal, precisaria ser explicado,pois noo e auto-significante. Alexandre du Sommerard, quando montou 0 germedos period rooms em Cluny (v. retro p.15 l, estava apenas organizando, semo saber, um "sistema de objetos", de significa~oo cronol6gica e funcional.Noo proeurava restituir "historicamente" 0 quarto de Francisco I.

Estar-se-ia desaconselhando a reeonstituic;:oo de ambientes? Absoluta-mente noo. 0 que se tem que evitar e confundir tais reeontitui~oes com "contex-to". Esta suposic;:oo de que 0 dado empirico (0 registro documental) pode sertomado como informac;:oo, OU, pior ainda, como conhecimento ou sintese cogni-tiva, e responsavel par alguns dos piores entroves ao conhecimento historico emexposic;:oes museol6gicas, alem de abrir espac;:o a ideologia, como apontamShanks & Tilley (1987).

Uma anedota narrada por Alexandre Vialatte, em 1952 (ereproduzida por Dagognet 1993: 143-8) exemplifiea excelentemente a i1usoode que contexto e 0 mero agrupamento de objetos tais como se encontravam na"vida real". A historia e a das irmos Comte, do interior do Franc;:a, para as quaisestaria faltando um museu do "objeto qualquer", 0 museu do museu em si, 0 museu

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do ideia de museu. Nao um anti-museu - 0 que exigiria a escolha de objetosanti-museol6gicos, pressupondo criterios. Assim, legaram para tal fim sua casalobjetos e todos os pertences, a tudo enclausurando em vitrinas, tudoabsoluta-mente contextualizado, pois nada se alterara de lugar, fora acrescentado ousubtrafdo. Violatte conclui: "Ie musee lest) une simple attittude d'esprit: c'est cequ'avaient si bien compris les demoiselles Comte. Le musee n'est pas dans 10vitrine, mais dans 10 tete du visiteur" (Dagognet 1993: 146). Elas haviam, de fato,feito uma descoberta importante: em nossa sociedade, 0 museu e essencialmenteuma forma institucionalizada de transformar objetos em documentos. Bastaria paratanto a intenc;::ao(ou ac;::ao)designativa? Nao. A imobilizac;::ao do valor de uso 10reclusao em vitrinas) e um passo significativo. Assim tambem, naG bastaram amanifestac;::ao volitiva e a inserc;::ao fisica num museu, para que 0 mictorio deDuchamp tivesse transfigurada sua natureza original. Esta inserc;::aodefine umquadro dial6gico de motivac;::oes,expectativas e as respectivas estrategias. Porisso, ela implica em deslocamentos e associa<;6es que escapam 00 acaso e queso 0 museu pode oferecer poderosamente. Ora, no coso das irmas Comte, quaisos deslocamentos e associac;::6escapazes de iluminar 0 que fora espac;::ode umaexperiencia cotidiana? 0 cen6rio, por certo, esto montado e um vizinho quefreqUentasse a antigo coso poderia agora ser estimulado a ve-Ia com outros oIhos.Entretanto,nada, no situac;::aoanterior 0 teria impedido de tambem perscrutar acoso, para entende-Ia. Nada, portanto, de essencial 0 museu teria acrescentado,salvo a novidade de uma ocasiao. Nao e pouco. Mas est6 Ionge de ser tudo.Nao basta, pois, montar um period room ou uma coso inteira, no estadooriginal: isto e apenas 0 comec;::ode um Iongo caminho.

Valeria a pena aindaexaminar, em pormenor, as principais insufi-ciencias e distor<;:6es desta modalidade de recontextualiza<;:ao. Em primeiro lugar,ela congela arbitrariamente, num de seus varios contextos, objetos que temhistorias, traietorias (Kopytoff 1986). 0 ideal serio dar conta dessa dimensaobiogr6fica, que representa a mobilizac;::ao dos objetos para produ<;:ao dosdiversos estratos de sentido que podem ser historicamente levantados: 0 sentidoffverdadeirofl do Mona Lisa naG e 0 de seu contexto original de produc;::ao, nemo de qualquer outro contexto individualizado Ifruic;::ao, musealizac;::aoL mas asdiversas superposi<;:6es de sentido que referenciam sua trajetoria historical doRenascimento ate sua projec;::ao no mundo do publicidade e do industria cultural.No proprio campo do Historia do Arte, por exemplo, tem-se avolumado astentativas de denunciar a insuficiencia de imobilizar, num momento idealmenteoriginal, os significados do obra IBryson 1991: 72). Obviamente, do ponto devista do exposi<;:oo, a possibilidade objetiva de abarcar aspectos too amplos deproblemas e caritalizo-Ios no exposi<;:ao raramente estaro presente. Acresce que,no estado atua, pouco sabemos como trilhar essa dire<;:ao. Seja como for, einadmissivel fazer acre,ditar um estrato como exclusivo. Arte negra e coisa denegro ou de bronco? E apenas um ieu de mots dizer que e coisa de branco,pois e coisa de negro ~ de branco, em nosso mundo. Salvo quando a arteocidental for exibida no Africa em museus etnograficos ...

Em segundo lugar, 0 conceito de contexto em causa ignora que 0

processo de transforma<;:ao do obieto em documento (que e, afinal, 0 eixo do

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6. Conviria reproduziras pr6prias palavras dePearce 0992: 141):"Materialis transformedby the collectingprocessinto a museum collec-tion archive, and clearlyit is transformed againas a further stage in thesame sequence by theexhibition process. c. ..)The exhibition (and ofcourse any succeedingexhibitions, and thepublication and postermaterial which mayaccompany them) is thefinal element in thischain. It bears a meta-phorical or symbolicrelationship to all thatpreceded it and this isimplicit in the idea ofperformance, but itretains its integral linkwith past reality throughits display of real mate-rial,and this is the essen-ceof its actuality".

musealiza<;:ooL introduz referencias a outros espa<;os, tempos e significadosnuma contemporaneidade que e a do museu, da exposi<;:oo e de seu usuario(tambem algo que as irmos Comte noo chegaram a perceber).

Susan Pearce (1992: 139) caracterizou, com bastante propriedade,valendo-se do terminologia linguistica saussureana, essa perpetua cria<;oo desentido, que se ve no museu e que se recicla conforme 0 seguinte esquema: ummuseu de Antropologia, por exemplo, toma a cultura material de um grupo (nosentido de evidencias materiais observaveis) como repert6rio, conjunto depossibilidades caracteristicas socialmente disponiveis (langue, para Saussure);dai seleciona elementos que constituiroo sua cole<;:oo (atualiza<;oo do potencialda langue, portanto, parole); a cole<;oo, por sua vez, funciona novamentecomo repert6rio (langue) que sera acionado como parole na exposi<;od. Estacomplexa rede noo e gratuita. Deve servir, fundamental mente, para prevenir 0muse610go contra as ilus6es e burlas da contextualiza<;oo e cenariza<;oo que elepode indulgentemente construir.

Finalmente, e mais importante que tudo, a reprodu<;oo de contextosque soo pura aparencia inverte 0 popel da exposi<;oo na produ<;:oo deconhecimento: ao inves de partir destas rela<;6es aparentes para romper aunidade superficial daquilo que e apenas empiricamente verificavel,sensorial mente apreensivel, a fim de encontrar linhas de unidade mais profundae substancial (embora noo sensorialmente perceptiveis, mas visualizaveis naexposi<;ooL ao inves deste esfor<;o crltico e criativo, a exposi<;oo termina ai,retor<;ando aquilo que a a<;oo imediata dos sentidos ja havia fornecido,mascarando as articula<;6es invisiveis, porem determinantes. Estas considera<;6esse inspiram em Alberto Cirese que, com muita autoridade, dirigiu severa eradical critica a confusoo, nos museus folcl6ricos italianos, do "vivomuseografico" com 0 "vivo real": "Ia vita di un museD sta nel ricostruire alproprio liveI/o, disponendo il reale secondo linee di intelligibilita che il reale nonci presenta nella sua immediatezza" (Cirese 1977: 49). Sem reconstru<;ooabstrata (que abstraia 0 sensorial, para chegar as matrizes) e sem analise, todocontexto e um Iogro.

A raiz destes modismos todos esta na permanencia de um realismoingenuo, queainda domina as praticas museol6gicas e cuja ruptura, comoadverte Nestor Garcia Canclini (1989: 189L e impositiva e urgente:

"As! como el conocimiento cientrfico no puede reflejar 10 vida, tampoco 10restauraci6n, ni 10 museagrafia, ni 10 difusi6n mas contextualizada y didaeticaIograran abolir 10 distancia entre realidad y representaci6n. Toda operaci6n cientfficao pedag6gica sobre el patrimonio es un metalenguaje, no hace hablor a 105 cosassino que habla de y sobre ellas EI museo y cualquier politico patrimonial tratan 105objetos, Ios edificios y las costumbres de tal modo que, masque exhibirlos, haceninteligibles las relaciones entre ellos, praponen hip6tesis sobre 10 que significan paraquienes hay Ios vemos0 evocamos".

o exemplo atras ilustrado, que prop6e uma exposi<;oo sobre 0tempo como fator de organiza<;oo social no espa<;o urbano, mobilizandoobjetos de varia natureza em torno de um problema-chave, tambem pode servirpara demonstrar a vidbilidade de estabelecer contextos que, ao inves do

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trompe-l'oeil museografico, funcionem como catalisadores de quest6es esparsas,nao aparentes, invisiveis- mas dotadas de for<;:ageradora. Dessa forma, ao invesde passiva e pregui<;:osamentese reproduziremos possiveiscenarios de aparenciapara coda um dos tipos de objeto em causa (relogios de rua, equipamentos deilumina<;:aoe objetos descartaveisl, foram desmontadas as rela<;:6esprimarias,deixando subirem a tona outras rela<;:6eslatentes, mas fundantes. A solu<;:aoempregada recusa acreditar que expor seja exibir objetos, na sua aparenciaindividual ou nas rela<;:6esaparentes. Pelo contrario, "exposer, c'est disposer defac;:ona manifesteret a faire saisir les rapports, cet ordre sous-jacentqui est posecomme revelateurde 10 naturedu reel en question" (Monpetit 1990: 13).

A advertenda de Cirese e Garda Canclini pode ser aplicada a umdos casos particulares de reconstru<;:Goe contextualizac;:aohistoricas que estaona modo, despertando entusiasmo cada vez maior e se apresentando comopanaceia para soludonar todos os problemas e carendas do museu histarico.Por isso, devemos prosseguir no analise do problema do contextualiza<;:aopelaatica do chamado "living museum".

o "living museum" veio para decretar a mOrtedo museu histaricotradicional: " ...traditional history, and in particular the traditional methods ofportraying history in indoor museums is dead; that is, dull and uninteresting,requiring too much intellectual effort and imagination on the part of the visitor"(Burcaw 1980;5; G.Ellis Burcaw e um moderado simpatizante do movimento).

As express6es inglesas "Living History" e "living museum" traem aimportoncia deste conceito para a Inglaterra e, mais que tudo, os EstadosUnidos, embora a difusao seja hoje universal e tenha ate comec;:adoa chegarate nos. Estamodalidade, essendalmente de exposic;:60,se desenvolveu a partirdo modelo dos museusao ar livre, cujo referendal imediato e 0 museucriadoem Skansen, na Sueda, por Artur Hazelius, nost61gicode um estado de coisasque a industrializac;:ao vinha apagando. Entretanto, suas origens maislonginquas podem ser localizadas em ambientes aristocraticos setecentistas,como a reprodu<;:ao ludica de uma aldeia componesa, de Maria Antonieta(completa, incluindo leiteria em m6rmorel, ou as folies do Parc Montceau ou oslandscape parks da nobreza britonica (Wallace 1985: 40).

Come<;:ou-secom a reproduc;:ao de edifidos, espac;:ose objetos,chegando-se a estruturas complexas, como cidades inteiras (tal e 0 caso deColonial Wililiamsburg, na Virginia, EUA). Terminou-se com a reprodu<;:aodesitua<;:6ese ac;:6es, com a completa teatraliza<;:ao da exposic;:ao (Anderson1984, 1985, Leon & Piatt 1989, Wallace 1989, Wilkinson 1993). Jo noMuseu de Skansen havia musicos ambulantes e danc;:arinosfolcaricos, exibindo-se pelas ruas. Em outros museus,h6 os chamados third person interpreters que,vestidos a caroter, funcionam como guias - condic;:ao em que, por exemplo,podem aparecer fabricando velas com tecnologia e materiais antigos (as quaisserGOdepois vendidas, obviamente a prec;:osatualizados) ou ministrando aulasde musica em cravos origindis ou reproduzidos. Em Mystic Seaport,

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· . ~ . ,~~·,~Wim~~~Jot"0C.": Yiplon~(s)libewdy~tMy'lived"fhe tW ,thei(1hardShipscmd'their~ 'c;

5~~b·~tJs. [l9tAMf?1 . {'L~~6~tjllif~i~t~1i~::f~JH~i,t()~nT~.i~e~~r~~~~,.;;.ine,w'finibe(;into' worKs"ofdr( an~theralstore sells

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'(apud~eimett 1995:J 58.1>' '

;" AptimerraobserVo<;:ao deve:'dirigir-se<oproprianoc;:60depassadoque:essemuseu' hlstorico utiliza: e um pasadoDom,:substonclaein>si, capaz deser diretamente '~:;;semout(dsm" oes (basta haver ;condic;:6esmatefidisl;,:re "ieserite /~~sgat6ortantb urn Gonjurilo de fatos'-reais~i:~:"Te" , , kiconvicc;:ao-(ealistqi~;:Ctrjo,.ideQJogia.Gloudelefdrtduramerite'Combdt~o'e cuja ilusoo e pres\imir que "fatos se produzemem datdelugar' mi" -0;0 que ,soO'¢nquantoesperam vir a ser conhecidos;eaind;s~·tQii]aefatOs:'feais' 'em fatosde'conhecimentoquaridoaeles se:reporta,vmo servadorquese tornou capaide apreende-Iossem naddprojetar no sua superficiedas paixoesque 0 habitamlf '(Lefort1979: 256-71. 0 ,conhecimento, entao, segundo 0 autor , '~encontraseu modelo no convicc;:6bsegundo a qualaquilo que foi possuia em si sua'identidade' lib:: 257): 0'!jiving :museum"atuali.za,"quase um seculo depois;o ideal rcinkidno de Historia("wieeseigentlich gewesen!'l,

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Alem de reificar 0 passado, Timbertown propoe uma atitudetambem inconsistente: naG um caminho sensorial para a apreensao historica(0 Theatrum Historiae de que falava Eilean Hooper-Greenhill), mas umaapreensao exclusivamente sensorial. 0 visitante eapaz de "stepping backinto the past" se ineompatibiliza, par isso mesmo, com 0 conhecimento, poisse anulam as distoncias, num processo de banaliza~ao e pseudo-familariza~ao, que transforma 0 passado no mesma substoncia qu~ 0presente, apenas com diferen~as, pois se trata de um presente anterior. E 0mesmo passado do retrato de familia, em que se fundem diversas gera~oes,coda uma com seus tra~os difereneiais, representando tempos distintos(anterioridades, posterioridadesl, mas tudQ amalgamado pelo mesmo espa~odo reuniao. Este procedimento e profundamente antipedagogico, pois nosaprisiona no presente e, incapaz de nos fazer eompreender a alteridade noque ela tem de especifieo, transforma esse presente no unico termometroeapaz de tudo medir. A apreensao do passado, 00 contr6rio, exige aapreensoo do que David Lowenthal (1985) chama de "pastness of the past",num livro significativamente intitulado The past is a foreign country. Esta"Mickey Mouse history", no expressao de Wallace (1989) so pode tercomo efeito a "disneyfica~ao" do passado. Ou, para abordar a quest60mais tecnicamente, 0 congelamento do passado, por exemplo em ColonialWilliamsburg, onde tudo pareee reeem-saido do forno, sem varia~ao deritmos e sem a~ao visivel do tempo, conduz a um vedadeiro exorcismo doHistoria: "esses predios e objetos noo pareeem vir de nenhum passado, masantes de umeterno presente. 0 desaparecimento do 'aura', de que nos falaBenjamin, parece aqui ter atingido um limite extremo" (Gon~alves 1988:271).

Uma terceira quest60 diz respeito 00 fato de os "living museums" sevangloriarem do introdu~ao de temas democr6ticos no reduto aristocrata domuseu historico: povo e cotidiano. 0 povo e um conjunto de estereotipos,neeessarios para 0 funcionamento do modelo, heroicizado, idilizado comoconvem a pioneiros e fundadores. 0 cotidiano, por sua vez, e apenas umaenciclopedia de "a<;:oes tipicas", atemporais, a-historicizadas, liberadas dequalquer estrutura ou sistema. Parece ate que 0 cotidiano deixou de ser 0 locusde institui~60 e produ~ao efetiva das rela~oes sociais. Nao ha conflito, tensao,apenas "vida", que se concebe, e claro, de maneira puramente cinetica: "itlives!". Ao inverso, uma exposi~60 sobre 0 cotidiano serio historica quando,alem de "mostrar como se vivia", fosse capaz de explicar porque se viviaassim.Nao e 0 coso, aqui.

Mais grave que tudo, a teatraliza<;:oo refor~a a ilusoo de queconhecimento e observa<;:ao (percep<;:60 sensorial) se recobrem. E 0 faz comsedutora e perversa for<;:a de convic<;:ao, como se pode ver do depoimentoinequivoco de um visitante de um dos "discovery corners" do Exposi<;:ao doBicentenario no National Museum of American History, Washington, em1976: "Here you can see history, the way things look, the way it must havebeen. Seeing it makes you believe it happened" (apud Carson & Carson,1983 : 187).

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, s n OSSOClaIS,'e'b~g~ -,x~s,.qo:Q~,/I'regjm~~ico,}O que g~r()g a Vlgi q, te e

,O,~§8~laq\t,a(j:z:a9g9 dayiqa. ,Mqrti!\:Jay ,(1~9~,L,ainda",que ,c;entrp, 9 l1afjI9SQf[<:;J cesQPE(~t~,~eculo,{S9QT eo.n!i"Joucal,llhJQ(~qn,,l\llQJ.lsser,D~bQ' ,9r~Yii;;!.§YJnOSt;p§rrl GOm':RfRfund~a,q.e-,9,p,ro(::essoillstaurq,,9 ,cOQntra"S$seum9is \nobrE?',~ sEitf)tJos". J6 a antolqgia de Dayil LevinJe9~1 faz'q,J]1eSrn9,-in~luin,' ~amer, Wittgen~tein" Habermas,Heidegg~ uss~fl,Nj~tszGh.e,,;Heg¢l :p{fes,;::Plqtoo.". ,,','~,,: "

. " m particular, interessa-nos, aqui mais de perto,o problema da:~sociedo.dedQespet6<;:ulou,t1tuloda Qbrg ge GuyQ~9<?r9"apgrecidooriginalmentel?m 1967:-e ,que, mesmo teDdo'perdido sell impacto,9riginaLe '~e,res,senJi,?po,qeqlgunias,;gener(]Ii~9<;geSap{¢?sad(]se if1tolerantesI permiteexgm inOL ,qu~~tqes

,~;~:~i~~~.,~~~~g~'~~i~~;,'J~~~J~~i~~as;~~r~~~:~::;~d,~~~iJr~~:~:~accumulatiqn de:spectoclesH (Debord 1992: ~I:Tratondo dq questo9;comopspectQS90';f?ifi<;09QOJ~,"do "feti<::h!Sm9,.::pebo,rdi:~referindo-sEl, 9P ~onSlirnO,'tec§cQnsiderq<;~sque ~ 9iustqrt2~rfeJtam~!Jt~as,eXP9sis:~s<~o"li;YipgMist9[Y<':~" ,,';,

,:~;';:;';-(~i};pec'16ile:;·qui'~~itkffb~em:~hl d~sItniff~~;:8;/moietcluIrttiridepCif'" ""1' eC'rqse'me'nf<lu"rft9i' qti'assJegela" presence~i:ibsence'au'ni6hde;l3st 'egOlemehl ' •.

l'effacernem,deslimile,sduNfOi etduJawx~fXlrle refoulerTienlde fQuteVeJileyeqie,$qus" ,IOpiesence r~lI~ de la faussete qu'assure J'organisationc1~tapporence,Celui •..ql.li

:~~~ftPai~v:~~;~~~ntS6Jtc~i~~:~o;~~~~1' 6~1~6ed~~?t:~h~~~::e~aUB~q~O~i:,l~ ,recoh'naisscuicEreHciconsomrriation'des handisessoo!oo cehtre'decefte pseudo-''' ,

" "repoJ1seClunecommonication sans repoose" :(ih167j"

"livingmuseumllbem carocteriza,o'vQzio oquepodeconduziruma 'inten<;oosuperficial",de ;comuni~a90();,"HonsHao~ke ,'·numa"crlNca"virulentaa Baudrillard,diagnostica comosuacondescend~nqiq com o simulaqrQf;'que 0levou, assim comoa-seus discipulos,a perderem 0 sentidoda Historia edos

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"ina<Tahorsky,examinahd6?D i:dO vISperspeCtiOis'resfritd qve .{] que ~'Se;a~bot1}'de, apantar ,moforino' ifuedidfo a prob1em6tica dos ~~ff1:ffi .;"Compcfrandiscursivo eD'observacioiiaf, c i':que" ,Itimoe que ,nosrri6seus,:privilegTandO~as,i, 'Tidd~($s<1o::;in'dividuo;(9O"dbje ,presumindo(comofoidenunciado acimaj,dexisfenciade 0n:a :' " }agem"qUese rnoveria ,intacta,' oCf'longo do j~s~d¢6e tlo';fempo:''AjSescirde:~iraigad6;' tqlparadigma nao encontrOhoje mUito'elementogesustentd~aO: :!'mooerr:i:6naiystsof cognitive 'action is sayirigthat this:'isnot h6W':mecinln~urises.c;:::;rhemeaningofthe''<Dbject'on Iybecomesexisterit ;'in'orr",interddion "betWeen '6bserVeriztrrtdobject.'!:{labo(sky'1990: 69). Namesma 'trilh&YRogBrSilverstone'dpont(]'Cdmoo;sigh;i.ficad6de um:objeto ou de"umc expOSi~6e;rdependesigriificdfivdmentedeum'''cOrat6riol wotkoffh~eVisitor ·in''which 'obfecfs'cre reinscribed\into a perSdndlcultured rri~mciryand experience" (Silverstone 1994:'165). ,",' ",',:"

EpreCisc>'reconhecet,porem,queestainosIQhged~ poder incorporarno~6es'~:comoc(J':de ':obii3~odiscUfsrvo ·'(f 'pr9ticcr)liillseol6gica'e;'sobretotlo,museogr6ficd:Nem' mesmo he' interesse~(Jfici~i1te'parcidiscufir+osinomefdS

~~~~~~~~~et;~~fd~'i':::~~~~~~~)6~Z~O~~~~:d~;.:~~Y~I;v~d;:~~~o~'~~as~~~fd%611d169i6o:'ifdlancldgia':seM r6 para ';'salierifdr~aois:pOnfos:itnportantes;'em:quevaleda a .pena aprofundar' a semelhan<;ae a dissemelhan¢aentre~xposi~Q6eTnbnografio. A semelhan<;adesejMel est6zno(:encaminhamento'argumentativ6eabertoda monbgrafia(peliso; :especidlmenteri'ioaomlniO das cienclasnumdnase soCials): ela vale pela for<;ade seu referencicil(os documentos que seleeionOeprocessa, a "c'onstru<;Cio"em suma,de'umsisteniadOcumental/,que deve serjustificcdo) e de seusargumentos (que derivamde op<;6este6ricCTmetodol6gicastambem a exigirjustificativa); aletn,e claro, da relevoncia e pertineneia'tlosproblemas em foco. T01 postur~o'deveriaimplontar-se,semelhanternente;';nocampodas exposi<;6es, embora hdjd a barreiradosh6bitos corisolidados'e:o

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~sitam:~:f~~~~~:~o:~a~~:~~ ,.,: ,,' , .: .'",> ',IIPode~see~por,Hist6nq em J~v~eu?".:c<:xn,estopergunto'bl9rtmut

d?>o0ckm$nn·(198 7) /,hi$toriador'}~~~prr€gaqo,de.projetor 0 ,MvsE?umfDr,Deu,tsc:heGeschichte/obre um livro cujo ,.. . 'e.o·' ,ergunta:' (7eschi e irri ,?'Svarespostaddmite;proqle "'e i$toria nomvSell, eq . '.,' 0'~l;*:J'para qljmentar urn man .e ~':outsol~Qao(:iindainais 'irieptoJ'omanual de parede.· . '. . ..•.. , ' ........••.., .." '. .... . '.'.

• . Com precx:upa<;OQ,.porale1a,;:$e)J~c91?9osJ9r~ RUsen, WolfgqngEwste' HeinriGh.TheQqorGJO,tt~nAeds. ·.810rga~izamurnacoletone~deJ(obalnossubordiriados'a' uudlttl10ge tpdr6veL~Geschjthte:5$h~lJi;,:¥er.a:'Bistoria'.. :Alguns ,desteslexto~::rrratom Jernaiepistemol~ 'GO;QutfPs\;~;nodiohado.suhtlhJlo{Beitrage,$U ... h ef. .'.' nl ,roo presenc;ae Jun¢oo'do/eslelicooo JrWSe'.. ist6ricQ '.me ; a;aocnmehtO<;oq:Y1sualna pesquisQhisf6rk:a.,o",':'("':; .",,::,~,; ":>:i '<\ '

,':::~s' ,pergvntQs.:que;:estasobrasiotio,duz~msao de: foto. as perguntas~decisjvas."Ad()zdo que foldito'~ate"aqui;,e' posslvel apresentar o'fespostasdefinidas. ..•.:. .;:': ::.,( , ....

'Noo, 0 Histeria nOQpodeserYi~I,.JOIizada.A Histeria nao e algo que 'possa ser apreendidosensofiolrnente -modqpadrood~ estimulona' ~xposi<;60.Exclui-se, p'ortontot?a respons9bi~idade do m:useu_hist6ricopreservar.ou ,festituiro passado - quolS>1uerquesejam as mohVd<;oeS.:rudo que se flzer nessa

odire<;ooestaro, inelutavelmente,permeadodeideologiae mascaramentos: : .

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Sim, a Historia, forma de conhecimento, tem lugar assegurado nomuseu historico. Alias, ha dominios historicos (vinculados a problemotica docultura materialL que a Historia noo poderia desenvolver ou desenvolveria deforma precoria , sem a contribui<;:oo do museu. 0 museu historico coleta,preserva, estuda e comunica documentos historicos. A exposi<;:ooverdadeiramente historica e aquela em que a comunica<;:oo dos documentos,por sua sele<;:oo e agenciamento, permite encaminhar inferencias sobre 0

passado - ou melhor, sobre a dinamica - da sociedade, sob aspectosdelimitados, que conviria bem definir, a partir de problemas historicos7

.

Inferencias soo abstra<;:oes, que noo emanam da materialidade dos objetos,mas dos argumentos dos historiadores, referindo-se a propriedades materiais//indiciarias// desses objetos e a informa<;:oes sobre suas trajetorias.

Nesse horizonte, algumas diretrizes podem ser sugeridas:I. 0 museu historico noo e compativel com sfnteses (independente-

mente da pertinencia, ou noo, hoje em dia, de uma //Historia Universal", ou de"historias nacionais''j. Exposi<;:oes dessa ordem serao sempre panoramasalegoricos que, alem de todos os inconvenientes das sinteses, noo passoroo demanuais tridimensionais, too renegados por Boockmann. A possibilidade deestimular a //absor<;:oo de informa<;:oo// pode ser uma justificativa, ainda quefragil, para tal tipo de exposi<;:oo. Sua presen<;:a exclusiva, porem, noojustificaria a existencia de um museu historico. Estas observa<;:oes valem,tambem, para panoramas regionais ou locais.

2. A Historia noo pode ser explicativa fora de quadros como asestruturas. Embora noo esteja no alcance do exposi<;:ao historica representorestruturas, a representa<;:ao de aspectos estruturais em funcionamento e possi-vel, nem que seja pelo fato de os objetos n60 atuorem autonomamente, masporticipando de sistemas. Segundo 0 testemunho de Bennett (1988L 0 People'sPalace de Glasgow conseguiu dimensionar adequadamente aspectos do vidacotidiana, 00 cruzar, numa mesma exposi<;60, diversos sistemas que searticulavam (como esportes, politico, vida domestica, etc.). Esta linha analfticacomparativa tambem pode ser apreciada no Nordsko Museet de Stockholm'(Kavanagh 1986: 176) e em mais um punhado de museus.

3. Objetos nao podem tampouco representor processos, dinomica,social, etc. Mas podem ser exibidos como veto res desses fen6menos, Assim, 0estudo do sexo dos objetos (que suas propriedades empiricas fundamentam), n60numa perspectiva psiconalitica, mas social, permite exibi-Ios a servi<;:o dodemorca<;60 e indu<;oo de papeis sexuais, portanto~ da distribui<;:60de obriga<;:oes,direitos e privilegios e segundo pad roes que se transformom continuamente.

A exposi<;:60 dos diversos tempos dos artefatos (discerniveis nasdefasagens de natureza tecnologica, morfologico, funcional, semiologicalpermite tratar -visualmente - dos diversos tempos sociais e suas imbrica<;:oes.

4. Enfim, do ponto de vista metodologico (bose tambem para umosolida exploro<;:60 educocionalL as possibilidades do exposi<;60 historica s60privilegiadas. N60 sendo a Historia um conjunto a priori de no<;:oes,afirma<;:6es e informa<;:oes - mas uma leitura em que elo mesma institui, em ultimainstoncia, aquilo que pretende tornor inteligivel - ensinor Historia so pode ser,

7. 0 Museu Paulls!JldaUSP,por exemplo, defi-niu como problemas-chave para articularsuaatua't0 (tomando comocorte cronol6gico prio-rirario0 periodo que valde 1850 a 1950): a. Coti-diana e sociedade tra!Jl--se de entender cemo osobjetos, principalmenteno espa,:o domestico(mas tambem, p.ex., naeduca,:ao e outros con-textos associados), naosOrespondem a fun,:6esutilirarias, mas, em ulti-ma instiincia"classificamas pessoas, fornecemmodelos e geram crite-rios e condip3es para asrela,:6essocials. b. Uni-!£ISO do trabalho (pre. eproto-industrial): 0

objetivo nao e apenasdocumentar descritiva-mente campos que porcerro teriio que estarpresentes, como as ativi-dades e contextosmate-rials das diversascatego-rias de artesiios e traba-lhadores, mas, sobretu-do, extrair dos objetosde todos os acervos 0

que eles representam,nao apenas como resul-tado de trabalho, mascomo trabalho embuti-do, materializado. c.Imagimjrio da Histaria:as cole,:oes de imagensdo Museu sac muitoricas, par causa de seupapel originalde memo-rial. Seria pueril apenasprocurar identificar nasfigurase cenas de herois-mo hist6rico, mentirashist6ricas e desmascara--las. Trata-se, antes, detamar 0 mita hist6rico,as visualiza,oes daHistoria, de seus agen-tes, contingenciase pro-dutos, como parte doimaginario social - a

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outra face indissociavelda pratica soda! - e anali-sa -los historicamente.Aqui entra tambem 0

comportamento do pu-blico, que caracteriza 0

que as historiadores de-nominam de "religiaocivica" (Richey & Jones,eds. 1974, Bellah 1975,Kammen 1991: passim eespecialmente 194-227).

obrigatoriamente, ensinar a fazer Historia (e aprender Historio, aprender a fazerHistoria). Por isso, a diretriz (obviamente noo exclus iva, mas necessariamentepresente) de um museu historico serio transformar-se num recurso para fazer Historiacom ob;etos e ensinar como se faz Historia com os ob;etos. Esta postura abre hori-zontes para infinitas possibilidades expositivas. Assim, numa mostra, suponhamo~sobre a Revolu<;:ooConstitucionalista de 1932, noo se deveria procurar a "versoo 1/

mais "correta" ou "adequada ao estado da disciplina", pois isso sera sempre feitomelhor e com muito maior competencia numa monografia. Antes, do museu espera-se que acompanhe como urna revolu<;:oo se transforma em memoria e, nesseprocesso, qual 0 papel desempenhado pelos objetos: como uma revolu<;:oo viracolec;oo. Reitere-se0 que ja se afirmou: 00 museu noo compete produzir e cultivarmemorias, mas analis6-las, pois elas soo um componente fundamental da vidasocial. E como esta memoria e multifacetada e socialmente localizada (doscombatentes em ambas as trincheiras, das mulheres e das crianc;as, dos politicos,dos fabricantes de armas e dos cornerciantes, dos historiadores e literatos, dostecnologos e banqueiros e assim por diantel, a exposic;oo noo deveria manter-seunilinear. Para tecer um texto espacial com todas estas variantes, a Historia Oralpoderia tambem colaborar. Penso, oinda, ate mesmo em outras possibilidadesextraordinarias, que encontram paralelo em experimentac;6es na Historia escrita,com narrativas a varias vozes (Burke 1992). Assim, por que noo organizar duosexposi<;:6es paralelas explorando 0 mesmo tipo de material, mas chegando apontos divergentes? 0 objetivo noo serio relativizar 0 conhecimento historico, masdemonstrar quais seus ingredientes e processos construtivos e, portanto, medir seualcance.

Este filoo, alias, parece que vai sendo descoberto pelos museus quepostulam uma abordagem critica ou, como propoem Karen Davis eJames Gibb,que procuram substituir 0 marketing pela responsabilidade social, isto e,tornarem-se responsaveis "for equipping people to explore the past critically andfor helping them apply those skills to the criticism and interpretation ofcontemporary society" (Davis & Gibb 1988: 44). V6rios exemplos alvissareirospodem ser apontados. Elizabeth Sharpe (1987: 10) analisa exposi<;:oes comoEveryday Life in America, 1780-1800 e os respectivos espac;os paralelos(Hands on History Rooms) destinados a introduzir a natureza e explora<;:oo dasFontes materia is na produ<;:oo do conhecimento historico. Programas de mesmoobjetivo soo desenvolvidos no Hallockville Museum Farm, de long Island, N.Y.(Davis & Gibb 1988: 44). E uma coletonea de resenhas crlticas a exposic;oeshist6ricas recentes em museus americanos (Ames, Franco & Frye, eds. 1992],apesar de altos e baixos, testemunha 0 surgimento do preocupa<;:oo analitica emetodol6gica como requisito de rotina.

Se for possivel resumir num foco unico 0 nervo de todas as reflexoesate aqui acumuladas, diria que 0 fio condutor e a dimensao crftica doexposic;ao. "Crftica" no sentido etimol6gico, que implica competencia dedistinguir, filtrar, separar, portanto, possibilidade de op<;:ao, escolha. Se 0

museu tem responsabilidades no transformac;oo do socieade (e a exposic;ao,para tanto, e recurso fecundo], isto se faro noo com procedimentos de exclusooelitista, ou catequese populista, mas na medida em que contribuir para

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capacitar nos escolhas todos aqueles com quem puderse envolver. 5e 0 museuse eximir do obriga<;ao de agu<;:ar a consciencia critica e de criar condi<;:6espara seu exercicio estara apenas praticando uma forma mascarada doautoritarismo que os muse61ogos tanto tem exposto a execrac;:ao.

. Compensa relembrar a experiencia naG muito Ionginqua dos CentrosPopulares de Cultura,cujo Manifesto, de 1962, define 0 CPC como "6rgao culturaldas massas", "fruto da pr6pria iniciativo, da pr6pria combatividade criadora dopovo" , povo que deveria ser 0 "ator politizado da palis", criado pela vanguardapolitico-cultural (para uma analise sem complacencia, ver Chau! 1983: 63-92,especial mente 86 e ss.). Contudo, sabe-se que, a falta de investir no possibilidadede autodeterminac;:ao cultural, 0 que ocorreu foi a arreg'imentac;:ao popular para umprojeto de intelectuais militantes. A li<;:ao e que 0 projeto politico precisa seressencialmente um projeto de sociedade em que os cidadaos, como sujeitos,tenham 0 direito e as condic;:6es de formular seus pr6prios projetos politicos.

Isto realc;:a a importancia visceral do forma<;:ao critica - a meu ver aresponsabilidade maior do museu, como, alias, de toda a<;ao cultural:,

"De um modo ou de outro, e pacifico que a a~ao culturalou e uma opera<;aosociocultural ou nao existe. Mesmo assim, uma concep<;ao mais radical do a~aocultural, e acaso mois digna, e a que aposta na tesesegundo 0 qual 0 objetivo doa~ao cultural nao e construirum tfpo determinado de sociedode, mas provocor asconsciencias para que se apossem de si mesmas e criem as condi~6es para atotaliza~ao, no sentido dialetico do termo, de um novo tipo de vida, derivado doenfrentamento aberto das tens6es e conflitos surgidos na pr6tica social concreta(Coelho 1?89: 42).

Desvinculado de obrigac;:6es cientifico-documentais, 0 museu secompromete, irremediavelmente, em todo seu enorme potencial.

E possivel, agora, vol tar a imagem inicial do Theatrum Memoriae epropor que, se pONentura se quiser apreender 0 sentido do que ali se passa, erecomendavel dirigir-se ao laborat6rio do Hist6ria. 5e 0 Teatro da Mem6ria eum espac;:o de espetaculo que evoca, celebra e encultura, 0 Laborat6rio doHist6ria e 0 espac;:o de trabalho sobre a mem6ria, em que ela e tratada, naocomo um objetivo, mas como objeto de conhecimento.

No museu, principalmente no museu hist6rico que superou a func;:aode reposit6rio e dispensador de paradigmas visuais, a inteligibilidade que aHist6ria produzir sera sempre provis6ria e incompleta, destinada a ser refeita.Da!, porem, sua fertilidade. Por isso tudo, talvez 0 museu hist6rico ja estejamaduro para fazer aquilo que s6 0 museu pode fazer bem, com competencia epor voca<;:ao (a indo naG otualizada): explorar, naG sinteses hist6ricas sensoriais,mas a transforma<;ao dos objetos em documentos historicos. Em vez de teatro,laboratorio, com tudo aquilo de criador que essa ideia contem.