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MERCADO DE TRABALHO, RENDA DE TRANSFERÊNCIAS E MUDANÇAS NA
ESTRUTURA POPULACIONAL: O CASO DE SERGIPE
Kleber Fernandes de Oliveira2
Departamento de Estatística e Ciências Atuariais
Universidade Federal de Sergipe
Resumo - O presente artigo investiga a trajetória da pobreza em Sergipe, a partir dos anos 80,
utilizando como quadro de referência dois aspectos principais: modificações na estrutura
produtiva, no mercado de trabalho e na composição da renda segundo fontes e, sob uma
perspectiva demográfica, as transformações na estrutura populacional, cujos traços principais
são a redução dos grupos etários jovens e aumento dos grupos compostos por adultos e
idosos, como também no ciclo de vida das famílias. Além de oferecer uma visão sobre o
processo evolutivo da pobreza em Sergipe, o presente artigo tem a expectativa de chamar
atenção para que interpretações sobre o comportamento da pobreza considerem não apenas
elementos explicativos de natureza econômica – como é bastante usual – mas também
demográficos. Os resultados aqui analisados permitem avaliar de forma crítica os efeitos das
rendas de aposentadorias e de programas sociais sobre a pobreza, uma vez que - conforme
será demonstrado - o mercado de trabalho sergipano reproduz o processo de desestruturação
observado no País.
Palavras-chave: Pobreza, renda, dinâmica econômica
Abstract - This paper investigates the evolution of poverty in Sergipe, from 80, using as a
reference framework for two main aspects: changes in production structure, labor market, and
the composition of income sources and second, in a demographic perspective, the changes in
population structure, whose main features are the reduction of youth and age groups
consisting of increase in adult and elderly, but also in the life cycle of families
Besides offering insight into the evolutionary process of poverty in Sergipe, this paper is the
expectation of drawing attention to interpretations of the behavior of poverty explanations
consider not only economic in nature - as is quite usual - but also demographics. The results
reviewed here provide a critical evaluation of the effects of income of retirement and social
programs on poverty, since - as shown - the market of Sergipe work reproduces the process of
destruction seen in the Country.
Key-words: Poverty, income, economic dinamic
Àrea: Desigualdade, Pobreza e Políticas Sociais
INTRODUÇÃO
O presente artigo investiga a trajetória da pobreza em Sergipe, a partir dos anos 80, utilizando
como quadro de referência dois aspectos principais, quais sejam: a) modificações na estrutura produtiva,
no mercado de trabalho e na composição da renda segundo fontes, e; b) sob uma perspectiva demográfica,
2 Doutor em Demografia – UNICAMP.
e-mail: [email protected] ou [email protected]
2
as transformações na estrutura populacional, cujos traços principais são a redução dos grupos etários
jovens e aumento dos grupos compostos por adultos e idosos, como também no ciclo de vida das famílias
O estudo parte da constatação de que, entre 1985 e 2005, houve redução significativa da
pobreza em Sergipe, ao mesmo tempo em que a economia do estado passou por um profundo processo de
redução do produto (1985-1993), tendo recuperado lentamente a partir de então. Supõe, portanto, a
existência de fatores demográficos que, conjugados com outros elementos de natureza político-
institucionais e tão relevantes quanto os de ordem econômica, influenciam os indicadores de pobreza3.
Além de oferecer uma visão sobre o processo evolutivo da pobreza em Sergipe, o presente
artigo tem a expectativa de chamar atenção para que interpretações sobre o comportamento da pobreza
considerem não apenas elementos explicativos de natureza econômica – como é bastante usual – mas
também demográficos. Os resultados aqui analisados permitem avaliar de forma crítica os efeitos das
rendas de aposentadorias e de programas sociais sobre a pobreza, uma vez que - conforme será
demonstrado - o mercado de trabalho sergipano reproduz o processo de desestruturação observado no
País.
Para conduzir essa investigação, que interpreta a redução da pobreza considerando as
dimensões econômicas e demográficas, este artigo divide-se duas partes, além desta introdução e das
considerações finais. O primeiro tópico traça um breve panorama sobre a que estrutura produtiva
sergipana, mostrando que mesmo tendo recebido importantes investimentos em industrialização, pouco
logrou se diversificar ao longo dos vinte anos analisados. No que se refere à composição dos rendimentos,
analisa como o mercado de trabalho sergipano refletiu o processo de desestruturação observado no País,
cujas vertentes principais são aumento da desocupação/terciarização, informalidade e precarização das
relações trabalhistas, fatos que estão relacionados com a deterioração da renda do trabalho. Por outro
lado, os benefícios sociais, notadamente as pensões e aposentadorias, não apenas envolveram maior
número de pessoas, como também logram ganhos monetários reais significativos, movimento que
contribuiu, em certa medida, para aliviar as perdas oriundas do trabalho.
A segunda parte investiga como mudanças na estrutura populacional - caracterizadas pelo
aumento da população adulta e idosa - e no ciclo de vida das famílias - onde ganham importância as fases
de desmembramento e de ninho vazio - podem ter influenciado na redução da pobreza em Sergipe,
sobretudo devido à influência das rendas de transferências.
1 COMPONENTES ECONÔMICOS DA RENDA EM SERGIPE
1.1 A estrutura produtiva
Trata-se aqui de analisar o comportamento do mercado de trabalho em Sergipe, tendo como pano
de fundo o quadro geral das mudanças observadas no Brasil e no Nordeste. Nesse sentido, os anos 1980
são emblemáticos dado que é a partir dessa década que o mercado de trabalho brasileiro atravessa um
processo de desestruturação, cujas vertentes principais foram: aumento expressivo das atividades
terciárias, avanço da informalidade e agravamento da desocupação e desemprego, precarização das
relações de trabalho, piora na qualidade das ocupações e estagnação ou depreciação da renda do trabalho
(CARDOSO Jr., 2001).
Mudanças na gestão pública, sobretudo relativas à maior autonomia financeira quanto ao
ordenamento das despesas dos Entes Federativos também emergiram nos anos 1980, à base da
Constituição Federal de 1988, e refletiram tanto no emprego público quanto nas ocupações geradas pelo
setor público (AFONSO, 1994; GUIMARÃES NETO, et al., 1999; MARTINS, 2004).
Contrastando com o rápido crescimento econômico e a expansão do emprego assalariado do setor
industrial dos anos 1960 e 1970, a década de 1980 inaugura um período de graves crises recessivas e
flutuações econômicas que alteraram significativamente a estrutura do emprego no Brasil.
Caracteriza o primeiro qüinqüênio dos anos 1980 a constituição do setor terciário como principal
responsável pela absorção da mão-de-obra na prestação de serviços, comércio e atividades sociais,
3 Para maiores detalhes ver Oliveira (2009)
3
posição ocupada nas décadas anteriores pela indústria de transformação. A ampliação do assalariamento
sem vínculo de trabalho formal constituiu, entretanto, outro traço fundamental nas mudanças da estrutura
de emprego do Brasil (CACCIAMALI, 1988)4.
As crises e instabilidades do mercado de trabalho têm resultados imediatos no nível da pobreza do
País. Faria (1992, p. 109-10) atribui à perda de dinamismo econômico a “interrupção progressiva do
contingente de pobres que vinha ocorrendo desde os anos do após-guerra e se acentuaram na década de
70”5. Argumento que é reforçado pelas estimativas de Lopes ( 1993, p. 6) para quem, entre 1960 e 1980,
a proporção de pobres caiu de 41,4% para 24,4%, mas devido à intensidade da recessão, em 1983 a
pobreza retomou níveis de 1960, 41,9%. A recuperação da economia em 1985-86, juntamente com os
efeitos do Plano Cruzado, contribuiu para que a proporção de pobres no Brasil retomasse a tendência de
queda, alcançando pouco mais de 28%, em 1986. No entanto, por decorrência dos vários episódios
recessivos, aumento da inflação e efeito dos planos econômicos, chega-se em 1988 com 39,3% da
população em condição de pobreza6.
Nos anos 90, o desemprego no Brasil assume caráter epidêmico. Segundo Pochmann, o baixo
dinamismo econômico7 e o modelo de inserção do Brasil ao mercado internacional, que desfavorecia o
emprego nacional, contribuíram negativamente para essa condição:
Além do expressivo montante de pessoas desempregadas, cabe
ressaltar a drástica alteração na composição do desemprego. Em outras palavras,
o desemprego mudou de perfil, deixando de ser um fenômeno que atingia
segmentos específicos da sociedade para se generalizar por quase toda a
população ativa. Assim, pode-se concluir que não há mais estratos sociais
imunes ao desemprego no Brasil (2001, p. 102)
A incapacidade da economia brasileira em acompanhar com postos de trabalho o crescimento da
população economicamente ativa (PEA) resultou que, na década de 90, das 13,6 milhões de pessoas que
ingressaram no mercado de trabalho, apenas 8,5 milhões (62,5%) obtiveram acesso a algum posto, do que
foi gerado um contingente 5,1 milhões de desempregados. Acrescente-se ainda que, além figurar no cerne
do aumento do desemprego, o baixo dinamismo econômico foi também responsável por um processo
duplamente nefasto: redução do assalariamento e expansão do trabalho sem registro em carteira. De
acordo com estimativas do autor, de cada 10 empregos criados nos anos 1990, somente 2 eram
assalariados, porém sem registro formal (POCHMANN, 2001, p. 97).
No cenário traçado por Pochmann (2001, p. 95-8) para o mercado de trabalho brasileiro dos anos
90 é de notar que a expansão do trabalho não-assalariado e a precarização tanto nas relações quanto
condições de trabalho insistiram mesmo diante da recuperação econômica ensaiada entre 1993 e 1997.
Mas em períodos de maior gravidade, como o da desaceleração econômica do final dos anos 1990, as
taxas de desemprego assumiram níveis inéditos no período recente.
Em termos regionais, a década de 80 é também marcante para a economia nordestina dado o
crescimento do setor industrial incentivado pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento, que induziu a
uma relativa desconcentração econômica, a partir de São Paulo. Se, de um lado, os grandes centros
urbanos padecem com os efeitos da crise econômica e elevados níveis de desemprego, assiste-se ao
4 A esse respeito, Cacciamali et al. (1995, p 173) estimam que, entre 1983 e 1989, metade dos então 29 milhões de
trabalhadores ocupados em importantes setores de trabalho urbano, como construção civil, indústria de transformação e setor
público, exerciam suas atividades à margem de qualquer regulamentação legal. 5 Baseando-se em Romão (1991), Faria mostra que entre 1960 e 1980 a proporção de pobres diminuiu de 41,4% para 24,3%. A
partir de 1980 oscilou sempre acima dos 28%. 6
Há ainda que se destacar os efeitos deletérios da concentração de renda no Brasil em períodos distintos. Veja-se Ferreira &
Litchfield (2000, p. 51), cujas estimativas indicam que entre 1981 e 1995 o nível de concentração de renda no País, medido
pelo Índice de Gini, aumentou cerca de 3%, passando de 0,57 para 0,59. Barros et ali (1997, p.22) mostram que embora
houvesse aumentado a renda média de todos os décimos da distribuição entre 1960 e 1990, foram as rendas mais elevadas
aquelas que mais se beneficiaram desse crescimento: os 20% mais ricos aumentaram de 54% para 65% a parte da renda total
apropriada, enquanto que os 50% mais pobres diminuíram sua participação de 18% para 12%. 7 O autor aponta cita três fatores como principais responsáveis pela inércia econômica brasileira nas últimas décadas do século
XX: i) estabilidade da renda per capita em torno do valor de 1980; ii) redução do emprego assalariado formal, e iii)
permanência das baixas taxas de investimento. (POCHMANN, 2001, p. 112)
4
surgimento de “ilhas de produtividade em quase todas as regiões”, inclusive no Nordeste (PACHECO,
2000, p. 52-6).
Ainda que determinadas áreas tenham sofrido profunda desilusão econômica com a “Nova
Indústria Nordestina” (ARAÚJO, 2000) e outras tenham assumido funções de complexos, pólos
industriais ou agroindustriais (GUIMARÃES NETO, 1997), o fato é que o Nordeste apresenta atualmente
uma “feição” produtiva algo distinta daquela dos anos 1960. No entanto, faz isso sem conseguir superar a
grave diferenciação interna que se torna mais aguda ao longo do tempo: de um lado, as regiões de intensa
modernização tais como o pólo cloroquímico de Camaçari (Bahia), o parque têxtil de Fortaleza (Ceará), o
complexo minero-metalúrgico de Carajás (MA), os cerrados baianos e o agronegócio no Rio Grande do
Norte; de outro, áreas como as zonas cacaueiras, canavieiras e o sertão do Semi-árido, onde predominam
a concentração fundiária, o pasto e o gado bovino de baixo padrão racial (ARAÚJO, 2000b).
O mercado de trabalho nordestino, decerto, reflete tanto essas “mudanças” quanto
“permanências”. Embora não seja desprezível a influência do setor industrial na composição do emprego
no Nordeste, os traços gerais da evolução ocupacional parecem reproduzir a tendência descrita para o
País, qual seja: oscilação sempre em níveis elevados das taxas de desemprego metropolitano (ARAÚJO;
SOUZA; LIMA, 1997) e crescimento das ocupações no setor terciário, com predomínio de baixos níveis
de remuneração, de qualificação profissional e tendência crescente à informalização (SANTOS;
MOREIRA, 2006).
A economia sergipana também foi destinatária de investimentos em industrialização, a partir dos
anos 1980. Ainda assim, não logrou diversificar seus setores produtivos e, tampouco, engrenar
desenvolvimento continuado e irrestrito de sua economia. Limitações que influenciam não apenas no
atual estágio da pobreza, mas também na sua trajetória ao longo dos vinte anos considerados.
No setor primário, a cana-de-açúcar exerceu papel fundamental na definição do uso e posse da
terra. Há, nesse sentido, rebatimentos claros sobre a pobreza uma vez que em todo o processo de
desenvolvimento dessa cultura foram exigidos não apenas grandes extensões de terras, mas também as de
melhor qualidade. Acrescente-se ainda que a baixa produtividade decorrente das técnicas rudimentares
empregadas na produção de açúcar sergipano exigia que quantidades crescentes de cana fossem
produzidas e, portanto, que menos terra fosse dedicada a outros cultivos. Disto resultou não apenas o
aumento da concentração fundiária, como também redução da já limitada base produtiva agrícola,
sufocando a pequena produção para o atendimento do comércio local e da subsistência (NASCIMENTO,
1994). Os efeitos negativos sobre a pobreza no Estado são agravados na medida em que apenas 49% do
território sergipano são aptos ao desenvolvimento regular da agricultura8.
A influência da atividade canavieira explica parte do que se verifica na Tabela 1, que trata da
estrutura fundiária em Sergipe, entre nos anos censitários de 1975, 1985 e 1995-96. Note-se que em todo
esse período cerca de 78% dos estabelecimentos são inferiores a 10 hectares e ocupam cerca de 10% da
área total em estabelecimentos. Desagregando essa informação em grupos de área menores, vê-se que
35% das propriedades possuem área inferior a 1 hectare e ocupam pouco mais de 1% da área total em
estabelecimentos.
8 Os outros 51% são formados por 992.534 ha de solo caracteristicamente rochoso e pedregoso; 88.229 ha de terreno arenoso
da costa litorânea e; 43812 ha de áreas alagadas por águas marinhas ou fluviais (SUDENE, 1984).
1975 1985 1995 1975 1985 1995 Menos de 1 34,35 37,74 34,28 1,11 1,17 1,03
1 a menos de 2 16,39 14,88 14,95 1,33 1,29 1,27
2 a menos de 5 17,51 17,27 17,73 3,19 3,39 3,40
5 a menos de10 10,47 10,03 10,83 4,24 4,35 4,54
Menos de 10 78,72 79,93 77,79 9,87 10,20 10,2410 a menos de 100 18,12 16,92 18,31 31,15 31,40 32,78100 a menos de 1.000 3,01 2,85 3,07 43,03 43,05 45,391.000 a menos de 10.000 0,15 0,13 0,11 15,28 14,72 10,6010.000 e mais 0,00 0,00 0,00 0,67 0,63 0,00Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 1975, 1985 e 1995-1996.
Tabela 1
Participação das propriedades agropecuárias de Sergipe na área total dos estabelecimentos,
segundo os grupos de área total - 1975, 1985, 1995 (em %).
Grupos de área (ha)Estabelecimentos (%) Área em hectares (%)
5
Em situação oposta, pelo menos no que se refere à posse das terras, estão as unidades com área
entre 10 e 100 ha, que representam cerca de 18% do total de propriedades mas ocupam mais que 31% da
área total dos estabelecimentos. Se consideradas as unidades produtivas dos dois grupos seguintes, isto é,
entre 100 e 10.000 ha, percebe-se que mais de 45% da área em estabelecimentos está concentrada em 3%
dos estabelecimentos, o que significa um tamanho médio de quase 350 hectares, contra a extensão média
de 2,12 hectares para as propriedades com área inferior a 10 hectares. Esses estabelecimentos de maior
porte são dedicados geralmente à produção com finalidade comercial, de que servem de exemplo a
olericultura na região de Itabaiana, a laranja em Boquim, o fumo em Lagarto, o feijão em Poço Verde e a
cana-de-açúcar no Vale do Cotinguiba. Em todos eles o traço em comum é o atraso tecnológico e a
concorrência com o capim e o gado.
A estrutura fundiária em Sergipe constitui-se, sem dúvida, indicativo da precariedade vivida no
meio rural/agrícola. É certo que o emprego de métodos e técnicas com algum grau de desenvolvimento
na atividade agrícola viabilizaria que, mesmo em estabelecimentos com pequenas áreas, houvesse
produção suficiente para atender às necessidades de subsistência e também para a comercialização do
excedente9. No entanto, remonta ao período colonial sergipano a profunda deficiência quanto ao uso de
instrumentos e técnicas produtivas mais avançadas (ALMEIDA, 1984).
Com os dados referentes Censo Agropecuário de 1995-96 pode-se observar que o atraso
tecnológico do setor primário persistiu por décadas. Basta notar que dos 99,6 mil estabelecimentos,
apenas 7,7% informaram ter recorrido à assistência técnica, como também apenas 27,11% das
propriedades eram atendidas por energia elétrica. No que se refere à mecanização, note-se que a
predominância das pequenas propriedades pode até justificar que somente 2,37% do total de
estabelecimentos utilizem tratores, mas chama atenção que instrumentos como os arados, fundamentais
na produção de cereais, principalmente milho e feijão, sejam utilizados em menos de 12% das
propriedades. Outro aspecto que merece destaque é que, mesmo incidindo sobre grande parte de Sergipe o
clima semi-árido, menos de 5% das lavouras contavam com irrigação, ficando o abastecimento de água
sujeito a meios alternativos como poços ou chuva. A escassez de recursos financeiros via crédito constitui
outro obstáculo à atividade agrícola em Sergipe. Do total de estabelecimentos, apenas 3,4% dos
estabelecimentos informaram utilizar algum tipo de crédito para financiar investimentos (1,68%), custeio
(1,69) ou comercialização (0,03%).
A combinação entre a estrutura fundiária, debilidades tecnológicas e creditícias impõe severos
limites à obtenção de níveis aceitáveis de produtividade agrícola, o que influencia negativamente na
absorção de trabalhadores e, por conseguinte, na pobreza daquelas pessoas ligadas diretamente à
produção, ou mesmo dificultando o acesso a alimentos básicos do sergipano.
Além desses fatores, o uso da terra e a pouca diversidade de cultivos também contribuem para
aprofundar os problemas no setor primário sergipano. Se, de um lado escasseiam os investimentos, de
outro a qualidade do solo e a historicamente ação não combatida da seca devem ser considerados para
explicar o fato de que, entre 1975 e 1995-96, tenha crescido de 64,5% para 67,8% a área em
estabelecimentos destinada a pastos. Nessas áreas, a criação de gado leiteiro e de corte apresenta-se como
principal alternativa econômica pelo fato de o capim não requerer maiores cuidados e investimentos,
podendo também suportar com maior sucesso períodos de secas.
9 Vale, a título de ilustração, pontuar que 1 hectare correspondente, aproximadamente, a área de 1 campo de futebol ou 1
quarteirão. Sob a influência da pouca produtividade e de intempéries naturais, como a seca, torna-se praticamente inviável
realizar, ainda que para fins de subsistência, qualquer tipo de cultivo. Nessas condições, por exemplo, uma propriedade de 1
hectare pode produzir 20 sacos de feijão por ano para serem vendidos a R$ 150,00 cada, ou seja, R$ 3.000,00 por ano. Na
produção de milho, seriam colhidos 25 sacos, a R$ 28,00, que renderiam R$ 700,00, por ano. Se a opção fosse criar gado, 1
hectare comportaria apenas 1 animal, cuja carne renderia R$ 80,00 por mês. Com o capim, poderiam ser produzidos 60 fardos
de 12 kg, cujo preço unitário seria de R$ 8,00 a cada 60 dias, ou seja, R$ 48,00 por ano. Admitindo que, de alguma forma, o
proprietário conseguisse sincronizar toda essa produção e que não fosse exposto aos riscos de seca e perda na produção,
chegar-se-ia a uma renda anual de R$ 4.700,00, ou R$ 392,00 por mês, a preços de agosto de 2008. Este cálculo aproximado
pode ser admitido como valor monetário hipotético e máximo a ser auferido por 35% dos produtores agrícolas sergipanos. E
isto tem influência na pobreza!
6
O cultivo de lavouras também apresentou expansão nesses vinte anos considerados, passando de
13,6 % para 17,9% da área em estabelecimentos. Ao que indicam os dados da Tabela 2, tanto os pastos
quanto a lavoura incorporaram áreas de matas e florestas ou terras produtivas não utilizadas. Entretanto, a
produção agrícola sergipana é definida basicamente por quatro cultivos temporários, como cana-de-
açúcar, mandioca, milho e algodão, e mais dois cultivos permanentes, quais sejam: o côco-da-baía e a
laranja.
As atividades agrícolas acima, notadamente a canavieira e a contonicultora, serviram de base
para o desenvolvimento da indústria sergipana10
. No escopo dessas ações do II PND estava a implantação
do Distrito Industrial de Aracaju. Em Nossa Senhora do Socorro, municípios vizinho e cuja população
urbana em 1980 soma apenas 1.602 pessoas, visava-se a criação do pólo industrial, com a instalação
imediata de 20 empresas, gerando 3.432 empregos diretos. Paralelamente ao desenvolvimento industrial
pretendido, a expansão de conjuntos habitacionais beneficiaria 125 mil pessoas com 25 mil novas
unidades. Em 1989, o Governo Federal cria, também em Nossa Senhora do Socorro, a Zona de
Processamento para Exportação (ZPE), ocupando uma área de 94.545 ha, com previsão de gerar de 8 a 10
mil empregos diretos e mais 5 ou 6 mil indiretos. O Governo Federal define, nesse período, a Reserva
Nacional de Sal-gema e Sais de Potássio, nas proximidades de Aracaju, com área de 452 km2 e, para
aumentar a integração do estado com o desenvolvimento industrial nordestino, previa a instalação no
município de Santo Amaro das Brotas de um Complexo Industrial de Base. Desta forma, o Eixo Químico
do Nordeste compreenderia os estados da Bahia, Sergipe, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O produto
originado da indústria sergipana contaria ainda com um terminal portuário marítimo, inaugurado em 1991
no município de Barra dos Coqueiros (FRANÇA,1997).
No entanto, toda essa expectativa resulta no malogro de grande parte dos projetos. Prova disto é
que no início dos anos 1990, apenas 21 empresas estavam funcionando em Nossa Senhora do Socorro,
das quais oito de médio porte, gerando tímidos 499 empregos. Ressalte-se que o proposto era gerar 40 mil
postos de trabalho, algo muito superior ao concretizado.
Os incentivos à industrialização ressurgem, ainda nos anos 1990, sob a forma do Programa
Estadual de Benefícios ao Setor Industrial (PSDI). Acenando principalmente com incentivos fiscais,
objetivava-se atrair investimentos e fomentar a implantação de empresas de pequeno e médio porte
também no interior sergipano, com a construção do Distrito Industrial de Propriá (DIP) e Distrito
Industrial de Estância (DIE), de forma a beneficiar municípios como aqueles localizados ao longo das
margens do Rio São Francisco e na região Semi-árida11
, cuja economia padece de profundas debilidades
estruturais. No entanto, problemas de infraestrutura básica, relacionados com o fornecimento de energia
10 Para ilustrar a importância da atividade agrícola na produção industrial, Nascimento (1994, p. 176) aponta que em 1939
86,7% do valor de transformação industrial (VTI) sergipano pertenciam à indústria têxtil e alimentar. Nas décadas seguintes
essa participação foi reduzida, mas, ainda assim, esses dois ramos representavam 53,5% do VTI, em 1980. 11
O que beneficiaria municípios de economia debilitada como Canindé do São Francisco, Porto da Folha, Poço Redondo,
Gararu, Nossa Senhora de Lourdes, Canhoba, Amparo do São Francisco e Telha. (FEITOSA, 2007, p. 122)
1975 1985 1995-1996Lavoura 13,56 18,49 17,94 Permanente 33,75 30,94 36,90
Temporária 63,72 57,51 54,37
Em descanso 2,52 11,56 8,73
Pastagens 64,58 66,46 67,77 Naturais 47,86 46,12 54,12
Plantadas 52,14 53,88 45,88
Matas e Florestas 11,13 8,38 9,31Terras Produtivas não Utilizadas 8,12 4,37 2,88Outros (Terras inaproveitáveis) 2,61 2,29 2,10Total 100,00 100,00 100,00
Tabela 2
Uso das terras nos estabelecimentos agrícolas de Sergipe em 1975, 1985,
1995-1996 (%)
Utilização das terras (ha)% da área em estabelecimentos
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 1975, 1985 e 1995-1996.
7
elétrica, abastecimento de água, acesso a transportes, armazenagem e comunicação tornaram-se
obstáculos à instalação dessa empresas. Acrescente-se ainda o aprofundamento da crise econômica
brasileira e a hegemonia do pensamento neoliberal como outros fatores que devem ser considerados para
entender a letargia do setor industrial sergipano, na década de 90. Efetivamente, nesse período são
observáveis duas tendências claras na economia sergipana: rebatimentos negativos no emprego e renda
sergipanos, com aumento da informalidade e degradação das relações de trabalho, e avanço da
terciarização frente às dificuldades dos setores primário e secundário. (FEITOSA, 2007)
O setor terciário, por sua vez, apresenta-se em franco crescimento desde os anos 80. Os
investimentos em industrialização, bem como o avanço da indústria extrativo-mineral influenciaram
positivamente na ampliação de atividades relacionadas com o sistema de transportes, comércio varejista,
alimentação e financeiro. As ações do Estado também devem ser mencionadas como impulsionadoras
dessas atividades, mas frente às debilidades acima tratadas, recai sobre o setor terciário a função de
“amortecedor” das pressões sobre o mercado de trabalho. Ao que parece, tal crescimento em Sergipe
reproduz a tendência observada no Brasil, cuja característica principal, e relacionada com a pobreza, é o
de combinar elevados níveis de informalidade com parcos rendimentos e baixa qualidade do trabalho
(CEPLAN, 2005).
A análise da participação relativa dos grandes setores produtivos no PIB sergipano evidencia a
expansão do terciário ante a perda dos demais setores. Destaque-se que, entre 1985 e 2003, o setor de
serviços apresentou expansão continuada, passando de 23,4% para 47,3% do PIB estadual. Com a
indústria, por sua vez, deve-se destacar que os investimentos setoriais dos ainda na década de 80 devem
ser considerados para explicar que, em 1985, mais de 68% do produto sergipano se originasse dessas
atividades. A partir desse ano, influenciado pelos problemas acima descritos, o produto industrial
apresenta reduções significativas até alcançar a menor participação relativa na produção total, em 2000,
46,4%, sendo inclusive superado pelo setor terciário.
A partir de 2000, o setor secundário sergipano aumenta sua participação relativa no produto
estadual de 46,4% para 57%, em 2001, nível que se mantém nos anos seguintes. Essa expansão do setor
industrial é influenciada tanto pelo início das atividades da Usina Hidrelétrica de Xingó, no município
sertanejo de Canindé do São Francisco, como também da indústria extrativa mineral, principalmente a
produção de petróleo e gás, na região do Cotinguiba.
A participação do setor primário no PIB sergipano, ao longo dessas duas décadas, não
ultrapassou os 9,5%, tendo alcançado em 2001 o menor nível da série histórica, 5,1%. Isto se deve não
apenas ao baixo valor agregado de sua produção, marcada pela concorrência com pastos, gado e cana-de-
açúcar, mas também aos baixos níveis de produtividade resultantes, em boa medida, da obsolescência dos
métodos de produção.
7,9 8,3 7,7 8,6 8,2 8,8 7,5 7,5 7,8 9,4 9,2 9,3 7,4 7,9 7,6 6,3 5,1 5,7 6,5
68,7 67,663,2 61,0
57,6 55,251,0 51,6 54,0 50,6
44,1 43,3 47,9 46,1 47,546,4
57,0 55,156,8
23,4 24,029,2 30,4
34,2 36,041,5 40,9 38,2 40,0
46,7 47,4 44,7 45,9 44,9 47,3
37,9 39,2 36,6
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Terciário
Secundário
Primário
Fonte: IBGE, Contas Regionais, 2006
-
2.000,00
4.000,00
6.000,00
8.000,00
10.000,00
12.000,00
14.000,00
16.000,00
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
PIB
(e
m R
$ 1
.00
0.0
00
,00
) Primário
Secundário
Terciário
total
Fonte: Contas Regionais, IBGE, 2006
Figura 1: Composição setorial do Produto
Interno Bruto – Sergipe, 1988 a 2003
Figura 2: Comportamento do Produto Interno
Bruto setorial e total – Sergipe, 1988 a 2003
8
O comportamento do Produto Interno Bruto estadual indica que, entre 1985 e 2003 são
identificáveis três períodos distintos na economia sergipana. O primeiro, entre 1985 e 1999, é
caracterizado pela desaceleração da economia, sendo que entre 1989 e 1993 o produto alcança os menores
níveis do período. A partir de 1994, entra em fase de crescimento e se mantém até o final do período em
análise. Entre o período de desaceleração e o de estagnação, o produto sergipano foi reduzido pela
metade, caindo de R$ 6 bilhões para menos de R$ 2,7 bilhões.
Em termos absolutos12
, entre 1985 e 2003 o PIB de Sergipe cresceu 130%, passando de R$ 5,9
bilhões para R$ 13,7 bilhões. Considerando os três grandes setores produtivos nota-se que as atividades
primárias e secundárias apresentaram intensidade de crescimento equivalente, cerca de 80%, embora
envolvessem grandezas distintas. O produto do setor primário aumentou de R$ 476,5 milhões para R$
896,4 milhões, enquanto que o crescimento da indústria foi de R$ 4,1 bilhões para R$ 7,8 bilhões. O Setor
de serviços, por sua vez, chama atenção não apenas pelo volume do produto, como também pela
intensidade de crescimento. Em 1985, esse setor que produzia pouco mais de R$ 1,4 bilhão superou os R$
5 bilhões em 2003, o que representa um crescimento de 258%, no período
O cenário acima mostra que Sergipe refletiu, ao longo das duas últimas décadas, movimentos da
economia brasileira, como recessão, estagnação, vigência dos planos econômicos e relativa
desconcentração industrial, pelo que se beneficiou de investimentos no setor secundário. No âmbito intra-
estadual, não obstante a dinamicidade de setores como a indústria extrativo-mineral, têxtil, alimentar, de
construção civil, comércio e serviços, manteve-se praticamente inalterada a estrutura produtiva do setor
primário, cujas características principais continuam sendo a monocultura, o baixo padrão tecnológico e a
elevada concentração fundiária.
Por essas características internas e pelas mudanças de caráter macroestruturais, é de se indagar i)
se o mercado de trabalho sergipano também refletiu o processo de desestruturação verificado para o País,
no período em estudo, e; ii) quais as principais características dessas mudanças e como se relaciona com a
pobreza. Tal investigação torna-se necessária dado que o mercado de trabalho apresenta-se como “um
importante mecanismo de transmissão que relaciona desempenho econômico com a pobreza”
(FIGUEIREDO; LACHAUD; RODGERS, 1995 - tradução nossa13
).
Os tópicos 1.2 a 1.44 trazem elementos empíricos que permitam responder a tais
questionamentos.
1.2 Desocupação e terciarização
Os movimentos de expansão ou de retração da renda estão relacionados com a dinâmica
econômica ao longo do tempo. Mesmo considerando alguma defasagem temporal, ou ainda sob a
influência de desigualdade sócio-econômica, é de esperar que em períodos de crescimento haja melhoria
na renda. Isto pode ocorrer diretamente, via aumento da capacidade de incorporar trabalhadores ao
mercado ou através dos ganhos relativos aos salários recebidos; ou indiretamente, pela geração tributos e
reforço à capacidade de investimento. Em períodos de diminuição da atividade econômica os reflexos
imediatos na renda decorrem da redução do nível de emprego e de piora na remuneração recebida.
Admitindo o mercado de trabalho como dimensão interveniente entre a dinâmica econômica e o
alívio da pobreza, este tópico investiga em Sergipe duas características já identificadas no processo de
desestruturação do mercado de trabalho brasileiro e nordestino, quais sejam: aumento do nível de
desocupação e expansão das ocupações no setor terciário.
A evolução temporal da falta de capacidade de absorção da mão-de-obra pelo mercado de
trabalho está representada na Figura 3 , que contém estimativas da taxa de desocupação - definida como a
proporção da População Economicamente Ativa (PEA)14
que está desocupada15
. A trajetória apresentada
12
Valores de janeiro de 2002, corrigidos pelo INPC. 13
“[...] it is clear that the labour market is an important transmission mechanism which links overall economic performance to
poverty” (FIGUEIREDO; LACHAUD; RODGERS, 1995, p. 12). 14
Define-se a PEA como a população com 10 anos ou mais, ocupada ou desocupadas na semana de referência. 15
A população desocupada é formada pelas pessoas com 10 anos ou mais de idade, sem trabalho que tomaram alguma
providência efetiva de procura de trabalho na semana de referência.
9
indica que, entre 1985 e 2005, foi crescente a dificuldade do mercado de trabalho sergipano em absorver
trabalhadores. Vale ressalvar que mudanças metodológicas na forma de captação da condição de
atividade e ocupação, principalmente entre os anos 1980 e o início dos anos 199016
, poderiam introduzir
distorções comparativas entre os indicadores de desocupação. No entanto, mesmo a partir de 1992,
quando se mantém a forma de captação da informação, a taxa de desocupação apresentou crescimento,
passando de 6,9% para 12,7%.
Na explicação do baixo nível de desocupação em 1985 (2,9%)17
, não obstante os efeitos da seca
que se prolongaram desde o início da década, evidentemente que deve ser considerada a influência da
forma de captação da informação, mas é necessário também considerar os reflexos tanto dos
investimentos em industrialização, expansão habitacional e infra-estrutura na zona urbana.
Na zona rural sergipana, devem ser mencionadas as ações públicas do
POLONORDESTE/SUDENE na ocupação da mão-de-obra para a construção de açudes, como também a
implantação do Projeto Chapéu de Couro e Projeto Campo Verde, que a partir de 1985 passaram a
financiar o pequeno produtor rural. As intervenções governamentais estaduais tiveram como veículo
órgãos como a Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos de Sergipe – COHIDRO e Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural de Sergipe – EMATER-SE, mas também se apoiaram nas
prefeituras municipais para conduzir ações como o Projeto Califórnia, para irrigação de áreas sertanejas
afetadas pela seca perene e beneficiar 260 lotes familiares; o Projeto Piauí, no sul sergipano, atendendo a
423 propriedades familiares; Projeto Jabiberi, na divisa com a Bahia, favorecendo mais 98 lotes
familiares; Projeto Jacarecica, na área de Itabaiana, parte central do Estado, irrigando 252 hectares;
Projeto Amargosa, atingindo 20 lotes familiares, na parte sudoeste (PINTO, 1999).
A segunda característica do processo de desestruturação do mercado de trabalho que se deseja
constatar em Sergipe é o avanço das ocupações no setor terciário. Longe de funcionar como um
depositário residual do emprego, o setor terciário avança absorvendo trabalhadores com pouca
qualificação, principalmente em momentos de crise, mas também é impulsionado pela crescente demanda
por serviços sociais, governamentais e pessoais (CACCIAMALI, 1998). No entanto, dadas as debilidades
do setor primário sergipano, bem como as flutuações e a pouca diversificação das atividades produtivas
industriais, torna-se factível supor que o crescimento das ocupações terciárias resulte, em boa medida, de
estratégias ou formas alternativas de enfrentar o desemprego.
Observe-se, nesse sentido, que a proporção dos empregados no terciário passou de 38,5% para
53,1%, entre 1985 e 2005. A contrapartida dessa expansão foi a diminuição relativa do setor primário,
16
Cacciamali (1988) alerta para o equívoco de se considerar como ocupados aquelas pessoas que participavam das frentes de
trabalho, nas PNAD de 1981, 1982 e 1983, resultando na sobrestimativa da PEA ocupada. 17
A título de comparação, as estimativas realizadas por Cacciamali (1988), indicam que a taxa de desemprego aberto urbano
para o Nordeste foi de 4,63%, em 1985. Já Cardoso Jr.(2001) estima que a taxa de desemprego para o Brasil, em 1985, foi de
2,3%, enquanto o nível de desocupação, 1,82%.
42,4 40,636,5 35,1 35,3 34,5 35,6
28,025,1 24,1 26,2
17,216,6
17,814,6 12,9 13,4 12,8
13,715,8 16,0
15,4
38,5 41,1 44,248,7 50,0 50,8 50,4
57,154,2 54,7 53,1
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Dis
trib
uiçã
o se
otir
al d
os o
cupa
dos
(%)
Outras
Terciário
Secundário
Primário
Fonte: IBGE, PNAD vários anos
2,9
6,6
3,8
6,9 6,8
6,0
8,9
11,6
9,0
10,5
12,7
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Taxa
de
des
ocu
paç
ão (%
)
Fonte: IBGE, PNAD, vários anos
Figura 3: Taxa de desocupação em Sergipe, 1985
a 2005
Figura 4: Distribuição setorial dos ocupados na
atividade principal, em Sergipe, 1985 a 2005
10
passando de 42,4% para 26,2%, enquanto que o setor industrial oscilou entre 12% e 17% do total de
ocupados, nesses vinte anos.
1.3 Informalidade e precarização
A expansão do setor informal representa importante indicativo do processo de desestruturação
do mercado de trabalho brasileiro, nas décadas de 80 e 90. Dois elementos principais caracterizam esse
movimento: redução do trabalho assalariado frente à expansão das atividades por conta própria e aumento
das ocupações sem registro em carteira.
Estes elementos - o trabalho autônomo e as atividades sem registro em carteira – relacionam-se
com a pobreza na medida em que, no primeiro caso, a subpopulação que geralmente acorre à auto-
ocupação o faz como forma de resistir às dificuldades geradas pela falta de emprego e possui tipicamente
pouca disponibilidade de capital financeiro, baixos níveis educacionais e de produtividade
(CACCIAMALI, 2002). No segundo caso, o avanço das ocupações sem registro em carteira implica não
apenas menores níveis de remuneração, mas também destituição de amparo trabalhista e maior
vulnerabilidade do trabalhador (POCHMANN, 2001).
Em que pese a influência da crise do mercado de trabalho brasileiro, dos anos 90, sobre o
mercado sergipano, não se pode concluir, a partir das estimativas abaixo, que houve redução continuada
do trabalho assalariado, com exceção apenas dos anos 90, onde se registrou o menor nível de
assalariamento, 50,9%, tendo se recuperado nos anos seguintes e registrando pouco mais de 58% dos
ocupados, em 2005.
No que se refere ao trabalho por conta própria, também não é identificável qualquer
comportamento que sugira intensa redução relativa. Inclusive no período da crise dos anos 90, onde seria
de esperar algum aumento das atividades autônomas, o trabalho por conta própria alcançou os menores
níveis da série histórica considerada, flutuando 23% e menos de 27%, e nos anos seguinte manteve-se
entre 25% e 27%.
Na categoria dos empregadores, por sua vez, as maiores participações são notadas justamente na
década de 90, quando, em 1997, 4,5% dos ocupados eram empregadores. Essa participação sofreu
redução nos anos seguintes, chegando em 2005 com a mesma participação relativa que em 1985, 1,6%.
A qualidade da ocupação está também relacionada com a cobertura legal do trabalho. Observe-
se na Figura 6 que, entre 199218
e 2005, houve redução das ocupações assalariadas não-formais, caindo de
18
Por decorrência de mudanças metodológicas nos quesitos das PNAD dos anos 80 e 90, os dados a seguir trazem informações
a partir de 1992 e classifica os assalariados como: assalariados com carteira, sem carteira e do setor público.
55,4
59,1 59,0 58,4
53,4 52,850,9
57,155,3
58,5 58,3
30,0 29,628,4
23,325,2 24,7
26,6 26,8 27,4 27,225,0
1,6 1,6 2,23,6
2,34,5
3,2 2,7 2,7 2,4 1,6
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Dis
triu
ição
do
s o
cup
ados Assalariados
Conta própria
Empregadores
Fonte: IBGE, PNAD vários anos
35,7
39,4 38,640,3
42,9
39,2 39,942,0
51,9
49,247,7 47,3
42,3 45,844,3 44,0
12,411,4
13,712,4
14,8 15,1 15,814,0
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Dis
triu
ição
do
s as
sala
riad
os
Com carteira
Sem carteira
Setor público
Fonte: IBGE, PNAD vários anos
Figura 5: Distribuição percentual dos ocupados
por posição na ocupação
em Sergipe, 1985 a 2005
(população de 10 anos e mais)
Figura 6: Distribuição percentual dos
trabalhadores assalariados com e sem carteira e
empregado público em Sergipe, 1985 a 2005
(população de 10 anos e mais) em Sergipe, 1985
a 2005 (população de 10 anos e mais)
11
51,9% para 44%, ao mesmo tempo em que o trabalho formal apresentou aumento relativo de 35,7% para
42%. As ocupações no setor público, exercidas pelos funcionários públicos estatutários e militares,
também apresentaram crescimento nesse período, passando de 12,4% para 14% do total de assalariados.
Embora seja de reconhecer a influência positiva do avanço das ocupações formais no nível de renda e,
por conseguinte, na redução da pobreza, não se pode desprezar o fato de que o assalariamento não-formal,
que se manteve, com exceção apenas de 2001, sempre em patamares superiores ao formal, pode também
agir depreciando da renda do trabalho. Dada essa situação, investiga-se no próximo tópico o
comportamento da renda do trabalho principal e qual sua possível influência na renda per capita e na
pobreza de Sergipe.
Por enquanto, tal como feito na parte anterior, deve-se construir indicadores que representem a
qualidade média do posto de trabalho de tal forma que seja utilizado no modelo de decomposição. Para
tanto, foram estimadas a qualificação média do trabalhador, medida em anos de estudo, a renda do
trabalho por ocupado e a qualidade do posto de trabalho, que é a remuneração por ano de estudo.
1.4 Renda por setores de atividade e condição na ocupação
A pobreza é influenciada não apenas pela atividade no qual se insere o trabalhador, dadas as
características setoriais e da condição da ocupação, mas também pela renda auferida. Se, de um lado, o
aumento na utilização e a forma como é empregada a força de trabalho adulta reduz as chances, por
exemplo, de uma família ser classificada como pobre - devido tanto ao maior aporte de recursos como
também pela melhoria na capacidade de resposta em ocasiões de desocupação de algum de sues membros
- por outro, melhorias reais e de longo prazo na renda, ainda que o trabalhador esteja inserido em setores
de menores rendimentos, podem viabilizar investimentos em qualificação técnica e educacional do
próprio trabalhador, conduzindo a alguma mobilidade sócio-ocupacional e decorrente diminuição da
pobreza.
Em Sergipe, como foi visto, há crescente dificuldade de absorção da mão-de-obra pelo mercado
de trabalho. Frente às debilidades do setor primário, à pouca diversidade industrial e ao baixo dinamismo
econômico, restringe-se ao setor terciário a possibilidade de acesso a alguma ocupação, ainda que
autônoma ou assalariada sem registro em carteira.
O que se pode antever com base nesse quadro é, decerto, um processo de depreciação da renda
do trabalho, embora diferencial segundo algumas categorias. Constate-se inicialmente na Figura 7 que a
renda do trabalho em 2005 é basicamente a mesma que a percebida em 1985, R$ 361,06 e R$ 366,12,
respectivamente19
.
Vale a ressalva quanto a possíveis distorções originadas no procedimento de atualização dos
valores (base janeiro de 2002), uma vez que, entre 1985 e 2005, houve mudanças nominais na moeda,
acompanhadas de intensas flutuações da inflação. Ainda assim, observe-se que entre 1995 e 2005, período
sem alteração de moeda e com certa estabilidade inflacionária, a renda do trabalho pouco se modificou,
situando-se, inclusive flutuando entre R$ 348,305 e R$ 416,38. Pelo que se pode também estimar que, em
2005, a renda do trabalho seja inferior à de 1995, R$ 366,12 e R$ 379,22, respectivamente.
Entre os setores produtivos, chama atenção que apenas o primário tenha apresentado, em 2005,
renda média de R$ 202,69, valor que é ligeiramente superior àquele estimado para 1985, R$ 192,49.
Considerando o período que se segue à implantação do Plano Real, é de notar a depreciação até o final
década de 90 e início dos anos 2000, tendo alcançado o menor nível em 2001, cerca de R$ 155,00.
A remuneração média do setor industrial também seguiu tendência de queda, uma vez que em
1985 seu valor médio era de R$ 462,78 e chegou a R$ 328,08, em 2005. Pelo que se depreende das
estimativas acima, a renda do trabalho nesse setor iniciou os anos 2000 com graves dificuldades,
alcançando em 2003 o menor valor de toda a série temporal aqui analisada.
19
Esses valores correspondem à renda média da ocupação principal declarada. Para manter a comparabilidade entre as
estimativas, uma vez que nas PNAD de 1985 e 1988 não constam informações de renda nula, foram excluídos dos cálculos da
renda do trabalho aqueles ocupados com rendimento zero.
12
No setor terciário, mesmo remunerando menos em 2005 que em 1985, R$ 402,90 e R$ 422,86,
respectivamente, é de notar certa estabilidade no valor da renda, em torno dos R$ 400,00. Vale destacar
também que a partir de 2001, a renda média desse setor é superior àquela paga pela indústria sergipana,
não obstante o rápido avanço que data dessa época das atividades de prospecção de petróleo e gás natural,
bem como a extração de minérios.
O comportamento da renda segundo posição na ocupação20
também traz outras informações
igualmente importantes para entender a redução da pobreza em Sergipe. Entre os assalariados21
, que
representam sempre mais de 50% dos ocupados, a renda do trabalho variou entre R$ 340,00 e R$ 360,00,
com exceção apenas de 1992 e 1997 (Veja na Figura 8). Esse comportamento, relativamente estável ao
longo do tempo, é dissonante com a redução da pobreza.
Dentre os assalariados, é visível a diferença entre os rendimentos auferidos pelos funcionários
públicos, os empregados com carteira assinada e os sem carteira. Em todos os anos considerados, a renda
dos funcionários públicos sempre foi três vezes e meia maior que a dos empregados sem carteira, chegado
a mais de cinco vezes em 1999 e quatro vezes em 2005. Essas duas categorias são também distintas
quanto à absorção de trabalhadores: enquanto o emprego público, com melhores rendimentos, envolve
apenas 14% dos ocupados, em 2005, os trabalhadores sem carteira são 44%. Desta forma, mesmo com o
expressivo ganho na renda dos funcionários públicos, que passou de R$ 570,09 para R$ 789,17, entre
1985 e 2005, é pouco provável que a redução da pobreza tenha refletido esse avanço.
A distância entre os empregados com e sem cobertura legal do trabalho, embora seja menor
relativamente aos funcionários públicos, é também pronunciada e se mantém quase sempre duas vezes
maior em favor dos trabalhadores formais. Nessas duas categorias é também visível a estabilidade na
renda do trabalho, mas distintamente do que se constatou com o emprego público, os avanços foram ainda
mais tímidos. A renda dos empregados sem carteira aumentou de R$ 150,01 para R$ 194,63, enquanto
que dentre os empregados formais o crescimento foi de R$ 352,61 para R$ 398,65. Nesse caso, dada sua
representatividade entre os ocupados, cerca de 50%, em 2005, é defensável a existência de algum efeito
positivo na redução da pobreza.
A renda dos trabalhadores por conta própria, que passaram a representar 25% em 2005, quando
em 1985 eram 30%, não apresenta comportamento que deva ser considerado de redução, mas sim de
estabilidade. Já com os empregadores, que representam em 2005 menos de 2% dos ocupados, a renda
20
Considera as pessoas ocupadas com rendimento positivo e declarado. 21
Compõem esse grupo os empregados com ou sem carteira de trabalho assinada e os funcionários públicos (funcionário
público estatutário ou militar).
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Primário 192,49 203,50 223,10 211,86 222,88 216,75 172,42 154,99 181,54 176,61 202,69
Secundário 462,78 538,13 442,28 333,50 494,89 452,24 481,83 423,42 275,65 363,17 348,12
Terciário 422,86 392,73 354,35 336,66 399,73 469,01 416,13 403,85 393,15 398,43 402,90
Renda do trabalho 361,06 361,52 345,71 309,21 379,22 416,38 371,72 368,37 348,30 370,43 366,12
0,00
100,00
200,00
300,00
400,00
500,00
600,00
Re
nd
a d
o t
rab
alh
o (R
$) ja
ne
iro
/200
2=10
0
Fonte: IBGE, PNAD vários anos
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Assalariado 367,27 348,53 326,42 274,00 351,19 381,87 347,77 356,74 335,27 363,73 363,62
Empregado com carteira 352,61 445,87 475,59 429,26 397,91 360,65 436,38 398,65
Empregado sem carteira 150,01 184,96 185,55 154,15 193,03 188,86 174,20 194,63
Funcionário público 570,09 766,92 826,04 821,52 706,74 717,03 711,93 789,17
Conta própria 291,47 295,18 290,03 296,59 318,23 357,33 286,69 282,54 283,98 299,58 300,52
Empregador 1.428,7 2.050,2 1.578,8 962,26 2.035,4 1.132,6 1.383,9 1.453,6 1.225,7 1.343,6 1.502,3
-
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Fonte: IBGE, PNAD vários anos
Figura 7: Renda do trabalho segundo setores de
atividade em Sergipe, 1985 a 2005 (Valores de
janeiro de 2002)
em Sergipe, 1985 a 2005
(população de 10 anos e mais)
Figura 8: Renda do trabalho segundo condição
da ocupação em Sergipe, 1985 a 2005 (Valores
de janeiro de 2002) em Sergipe, 1985 a 2005
(população de 10 anos e mais)
13
sugere variações positivas, principalmente no pós-Real, tendo apresentado em 2005 valor médio de R$
1.502,30 e em 1985, R$ 1.428,70.
As vertentes do processo de desestruturação do mercado de trabalho sergipano, acima descritas,
parecem não corroborar o comportamento da pobreza em Sergipe. A redução na renda do trabalho,
associada com a crescente taxa de desocupação e predominância das ocupações assalariadas não-formais
contrastam, em certa medida, com o alívio significativo e constante da pobreza como insuficiência de
renda em Sergipe, nesses vinte anos.
1.5 Aposentadorias e pensões
Conforme estabelecido na parte inicial deste artigo, a renda foi classifica segundo três fontes
principais: trabalho; aposentadorias e pensões22
; ativos, doações e outras rendas, inclusive programas
sociais23
.
As rendas originadas de aposentadorias e pensões diferenciam daquelas originadas de programas
sociais não apenas pela vigência de longo prazo, mas também pelo maior impacto econômico que é
gerado pelo valor da prestação24
. Em áreas de profunda estagnação econômica, de que servem de exemplo
o Semi-árido nordestino e como se verá, grande parte dos municípios sergipanos, os benefícios
previdenciários contribuem para o atendimento das necessidades econômicas básicas dessas populações,
movimentando as economias locais25
seja viabilizando algum tipo de crédito ou mesmo servindo como
seguro financeiro para os períodos de quebra ou entressafra26
(BRASIL, 2001).
O comportamento quanto à cobertura e valor das prestações pagas através de aposentadorias e
pensões em Sergipe será avaliado a seguir. A Figura 9 ilustra o crescimento da cobertura das
aposentadorias e pensões pagas entre 1985 e 2005. Chamam atenção dois aspectos principais. O primeiro
é o reflexo da universalização das aposentadorias rurais advinda com Constituição Federal de 1988, fato
que deve ser considerado para explicar o rápido crescimento do número de beneficiários entre o final dos
anos 1980 e início da década seguinte, passando de aproximadamente 78 mil para mais 95 mil. A
expansão das aposentadorias foi considerável nos anos seguintes, chegando a quase 170 mil pessoas, em
2005.
Os beneficiários de pensões, embora em número inferior, também apresentaram dinâmica
distinta a partir dos anos 1990: ante a redução, entre 1985 e 1988, de 19,5 para 15,4 mil beneficiários,
expandiu nos anos seguintes até chegarem a quase 49 mil beneficiários, em 2005. Tal comportamento é
também observado entre aquelas pessoas que recebem tanto aposentadorias quanto pensões. Cresceram de
2,4 mil pessoas para 12,5 mil, entre 1985 e 2005.
22
A Constituição Brasileira de 1988, ao definir no artigo 194, que o sistema de seguridade do País é composto pela saúde,
assistência e previdência sociais, impõe tanto a universalidade da cobertura e do atendimento, com também a uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. A Lei 8213, de julho de 1991, garantiu o benefício de
aposentadoria ao trabalhador rural que completar 60 anos, se homem, ou 55, se mulher, desde que comprove atividade rural
mesmo que descontínua. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, e o Estatuto do Idoso, de 2003, asseguraram
aposentadoria aos idosos a partir de 65 anos, desde que não possuam meios para subsistência. (BRASIL, 1988; 1991; 1993;
2003). 23
Os programas de transferência de renda tiveram início em 2001 com o Bolsa Escola. Desde então, cresceram
exponencialmente, tanto em natureza quanto em cobertura e valores pagos. Os mais conhecidos são: Auxílio-gás, Benefício de
Prestação Continuada, Bolsa-alimentação, escola, família, qualificação, renda, cartão alimentação, garantia safra, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, etc. Acrescente-se ainda o Seguro-desemprego, Abono Salarial PIS/PASEP. 24
A Previdência social calcula que para cada prestação paga há o benefício de 3,5 pessoas, ou seja, o próprio beneficiário e
mais 2,5 pessoas do seu entorno (BRASIL, 2001) 25
Em 2001, a soma de todos os recursos pagos na região semi-árida nordestina foi 2,5 vezes maior que o Fundo de
Participação (FPM) dos respectivos municípios. Em Sergipe, os 45,3 mil benefícios pagos na região semi-árida somam em
junho de 2001 cerca de R$ 8,75, valor que também supera o FPM dos municípios dessa área em 1,8 vez (BRASIL, 2001). 26
Um rico histórico sobre a seguridade social brasileira pode ser encontrada em Schwarzer e Querino (2002)
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Aposentadorias 78.031 77.485 95.698 104.334 114.647 117.991 134.875 127.550 155.775 146.558 169.461
Pensão 19.515 15.392 21.269 28.926 30.867 27.853 33.474 32.996 46.041 46.511 48.884
Aposentadoria e pensão 2.389 1.592 840 3.575 5.355 4.694 5.738 6.122 10.778 11.044 12.555
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
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1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Aposentadorias 207,21 230,12 267,54 441,82 374,08 336,32 467,15 378,69 395,98 409,85 396,98
Pensão 264,62 158,62 160,76 299,91 222,30 322,57 333,43 307,01 355,51 386,98 384,57
Aposentadoria e pensão 773,30 557,86 338,74 490,15 616,78 356,52 698,69 586,79 796,75 1.149,18 699,12
0,00
200,00
400,00
600,00
800,00
1000,00
1200,00
1400,00
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14
O segundo aspecto a ser mencionado diz respeito ao volume total de pessoas beneficiadas: 218,3
mil pessoas recebiam benefícios de aposentadoria ou pensão, em 2005. Tal população, nesse mesmo ano,
era próxima ao total de assalariados com carteira, 220 mil pessoas, e assalariados sem carteira, 231 mil
pessoas.
Ao incorporar pessoas, que certamente padeceriam de severas limitações em obter renda
suficiente para superar a condição de pobreza, seja por conta do aumento da taxa de desocupação ou pela
redução da renda do trabalho, o sistema previdenciário contribui sobremaneira para a redução da pobreza
em Sergipe.
Outro fator igualmente importante na redução da pobreza foi, por sua vez, o aumento expressivo
do valor dos benefícios. Enquanto a renda dos assalariados manteve-se em cerca de R$ 360,00, o valor
médio das aposentadorias passou de R$ 207,21 para R$ 396,98, entre 1985 e 2005. Vale destacar, nesse
sentido, que os valores médios das aposentadorias mantiveram-se, em quase todo o período, mais
apreciados – quase o dobro – que a renda auferida pelos assalariados sem carteira e equivalente à renda
dos trabalhadores formais. Em 2005, por exemplo, a renda da aposentadoria era, em média, R$ 396,98,
enquanto que os trabalhadores não-formais recebiam R$ 194,63 e os formais, R$ 398,65.
Ainda sob a rubrica das transferências, seria de considerar o efeito dos programas sociais sobre a
renda e pobreza, principalmente a partir dos anos 2000.
Os programas sociais no Brasil ganharam importância recentemente a partir do governo de
Fernando Henrique Cardoso, com o lançamento do Programa Bolsa Escola, ao que se seguiram Bolsa
alimentação e Auxílio Gás27
, em 2001. Em 2003, o Governo Lula unificou esses três programas
juntamente com o Cartão alimentação28
originando Programa Bolsa Família, destinado a renda das
famílias cujos rendimentos médios mensais não fossem superior a R$ 100,00. Para as famílias com renda
até R$ 50,00, seria concedido um benefício fixo de mais R$ 50,00, acrescendo-se outros R$ 15,00
variáveis de acordo com o número máximo de três filhos desde que menores de 16 anos. Para as famílias
com renda entre R$ 50,00 e R$ 100,00 seria pago um benefício variável de R$ 15,00 para até três filhos
com idade até 15 anos.
Em setembro de 2003, os dados oficiais davam conta que o Bolsa-Família beneficiava mais de
3,6 milhões de famílias brasileiras, tendo ultrapassado, em junho de 2008, o número de 11 milhões de
famílias29
. Em Sergipe, essas informações indicam que 186.531 famílias tiveram o benefício liberado em
27
Programa de transferência de renda a famílias carentes com vistas ao combate à evasão escolar e o trabalho infantil. O
público-alvo eram crianças de 7 a 14 anos com renda familiar mensal inferior a R$ 90,00 e previa o pagamento R$ 15,00 a até
3 beneficiários, durante 3 anos. A Bolsa Alimentação visava ao combate da mortalidade infantil e desnutrição. Tinha com
público-alvo as crianças com idade inferior a 6 anos e previa o pagamento R$ 15,00 a até 3 beneficiários, durante 3 anos. O
Auxílio-gás consistia no pagamento de R$ 15,00 bimestralmente a famílias de baixa renda e destinava-se a compensar o
aumento no preço do gás de cozinha devido a abertura do mercado (BRASIL, 2004). 28
Programa criado em junho de 2003 e destinado a famílias carentes, com renda mensal per capita inferior a meio salário
mínimo, em situação de insegurança alimentar. Previa a concessão de benefícios no valor de R$ 50,00. 29
O parâmetro atual para obtenção do benefício é renda familiar mensal per capita inferior a R$ 120,00.
Figura 9: Número de beneficiários de
aposentadoria, pensão e ambos os
benefícios em Sergipe, 1985 a 2005
em Sergipe, 1985 a 2005 (população de 10 anos e
mais)
Figura 10: Valor declarado médio recebido e
aposentadoria, pensão e ambos os benefícios
em Sergipe, 1985 a 2005 (Valores de janeiro de
2002)
15
junho de 2008, fato que implicou na injeção de R$ 15,86 milhões na economia do estado30
(BRASIL,
2004; 2008). Para ilustrar a magnitude do programa, pode-se dizer que este montante seria equivalente ao
efeito da geração de 38 mil empregos com remuneração de 1 salário mínimo vigente em julho de 2008
(R$ 415,00)31
.
No entanto, a PNAD não traz informação exclusiva sobre o valor da renda originada de
programas sociais. Apenas na pesquisa de 2004, através da variável “Juros de caderneta de poupança e de
outras aplicações” foi inquirido se em setembro de 2004, havia recebimento de programa oficial de
auxílio educacional (bolsa-escola) ou social (renda mínima, bolsa-família, benefício assistencial de
prestação continuada – BPC e LOAS e outros) IBGE (2004, p. 51). Por conta de tal limitação, não é
possível estimar com maior segurança, tal como foi feito com a renda do trabalho, de aposentadorias e
pensões, o efeito das rendas de programas sociais sobre a renda.
1.6 Rendas de ativos e doações
A terceira fonte de renda tem origem nas doações, ativos (juros de caderneta, aplicações,
dividendos) e aluguéis. Mais relacionada com a pobreza está a informação sobre o recebimento de
doações, uma vez que é presumível que as rendas de ativos e de alugueis sejam incomuns na população
com insuficiência de renda. Desta forma, será dada atenção especial às informações sobre doação, que
está disponibilizada a partir de 1992.
As doações, consideradas como rendimento mensal normalmente recebido de doação ou
mesada, sem contrapartida de serviços prestados, proveniente de não-morador do domicílio, que eram
percebidas por 11,3 mil pessoas em 1992, passaram para quase 35 mil em 2005. Os valores das doações,
por sua vez, oscilaram entre R$ 150 e R$ 107, mas em 2005 é menor que em 1992, R$ 114,25 e R$
150,40, respectivamente.
30 Esta estimativa para Sergipe foi calculada com base nas estimativas do Governo Federal para dos valores médios do
benefício, já incluído o aumento por recomposição da inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor. (Veja
em http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/noticias/novos-valores-dos-beneficios-do-bolsa-familia-comecam-a-ser-pagos-em-
julho).
31 Os dados da PNAD 2006 estimam a existência de 123.869 pessoas com idade entre 15 e 64 anos em condição de
desocupação.
1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Outras rendas 39,42 30,10 30,16 18,08 52,96 111,80 120,65 34,22 28,42 43,53 54,65
Doação 150,40 129,65 143,31 150,97 107,89 156,34 135,52 114,35
Aluguel 211,58 152,88 390,26 178,67 477,88 472,17 609,48 312,20 234,23 230,34 349,19
0,00
100,00
200,00
300,00
400,00
500,00
600,00
700,00
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1985 1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001 2003 2004 2005
Aluguel 6.889 10.615 4.199 16.902 9.449 7.512 14.989 11.223 15.676 11.371 13.215
Doação 11.375 13.229 12.833 27.416 25.506 39.183 25.771 34.689
Outras rendas 117.525 141.186 101.856 52.656 18.583 10.641 9.245 64.625 125.380 134.506 129.816
-
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
N. d
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s
16
No que se refere ao número de pessoas com renda de outras rendas, note que a forte inflexão
observada na década de 90 é reflexo confisco das aplicações em poupança quando da implantação do
Plano Collor.
2 ESTRUTURA POPULACIONAL E CICLO DE VIDA DAS FAMÍLIAS
No tópico anterior tratou-se de como mudanças de natureza econômica estiveram relacionadas
com o comportamento da pobreza. Investiga-se agora como mudanças na estrutura populacional,
caracterizada pelo aumento da população adulta e idosa, e no ciclo de vida das famílias - onde ganham
importância relativa as famílias em fase de desmembramento e ninho vazio - podem ter influenciado na
redução da pobreza em Sergipe, para o que colaboraram as melhorias na cobertura e de acesso às rendas
de aposentadorias.
2.1 Estrutura etária
O efeito combinado entre a intensa redução dos níveis de fecundidade e de mortalidade
verificados no Brasil, a partir dos anos 60, impôs modificações à estrutura etária do País. De um lado,
reduz-se a população de maior dependência econômica, formada pelos jovens, com idades inferiores a 15
anos e, de outro, aumentam tanto os estratos populacionais com idade entre 15 e 64 anos, portanto de
maior potencial de geração de renda através do trabalho, como também a população idosa, com
possibilidades de composição da renda originada do trabalho, aposentadorias e pensões32
.
Em todo esse processo de mudança na estrutura populacional brasileira, a fecundidade teve papel
fundamental. De acordo com Wong (2005), importa destacar a velocidade que tais mudanças ocorreram
no País, uma vez que em apenas 25 anos, entre 1965 e 1990, a Taxa de Fecundidade Total caiu de 6,2
para 2,7 filhos por mulher. Em países como Suécia e Inglaterra, segundo a autora, o tempo para que TFT
apresentasse redução com semelhante magnitude foi de seis décadas (entre 1870 e 1930).
No Nordeste brasileiro, o ritmo de queda da fecundidade levou ainda menos tempo que o Brasil
para se reduzir à metade: em apenas 15 anos (entre 1980 e 1995) passou de 6,1 para 3 filhos por mulher.
De fato, a estrutura populacional regional também passa por transformações importantes desde os anos
80. Conforme Martine; Carvalho; Arias (1994), entre os anos 1940 e 1970, a taxa de fecundidade total
(TFT) manteve-se em 7,8 filhos, sendo reduzida na década seguinte para pouco mais de 6 filhos por
mulher33
. Por outro lado, o ganho em expectativa de vida, que foi de 10 anos entre 1940 e 1970,
aumentou cerca de 6 anos somente na década de 80.
Mesmo não lançando mão de estimativas sobre fecundidade e mortalidade para períodos
anteriores aos anos 70, é possível deduzir que desde aquela década população sergipana também vem
passando por mudanças significativas nessas duas componentes demográficas. De um nível de
fecundidade estimado em 7,9 filhos, em 1965-70 (CAMARANO et al., 2000), chega-se em 1999-2004 a
2,5 filhos por mulher (DATASUS – IDB, 2006). A esperança de vida ao nascer em Sergipe também
estimada por Camarano et ali (2000) em 54,7 anos entre homens e 60,1 anos para as mulheres, em 1965,
passou em 2005 para 66,96 anos os homens e 73,74 anos para as mulheres, ou seja, um ganho de 7 e 14
anos, respectivamente (DATASUS, 2006).
32
Wong (2005) estima que entre 1975 e 2000 participação relativa da população com idade inferior aos 15 anos caiu de 93,3%
para 85% do total. Já entre os idosos, o peso relativo passou de 6,7% para 15%, no mesmo período. 33
A PNDS 2006 revelou que o nível de fecundidade tanto no Brasil quanto no Nordeste continuaram a cair desde então e,
atualmente, situam-se abaixo do nível de reposição. De acordo com essa pesquisa, a TFT do Brasil é estimada em 1,77 filhos e
a do Nordeste, ainda menor, 1,75 filhos por mulher (BRASIL, 2008).
Figura 11: Pessoas que receberam aluguel, doação e
outras rendas em Sergipe, 1985 a 2005
Figura 12: Pessoas que receberam aluguel,
doação e outras rendas em Sergipe,
1985 a 2005
17
A conformação populacional obtida mediante essas mudanças de natureza demográfica,
usualmente denominada de “janela de oportunidades” ou “bônus demográfico”, enseja uma série de
efeitos econômicos positivos para a sociedade, relacionados, por exemplo, com a redução da “carga
econômica” da dependência demográfica, com aumento da taxa de atividade das mulheres, ou ainda pela
possibilidade de redirecionamento dos gastos públicos para outros grupos etários, como os idosos (RIOS-
NETO, 2005; ALVES, 2004; MOREIRA, 2001).
Figura 13: Distribuição por idade e sexo - Sergipe, 1985 e 2005
No caso de Sergipe, são visíveis as modificações na estrutura etária populacional, caracterizada
pela diminuição relativa dos grupos abaixo dos 15 anos e aumento no intervalo entre 15 e 64 anos.
Observe-se na Figura 13 que, entre 1985 e 2005, ao mesmo tempo em que se estreitam os grupos etários
iniciais, aumentam a participação relativa das idades compreendidas entre 20 e 69 anos. Nesse período a
razão de dependência total34
foi reduzida à sua metade, caindo de 89,9% para 49,9%, influenciada
exclusivamente pela queda na Razão de Dependência dos jovens35
, que diminui de 80,5% para 40,4%. A
Razão de Dependência dos idosos36
sugeriu um tímido aumento, de 9,4% para 9,6%, no período, mas o
Índice de Envelhecimento37
indica que nesses vinte anos à população de idosos relativamente a de jovens
dobrou.
2.2 Ciclo de vida das famílias
Os estudos sobre pobreza devem considerar como unidade de análise preferencial a família ou o
domicílio, uma vez que o indivíduo quase sempre integra uma dessas unidades e, portanto, seu bem-estar
é influenciado pelas características de tais unidades. Nesse sentido, a incidência da pobreza é estimada a
partir de valores médios pressupondo que tanto os níveis de renda quanto de consumo individuais são
socializados entre os demais componentes da família ou domicílio.
A relação entre mudanças na estrutura das famílias brasileiras e a pobreza é objeto de estudo de
Pastore et al. (1983), que analisam o mercado de trabalho e remuneração utilizando uma tipologia de
famílias nos anos 70 e 80. O referido estudo definiu como pobre as famílias cujo rendimento médio
34
Razão de Dependência Total (RzDt) mede a carga econômica exercida pelas pessoas com idades abaixo de 15 e acima de
64 sobre a população com idade entre 15 e 64 anos. 35
Razão de Dependência dos Jovens (RzDj) é a relação percentual entre a população com idade inferior aos 15 anos e a
população entre 15 e 64 anos. 36
Razão de Dependência dos Idosos (RzDi) é a relação percentual entre a população com idade acima de 64 anos e a
população entre 15 e 64 anos. 37
Índice de Envelhecimento (IE) é a proporção entre a população acima de 64 anos e aquela abaixo dos 15 anos.
10,00 8,00 6,00 4,00 2,00 0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 10,00
0 a 4
5 a 9
10 a 14
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a 69
70 a 74
75 a 79
80 a 84
85 e mais
Homem - 1985Homem - 2005
Mulher - 1985Mulher - 2005
18
mensal fosse inferior a 1/4 do salário mínimo regional38
. Na parte dedicada à descrição das mudanças
estruturais, os autores chamam atenção para o processo que se intensifica a partir dos anos 70,
caracterizado pela redução do crescimento populacional, aumento da população idosa e economicamente
ativa.
No mercado de trabalho, os autores fazem referência às mudanças setoriais e geográficas,
sobretudo pelo aumento da mão-de-obra empregada no setor secundário e terciário vis-à-vis a redução da
população empregada no setor primário. Tais mudanças ocorrem acentuando o processo de urbanização,
com modificações importantes na estrutura interna das famílias. De acordo com suas estimativas, com
base nos Censos Demográficos de 1970 e 1980, o número de famílias com 7 membros ou mais passou de
25% para 16%, enquanto que as famílias pequenas, com dois ou menos componentes aumentaram sua
participação de 49% para 59%, no período.
Em termos econômicos, a redução do número de filhos reduz também a razão de dependência
nas famílias, o que as torna, segundo os autores, mais eficientes no trabalho e na remuneração. Quanto à
composição das famílias, apontam que para a tendência, ainda no início dos anos 80, de aumento das
“famílias quebradas”, principalmente as chefiadas por mulher, bem como o aumento da participação
relativa de casais jovens, mas com a tendência de nuclearização (pai e mãe) sem filhos. Em síntese, as
mudanças observadas nas famílias brasileiras constituem, segundo os autores, estratégias para reduzir a
“pressão econômica” ou “aliviar a situação social do domicílio” (PASTORE et al., p. 1-13).
A redução do tamanho médio das famílias no Nordeste é principalmente resultante do rápido
processo de redução da fecundidade. De acordo com Wong (2000, p. 110), o processo de transição da
fecundidade no Nordeste pode ser localizado no final dos anos 70 e significou, em 20 anos, uma redução
de 50% no nível de fecundidade, com a TFT caindo de 6,1 filhos por mulher, em 1980, para 2,8 filhos por
mulher, em 1996. Como fatores explicativos desse comportamento, Wong menciona os avanços na
educação, melhoria no acesso aos meios de comunicação de massa e a adoção de valores que propiciaram
um menor número de filhos.
Em Sergipe, conforme visto, também houve queda significativa no nível de fecundidade. O
resultado direto dessa mudança no comportamento reprodutivo é, sem dúvida, a redução no número
médio de pessoas por família, caindo de 4,5 pessoas para 3,2 pessoas, entre 1985 e 2005.
Considerando a distribuição das famílias por número de componentes, nota-se que, nesse
período, a principal mudança foi o aumento da participação relativa das famílias com menos de quatro
pessoas. Em 2005, quase 50% das famílias possuíam dois ou três componentes, enquanto que em 1985
menos de 36% das famílias tinham essa extensão. Por outro lado, as famílias com 5 a 7 componentes
representavam, em 1985, quase 29% do total, enquanto que em 2005 a participação era de 17,6%. (Veja
Figura 14)
38
Vale lembrar que nos anos 70 o valor do salário mínimo era diferencial por regiões brasileiras.
6,42
16,20
19,72
15,43
12,93
7,74
8,03
5,043,53 4,96
12,06
24,7724,71
19,28
10,21
5,27
2,12
1,03 0,22 0,330,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 e mais
% d
o T
ota
l de
fam
ília
s
Número de Pessoas
1985
2005
19
Figura 14: Número médio de pessoas por família em Sergipe, 1985 e 2005
Para avaliar de forma mais refinada como o alívio da pobreza em Sergipe pode ter sido
impulsionado por mudanças no ciclo de vida das famílias deve-se classificar essas famílias segundo tais
fases.
A construção de uma tipologia de famílias segundo sua fase consiste em uma opção
metodológica para compreender as transformações pelas quais passa tal grupo de pessoas desde a sua
formação, consolidação, estabilização e desmembramento, até sua etapa final que é a do ninho vazio.
Embora seja patente a existência de estágios que se sucedem ao longo da existência das famílias, a
bibliografia utilizada neste artigo não apresentou uma classificação que fosse isenta de subjetividade.
Arriagada (1997, p. 20) propõe uma tipologia que classifique as famílias segundo a idade da
mãe e a idade do filho mais velho. De acordo com a autora, considera-se como limite etário a idade
materna de 35 anos uma vez que é nessa altura de sua vida que, em média, as mulheres têm o seu último
filho. No que se refere à idade do filho mais velho, sugere utilizar aquelas idades que marque a passagem
de um ciclo educativo para outro, bem como a transição da condição de dependente para a de gerador de
renda ao domicílio através de sua inserção no mercado de trabalho.
Uma tipologia relativamente próxima a esta é sugerida por Barahona (2006, 20-1) e considera na
definição dos ciclos não apenas a idade da mãe e do filho mais velho, mas também a do filho mais novo.
O critério aqui adotado está baseado na proposta da Barahona.
As etapas do ciclo de vida familiar são, portanto, assim definas:
i) Casal jovem sem filhos: Núcleo conjugal sem filhos, com ou não presença de outros parentes do
chefe da família, onde a mulher (chefe ou cônjuge) tem idade inferior a quarenta anos;
ii) Etapa I – Início da família: Família com núcleo conjugal completo ou incompleto, com um ou
mais filhos com idade menor que cinco anos e com presença ou não de outros parentes do chefe da
família;
iii) Etapa II – Expansão ou crescimento da família: Família com núcleo conjugal completo ou
incompleto, com um ou mais filhos com idade entre seis e doze anos ou com o filho mais novo
com idade até cinco anos e o mais velho com idade entre seis e doze anos, com presença ou não de
outros parentes do chefe da família;
iv) Etapa III – Consolidação da família: Família com núcleo conjugal completo ou incompleto, com
um ou mais filhos com idade entre treze e dezoito anos, e com presença ou não de outros parentes
do chefe da família;
v) Etapa IV – Desmembramento da família: Família com núcleo conjugal completo ou incompleto,
com um ou mais filhos com idade igual ou superior a dezenove anos e com presença ou não de
outros parentes do chefe da família;
vi) Etapa do ninho vazio – Núcleo conjugal sem filhos, com ou não presença de outros parentes do
chefe da família, onde a mulher (chefe ou cônjuge) tem idade igual ou superior a quarenta anos;
vii) Arranjos não-familiares: formados por unipessoais e sem núcleo conjugal
Com base nessa tipologia, ainda que sob ressalvas quanto ao grau de arbitrariedade contido nas
definições, pretende-se observar como mudanças no ciclo de vida favoreceram o alívio da pobreza em
Sergipe. A idéia subjacente é que, por exemplo, as famílias em fases iniciais apresentem maiores níveis
de vulnerabilidade, relacionados tanto com a inserção no mercado de trabalho, como também renda e
acúmulo de bens. Na outra extremidade, as famílias nas etapas finais de seu ciclo podem usufruir tanto da
renda do trabalho quanto a de aposentadorias e ativos (juros e aluguéis). Desta forma, é possível esperar
que o aumento relativo das famílias nas fases finais, tendo como contrapartida a redução nas etapas
iniciais, contribua positivamente para o aumento da renda e, por conseguinte, alívio da pobreza.
20
Este é o comportamento sugerido pela Tabela 3, que contém informações sobre a distribuição
das famílias segundo as etapas ou ciclo de vida39
. Note-se que os casais jovens sem filho aumentam sua
participação relativa, passando de 5,16% para 8,38% do total de famílias, enquanto que nas fases cuja
idade de algum dos filhos é menor que 18 anos, houve redução: o peso relativo das famílias em fase de
início, marcada pelo nascimento do primeiro filho, reduziu de pouco mais de 22% para menos de 17%; na
fase de expansão, a diminuição foi de cerca de 20% para quase menos de 18% e na etapa de consolidação,
de 18,6% para 17,4%.
Nas fases finais do ciclo de vida, as famílias em fase de desmembramento, caracterizadas pela
presença de filho com idade superior aos 18 anos, passaram a representar, em 2005, pouco mais de 30%
do total de famílias, contra 26% em 1985. As famílias classificadas como “ninho vazio”, compostas por
casais maiores e sem filho, eram 7% em 1985 e passaram são 9%, em 2005.
Há de considerar, ainda no âmbito dessas mudanças, a diminuição do tamanho das famílias em
qualquer estágio de seu ciclo vital. Observe-se que foram justamente aquelas famílias em estágio de
consolidação, expansão e desmembramento que lograram a maior redução no número médio de
componentes, cerca de duas pessoas.
Sendo verdadeira a premissa de que o número de filhos pode comprometer parte da renda
familiar, seja pelo aumento de gastos, pouca capacidade de aportar renda ou mesmo reduzindo
temporariamente o potencial de trabalho de outros componentes da família – sobretudo das mulheres e,
mais ainda, se inseridas em atividades autônomas, sem cobertura trabalhista legal, tornando-se mais grave
quando do nascimento de filhos – pode-se admitir que essas modificações contribuíram de alguma forma
para reduzir a população mais exposta ao risco de pobreza.
O que se deseja mostrar aqui é que modificações no ciclo de vida das famílias também
ocorreram no sentido de contribuir para o aumento da renda. No entanto, conforme demonstrado neste
tópico, a composição dos rendimentos em Sergipe também apresentou mudanças não apenas no nível,
mas também na participação das suas fontes. Ficou patente a redução da renda do trabalho e aumento das
rendas de aposentadorias, pensões e ativos. Dadas essas características, deve-se analisar como se
comportou a renda das famílias em cada um dos seus ciclos, entre 1985 e 2005.
Os resultados da Tabela 4 confirmam, portanto, aumento na renda das famílias, passando de R$
775,45 para R$ 805,72, entre 1985 e 2005. Reafirmam também que, enquanto a renda do trabalho diminui
de R$ 594,82 para R$ 500,63, as rendas originadas de aposentadorias e pensões quase dobraram,
aumentando de R$ 70,60 para R$ 137,32. As rendas de ativos, doação e outras também seguiram essa
tendência, passando de R$ 110,04 para R$ 167,67. Disto resultou que a participação relativa da renda de
todos os trabalhos na massa de rendimentos familiares diminuiu de 76,7% para 62,1%, nesse período,
39
Vale ressaltar que as informações básicas para a formulação dessa tipologia são a idade da mãe para a definição do ciclo
“casal jovem” ou “ninho vazio” e a do filho, para definir as etapas I a IV. Portanto, nem todos os arranjos apresentam
configuração passível de ser alocado em alguma dessas etapas. Serve de exemplo a configuração “Chefe+outros parentes” ou
“Individual”. Nestes casos, por não se tratarem de casal jovem sem filhos ou de ninho vazio, como também por não possuir
cônjuge e filho, não podem ser alocados entre as etapas acima definidas; diz-se, neste caso, que a família está em fase
indeterminada.
Extensão Freqüência % Extensão Freqüência %Casal jovem sem filho 2,0 13.111 5,16 2,1 43.268 8,38Etapa I - Início da família 3,6 56.570 22,26 3,1 86.545 16,76Etapa II - Expansão 5,3 52.479 20,65 3,8 92.825 17,98Etapa III - Consolidação 6,0 47.386 18,64 4,2 89.856 17,40Etapa IV - Desmembramento 6,1 66.579 26,19 4,2 156.893 30,39Casal maior sem filho - ninho vazio 2,3 18.057 7,10 2,2 46.901 9,08Total de famílias com fase determinada 254.182 100,00 516.288 100,00Fase indeterminada 32.021 91.833Total de Famílias 286.203 608.121
Tabela 3 Ciclo de vida das famílias em Sergipe entre 1985 2005
Fonte: Tabulações Próprias a partir das PNAD 1985 e 2005
Ciclo de Vida1985 2005
21
enquanto que a renda de aposentadorias, que representavam 9,1% em 1985, passou para 17% em 2005,
como também as rendas originadas de doações passaram de 14,1% para 20,8%.
Considerando as estimativas sobre o nível e a composição da renda das famílias segundo seu
ciclo vital, alguns aspectos são importantes. No que se refere ao nível da renda em cada etapa, nota-se que
nos arranjos tipo casal sem filho até a etapa de consolidação houve redução da renda total, sendo que as
maiores perdas estiveram localizadas nas famílias na fase inicial, dada a queda de R$ 675,40 para R$
422,08 e na fase de expansão, cuja redução de R$ 774,00 para R$ 540,72. Na fase de consolidação,
observa-se pouca variação, embora seja sugestiva a redução de R$ 741,48 para R$ 738,87.
Em situação inversa figuraram as famílias nas fases de desmembramento e ninho vazio. Em
ambos os ciclos a renda das famílias não apenas são maiores, mas também apresentaram crescimento: na
fase desmembramento, a renda que em 1985 era de R$ 932,46 passou, em 2005, para R$ 1.149,57,
enquanto que no ninho vazio o crescimento foi mais de R$ 500,00, passando de R$ 745,25 para R$
1.254,97.
A depreciação da renda de todos os trabalhos deve ser apontada como a principal responsável
pela redução da renda das famílias situadas nos ciclos de vida iniciais. Nos casais jovens sem filho a
diminuição foi menos intensa, de R$ 542,72 para R$ 531,36, mas na fase inicial a retração foi de quase
metade, caindo de R$ 617,05 para R$ 383,77, e na fase de expansão, de R$ 684,41 para R$ 398,62.
Nas etapas mais avançadas, chamam atenção não apenas as menores perdas, como também o
aumento na renda do trabalho. No primeiro caso estão as famílias na fase de desmembramento, cujo nível
de renda do trabalho praticamente não variou, situando-se em torno dos R$ 610,00. Já as famílias na fase
de consolidação lograram aumento dessa renda de R$ 563,05 para R$ 587,49, da mesma forma que no
ninho vazio passou-se de R$ 326,03 para R$ 356,27.
Dado o caráter diferencial da composição da renda por ciclo de vida40
é de esperar que nos
estágios mais avançados sejam mais substantivas as rendas de aposentadorias e pensões. Mas é digno de
destaque o crescimento do valor médio dessa fonte por família, sobretudo tomando como referência o
comportamento da renda do trabalho. Na etapa de desmembramento, o valor médio das aposentadorias
por família passou mais que dobrou, passando de R$ 135,63 para R$ 284,84, da mesma forma que no
ninho vazio o crescimento foi de R$ 192,39 para R$ 415,63.
O crescimento das rendas de ativos, doações e outras fontes também privilegiaram as famílias
nos estágios finais do ciclo de vida. Assim, o valor médio na etapa de desmembramento passou de R$
185,76 para R$ 284,84 e na fase do ninho vazio, aumentou de R$ 226,83 para R$ 483,63.
40
Vale lembrar que nessa tipologia não Figuram os domicílios com ciclo de vida não determinado.
Todos os
trabalhos
Aposentadorias,
pensões e
abonos
Ativos,
doação e
outras
TotalTodos os
trabalhos
Aposentadorias,
pensões e
abonos
Ativos,
doação e
outras
Total
Casal jovem sem filho 542,72 3,89 33,39 580,00 531,36 4,53 10,74 546,63Etapa I - Início da família 617,05 6,25 52,10 675,40 383,77 13,54 24,77 422,08Etapa II - Expansão 684,41 28,81 60,78 774,00 398,62 54,18 87,92 540,72Etapa III - Consolidação 563,05 74,36 104,08 741,48 587,49 56,77 94,61 738,87Etapa IV - Desmembramento 611,07 135,63 185,76 932,46 610,38 254,35 284,84 1.149,57Ninho Vazio 326,03 192,39 226,83 745,25 356,27 415,63 483,08 1.254,97
Total 594,82 70,60 110,04 775,45 500,63 137,32 167,77 805,72
Todos os
trabalhos
Aposentadorias,
pensões e
abonos
Ativos,
doação e
outras
TotalTodos os
trabalhos
Aposentadorias,
pensões e
abonos
Ativos,
doação e
outras
Total
Casal jovem sem filho 93,57 0,67 5,76 100,00 97,21 0,83 1,97 100,00
Etapa I - Início da família 91,36 0,92 7,71 100,00 90,92 3,21 5,87 100,00
Etapa II - Expansão 88,43 3,72 7,85 100,00 73,72 10,02 16,26 100,00
Etapa III - Consolidação 75,94 10,03 14,04 100,00 79,51 7,68 12,80 100,00
Etapa IV - Desmembramento 65,53 14,55 19,92 100,00 53,10 22,13 24,78 100,00
Ninho Vazio 43,75 25,82 30,44 100,00 28,39 33,12 38,49 100,00
Total 76,71 9,10 14,19 100,00 62,13 17,04 20,82 100,00
Tabela 4
Participação relativa das fontes de renda na renda das famílias e valores reais das rendas segundo fonte, por ciclo de vida da família -
Sergipe, 1985 - 2005
Fonte: Tabulações Próprias a partir das PNAD 1985 e 2005
Participação % da fonte na renda total - 2005
Etapas do Ciclo de Vida
1985 - (Valores em R$ de jan/2002) 2005 - (Valores em R$ de jan/2002)
Etapas do Ciclo de Vida
Participação % da fonte na renda total - 1985
22
Um questionamento que emerge a partir das constatações acima, que relataram mudanças na
extensão, nos ciclos de vida, bem como no nível e composição da renda das famílias, diz respeito aos
possíveis reflexos sobre a pobreza. Como pode ser notado na Figura 15, a seguir - cujas estimativas da
incidência de pobreza e os respectivos intervalos de confiança permitem testar hipóteses sobre o alívio ou
agravamento da pobreza com significância estatística - não ocorreram mudanças significativas na pobreza
para as famílias tipo casal sem filho, e nas etapas inicial e de expansão.
Entre os casais jovens sem filho, este resultado pode ser explicado pelo fato de que a renda total
pouco tenha se alterado, embora a redução na renda do trabalho e de ativos contribuísse para a retração da
renda total, entre 1985 e 2005.
Com famílias em estágio inicial, não obstante a redução expressiva na renda total por conta da
diminuição pela metade da renda do trabalho, também não se verificam mudanças significativas na
pobreza. Uma possível explicação para esse resultado aparentemente contraditório pode ser a diminuição
de 3,6 para 3,1 pessoas, entre 1985 e 2005.
Nas famílias em fase de expansão, a pobreza também se manteve estatisticamente inalterada, não
obstante a intensa retração do volume de renda total, influenciada pela renda trabalho. No entanto, as
rendas de aposentadorias e pensões e aquelas originadas de ativos não apenas aumentaram em termos
absolutos, como também relativos, passando a representar juntas mais de 26% da renda total em 2005,
contra 11,5% em 1985. Ademais, o número médio de pessoas por família na fase de expansão foi
reduzida de 5,3 para 3,8, o que acaba contribuindo indiretamente para o aumento da renda familiar, uma
vez que o volume total passa a ser repartido por um número decrescente de componentes.
Figura 15: Estimativas da incidência da pobreza segundo ciclo de vida
familiar e respectivos intervalos de confiança (95%) para Sergipe, 1985 e 2005
Nas etapas mais avançadas do ciclo de vida das famílias, o diagnóstico quanto ao
comportamento da pobreza sugere mudanças relevantes. Na etapa de consolidação pode-se dizer que
houve redução significativa da pobreza, dado que a incidência diminuiu de 66,8% para 51,8%.
Contribuíram para esse alívio o aumento na renda do trabalho, que passou de R$ 563,05 para R$ 587,49,
ainda que as demais fontes de renda apresentassem uma leve redução. Observe que essa fase apresenta
aumento na renda do trabalho (veja Tabela 2.4). Como esse estágio é caracterizado pela presença de um
ou mais filhos com idade entre 13 e 18 anos, ou seja, pode-se admitir que esse aumento verificado em
2005 decorra do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, uma vez que nesse
estágio da vida familiar não existem filhos com idade entre 0 e 5 anos. As famílias na fase de
consolidação também reduziram seu tamanho médio: em 1985 eram compostas por 6 pessoas, já em
2005, o tamanho médio era de 4,2 pessoas.
Casal jovem sem filho
Etapa I - Início da família
Etapa II - Expansão ou Crescimento
Etapa III -Consolidação
Etapa IV -Desmembramento
Ninho Vazio
FGT 0 - 1985 0,344 0,582 0,639 0,668 0,489 0,286
LI - FGT 0 - 1985 0,225 0,522 0,579 0,606 0,433 0,189
LS - FGT 0 - 1985 0,464 0,642 0,700 0,730 0,544 0,382
FGT 0 - 2005 0,366 0,599 0,623 0,518 0,272 0,148
LI - FGT 0 - 2005 0,284 0,540 0,566 0,459 0,232 0,089
LS - FGT 0 - 2005 0,449 0,659 0,680 0,578 0,312 0,206
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
Po
rpo
rção
de
fam
ília
s p
ob
res
23
A redução da pobreza entre as famílias na fase de desmembramento resulta do crescimento das
rendas de aposentadorias, pensões, ativos e doações. Enquanto a renda do trabalho manteve-se
praticamente inalterada em torno dos R$ 610,00, as rendas de outras fontes aumentaram juntas mais de
R$ 320,00, em 1985 e quase R$ 540,00, em 2005. Em termos relativos, passaram a representar quase 47%
da renda familiar total, em 2005, quando, em 1985 era menos de 35%. O número médio de componentes
também se reduziu de 6,1 para 4,2 pessoas, nesse período.
Em melhor condição, ao menos no que se refere à renda, figuram as famílias na fase do ninho
vazio. Formada por casais maiores, sem filhos e com a idade da mulher acima dos 40 anos, essas famílias
lograram aumentos em todas as fontes de renda, sendo que as mais expressivas foram as aposentadorias,
pensões e abonos. Juntas essas renda somam, em 2005, quase R$ 900,00 ou 71% da renda total,
magnitudes inferiores às estimadas para 1985: cerca de R$ 420,00, ou 56%, respectivamente. No que se
refere ao alívio da pobreza, mesmo com as estimativas pontuais indicando a redução de 28,6% para
14,8%, os intervalos de confiança não permitem aceitar a hipótese de redução com significância
estatística.
Como se pode depreender dessas análises, o alívio da pobreza em Sergipe, nos vinte anos
analisados, esteve influenciado não apenas por fatores econômicos, mas também por elementos de
natureza demográfica. Se, de um lado, a renda do trabalho passou por um longo processo de depreciação,
por outro ganharam importância as rendas originadas de aposentadorias, pensões, ativos e doações. Em
um ambiente de pouco dinamismo econômico, com problemas estruturais graves, como a elevada
concentração de terras, avanço dos pastos sobre a lavoura e aumento da informalidade, pode-se dizer que
mudanças de ordem demográfica agiram como atenuadores dos efeitos negativos originados de tais
debilidades: o aumento da população em idade economicamente ativa produtiva contribui para
potencializar o aporte de renda do trabalho, mesmo que informal e de pouca qualidade. Na mesma
direção, o crescimento da população acima dos 65 anos, portanto eletiva para acesso aos benefícios
previdenciários, conjuntamente com os efeitos da universalização das aposentadorias a partir da
Constituição Federal de 1988, constituem elementos importantes para compreender as principais
características do comportamento da pobreza em Sergipe, entre 1985 e 2005.
Feitas estas considerações, interessa finalmente estimar como e que direção algumas
componentes próximas influenciaram no comportamento da renda per capita de Sergipe. Admite-se,
portanto, que a renda per capita seja uma proxy da pobreza. O próximo tópico dedica-se a decompor a
renda per capita em componentes próximos da renda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma vez diagnosticado que a pobreza em Sergipe apresentou reduções significativas, entre 1985
e 2005 (OLIVEIRA, 2009), este artigo analisou a influência de um conjunto de fatores econômicos e
demográficos.
No âmbito econômico, mostrou que a economia sergipana, mesmo tendo recebido importantes
investimentos em industrialização, não logrou diversificar sua estrutura produtiva, tendo ainda
conservado debilidades estruturais históricas. Prova disto é a elevada concentração de terras: enquanto
80% dos estabelecimentos agrícolas possuem menos de 10 hectares e ocupam apenas 10% da área total,
mais de 45% das terras são ocupadas por 3% dos estabelecimentos.
A predominância de pequenas propriedades e o atraso tecnológico que sempre caracterizou o
setor primário sergipano impõe uma série de limitações aos envolvidos nessas atividades. Foi
demonstrado, de forma ilustrativa, que a renda máxima que um produtor obteria em uma propriedade de 1
hectare se conseguisse, a um só tempo, produzir 20 sacos de feijão, 25 sacos de milho, criar 1 exemplar
de gado bovino e produzir 60 fardos de 12kg de capim seria de R$ 392,00 por mês. Esta situação poderia
ser outra mediante o acesso a insumos fundamentais como água e energia elétrica. Pois bem, apenas 5%
dos estabelecimentos contam com irrigação, 27% usam energia elétrica e 7,7% contam com assistência
técnica.
A utilização da terra consiste em outro fator que torna a situação mais aguda. Além de os pastos
ocuparem quase 70% das áreas em estabelecimentos agrícolas, os 18% de lavoura que ainda resiste,
destinam-se a quase 70% de cultivos temporários, principalmente a cana-de-açúcar.
24
As dificuldades do setor primário acima apresentadas e o pouco dinamismo verificado no setor
industrial fazem do setor de serviços o principal acesso ao mercado de trabalho. Isto se dá, decerto, sob a
influência do processo de desestruturação do mercado de trabalho, cujas vertentes principais são o
aumento da taxa de desocupação, aumento ou manutenção da informalidade em níveis elevados e
depreciação da renda do trabalho.
Nesse cenário de letargia econômica, as rendas de transferências, notadamente de
aposentadorias e pensões, agem como “seguro social” de duas formas principais: beneficiando de forma
crescente parcelas significativas da população que certamente não teria outra fonte de renda, e gestando
certo dinamismo econômico devido aos aumentos e os ganhos monetários reais auferidos, sobretudo, a
partir do final dos anos 1990.
As mudanças de natureza demográfica aqui analisadas foram as alterações na estrutura
populacional e no ciclo de vida das famílias. Vale destacar os efeitos econômicos decorrentes da “janela
de oportunidades” ou do “bônus demográfico”, que consiste em reduzir a “carga econômica” com a
ampliação, por exemplo, do potencial de geração de renda do trabalho para as famílias.
No ciclo de vida das famílias, o aumento da população idosa e a redução da fecundidade,
explicam o “encolhimento” do tamanho médio dessas unidades, ao passo em que se reduzem as famílias
nas fases iniciais e aumentam nas etapas de desmembramento e ninho vazio. Fundamental destacar é,
contudo, que essas modificações no ciclo de vida das famílias ocorreram também nos sentido de
contribuir para o aumento da renda: mesmo com a redução da renda do trabalho, houve crescimento na
renda de transferências, principalmente nas fases de desmembramento e de ninho vazio.
Como reflexo, a pobreza apresentou reduções estatisticamente significativas justamente nas
fases de consolidação, desmembramento e ninho vazio. Por outro lado, manteve-se inalterada entre os
casais jovens e sem filho e na fase inicial.
Pode-se dizer, a partir dessas análises, que o alívio da pobreza em Sergipe, nos vinte anos
analisados, esteve influenciado não apenas por fatores econômicos41
, mas também por elementos de
natureza demográfica. Se, de um lado, a renda do trabalho passou por um longo processo de depreciação,
por outro ganharam importância as rendas originadas de aposentadorias, pensões, ativos e doações.
Em um ambiente de pouco dinamismo econômico, com problemas estruturais graves, como a
elevada concentração de terras, avanço dos pastos sobre a lavoura e aumento da informalidade, mudanças
de ordem demográfica agiram como atenuadores dos efeitos negativos originados de tais debilidades: o
aumento da população em idade economicamente ativa produtiva contribui para potencializar o aporte de
renda do trabalho, mesmo que informal e de pouca qualidade. Na mesma direção, o crescimento da
população acima dos 65 anos, portanto eletiva para acesso aos benefícios previdenciários, conjuntamente
com os efeitos da universalização das aposentadorias a partir da Constituição Federal de 1988, constituem
elementos importantes para compreender as principais características do comportamento da pobreza em
Sergipe, entre 1985 e 2005.
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