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Mentiras que vendem ampus que deixam os cabelos sedosos, com brilho ou mais lisos. Produtos para emagre- cer muitos quilos em poucas se- manas. Cremes que acabam com rugas, estrias e celulite em poucos meses. Esses são apenas alguns exemplos de promessas das pro- pagandas de produtos que bom- bardeiam o consumidor o tempo todo. Os cosméticos, sobretudo, são os campeões desses “mila- gres”. Mas será que esses produ- tos sempre trazem o efeito prometido? O humorista Millôr Fernandes disse recentemente em entrevista ao caderno Aliás , do jornal O Estado de S. Paulo, que a publici- dade é essencialmente ruim por- que não tem nenhum compro- misso com a verdade. “É mentir sobre o sabonete, a maionese, a m a rgarina, o político”. A opi- nião, à primeira vista bastante radical, não está completamente errada. Um exemplo que ilustra o que disse o humorista é uma propaganda do maior anun- ciante do Brasil, a rede de lojas Casas Bahia. O bordão, exibido centenas de vezes nos principais canais da TV aberta, “Quer pagar quanto?”, foi tirado do ar pelo Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publi- citária), por ser considerado men- tiroso. De acordo com o conselho, ao contrário do que sugere a peça publicitária, em momento algum o consumidor pode influenciar o valor e a forma de pagamento dos produtos. A rede de lojas se defende das acusações e diz que a frase é apenas um recurso criati- vo usado na propaganda. No entanto, em um universo onde é cada vez mais tênue a linha que separa propagandas “mentirosas” de anúncios cria- tivos, alguns anunciantes já perceberam que o público não gosta de ser enganado. É o caso da linha de produtos de beleza Dove. No lugar de lindas mode- los, jovens, que usam manequim 36, as estrelas do comercial são mulheres comuns, algumas gor- Julho/Dezembro 2005 64 Renata Viot RACHEL MARTINS, RAPHAELA MOURA, TAÍS VILELA E VIVIAN MAIA Mentiras que vendem A campanha mundial da Dove afirma que respeita o biotipo de cada mulher

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Mentiras que vendemampus que deixam oscabelos sedosos, combrilho ou mais lisos.Produtos para emagre-

cer muitos quilos em poucas se-manas. Cremes que acabam comrugas, estrias e celulite em poucosmeses. Esses são apenas algunsexemplos de promessas das pro-pagandas de produtos que bom-bardeiam o consumidor o tempotodo. Os cosméticos, sobretudo,são os campeões desses “mila-gres”. Mas será que esses produ-tos sempre trazem o efeitoprometido?

O humorista Millôr Fernandesdisse recentemente em entrevistaao caderno Aliás, do jornal O

Estado de S. Paulo, que a publici-dade é essencialmente ruim por-que não tem nenhum compro-misso com a verdade. “É mentirsobre o sabonete, a maionese, am a rgarina, o político”. A opi-nião, à primeira vista bastanteradical, não está completamenteerrada. Um exemplo que ilustra oque disse o humorista é umap ropaganda do maior anun-ciante do Brasil, a rede de lojasCasas Bahia. O bordão, exibidocentenas de vezes nos principaiscanais da TV aberta, “Querpagar quanto?”, foi tirado do arpelo Conar (Conselho Nacionalde Auto-Regulamentação Publi-citária), por ser considerado men-tiroso. De acordo com o conselho,

ao contrário do que sugere a peçapublicitária, em momento algumo consumidor pode influenciar ovalor e a forma de pagamentodos produtos. A rede de lojas sedefende das acusações e diz que afrase é apenas um recurso criati-vo usado na propaganda.

No entanto, em um universoonde é cada vez mais tênue alinha que separa propagandas“mentirosas” de anúncios cria-tivos, alguns anunciantes jáperceberam que o público nãogosta de ser enganado. É o casoda linha de produtos de belezaDove. No lugar de lindas mode-los, jovens, que usam manequim36, as estrelas do comercial sãomulheres comuns, algumas gor-

Julho/Dezembro 200564

Renata Viot

RACHEL MARTINS, RAPHAELA MOURA, TAÍS VILELA E VIVIAN MAIA

Mentiras que vendem

A campanha mundial da Dove afirma que respeita o biotipo de cada mulher

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dinhas e outras um pouco maisvelhas, com defeitos e quali-dades, assim como os consumi-dores. O comercial mostra que osprodutos funcionam na mulhern o rmal e não apenas em t o pmodels.

No Rio de Janeiro, uma açãona justiça mostra que o consumi-dor está cansado de ser engana-do. Uma decisão da juíza LuizaObino Niederauer, da 46ª VaraCível do Rio de Janeiro, determi-nou que a empresa E - MarketingImporto Comércio pague R$ 5,2mil para a consumidora MariaJosé Andrade Pires, que comprouo emagrecedor Fybersan Plus enão perdeu o peso prometido.Além da indenização, a empresaterá de devolver o valor pagopelo produto.

Regulamentação da publicidade

A história da publicidade estám a rcada por propagandas en-ganosas ou mentirosas, porémdesde 1978 foi criado o CódigoB r a s i l e i ro de Auto-Regulamen-tação Publicitária, com o objetivode criar uma censura prévia paraa propaganda. O Conar é umaONG (Organização Não Gover-namental) e foi fundado em 1980para que as normas do Códigofossem colocadas em prática, ecomo resposta à censura que ogoverno militar queria criar paratodo o tipo de publicidade e pro-paganda. O Conar julga denún-cias dos consumidores, do pró-prio Conar ou de agências eempresas associadas. Em caso deum anúncio ser condenado peloConselho, é determinada suamodificação ou os meios de

comunicação são avisados paranão o veicularem mais. Alémdisso, as agências e seus anun-ciantes ainda podem ser adver-tidos. Porém se a empresa quiserignorar a ação do Conar, estanão será multada ou repreendi-da, já que o Conselho não temforça de lei. O Conar não julgapropagandas políticas, produtosdefeituosos, serviços não presta-dos e atendimento inadequado.

O Conar conta com quase 350sócios e com 132 conselheiros, etambém com as principais enti-dades do segmento no Brasil,como membros fundadores: As-sociação Brasileira de Agênciasde Publicidade (ABAP), Federa-ção Nacional das Agências dePropaganda (Fenapro), Associa-ção Brasileira dos Anunciantes(ABA), Associação Brasileira deEmissoras de Rádio e Televisão(Abert), Associação Nacional deJornais (ANJ), Associação Naci-onal de Editores de Revistas(Aner) e a Central Outdoor. Des-de que foi criado até dezembro de2004 o Conar já tinha julgado5179 casos, sendo que em 2003foi o ano onde houve maisdenúncias, no total foram 1668processos éticos julgados.

Os membros do conselho nãosão remunerados por exercer suafunção, e isso é um fato impor-tante para que a credibilidade naética do Conar seja mantida. “Osurpreendente é saber que todos(os membros do Conselho deÉtica) trabalham sem ganhar umcentavo. Muitas vezes sequer anotoriedade, já que as própriasatribuições do Conar o obrigam amanter um comportamento lowprofile, fugindo dos holofotes do

noticiário”, declarou Luiz Celsode Piratininga, no site do Conar,diretor-presidente da agência depublicidade Adag e 1º vice-presi-dente da organização.

Com o aniversário de 25 anos doC o n a r, o jornalista Ari Schneiderescreveu o livro Conar 25 anos –Ética na prática. A obra conta ahistória do conselho e casos quem a rcaram esse período, desdeos bro n z e a d o res Eversun às bri-gas das cerveja e dos celu-l a re s .

De quem é a culpa?Quando há uma mentira na

publicidade, quem mentiu? Aagência, por ter criado anúnciosnão verd a d e i ros, ou o cliente,por ter transmitido falsas infor-mações sobre o produto para aagência? Na grande maioria dasvezes pode-se dizer que foi ocliente. E por uma simples ra-zão, a agência anuncia o pro d u-to não o fabrica, portanto nãopossui conhecimento total sobreele. Assim como o consumidor,ela está sujeita a ser enganada.Se isso de fato ocorre e é des-c o b e rto pelo mercado, a agênciadeve ter um Relatório de Vi s i t a ,com o b r i e f i n g e a assinatura docliente para poder se defender.

Porém, não podemos encarar apublicidade como uma áre aingênua, pois há em sua essên-cia características que trans-mitem certa ilusão ao consumi-d o r. O professor de técnicas deredação publicitária do De-p a rtamento de Comunicação So-cial da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rodolpho Maier, lembraque no livro Publicidade: a lin-

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guagem da sedução, Nelly deC a rvalho atenta bem para essecaráter ilusório. Rodolpho dizque uma das características dotexto publicitário é o de indivi-dualizar o discurso. “Não existemassa. Não se diz: chegou aom e rcado um novo sabão em pó;como diria um texto jorn a l í s t i c o .Mas sim: agora você tem o me-

lhor super sabão em pó do mer-cado”. Rodolpho esclarece quefalar com um de cada vez fazcom que qualquer parcela dopúblico se sinta integrada àsociedade. O grande problema éque a maioria das pessoas sesente parte do círculo social, masmuitas vezes não tem nem di-n h e i ro para se alimentar. De

c e rta maneira, ao integrar oindivíduo o anúncio ameniza asensação de exclusão. Assim,ainda que não seja proposital, ap ropaganda está mentindo parao consumidor. Uma solução paraisso seria dizer que o pro d u t oanunciado é apenas para pou-cos. Mas nesse caso, não seriap u b l i c i d a d e .

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A manipulação da imagem vem sendo objeto deinteresse e pesquisa, e é inerente à construção daimagem fotográfica. Os conteúdos dos documentosfotográficos se agregam e mesclam informações einterpretações culturais, técnicas, estéticas e ide-ológicas que se acham codificadas e refletem emfunção da finalidade, o interesse destinado pelosseus “criadores”.

A fotografia é utilizada como instrumento ilustra-tivo, geralmente para vender algo: algum produto,alguma idéia, etc. A publicidade utiliza-se dafotografia para vender produtos sendo uma formabem efetiva de comunicação. Se a fotografia tematé este poder de criar desejos de consumo, ela tam-bém pode influenciar a opinião pública.

As imagens processadas através de computadore svêm revolucionando conceitos, estabelecendo novoslimites para as formas visuais e alterando a per-cepção humana. O computador pode arm a z e n a rimagens em sua memória e também alterar comple-tamente um re g i s t ro feito através de uma câmera. Opúblico, acostumado a consumir essas imagensatravés dos meios de comunicação, já não questionamais as conseqüências desse pro c e d i m e n t o .

O recorte digital permite a adulteração manipu-latória de produtos e conceitos vendidos pela publi-cidade. Existem vários exemplos de manipulaçãode fotos que direcionados a um tema específico

superam as expectativas do mercado publicitário,através da superação tecnológica que causa umaresposta satisfatória no consumidor. Na campanhado Festival de Cinema do Rio 2005, o cenógrafo ebailarino Carlinhos de Jesus encarnava a figura deGene Kelly no filme Cantando na chuva tendo comocenários o Pão de Açúcar e o calçadão de Co-pacabana. Ele se baseou em clássicos do cinema,utilizando como planos de fundo cartões postais dacidade para a elaboração de peças publicitáriasveiculadas em diversos meios de comunicação,como forma, de remeter à idéia da uma seleção defilmes imperdíveis ter sido feita no Festival do Riode Cinema.

O fotógrafo da Artephoto Studio, Mauro Rischi,responsável pelas imagens utilizadas nas peçaspublicitárias, fez as fotos com uma máquina digitalequipada. “Todas as fotos de modelos foram rea-lizadas no estúdio em fundo branco, exceto a damodelo de La dolce vita, que foi fotografada emuma piscina com um lenço por trás para facilitar otrabalho de encaixe na paisagem”, diz Rischi.

Segundo Mauro, três peças consumiram seis diasde foto e cinco de tratamento e edição, já que tudodeve ser minimamente pensado como cor, ajuste deexposição, saturação, contraste. Tudo deve sair deforma a congelar o momento e a intenção propos-ta, sem que seja questionada a sua existência.

Manipulação fotográficaMauro Rischi