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Texto apresentado no congresso da ABES, Associação Brasileira de Estudos Semióticos em 2007
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Mensagens cifradas: uma quebra na estrutura da linguagem
Priscila Borges
Introdução
As grandes mídias usualmente têm padrões de linguagem bem definidos pois
buscam transmitir informações claras e precisas. Isso quer dizer que as mensagens
seguem com certo rigor esses padrões e que raramente há uma ruptura radical que se
imponha ao conteúdo da informação.
No entanto, existem trabalhos paralelos ao da grande mídia, que levam a
metalinguagem a extremos. Eles quebram com a estrutura da linguagem que as constitui,
ficam no limite do cognoscível, mas são extremamente ricos na medida em que o
intérprete deve construir novas formas de leitura.
O que apresentarei aqui são análises de trabalhos que contém um certo tipo de
mensagem cifrada. Eles parecem trazer a chave para compreender aspectos semióticos
que permitem processos de criação e inovação das linguagens. Nesse sentido, a quebra da
estrutura formal implica em uma mudança na lógica da relação entre os elementos que ela
constitui, possibilitando a construção de novas formas de pensamento. Mas para que haja
o movimento de criação e inovação, não basta a simples quebra de paradigmas formais,
pois isso poderia gerar mensagens incapazes de comunicar outra coisa se não a
incomunicabilidade. Se há quebra da estrutura simbólica, o poder significativo desses
signos deve passar a se estabelecer indicialmente ou iconicamente.
Esse aspecto parece ser bastante importante à criação e ao desenvolvimento de
novas relações, portanto à produção de informação. Ícones são signos que pertencem à
primeira categoria fenomenológica de Peirce, assim como a abdução, que é o tipo de
raciocínio pelo qual a criatividade se manifesta. A possibilidade de inovação, do
estabelecimento de novas relações e do desenvolvimento de novas linguagens parece
estar diretamente relacionado ao funcionamento dos chamados signos icônicos. Não é por
acaso que as artes, tanto plástica quanto literária, trabalham prioritariamente nesse
universo.
A quebra da estrutura da linguagem
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Ao longo dos séculos, diferentes movimentos literários e artísticos trabalharam
com diversos sistemas de escrita a fim de dar novos significados à sua forma. De
diferentes maneiras poetas concretos, surrealistas e patafísicos trabalharam com o código
verbal na tentativa de romper estruturas sintáticas e mostrar uma face extremamente
sensível da linguagem verbal. Criaram mensagens cifradas que por algum motivo,
provavelmente ligado à emoção e não à razão, são fascinantes aos leitores. Esses
trabalhos mostram o poder de significação da linguagem em si e permitem ver o quanto
ela é conformadora do pensamento.
Algumas fontes digitais, chamadas dingbats, também procuram dar novos
significados à escrita. Elas enfatizam a iconicidade da escrita, impossibilitando a leitura
verbal. Ao explorar a iconicidade da língua escrita, a tipografia agrega ao texto verbal
valores sensíveis, que podem ser de extrema importância, apesar de serem
inevitavelmente vagos, pois uma diferente estrutura da linguagem é construída.
As fontes dingbats que serão aqui apresentadas dialogam com um grupo maior
de trabalhos questionadores da linguagem que buscam a inovação ao criar regras para sua
própria linguagem. Também a linguagem digital poderia ser completamente invisível não
fossem os trabalhos artísticos que expõem a forma desse código a fim de mostrar a lacuna
entre linguagem e percepção. No ambiente digital, tanto a linguagem binária é capaz de
representar todos os sistemas de linguagem desenvolvidos até hoje, quanto o ciberespaço
se constitui de um código executável que vai além da representação, pois ele se
transforma em ação. Fica explícito nessa característica da linguagem digital que a
capacidade de representação não está na sua inscrição, mas no seu movimento, no fluxo
da informação.
A análise dos trabalhos artísticos, nos mostrará como a inovação e produção de
novas linguagens pode ser relacionada à quebra de convenções que dificulta a
compreensão direta da informação demandando do leitor um esforço para estabelecer
novas relações.
A primeira quebra na estrutura das fontes feita pelas dingbats está no fato delas
serem compostas por uma série de desenhos e não por letras. Como muitas vezes nem o
alfabeto é reconhecível nessas fontes temos já de saída a impossibilidade de leitura
verbal. Cada fonte reconstrói seu potencial representativo de uma maneira e a análise
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particular de algumas dingbats uma nos mostrará como se dá o processo de significação
em cada caso.
Análise das Cifras
Fonte WENS
Na fonte WENS (west, est, north, south), construída pelo designer Ji Lee, há
preocupação em transformar a unilinearidade da escrita alfabética em uma
multilinearidade através da rotação das letras. Assim, a nova letra é uma composição da
mesma letra em 4 direções, que permite quatro sentidos lineares de leitura (Fig.1).
[INSERIR FIGURA 1] Caracteres da fonte WENS de Ji Lee e a lógica de sua composição.
Os caracteres da fonte WENS foram construídos tendo como base o alfabeto, é
possível uma leitura verbal, o que mostra uma relação simbólica. Ela segue as regras do
alfabeto e consequentemente da escrita verbal. No entanto, a forma como o alfabeto está
representado nela não é convencional. Essa nova forma dada às letras volta a atenção
para as qualidades particulares da fonte. Portanto, a virtude dessa fonte está nas suas
qualidades, na sua característica icônica e não no seu potencial simbólico responsável
pela conexão com o alfabeto.
Seu significado depende que um intérprete veja semelhanças entre as qualidades
dessa fonte com as de outros signos. O intérprete deverá por comparação perceber que a
fonte é composta pela repetição da letra em quatro direções relacionando o desenho do
caractér com o alfabeto. Mas ele também poderá perceber semelhanças entre essa fonte e
os quadratins utilizados na escrita ideogramática. Várias podem ser as semelhanças
encontradas e elas são possíveis porque a característica icônica dessa fonte se sobressai à
característica simbólica.
A riqueza de significados dessa fonte é dada pelas qualidades próprias da fonte,
seu qualisigno. A forma dos seus caracteres quase impede a leitura e a identificação das
letras, enfraquecendo a relação simbólica. A forma como o texto é composto, a
disposição dos caracteres em cada frase também é importantíssima para a construção de
significado. Percebemos pela riqueza de significados de cada apresentação singular do
texto a importância do sinsigno. Cada reorganização dos caracteres no espaço gráfico é
capaz de revelar outros significados do signo.
[INSERIR FIGURA 2] An old pond. A frog jumps in. The sound of water. Texto composto com a
fonte WENS, por Ji Lee. [INSERIR FIGURA 3]Ego-God. Texto composto com a fonte WENS, por Ji Lee.
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A leitura dos textos das figuras 2 e 3 não é dada apenas pela regra verbal, mas
pela relação entre texto e imagem. Portanto seu potencial interpretativo é relativo. Há
nele tanto o caráter hipotético dado pela qualidade do texto e característico da linguagem
visual. Quanto há também o potencial interpretativo da linguagem verbal que é
categórico ao indicar seu percurso significativo.
No entanto, o percurso da interpretação dos textos escritos com essa fonte não
segue perfeitamente o caminho da leitura verbal. A identificação das letras não é
automática e a leitura é interrompida pela visualidade de seus caracteres. A fonte WENS
não permite uma leitura usual e automática por dois motivos. Primeiro pela forma de suas
letras que não facilita a identificação do alfabeto e segundo, porque mesmo um leitor
familiarizado com a forma dessas letras deverá buscar construir o significado do texto
considerando tanto as regras verbais quanto a singularidade da forma como o signo
aparece em um determinado momento. Somadas as informações verbais e visuais do
texto temos indicado um percurso para leitura que é apenas sugestivo.
Univers Revolved
Já na fonte Univers Revolved, Ji Lee constrói um alfabeto tridimensional
convidando o leitor a usar sua imaginação e ultrapassar as convenções dos usuais
métodos de leitura. Os caracteres foram construídos a partir da rotação de 360º das letras
maiúsculas da fonte Univers em torno de um eixo vertical. (fig.4)
[INSERIR FIGURA 4] Diagrama de construção da fonte Univers Revolved. À esquerda, em
cima: Reading is fun! Em baixo: Wake Up. Autor: Ji Lee.
O designer acredita que ao reestruturar o texto em três dimensões, novas formas
de percepção passam a ser necessárias e é possível re-experienciar na leitura o
entusiasmo presente nas crianças quando aprendem a formar palavras com as letras.
Essa fonte, assim como a WENS, enfatiza a iconicidade e enfraquece a
característica simbólica. E em alguns textos, parece que a relação com a linguagem
verbal foi completamente perdida.
[INSERIR FIGURA 5] Direita: Space Station. Esquerda: Humpty Dumpty Part II.
A possibilidade de construção de textos visuais como os vistos acima é dada pela
característica icônica da fonte, por suas qualidades, que a permitem representar por
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semelhança. A regra de construção da fonte garante uma lógica para todos os caracteres e
é o único vínculo que ainda resta dessa dingbat com o alfabeto.
Quanto ao percurso interpretativo desse signo, podemos perceber que a fonte
funciona como uma imagem que representa por semelhança, por isso seu potencial
interpretativo é hipotético. É pela comparação de qualidades que será estabelecida uma
relação de semelhança. É um signo com potencial interpretativo bastante amplo e que não
dá garantias de que o objeto a que o interpretante se reporta é o mesmo objeto do signo.
Fonte Utopia
A fonte Utopia criada por Rafael Lain e Ângela Detanico perde completamente a
relação visual com o alfabeto. No lugar das letras maiúsculas encontramos as obras
modernistas do Niemayer, enquanto nas minúsculas encontramos vários elementos que
compõem o chamado caos urbano (Fig. 6). Além disso, foi definido um pequeno
espaçamento entre as letras que faz com que os elementos sobreponham-se ao serem
escritos. As obras modernistas ficam, assim, cobertas por todo tipo de elementos que
compõem a paisagem urbana. Assim, a fonte mostra a relação entre as obras da
arquitetura modernista e elementos da cidade. (Fig. 7)
[INSERIR FIGURA 6] Caracteres da fonte Utopia.
[INSERIR FIGURA 7] Texto construído com a fonte Utopia.
O objeto dessa fonte não é o alfabeto, mas sim a relação textual. A fonte mostra
que as relações textuais extrapolam os limites do verbal e podem ser percebidas em
diversos outros ambientes. Nessa fonte a relação é mostrada na comparação entre
elementos da cidade e ambiente urbano com caracteres da fonte e disposição do texto
verbal. A fonte representa a cidade por semelhança e como veremos é claramente icônica
a relação entre signo e objeto.
São três os tipos de relações icônicas descritos por Peirce: imagem, diagrama e
metáfora. A fonte Utopia parece apresentar muito claramente os três tipos de relações. Os
caracteres dessa fonte são imagens figurativas dos monumentos modernistas e dos
objetos urbanos, o que explicita uma relação icônica imagética.
Encontramos uma relação diagramática na forma como os elementos são
dispostos. Apesar dos caracteres serem lineares a perda de espaçamento faz com que eles
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não sejam percebidos individualmente, mas sim como um todo. A mesma relação é
encontrada na cidade que perdeu seus espaços vazios e criou o que chamamos de caos
urbano. Local no qual não conseguimos distinguir os elementos isoladamente.
A metáfora descrita pela fonte, portanto é a de que tanto texto verbal quanto
ambiente urbano são escrituras. A mescla entre arquitetura e tipografia sugere que a
cidade funciona como um texto, que há diversas convergências entre texto, imagem,
design, arquitetura, espaço gráfico e ambiente urbano. A fonte questiona os ideais
modernistas na arquitetura e até sua funcionalidade. Ao mostrar como a cidade se
apropriou desses monumentos ela aponta para como esses projetos podem ter fugido de
seus princípios geradores.
Como essa fonte se caracteriza como um signo icônico seu potencial
interpretativo é apenas o da produção de uma hipótese. Não há garantia de que a fonte
será assim interpretada ou que o intérprete estabelecerá as semelhanças que foram aqui
descritas.
Helvética Concentrated
Essa fonte apresenta cada letra por um círculo com um determinado diâmetro.
(Fig. 8) A área de cada círculo corresponde à área ocupada pela respectiva letra na fonte
Helvética. Como diz o nome, houve uma concentração da área da letra em um único
ponto.
[INSERIR FIGURA 8] Caracteres da fonte Helvética Concentrated.
Essa fonte, assim como a Utopia não representa visualmente o alfabeto. O que a
diferencia da Utopia é que ela representa apenas a si mesma e faz referência ao seu
próprio sistema de linguagem, enquanto a Utopia representa um outro sistema de
linguagem distinto do seu, o ambiente urbano. É um signo icônico que estabelece uma
relação imagética como seu objeto. Mas não é uma relação figurativa, como na Utopia, e
sim dada por uma regra própria da fonte. (Fig. 9)
[INSERIR FIGURA 9] Texto construído com a fonte Helvética Concentrated.
Essa regra não diz respeito a nenhum objeto exterior e como ela determina a
forma de cada letra, essa regra pode ser caracterizada como distributiva. A qualidade
dessa fonte permite apenas relações de semelhança como por exemplo a associação dela à
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escrita em braile ou a experiência qualitativa como o ficar extasiado com a sensação de
movimento e equilíbrio dado pelo texto composto com essa fonte.
Apenas as qualidades da fonte não dizem nada à respeito do seu processo de
construção. Para descobrir o significado que há em cada um dos círculos é preciso um
contexto apropriado que a explique. Assim, a fonte depende de como ela aparece, do
ambiente no qual ela se encontra. Tempo e espaço são fundamentais para levar à
compreensão adiante. Certamente a fusão entre obra, título e espaço na galeria de arte
torna possível a compreensão de que a área dos círculos corresponde à área das letras e
assim, várias hipóteses interpretativas podem surgir. Como a de que a fonte é uma crítica
aos parâmetros de legibilidade, etc.
Pilha
Essa também é uma fonte de Lain e Detanico. Sua peculiaridade é que de a regra
de construção dessa fonte permite uma forma de escrita com quaisquer objetos. Portanto
a fonte expande seu ambiente de aplicação. A regra é simples: cada letra do alfabeto
corresponde a uma pilha de objetos. A primeira letra do alfabeto corresponde à pilha com
um objeto, a segunda letra à uma pilha com 2 objetos e assim sucessivamente. Mas o
interessante é que o casal de artistas passa a empilhar os objetos ao seu redor. Assim, a
fonte Pilha não fica restrita à suportes típicos da escrita, mas pode estar presente em
qualquer ambiente. (Fig. 11)
[INSERIR FIGURA 10] Caracteres da fonte Pilha.
[INSERIR FIGURA 11] Texto construído com a fonte Pilha.
Sua regra interna para criação da fonte é uma regra que apesar de ser própria da
fonte, é uma lei aplicável a outros objetos. É uma lei que pode ser aprendida
possibilitando a leitura de qualquer empilhamento. A fonte nesse caso é
fundamentalmente uma lei, uma regra e suas qualidades são extremamente variáveis. A
forma peculiar de cada pilha será indicadora de um significado dado pela relação entre
suas qualidades e o ambiente.
Como essa fonte representa o alfabeto por meio de uma regra, uma lei estabelece
a relação entre signo e objeto. Essa lei não só relaciona a fonte com o alfabeto, como é
uma nova regra de leitura que permite ler verbalmente sem o uso do alfabeto. A fonte
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Pilha indica sob forma de lei uma relação entre signo e interpretante. É por isso que essa
fonte extrapola os limites do papel tornando qualquer empilhamento seus caracteres, seu
poder de representação não é caracterizado apenas por suas qualidades ou pelo contexto
em que se apresenta, mas por uma regra abstrata.
Code-Up
No Code-Up a artista Giselle Beiguelman trabalha com a linguagem digital e
visual de uma maneira bastante rica. Todas as imagens são figurativas na medida em que
podemos identificar nelas cenas do filme Blow-up. Mas o que Beiguelman apresenta é
uma imagem tridimensional cuja figuratividade está expressa nos eixos x e y. Sendo que
o eixo z, não é um eixo figurativo. A tridimensionalidade da imagem não remete à
tridimensionalidade dos objetos, ou das figuras que estão nas cenas do filme. O eixo z
corresponde aos códigos informacionais de cor da imagem digital. Cada ponto da
imagem ganha uma nova dimensão, tornando-se barras cujos tamanhos variam de acordo
com uma escala de cor do código digital. (Fig. 12)
[INSERIR FIGURA 12] Code-Up, Giselle Beiguelman.
O conjunto de barras se assemelha a uma topografia, é um gráfico tridimensional
que segue uma escala de cor. Se no primeiro momento tudo que se vê são as cenas de um
filme, no segundo, depois de compreendido o processo de construção da imagem,
entende-se a analogia com o filme e a riqueza da imagem. No filme, o fotógrafo busca a
verdade da fotografia pela contínua ampliação da imagem. Como se a cada ampliação a
foto revelasse mais detalhes da cena fotografada, mas tudo que o fotógrafo alcança são os
pontos de nitrato de prata que formam a imagem fotográfica. No caso do Code-Up,
tridimensionalidade da imagem é um convite a entrar na imagem digital e conhecer sua
estrutura. O que descobrimos é um código simbólico, informacional que deve ser lido e
decodificado.
Assim como em fontes dingbats analisadas anteriormente, esse trabalho
apresenta uma certa qualidade imagética que aponta para sua própria estrutura. A
tridimensionalidade da imagem revela que na linguagem digital a correspondência ponto
à ponto da fotografia com o objeto fotografado não funciona e que as imagens digitais
são códigos informacionais.
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Becoming and Landslide
A artista Shirley Shor, por exemplo, tem vários trabalhos nos quais a relação de
representação entre mapa e território, ou entre planta e espaço construído é questionada.
Os mapas territoriais são formas codificadas de representar uma superfície de terra que
variam de acordo com diferentes regras cartográficas. Apesar dos territórios mudarem, os
mapas não representam as mudanças do território, mas sim o seu estado em um
determinado momento.
O que acontece nos trabalhos de Shor é que as regras são móveis. O que rege a
construção do mapa e do território é um código generativo, portanto ambos mudam
simultaneamente. No trabalho Becoming (2002), Shor apresenta uma imagem digital que
é constantemente alterada. (Fig. 13) É um tipo de mapa infinitamente construído porque
cada pixel da imagem tem sua cor determinada por uma regra de relação com os pixels
que estão ao seu redor. Uma vez trocada a cor de um pixel todos os outros são
continuamente alterados de acordo com a regra criada. Assim, em um movimento de
looping temos um mapa sempre em construção e que muda de acordo com uma ordem
que lhe é própria. O mapa ao invés de fixar uma regra, ele é a própria regra da mudança.
[INSERIR FIGURA 13] Becoming, Shirley Shor.
Já o trabalho Landslide (2004), une um mapa e um território que se alteram.
Uma caixa de areia muda constantemente sua superfície de acordo com um mapa que é
gerado em tempo real por um software. Dessa maneira ela cria uma infinidade de mapas,
que são constantemente alterados e que consequentemente reconstroem incessantemente
a superfície de areia, criando uma topografia móvel. (Fig. 14)
[INSERIR FIGURA 14] Landslide, Shirley Shor.
A constante transformação da imagem nesses trabalhos dada também por uma
constante transformação do código mostram um signo formado por uma lei que faz com
que a imagem obedeça ao código. No entanto, a lei desse signo não é uma lei estática
como a lei para construção das fontes dingbats. A mudança na imagem se dá pelo fluxo
de informação, característico da linguagem digital.
Porque as imagens digitais são formadas por um código abstrato elas perdem a
referência material e passam a operar com idéias e associações de idéias, se distanciando
9
da realidade sensível como objeto original. Ao estruturar-se sobre uma linguagem lógica,
enfatiza características simbólicas, a faz crescer em abstração. Quando essa imagem
passa a ser um conjunto de informações ela ganha mobilidade pois não está inscrita em
lugar algum, ela se liberta da rigidez material.
O trânsito entre as linguagens e o maior número de relações estabelecidas são
propiciados pelo estabelecimento de uma só linguagem, a digital, capaz de fundamentar o
visual, o verbal e o sonoro. Ela funciona como um código arbitrário, cujas unidades
adquirem significado quando consideradas em conjunto, quer dizer, quando são lidas. A
capacidade de representação desses códigos está na relação que eles estabelecem, na sua
conformação a um conjunto de regras estabelecidas e na possibilidade de algo o
interpretar como tal. A linguagem digital funciona prioritariamente como símbolo e por
isso, é “em si mesmo, apenas uma mediação, um meio geral para o desenvolvimento de
um interpretante.
Conclusão
Tanto as línguas escritas verbais quanto os algoritmos que estruturam o
ciberespaço são formas de linguagem com alto poder simbólico que seguem leis
previamente estabelecidas. A decifração da linguagem depende do domínio de um código
previamente estabelecido. Mas esse código arbitrário vai aos poucos se internalizando,
torna-se um hábito e se consolida de tal maneira que o processo de leitura do conteúdo da
mensagem se sobrepõe aos significados que a própria forma da mensagem cria. Quando
há quebra do código, a mensagem não pode mais ser lida conforme essas leis
internalizadas, seu caráter lógico se desfaz e poder-se-ia pensar que elas se tornam
incompreensíveis. No entanto, diante de um obstáculo de leitura somos capazes de
estabelecer novas regras e mudar os hábitos, criando novas relações a fim de estabelecer
um sentido. Provavelmente esse movimento é possível porque os signos não perdem por
completo o seu poder de significação somente por não seguirem relações lógicas pré-
estabelecidas. Outras relações, como as icônicas, podem ser geradas possibilitando ao
signo explorar esse seu potencial de forma imagética, diagramática ou metafórica.
Portanto, o caráter criativo e inovador das línguas escritas predominantemente
simbólicas não está na característica lógica que conforma essa linguagem, mas no seu
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potencial icônico, pois apenas os ícones podem ser manipulados de forma a revelar novas
informações sobre seu objeto (CP 2.279). Também a capacidade do leitor de quebrar as
regras e estabelecer novos parâmetros é fundamentada por Peirce na estética e não na
lógica.
Enquanto a Arte cifra, as ciências decifram. Ambas são conversas do homem com a natureza natural, humana e social. Porque cifra, a Arte defronta-se, feito um toureiro na arena, com a força indômita da linguagem, quando é preciso tudo lembrar, ou feito um bibliotecário nos espelhos hexagonais de Babel e no Museu de Tudo, defronta-se com a densidade secular da escritura, da imagem e do som, quando é preciso tudo esquecer, ou fingir que se esquece. (SANTAELLA, 1992, p.130-131)
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