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Fernando Tetsuo Venueza Miyahira Construindo a Padroeira: Aproximações entre Igreja e Estado em Nossa Senhora da Conceição Aparecida MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião sob a orientação da Profª. Drª. Maria José Fontelas Rosado-Nunes. SÃO PAULO 2011

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO - sapientia.pucsp.br Tetsuo... · coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, fazendo dela uma das inúmeras aparições marianas reconhecidas

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Fernando Tetsuo Venueza Miyahira

Construindo a Padroeira: Aproximações entre Igreja e Estado em Nossa Senhora da Conceição Aparecida

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião sob a orientação da Profª. Drª. Maria José Fontelas Rosado-Nunes.

SÃO PAULO

2011

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BANCA EXAMINADORA

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Resumo

Nesta monografia, temos a intenção de estudar a

devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida e suas

interações com a política brasileira, tal como momentos-chave

da qual a Igreja passava em finais do século XIX e a primeira

metade do século XX. O estudo de dissertações, artigos e

obras voltadas à política brasileira e História da Igreja no Brasil

foram essenciais para esta pesquisa, tal como o estudo de

documentos encontrados na “Torre do Relógio” da Basílica de

Nossa Senhora Aparecida. Entendemos que, ao final da

pesquisa, Política e Religião puderam abraçar uma devoção

popular fortíssima na região brasileira mais importante política

e economicamente, para atender aos seus fins, a Região Sul.

Sem dúvida, percebemos que estas três forças puderam,

juntas, construir o que hoje é a Padroeira do Brasil, a Virgem

Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Palavras-chave: Nossa Senhora da Conceição

Aparecida, Política brasileira, Basílica de Aparecida do Norte,

História da Igreja, Igreja no Brasil, Brasil Contemporâneo.

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Abstract

In this monograph, we intend to study the devotion to Our

Lady Aparecida and their interactions with Brazilian politics, as

Church’s key moments in the late nineteenth century and first

half of the twentieth century. The study of essays, articles and

works focused on Brazilian politics and history of the Church in

Brazil have been essential to this research as the study of

documents found in the "Clock Tower" of the Basilica of Our

Lady Aparecida. We understand that at the end of the research,

politics and religion could hold a very strong popular devotion in

the Brazilian South Region. Certainly, we realize that these

three forces could together build what is now the patron saint of

Brazil, the Virgin Our Lady of Aparecida.

Keywords: Our Lady of Aparecida, Brazil politics, Basilica

of Aparecida do Norte, Church History, Church in Brazil,

Contemporary Brazil.

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Sumário Introdução........................................................................................Erro! Indicador não definido. 

1 Uma breve história do início de uma Devoção .............................Erro! Indicador não definido. 

1.1 A Imagem de terracota de Nossa Senhora da Conceição ......Erro! Indicador não definido. 

1.2 Encontrada a Imagem de Nossa Senhora da Conceição na Vila de Guaratinguetá ......Erro! 

Indicador não definido. 

1.3 Documentos oficiais sobre a descoberta nas águas do Paraíba do Sul Erro! Indicador não 

definido. 

1.4 O início de uma devoção no Vale do Paraíba.........................Erro! Indicador não definido. 

1.5 Restaurações da Imagem .......................................................Erro! Indicador não definido. 

2 Mil Novecentos e Quatro, o ano da Coroação da Virgem.............Erro! Indicador não definido. 

2.1 Uma nova ordem Política .......................................................Erro! Indicador não definido. 

2.1.2 A importância da província de São Paulo............................Erro! Indicador não definido. 

2.1.3 A necessidade paulista de uma Identidade.........................Erro! Indicador não definido. 

2.1.4 Nossa Senhora da Conceição Aparecida como símbolo católico....... Erro! Indicador não 

definido. 

2.2 Antecedentes Institucionais da Coroação..............................Erro! Indicador não definido. 

2.2.1 O Ultramontanismo.............................................................Erro! Indicador não definido. 

2.2.2 A Reforma na Igreja Paulista ...............................................Erro! Indicador não definido. 

2.3 Os Redentoristas e Aparecida ................................................Erro! Indicador não definido. 

3 Mil Novecentos e Trinta, a década da Padroeira e Mãe Aparecida............. Erro! Indicador não 

definido. 

3.1 O Estado Varguista .................................................................Erro! Indicador não definido. 

3.2 A Igreja da Neocristandade ....................................................Erro! Indicador não definido. 

3.2.1 A Linha de Pensamento da Igreja da Neocristandade. .......Erro! Indicador não definido. 

3.3 Apoio mútuo entre Igreja e Vargas ........................................Erro! Indicador não definido. 

3.4 A devoção á Virgem Aparecida atrai atenção ........................Erro! Indicador não definido. 

Considerações Finais ........................................................................Erro! Indicador não definido. 

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Referências Bibliográficas ................................................................Erro! Indicador não definido. 

Imagens ............................................................................................Erro! Indicador não definido. 

 

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Introdução

O trabalho apresentado a seguir tem a intenção de estudar a devoção à

Nossa Senhora da Conceição Aparecida e suas interações com a política

brasileira, tal como momentos-chave da qual a Igreja passava em finais do

século XIX e a primeira metade do século XX. Antes de qualquer coisa, vemos a

devoção à santa como uma devoção basicamente popular, fundada em uma

religiosidade popular intensa, presente nos setores mais humildes da sociedade

brasileira do século XVIII. Entendemos então que a eleição de Nossa Senhora

da Conceição Aparecida como símbolo nacional é devida a sua devoção se

apresentar como uma construção coletiva, possibilitada pela identificação do

povo com a santa e pela contribuição de setores distintos da sociedade

brasileira. Este jogo entre popular e oficial pode ser entendido pelo fato de que,

segundo Jean-Pierre Bastián 1, toda manifestação do catolicismo popular

principalmente na América latina, passa pela regulamentação institucional da

Igreja em alguma medida. No caso de Aparecida, podemos identificar este

momento como a instituição de sua devoção pela congregação religiosa católica

dos Redentoristas, em meados do século XIX.

Enxergamos também que esta devoção serviu como um suporte legítimo

de uma identidade nacional católica brasileira, pois possibilitou a criação de um

discurso, da parte dos setores dominantes da sociedade brasileira em

determinados momentos, de homogeneização da sociedade a partir desta

identidade nacional católica. Este discurso foi extremamente necessário, uma

vez que se visava a consolidação da unidade nacional brasileira em um

momento crítico de sua história, ou seja, a busca por um sentimento de

pertencimento, de o que é ser nacional, e mais ainda, do que é ser brasileiro.

                                                            1 BASTIAN, Jean‐Pierre. La mutación religiosa de América Latina: para uma sociologia Del cambio social em La modernidad periférica. 

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Para que este estudo tome forma, escolhemos um período chave, que

pode ser dividido em dois. Estes momentos ajudam a mostrar o processo de

construção político-religioso da devoção à santa. O momento escolhido é a

Primeira República brasileira, compreendendo a república oligárquica centrada

na imagem de São Paulo e também Minas Gerais e seu fim, com a eleição de

Getúlio Vargas como presidente do Brasil após a Revolução de 1930. Dentro

destes períodos, temos dois momentos distintos: primeiro, em 1909, com a

coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, fazendo dela uma das

inúmeras aparições marianas reconhecidas pelo Vaticano; e o segundo, em

1930, com a proclamação da mesma como “padroeira do Brasil” durante o

governo de Vargas.

O culto á Nossa Senhora Aparecida é tão importante para a população,

que se chegou ao ponto de ser criada uma igreja para os devotos, que

aumentavam consideravelmente ao longo do tempo. Devido a isso, após

reformas e construção de uma nova basílica, foi fundada uma cidade

inteiramente dedicada á santa. Aparecida do Norte é um município do estado de

São Paulo, na microrregião de Guaratinguetá. É também um dos 29 municípios

paulistas considerados “estâncias turísticas” pelo Estado de São Paulo,

mostrando que o culto á Virgem Aparecida foi difundida por todo o território

brasileiro, e até no exterior

A imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida é uma estátua de

terra-cota revestida de um manto azul e com uma coroa dourada pressupõe ser

o objeto material da pesquisa. Sua história tem início em 1717. Desejando obter

a melhor pescaria que pudessem os pescadores Domingos Garcia, Filipe

Pedroso e João Alves lançaram as suas redes no rio Paraíba do Sul. Depois de

muitas tentativas infrutíferas, descendo o curso do rio chegaram a Porto

Itaguaçu, em 12 de outubro. Já sem esperança, João Alves lançou a sua rede

nas águas e apanhou o corpo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição

sem a cabeça. Em nova tentativa, apanhou a cabeça da imagem, Envolvendo

então o achado em um lenço. Daí em diante, contam as narrativas locais que os

peixes chegaram em abundância para os três pescadores.

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A bibliografia sobre o assunto em específico é vasta. Somado com o fato

de que o campo de estudos sobre religião vem crescendo bastante ultimamente,

justifica-se a importância desta pesquisa com o argumento de que poderá servir

como auxilio e referência bibliográfica na produção sobre o assunto ou algo

relacionado ao mesmo, tal como uma tentativa de uma nova leitura da história da

devoção á Nossa Senhor da Conceição Aparecida.

Também, a pesquisa oferecerá uma análise sobre a relação religião X

sociedade X política, podendo levar a uma reflexão sobre o lugar do culto á

Aparecida nos dias de hoje, e se o fato de ser a “padroeira do Brasil” ainda pode

ser justificado em uma sociedade pluralista, apresentada pelo Brasil nos dias de

hoje. Por fim, tem-se o intuito de instigar a pesquisa sobre Aparecida através de

uma abordagem crítica, fazendo com que outras pesquisas dêem continuidade

ao assunto e ampliando o campo abordado.

Agora, gostaríamos de apresentar para o leitor a pergunta chave que

move a pesquisa: Como ocorreu a construção deste discurso nas mãos dos

setores dominantes da sociedade brasileira? E, principalmente, a devoção à

santa realmente apresenta conexões com estratégias políticas utilizadas durante,

respectivamente, 1909 e 1930? Sabemos que, a priori, não houve uma

apropriação propriamente dita da imagem e devoção á Nossa Senhora da

Conceição Aparecida pelo Estado, pois se observa ainda hoje que esta devoção

é de caráter predominantemente popular. Mas sim, recebeu contribuições destes

setores dominantes para a criação de um discurso que possibilitou a construção

de um sentimento nacionalista e uma unidade nacional brasileira.

Ainda são pertinentes outras perguntas paralelas ao objetivo principal da

pesquisa: é possível identificar, através da história de Nossa Senhora da

Conceição Aparecida, diferentes momentos políticos que se fizeram presente na

história do Brasil? Tanto a coroação, quanto a proclamação da virgem como

padroeira do Brasil, podem identificar a intenção de certos setores da sociedade

brasileira na criação de uma identidade nacional brasileira? A religião pode

realmente ser um veículo de interesse para os setores políticos do país?

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Isso acaba nos trazendo algumas hipóteses antes de entrar na pesquisa

em si. Com isso, tem-se a seguinte afirmação: a formação da devoção à Nossa

Senhora da Conceição Aparecida revela-se como uma construção coletiva, da

parte de vários setores da sociedade, tal como sendo também política e não só

religiosa, dando-se através da construção de imagens, narrativas, homenagens,

etc. Sendo assim, é possível afirmar que esta devoção foi responsável pelo

surgimento de uma identidade regional focada no imaginário coletivo,

inicialmente da região sudeste, sendo responsável pela criação de um discurso

que auxiliou o processo de formação de uma unidade nacional durante os

séculos XIX e XX. Houve uma construção da história da devoção á santa de

acordo com os momentos políticos do país durante os três períodos, tal como

interesses da parte do Estado. Mais do que isso, entendemos que esta

construção coletiva da história e devoção á santa teve por objetivo a

conscientização e construção de uma identidade nacional fundada na fé católica,

necessária para a formação de uma unidade nacional brasileira. Para isso,

houve a necessidade da tomada do controle da devoção á santa, considerada

popular até então, pela parte da Ordem dos Redentoristas no século XIX, que

acabou por institucionalizar o culto e administração do santuário de Aparecida.

Mais do que isso, o que pode ser visto através da pesquisa, é que o

substrato religioso brasileiro encontra-se nas raízes cristãs. Podemos afirmar

que, a religiosidade mínima brasileira é o cristianismo, porém seu

desdobramento mais marcante é o catolicismo popular, com berço nas tradições

rurais do Brasil colonial. Portanto, um catolicismo popular que pode ser visto

presente nas maiorias das religiões brasileiras. Esta afirmação é importante, pois

hoje em dia não podemos afirmar que o Brasil é um “país católico” devido á sua

grande heterogeneidade religiosa, porém sua base encontra-se ainda hoje na

religião católica. Isso pode ser visto no fato de que, até o século XX, o Brasil se

apresentar como um país predominantemente, se não completamente católico,

não apenas na questão de devoções, mas em toda sua cultura e mentalidade

mergulhada em um pensamento católico trazido pelos portugueses desde os

primeiros anos de colonização efetiva do território nacional.

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Enfim, o objetivo principal desta pesquisa será de tratar da devoção á

Nossa Senhora Aparecida como uma construção político-religiosa coletiva, a fim

de, através de interesses do Estado e da elite eclesiástica, criar uma identidade

nacional que abriria caminho á uma formação da unidade nacional brasileira.

Para isso, será necessário realizar um resgate da história da santa e mostrar a

importância político-social da religião e seu impacto na sociedade, tal como sua

leitura crítica e analítica.

Igualmente, tem-se por objetivo com esta pesquisa tratar da devoção á

Nossa Senhora Aparecida não apenas como fatos político-religiosos isolados,

mas sim como uma memória popular de construção coletiva. Tratando então a

memória construída, através de narrativas sobre a história da santa, como de

grande importância para o Estado no sentido de ostentação da “história oficial”,

temos a intenção de estudar o processo de construção de uma memória coletiva

que tem a intenção de criar uma unidade nacional fundada na fé católica, como

será mostrado nos diferentes períodos estudados. Para isso, serão utilizados

documentos procurados na biblioteca da Basílica de Aparecida, segundo a teoria

de que a memória coletiva aplica-se sobre os documentos/monumentos 2.

Sobre a metodologia básica, esta consistirá em estudos e interpretações

de leituras de documentos, primários ou não, sobre o assunto escolhido.

Pretende-se também algumas pesquisas empíricas na cidade de Aparecida do

Norte, em observação da imagem e pesquisa ainda bibliográfica no acervo

disponibilizado pela Basílica.

Serão ainda utilizados nesta pesquisa, como referenciais teóricos, muitos

renomados autores. Scott Mainwaring, “A Igreja Católica e Política no Brasil”.

Nesta obra, Mainwaring analisa a Igreja Católica no contexto político da época

de 1916 até 1985 na América Latina, dando ênfase ao caso da Igreja Católica

brasileira. Descreve-se aqui em poucas palavras a intenção de Mainwaring em

seu livro: tratando a Igreja como “instituição”, o autor analisa a Igreja Católica

brasileira como vinculada ao Estado e ás classes dominantes até 1964, quando

                                                            2LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 525. 

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entrou em sérios atritos com o Estado durante a época do Governo Militar.

Principalmente durante o pontificado de João Paulo II, a Igreja esforçou-se em se

tornar relevante para o mundo, e com isso, tentou atingir as classes populares.

Esta obra, então, poderá ser usada como base para a pesquisa aqui

apresentada, pois tenta analisar discursos políticos usados pela Igreja em

relação ao Estado, tanto nas classes populares como nas classes dominantes 3.

A base histórica do primeiro capítulo será dada pela obra do padre Júlio J.

Brustoloni, historiador da basílica de Aparecida, e membro da ordem dos

redentoristas. Apesar da presença de muita confessionalidade, a leitura será

guiada a partir de uma visão científica e histórica, aproveitando muitos

documentos oficiais apresentados pelo autor.

Pretendo tratar de memória e Documentos, tal como Jacques Le Goff, que

refletiu muito sobre o assunto em um de seus livros 4. A memória é conceituada

pelo historiador como um fenômeno individual e psicológico, porém que liga-se á

vida social. Sua apreensão depende do modo do ambiente social e político onde

é construída. Sua importância vem do fato de que, através dela, é possível a

conservação de acontecimentos que ocorreram no passado, a produção de

diversos documentos e, principalmente, faz escrever a história. Já o conceito de

construção de memória é colocado por Le Goff como essencial para o homem

sistematizar sua história. Ou seja, para escrever uma “narrativa que procura as

ações realizadas pelas pessoas que as escrevem”, manter uma memória é

importantíssimo, seja esta memória documentada ou não. A memória coletiva,

mesmo sendo, segundo Le Goff, essencialmente mística, deformada e

anacrônica, constitui o que foi vivido pelos homens através do tempo. Aqui

então, sublinhamos o interesse de certos setores sociais pelo controle da

memória coletiva, tanto para construí-la quanto para apagá-la, pois isso significa

um grande interesse na luta das forças sociais pelo poder.

                                                            3 MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e Política no Brasil, p. 9‐13. 4 LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 419‐425. 

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Sobre os conceitos de documento, Le Goff constrói uma reflexão sobre os

documentos/monumentos 5. A partir do momento em que serão utilizados

documentos primários ao longo da pesquisa, será importante debruçar-se sobre

esta reflexão. O que é deixado como vestígios do passado não representa

exatamente aquilo que existiu, pois é fruto de uma escolha feita por aqueles que

viviam o desenvolvimento temporal e humano do que se trata, ou por aqueles

que, segundo Le Goff, se dedicam à ciência do passado (historiadores). O

documento, inicialmente, remete a idéia de “papel”, ou seja, apenas os

documentos escritos. Temos que tomar um conceito mais amplo de documento

seja ele escrito ou não. Um documento seria, então, qualquer fonte ou

testemunho histórico que o pesquisador possa ter acesso que disserte sobre

determinado assunto e sirva de material para que sua pesquisa possa fluir. Já o

monumento é descrito por Le Goff como um “sinal do passado” 6, ou tudo aquilo

que possa relembrar o passado e perpetuar sua recordação. Neste sentido, um

documento/monumento trata-se de tudo aquilo que, no sentido de relatos e/ou

fontes históricas que assumem um papel decisivo para a pesquisa, e intervêm

para orientar uma apreensão.

Ainda conceituando memória, utilizaremos muito do refletido por Mario

Souto Maior em seu artigo “Cultura popular: memória e perspectiva” 7. Nele, o

autor julga que o “fazer memória” é uma ação de combater o esquecimento, um

vazio indesejado, uma vez que a memória se configura como uma voz do

conhecimento e da auto-identificação fazendo com que os indivíduos e coisas na

vida se situem na história. A memória em si é reproduzida pelos homens que

desejam registrar algum acontecimento importante ou relevante para sua história

e vida, por isso ela (na memória) é carregada de responsabilidade individual,

coletiva e institucional.

                                                            5 LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 526. 6 Ibid.  7 MAIOR, Mario Souto. Cultura popular: memória e perspectiva in “Espaços”, p. 153.  

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A nosso ver, a uma das maiores dificuldades da pesquisa seria debate

sobre o conceito de “identidade nacional”. Sobre isto, o artigo de Eloísa Martín8 é

bem esclarecedor. Nele, a socióloga dialoga com muitos autores sobre o

conceito de identidade nacional. Primeiro, temos Gilberto Giménez 9, que

enxerga a Nação como cumpridora de duas funções básicas; uma psicossocial e

uma política. A primeira desperta a identificação nacional no povo em questão,

enquanto a segunda ocorre ao se converter na principal referência para a

legitimidade do Estado, enquanto representa uma garantia de homogeneidade

cultural e quase étnica da população. Porém, Martín considera esta explicação

insuficiente para entender a construção da nacionalidade nos países da América

Latina, sobretudo o Brasil, devido á pluralidade cultural presente na sociedade

brasileira, recorrendo á idéia de Rita Laura Segato 10 de que a identidade

nacional acaba por se construir e reconstruir historicamente, sem se configurar

como um processo acabado, nem exprimindo a idéia de um resultado final.

Portanto, para Martín a identidade nacional resultará de um processo de

homogeneização estatal, de “assimilação” cultural e institucional desde o Estado

á grupos marginais e regionais periféricos. A socióloga afirma que uma

identidade nacional não é a tomada de consciência de uma homogeneidade

preexistente. Não é possível a construção de uma nação sobre um deserto, nem

se inscreve no começo dos tempos. Entendemos aqui que a construção de um

imaginário coletivo é o ponto de partida para apoiar uma identidade nacional.

Para isso, recorremos á Serge Gruzinski com o conceito de “imaginário coletivo”.

Em poucas palavras, o Imaginário Coletivo pode ser entendido como um

conjunto de símbolos e conceitos de memória e imaginação em uma variedade

de indivíduos que pertencem a uma comunidade específica, ou ainda uma

                                                            8 MARTÍN, Eloísa. Aparecida, Guadalupe y Luján como símbolos religiosos y nacionales: um análisis comparativo. Trabalho apresentado no seminário temático ST05 “Os Católicos” na VIII Jornada sobre Alternativas religiosas na América Latina, São Paulo, 22 á 25 de setembro de 1998. 9 GIMÉNEZ, Gilberto. Apuntes para uma teoria de La identidad nacional, op. cit.  10 SEGATO, Rita Laura. Formação de diversidade: nação e opções religiosas no contexto da globalização. Op. cit. 

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sensibilização de todas essas pessoas, para compartilhar esses símbolos, que

reforçam o sentido de comunidade 11.

Outra afirmação da autora nos chama a atenção. Martín diz que o

momento da universalidade e da homogeneidade total de uma comunidade

apenas é possível como utopia, ou seja, apenas alcança a presença discursiva e

através de um conteúdo particular. Neste ponto então percebemos a

necessidade da criação de discursos apoiados em uma memória coletiva, que foi

construída pelas muitas narrativas que temos sobre a história de Nossa Senhora

da Conceição Aparecida e relatos sobre o ocorrido. Finalmente, Martín afirma

que os símbolos, no sentido geral da palavra, que são utilizados para aludir à

nação não se apresentam como sedimentos de ima corrente única. Muito pelo

contrário, se configuram como fruto de um processo pelo qual um projeto de

identidade particular se impõe como válido em cima de outros projetos,

remetendo á idéia de que cada identidade é o que é através das observâncias de

suas diferenças com o outro. Porém este conceito teórico será deixado de lado

nesta pesquisa para, talvez, ser assunto para outro trabalho.

Pierre Sanchis também reflete sobre a “identidade nacional” em seu artigo

intitulado “A identidade nacional brasileira”. Indo de encontro com as

observações de Martín, Sanchis diz inicialmente que é relativamente fácil para

nós afirmarmos que a identidade brasileira consta como um atributo, uma

etiqueta das pessoas que vivem dentro de uma “nação brasileira”, porém o

problema é aceitar o fato de que há, ou houve um consenso geral em torno de

certos valores, tal como uma diferença entre este consenso com outros tipos de

consenso 12. Então, como poderia haver um consenso de base em um país

como o Brasil, caracterizado historicamente como um país heterogêneo, com

consideráveis desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas?

Ainda mais, como poderia haver um consenso em nível nacional sobre

estes valores específicos, se o que presenciamos ao longo de sua história é o

                                                            11 Cf. GRUZINSKI, Serge. Colonização do Imaginário. 12 Cf. SANCHIS, Pierre. A Identidade nacional brasileira. 

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surgimento de diferentes identidades e características locais, como o próprio

objeto de nossa pesquisa, a devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida,

que contém toda a sua base e força devocional inicial na região sudeste do país?

A confluência nas idéias da socióloga e do teólogo está no ponto da afirmação,

da parte de Sanchis, de que 1) Não há como negar a existência de um discurso

criado por classes dominante, ou no caso de nossa pesquisa pelo Estado, que

tem como objetivo fazer com que os brasileiros, ou muitos deles, se imaginem

portadores de uma identidade nacional, e 2) que para isso é necessária a

existência de um imaginário simbólico que faz com que a nacionalidade brasileira

seja moeda corrente entre a população, mesmo que a referência não seja algo

palpável. Com estas duas afirmações, temos o ponto de partida para discutir

uma imagem muito interessante, que será analizada nos capítulos posteriores: a

presença da bandeira brasileira no manto azul de Nossa Senhora da Conceição

Aparecida. De qualquer forma, Sanchis nos chama á atenção para o uso

histórico do termo “nação”. Não devemos nos esquecer de que, através da

história, a invenção das nações se deve precisamente á esta necessidade de

criar uma ligação forte entre elementos muito diferentes, ou muito heterogêneos.

Para isso, realmente há a necessidade de uma ligação real entre o

nacional e o popular, para haver certa identificação entre estes elementos

heterogêneos, porém presentes na vida da população. Sua tese dá certa

importância para os fatores econômicos, tratando-os como responsáveis pela

origem da Nação com “n” maiúsculo a partir do século XVI na medida em que a

criação de um espaço econômico unificado ia além de barreiras e limitações

impostas pela complexidade das sociedades ocidentais em termos de regiões,

etnias, estamentos e classes, podendo então levar ao consenso de outras

especificidades. Seguindo esta linha de raciocínio, podemos identificar, como

será mostrado logo no primeiro capítulo, a importância econômica da área em

que a devoção á santa originou-se, a região da cidade de Guaratinguetá,

disposta no centro do eixo econômico brasileiro desde o século XVI até o século

XX.

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16

Independente das suas causas originais, o autor nos chama atenção á um

último ponto que vai de encontro com os interesses da presente pesquisa.

Segundo Sanchis, a transformação de um espaço político já circunscrito pelos

acasos da história militar, dinástica, etc. se dá sob impulso inicial do Estado.

Neste sentido, a identidade nacional toma forma através de discursos e práticas

diversas, apresentando-se em uma esfera pública na qual ou em torno da qual

são tratados, hierarquizados ou reestruturados os interesses de várias categorias

de participantes, a fim de se chegar à definição de um interesse geral.

Já Renato Ortiz, em “Cultura brasileira e Identidade nacional” afirma que

toda identidade se define em relação a algo exterior, ou seja, como uma

caracterização dentro do “estranho”, “outro”, “de fora”. Desta forma, há uma

busca de identidade da parte do povo brasileiro que se contraponha ao

estrangeiro. Este aspecto se reflete também na devoção á Nossa Senhora da

Conceição Aparecida13. A santa se constitui de uma aura inteiramente nacional,

sendo assim uma forma de diferenciação do nacional brasileiro com o

estrangeiro. Porém, ainda segundo o antropólogo e sociólogo, a identidade

nacional ainda conta com outra dimensão, a interna, mostrando que o povo se

identifica entre si.

Para isso, há uma necessidade de reinterpretação do próprio “popular”

contido na mentalidade do povo pelos grupos sociais e pelo próprio Estado para

fins diversos. Reinterpretação esta que atenda á pelo menos grande parcela da

população, pois a dificuldade é grande em achar um consenso entre tantas

pessoas em um território tão grande. É aqui que propomos encaixar a devoção á

Aparecida, como fomento para a construção de uma identidade nacional que

faça parte da vida de grande parte dos brasileiros. Por fim, Ortiz pontua que toda

a identidade é uma construção simbólica, eliminando então todo caráter de

veracidade ou falsidade do que é produzido. Igualmente, esta construção

simbólica se constitui como um tipo de política que procura se impor como

legítima, possibilitando que afirmemos que existe uma história da identidade e da

                                                            13 Cf. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e Identidade Nacional. 

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17

cultura brasileira que corresponde aos interesses dos diferentes grupos sociais

na sua relação com o Estado.

Por sua vez, Carlos Rodrigues Brandão em seu artigo “Ser católico:

dimensões brasileiras. Um estudo sobre atribuição através da religião” afirma

que a “identidade” em si é uma estratégia simbólica de se lidar com o poder

através da diferença e, como tais, só dizem alguma coisa à compreensão da

cultura nacional na medida em que se explicam como elas próprias são

historicamente construídas, e como participam deste universo de símbolos. O

antropólogo então parte do princípio de que o Brasil se encontra em uma

situação semelhante á alguns países árabes com seu predomínio religioso

demográfico e a liberdade religiosa observada nos Estados Unidos e Inglaterra,

pois enxerga o Brasil como um país que defende a liberdade religiosa. Porém

por volta da década de 80 o Brasil ainda poderia ser considerado um “país

católico”, ou seja, de maioria pertencente á religião católica. Este fato pode ser

observado pelo Brasil ser conhecido como “o maior país católico do mundo”.

Esta identificação entre “brasileiro” e “católico” pode ser explicada, por sua vez,

pelo fato de que o catolicismo era a religião do poder de Estado até a

proclamação da república, fazendo com que o domínio do universo religioso no

país viesse da parte da Igreja por quase 400 anos. Até meados da década de 80

e início da década de 90, segundo Brandão, pesquisas de campo mostraram que

mais de 805 da população brasileira se intitulavam católicos, e menos de 2%

afirmavam não possuir religião14. E isso apenas há 30 anos.

Desde a nossa colonização, claro, o predomínio católico na sociedade

brasileira acabou por originar, segundo Brandão, dois tipos de catolicismo: o

“oficial”, ou “eclesiástico” e o “popular”. Enquanto o primeiro é regido pelas leis

da Igreja diretamente, o segundo consistiria em um sistema comunitário de

organização do trabalho religioso católico em lugares longínquos de nosso país

que fugia do controle da instituição. Podemos achar, em Brandão, os motivos

principais sobre a homogeneidade católica na sociedade brasileira até meados

                                                            14  Cf. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Ser católico: dimensões brasileiras. Um estudo sobre atribuição através da religião in SACHS, Viola. “Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional”. 

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da década de 80, que estava em dois fatores: o primeiro seria a grande

reprodução de bens simbólicos da parte da Igreja, que garantia a unidade de

oposição entre ideais católicos e outras religiões; e o segundo seria o

ecumenismo e ideais católicos, que como uma religião universal abrangia todos

e realizava um trabalho de salvação pelo mundo todo. Com isso, o autor muito

bem observa quando diz: “(...) o catolicismo foi e ainda é, no país, a religião de

todos. Atenção: isto não significa apenas que ele é demograficamente uma

religião de uma maioria uniforme de iguais praticantes; significa, antes, que o

catolicismo é socialmente a possibilidade de todas as categorias de sujeitos

sociais possuírem uma mesma religião e diferenciarem, no seu interior,

modalidades próprias de sua religiosidade” 15.

A grande aceitação do catolicismo na sociedade, então, estaria no fato de

que no catolicismo há uma grande diversidade de modos de “ser”, que por sua

vez configuram uma pluralidade relativa com as maneiras de “participar”. Ou

seja, o catolicismo brasileiro tem uma capacidade sincrética tão grande a tal

ponto que o indivíduo pode ser católico “praticante”, “não-praticante” e até “ser

católico á sua maneira”, que muitas vezes faz com que estes católicos

freqüentem outras religiões ou religiosidades. Em suma, através do simples ato

de batismo, os brasileiros que querem, podem e se identificam como católicas.

Podemos refletir em cima do artigo de Maria Izaura Pereira de Queiroz,

“Identidade nacional, religião, expressões populares: a criação religiosa no

Brasil”. Nele, a autora discute a composição do “caráter brasileiro”, ou seja, o

que faz do brasileiro ser brasileiro como um entrave de traços culturais de três

origens diferentes: a portuguesa, a africana e a “aborígene”, ou indígena.

Portanto, utilizando a noção de “identidade nacional como diferenciação”, o que

distinguia o “ser brasileiro” do “ser europeu” estava no fato de que as maneiras

de pensar e de agir dos brasileiros apresentavam sempre uma mistura de

elementos culturais de origens diversas, colocando em evidência o caráter plural

                                                            15 Ibid, p. 47. 

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da sociedade e do indivíduo brasileiro16. Este modo de encarar a sociedade

brasileira, segundo a autora, é presente desde o final do século XIX, coisa que

preocupava muito os intelectuais da época. Estes viam a pluralidade da cultura

brasileira como um “obstáculo” ao desenvolvimento do país, admitindo, portanto,

que a base da identidade nacional seria a homogeneidade cultural, condição

para o progresso sócio-cultural. Esta pluralidade pode ser vista também no

campo religioso. Queiroz afirma que até mesmo as visitas do Santo ofício ao

Brasil, nos finais do século XVI até o século XVIII registravam o aparecimento de

“seitas pagãs” e “idólatras”, pois as crenças e ritos do catolicismo estavam

estreitamente ligados a práticas indígenas. Isso fez com que o mapa religioso

brasileiro fosse traçado de forma que se tornou possível a localização do

catolicismo como a base da religiosidade brasileira, mais ou menos em cada

parte do território nacional.

O contato da grande corrente de colonos portugueses com os indígenas

durante os primeiros séculos de colonização, e depois com a chegada maciça e

contínua de africanos ao Brasil fez com que surgisse uma religiosidade singular,

e ao mesmo tempo plural no Brasil. Isso foi possível, pois o caráter fundamental

do catolicismo, seu universalismo, favorecia a aproximação das etnias e dos

cultos. Desta forma, este encontro de povos e culturas distintas acabou criando

uma verdadeira religiosidade espontânea, a dos cultos sincréticos surgidos

através de impulsos. Afinal, mesmo assimilando muitos elementos católicos, as

religiões de origem africana ou indígena se viam em processo de

desaparecimento, daí a necessidade de incorporar elementos africanos e/ou

indígenas em ritos católicos, surgindo assim uma espécie popular de catolicismo.

Isto incomodava muito as elites intelectuais brasileiras durante o século XIX, pois

entendiam, como dito anteriormente, tal variedade de cultos e culturas como

prova do baixo desenvolvimento cultural brasileiro. Isto por que, para eles, afirma

Queiroz, nas sociedades progressistas (tomando a Europa como exemplo) não

existiam tal cultos bárbaros e rituais arcaicos como os que eram encontrados no

Brasil. Ou seja, a maior preocupação das elites era a carência de uma identidade

                                                            16  Cf. QUEIROZ, Maria Izaura P. Identidade nacional, religião, expressões populares: a criação religiosa no Brasil in SACHS, Viola. “Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional”. 

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nacional não definida ainda. Só se podia falar em identidades fragmentadas em

nossa cultura.

Esta situação mudou, segundo Queiroz, durante a década de 1920. Os

intelectuais da época, muitos ligados á “Semana de Arte Moderna”,

consideravam a identidade brasileira justamente como a integração de

elementos originários de três fontes culturais diversas (branca, negra e

indígena). Tal raciocínio ganhou mais força na década seguinte, com a

publicação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. O que podemos

concluir aqui é que a conveniência desta idéia poderia ser aproveitada

posteriormente para o delineamento da “real” identidade brasileira, ou seja, a

mistura de três culturas principais ao longo de nossa história: a trazida pelos

colonos portugueses durante início da colonização brasileira, a trazida pelos

escravos negros africanos, da qual o fluxo foi muito intenso durante os séculos

XVI e XIX, e os nativos indígenas que já estavam aqui antes da chegada dos

colonos portugueses, e que tiveram integração cultural através de seus

posteriores contatos. Mais do que isso, Queiroz afirma que este sincretismo

cultural dava ao mundo uma lição de “democracia” racial, cultural e até mesmo

religiosa, compondo uma espécie de ecumenismo e diferenciando realmente o

que é ser brasileiro do que é ser um “não-brasileiro”.

Ao que nos parece, estes estudos nos levam á uma questão interessante:

se a presença do catolicismo é tão grande, então ele deve estar, de alguma

forma, impregnada na nossa cultura, como uma espécie de “base” religiosa

desta cultura sincrética e que faz parte de todas, ou na maioria, das

religiosidades brasileiras. Este seria um conceito essencial que ajudaria entender

o por que de Nossa Senhora da Conceição Aparecida ser escolhida para tal

tarefa, de organizar uma identidade nacional religiosa no Brasil, intimamente

ligada ao catolicismo popular.

Mas, afinal, o que seria um “catolicismo popular” e seu contraste com o

“catolicismo oficial”? Esta é uma questão muitíssimo discutida em ambiente

acadêmico até os dias de hoje. Há uma vasta bibliografia sobre o assunto, e uma

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série de inúmeras teses, hipóteses e discussões sobre o catolicismo popular

brasileiro. Por isso, escolhemos referências pontuais, que, após várias leituras,

julgamos mais de acordo com a proposta dada á nossa pesquisa.

Podemos inicialmente esboçar algumas características do “catolicismo

popular”. Normalmente, pode ser tratado como um tipo de catolicismo, trazido

por portugueses pobres e começou a penetrar no Brasil a partir da colonização

do território. Teve presença significativa na zona rural, em terras camponesas.

Na época da primeira onda colonizadora portuguesa ao Brasil, havia pouca

presença de cidades e a população colonial brasileira ainda era muito pequena.

Inicialmente, não tinha ligações com o poder político, nem se beneficiava de

auxílios econômicos.

Analisando o modelo da colonização do Brasil, observamos que a

colonização era principalmente voltada ás áreas da costa brasileira, ou seja, do

litoral do nosso território. Isso fez com que a concentração populacional e

administrativa ficasse, inicialmente, centrada nestas áreas litorâneas.

Consequentemente, os colonos que partiam para a interiorização do território

normalmente construíam vilarejos auto-suficientes, com pouca comunicação com

as áreas litorâneas mais povoadas. Então não é de se admirar que a população

interiorana ao longo do tempo criasse seu próprio modo de vida, com algumas

diferenças em relação à população litorânea: a religiosidade não foi diferente.

Devido á falta de presença do clero oficial nos territórios do interior brasileiro, foi-

se criando uma espécie de “catolicismo próprio”, com ritos e interpretações

religiosas próprias, onde o próprio leigo ocupa papel central na organização de

cultos e festas populares. Isso fez com que o papel da manipulação do sagrado

com finalidades pragmáticas se tornasse visível, fazendo com que o catolicismo

popular independesse de Igreja Católica Apostólica Romana.

O santo é um dos elementos fundamentais desse catolicismo. Tudo

parece girar ao redor dele. É objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo

familiar (oratório), dos pequenos povoados (capela) ou das grandes massas

(santuário). O fiel relaciona-se o tempo todo e a vida toda com o santo. Conversa

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com ele, pede-lhe proteção, agradece pelo bem recebido, podendo até ficar

zangado e virar a imagem de costas quando não for atendido.

Pedro Assis Ribeiro de Oliveira possibilita uma análise comparativa do

“catolicismo popular” com a “religiosidade popular”, e com isso acabou criando

uma tipologia baseada em quatro núcleos que compõem o catolicismo popular,

sendo que cada núcleo se mostra como um agrupamento de atos semelhantes

entre si para que seja concretizada a relação entre o homem e o sagrado 17.

Aqui, nos interessa o terceiro e quarto núcleos, que são nomeados por Oliveira,

respectivamente, de núcleos “devocionais” e “protetores”. O núcleo devocional

caracteriza-se pelo relacionamento do fiel, ou do homem comum, com o sagrado

sem a interferência nem intermediação de outro ser humano nesta relação, ou

sem a intermediação do sacerdote ou padre. Esta relação pode acontecer de

forma pessoal, privada. É aqui que voltamos á atenção ao caráter

eminentemente religioso do santo, como foi dito acima. No caso de esta relação

ocorrer em caráter coletivo, temos as romarias, festas populares, procissões,

entre outros. Então, o caráter principal deste núcleo descrito por Oliveira seria a

obtenção de uma aliança direta com os santos, ou com o sagrado. Aliança esta

que traz benefícios físicos através da comunicação sobrenatural, mostrando o

caráter pragmático do catolicismo popular.

Já o “núcleo protetor” também se define pelas relações diretas e sem

intermediação do sacerdote entre o homem e o sagrado. Desta vez, a obtenção

de benefícios concretos aparece na forma de intercessões de proteção para o

fiel em questão através de “promessas”, em troca de curas de doenças,

melhoras nas condições financeiras, obtenção de empregos, obtenção de graça

quando há dificuldades em engravidar e muitas outras.

Oliveira afirma ainda que o catolicismo popular consta como a inversão

dos valores do catolicismo oficial 18, caracterizando uma disparidade entre eles.

O catolicismo oficial tratado por Oliveira tem como características o primeiro e

                                                            17 OLIVEIRA, P. A. R. Religiosidade popular na América latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 32, fasc. 126, Jun/1972. P. 350‐358. 18 Ibid, p. 354.  

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segundo núcleos citados por ele no mesmo referido artigo. Portanto, o primeiro

núcleo seria a participação do sacerdote, ou padre, nas relações entre o homem

e o sagrado, além da total subordinação do crente à Igreja e não trata desta

relação como um caráter utilitário nem pragmático. Este núcleo Oliveira nomeou

de “núcleo sacramental”. Já o segundo núcleo, ou “núcleo evangélico” consta

como a inefabilidade do sacerdote e de sua interpretação das sagradas

escrituras, ou seja, da Bíblia. Tanto no primeiro quanto no segundo núcleo

podemos observar a permanência e a importância do sacerdote como

instrumento importantíssimo para a relação entre o fiel e o mundo sobrenatural,

coisa que, na maioria das vezes, não é observada no catolicismo popular.

Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta também traz um estudo

interessante sobre catolicismo popular e catolicismo oficial, ou segundo a

historiadora, “catolicismo clerical”. Em seu artigo A cultura clerical e a folia

popular, Gaeta afirma que a cultura popular é ligada ás culturas das quais ela se

insere, sendo impossível a dissociação entre ambas, pois a primeira é produto

da segunda. Ainda mais, diz que esta religiosidade popular, de herança colonial

é muitas vezes colocada como “degradante” pelo campo religioso oficial, que

muitas vezes insiste em apontar a religiosidade popular como “herética” e “suja”.

Aqui, o aspecto que de sua leitura de catolicismo oficial que nos interessa é o

modelo eclesial católico que foi implantado no Brasil a partir do século XIX: o

ultramontanismo.

Apesar de tratarmos ele ao decorrer do capítulo 1, é importante dizer que

esta tendência ultraconservadora da Igreja tem suas raízes na contra-reforma

européia. Tinha a intenção de reforçar a fé católica em todos os lugares do

mundo onde a Igreja exercia influência e principalmente reforçar seus ideais e

força após as tendências estatais de separação entre Igreja e Estado. Buscam,

enfim, uma consolidação doutrinária teológica segundo Gaeta, por isso estrutura-

se em torno de algumas rejeições, como a rejeição à ciência, à filosofia e às

artes modernas. Condena também o capitalismo burguês e vai contra os

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princípios liberais e democráticos, e também contra os preceitos socialistas 19.

Portanto, a partir do século XIX, o catolicismo no Brasil passou por uma grande

mudança, principalmente o catolicismo dito oficial, ou o que era presente em

grandes centros urbanos e o praticado, obviamente, dentro das igrejas,

catedrais, ou algumas manifestações públicas.

Durante o levantamento bibliográfico inicial, foram recolhidos alguns

aspectos já formulados sobre o tema escolhido, portanto, todo o material aqui

apresentado obviamente necessita de grande aprofundamento e estudo

posteriores.

A importância da devoção mariana é citada, por Sylvie Barnay 20, datando

do Concílio de Trento. Após este, segundo a autora, a imagem da virgem acaba

se tornando o baluarte do cristianismo frente às idéias da Reforma. Com isso, a

Contra-reforma católica dá ao culto mariano mais visibilidade, principalmente nas

missões católicas no Novo Mundo e associando o fato de que estas terras eram

“virgens” do catolicismo. Igualmente, é dada notoriedade às aparições marianas

por todo o mundo, principalmente com Guadalupe nas terras mexicanas.

Notadamente, as imagens marianas têm sua importância revigorada durante o

século XIX. Barnay afirma que, após a Revolução Francesa, a Virgem acaba por

recuperar sua visibilidade, desta vez sob a forma de uma estátua vestida em

branco e azul, cores também pertencentes à causa revolucionária. O ápice de

importância da figura mariana é a definição da Imaculada Conceição de Maria,

pelo papa Pio IX na bula Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854). Barnay ainda

coloca a proclamação do novo dogma se inscreve em um “(...) contexto de

afirmação papal” 21.

Eduardo Hoornaert, em sua “História da Igreja no Brasil” revela duas

características do Brasil Colonial: a forte presença negra nas terras brasileiras,

revelando o excessivo tráfico negreiro ocorrido durante três séculos; e a

                                                            19 Cf. GAETA, M. A. J. V. Cultura clerical e folia popular. 20 BARNAY, Sylvie. A renovação da teologia e cultos marianos, in CORBAIN, Alan. “História do Cristianismo”, p. 386. 21 Ibid, p. 387. 

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identificação com o poder eclesiástico, logo dominante, dos europeus, pois eram

imagens marianas e católicas muito bem conhecidas e difundidas desde o

período colonial. Hoornaert também chama atenção para o surgimento do culto á

Nossa Senhora Aparecida aos moldes de Nossa Senhora de Guadalupe,

padroeira do México e surgida no século XVI, dois antes do surgimento de

Aparecida, no XVIII. O autor afirma que Nossa Senhora Aparecida representa a

tradição de Guadalupe, difundida no Brasil durante a União Ibérica.22 Após 1640,

houve um movimento de “descastelhanização”, e Guadalupe foi substituída por

Conceição, mas a imagem e significados permaneceram.

Tal afirmação associa a devoção á Nossa Senhora Aparecida ao

sincretismo de dois cultos católicos 23, o de Nossa Senhora da Conceição e a de

Nossa Senhora do Rosário, sendo a primeira a imagem de devoção dos

portugueses quando desembarcaram em terras brasileiras e servindo como

“agradecimento” por terem atravessado o mar; e a segunda a imagem presente

nos navios negreiros, portanto, sofrendo um processo de bricolagem quando foi

incorporada á cultura africana dos negros traficados para o Brasil. É interessante

analisar a história de Nossa Senhora do Rosário com os negros, pois acabou

sendo um dos primeiros desdobramentos da fé católica negra, sendo esta

introduzida aos africanos logo em sua catequização em terras natais pelos

portugueses. Em sua chegada ao Brasil, os negros desenvolveram esta

devoção, construindo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário como uma obra da

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho.

Riolando Azzi, em seu “O Catolicismo popular no Brasil” trabalha, entre

outras questões, a do “catolicismo tradicional” vinculado á cultura do povo

brasileiro durante todo o Período Colonial, dando um caráter popular ao futuro

culto de Nossa Senhora Aparecida. Azzi ainda diz que quando a imagem foi

achada, era o mesmo momento em que o Conde de Assumar, D. Pedro de

Almeida, governador da província de São Paulo e Minas Gerais passava por

Guaratinguetá, local onde foi achada, em direção das Minas, revelando a

                                                            22 HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil, p. 346. 23  Ibid., p.347. 

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importância que o ciclo de mineração tinha para a política metropolitana, e

revelando também o ponto estratégico onde fica localizada a cidade de

Guaratinguetá, ou seja, no centro da principal rota econômica brasileira na

época, que ficava entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.24

Este aspecto é estudado também por Emerson José Sena da Silva e seu

artigo “Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida”, localizado no

livro organizado por Edin Sued Abumanssur, “Turismo Religioso: ensaios

antropológicos sobre religião e turismo”. Aqui, Silveira retoma o fato de que

Aparecida surge em 1717, no corredor econômico entre interior e litoral,

apresentando sua importância de escoamento de produtos sentido interior-litoral,

e argumentando que desde 1717, ano em que a imagem de Aparecida foi

encontrada até meados de 1894 os arredores de Guaratinguetá são alvos de

crescente peregrinação, culminando no que hoje é a cidade de Aparecida do

Norte, perto de Guaratinguetá. 25

Temos também Rubem Cesar Fernandes, em seu artigo “Aparecida:

nossa rainha, senhora, mãe, sarava!” 26, da qual o autor justifica tal afirmação

apontando o cruzamento entre São Paulo e Rio de Janeiro, em um eixo, e o

litoral e Minas Gerais, em outro eixo, como localização do palco sobre o

aparecimento da Imagem da virgem, tal como o local de início de sua devoção.

Portanto, esta região tem assistido a um tráfego expressivo ao longo de todo

esse tempo, sendo eles o de ouro no século XVIII, da cana de açúcar mais tarde,

e do café durante os séculos XIX e XX.

Finalmente, esperamos que, com este trabalho, contribuamos para

posteriores pesquisas sobre o assunto e que o leitor aprecie as próximas

páginas, escritas com muito trabalho intelectual e carinho pelo tema escolhido.

                                                            24 AZZI, Riolando. O Catolicismo Popular no Brasil, p. 143. 25 SILVA, Emerson José Sena. “Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida”. In Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida, p. 264. 26 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 

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1 Uma breve história do início de uma Devoção

1.1 A Imagem de terracota de Nossa Senhora da Conceição

O fundo e embasamento histórico sobre a história inicial da devoção á

Nossa Senhora Aparecida, ou seja, o momento em que a imagem de terra-cota

foi achada pelos pescadores Filipe Pedroso, Domingos Martins Garcia e João

Alves e os anos subseqüentes vem da obra do Pe. Júlio J. Brustoloni, História

de Nossa Senhora da Conceição Aparecida: a Imagem, o Santuário e as

Romarias. Justifica-se aqui a escolha deste autor por este se tratar de um

historiador redentorista com mais de 35 anos de experiência em estudos sobre

Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

O Pe. Júlio J. Brustoloni é missionário redentorista, nascido em 18 de

julho de 1926. Foi professor na Congregação Redentorista em 1947 e ordenou-

se sacerdote quatro anos depois. Sua atuação apostólica mais longa foi em

Aparecida do Norte, trabalhando com os peregrinos que iam até a cidade

prestar homenagem á santa. Desde 1978 já publicou 3 livros sobre o assunto,

sendo um deles este que será estudado. Escreveu também a História da

Missão Redentorista de São Paulo e Goiás em parceria com o Pe. João P.

Gomes, e tal obra está intimamente ligada ao Santuário de Aparecida, por este

fazer parte da área estudada neste último livro citado.

Antes da descrição da a imagem de Nossa Senhora da Imaculada

Conceição achada ás margens do Rio Paraíba do Sul, devemos esclarecer o

fato de a devoção á mesma santa ser muito comum no Brasil do século XVIII.

Brustoloni afirma que “os colonizadores portugueses legaram aos brasileiros

especial devoção a Nossa Senhora da Conceição” 1. Deve-se deixar claro aqui

que, em 1717, a imagem mariana era a de Nossa Senhora da Imaculada

Conceição, divulgada pelos portugueses desde os tempos de colonização, e

não a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida que hoje

conhecemos. Na verdade, na época não existia uma “Nossa Senhora

                                                            1 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 17. 

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Aparecida”, mas somente após o encontro da imagem que citamos, de uma

“Nossa Senhora da Conceição ‘Aparecida’”, pois ela “apareceu” no Rio Paraíba

do Sul. Estas considerações são importantes a fim de evitar futuras confusões

entre as duas imagens marianas, esclarecer a visão de momento da época.

 

Escultura contemporânea de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Foto: Roberta Oiwo. Arquivo 

pessoal.

A partir destas informações, o que podemos perceber é que era de

grande importância a veneração á Nossa Senhora da Conceição, reminiscência

da cultura portuguesa no Brasil. Havia, também, a celebração do dia da santa

em questão, que era celebrada no dia 8 de dezembro, mesma data da festa de

Nossa Senhora da Conceição. É sabido também, mostrando a importância e a

divulgação da veneração á santa, que a festa era celebrada solenemente em

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terras brasileiras ás custas do governo português, e tal ocorrência era de total

responsabilidade do mesmo governo, determinados desde o ano de 1646. Este

ano foi quando o rei português Dom João IV proclamou a Nossa Senhora da

Conceição como padroeira não só das terras portuguesas na Europa, mas

também toda a extensão além-mar do império, ou seja, todas as suas colônias.

Foi feita uma cerimônia solene, em Vila Viçosa em Portugal, para agradecer a

Nossa Senhora a restauração da Independência de Portugal em relação a

Espanha, pois desde o ano de 1580 Portugal se via comandado pela dinastia

filipina espanhola, encabeçada por Filipe II da Espanha. Isto deve-se á crise de

sucessão de seu trono quando deu-se a morte de Dom Sebastião de Portugal

na batalha de Alcácer-Quibir, não deixando nenhum descendente apto á subir

ao trono de Portugal. A partir daí, o culto á Nossa Senhora da Conceição no

Brasil acabou por tomando seu próprio curso, criando características próprias.

 

Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Foto: Dario Pedrosa, arquivo pessoal.

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De acordo com informações do próprio Santuário de Aparecida, a

pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, mais tarde transformada

em Nossa Senhora da Conceição Aparecida, mede apenas 36 cm de altura

sem o pedestal que a sustenta, e pesa apenas 2.550 quilos. Seu material é a

terracota, um material constituído por argila cozida no forno, que é utilizada em

cerâmica e construção, mas também se refere a objetos e artefatos feitos deste

material, como a própria imagem, e a sua cor natural é o laranja-acastanhado.

A argila utilizada para a confecção da imagem é oriunda da região de Santana

do Parnaíba, na Grande São Paulo, e muito conhecida à época e até hoje pelo

seu conjunto arquitetônico colonial e pela argila de boa qualidade usada tanto

em esculturas e estátuas quanto em construções civis. Quando foi recolhida

pelos pescadores, o corpo estava separado da cabeça e, muito provavelmente,

sem a policromia original, devido ao período em que esteve submersa nas

águas do rio. Suas colorações seguiam de acordo com o protocolo

determinado por Dom João IV, ou seja, tinha um manto de cor azul e um forro

da cor vermelha, sendo as cores oficiais da santa no ano de 1646. Brustoloni

ainda afirma em seu livro que, segundo o Dr. Pedro de Oliveira Ribeiro Neto,

juntamente com os peritos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP)

Dr. Pietro Maria Bardi, Dr. João Marino e a restauradora Maria Helena

Chartuani, “(...) pelo fato de ficar por muitos anos submersa no lodo das águas,

e posteriormente exposta ao lume e à fumaça dos candeeiros, velas e tochas,

quando ainda se encontrava em oratório particular dos pescadores e na

capelinha do Itaguaçu, a Imagem de Nossa Senhora Aparecida adquiriu a cor

que hoje conserva: castanho brilhante” 2.

Só posteriormente, na época em que o culto à esta imagem de Nossa

Senhora da Conceição tomou um caráter mais amplo, foram colocados na

mesma um manto feito á mão e uma coroa igualmente feita á mão.

Esteticamente, o manto ainda escondia a quebra que havia entre a cabeça e o

resto to corpo da imagem, uma vez que ambas foram achadas em momentos

diferentes, sendo o corpo achado primeiro, e instantes depois, a cabeça. De

acordo com a mitologia corrente sobre o ocorrido, a cabeça da santa se uniu

                                                            2  BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 18. 

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milagrosamente ao corpo assim que foram colocados juntos, porém

infelizmente não foi encontrado nenhum registro sobre se as partes da imagem

foram consertadas de alguma outra forma. Havia também um pedestal de prata

que sustentava a imagem quando esta se tornou de conhecimento público, que

foi mandado fazer e colocado pelo pároco local (da cidade de Guaratinguetá), o

Cônego Benedito Teixeira da Silva Pinto 3.

Embora não seja possível determinar o autor ou a data da confecção da

imagem, através de estudos comparativos concluiu-se que ela pode ser

atribuída a um dos discípulos do monge beneditino e santeiro baiano, Frei

Agostinho da Piedade. Tal afirmação é dada pelo Dr. Pedro de Oliveira Neto,

conhecedor das imagens e artes brasileiras do período “seiscentista”: “A

Imagem de Nossa Senhora Aparecida é paulista, de arte erudita, feita

provavelmente na primeira metade de 1600, por discípulo, mas não pelo

próprio mestre, do beneditino Frei Agostinho da Piedade” 4.

Com um estudo estilístico da imagem por especialistas, algumas

características da mesma possibilitaram a aproximação da data, autor e escola

artística da qual a escultura pertencia: forma sorridente dos lábios, queixo

encastoado, tendo, ao centro, uma covinha, penteado e flores nos cabelos em

relevo, broche de três pérolas na testa e porte corporal empinado para trás 5.

Ainda, os especialistas afirmam, a partir destas características de estilo, que o

autor certo é o Frei Agostinho de Jesus, realmente discípulo do monge

beneditino Frei Agostinho da Piedade 6. Ao contrário de Frei Agostinho da

Piedade, que assinava as suas obras, identificando-as, seu discípulo Frei

Agostinho de Jesus não identificava as suas, porém este costumava imprimir

nelas traços bem característicos que acabavam por distinguir suas obras das

de seu mestre. O Dr. Pedro de Oliveira Neto ainda afirma que “(...) notamos na

                                                            3  Aqui, vale salientar o significado do título de Cônego, estranho para alguns. O Cônego (ás vezes também chamado de Cânon) é o presbítero que vive sob uma regra que o obriga a realizar as funções litúrgicas mais solenes na Igreja Sede ou Colegiada. (JOÃO PAULO II, Papa. "Código de Direito Canônico") 4  BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 21. 5  ACMA – Relatório do Trabalho de Resturação da Imagem de Nossa Senhora Aparecida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1978. 6  NIGRA, D. Clemente da Silva. “Os dois escultores Frei Agostinho da Piedade e frei Agostinho de Jesus e o Arquiteto Macário de São João”, p. 58. 

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imagem de Nossa Senhora Aparecida a perfeição das mãos postas,

pequeninas e afiladas como as de uma menina, e as mangas simples e justas,

de muito requinte, terminando no punho esquerdo dobrado à maneira dos

mestres seiscentistas do barro paulista” 7, sustentando ainda mais a suspeita

de que o mestre, escola artística e datação são estas descritas há pouco.

1.2 Encontrada a Imagem de Nossa Senhora da Conceição na Vila de

Guaratinguetá

A cidade de Guaratinguetá acabou se consagrando por ser o palco do

início da história de Nossa Senhora aparecida, principalmente o Rio Paraíba do

Sul, em cujas margens foi literalmente pescada a imagem da santa, como dito

anteriormente. Guaratinguetá é um município brasileiro do estado de São

Paulo, localizada na região do Vale do Paraíba, que abrange parte do leste do

estado de São Paulo e oeste do estado do Rio de Janeiro. Segundo Brustoloni,

mesmo antes de 1717 e o episódio de Aparecida acontecer, o Vale do Paraíba

em si já havia experimentado um pouco do “sagrado”; o vale era habitado,

antes da chegada dos portugueses, por tribos nativas das quais se

destacavam, por exemplo, as dos Tapuias, dos tupis, dos Guaranis e dos

Maromomis 8, onde ao pé da colina de Aparecida houve indícios de que era

presente na região culto aos deuses e aos mortos da parte dos nativos do Vale.

Desde os tempos das primeiras Entradas e Bandeiras para o

reconhecimento de terras, busca de riquezas e busca de mão-de-obra

indígena, a Vila de Guaratinguetá já se mostrou muito importante

economicamente. Principalmente a partir de 1685, durante o início da “corrida

do ouro”, Guaratinguetá era ponto de passagem para as Minas Gerais e para

as vilas de Taubaté e São Paulo, além de ser ponto de partida para Parati,

principal porto de exportação da Colônia. Durante as primeiras décadas do

século XVIII, Guaratinguetá teve importante participação no ciclo do ouro em

                                                            7  BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 23. 8  BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 25. 

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Minas Gerais, sendo o principal centro abastecedor do território mineiro, e para

lá mandou vários bandeirantes, juntamente com os bandeirantes de Taubaté e

de Pindamonhangaba. Nessa época a cidade recebeu uma Casa de Fundição

de Ouro, que mais tarde foi transferida para Parati. A economia não era

desenvolvida, e estava voltada para o comércio de beira de estrada. Porém,

por estar localizada no centro do eixo econômico colonial Minas Gerais – São

Paulo – Rio de Janeiro, entende-se a importância da cidade na época e

também o por quê de ser uma cidade bem conhecida e de parada obrigatória

par aos viajantes e comerciantes.

Segundo o Pe. Ivanir Antônio Rodrighero, em seu artigo Mãe Aparecida

no embate entre ciclo do Açúcar e do Ouro, a descoberta de ouro na região

não foi resultado do acaso. A idéia de corrida do ouro se espalhou rápido pelo

país, devido a dois fatos segundo o autor: 1- o preço desestimulante do açúcar

devido ao aparecimento, nas Antilhas, de açúcar com preços mais acessíveis,

e 2- pela escassez de metais na Europa seguida pelo esgotamento de minas

da América Espanhola 9. Sendo assim, a notícia se espalhou nas capitanias da

colônia, exaltando os ânimos de setores da população que “(...) menos se

haviam acomodado ao mercantilismo” 10, ou seja, aos setores mais pobres da

sociedade colonial brasileira, como pequenos agricultores, pequenos

comerciantes e sertanejos de toda a parte do Brasil. Foi exatamente nesta

época do início do século XVIII, mais precisamente em 1709, que houve a

criação da Capitania de São Paulo e Minas, antiga Capitania de São Vicente

fundida com a antiga Capitania de Itanhaém.

Em meados do ano de 1710, a Vila de Guaratinguetá entrou em um

período de recessão devido á certa escassez de minérios preciosos na região

das Minas, na época unida com a capitania de São Paulo e tendo o mesmo

governador, fazendo com que culturas de subsistência fossem feitas na cidade 11. Entre estas podem ser citadas a cultura do milho, da mandioca, do feijão e

da criação de animais de porte doméstico. Esta situação de escassez                                                             9  RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Mãe Aparecida no embate entre ciclo do açúcar e do ouro, in “Revista Eclesiástica Brasileira, nº 222, p. 366. 10 Idem. 11  MOURA, Carlos Eugenio M. "Visconde de Guaratinguetá", p. 54‐55. 

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econômica fez com que viajasse até as Minas Dom Pedro de Almeida e

Portugal, o Conde de Assumar e governador-geral da capitania de São Paulo.

 

Localização da Cidade de Guaratinguetá. Fonte: Wikipedia.com.br.

A situação econômica da capitania de Minas Gerais fez com que a

situação se agravasse cada vez mais. À época, mais precisamente no ano de

1711, foi criada a Superintendência das Minas de Ouro do Serro Frio, em

Minas Gerais, para a qual foi nomeado o Sargento-mor Lourenço Carlos

Mascarenhas. Esta criação foi feita por causa de levantes populares ocorridos

na região das Minas, causados justamente pela situação de escassez

econômica, como citado anteriormente. Um destes levantes populares, por

exemplo, foi a Guerra dos Emboabas, um confronto travado de 1707 a 1709,

pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro, na região

das Minas Gerais, no Brasil. O conflito contrapôs, de um lado, os

desbravadores vicentinos, grupo formado pelos bandeirantes paulistas, que

haviam descoberto a região das minas e que por esta razão reclamavam a

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exclusividade de explorá-las; e de outro lado um grupo heterogêneo composto

de portugueses e imigrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da Bahia,

liderados por Manuel Nunes Viana – pejorativamente apelidados de

“emboabas” pelos habitantes da Capitania de São Paulo e Minas –, todos

atraídos à região pela febre do ouro. Por causa da situação, o governador da

capitania de São Paulo residia, na época, segundo Brustoloni, na região de

Ribeira do Carmo, hoje a atual Mariana e governava a região de Vila Rica, hoje

a atual Ouro Preto 12.

Rodrighero nos chama a atenção para a situação de pobreza pós-guerra

da região: após a Guerra dos emboabas, as tropas que uniam as minas de

ouro ao litoral acabaram por deixar de fazer o percurso que passava pela

cidade de Guaratinguetá, e a cidade ficaram com poucas ou nenhumas opções

de comércio. O garimpo excessivo nos mananciais fez com que a quantidade

de peixes caísse drasticamente, e o alimento, muitas vezes, ficava restrito à

banana e ao pinhão 13.

Em 22 de Dezembro de 1716 foi nomeado Dom Pedro de Almeida e

Portugal, posteriormente Conde de Assumar, como governador-geral da

capitania de São Paulo. Devido aos recentes ocorridos na capitania de Minas

Gerais (principalmente a situação de escassez), que na época via-se unida à

capitania de São Paulo, portanto estando sob o comando do Conde de

Assumar, o mesmo pôs-se a caminho de Minas Gerais para tentar colocar

ordem na situação. Segundo o “Diário da Jornada” 14, Dom Pedro de Almeida e

Portugal iniciou sua viagem em setembro de 1717, saindo de São Paulo em

direção das Minas, chegando á Pindamonhangaba no dia 13 de Outubro. Após

permanecer na cidade por um dia, em 17 de Outubro chega na cidade de

Guaratinguetá, um Domingo, na altura do meio-dia. No dia seguinte, logo se

prontificou em nomear ofícios e postos de governança na cidade, procedimento

este que ocorria durante todo o trajeto de São Paulo á Guaratinguetá, pois por

                                                            12  BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 29. 13  RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Op. Cit, p. 370. 14 Diário da Jornada, que fez o Exmo. Senhor Dom Pedro desde o Rio de janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas, no ano de 1717, in “Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico de Lisboa”, nº 3, p. 295 a 316. 

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cada cidade que passava organizava a “vida administrativa” das mesmas e até

mesmo castigando funcionários ditos “preguiçosos” e punindo rebeldes e

criminosos. De acordo com o registro, se escrito com fidelidade apesar de ser

um documento oficial, percebe-se o caráter forte do Conde de Assumar e a

seriedade que levava sua vida política, ou talvez a necessidade de uma

personalidade enérgica para lidar com a situação de instabilidade político-

econômica da região na determinada época. Fora isso, sua fama parece ter

sido construída em cima de receio da parte de seus subordinados, mas não

nos cabe aqui discutir os aspectos íntimos da vida (política ou pessoal) do

Governador, e sim as motivações que o levaram á dirigir-se até a vila de

Guaratinguetá e sua ligação com o achado da imagem de Nossa Senhora da

Conceição em terra-cota.

Vale ainda recitar as palavras do cronista da Jornada, infelizmente

desconhecido, em que retrata a realidade de rivalidade e criminalidade não só

na vila de Guaratinguetá, mas em toda a região em volta, devido á situação:

“Os naturais são tão violentos e assassinos, que raro é o que não tenha feito

morte, alguns sete e oito, e no ano de 1716, se mataram 17 pessoas” 15. A

estadia do Conde de Assumar na cidade ficou muito marcada na vida das

pessoas locais, pois não era sempre (quase nunca, deve-se dizer) que

recebiam alguém de suma importância por lá. Então, até o esforço para a

alimentação do governador e sua comitiva era organizada com precisão e visto

com importância pelos locais e organizadores da viagem, por isso que foi

ordenado aos locais que “apanhassem uma boa quantidade de peixes” 16 para

o Conde e sua comitiva. Finalmente, ao que parece, analisando as fontes

oficiais a que se tem contato, a visita do Conde de Assumar á vila de

Guaratinguetá foi o que ocasionou a pesca da imagem de terra-cota por três

pescadores locais, apesar de nada sobre a pesca da imagem em si ter sido

relatada em documento oficial, ou seja, no Diário da Jornada.

                                                            15 Ibid. 16 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 31. 

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Como já é conhecido, e também descrito em “Nossa Senhora Aparecida:

padroeira do Brasil” 17 era três os pescadores que, á pedido da comitiva e

organizadores da mesma que levava o Conde de Assumar ás Minas, dirigiram-

se até o conhecido Rio Paraíba do Sul a sim de trazer peixes para a

alimentação do Conde e sua comitiva. Os moradores ribeirinhos que foram

convocados para apanhar certa quantidade de peixes foram Domingos Martins

Garcia, João Alves e Filipe Pedroso. Brustoloni afiram ainda que os “(...)

personagens (...) são reais, e não imaginários (...) 18. Confirmando sua

afirmação, Brustoloni busca nos livros de batizados e casamentos da paróquia

de Santo Antônio de Guaratinguetá os registros de batismo dos “protagonistas”

do evento: o Pe. José Alves Vilela anotou, no dia 2 de Maio de 1745 o termo de

batismo de um neto de Filipe Pedroso: “ Aos dois dias do mês de maio de mil

setecentos e quarenta e cinco batizei e pus os santos óleos a José, filho de

Anastácio Pedroso e de sua mulher Maria Siqueira, neto paterno de Filipe

Pedroso e de sua mulher Verônica da Silva, já falecida 19”. Já João Alves e

Domingos Martins Garcia aparecem, respectivamente, como testemunha de

casamento e recenseado do Bairro do Itaguaçu nas Companhias de

Ordenanças, em 1765 20. Sobre a data exata do achado da Imagem de Nossa

Senhora da Conceição, não é possível determinar, pois a falta de documentos

que comprovem o dia exato do achado é um empecilho para a pesquisa. O

período mais próximo que podemos propor, de acordo com o Diário da

Jornada, é o período entre 17 e 30 de outubro de 1717, pois corresponde ao

tempo em que o Conde de Assumar permaneceu na vila de Guaratinguetá.

Durante quinze anos a imagem permaneceu na residência de Filipe

Pedroso, onde as pessoas da vizinhança se reuniam para orar. Segundo a

narrativa local, diversas vezes as pessoas que à noite faziam diante dela as

suas orações, viam luzes de repente apagadas e depois de um pouco

reacendidas sem nenhuma intervenção humana. Logo, já não eram somente

os pescadores os que vinham rezar diante da imagem, mas também muitas                                                             17 MACCA, Marcelo. "Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil", p. 21. 18 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 31. 19 I Livro de batizados da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, in “BRUSTOLONI, Júlio J. ‘História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida’”, p. 32. 20 Ibid. 

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outras pessoas das vizinhanças. A família de Filipe Pedroso construiu um

oratório no Porto de Itaguaçu, que logo foi substituído por uma pequena igreja,

visto o alcance da devoção á santa. Esta primeira igreja foi construída á pedido

do Padre José Alves Vilella, “(...) que assumiu o comando da Paróquia de

Santo Antônio de Guaratinguetá, em novembro de 1725 (...)”21 sendo assim o

primeiro a elaborar os acontecimentos do porto de Itaguaçu, porém

infelizmente este relato foi perdido. No mais, o que se sabe hoje é que o Padre

Vilella, assumindo suas funções de Vigário paroquial de Guaratinguetá 22, pediu

ao Bispo do Rio de janeiro a aprovação do culto á Nossa Senhora da

Conceição Aparecida e a licença para a construção da primeira igreja, que

contava como um lugar onde a imagem pudesse ser pública.

1.3 Documentos oficiais sobre a descoberta nas águas do Paraíba do Sul

Alguns especialistas na história de Nossa Senhora Aparecida defendem

a idéia de que o achado da imagem de terra-cota foi real, e não apenas uma

lenda pertencente à cultura popular tradicional. Brustoloni, por exemplo, busca

em dois documentos oficiais eclesiásticos registros que comprovem o episódio

do achado da imagem como um fato real, e não apenas folclore de época 23. É

pertinente aqui lembrar o seguinte; não é preocupação aqui discutir a

veracidade do mito de Nossa Senhora Aparecida, e sim tentar apontar os fatos

ocorridos em Guaratinguetá durante o século XVIII o mais fiel possível das

fontes históricas nesta primeira parte do trabalho. Também os documentos

apresentados a seguir não se supõem tratar da “verdade absoluta”, e sim,

novamente, o mais próximo que temos sobre relatos do ocorrido que não

fazem parte da narrativa local propriamente dita, respeitando então a devida

distância com esta última.

                                                            21 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 40. 22 Sacerdote que o bispo diocesano nomeia para coadjuvar um pároco no exercício do seu ministério pastoral. A área da sua competência pode ser restringida ou ampliada a várias paróquias. No caso do pároco faltar, o Vigário paroquial assume as suas funções até solução. 23 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 39‐48. 

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Temos o conhecimento de dois documentos oficiais eclesiásticos que

narram o episódio: o primeiro seria o “I Livro do Tombo da paróquia de Santo

Antônio de Guaratinguetá”, e o outro, as “Ânuas da Província Brasileira dos

Padres Jesuítas”. Ambos foram escritos um em 1757 e outro em 1750.

O primeiro consta em um livro de registro que é usado até os dias atuais

em muitas das paróquias existentes no Brasil, tendo por finalidade a narração

de fatos importantes e notícias pertinentes á paróquia em questão e servindo

de documento de registro para as autoridades eclesiásticas. Este livro em

questão, na verdade, relata o histórico e dados históricos de capelas locais,

com uma parte dedicada ao histórico da Capela de Aparecida. Segundo

estudiosos, o livro foi escrito pelo Senhor João de Morais e Aguiar, pároco de

Guaratinguetá em meados de 1757. Foi traduzido direto do latim pelo Pe.

Brustoloni, e parte dele foi publicado em seu livro 24:

““Notícia da Aparição da Imagem da Senhora

No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta Vila para as

Minas, o Governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro

de Almeida e Portugal, foram notificadas pela Câmara os pescadores para

apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito Governador.

Entre muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e

Filipe Pedroso com suas canosa. E principiando a lançar suas redes no Porto

de José Corrêa Leite, continuaram até o Porto de Itaguassu, distância bastante,

sem tirar peixe algum. E lançando neste porto, João Alves a sua rede de rasto,

tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede

tirou a cabeça da mesma senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse.

Guardou o inventor esta imagem em um tal ou qual pano, e continuando

apescaria, não tendo até então tomando peixe algum, dali por diante foi tão

copiosa a pescaria em poucos lanços, que receoso, e os companheiros de

naufragarem pelo muito peixe tinham nas canoas, se retiraram a suas

vivendas, admirados deste sucesso.

                                                            24 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 44‐47. 

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Filipe Pedroso conservou esta Imagem seis anos pouco mais ou menos

em sua casa junto a Lourenço de Sá; e passando para a Ponte Alta, ali a

conservou em sua casa nove anos pouco mais ou menos. Daqui se passou a

morar em Itaguassu, onde deu a Imagem ao seu filho Atanásio pedroso, o qual

lhe fez um oratório tal e qual, e, em um altar de paus, colocou a Senhora, onde

todos os sábados de ajuntava a vizinhança a cantar o terço e mais devoções.

Em uma dessas ocasiões se apagaram duas luzes de cera de terra

repentinamente, que aluminavam a Senhora, estando a noite serena, e

querendo logo Silvana Rocha acender as luzes apagadas também se viram

logo de repente acesas sem intervir diligência alguma: foi este o primeiro

prodígio, e depois, em outra semelhante ocasião, viram muitos tremores no

nicho e no altar da Senhora, que parecia cair a Senhora, e as luzes trêmulas,

estando a noite serena.

Em outra semelhante ocasião, em uma sexta-feira para o sábado (o que

sucedeu várias vezes), juntando-se algumas pessoas para cantarem o terço,

estando a senhora no poder da Mão Silvana da Rocha, guardada em uma

caixa ou baú velho, ouviram dentro da caixa muito estrondo, muitas pessoas,

das quais se foi dilatando a fama, até que, patenteando-se muitos prodígios

que a Senhora fazia, foi rescendo a fé e dilatando-se a notícia, e, chegando ao

R. Vigário José Alves Vilella, este e outros devotos lhe edificaram uma

capelinha e depois, demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com

grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em

que de presente está. Os prodígios desta Imagem foram autenticados por

testemunhas que se acham no Sumário sem Sentença, e ainda continua a

Senhora com seus prodígios, acudindo à sua Santa Casa romeiros de partes

muitos distantes a gratificar os benefícios recebidos desta Senhora.” 25

O documento é bem simples, de linguagem e escrita de época. O relato

de João de Morais e Aguiar começa com a notícia de que o Conde de

Assumar, Dom Pedro de Almeida passava pela Vila de Guaratinguetá em

caminho ás Minas, como dito anteriormente, e assim sendo, os pescadores

locais foram notificados pelas autoridades para que pescassem o maior

                                                            25 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 44‐45. 

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número de peixes possível, para alimentar o governador e sua comitiva. O

documento ainda cita o nome dos três pescadores, Domingos Martins Garcia,

João Alves e Filipe Pedroso. Em um segundo momento, o relato trata do

episódio da pescaria, em que as redes foram jogadas desde o Porto José

Corrêa Leite até o Porto de Itaguaçu, sem retirarem nenhuma pesca das

águas. Neste ponto, é escrito que João Alves lançou a rede ao rio, porém desta

vez retirou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, ainda que

desprovida da cabeça. Jogando mais uma vez a rede ao rio, segundo o relato,

João Alves retirou a cabeça que faltava na imagem. Logo, o mesmo pescador

guardou corpo e cabeça da imagem da santa em um pano, para continuar com

a pescaria.

 

Rio Paraíba do Sul hoje. Foto: IBGE.

A partir deste momento, diz o relato, “(...) dali por diante foi tão copiosa a

pescaria em poucos lances, que receoso, e os companheiros de naufragarem

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pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas,

admirados deste sucesso”. Em uma terceira parte do documento, são tratados

os momentos de conservação da imagem da santa e alguns de seus primeiros

milagres. O relato continua, então, apontando Filipe Pedroso como

conservador da imagem achada, guardando esta em sua casa “(...) junto a

Lourenço de Sá (...)” por seis anos, e “(...) passando para a Ponte Alta (...)”

guardou a imagem por pouco mais de nove anos. Posteriormente, segundo o

documento, mudou sua residência para Itaguaçu, passando a imagem para seu

filho, Atanásio Pedroso, que acabou construindo um oratório de madeira para

que a imagem pudesse repousar, fazendo com que a vizinhança se reunisse

todos os sábados para cantar o terço, entre outras devoções. A próxima parte

do relato trata sobre alguns ditos “milagres” ocorridos pela santa. O primeiro

deles seria testemunhado pelos moradores locais em uma noite de sábado

durante a oração do terço. Como “(...) a noite estava serena (...)”, foi de

estranhamento geral que as luzes das velas que estavam ao lado da imagem

apagassem.

Logo em seguida, em uma tentativa de Silvana da Rocha em acender as

velas que haviam se apagado misteriosamente, segundo o documento, estas

mesmas se acendem sozinhas, sem intervenção humana. Logo após, foram

testemunhados também pela vizinhança, diz o documento, alguns tremores no

altar de madeira da qual repousava a imagem da santa, e as luzes das velas

ficavam extremamente trêmulas durante o episódio. O terceiro e último relato

milagroso narrado por João de Morais e Aguiar trata-se de tremores vindos de

dentro de um baú de madeira que abrigava a imagem da santa, quando este

estava sendo carregado, novamente, por Silvana da Rocha em uma

madrugada de sexta-feira para sábado durante a já comum reza do terço

diante do altar da imagem. Finalmente, o relato cita o nome do Vigário José

Alves Vilella, em que “(...) junto com alguns outros devotos (...)” edificou uma

capelinha que recebia “prodígios” de Nossa Senhora que vinham ao local

cultuar ou apenas ver a santa.

Após a divulgação da notícia e da devoção, o documento termina seu

relato com a notícia de que esta capelinha havia sido demolida para dar lugar à

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construção de uma igreja voltada á devoção a Nossa Senhora “Aparecida” (por

esta ter “aparecido” do meio do rio) 26. A capela em questão estaria de pé

durante a data de quando o documento foi escrito.

 

Porto de Itaguaçu. Foto: Amyra El Khalili. Arquivo pessoal. 

 

  O segundo documento consta em uma compilação das “Ânuas da

Província Brasileira dos padres Jesuítas” de 1750. Uma ânua consiste em uma

carta-relatório do período de um ano, sendo assim um relatório que províncias

de uma determinada Ordem religiosa ou Congregação enviam aos seus

respectivos superiores na sede de Roma. Estes relatos contém a vida e

atividade religiosa da província em questão, principalmente das pessoas

simples e leigos. Algumas vezes, relatam sobre padres ou irmãos falecidos,

atividades científicas (nos dias atuais) e sociais e atividades apostólicas. Como

estas ânuas em específico contêm também “(...) santas missões pregadas por

                                                            26 Toda esta descrição de idéias está contida em “Notícia da Aparição da Imagem da Senhora”, in “I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá”. 

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padres jesuítas” 27, há uma crônica da santa missão pregada no recém fundado

povoado de Aparecida, chamado naquela época de “Capela de Nossa Senhora

da Conceição Aparecida”, tratando então do achado da imagem.

Escrita em latim, estas ânuas consistem em uma notícia muito concisa e

breve, porém nos interessa para o decorrer da pesquisa. Toda esta notícia, na

íntegra, foi transcrita por Brustoloni do texto original em latim “E Collegio

Apulopolitano progressi sunt sacerdotes duo ad Parochias usquae quinquaginta

lecarum semotas”, fotocopiada e presente no Arquivo da Província

Redentorista de São Paulo (APR):

“Da residência de São Paulo, saíram dois sacerdotes dos nossos para pregar

as Santas Missões em paróquias na distância de até 50 léguas. Para atender

os pedidos insistentes do Sr. Bispo, as Missões foram iniciadas na cidade de

São Paulo.

(...)

Aqueles dois missionários dos nossos, percorreram doze paróquias,

além de outras capelas particulares dos povoados, nos quais permaneceram

por alguns dias, a fim de atender o mais possível o bem espiritual do povo.

Chegaram finalmente à Capela da Virgem da Conceição Aparecida, situada na

Vila de Guaratinguetá, que os moradores chamam ‘Aparecida’ porque, tendo os

pescadores lançado suas redes no rio, recolheram, primeiro, o corpo, depois,

sem lugar distante, a cabeça (sic).

Aquela imagem foi moldada em argila; sua cor é escura, mas famosa

pelos muitos milagres realizados.Muitos afluem de lugares afastados, pedindo

ajuda para suas próprias necessidades.

A Capela recebe muitas esmolas pecuniárias, doadas por devoção e

gratidão, lucrando todos os meses mais de cem mil réis. Aí, por especial

patrocínio da Mãe de Deus, foi mais frutuosa a missão. Esse povoado se

consumia em acirradas inimizades, que todos, porém, desfizeram retomando

                                                            27 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 41. 

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publicamente a amizade, após o sermão que fizemos sobre a concórdia com o

próximo.” 28

O relato começa com a notícia de que dois sacerdotes acabam por sair

da paróquia de São Paulo para pregar “santas missões” em paróquias

distantes em até 50 léguas, o que daria por volta de 330 kilômetros. Estes

missionários percorrem, segundo o documento, doze paróquias, além de outras

capelas particulares ao longo do caminho, parando para descansarem em

povoados pequenos e permanecendo por no máximo dois dias. O motivo seria

“(...) a fim de atender o mais possível o bem espiritual do povo”. Não há data

precisa, mas acabam por chegar à Capela da Virgem da Conceição Aparecida.

Aqui, o documento explica o porquê deste nome: “(...) ‘Aparecida’ porque,

tendo os pescadores lançado suas redes no rio, recolheram, primeiro, o corpo,

depois, em lugar distante, a cabeça”. A notícia continua explicando que a

imagem teria sido moldada em argila, e teria uma cor escura, mostrando que

desde meados da década de 50, a imagem já apresentava uma cor escurecida,

mesmo antes da exposição às velas; então provavelmente escurecida pelo

tempo que ficou sob as águas do Rio Paraíba do Sul.

Também são descritas na notícia os milagres realizados desde então,

porém infelizmente não foram transcritas por Brustoloni. O relato termina com

uma descrição breve sobre a capela, que sabemos ter sido construída pela

família Pedroso como dito anteriormente, e dizendo que a mesma recebe

esmolas “(...) doadas por devoção e gratidão (...)” e “(...) lucrando todos os

meses mais de cem mil réis”. A última notícia relatada no documento diz que a

vila era consumida por muitas inimizades, apesar de não ser explicitado que

tipo e por quem era esta inimizade, mas os moradores a desfizeram após um

sermão feito pelos dois missionários que por lá pararam. Porém, o próprio

Brustoloni afirma que a importância deste documento “(...) está mais no seu

                                                            28 ACMA – “Arquivos da Cúria Metropolitana de Aparecida” ‐ I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, in BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 47‐48. 

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conteúdo teológico do que no histórico 29”, portanto, consideraremos aqui de

maior importância o primeiro documento.

1.4 O início de uma devoção no Vale do Paraíba

Conforme dito anteriormente, podemos considerar o início do culto á

Nossa Senhora da Conceição Aparecida na casa de um dos pescadores, Filipe

Pedroso, da qual tinha residência na época no sítio de nome Ribeirão do Sá,

mudando-se posteriormente para Ponte Alta 30. O início de tal devoção, em

primeira análise, pode ser justificado pela simples fé do povo humilde que

compartilhou com o fato do aparecimento da imagem no rio durante aquela

pescaria. Em certa parte de sua obra, Brustoloni lança uma questão: depois de

achada, a imagem quebrada poderia simplesmente ser lançada de volta ao rio.

“Por que não o fizeram?”. Para responder á esta questão, o autor recorre ao

que entendemos por ser o imaginário coletivo. Afirmando que “certamente (não

o fizeram) porque viram na pesca milagrosa (...) um sinal da Proteção da Mãe

de Deus 31”, Brustoloni ilustra uma das muitas idéias que Benedict Anderson e

Serge Gruzinski trazem em seus livros Comunidades Imaginadas e

Colonização do Imaginário, respectivamente.

Em poucas palavras, o Imaginário Coletivo pode ser entendido como um

conjunto de símbolos e conceitos de memória e imaginação em uma variedade

de indivíduos que pertencem a uma comunidade específica, ou ainda uma

sensibilização de todas essas pessoas para compartilhar esses símbolos,

fazendo com que se reforce o sentido de comunidade 32. Isso pode ser

ilustrado pelo simples fato de, após a cabeça ser consertada (não há registros

oficiais que digam, através de análise, como que a cabeça juntou-se ao corpo

da imagem, mas a teoria mais aceita é de que foi colada com “cera preta de

arapuá”, substância oriunda de abelhas arapuá, pegajosa e usada para colar                                                             29 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 48. 30 Narrativa do Livro do Tombo, já citada. 31 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 50. 32 Idéias contidas em ANDERSON, Benedict. “Comunidades Imaginadas” e GRUZINSKI, Serge. “Colonização do Imaginário”. 

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33), os fiéis reuniam-se para orar e rezar o “terço”, em um dia próprio

estipulado, os sábados. Isso acabou fazendo com que o culto se expandisse

rapidamente, fazendo com que apenas vinte anos após o aparecimento da

imagem a devoção já houvesse se espalhado até as províncias de Minas

Gerais, São Paulo e Paraná, aproximadamente, e alguma parte bem

pulverizada do centro-oeste.

Por receber uma quantidade significativa de fiéis, logo a fama da

imagem se espalhou com relatos sobre graças alcançadas e alguns milagres

concedidos. A posição da primeira capela, principalmente, foi algo importante

para a expansão da fama de Aparecida, tal como a migração de famílias entre

estas províncias (estados) e o intercâmbio comercial, da qual o fluxo ia de

Sorocaba para a região Sul, pelos tropeiros da Feira de Muares; das minas até

Cuiabá pelos mineradores, e de Guaratinguetá para Goiás, através de

sertanistas viajantes. Segundo Rubem César Fernandes, “(...) (sic) Aparecida é

bem situada aos papéis a que foi chamada a desempenhar 34”. Fernandes

justifica tal afirmação apontando o cruzamento entre São Paulo e Rio de

Janeiro, em um eixo, e o litoral e Minas Gerais, em outro eixo, como

localização do palco sobre o aparecimento da Imagem da virgem, tal como o

local de início de sua devoção. Portanto, esta região tem assistido a um tráfego

expressivo ao longo de todo esse tempo, sendo eles o de ouro no século XVIII,

da cana de açúcar mais tarde, e do café durante os séculos XIX e XX.

                                                            33 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 50. 34 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 

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Gravura do século XVIII de tropeiros e bandeirantes às margens do Tietê. Artista desconhecido. 

Podemos encontrar também em Rubem César Fernandes outro aspecto

da história brasileira que pode, com efeito, dar alguma luz sobre os motivos

pelos quais a devoção à Aparecida se espalhou consideravelmente rápido

entre a população principalmente da região Sudeste. Segundo o autor, durante

o final do século XIX, a “(...) hierarquia católica brasileira (...) realizou uma

profunda reforma interna 35” com o episódio da expulsão da ordem dos Jesuítas

no ano de 1759, pelo então secretário do estado do Reino de Portugal

Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro Marquês de Pombal. Este pode

ser considerado o representante do Despotismo esclarecido em Portugal no

século XVIII, e que viveu num período da história marcado pelo iluminismo. O

Marquês de Pombal é conhecido historicamente por ter desempenhando um

papel crucial na aproximação de Portugal à realidade econômica e social dos

países do Norte da Europa, mais dinâmica do que a portuguesa. Com a

expulsão violenta dos jesuítas do império português, o Marquês de Pombal

determinou que a educação na colônia passasse a ser transmitida por leigos

nas chamadas Aulas Régias. Até então, o ensino formal estivera a cargo da

                                                            35 Ibid, pag. 92. 

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Igreja. O ministro regulamentou ainda o funcionamento das missões, afastando

os padres de sua administração, e criou, em 1757, o Diretório, órgão composto

por homens de confiança do governo português, cuja função era gerir os

antigos aldeamentos36.

Sendo a primeira série de derrotas institucionais que acabaram por

enfraquecer severamente o poder da Igreja no Brasil até o século seguinte, era

quase que esperada pela Igreja a resposta da religiosidade popular em torno

destes assuntos. O episcopado, então, decidiu por investir nas peregrinações

populares já existentes, e a peregrinação à Aparecida não foi menos

influenciada por causa disto. Muito pelo contrário, segundo Fernandes, “(...)

Aparecida foi destacada para receber uma atenção especial (...) 37” em meio ás

outras peregrinações já existentes, em que podemos citar, por exemplo, Nossa

Senhora de Nazaré, Bom Jesus da Lapa ou Senhor do Bonfim.

Tal influência, segundo Brustoloni, pode ser explicada pelo fato da

identificação não só da capela despida da riqueza do ouro, mas da própria

recente história até então conhecida do aparecimento da imagem de terra cota

por pessoas simples e comuns de um vilarejo humilde 38. Ainda, Brustoloni

afirma que a devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida “(...) se

sobrepõe a todas [outras devoções marianas] atraindo todos os fiéis, ricos e

pobres, negros e brancos, escravos e livres (...) 39” criando, portanto,

características próprias.

Cerca de quinze anos após o aparecimento da imagem, em 1732 e após

a mudança de local de repouso da imagem para o altar de Itaguaçu, já era

cogitada a idéia da construção de uma igreja. Mas o que impedia tal feito era a

necessidade de aprovação do culto à Aparecida pelas autoridades

eclesiásticas, pois na época se via em vigor as “Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia”, que tratava de leis e condutas para o padroado e

                                                            36 FRASCHINI Neto, M.. O Marquês de Pombal e o Brasil: contribuições às comemorações do 2 °Centenário da morte do Marquês de Pombal. Lisboa: Tipografia Minerva do Comércio, 1981, pag. 114. 37 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 38 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 73. 39 Ibid. 

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ordem eclesiástica brasileira em geral. Estas, exigiam uma certa relação de

graças alcançadas e os dados principais do aparecimento da imagem da

virgem, como condições necessárias para se poder construir uma nova igreja e

“nela ser celebrada a eucaristia 40”.

Então, ficou a cargo do Padre José Alves Vilella o pedido para a

construção da igreja, oficialização do culto nomeado “Aparecida”, e, conforme

as leis vigentes nas “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, e

também a aprovação para esta ser benzida de acordo com o ritual romano.

Como o culto já havia sido aprovado, em caráter particular (o culto familiar),

pelas autoridades locais, não foi muito difícil conseguir a aprovação dos cargos

superiores eclesiásticos do Brasil.

Então, em meados de 1743 já estava pronta a documentação que seria

enviada ao Arcebispado da Bahia, contendo necessariamente um relatório

sobre os fatos “milagrosos” ocorridos em torno da imagem, da qual reservamos

uma parte posterior deste capítulo para sua descrição. No mesmo ano, estava

pronta a concessão para construir a igreja que abrigaria a imagem de terra

cota, tal como a aprovação do culto sob o título de “Aparecida”. Já com o título

de “Aparecida” escolhido para a igreja, em 1743, coube ao próprio padre Vilella

cumprir as duas primeiras condições: a escolha do local apropriado para a

construção da igreja, e também receber a doação do determinado terreno para

que a construção do edifício fosse iniciada.

À época, segundo Brustoloni, o terreno deveria servir como patrimônio

da Capela em questão 41, pois mesmo de acordo com as “Constituições

Primeiras do Arcebispado da Bahia”, durante o regime do Padroado 42, para se

difundir uma capela ou igreja era necessário doar uma boa porção de terras

que eram divididas em lotes. Sua renda, então, era destinada a sustentar o

culto e mais despesas do recém-fundado povoado. Este era um costume e

                                                            40 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 62. 41 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 157. 42 O Padroado foi criado através de um tratado entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal e de Espanha. A Igreja delegava aos monarcas destes reinos ibéricos a administração e organização da Igreja Católica em seus domínios. O rei mandava construir igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois aprovados pelo Papa. 

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assim nasceu a maioria das cidades antigas brasileiras. Em poucas palavras,

uma grande quantidade de terras era doada à Igreja, e assim esta a usava

como fonte de renda e construção de uma capela ou igreja para fundação de

um povoado. Porém, durante o Brasil Colonial, este problema não era

demasiadamente grande, considerando-se a força que o catolicismo tinha

sobre a população, portanto, o maior problema para o padre Vilella seria a

escolha do terreno para a construção da igreja.

Durante a época, as terras próximas ao porto de Itaguaçu não eram

muito apropriadas para a construção de edifícios, pois a parte plana e baixa

estava sujeira á inundações durante as cheias do Paraíba do Sul e a parte

mais alta era extremamente estreita, contendo morros muito altos e íngremes,

então impróprios para qualquer construção. Então, depois de uma observação

do terreno local, foi escolhido o Morro dos Coqueiros como ponto de

construção para a igreja de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, por ser

mais próximo da sede da paróquia local e mais apropriado para ali se

construírem a igreja e o povoado que viria a se formar. Após a escolha, Vilella

recebeu o terreno escolhido por doação de três escrituras em maio de 1744.

Segundo Brustoloni, a escritura principal do morro, que pertencia a viúva

Margarida Nunes Rangel, contém uma passagem interessante: “(...)(sic) e doou

de hoje para sempre à Virgem Maria, Senhora da Conceição chamada

‘Aparecida’, para que no dito Morro, chamado dos Coqueiros, pela disposição

que tem a dita paragem, lhe possam fazer a nova Capela 43”. Podemos

perceber, mesmo se tratando de um documento oficial, a presença forte de um

sentimento religioso por parte do contratado e do contratante. Este documento

foi escrito assim, talvez, por fazer parte (ou ter sido redigido) pelo poder

eclesiástico; infelizmente não se teve acesso ao documento em primeira mão,

portanto, não foi possível a identificação do autor exato do documento.

Utilizando-se de escravos, a igreja foi construída pelo Capitão Antônio

Raposo Leme, na época fazendeiro de Guaratinguetá que possuía muitos

                                                            43 Escritura de doação de Margarida Nunes Rangel na “Coletânea de Documentos e Crônicas da Capela”, in BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 158. 

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escravos 44. No dia 18 de julho de 1745, a primeira igreja de Nossa Senhora da

Conceição Aparecida ficou pronta, de acordo com o Livro da Instituição da

Capela, 1750 45. De acordo com o mesmo documento, e também citado por

Brustoloni, assim que a igreja foi erguida, logo o vilarejo que já nascia aos pés

da capela “(...) se preparava para a solene bênção e primeiro Santuário (...) 46”

com a benzedura da capela e a entrada da imagem de terra cota para tomar

posse no altar.

 

Terreno próximo ao rio Paraíba do Sul, sujeito á enchentes. Foto: Lázaro Chavez, arquivo pessoal.

Ainda aqui temos considerável importância política pra o acontecimento,

visto que era costume de época convidar grandes nomes, tal como da ordem

eclesiástica, para a inauguração de novas igrejas, principalmente para uma que

já era dado bom destaque como a de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Então, com convites tanto para a população quanto para as autoridades locais

e regionais, a celebração de inauguração da capela foi registrada, porém

infelizmente muito acabou se perdendo nos Arquivos da Cúria Metropolitana de

Aparecida. Mas Brustolini afirma que houve uma procissão conduzindo a

imagem desde o porto de Itaguaçu, onde ficava na casa de Filipe Pedroso até

                                                            44 Inventário de Antônio Raposo Leme, 1744. 45 ACMA – Livro da Instituição da capela, 1750, “Sentença de posse do Patrimônio”, p. 14. 46 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 159. 

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esta nova igreja construída para abrigá-la, bem aos moldes da religiosidade

popular, ou seja, humildemente e com grande devoção. Infelizmente não

conseguimos ter acesso ao relato da procissão. Já a primeira missa na igreja

foi celebrada pelo próprio padre Vilella em 26 de julho de 1745, durante as

festividades na festa da Senhora de Santana.

Por fim, temos registros descrevendo como era a primeira igreja erguida

pelo dito padre Vilella, no I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de

Guaratinguetá, logo após o relato do achado da imagem de terra cota. O

documento segue-se da seguinte forma: “Está situada esta Capela uma légua,

pouco menos da matriz, em lugar alto, aprazível e naturalmente alegre. É a

igreja de taipa e pilão. (...) é forrada (...) com assoalhos de madeira com

campas. (...) tem uma torre, sacristia pintada e ornamentada de todas as cores,

os quais e os mais móveis constam no inventário 47”. Também, a igreja recebeu

reformas nos anos de 1760, sendo ampliada e tendo sua fachada reconstruída,

e em 1824, sendo reformada também para pequenos ajustes.

Temos ainda conhecidas outros dois lugares que abrigaram a imagem

de Aparecida até hoje: a Basílica Velha e a Basílica Nova, onde a imagem se

encontra até hoje e aberta aos fiéis.

A primeira (Basílica Velha) começou a ser construída em 1845, porém

sofreu uma paralisação na obra, da qual perdurou de 1863 até 1878.

Finalmente, foi concluída em 1888. A idéia de sua construção veio das

reformas que a pequena igreja de taipa sofreu durante as décadas de 1760 e

1770, onde recebeu uma nova fachada e duas torres, e 1824, onde recebeu

partes de pedra em seu interior. Porém, era visível a falta de segurança que a

pequena igreja oferecia, com bases primitivas cobertas com pedras

posteriormente. Então, em 1844, a Mesa Administrativa, ou seja, o que

podemos considerar a “alta cúpula” nos administradores da igreja resolveu

concertar a situação com a demolição da igreja de taipa, e construção de uma

nova igreja, maior para comportar os já assíduos visitantes e para oferecer

                                                            47 ACMA – I Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, p. 97. 

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mais segurança á imagem, aos párocos e igualmente aos visitantes, fazendo

com que sua construção fosse iniciada naquele mesmo ano.

O interessante de se observar é que, segundo Brustoloni, “Em maio

daquele ano de 1845, a Mesa alterou o plano, decidindo construir nova fachada

com as duas torres e não apenas reparar a torre que ameaçava desabar (...) 48”. O que movia os interesses da Mesa em construir uma nova torre, e não

apenas restaurar pode ser explicado pelo grande fluxo de riqueza e progresso

que o Ciclo do Café levava ao Vale do Paraíba. Segundo Celso Furtado, o

maior problema deste sistema econômico era que, sendo o Brasil um país

abundante em terras disponíveis para a agricultura e em mão-de-obra

subempregada, os lucros obtidos incentivavam novas inversões de capitais no

setor, elevando gradualmente a oferta de café a ser exportado 49. Então, com

um crescente capital devido ás grandes exportações de café, o Vale do

Paraíba dispunha de um considerável montante de capital para construírem

outras torres ao invés de apenas restaurá-las.

                 A “Basílica Velha” nos dias atuais. Foto própria. 

                                                            48 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 194. 49 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil, p. 122‐131. 

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Por fim, temos a basílica Nova, que hoje abriga a imagem de Nossa

Senhora da Conceição Aparecida até os dias de hoje. Após a construção da

basílica velha, a Congregação do Santíssimo Redentor, conhecida também

como a ordem dos Redentoristas chega á região de Guaratinguetá no mês de

outubro do ano de 1894. Lá, são acomodados e, segundo Brustoloni recebem

certas funções no Santuário, tais como o terço recitado, a missa dos romeiros,

atendimento aos doentes e batizados, entre outros serviços 50. Logo em

novembro, tiveram que assumir o trabalho do Santuário, devido á uma eventual

viagem do então reitor e organizador do Santuário Pe. Claro Monteiro até a

cidade de Cruzeiro.

A partir daí, receberam elogios da parte de membros superiores da Cúria

de Guaratinguetá, chegando ao momento em que o próprio pe. Claro cedeu a

direção da paróquia e do santuário aos redentoristas. Então, com a ajuda dos

próprios redentoristas, o então cardeal de São Paulo, Dom Carlos Carmelo de

Vasconcelos Motta assume o plano de construção de uma nova basílica

voltada ao culto de Nossa Senhora aparecida, alegando a necessidade de uma

igreja mais ampla para abrigar todo o número considerável de romeiros que

visitavam a basílica velha 51. Os preparativos para sua construção se iniciaram

no ano de 1951, com o plano de canalização do córrego da Ponte Alta, que

corria aos pés do Morro das Pitas, local escolhido para a construção da nova

basílica, porém o eventual contrato com uma firma que fizesse este trabalho só

foi assinado em 1953.

Além disso, era necessário aplainar o Morro das Pitas também, portanto

o trabalho de construção propriamente dito da basílica nova se iniciou apenas

em 1955. Em ordem cronológica, temos então a construção da nave Norte;

depois a Torre Brasília que abrigava os sanitários e uma pequena lanchonete;

logo depois foi erguida a Cúpula, parte central da Basílica onde está localizado

o altar principal e onde a imagem de Nossa Senhora Aparecida está localizada

hoje. As partes seguintes a serem construídas foram a Capela das Velas, a

                                                            50 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 281. 51 Esta nomenclatura só passou a ser usada após a construção da Basílica Nova. 

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nave Sul e por fim as naves Leste e Oeste. A conclusão definitiva da basílica

Nova foi no ano de 1980.

 

Cartão postal da cidade de Aparecida do Norte e a Basílica Nova, nos dias atuais.

Tanto a imagem quanto a basílica foram visitadas muitas vezes pelas

mais variadas personalidades da história. Aqui, cabe-nos dizer alguns nomes

ilustres que visitaram a imagem ao longo do tempo. Tais visitas devem-se, sem

dúvida, pelo fato de estar situada entre os pólos político e econômico do Brasil,

principalmente a partir do estabelecimento do garimpo do ouro, como foi dito

anteriormente. Temos conhecimento, segundo Brustoloni 52, de muitas

personalidades austríacas que vieram dar uma olhadinha, nem que fosse

mínima, na imagem. Entre os nomes estão os cientistas Karl Friederich Philipp

Von Martius, Johann Baptist Von Spix e o pintor Thomas Ender. Temos outros

nomes também, como o pintor Jean-Baptiste Debret, Saint-Hilaire e Zaluar, e

muitos outros. Também visitou a imagem Dom Pedro I, primeiro imperador do

Brasil, em razão de sua viagem histórica de 1822 para São Paulo. Antes de                                                             52 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 79‐82. 

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chegar até a cidade para proclamar (ou não) a independência 53, Dom Pedro I

fez uma parada nos arredores da vila de Guaratinguetá.

Diz a história oral local que o príncipe regente subiu a Ladeira e orou

diante da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, pedindo a graça

da virgem para ser bem sucedido em São Paulo, porém não há documentos

que possam provar tal ocorrido, tampouco intenção. Já a visita de Dom Pedro II

e a Imperatriz está em notícias do jornal “O Parayba” 54. Aí também esta a

notícia da vinda da visita mais importante e ilustre para a virgem: a vinda da

Princesa Isabel e do Conde d’Eu, seu marido, em razão da festa do dia 8 de

dezembro de 1868 por causa da estipulação da virgem como padroeira do

império por Dom Pedro I. Já em Guaratinguetá, participaram da festa e foram

eleitos para festejar a mesma festa no ano seguinte, 1869.

Foi nesta ocasião que houve a doação da coroa de ouro á imagem de

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, de 24 quilates e pesando 300 gramas

mesmo com os 24 diamantes “maiores” e 16 diamantes “menores”. Não iremos

aqui especular nenhuma razão política sobre este ocorrido, pois receberá a

devida atenção mais á frente.

1.5 Restaurações da Imagem

Houve uma primeira restauração da imagem no ano de 1946. Até este

ano, a imagem se encontrava do mesmo jeito em que havia sido encontrada no

Rio Paraíba em 1717, ou seja, com o pescoço quebrado, uma vez que corpo e

cabeça foram encontrados separados e em momentos extremamente

próximos, porém não exatamente os mesmos. A própria quebra entre pescoço

e corpo pode ser confirmada em um relato antigo, datado de 1770. O Pe.

Policarpo de Abreu Nogueira, visitador diocesano refere-se a cordões de ouro

                                                            53 Esta passagem provocativa vem do fato de que o estudo sobre o Grito da Independência, como é amplamente conhecida, principalmente com a pintura homônima de Pedro Américo, tem sido constantemente discutida pelos historiadores, sem chegar a um consenso até os dias de hoje. 54 Jornal “O Parayba”, ed. de 03/12/1865, in “BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, ibid.  

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até então pendurados e enrolados no pescoço da imagem, justamente para

disfarçar a quebra original.

Ele diz: “O tesoureiro da capela de Nossa Senhora Aparecida disporá

dos cordões grossos de ouro dados à Senhora por não serem trastes por sua

grossura, que hajam de servir para a consertura da Imagem da mesma

Senhora 55”. A partir deste relato, Brustoloni afirma que “ (...) todos os

documentos [posteriores] se referem à mesma imagem, apanhada em 1717 56”.

Aqui, talvez, podemos identificar outra razão além das já citadas para que uma

simples imagem de terra cota desperte a veneração de tantas pessoas ao

longo do tempo: o simples fato de que a imagem original, pelo menos no

intervalo de 200 anos aproximadamente, não tenha se distanciado dos fiéis.

Sempre, até sua primeira restauração, permaneceu em seu nicho para a

veneração de seus respectivos fiéis. Em seus primeiros momentos, a imagem

eventualmente permanecia na igreja matriz de Guaratinguetá por alguns dias,

ou no máximo um mês guardada. Nos dias atuais, a imagem permanece

exposta na Basílica de Nossa Senhora Aparecida para os fiéis.

O primeiro restauro da imagem ocorreu no ano de 1946, por decisão do

então reitor do Santuário, Pe. Antônio Pinto de Andrade. Esta seria seu

primeiro restauro, pois anteriormente a imagem havia apenas sofrido uma

“colagem” inicial da cabeça ao seu corpo, nos dias ainda de sua capela na

casa da família Pedroso. Segundo Brustoloni, a imagem foi tirada de seu nicho

na Basílica Nova no dia 29 de maio de 1946, pelo encarregado de restauro, Pe.

Alfredo Morgado. Os passos do restauro também são descritos

minuciosamente por ele 57: o primeiro passo foi retirar, cuidadosamente, a cola

que estava desde seu primeiro “arremedo” entre o pescoço e o resto do corpo

da imagem. Além de ter havido a “re-colagem”, desta vez com instrumentos e

técnicas modernas, foram adicionadas á imagem os fios de cabelo laterais que

caíam sobre o ombro da virgem, que segundo estudos feitos durante o

                                                            55 ACMA ‐ I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, vol. 14, p. 15. 56 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 109. 57 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 111. 

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restauro, estavam lá durante seu estado primitivo. Neste primeiro restauro,

Morgado utilizou raspas de peroba e cola de madeira.

Infelizmente, passados 4 anos, o material usado para o restauro não

resistiu á intensa luz das lâmpadas de seu nicho e acabaram se deteriorando,

fazendo com que em novembro de 1950 fosse preciso um novo trabalho de

restauração na imagem. Então, o trabalho que desta vez levaria um mês foi

conduzido pelo Pe. Humberto Pieroni, da ordem dos Redentoristas de

Aparecida. Apesar de uma nova tentativa de colagem, a cabeça da imagem

logo não resistiu e caiu sozinha, fazendo com que Pieroni prendesse a cabeça

da imagem ao seu corpo com um pino, mais massa de cimento para prender

definitivamente a cabeça ao corpo.

A imagem então foi pintada com extrato de nogueira e recobrindo-a com

verniz. No entanto, para infelicidade dos padres restauradores e dos fiéis,

durante a Peregrinação Nacional da Imagem, do ano de 1965 até 1969, a

cabeça perdeu novamente firmeza, aparecendo então uma trinca na base do

pescoço em sentido horizontal. A partir daí, foi assinado pelo Cardeal

Arcebispo de Aparecida a pedido dos Redentoristas que a imagem não mais

saísse de seu nicho 58.

A imagem de Nossa Senhora Aparecida ainda sofreu mais um restauro,

na ocasião em que sofreu um atentado no dia 16 de maio de 1978, reduzindo-a

em pedaços. Durante a última missa do dia, por volta das 20h 10min, houve

falta de energia elétrica em todo o Vale do Paraíba, e neste exato momento,

Rogério Marcos de Oliveira conseguiu quebrar, com os punhos, o nicho onde

se encontrava a imagem a 2 metros e 20 centímetros do chão e jogar a

imagem no chão, fazendo-a partir em muitos pedaços, e fazendo também sua

coroa voar até o altar, ficando amassada pelo impacto. Para o restauro foi

chamado Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP), e

também o diretor do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Edson

Motta. Então no dia 28 de junho, os fragmentos foram levados até o MASP

para sofrer mais um restauro, sendo incumbida Maria Helena Chartuani, a                                                             58 Ibid. 

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restauradora do MASP de comandar o processo de conserto da imagem. Os

materiais usados no restauro foram praticamente os mesmos utilizados nos

restaures anteriores, ou seja, cola natural de proxipol, utilizada então nos 165

pedaços á que foram reduzidos a imagem, segundo Brustoloni 59.

Porém, um dos lados positivos da fragmentação da imagem, foi a

possibilidade dos especialistas do MASP analisarem melhor a imagem. Além

das características já citadas no início deste capítulo, uma conclusão

importante foi tirada; a de que a imagem certamente ficou submersa no

Paraíba do Sul por um longo período de tempo, pois se foi constatado por este

exame minucioso a porosidade da cerâmica, possibilitando então a presente

fragmentação interna em formas de escamas. O tempo de submersão anterior

ao encontro da imagem, porém não foi calculado, mas estima-se que tenha

ficado por um longo período, talvez dez anos submersa. Após a pintura da

imagem, da qual foi feita para se parecer com a original, a imagem voltou á

Basílica de Aparecida para novamente ser exposta ao público.

                                                            59 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 123.  

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2 Mil Novecentos e Quatro, o ano da Coroação da Virgem

Neste segundo capítulo da pesquisa, trataremos do ano de 1904. Este

ano se mostra muito importante para a história de Nossa Senhora da

Conceição Aparecida pelo fato de ser o ano de sua coroação. Tal ano foi

conhecido como o ano da coroação de Nossa Senhora da Conceição

Aparecida, com sua coroa de ouro e manto azul, adornados com pedras e

doados pela Dona Isabel Cristina de Bragança e Bourbon, a Princesa Isabel 1.

A coroação ocorreu durante o pontificado do papa Pio X. Nossa Senhora

da Conceição Aparecida foi coroada solenemente Rainha do Brasil, e a data

exata do ato é 8 de setembro de 1904. A coroação foi efetivada num ato oficial,

na presença de muitos membros do Episcopado nacional. A coroação deveria

ocorrer sob direção de Dom Joaquim Arcoverde, então arcebispo do Rio de

Janeiro, porém este preferiu delegar a obrigação ao Bispo de São Paulo, Dom

José de Camargo Barros de colocar uma coroa de ouro, ricamente adornada,

sobre a cabeça da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida,

através de um ato simbólico de reconhecimento da Virgem Aparecida como

“rainha”, oficializando sua devoção. Então, de acordo com um decreto da Santa

Sé, Nossa Senhora Aparecida passou a ser Rainha do Brasil a partir daí.

A “coroação” em si tem um significado simbólico extremamente

importante: a partir desta data, Nossa Senhora da Conceição Aparecida é

considerada como verdadeira “Rainha do Brasil”. Isto mostra que o Brasil

estava oficialmente ligado à Santa Sé e teria uma religião estipulada, mesmo

que, após os atos de 1889, o Brasil possa ser considerado uma nação laica.

Além disso, o fato de Ela ter sido coroada deu direitos efetivos, juridicamente,

da legalização de seu culto público, podendo sua devoção ser pública em todo

o território nacional, e mais do que isso, servindo de exemplo para outros

países que ainda resistiam à laicização total de seu governo e abraçavam a

imagem da Virgem Maria. Finalmente, isso significava que Nossa Senhora da                                                             1 Na realidade, para não haver equívocos, o nome completo da Princesa Isabel era Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon. 

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Conceição Aparecida era oficialmente reconhecida, pela Santa Sé como um

título católico dedicado à Virgem Maria.

 

Coroa atual de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Foto: http://www.emule.com.br

Brustoloni descreve bem sobre o ato de coroação da Virgem em História

de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Nele, Brustoloni diz que “(...) a

idéia da Coroação partiu do Exmo. Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro, dom

Joaquim Arcoverde, sendo acatada pelos Bispos na Conferência da Província

Eclesiástica Meridional do Brasil, reunida em São Paulo, no ano de 1901” 2.

Brustoloni ainda afirma que tal intenção de coroar a imagem da Virgem ia ao

encontro da vontade do próprio povo, que desde o início de sua devoção por

Aparecida já havia lhe colocado um manto e uma coroa, como dito

anteriormente.

                                                            2  BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 331. 

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Brustoloni também afirma que havia uma outra razão para que Dom

Arcoverde levasse esta decisão à Conferência dos Bispos em 1901. Segundo

ele, havia interesse da parte de Dom Arcoverde em demonstrar ao recente

regime republicano a “(...) força da fé católica e os sentimentos religiosos (...)” 3

do povo brasileiro. Logo o pedido de Dom Arcoverde foi levado à Santa Sé,

encaminhado ao próprio Papa Leão XIII e apoiado pelo Episcopado Nacional.

A república havia banido da Constituição Nacional e da vida pública do

país a participação efetiva da Igreja em seu governo. Segundo Boris Fausto,

após a proclamação da República e a redação da primeira constituição

republicana em 1891, “Estado e Igreja passaram a ser instituições separadas.

Deixou assim de existir uma religião oficial no Brasil. Importantes funções, até

então monopolizadas pela Igreja Católica, foram atribuídas ao Estado” 4. Até

mesmo alguns sacramentos passaram a ter certo controle do Estado, como por

exemplo, o casamento, que o Estado apenas reconheceria o casamento civil, e

os cemitérios, que passaram para a administração municipal. Porém, os cultos

privados, como casamento religioso e velórios, por exemplo, poderiam ser

feitos normalmente.

No início do ano de 1904, já haviam se formado, nas cidades do Rio de

Janeiro e São Paulo, Comissões Preparatórias dos festejos da Coroação de

Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Houve até muitas reformas no

Santuário para receber os festejos, e também na cidade de Aparecida do

Norte. Segundo Brustoloni, a Basílica recebeu nova pintura, houve nivelação

na Praça do Santuário e também foi erguida uma estátua comemorativa em

bronze da Imaculada Conceição 5. Até a Conferência dos Bispos foi transferida

da cidade de Mariana, em Minas Gerais para a cidade de Aparecida do Norte.

Números presentes na “Poliantéia da Coroação da Imagem” também aparecem

nos relatos de Brustoloni: no total, estiveram presentes 14 bispos, que tomaram

parte de toda a cerimônia junto com cerca de 15 mil peregrinos 6. Tal fato é

lembrado pelo pesquisador como um momento que “(...) nunca o clero se unira                                                             3 Ibid, p. 332. 4 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 251. 5 Ibid, p. 333. 6 “Poliantéia da Coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, op. cit., p. 333. 

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com o povo em tão grande multidão, e tão estreitamente unidos pelo mesmo

sentimento de piedade” 7.

 

Cerimônia da Coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em 8 de setembro de 1904. Foto: 

CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional.

2.1 Uma nova ordem Política

A Proclamação da república no Brasil foi um passo importante para a

História da Igreja neste país. Como vimos anteriormente, a Igreja Brasileira

passava por uma reforma intensa de afirmação de poder e separação do

Estado, devido à linha d epensamento do Ultramontanismo. Com isso, uma

nova ordem política necessitava de uma nova ordem religiosa. Portanto, a

passagem do Império para a Nova República necessitava de uma afirmação

definitiva de que o Catolicismo ainda se colocava como a religião do povo

brasileiro, mesmo que não oficialmente ou reconhcida pelo Estado.

Francisco Iglésias reflete sobre a formação da primeira república em seu

livro, Trajetória política do Brasil. Segundo Iglésias, os primeiros passos em

direção à República foram dados no dia 3 de dezembro de 1870. Nesta data,

começou a circular, no Rio de Janeiro, um jrnal recém criado, entitulado “A

                                                            7 BRUSTOLONI, Júlio J. Op. Cit., p. 335. 

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República”. Em seu primeiro número foi publicado, em primeira página, um

“Manifesto Republicano”. Tal documento lembrava de tentativas e lutas

republicanas em todo o país, além de criticar duramente a monarquia de Dom

Pedro II e defendendo firmemente a implantação do regime republicano no país 8. O movimento republicano não apenas se espalhou pelo país como também

explicitou certas divergências de caráter político-ideológico entre vários setores

da sociedade brasileira, além de fazerem entrar em choque as elites

brasileiras. A elite cafeeira, por sua vez, foi buscar apoio em camadas urbanas

e nos intelectuais brasileiros, favoráveis à república, ao abolicionismo e à

democracia.

Já André Silvério da Cruz enxerga estes setores da sociedade brasileira

como responsáveis pela instalação do Congresso Constituinte na cidade do Rio

de Janeiro, em 15 de novembro de 1890. Neste congresso foi promulgada a

carta constitucional com 91 artigos. Entre eles, alguns decisivos para que a

Igreja criasse forças para a criação de uma identidade mais forte na sociedade:

o Decreto 119-A de 7, que instituiu a separação entre Igreja e Estado; a

laicização do ensino público brasileiro e a divisão e independência de apenas 3

três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) 9. Com isso, logo no início da

república, as oligarquias proprietárias de terras trataram de obter rapidamente

o controle político da sociedade, fazendo com que os campos político-social e

intelectual brasileiros se tornassem elitistas e autoritários.

2.1.2 A importância da província de São Paulo

Como dito anteriormente, São Paulo tinha uma importância vital para o

país, principalmente do século XIX em diante. Muito da motivação pelo qual se

deu a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida se ilustra nesta

importância, uma vez que a mesma é “originária” do Vale do Paraíba,

localizado em São Paulo. Este, por sua vez, desde meados do século XVIII

                                                            8  9 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 5. 

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vem desenvolvendo uma economia forte, baseada no cultivo do café; isto

resultará na formação de uma oligarquia potente, fazendo com que a política

de todo o país gire em torno da região centro-sul do país, mais precisamente

Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e principalmente São Paulo, a

província/estado que nos interessa para esta pesquisa.

A economia paulista teve seu auge com a vinda das primeiras sementes

de café trazidas para o Brasil, durante o século XVIII. Boris Fausto, em sua

grande obra História do Brasil, faz um estudo completo excelente sobre a

história brasileira, dando ênfase aos aspectos políticos e econômicos. Segundo

o autor, foi nas primeiras décadas do século XIX que ocorreu de fato o

surgimento da produção de café para exportação. E foi exatamente no extenso

Vale do Rio Paraíba, atravessando uma parte da província do Rio de Janeiro e

de São Paulo, que acabaram por se reuinr as condições ideias para a primeira

expansão em níveis comerciais do produto 10. Com isso, formou-se uma nova

economia essencialmente agrícola, onde o café para exportação ocupava mais

de 80% de todo este setor. Aqui, podemos perceber que não só o eixo

econômico passava do nordeste canavieiro para o centro-sul cafeeiro, como

também o eixo político, pois juntamente com os grandes latifúndios formouse

também uma grande elite econômica formada por grandes proprietários de

terras, os fazendeiros do café ou a famosa oligarquia cafeeira.

Este grupo mostra-se influente logo nos primeiros anos da república,

com a presidência do marechal Floriano Peixoto. Segundo Fausto, houve um

choque de interesses entre o marechal Floriano e a elite cafeicultora de São

Paulo. Este choque vinha das visões de república encarnadas por cada um

deles: enquanto o marechal via um governo estável, centralizado, vagamente

nacionalista e baseado sobretudo no exército e nas escolas civis militares, os

grandes fazendeiros viam a república como liberal e descentralizada, que

suspeitava o reforço do exército e reivindicava força para os estados 11. Porém,

ao contrário do que se previa na época, houve na presidência do marechal

Floriano, segundo Fausto, um acordo tático entre o presidente e o Partido

                                                            10 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 186. 11 Ibid., p. 254.  

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Republicano Paulista 12. Neste acordo, foram abordados alguns riscos que o

regime republicano corria com forças opostas em disputa. Portanto, o apoio

dos cafeicultores foi dada ao presidente, uma vez que este grupo via no

governante a garnatia de sobrevivência da república, enquanto Floriano nia a

impossibilidade de governar sem o apoio do PRP, formado quase que

completamente por grandes cafeicultores paulistas 13.

 

Principal zona da Economia Cafeeira durante o século XIX. Imagem: http://www.educacional.com.br

Com isso, a força do grupo de cafeitultores paulistas veio crescendo

vertiginosamente, pois além de formar a base econômica do país, tiveram um

dos seus como o primeiro presidente civil e sucessor do Marechal Floriano

Peixoto em 1894. Ele era o presidente Prudente José de Morais e Barros, ou

apenas Prudente de Morais, que já era presidente da província de São Paulo

em 1890.

O governo de Prudente de Morais, além de ter oposições de alguns

membros da classe baixa e baixa-média, e alguns operários e militares, foi

                                                            12 Partido Republicano Paulista (PRP) foi um partido político brasileiro fundado em 18 de abril de 1873, durante a Convenção de Itu, que foi o primeiro movimento republicano moderno no Brasil. 13 Ibid., p. 255. 

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importante para o grupo de cafeicultores paulistas. Segundo Fausto, São Paulo

“(...)tratou de assegurar sua autonomia, garantida pelas rendas de uma

economia em expansão e por uma poderosa Força Pública” 14, sem prtender

esfacelar o governo federal. Além disso, os políticos paulistas concentraram-se

em assuntos e iniciativas para obter o apoio do governo federal aos planos de

valorização do café. Importante ressaltar também que o sucesso paulista no

governo se deu não apenas por sua importância econômica, como aponta

Fausto. Um fator muito importante nesse sentido também foi ofato de que a

grande maioria da elite paulista abandonou rapidamente suas divergências,

sejam elas econômicas ou ideológicas, para cerrar as fileiras em torno do PRP 15.

Logo após a presidência de Prudente de Morais, outro paulista foi eleito

como seu sucessor. Manuel Ferraz de Campos Sales, ou apenas Campos

Sales foi o escolhido, e em seu governo se deu a consolidação da República

liberal tão procurada pelos cafeicultores paulistas. A oposição já havia caído: o

movimento jacobino, grupo de pessoas que defendiam os ideias da corrente

predominante na Revolução francesa foram debandados após uma tentativa de

assassinato do presidente anterior, Pridente de Morais, e os militares “voltaram

aos seus quartéis” 16. A Elite política dos grandes Estados, até então com São

Paulo à frente, estava triunfando. Porém, faltava pouco para que a república

oligárquica, ou seja, a “política de poucos” (no caso, os grandes proprietários

de terras) pudesse se encontrar em um sistema político estável. Por causa

disso, Campos Sales desenvolveu a conhecida “política dos governadores”

para consolidar de fato a república oligárquica e afastar qualquer tipo de

disputa ou oposição mais concentrada. Esta “política dos governadores”

consistia basicamente em uma sistentaçaõ do governo central aos grupos

dominantes de cada estado, enquanto esses, em troca, darem seu apoio à

política do presidente da república 17. Com este tipo de política, o grupo

                                                            14 Ibid., p. 264. 15 Ibid., p. 270. 16 Ibid., p. 258. 17 Ibid., p. 259. 

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dominante de São Paulo, os cafeicultores, tinham seus direitos gaantidos e a

importância da região crescia a cada mandato presidencial.

A “república oligárquica” então, tinha o poder concentrado por um grupo

reduzido de políticos em cada Estado. Os partidos republicanos de cada estado

decidiam como seria o destino da política nacional, e fechavam os acordos

para a indicação de candidatos à presidência da República. Isso fez com que

os mais pdoerosos partidos brasileiros, especialmente o PRP e o PRM (Partido

Republicano Mineiro) se “revezassem” no cargo presidencial, trazendo também

o poder para a elite mineira. A “política do café-com-leite”, segundo Fausto,

“(...) foi uma política de revezamento do poder nacional executada na

República Velha entre 1898 e 1930, por presidentes civis fortemente

influenciados pelo setor agrário dos estados de São Paulo - mais poderoso

economicamente, principalmente devido à produção de café - e Minas Gerais -

maior pólo eleitoral do país da época e produtor de leite” 18.

Durante o período de 192 à 1906, que envolvem o ano de coroação da

Virgem Aparecida, sobre ao poder mais um paulista, Francisco de Paula

Rodrigues Alves. Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota, em seu livro História

do Brasil – Uma Interpretação, trazem alguns aspectos interessantes sobre

este presidente. Além de já ter sido presidente da província de São Paulo

durante os anos finais do império, de 1887 à 1888, este paulista tinha uma

mentalidade monarquista, obtendo o posto até de “conselheiro” do imperador,

título que utilizou até o final de sua vida 19. Além disto, Rodrigues Alves era

nascido e criado em Guaratinguetá, cidade muito bem conhecida por nós até

agora, no Vale do Paraíba. O que podemos perceber claramente é que, a

devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida pode ter contado com um

terreno muito fértil no governo deste paulista de Guaratinguetá. Lopez e Mota

ainda nos lembram de algumas coisas: o centro da vida econômica e política

brasileira havia se deslocado para o Sul, com a decadência da aristocracia

rural canavieira do Nordeste 20. Além disto, por volta de 1872, segundo os

                                                            18 Ibid., p. 261‐262. 19 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil – Uma Interpretação, p. 577. 20 Ibid., p. 578. 

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mesmos autores, havia um certo equilíbrio entre a população do Norte-

Nordeste e a população do Sul, em 1900 foram triplicados os números de

habitantes dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio grande do Sul 21.

Vamos vendo, aos poucos, que a situação político-economica da região

favorecia e muito ao ocorrido em Guaratinguetá n oano de 1904.

2.1.3 A necessidade paulista de uma Identidade

A partir do século XIX, São Paulo passava por uma grande mudança

sócioeconômica. Começamos a ver alguns fatores que explicitavam a

importância da região centro-sul brasileira, mais especificamente o estado de

São Paulo. Além de sua importãncia política, e da grande importãncia

econômica da região, outras mudanças sociais começaram a acontecer. Uma

delas é a grande inda de imigração. A partir deste ponto, veremos alguns

fatores que explicitavam a necessidade do encontro de uma “identidade” local.

Sobre a imigração em massa, Fausto afirma que o Brasil foi um dos

países americanos que mais recebeu pessoas vindas da Europa e da Ásia

durante o final do século XIX e início do XX. Trazidos à terras brasileiras em

busca de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida, o Brasil

concentrou mais de 3 milhões de imigrante, sendo que o período entre 1887 e

1914 foi o período que mais concentrou essas ondas, com 72% do total de

todos os imigrantes vindos ao Brasil 22. Essa concentração é explicada por

Fausto pela forte demanda de força de trabalho para a lavoura de café

daqueles anos, principalmente até o início da Primeira Guerra Mundial em

1914. Dentre os estados da região centro-sul, São Paulo foi o estado que mais

se destacou, concentrando sozinho a maioria de todos os residentes

estrangeiros no país (52,4%), pois havia facilidades concedidas pelo Estado,

como passagens e alojamentos, e pelas oportunidades de trabalho abertas

                                                            21 Ibid., p. 579. 22 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 275. 

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pela economia cafeeira em seu auge 23. Destes numerosos imigrantes, a

maioria eram de origem italiana, portuguesa e espanhola.

 

Imigrantes italianos em fábrica. Foto: http://www.portalsaofrancisco.com.br

Importante ressaltar que, ainda segundo Fausto, “Os imigrantes

mudaram a paisagem social do centro-sul do país, com sua presença nas

atividades econômicas, seus costumes, seus hábitos alimentares, contribuindo

também para valorizar uma ética de trabalho” 24. Percebe-se aqui o intenso

diálogo cultural, típico do Brasil desde seus anos de Colonização. Porém, tudo

indica que este “bombareio imigrante” acaba por influenciar maciçamente a

sociedade paulista, de forma saudável. E com isso, seria muito provável, da

parte das autoridades, que surgisse também uma necessidade de consolidar,

ou ao menos explicitar os limites entre cultura nacional e cultura estrangeira.

                                                            23 Ibid., p. 276. 24 Ibid., p. 281. 

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Imigrantes japoneses em fazenda em Presidente Prudente na década de 30. Foto: Assis Brandão, 

acervo de fotos do Museu da Imigração da Sociedade Brasileira da Cultura Japonesa e de Assistência 

Social.

Outro fenômeno ocorrido no Estado de São Paulo foi muito importante

para que houvesse a procura por uma identidade: a urbanização. Fausto afirma

que, a partir de 1886 São Paulo começou a crescer em um ritmo estonteante,

sendo que a grande arrancada se deu entre 1890 e 1900, período este em que

a população paulistana passou de 64.934 para 239.820 habitantes. Isto acaba

por registrar uma elevação de 268% no período de dez anos, contantdo com

um crescimento anual de 14% 25. Este crescimento acabou por se desembocar

na alta urbanização de São Paulo, criando por sua vez cada vez mais espaço

para o culto privado.

Lopez e Mota chamam nossa atenção ao que eles chamam de

“constelação urbana”, que incluía as cidades de Sorocaba, Campinas e Mogi

das Cruzes 26. Este núcleo de red urbana se beneficiava pela malha ferroviária

                                                            25 Ibid., p. 286. 26 LOPEZ, Adriana & MOTA, Op. Cit., p. 620. 

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que passava por esta região, da qual se ligava com o porto de Santos. Além

disso, os autores ainda apontam o grande mercado consumidor diferenciado

que havia pela região neste innício do século XX. Era muito bem dotado de

matérias-primas para indústrias básicas, alimentos, tecidos, cerâmica e olarias;

tal como “(...) a excelente localização geográfica para continuar a desempenhar

relações internacionais, daquelas com outros estados brasileiros e das

regionais” 27. A grande série de hotéis, lojas, a Academia de Direito no largo de

São Francisco, escolas de Engenharia e a Santa Casa, na virada do século,

acabou por atrair um novo setor da sociedade, intermediária entre a

aristocracia rural e urbana e os proletários, formada por estudante, normalistas,

advogados, caixeiros, comerciantes, funcionários públicos e toda uma gama de

profissionais urbanos 28.

No campo dos movimentos sociais, podemos chamar a atenção para

dois movimentos ocorridos, segundo Fausto, no campo. Estes movimentos

atingiram notoriedade nacional, e atraíram a “atenção religiosa” para suas

determinadas regiões: a revolta de Canudos, na região Nordeste, e a revolta do

Contestado, ainda na região centro-sul, porém na divisa entre Paraná e Santa

Catarina. Âmbos movimentos acabaram por criar uma certa identidade religiosa

para as regiões em questão, mais o primeiro do que o segundo.

A revolta de Canudos ocorreu no sertão da Bahia, da qual formou-se

uma povoação centrada na administração de seu líder, Antônio Vicente

Mendes Maciel, ou Antônio Conselheiro. Após sua conversão em beato,

costumava pregar para os fiéis do Arraial de Canudos, o que fortalecia mais a

sua liderança. Quando combatidos pelas forças federais, pois sua comunidade

acabava formando uma “sociedade paralela” ao governo federal, Conselheiro

foi morto, virando então símbolo religioso onde em volta se reuníam os

moradores fiéis do Arraial. Já a revolta do Contestado foi um conflito armado

entre a população cabocla e os representantes do poder estadual e federal

brasileiro ocorrido em uma região limítrofe entre o Paraná e Santa Catarina.

Nesta revolta, os rebeldes acabaram por se agrupar em volta de José Maria,

                                                            27 Ibid. 28 Ibid., p. 622. 

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um dos rebeldes pregadores que morreu logo no início do conflito. Semelhante

à Canudos, um acampamento baseado na igualdade e fraternidade foi

montado, formando também um poder paralelo ao governo federal.

Acamapmento este que reivindicava a posse da terra enquanto esperavam a

volta de José Maria.

Estes dois conflitos tem algo em comum, em âmbos foi tomada uma

postura messiânica 29, onde tanto Antônio Conselheiro quanto o beato José

Maria voltaria dos mortos para liderar o grupo até a vitória, e finalmente

conseguir sua “terra prometida”. Então, podemos perceber que além de estas

revoltas estipularem uma ordem paralela ao governo federal, também acabou

por criar figuras religiosas paralelas àquelas defendidas pela Igreja, onde o

único messias que voltará dos mortos para liderar a humanidade à “terra

prometida” é Jesus Cristo. Então, percebemos dois fatores que poderiam ter

contribuído para a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, onde

1- interesse da igreja paulista em reforçar seu ícone religioso, presente na

história local e nacional desde o século XVIII; e 2- interesse da própria Igreja

Católica em liquidar, mesmo que mínima, a devoção á ícones religiosos extra-

oficiais, como Maria José e Antônio Conselheiro.

2.1.4 Nossa Senhora da Conceição Aparecida como símbolo católico

Como dissemos no início da nossa pesquisa, na passagem do século

XIX para o XX, o significado da devoção mariana cresceu abruptamente.

Segundo Sylvie barnay, mais precisamente em 8 de dezembro de 1854,

quando o papa Pio IX proclama a bula Ineffabilis Deus, onde nela se define

solenemente a Imaculada Conceição de Maria, ou seja, a isenção de Maria do

pecado original desde o primeiro instante de sua existência 30. Além de

fortalecer a devoção mariana no Brasil, este fato também afirma um ponto de                                                             29 O messianismo é, em termos restritos, a crença divina ‐ ou no retorno ‐ de um enviado divino libertador, um messias, com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. 30 BARNAY, Sylvie. A renovação da teologia e cultos marianos, in CORBAIN, Alan. “História do Cristianismo”, p. 386. 

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discordância entre católicos, e protestantes e ortodoxos, da qual negam a

isenção do pecado em Maria, uma vez que isto não está presente na sagrada

escritura 31.

João Paulo Berto, em seu artigo A Força Política da Fé: Estado e Igreja

na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição

Aparecida, faz um belo ensaio sobre a imagem de Nossa Senhora da

Conceição Aparecida como um símbolo local e nacional. Segundo o autor,

após fim do império e consequentemente à ligação entre Igreja e Estado, a

grande preocupação com a manutenção e reestruturação da instituição católica

caminhou lado a lado com a discussão sobre a formação de um Estado-nação.

Com isso, o interesse das autoridades eclesiásticas em que a sociedade

brasileira apresentasse interesse e característica católica ficou evidente. A

necessidade de um imaginário coletivo que representasse a nova nação

brasileira aos moldes católicos foi uma das principais motivações pelo qual

ocorreu a coroação da Virgem Aparecida 32.

Quem nos ajuda a compreender isto é José Murilo de Carvalho, e sua

obra A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Nele,

Carvalho reflete sobre a importância do uso de símbolos e alegorias na

implantação de um novo regime, tal qual sua legitimação. Segundo ele, foi isto

que possibilitou a construção de um corpo de nação. Ainda, para que o novo

regime funcionasse, “(...) talvez fosse necessária a existência anterior do

sentimento de comunidade, de identidade coletiva, que antigamente podia ser

o de pertencer a uma cidade e que modernamente é o de pertencer a uma

nação 33”. Uma das tentativas, inicialmente da parte da Igreja e depois a

aceitação do Estado, de que fosse criado um ícone que despertasse o

sentimento de “nação” no povo brasileiro, foi a oficialização do culto de Nossa

Senhora da Conceição Aparecida através de sua coroação. Afinal, além de ser

uma devoção mariana, fazia parte da devoção da mais importante região

                                                            31 Ibid., p. 387. 32 BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 12‐13. 33 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil, p. 32. 

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brasileira, economicamente e politicamente. Não é de se admirar que o

governo de líderes paulistas chamasse a atenção para sua própria região.

 

Retalho da obra de Eugène Delacroix, A Liberdade Guiando o Povo. Foco em Marianne, símbolo da 

República durante a Revolução Francesa.

Através também da reflexão de Carvalho sobre “alegorias femininas”,

cuja influência francesa é bem marcante, podemos colocar a Virgem Aparecida

dentro deste contexto. A associação entre Aparecida como suposto símbolo da

república é quase imediata com Marianne, a figura alegórica criada na

Revolução Francesa para que representasse sua república. Berto afirma que

houve críticas da parte de pensadores católicos sobre o modelo da Virgem

Aparecida como símbolo da nação brasileira em ser difundido, porém a

realidade laica francesa não teria força dentro de um panorama religioso como

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o do Brasil 34. Com isso, o caminho ficou livre para que surgisse uma

mariolatria cabida à Virgem Aparecida como símbolo paulista, que viria a ter

aceitação nacional no final do século XIX e início do XX, além de ter sua

devoção enraizada desde os princípios da colonização brasileira com a

devoção á Nossa Senhora da Conceição.

Em seu livro Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de

1904, o então bispo de São Carlos Dom José Marcondes Homem de Melo

escreve:

“(sic) Coroação de Nossa Senhora Apparecida significa que a Santa Igreja

approva solemnemente o culto de veneração, de piedade e de confiança que

os fieis de longa data tributam á Imagem de Nossa Senhora Apparecida, e

symbolisa essa sua approvação coroando com uma imagem de ouro tão

sagrada e veneranda Imagem.

A Coroação é portanto uma ceremonia symbolica e deve por isso ter a sua

razão natural, e é o que entramos a dar. (...)D’esta maneira a santa Igreja se

rejuvenece com estes banhos do passado, a fé se inflamma com estas

illuminações, e o povo fica comprehendendo que na santa Igreja tudo é grande;

que as suas ceremonias têm a sancção da palavra divina, a sancção dos

seculos, a sancção da arte e a sancção da fé das multidões”. 35

Mais do que isso, Andréa Maria de Queiroz Alves em sua dissertação

Pintando uma Imagem de Nossa Senhora Aparecida, vê uma demonstração de

capacidade de liderança e de organização da parte da Igreja, uma vez que a

cerimônia de coroação foi marcada a fim de coincidir com a Conferência dos

                                                            34 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 13.  35 HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de 1904, apud. BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 15.  

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Bispos que acontecia na cidade de Aparecida do Norte. Por isso, no dia da

celebração, uma quantidade grande dos bispos e do clero brasileiro estava lá

para testemunhá-la 36.

Homem de Melo também transcreve o discurso feito por Dom João

Francisco Braga, bispo de Petrópolis, ao final da Missa Pontifical durante a

celebração da coroação:

RELIGIÃO E PATRIA; BRASIL E MARIA: são ideaes queridissimos do coração

brazileiro.

Quer-se-á uma prova?

Hontem, agitou-se ainda uma vez, a alma popular, ao recordar a data historica

da emnacipação política do Brasil.

INDEPENDENCIA OU MORTE, foi o primeiro grito de Pedro Primeiro,

constituindo a nação: SENHORA DA CONCEIÇÃO PADROEIRA DO BRASIL,

foi o segundo grito, contemporâneo, do monarcha Fundador.

(...) Hontem, celebrávamos a fundação da nação Brasileira; hoje, e aqui,

celebramos a Padroeira desta grande nação, sob um de seus titulos mimosos:

VIRGEM APPARECIDA. E eis porque eu ouço a voz profunda e melodiosa de

uma nação inteira, de uma grande nação, a voz do BRAZIL querido 37.

Com isso, Berto afirma que “a Igreja, ao apresentar Nossa Senhora

como Rainha, relembrando uma expressão da monarquia recém extirpada, por

meio da coroação solene e grandiosa, parece buscar evidenciar sua força e

tornar a demonstrar e recolocar sua presença na vida do país frente às

                                                            36 ALVES, Andréa Maria Flanklin de Queiroz Alves. Pintando uma Imagem de Nossa Senhora Aparecida – 1931: Igreja e Estado na construção de um símbolo nacional, p. 52, apud. BERTO, João Paulo. “A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 15. 37 BRAGA, Dom João Francisco in HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de 1904, apud. BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 16. 

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limitações impostas pelo novo regime” 38. Tudo isso, lembrando que o dia da

celebração da Coroação da Virgem Aparecida se deu um dia após as

comemorações do 7 de setembro, ou seja, da data oficial da Independência do

Brasil.

2.2 Antecedentes Institucionais da Coroação

Para entender qual era a situação do catolicismo brasileiro durante o

início do século XX, seria necessário entender seus antecedentes. Em seu livro

A Igreja Paulista do Século XIX, Augustin Wernet dedica toda esta obra para

refletir sobre esta situação.

Desde a chegada dos portugueses em terras brasileiras, houve um tipo

de catolicismo presente na sociedade conhecido como “catolicismo tradicional”.

Wernet trata deste catolicismo tradicional como sendo “(...) prioritariamente de

caráter leigo, social e familiar” 39. A presença dos leigos sempre foi muito forte

nos organismos eclesiásticos, pois a direção, e até a organização de muitas

associações católicas estavam nas mãos de leigos. Estas tinham por direção

uma diretoria escolhida por confrades da determinada ordem. Esta diretoria

tinha o poder de deliberar e decidir sobre os negócios da confraria, tendo o

capelão da ordem (escolhido pela diretoria) as principais funções.

Durante princípios do século XIX, a Igreja no Brasil passava por um

momento marcado, segundo Wernet como “cristandade”: um estado de

interpenetração entre religião e sociedade, Igreja e Estado em que os poder ES

políticos e religiosos acabam se confundindo. Tal aspecto poderia ter sido

trazido pela própria cultura européia, onde muitos monarcas foram chefes

efetivos da Igreja, e não o Papa, muitas vezes até obscurecido por estadistas.

Mais do que isso, havia no Brasil o regime de “Padroado”, da qual

sempre havia predomínio do Estado sobre a Igreja e também trazido de

                                                            38 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 15. 39 WERNET, Augustin. A Igreja Paulista no Século XIX, p. 17. 

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Portugal. Desta forma, A Igreja delegava aos monarcas destes reinos ibéricos a

administração e organização da Igreja Católica em seus domínios. O monarca

ordenava a construção de igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes

depois aprovados pelo Papa. Este regime foi passado para suas colônias, no

caso o Brasil, da forma de que as nomeações ficavam á cargo dos

administradores das províncias, ou mesmo das câmaras municipais, em

algumas vezes.

Em seu artigo O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira

República Brasileira, André Silvério da Cruz trata do regime de padroado como

uma “anomalia” dentro da Igreja Católica, pois desde meados do século XIX

este modelo deixou de existir para dar lugar á um modelo institucionalista

eclesiástico separado de qualquer instituição política (do Estado) 40.

O que nos interessa aqui é o fato de que, segundo Wernet, o caráter

social e familiar do catolicismo tradicional faz com que haja uma

interpenetração da religião com a vida social 41, tanto no âmbito público como

privado. Principalmente durante o processo de emancipação política brasileira,

durante os anos 1821-22 42, esta interpenetração entre religião e vida social

mostra-se no grande envolvimento de padres na política. Em São Paulo esta

situação é muito visível. Só na Câmara dos Deputados em São Paulo, segundo

Wernet 43, do Primeiro Reinado até o início das Regências, o número de padres

presentes na Câmara sobre de zero para quatro. Inicialmente, o número parece

muito pequeno, mas explica-se, paradoxalmente, pela tendência iluminista do

pensamento brasileiro durante esta época.

Augustin Wernet também reflete sobre esta situação no Brasil durante o

século XIX. Ele chama de “padres ilustrados” a ala católica que acabou por

absorver o pensamento Iluminista de Marquês de Pombal no século XVIII.

                                                            40 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 2. 41 Ibid., p. 24. 42 Entenda‐se aqui o processo de “separação política” entre Brasil e Portugal, no que consiste a volta da Coroa Portuguesa para Portugal e o início de um governo monarquista de um brasileiro (Dom Pedro I). 43 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 66. 

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Estes padres ilustrados, segundo Wernet 44, encaravam positivamente o mundo

e as realidades terrestres, por isso entendiam a ciência como um saber

“operativo”, necessária para a resolução de problemas terrestres e mundanos.

Caberia então à Igreja, à religião, a tarefa de promover a educação moral da

sociedade. Por isso a penetração do clero na política brasileira durante o

século XIX.

Somado á isso, a Constituição do Império do Brasil dizia claramente que

“(...) a religião católica apostólica romana continuará a religião do Estado” 45.

Com isso, durante todo o império o sacerdote se via como um funcionário

público, servindo ao Estado que por sua vez servia alimentando o clero,

sustentando-o. Segundo Wernet, “O clero anuncia os dogmas da religião, que é

uma das firmíssimas colunas do Estado. O Estado pressiona o clero para que

continue a desempenhar sua função de sustentáculo do regime. A Igreja

pleiteia o Estado as côngruas para o seu clero. Atendida, vê o seu clero

atrelado à máquina administrativa” 46. Percebemos também que até a paróquia

servia como célula administrativa, pois as eleições realizavam-se na Igreja

Matriz, da qual tinha celebrada uma missa solene pelo Espírito Santo antes de

se dar início.

Porém, em meados do século XIX, certa elite “ilustrada” do clero

paulista, como chama Wernet, não representava a totalidade deste grupo. A

decadência do clero paulista vinha dos outros padres e clérigos ordenados na

primeira metade do século XIX. Estes chegaram aos cargos exercidos devido à

influência das elites locais que utilizavam a importância política do clero, tal

como por indicações de suas famílias fazendeiras e latifundiárias, influentes

nas regiões específicas onde os vigários eram eleitos para determinado cargo.

Wernet dá relativa importância para Dom Manuel Joaquim Gonçalves de

Andrade, Bispo de São Paulo entre os anos 1827 até 1847, e responsável por

ordenar muitos padres durante meados do século XIX sem que tivessem

passado por um instituto de Filosofia e Teologia, deixando assim de organizar

                                                            44 Ibid., p. 38. 45 Em Anais da Assembléia Constituinte do Império do Brasil, 1823, op. cit, p. 69. 46 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 69. 

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devidamente os estudos eclesiásticos 47. D. Manuel Joaquim vivia como o clero

de sua época: era fazendeiro e dono de escravos, amante das caçadas e com

uma atuação política bem relevante em São Paulo durante sua vivência como

parte do clero. Além de militante do Partido Conservador durante a década de

1840, foi várias vezes vice-presidente da Província de São Paulo e usava sua

autoridade, segundo Wernet, “(...) para influir no clero politicamente” 48.

Esta situação do clero paulista, somada com a liderança de semelhante

chefe, a decadência do clero paulista foi iminente. A partir desta situação,

houve muitas insistências da parte do baixo clero e de muitos leigos para que

houvesse mudanças dentro do clero. Para outros ainda, deveria haver uma

reforma religiosa que abrangesse também a ordem política da Província, uma

vez que esta estava recheada da presença do clero. Para alguns políticos e

padres, este momento seria muito oportuno para que houvesse uma reforma

eclesiástica na província, uma vez que o país passava por um momento de

reforma constitucional nas décadas de 1830 e 1840.

Então, o Bispo de São Paulo D. Manuel Joaquim teve de ceder ás

vontades dos leigos, baixos cleros e políticos, indicando então uma Comissão

da qual ficou responsável, junto com a Comissão Eclesiástica da Assembléia

Provincial, de elaborar um projeto de reforma para o clero paulista. Pronto em

1835, este projeto propunha, entre outras coisas, o relaxamento da lei do

celibato para combater a situação moral do clero; reformulação da formação

profissional do clero para combater o baixo nível cultural do mesmo; e a criação

de uma Caixa Eclesiástica para remediar a situação financeira do clero.

Este projeto ficou por muito tempo em estudo e discussão na Comissão

Eclesiástica, até que entre os anos 1838 e 1839, na fase final da organização

do Estado brasileiro, muitos políticos ativos e principalmente conselheiros de

Dom Pedro II chegaram á conclusão de que, para que esta reforma tivesse

efeito, o melhor fundamento que atenderia a esta necessidade seria o

Catolicismo Ultramontano.

                                                            47 Ibid., p.80. 48 Ibid., p. 81. 

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2.2.1 O Ultramontanismo

O Ultramontanismo surgiu na França na primeira metade do século XIX

com a proposta de “frear” o fenômeno que vinha ocorrendo na época, de a

Igreja estar se tornando departamento de um Estado. Segundo Wernet,

podemos perceber no procedimento dos Ultramontanos certo esforço para se

estruturar um ensaio de dominação da autoridade espiritual sobre a temporal, e

ainda defendem a primazia da fé sobre a Ciência, onde “(...) o predomínio das

verdades reveladas sobre as que resistem ‘ao tribunal da razão’” 49. Portanto, o

ultramontanismo serviu não apenas aos interesses da Igreja em mostrar-se

como “independente” e forte centro da cristandade, mas também aos clérigos

interessados na manutenção do status quo no Brasil.

Para André Silvério da Cruz, o Ultramontanismo contou como um

movimento conservador dentro da própria instituição, configurando-se por “(...)

raízes também conservadoras como resposta ao impacto das revoluções

liberais européias e o desenvolvimento filosófico e científico que agitaram

Roma (...)” 50. Podemos perceber então que o Ultramontanismo foi marcado por

um centralismo institucional muito grande, fechando a Igreja em si mesma.

Sobre sua expressão doutrinária, Cruz ainda afirma que sua “(...) concepção

religiosa foi a Encíclica Quanta Cura e o Syllabus, nas quais era retomada a

luta pela hegemonia da autoridade espiritual da Igreja sobre a sociedade civil” 51.

Cruz ainda aponta outra corrente de pensamento, o Tradicionalismo,

como responsável também para a disseminação do pensamento Ultramontano.

Apesar de ambos serem muito semelhantes e próximos sob vários pontos de

vista, Cruz explica que não devem ser confundidos, uma vez que o

Ultramontanismo se caracteriza como um movimento da própria Igreja Católica

que diz respeito à vida dela própria como instituição, enquanto o

                                                            49 Ibid., p.179. 50 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 2. 51 Ibid. 

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Tradicionalismo caracteriza-se como uma linha de pensamento que trata da

tradição como fator determinante dos valores humanos.

Porém, o tradicionalismo na Europa era uma forma de contestação ao

ideal liberal e racionalista proeminente dos séculos XVII e XVIII, servindo de

reação contra a Revolução Francesa. Acabou também se estruturando como

uma corrente política, jurídica, filosófica e teológica, tendo como representantes

da primeira fase muitos pensadores católicos 52. Desta forma, o tradicionalismo

europeu pode ser entendido, segundo Cruz, como “(...) um projeto social global

no qual a religião ocupa o primeiro lugar, opondo-se à sociedade liberal e laica

e a qualquer projeto moderno de organização social e política” 53.

Em seu livro Igreja Católica e Política no Brasil, Scott Mainwaring cita o

Ultramontanismo como uma tentativa da Igreja Católica de imprimir um novo

rumo à mesma, devido ao declínio institucional sofrido pela Igreja (mentalidade

iluminista) durante boa parte da primeira metade do século XIX 54. Devido à

essa ameaça, o Vaticano passou a promover uma presença católica mais forte

na sociedade, por isso uma reforma interna seria imprescindível para que sua

imagem fosse melhorada.

Sobre o Ultramontanismo no Brasil, Maria Aparecida Junqueira Veiga

Gaeta, professora do Departamento de História Social, Política e Econômica da

UNESP – Franca escreveu um artigo bem elaborado e esclarecedor, “A Cultura

Clerical e a Folia Popular” 55. Nele, Gaeta afirma que o Ultramontanismo

chegou ao Brasil, além das idéias já forjadas na Europa, como uma “(...)

condenação (...) às vivências de um catolicismo português leigo e despojado

de um rigor teológico. Essas formas devocionais foram vistas então com uma

forte carga de negatividade e acusadas de serem portadoras de (...)

superstições (...)” 56. Podemos avaliar, portanto, que o Ultramontanismo foi uma

                                                            52 PAIM, A. “O estudo do pensamento filosófico brasileiro”, in CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 3. 53 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 3. 54 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 42. 55 GAETA, Ma. Aparecida Junqueira Veiga. “A Cultura Clerical e a Folia Popular”, in Revista Brasileira de História, vol. 17, nº 34, p. 183‐202. 56 Ibid., p. 187. 

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tentativa do clero regular brasileiro de substituir a presente realidade religiosa

por outra, uma nova e única, e não multifacetada.

Novamente, Mainwaring aponta o Ultramontanismo como uma solução à

uma situação onde o catolicismo era frágil desde o século XIX, com o regime

do Padroado e com o clero brasileiro formando família e contando com falta de

seminaristas, sem contar com o ponto mais baixo do catolicismo brasileiro,

segundo ele, na época de Dom Pedro II, onde o imperador não só controlava o

estado, mas também era o chefe titular da Igreja em terras brasileiras 57.

Já João Paulo Berto, relembra o processo de independência do Brasil.

Sobre ele, Berto afirma que ele não mudaria a relação de controle e regulação

que o Estado exercia sobre a Igreja, porém esta continuava com todas as suas

regalias sociais, religiosas e econômicas 58. Por isso, inevitavelmente, a Igreja

acabaria entrando em crise contra o Estado, fazendo com que o ideal

ultramontano prosperasse no Brasil pós-independência.

André Silvério da Cruz, explica que o ultramontanismo serviu como base

para “(...) a revitalização do catolicismo brasileiro que, no seu projeto de sair do

regalismo do Período Imperial, começou a afirmar sua autonomia (...)” 59. Com

isso, o pensamento católico brasileiro de certa forma deixa de lado o

pensamento trazido pelos portugueses no século XVI para assumir uma

postura mais autêntica, mesmo seguindo as tendências européias.

2.2.2 A Reforma na Igreja Paulista

Em 1851, foi nomeado Dom Antônio Joaquim de Melo para o bispado de

São Paulo. Segundo Wernet, sua importância data desde a época de sua

nomeação, que fez questão em deixar clara sua intenção no bispado: gerar

                                                            57 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 41. 58 BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 7. 59 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 1. 

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uma reforma no clero paulista, que, como vimos, passava por uma época de

relativa decadência 60. Logo em sua primeira Carta Pastoral como bispo de São

Paulo, em 1852, analisa a situação do clero paulista e define um programa

para a reforma e restauração da Igreja de São Paulo 61. Uma das principais

medidas tomadas por D. Antônio Joaquim de Melo foi a criação de um

Seminário Diocesano de São Paulo, afirmado por ele mesmo como “a cura do

mal da decadência geral do clero” 62. Com isso, D. Antônio Joaquim de Melo

pretendia organizar um espaço para formação e educação para futuros padres

com um regulamento extremamente rigoroso. Apesar disto, o Seminário de São

Paulo acabou por satisfazer as expectativas daqueles que consideravam que

um total isolamento do mundo seria possível uma moralização mais certa do

clero.

Com isso, D. Antônio Joaquim de Melo, dito por Wernet como o “bispo

reformador”, teve sucesso na implantação do catolicismo Ultramontano, porém

o êxito não foi tão completo em relação à maior moralização e ilustração do

clero paulista. Um exemplo disso é que muitos dos párocos continuavam com

as mulheres e o filhos, não mostrando qualquer esboço de que iriam reverter

esta situação. Padres formados através do Seminário Diocesano coexitiram ao

lado dos antigos padres, estes que dificilmente abandonariam as antigas

práticas e costumes que eram abominadas por D. Antônio Joaquim de Melo.

Também, D. Antônio Joaquim de Melo era conhecido por seu caráter

monarquista e conservador, defensor de um clero alheio aos problemas

políticos. Esta sua doutrina era defendida também no Seminário Diocesano.

Podemos dizer então, que, além dos problemas que ainda existiam no clero

paulista, o Seminário Diocesano de São Paulo, segundo Wernet, transformou-

se “(...) em um dos maiores focos irradiadores do movimento reformista do

século XIX, pelo fato de terem saído de lá vários bispos reformadores que

imitavam fielmente os procedimentos de D. Antônio Joaquim de Melo: fundação

de seminários episcopais dirigidos por padres estrangeiros e ultramontanos,

                                                            60 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 99. 61 FONTOURA, Ezequias de Galvão. A vida de Dom Antônio Joaquim de Melo, op. cit.,  p.101. 62 Ibid., p 104. 

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prolongadas visitas pastorais e promoção da vinda de freiras para a educação

da juventude feminina” 63.

A introdução do Ultramontanismo no Brasil ocasionou, segundo Wernet,

um diálogo muito mais sistemático da Igreja, seja no plano institucional ou no

plano doutrinário, A “romanização” significava uma centralização no poder

religioso colocado na figura de bispos e superiores eclesiásticos, reforçando

assim a autoridade que estes encarregados tinham sobre o clero regular,

secular e principalmente em associações leigas. Wernet até cita um dizer muito

corrente na época: “Se anteriormente o critério para ser aprovado em concurso

(...) consistia em ter ligações políticas com [poderosos das terras], agora era

necessário ser ‘carcamano’ ou jesuíta (sic.)” 64. Desta forma, o clero paulista

acabou ficando muito mais dependente dos bispos e da própria autoridade

eclesiástica do que de sua família de origem e principalmente dos “grandes de

terra”.

D. Antônio Joaquim de Melo, em sua gestão, ainda afetou as ordens

religiosas regulares presentes no Brasil desde o Período Colonial, como por

exemplo os carmelitas, beneditinos e franciscanos. Estas ordens foram

substituídas por outras nascidas na Europa, de mentalidade ultramontana e

mais de acordo com esta linha de pensamento, sendo assim de mais fácil

controle pelas autoridades eclesiásticas. Esta autoridade se articulou, segundo

Wernet, segundo um eixo de poder religioso que fazia do Papa na Santa Sé o

pólo principal deste eixo, enquanto o bispo fazia o papel principal para cada

diocese, e por fim o clero 65 em cada paróquia. Com isso, foi se formando no

Brasil, e principalmente em São Paulo, uma Igreja mais independente de

assuntos políticos, com o clero mais distante da vida pública e econômica.

Porém, á longo prazo, os reflexos destas medidas serão refletidas na

sociedade brasileira, querendo a Igreja ou não.

                                                            63 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 166. 64 Ibid., p. 182. 65 Aqui, entendo que por “clero”, Augustin Wernet teve a intenção de dizer “o clero mais baixo”, como os padres e vigários. 

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João Paulo Berto chama a atenção para o povo durante este processo

de renovação eclesiástica em São Paulo. Segundo Berto, já no alvorecer do

século XX, “(...) o povo já se apresentava como um elemento de desejo tanto

da Igreja quanto do Estado, aparecendo como constituidor (sic.) de sua própria

liberdade política” 66. A Igreja então, no desejo de arraigar estes grupos,

colocava-se como representante e fonte da verdade, tal como do afeto

espiritual. Então, para atrair os setores populares da sociedade, a Igreja via-se

em uma posição de fusão com a família, criando um ambiente de fraternidade

entre o povo e a Igreja.

2.3 Os Redentoristas e Aparecida

Até os dias de hoje, a basílica de Aparecida encontra-se sob

administração da Congregação do Santíssimo Redentor, ou a Ordem dos

Redentoristas. Saber da chegada da ordem na cidade de Guaratinguetá e sua

administração da Basílica são importantes para identificarmos a situação em

que se encontrava a Igreja no Brasil durante o século XIX.

Em entrevista á “Revista de Aparecida”, o Pe. Joseph W. Tobin deu um

histórico interessante e sucinto, da qual vale a pena citar nesta pesquisa.

Segundo Tobin, “(...) a Congregação teve início de modo muito humilde e

frágil” 67. Ainda segundo Tobin, no dia 9 de novembro de 1732, Santo Afonso

de Ligório e seus primeiros companheiros encontravam-se em um convento de

Irmãs contemplativas, o Santuário Nossa Senhora dos Montes, na cidade

italiana de Scala, quando decidiram se “comprometer a seguir Jesus Cristo

Redentor do Mundo” 68. A cidade de Scala tinha pobreza em abundãncia,

portanto, a partir daí Santo Afonso de Ligório e toda a Congregação do

Santíssimo Redentor empenham-se em uma missão á serviço dos mais pobres

e abandonados em todo o mundo.

                                                            66 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 8. 67 Revista de Aparecida, nº 68, Nov/2007, p. 6. 68 Ibid, p. 7. 

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Sabemos que a primeira comunidade redentorista de Aparecida chegou

na cidade de Guaratinguetá em 28 de outubro de 1894. Logo de início,

segundo a Polyanthéa das Festas Jubilares 69, os missionários redentoristas

foram acomodados em duas casas geminadas de romeiros, perto do Santuário

de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Já segundo Brustoloni, “(...) a

primeira comunidade foi fundada pelos sacerdotes Lorenço Gahr, como

superior, e José Wendl, como vigário substituto do Cura e Reitor do Santuário

[incumbido desta tarefa pela Diocese de São Paulo], Pe. Claro Monteiro; e

ainda os irmãos leigos: Simão Veicht, Estanislau Schrafl e Rafael Messner” 70.

 

Santo Afonso de Ligório, imagem anônima. Imagem: http://pt.wikipedia.org

No mês de novembro do mesmo ano, o próprio Pe. Claro Monteiro

encarregou a recém chegada ordem dos Redentoristas com algumas funções

no Santuário, como por exemplo a recitação do terço diariamente ás 18 horas,

                                                            69 Polyanthéa das Festas Jubilares da coroação da Imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida de 1904 – Set/1929. Arquivo da Biblioteca dos Redentoristas, p. 46‐48. 70  BRUSTOLONI, Júlio J. Op. Cit., p. 281. 

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missa dos romeiros e até atendimento aos doentes e batizados. Pouco tempo

depois, no mesmo mês, acabam por assumir todo o trabalho do Santuário

encarregados pelo próprio Pe. Monteiro, pois este havia “(...) ido até a cidade

de Cruzeiro para atender àquela paróquia, onde grassava a epidemia da

cólera, e cujo vigário fugira apavorado, abandonando suas ovelhas” 71.

Desde novembro de 1884 até janeiro de 1885, o Santuário de Aparecida

ficou sob o comando do Pe. José Wendel. Então, neste mesmo mês, Dom

Joaquim Arcoverde, então bispo de São Paulo, visita o Santuário e a

comunidade Redentorista. Satisfeito com a administração do Santuário pelos

Redentoristas, no dia 23 de janeiro do mesmo ano, o próprio Dom Joaquim

Arcoverde indica a Ordem como encarregados pela administração do

“Episcopal Santuário”. Segundo Brustoloni, “(...) mesmo sendo temporário até

que outra ordem ou padre retornasse para tomar conta do Santário” 72.

Por fim, em junho do mesmo ano de 1895, a sede da Missão dos

Redentoristas foi transferida para Aparecida, quando o Pe. Gebardo

Wiggermann, seu Superior, mudou-se de Campinas de Goiás para São Paulo.

O fato de a administração do Santuário de Aparecida ter passado das

mãos dos leigos para as da ordem eclesiástica Congregação do Santíssimo

Redentor não foi por acaso. Sabemos que em finais do século XIX, o

Ultramontanismo chega não só ao Brasil, mas em muitas outras partes do

mundo, tendo como base a Santa Sé em Roma.

Não apenas em Aparecida, mas o olhar ultramontano acabou por seguir

os santuários brasileiros que mais atraíam fiéis em busca de curas e soluções

simples para os problemas do dia-a-dia, forte característica do catolicismo

popular brasileiro até os dias de hoje. Aparecida em especial, tornou-se um

centro de devoção da qual peregrinos das mais distantes regiões do Brasil

vinham para prestar homenagens, ofereciam preces e generosas doações

materiais. Segundo Gaeta, “(a) fim de que todo esse patrimônio fosse revertido

                                                            71  Ibid., p. 282. 72  Ibid., p. 283. 

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em obras da Igreja, o bispo paulista D. Lino Deodato (1873-1894), um dos

luminares do ultramontanismo em São Paulo, decidiu transferir para esse local

[Aparecida] o Seminário Diocesano” 73. O intuito desta decisão estava no fato

de que o clero regular havia interesse em que a administração do Santuário

ficasse em cargo das ordens européias, tal como houvesse um investimento na

formação de seminaristas para a diocese.

Sabemos que houve a retirada dos leigos da administração do Santuário

no momento em que a Ordem proibiu esmolas, rendimentos e doações no

Santuário de Aparecida durante sua administração temporária. Cinco anos

antes da sede da Ordem dos Redentoristas ser transferida de Goiás para São

Paulo (1890), Maria Aparecida Gaeta aponta em seu texto a ocorrência da

Primeira Reunião do Episcopado Brasileiro. Durante este encontro, os bispos

discutiram a questão dos centros de religiosidade popular, e duas questões

principais foram levantadas: a retirada definitiva das irmandades leigas da

administração financeira dos santuários brasileiros e confiá-la aos institutos

religiosos europeus, coisa que havia sido feita no Santuário de Aparecida em

1895 como dito anteriormente; e confiar totalmente a sacerdotes destes

institutos religiosos a direção espiritual dos santuários brasileiros, afim de

torná-los “centros de verdadeira fé católica”.

Percebemos então um esforço romanizador em “purificar” o catolicismo

popular do Santuário de Aparecida, até então em poder dos leigos e clérigos

seculares, mostrando um verdadeiro ar aristocrático espiritual das ordens

religiosas européias, mais precisamente da Congregação do santíssimo

Redentor no Santuário de Aparecida. A partir de então, a cidade de Aparecida

e sua basílica tornaram-se um centro de peregrinação das mais distantes

regiões do país, para que fossem cumpridas promessas, preces e generosas

doações agora feitas não mais aos leigos, e sim á uma ordem

institucionalizada.

                                                            73 GAETA, Ma. Aparecida Junqueira Veiga. “A Cultura Clerical e a Folia Popular”, in Revista Brasileira de História, vol. 17, nº 34, p. 189. 

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João Paulo Berto enxerga a chegada dos Redentoristas no Santuário de

Aparecida como “ (...) um processo romanizador de grande impacto, uma vez

que seu controle voltou para as mãos da Igreja (...)” 74, desta vez do clero

regular. Isso, combinado com uma grande promoção e incentivo de devoções,

e associações vinculadas ao espírito tridentino, acabou por constituir uma

orientação fundamental aos Redentoristas, sendo as missões populares uma

grande arma para agregar fiéis e travê-los para o seio da Igreja a partir de um

viés mais popular e sentimental.

                                                            74 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 10 

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3 Mil Novecentos e Trinta, a década da Padroeira e Mãe Aparecida

O que será apresentado neste capítulo final da pesquisa seguirá o

padrão de análise utilizado nos capítulos anteriores, ou seja, analisaremos

como era a situação política no Brasil durante o ano de 1930. Apesar de o título

apresentado citar “a década”, abordaremos a conjuntura político-social que se

apresentava no país que pode, a priori, explicar as razões políticas pela qual

ocorreu o último fato a ser abordado nesta pesquisa: a elevação de Nossa

Senhora da Conceição aparecida de “Rainha do Brasil” para “Padroeira do

Brasil”.

Existe uma diferença entre o fato de a Virgem ser “rainha” e “padroeira”

do país. Na teoria, ser “rainha” significa que, além de ser reconhecido

oficialmente pela Santa Sé, o culto à mesma era legalizado, podendo ocorrer

abertamente na esfera pública. Além disso, a Virgem passaria a ser

oficialmente conhecida como uma das formas da Virgem Maria, assim como a

Virgem de Guadalupe, Nossa Senhora de Lourdes ou Nossa Senhora de

Fátima, uma das mais conhecidas Virgens pelo mundo. Já o fato de ser

considerada “padroeira” já é um passo gigantesco para a Igreja no Brasil, que

será aproveitado, como veremos, pelo governo provisório de Getúlio Vargas a

partir do ano de 1930. Ser “padroeira” implica no fato de a Virgem Aparecida

ser verdadeiramente a detentora dos fundamentos católicos no Brasil, ou seja,

além do principal símbolo católico oficial, seria ela a santa que vela por todos

os brasileiros; que abraça todos os residentes do Brasil. Por isso, a principal

característica de “padroeira”, e a que mais nos importa, se mostra: ela seria o

símbolo brasileiro, a representante do Brasil para o mundo. Pelo menos esta

era a intenção inicial das autoridades políticas e eclesiásticas brasileiras, como

veremos mais adiante.

A cerimônia se deu em 31 de maio de 1931 na cidade do Rio de Janeiro,

até então capital do país, em uma cerimônia pública solene, estando presentes

o então presidente da república Getúlio Vargas, o Arcebispo de São Paulo,

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Dom Duarte Leopoldo e Silva, o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom

Sebastião Leme, e vários padres redentoristas, sem contar com a grande

massa popular que também acompanhava o evento. Nas palavras do

missionário redentorista Carlos Arthur Anunciação, “Há 80 anos, diante de

Cardeais e autoridades eclesiásticas da Igreja, diante do então presidente da

republica, Getúlio Vargas e de uma multidão de um milhão de pessoas, Nossa

Senhora era declarada oficialmente a Padroeira do Brasil” 1.

 

Missa campal no Rio de Janeiro, com a presença de Getúlio Vargas e Dom Sebastião Leme em 1931. 

Foto:  CDM  –  Centro  de  Documentação  e Memória/Santuário Nacional.  Disponível  em:  Revista  de 

Aparecida, ano 9, n°100, julho de 2010. p 21.

Brustoloni também descreve as festividades que se deram durante a

proclamação de Padroeira do Brasil em 1931. Segundo o autor, a idéia da

declaração de Nossa Senhora da Conceição Aparecida em “padroeira do

Brasil” foi do próprio Dom Sebastião Leme, durante o Congresso Mariano de 5

a 7 de setembro de 1929, ocorrido na comemoração do “Jubileu de Prata da

                                                            1  Citação do Missionário Carlos Arthur Anunciação, na missa de celebração de 80 anos da Padroeira do Brasil, feita na Catedral de Aparecida em 31 de maio de 2011. 

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Coroação 1904-1929”, na cidade de Aparecida do Norte 2. Os presentes então,

com Dom Sebastião Leme à frente do movimento, enviaram um pedido formal

à Santa Sé para que ele declarasse Nossa Senhora da Conceição Aparecida

padroeira do Brasil. Inicialmente, o pedido foi negado, pelo fato de que São

Pedro de Alcântara já ocupava o cargo de padroeiro do país, além de haver

oposição de alguns bispos do nordeste.

Em outubro de 1930, Dom Sebastião Leme programa, além da

festividade popular, um Congresso Mariano que convocou bispos e clero em

geral de todo o Brasil. O congresso em si teve inicio no dia 24 de maio de

1931, culminando na proclamação da Virgem Aparecida como padroeira do

Brasil no dia 31.

Segundo Brustoloni, “(...) o clima religioso do Congresso era envolvente,

atingindo todas as classes sociais e transformando o ambiente da Cidade. Os

jornais estampavam os acontecimentos com ênfase e noticiavam em grandes

manchetes a apoteose da proclamação da Esplanada do Castelo” 3. O autor

também descreve a viagem da imagem, da cidade de Aparecida até a Igreja

São Francisco de Paula, na capital brasileira. “Colocada no carro-capela,

começou a viagem da Santa Imagem (...). Todas as cidades no trajeto

preparavam festiva recepção nas estações locais. Na estação Deodoro (...), o

leito da Central mais se parecia com uma grande passarela pela qual desfilava

a Dama dos corações brasileiros, sua Rainha e Mãe, aplaudida e ovacionada

pelos seus devotos. (...) após dez horas de peregrinação, a Imagem chegou à

Estação de D. Pedro II. (...) Dom Sebastião Leme recebeu, comovido, a

Imagem das mãos de Dom Duarte, conduzindo-a até a Igreja de São Francisco

de Paula” 4.

                                                            2 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 343. 3 Ibid., p. 344. 4 Ibid., p. 345. 

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3.1 O Estado Varguista

Primeiramente, nosso objetivo nesta parte será descrever os meios

pelos quais Getúlio Vargas chegou ao poder, para entender suas motivações e

interesses no culto à Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Segundo

palavras de Boris Fausto, Getúlio Vargas acabou por subir ao poder em 1930

como chefe de um governo provisório, e eleito pela via indireta 5. Sua subida ao

poder se mostrou bem trabalhosa e truculenta, pelo fato de ter-se dado por

meio de uma revolução.

A Revolução de 1930, amplamente conhecida pelos historiadores

brasileiros, foi um acontecimento que mudou o rumo político do Brasil. Como

vimos no capítulo anterior, o Brasil vinha sendo governado principalmente por

políticos paulistas. Com isso, era clara a preocupação do governo federal com

a situação econômica no estado de São Paulo, principalmente. Motivados por

esta “preferência” administrativa da parte do governo, outros estados

brasileiros acabaram por se mobilizar a fim de tentar reverter a situação e

receber mais poder político. O então presidente da república, o paulista

Washington Luís insiste no apoio de outro paulista para ao próximo mandato

presidencial, o governador do estado de São Paulo Júlio Prestes. Esta atitude

claramente fez com que gaúchos e mineiros chegassem a um acordo de apoio

mútuo. E é deste acordo que vem a candidatura de Getúlio Vargas e João

Pessoa (sobrinho do ex-governador da Paraíba Epitácio Pessoa, e governador

do mesmo estado) para vice, para concorrer com Júlio Prestes à presidência, e

nasce a Aliança Liberal, chapa pela qual Vargas e Pessoa saem como

candidatos. Era de se esperar que a Aliança Liberal tivesse como plataformas,

planos que englobassem uma maior parte do Brasil, e não apenas São Paulo.

Dentre elas, idéias como a necessidade de incentivar a produção nacional em

geral, e não apenas o café; o combate aos esquemas de valorização de

produto em nome da ortodoxia financeira; e medidas de proteção aos

trabalhadores nacionais, como extensão da aposentadoria, regulamentação do

trabalho do menor e das mulheres, entre outros. Com isto, A Aliança Liberal, e

                                                            5 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 333. 

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principalmente Vargas, projetando-se no poder, visava à sensibilização e

mobilização nacional, insistindo então na unidade nacional.

 

Figura 1Getúlio Vargas e os tenentes na chegada ao Palácio do Catete no Rio de Janeiro, para a posse 

de Presidente da República em 1930. Fonte: http://www.brasilescola.com/upload/e/rev%2030.jpg

Nas eleições de 1 de março de 1930, Julio Prestes vence. Segundo

Fausto, a aliança Liberal então acusa o PRP de fraude eleitoral, e afirma que

Getúlio Vargas havia ganhado por 298.627 votos contra 982 no estado do Rio

Grande do Sul 6, lembrando que poderiam votar apenas os alfabetizados e

maiores de idade, sem contar a abstenção de votos. Além disso, o estopim da

revolução se dá com o assassinato de João Pessoa em uma confeitaria do

Recife por João Dantas, um de seus adversários políticos na Paraíba. O

ocorrido obviamente foi apontado pela Aliança Liberal como tendo

principalmente motivos políticos, fazendo de Pessoa um mártir da revolução. A

revolução, porém, acabou por explodir no Rio Grande do Sul, ao contrário do

                                                            6 Ibid., p. 321. 

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que se pensava na época. O estado aproveitou a “onda” para iniciar uma

revolução que tinha por objetivo depor o presidente em fim de mandato,

Washington Luís. Apoiado por membros do exército, e pelo estado do Rio

Grande do Sul em massa, Getúlio Vargas sobe ao poder em 3 de novembro de

1930. Não queremos nos deter a discussão sobre a Revolução de 30, mas

creio que um adendo seria interessante. Tendo a concordar com Lopez e Mota,

quando afirmam que “O movimento de 1930 não configura uma revolução, pois

não provocou mudança radical – nem dela foi expressão – nas estruturas de

produção e de distribuição da propriedade rural e urbana, nem nas do capital”7.

Ficando 15 anos no poder, Getúlio Vargas têm o apoio da classe dos

militares, conhecida apenas como “tenentes”, segundo Fausto 8. No caminho

de sua posse, Vargas fez questão de sair do Rio Grande do Sul, passar pelo

estado de São Paulo, onde foi bem recebido pelos políticos do Partido

Democrático (o PD paulista), e chegar ao Rio de Janeiro, capital nacional. Além

disso, o apoio que recebe das oligarquias do Nordeste brasileiro já é sinal do

plano nacional que Vargas tinha ao subir ao poder, ou seja, mobilizar toda a

unidade nacional como havíamos dito anteriormente.

Lopez e Mota descrevem Getúlio Vargas como um líder carismático e

com uma inclinação ao autoritarismo: “Bacharel gaúcho, concentrava em si

todas as qualidades (e os defeitos) para coordenar [o país] (...) A ascensão de

Vargas representou (...) a República dos burocratas autoritários” 9.

Uma importante base de apoio do governo de Vargas, segundo Fausto,

foi a Igreja Católica. Sabemos que houve uma aproximação entre Igreja e

Estado logo na presidência de Arthur Bernardes, e no governo de Vargas ela

se concretizará com a inauguração do Cristo Redentor no Corcovado, em 12

de outubro de 1931, e principalmente, o que nos interessa, à proclamação de

Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Padroeira do Brasil em 31 de

maio do mesmo ano. A Igreja acabou por levar a massa da população católica

                                                            7 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil – uma Interpretação, p. 640‐41. 8 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 332. 9 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. Op. Cit., p. 634. 

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a apoiar o governo de Getúlio Vargas. Em troca, Vargas tomou algumas

medidas em favor da Igreja, como por exemplo, o decreto de abril de 1931, que

permitiu o ensino religioso das escolas públicas do país 10.

A Igreja, ao contrário dos educadores liberais, enfatizava a importância

de escolas privadas, e defendendo também seu ensino religioso tanto em

escolas privadas como nas escolas públicas (porém, em caráter facultativo

para estas). Com isso, era corrente neste meio a diferenciação na educação

entre meninos e meninas, pois “(...) destinavam-se a cumprir tarefas diferentes,

na esfera do trabalho e do lar” 11. Cruz afirma que a Igreja sempre teve

prestígio diante de suas ações pedagógicas, independente de seu

conservadorismo, porém nunca havia sido questionada pela sociedade até

então 12. Esta insistência da Igreja na educação religiosa pode ser vista como

essencial para a difusão da fé católica na sociedade, uma vez que no espaço

escolar não se educava apenas no sentido formal, mas também construía e

conservava a cultura católica e história da Igreja. Aqui podemos entender que a

aceitação do Estado em recolocar a educação religiosa nas escolas terminaria

na criação de um laicato mais “conservador” e defensor das regras impostas.

3.2 A Igreja da Neocristandade

A Igreja Católica brasileira passou por renovações também durante a

década de 1930. Desde a segunda metade do século XIX, como vimos, a fé

católica passava por uma situação de “fechamento”, quando, segundo o

Ultramontanismo, a Igreja deveria se fortalecer diante de um mundo laico e

desinstitucionalizado. Porém, este tipo de pensamento se mostrou uma faca de

dois gumes. Um dos principais responsáveis em alertar a ordem eclesiástica

sobre esta situação foi o próprio Dom Sebastião Leme. Antes de ter sido

nomeado cardeal e de ser nomeado arcebispo do Rio de Janeiro, o “cardeal

                                                            10 FAUSTO, Boris. Op. Cit. 11 Ibid., p. 339. 12 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 10. 

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Leme” como é amplamente conhecido, era arcebispo de Olinda e Recife.

Pouco tempo após ter sido nomeado arcebispo de Olinda e Recife, D.

Sebastião Leme publica uma carta pastoral, que segundo Mainwaring, “(...)

marcou o início de um novo período na história da Igreja [no Brasil]” 13. Nesta

carta, D. Sebastião Leme chama a atenção para uma fragilidade da Igreja,

argumentando que o Brasil seria uma nação católica (maior nação católica,

aliás) e que a Igreja deveria aproveitar este fato para marcar uma presença

muito mais forte em sua sociedade. Portanto, a idéia de D. Sebastião Leme era

de que a Igreja deveria cristianizar as principais instituições sociais brasileiras,

desenvolvendo um quadro de intelectuais católicos e também alinhas as

práticas religiosas populares aos “procedimentos ortodoxos”, ou seja, mais

próximo do catolicismo oficial.

Com isso, entre o início do século XX e finais de sua segunda década, a

Igreja no Brasil preocupou-se bastante com a consolidação de reformas

internas. Desta vez, além de preocupar-se com a consolidação de valores em

seu próprio meio, a Igreja começou a se preocupar em espalhar a fé católica o

tanto quanto conseguia através de instituições sociais não necessariamente

ligadas aos governos. A este modelo conhecemos como a “Igreja da

Neocristandade”. Enquanto o Ultramontanismo tinha como um de seus

objetivos evitar que os governantes tivessem poder sobre a Igreja local, a

Neocristandade objetivava o fortalecimento da presença da Igreja não apenas

no âmbito privado (com a criação, como apontamos, de escolas particulares),

mas também junto ao Estado, para atingir o máximo de instituições sociais que

poderia. Em suma: Igreja continuou conservadora, opondo-se à secularização

das instituições, porém insistia em um catolicismo forte e vigoroso, que se

“misturasse” nos governos e instituições sociais. Então, este modelo de Igreja,

da neocristandade, veio a florescer antes da década de 20, graças aos

esforços de D. Sebastião Leme.

Desta forma, segundo Mainwaring, a Igreja conseguia dar conta de seus

interesses primordiais, como a sua influência sobre o sistema educacional, a

                                                            13  MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 41. 

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preservação de uma moralidade católica, anticomunismo e

antiprotestantismo14. Por volta então dos anos 30, a Igreja havia no mínimo

revertido parte de sua decadência anterior, lidando com a fragilidade da

instituição sem modificar de maneira significativa a natureza conservadora da

mesma.

Não é preciso dizer que o Vaticano encorajou fortemente os esforços da

Igreja Brasileira para fortalecer sua presença na sociedade, especialmente

durante o papado de Pio XI, cuja visão de Igreja e de Política se aproximava

muito com a visão de Dom Sebastião Leme. Principalmente, Pio XI encorajava

também a busca de alianças com o Estado para defender interesses católicos,

desde que o Estado não subjugasse o poder da Igreja.

 

Papa Pio XI, responsável pela renovação da cristandade durante o primeiro quarto do século XX. 

Fonte: Província Franciscana “Nossa Senhora de Assunção”, ano de 1922.

                                                            14 Ibid., p. 43. 

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Aqui, devemos nos lembrar de algo muito importante: o combate da

Igreja ao comunismo, assim como o governo de Vargas fará na década de

1930. Em uma encíclica emitida pelo mesmo Pio XI em 1927 condenando o

comunismo como sendo um “erro” da sociedade, e com isso a Igreja alinhou-se

com forças conservadores nos anos 20 e 30. Em 1929, por exemplo, segundo

Mainwaring, o estado fascista de Mussolini assina a Concordata de 1929, pelo

qual ficou reconhecido o Vaticano como estado soberano. A partir daí, o apoio

da Igreja à regimes fascistas só aumentou. Lopez e Mota colocam o governo

de Vargas, até 1945, como “(...) um arremedo do regime fascista italiano,

adaptado à mentalidade coronelística dos setores dominantes” 15.

3.2.1 A Linha de Pensamento da Igreja da Neocristandade.

Na década de 1920, houve uma organização mais efetiva da Igreja

Católica para uma atuação mais forte e decisiva em meios sociais,

apresentando a defesa dos valores católicos e do ideário cristão católico. Estes

movimentos valeram-se muito de seus direitos e tradições durante o cenário

sócio-cultural do Brasil republicano.

O laicato da classe média foi o principal grupo afetado pela

neocristandade durante esta década. Os principais líderes católicos emergiram

em torno do Centro Dom Vital, um instituto católico pequeno, porém de enorme

influência no desenvolvimento da política da Igreja durante esta década. O

centro foi criado em 1922 por Jackson de Figueiredo, colaborador e amigo de

Dom Sebastião Leme, para ser o principal centro da intelectualidade leiga

católica do Brasil.

Além de ser vital para a reintegração católica nos meios sociais

brasileiros, o Centro Dom Vital também organizou muitos movimentos leigos

em prol da catolicidade, principalmente em meios urbanos. Entre esses                                                             15 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. Op. Cit., p. 651. 

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movimentos podemos citar: a Congregação Mariana, em 1929, o Círculo dos

operários em 1930, a Juventude Universitária Católica, no mesmo ano e a

Ação Católica Brasileira em 1935. Principalmente esta última, esses

movimentos foram importantes, pois eram estritamente controlados pela

hierarquia católica, afirmando então uma presença forte nas instituições e no

Estado, fazendo com que a “oficialidade” dos cultos se mantivesse, mesmo

tendo uma grande maioria laica.

O Centro Dom Vital foi de essencial importância para a ampliação dos

valores da neocristandade. Nele, segundo Cruz, Jackson de Figueiredo fez a

sede da revista A Ordem, publicação que contava com as idéias de uma

organização do movimento católico leigo no Brasil, principalmente no combate

de idéias e ações hostis ou indiferentes à Igreja e ao pensamento religioso16.

Mias que isso, foi a partir do centro Dom Vital e de suas publicações incitavam

um projeto social baseado na superação dos males contemporâneos, como o

racionalismo e o liberalismo, surgidos com a modernidade. Para tanto, esse

grupo apresentava, segundo Cruz, um aspecto político da realidade,

contestando então a ordem vigente. Este aspecto nos interessa muito, pois

provavelmente foi um dos muitos grupo que fizeram com que o laicato católico

ficasse do lado de Getúlio Vargas durante a revolução de 1930. Vargas não

tinha a intenção de perder, ou apenas não ganhar apoio da Igreja, por isso

entendemos que Vargas “aproveitou-se” desta argumentação católica de

rejeição do poder republicano. Argumentação esta liberal e que possibilita a

difusão destes “males da modernidade”.

Kenneth Serbin, em seu livro Padres, Celibato e Conflito Social, aponta o

Centro Dom Vital e sua publicação, a revista A Ordem, como responsáveis do

substancial crescimento do capital político da Igreja durante esta época.

Segundo o autor, “(...) a reorganização [da cristandade] reforçou a ideologia da

neocristandade, que ambicionava o monopólio religioso do catolicismo e um

papel central para a Igreja na sociedade” 17. Em outras palavras, o Centro Dom

Vital acabou por reafirmar a catolicidade do Brasil, defendendo a ordem social

                                                            16 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 7. 17 SERBIN, Kenneth. Padres, Celibato e Conflito Social, p. 98. 

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apoiando, segundo Serbin, as autoridades, recristianizando as classes

seculares superiores, e mantendo uma postura mais conservadora e

paternalista em relação aos pobres 18.

 

Jackson de Figueiredo coordenador da revista A Ordem. Foto: Anônimo.

Cruz ainda coloca a criação do centro Dom Vital como uma ação que

tinha como intuito exercer uma influência espiritual maior nas camadas

intelectuais da sociedade, facilitando assim o aceso das doutrinas da Igreja e

seus ideais no meio social, colocando-os em prática ativamente na

sociedade19. Este novo movimento católico da década de 20 tinha como

objetivo, então, a alteração das bases laicas brasileiras, tal como a mentalidade

                                                            18 Ibid. 19 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 8. 

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atéia/agnóstica do regime republicano e a revitalização do catolicismo

brasileiro. Cruz aponta este propósito de penetração espiritual e formação das

consciências, característicos da Igreja da Neocristandade, como o causador da

fundação de movimentos de ação social, pelo fato de a Igreja, principalmente

seu laicato, começar a ter voz e influenciar lideranças, tirando os fiéis da

letargia 20. Porém, o conservadorismo sempre estava presente em suas ações

e discursos, principalmente no campo político em suas críticas ao regime

republicano.

No meio operário, a Igreja também formou movimentos clericais

conservadores para competir com os sindicatos mais liberais e progressistas.

Daí vem a formação dos Círculos Operários Católicos e da Juventude Operária

Católica na década de 1930. Além de se fazer presente no operariado

brasileiro, a Igreja tinha em mente que, com isso, iria adquirir mais oposição

aos ideais comunistas presentes no país.

Estas ações acabavam fazendo com que o contraste entre o modelo da

neocristandade e o modelo ultramontano ficassem em evidência,

principalmente na relação entre Igreja e Estado. Segundo Mainwaring,

enquanto, até o início do século XX, a Igreja se concentrava mais no

desenvolvimento interno e menos em influenciar as elites governantes, a Igreja

da Neocristandade a partir da década de 1920 tentavam se envolver

profundamente na política, porém mantendo suas características

conservadoras e rígidas, mas procurando acordos e alianças com o Estado

para influenciar cada vez mais a sociedade brasileira 21. O Estado, por sua vez,

percebendo que poderia ganhar muito com o apoio da Igreja, acabou por

acatar esta oportunidade de negociar alguns privilégios em troca de sanções

religiosas. Desta forma, o Estado Varguista percebia que, para obter o apoio

em massa da população, deveria acordar com a Igreja, que se mantinha como

principal veículo de “manipulação” das massas.

                                                            20 Ibid., p. 9. 21 MAINWARING, Scott. Op. Cit., p. 47. 

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A partir da década de 20, a identificação da Igreja com o Brasil era

comum. Em Religião e História do Brasil, frei Agnelo Rossi escreve, em 1942:

“Defendamos sempre a Igreja Católica e estaremos defendendo o Brasil” 22.

Com isso, a Igreja acaba por se opor à qualquer instituição que a atacasse,

pois atacando a Igreja, estariam atacando a pátria, e vice-versa. Em suma, o

Estado, na visão da Igreja, deveria promover sua doutrina social e proteger

seus interesses para que os princípios e doutrina fossem os do Estado

também.

O auge da presença da Igreja na política brasileira também se mostrou

na forma da criação da LEC, a Liga Eleitoral Católica, por Dom Sebastião Leme

em 1932. O objetivo da Liga não esteve ligado com nenhum partido político em

particular, porém se mostrava também anticomunista. Sua missão era alertar

os católicos e os estimulava a votar de maneira conservadora, promovendo

candidatos que adotavam posições favoráveis às principais questões católicas

da época.

O fato de a Igreja estar tão preocupada em atingir a maioria dos setores

da sociedade brasileira também pode se explicar pelo grande crescimento

tanto do espiritismo quanto do protestantismo no país. Segundo Mainwaring, foi

exatamente nas décadas de 1920 e 1930 que a Igreja veio a ter maiores

preocupações com algumas práticas religiosas populares, das quais ela

encarava com manifestações de “ignorância religiosa” 23. Nestas décadas,

práticas religiosas populares que a Igreja até então desprezava, ou até mesmo

aprovava, começaram a ser desaprovadas, como por exemplo, a “benzeção”

muito comum em áreas rurais. O que podemos retirar destas ações é que a

visão predominante da Igreja, até então, era de que necessitava de uma luta

por estas espiritualidades e práticas “primitivas”, e implantar uma fé mais oficial

e madura. Por isso podemos entender uma das razões pela qual a educação

religiosa, na visão da Igreja, deveria ser contínua, ao invés de orientada

somente às crianças que estavam se preparando ou então já faziam a primeira

comunhão.

                                                            22 ROSSI, Angelo. Religião e História do Brasil, p. 23. 23  MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 50. 

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Primeiros voluntários da Liga Eleitoral Católica. Foto cedida por: Márcio Carlos, arquivo pessoal.

A Igreja, portanto, defendia a visão de que a instituição poderia ajudar a

grande massa popular a se livrar e superar estas “deficiências religiosas”, por

isso era seu papel amadurecer a fé do povo em questão. Estas práticas

populares eram vistas como, segundo Mainwaring, inferiores 24.

3.3 Apoio mútuo entre Igreja e Vargas

A proximidade da Igreja com Getúlio Vargas era muito superior do que

os presidentes anteriores, como Epitácio Pessoa (1918-1922) e Artur

Bernardes (1922-1926). Mainwaring afirma que “(...) a hierarquia eclesiástica

nunca [apoiou] Vargas de maneira oficial, mas a maioria dos bispos, padres e

                                                            24 Ibid., p. 51. 

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leigos militantes apoiava o governo” 25. Percebemos que a Igreja apoiava

Getúlio Vargas não só por causa dos privilégios que ela recebia, mas

principalmente por causa de suas afinidades políticas. A Igreja, tal como o

Estado varguista davam muita ênfase à restituição e manutenção da ordem

vigente, tal como ao nacionalismo, ao patriotismo e ao anticomunismo, como

dissemos anteriormente. Fora isso, Dom Sebastião Leme era amigo de Getúlio

Vargas, por isso procurou, com efeito, influenciar nas decisões de causas

públicas. Obteve, entre outras coisas, verba estatal para ajudar as escolas

católicas particulares, conseguiu vetar o divórcio e, grande ganho para a Igreja,

restituiu o ensino religioso na educação pública.

Não demorou muito para que os governantes do Brasil reparassem na

crescente força que a Igreja vinha obtendo diante das massas com suas

reformas, e segundo Serbin, reconheceram-na como um baluarte de

estabilidade social. O apoio entre o presidente Getúlio Vargas e a Igreja serviu

para o desenvolvimento de seus respectivos projetos de centralização

institucional. Criava-se, então, um certo grau de “patriotismo” no próprio clero

brasileiro, e o governo se considerava cada vez mais católico 26. Ainda

segundo o autor, consolidou-se um pacto informal entre Vargas e a Igreja.

Após o sucesso da revolução de 30, Vargas recebe a bênção da Igreja e toma

o poder a partir deste ano.

Percebe-se então que grande parte do apoio que Vargas obteve em seu

recente governo vinha das boas relações que cultivava com a Igreja. Serbin

afirma que “O pacto entre Vargas e a Igreja representou, na prática, o

restabelecimento do catolicismo como religião oficial do Brasil” 27. Enquanto a

Igreja oferecia ao Estado uma ideologia da qual pudesse se apoiar, servia de

base também para o sistema corporativista de Vargas, com o objetivo de

                                                            25 Ibid., p. 48. 26 SERBIN, Kenneth. Op. Cit., p. 100. 27 Ibid. 

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devolver à cultura nacional a espiritualidade católica e promover a cooperação

entre as classes sociais 28.

A constituição de 1934 talvez possa ser o mais visível exemplo desta

forja de aliança entre Igreja e Estado. Construída em cima de constituições de

países com regimes autoritários, como a Itália e seu regime fascista e a

constituição de Weimar da Alemanha nazista, foi promulgada “em nome de

Deus pela Igreja, e continha, dentre outras leis, a proibição do divórcio, uma

legislação trabalhista pró-católica e o atendimento de reivindicações mais

gerais do catolicismo, como a liberdade de educação (neste caso, a liberação

da educação religiosa em escolas públicas e apoio para escolas católicas

privadas).

Alcir Lenharo, em seu livro Sacralização da Política, disserta de forma

clara sobre relações entre Estado e Igreja durante o governo de Getúlio

Vargas. Segundo Lenharo, é clara durante a época a utilização de imagens, da

parte do governo, como dispositivos discursivos de propaganda, e atendiam as

finalidades políticas de Vargas. Sua intenção era, ainda segundo o autor, de

espalhar certa carga emotiva e sensorial às massas, que teriam retorno com

respostas de aceitação, contentamento, satisfação, ou seja, reações passivas e

não críticas 29.

Mas há de se perguntar o por que da eficiência desta política. Roberto

Romano, em Brasil: Igreja contra Estado argumenta que esta

instrumentalização feita pelo governo de Vargas encontrou um terreno cultural

preparado no Brasil, pelo uso e pelo culto das imagens, dos símbolos, das

comparações (ensinamentos por meio de parábolas) e da fala figurativa, típicos

da cultura cristã 30. Romano ainda afirma que a imagem religiosa aponta para

intenções políticas, ainda que camufladas 31. Em outras palavras, segundo o

autor, utiliza-se uma imagem para fins políticos e se obtém uma aceitação das

                                                            28 Percebemos aqui um dos discursos da Igreja que combatia o Comunismo, ou seja, a cooperação entre classes e não a luta entre elas. Este interesse era defendido, como vimos, tanto pela Igreja quanto pelo Estado Varguista. 29 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política, p. 13. 30 ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Política, p. 42. 31 Ibid., p. 44. 

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massas mesmo sem elas saberem que a imagem foi feita em uma apelação

política.

Lenharo nos chama a atenção para a utilização alegórica de uma

imagem em particular usada pelo governo, nos moldes mostrados

anteriormente: o corpo, da qual é muito utilizado pelo cristianismo na forma de

“cristo crucificado”, e também na representação de imagens de santos. A

nação é associada a uma totalidade orgânica, à imagem de um corpo uno,

indivisível e harmonioso. O Estado também é associado á esta totalidade, da

qual suas partes funcionam como um órgão de um corpo integrado que cresce

e amadurece. Seguindo esta interpretação, é inevitável pensarmos em uma

similaridade de idéias entre Igreja e Estado, principalmente por outros dois

fatores observados pelo autor: a integridade da nação, tanto para Vargas

quanto para Igreja, deveria ser mantida para “(...) neutralizar os focos dos

conflitos sociais, tornando as classes [órgãos] solidários umas com as outras” e

também para sacralizar a imagem da política para “(...) dotar o estado de uma

legitimidade escorada em pressupostos mais nobres que os tirados da ordem

política, funcionando como um escudo religioso contra as oposições não

deliberadas” 32.

                                                            32 LENHARO, Alcir. Op. Cit., ps. 16‐18. 

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Busto de Getúlio Vargas na praça Luís de Camões, Glória – RJ. Foto: Rodrigo Soldon.

Este caso envolve não apenas o corpo, mas também outros símbolo

próprio do discurso teológico, que acabou por se transformar em matéria de

“domínio público”: o crucifixo. Lenharo ainda nos dá mais uma informação de

como Igreja e Estado trabalhavam juntos: em 1942 (12 anos após o momento

estudado, porém este ano ainda se refere ao governo de Getúlio Vargas, desta

vez sob o Estado Novo), o arcebispo de São Paulo Dom José Gaspar

d'Afonseca e Silva, sugeriu a oficialização da introdução da imagem de Cristo

crucificado nas fábricas, no que foi prontamente atendido pelas indústrias 33.

Lenharo também afirma que a Igreja tentou manter o significado original do

crucifixo, ao mesmo tempo em que aproveitava a utilização do mesmo pelo

Estado para interagir de forma mais ampla com os setores da sociedade

brasileira. Nas fábricas paulistas, por exemplo, o uso do crucifixo em suas

paredes aprofundava o sentimento de identificação dos trabalhadores com a

                                                            33 Ibid., p. 169. 

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imagem do crucificado, ou seja, a imagem serena de Jesus Cristo introduzia

nas fábricas um sentimento de “guia e consolo” nos trabalhadores 34.

Claro que a aceitação não era geral, pois este símbolo era duramente

atacado pelos anarquistas e agnósticos em geral como um símbolo de

alienação 35. Porém, devemos lembrar que este discurso da atividade

eclesiástica tem seu significado ampliado quando colocamos a imagem da cruz

em contraste a identificação do Brasil com a constelação do Cruzeiro do Sul.

Isto foi significativo para que o discurso da Igreja conseguisse seu lugar pelo

menos nas classes menos privilegiadas da sociedade brasileira.

A convergência de ideais e interesses entre Igreja e Estado se dão mais

claramente com dois fatores, que, segundo Lenharo, foram auxílios que a

Igreja prestou o Estado durante a década de 1930. O primeiro seria de caráter

mais constitucional, significando um apoio político ao Estado em momentos

cruciais desta época. O sentimento anticomunista, que atendia aos interesses

tanto da Igreja quanto do Estado, servia como combate à modernidade e

defesa dos valores tradicionais para o primeiro, e servia como instrumento de

desmoralizar o “adversário” e fornecer uma legitimidade especial para as

práticas repressivas e igualmente conservadoras do segundo, pois, como

dissemos anteriormente, o Estado Varguista foi cunhado totalmente sobre

moldes de extrema direita.

O comunismo pode ser visto como fruto da modernidade, principal

característica criticada pela Igreja neocristã. A Igreja percebia o mundo

moderno como sendo essencialmente maligno, pois destruía a devoção e a fé,

encorajando o culto à personalidade e a mentalidade laica, tal como o poder, o

dinheiro e o materialismo. A modernidade também, segundo discurso da Igreja

da época, destruía valores tradicionais e o respeito pela autoridade,

característica também da doutrina comunista.

                                                            34 Ibid., p. 170. 35 ROMANO, Roberto. Op. Cit., p. 51. 

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O segundo fator relaciona-se, segundo Lenharo, à função milenar e

indispensável da Igreja de “(...) domesticação das consciências” 36. Este fator

se mostra através da grande quantidade de retratos de Getúlio Vargas

espalhados por repartições, casas de comércio, casas e principalmente locais

de trabalho em todo o Brasil. Até mesmo estátuas com o busto de Vargas eram

colocadas em praças públicas. Aqui, Lenharo tem uma leitura muito

interessante, que se encaixa com nossa pesquisa. Segundo o autor, o fato de

essas imagens quase que exclusivamente ilustravam e priorizavam a cabeça

de Getúlio Vargas. Isto faz com que, em conjunto com os crucifixos colocados

em fábricas e repartições públicas, a imagem “(...) cria uma espécie de símbolo

de apoio, em que a cabeça espiritual sobrepõe-se à temporal para reforçar sua

função simbólica num meio mais crítico (...)” 37. Ou seja, a cabeça (ou o busto)

de Getúlio Vargas se sobreporia ao corpo crucificado de Jesus Cristo, criando

então uma união simbólica perfeita entre o Estado varguista e a Igreja Católica.

Portanto, uma mensagem subliminar de amor à pátria, fé na prática e no futuro,

apostolado para a pátria, predestinação do líder e surgimento de uma nova

relação entre as massas e as autoridades (na figura de Getúlio Vargas) se

“concretiza” na idéia de “universalidade estatal e eclesial”.

3.4 A devoção á Virgem Aparecida atrai atenção

O crescimento da devoção à santa acabou por chamar a atenção das

autoridades federais. Somando-se a isso, em 1913 houve a primeira notícia,

por Dr. Basílio machado, devoto e estudioso da história do Santuário, sobre a

construção de uma nova igreja que fosse um “monumento nacional” em honra

da Virgem Aparecida e comemorando seus 200 anos de “existência” (1717-

1917) 38. Anos depois, em 1926, os peregrinos e os capelães percebiam a

necessidade de se construir uma Igreja maior, para comportar as crescentes

                                                            36 LENHARO, Alcir. Op. Cit., p. 190. 37 Ibid., p. 193. 38 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 207. 

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ondas de romeiros que apareciam na “Basílica Velha”. Então, no Congresso

Mariano de 1929, a idéia da construção de uma nova igreja ganhou

consistência. Estes rumores de construção de uma “igreja-monumento”

despertaram grande ânimo no povo e nos romeiros, que aumentavam cada ano

mais sua presença na cidade de Guaratinguetá.

Apenas em 1939, os rumores se tornaram verdadeiros. Dom José

Gaspar de Afonseca e Silva, o então Arcebispo de São Paulo, prometeu ao

povo e ao grupo dos Redentoristas que haveria, de fato, a construção de uma

nova Basílica, “(...) digno da Padroeira do Brasil” 39. Porém, as construções só

foram se iniciar em novembro de 1955, onde a primeira massa de concreto foi

posta nos alicerces da nave norte da atual basílica. A “Basílica Nova” foi ficar

pronta apenas em 1980.

Sem sair de nosso recorte cronológico, no ano de 1930, os padres

Redentoristas preocupavam-se com a divulgação da mensagem da Virgem

Aparecida, que na época era veiculada, no máximo, pelos jornais e

principalmente pelo “boca-a-boca” dos devotos. A partir deste ano, o Santuário

de Aparecida, junto com os Redentoristas começaram a trabalhar a idéia de

utilizar as ondas de rádio para difundir as mensagens da Virgem Aparecida. O

rádio, na época, já era amplamente utilizado pelo governo como veículo de

transmissão de mensagens pró-governo. O caso mais conhecido e mais forte

sobre isto é o programa “A Hora do Brasil”, que tinha como abertura um trecho

da ópera brasileira “Il Guarany”, ou “O Guarani”, de Antônio Carlos Gomes.

Vargas usava a Hora do Brasil para falar diretamente ao povo como um pai.

Este programa de rádio anunciava as obras do governo e divulgavam sambas

para enaltecer o presidente. Portanto, podemos perceber que o rádio servia

perfeitamente para atender às necessidades do governo (e, no caso, da Igreja)

em atingir um público mais amplo.

Ainda no ano de 1930, Brustoloni nos chama a atenção para uma etapa

de renovação da pastoral do Santuário de Aparecida. Os Redentoristas viam

necessidade de trazer mais pessoas para os cultos de Nossa Senhora da                                                             39 Ibid., p. 208. 

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Conceição Aparecida, e principalmente reaver os devotos que deixaram a fé

católica para freqüentarem Igrejas Pentecostais 40. Portanto, houve renovação

e inovação nos métodos de se preparem as missas, na época, na Basílica

Velha e também nas “Santas Missões”, missões redentoristas muito freqüentes

entre as décadas de 1930 e de 1950, envolvendo quase a totalidade do estado

de Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Sul de Minas e, principalmente, São

Paulo 41. Com isso, as romarias tiveram um crescimento considerável durante

estas décadas. Somado á isto, temos a presença de Redentoristas mais

jovens, dominando a língua portuguesa e conhecendo melhor os costumes dos

devotos, que puderam dar novo vigor ao culto à Virgem Aparecida e a pastoral

do Santuário, implantada pelos velhos redentoristas alemães. O crescimento

paralelo entre a devoção à santa e o Governo de Vargas nos dá a noção

necessária para entender a importância da elevação de Nossa Senhora da

Conceição Aparecida á Padroeira do Brasil.

                                                            40  Nesta época, o crescimento do culto pentecostal aumentou vertiginosamente, porém vemos que este estudo foge de nosso recorte temático, servindo, talvez, para pesquisas posteriores. 41 Ibid., p. 370. 

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Considerações Finais

Pe. Ivanir Antônio Rodrighero disse certa vez que, “Se a referência de

Rainha não recebe destaque, a de Senhora é muito apreciada no Brasil” 1.

Onde será que ele embasa esta sua afirmativa? Ao longo desta pesquisa,

vimos as relações e aproximações entre política e religião no Brasil,

principalmente em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição

Aparecida. Vimos também, como ocorreu a construção do discurso político em

cima de uma devoção inicialmente popular, que acabaria se tornando um

símbolo de fé do povo brasileiro durante início do século XX. Não é a toa que a

Virgem Aparecida é vista como “senhora” do povo brasileiro.

Para nós, o uso de “senhora” pode ser explicado por dois fatores: 1- os

costumes cristãos estão impregnados na sociedade desde a chegada dos

europeus em terras brasileiras, e 2- o termo “senhora” se sobrepõe à “rainha”

pelo fato de que, apesar de ter nascido e se constituído como uma devoção

popular, suas principais influências e absorção do culto se deram por causa

das classes dominantes republicanas do início do século XX.

Sobre a impregnação dos costumes cristão na população brasileira,

André Droogers, em seu texto A Religiosidade Mínima Brasileira, publicado no

periódico “Religião e Sociedade”, utiliza um conceito chamado por ele de

“RMB”, ou a religiosidade mínima brasileira. Segundo Droogers, a RMB se trata

de um tipo de religiosidade que é manifestada publicamente principalmente em

contextos seculares, “(...) que é veiculada pelos meios de comunicação em

massa, mas também pela linguagem cotidiana” 2. Ou seja, como é utilizada

pela mídia, tenta traduzir o que muitos brasileiros pensam sobre “religião”,

tornando-se um conceito “geral” para que um grande número de pessoas

possa entender e se identificar com determinado aspecto, principalmente no

que se considera “porta-vozes” da Religiosidade Mínima Brasileira, ou seja,

personalidades do cotidiano brasileiro que voltam seus discursos para o grande                                                             1 RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Mãe Aparecida no embate entre ciclo do açúcar e do ouro, in “Revista Eclesiástica Brasileira, nº 222, p. 379. 2 DROOGERS, André. A Religiosidade Mínima Brasileira, in “Religião e Sociedade”, p. 65. 

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público. Sendo um substrato religioso das religiões brasileiras, ela garante uma

“postura” religiosa que pode ser complementada e aproveitada pelas demais

religiões do povo brasileiro.

Identificando a presença de Deus, Jesus, fé e reza em uma série de

discursos políticos, esportivos, de celebridades de rádio e televisão e até de

certas propagandas da década de 1980 indicadas por Droogers, podemos

identificar que este substrato religioso, ou a “religiosidade mínima brasileira” se

alimenta principalmente do “catolicismo popular”, introduzido desde o século

XVI pelos colonizadores portugueses, que por sua vez tiveram sua

religiosidade mesclada com alguns elementos indígenas e posteriormente com

elementos africanos.

Portanto, podemos assinalar que o conceito de religiosidade mínima

brasileira de Droogers exprime um aspecto religioso presente na cultura

brasileira, sendo comum ao povo em geral. Na religiosidade mínima, o conceito

de Deus assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de

segurança e confiança. Guiado pela discussão entre Rubem César e Pedro de

Oliveira no periódico “Comunicações do ISER nº 5”, de 1983, sobre aspectos

religiosos em contraste com a religiosidade brasileira, Droogers abre uma

reflexão de onde nasce o conceito de Religiosidade Mínima Brasileira.

Primeiro, analisando os argumentos de Rubem César, entende-se que

ele chama de RMB “(...) uma grande matriz simbólica de uso comum, sobre a

qual cada grupo religioso faz seu próprio recorte e combina seu repertório de

crenças” 3, da qual pode ser traduzido em um embaralhado de peças diferentes

que são usadas por cada crença religiosa brasileira de um jeito diferente,

montando seus próprios fundamentos. Já Pedro de Oliveira assinala a

presença de uma “religião brasileira”, já que pode haver a existência de uma

“cultura brasileira”, onde todos os brasileiros a reconhecem e considerem

elementos religiosos em comum. Apesar de significar uma generalidade

imensa neste conceito, talvez a RMB de Droogers possa dar uma parte da

explicação da aceitação da população á imagem de Aparecida, conhecida                                                             3 Ibid., p. 66. 

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entre praticamente todos os brasileiros e até entre pentecostais, e fazendo com

que estes assumam posturas brandas ou radicais contra a(s) imagem(s).

Partindo da idéia de que, na religiosidade mínima o conceito de Deus

assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de

segurança e confiança, podemos usar o conceito de “matriz”, ou “constantes no

pluralismo religioso” presente em Matriz e matrizes: constantes no pluralismo

religioso, de José Bittencourt Filho. Segundo o autor, no mesmo texto, existe

uma matriz brasileira que é formada pelas diversas culturas que aqui se

encontraram desde a época da colonização, sendo que esta está inserida den-

tro da cultural brasileira do dia-a-dia 4.

Ou seja, uma matriz religiosa seria definida como “(...) um composto de

valores religiosos e de símbolos que lhe correspondem e que ensejam uma

religiosidade ampla e difusa vivenciada pela maioria dos brasileiros” 5. Este

composto de valores está intimamente ligado ao pluralismo religioso brasileiro,

que exige um grande esforço para que seja compreendido a fim de traduzir

uma interação complexa de idéias e símbolos religiosos que se misturaram ao

longo de nossa história, tendo como principais agentes os fatores ideológicos,

políticos e por que não, econômicos para definir uma identidade coletiva.

Infelizmente, esse assunto é bem amplo, não tendo espaço nestas

considerações finais, e talvez tratado posteriormente em alguma outra

pesquisa, afinal, é um assunto pouco explorado e de muita importância para se

entender como se configura e como se configurou a religiosidade brasileira.

Também, conseguimos respostas em relação à procura de conexões

entre política e religião? Acredito que tenhamos adquirido esclarecimentos

sobre isso. Vejamos: apesar de se apresentar como apenas um dos muitos

cultos de santos no Brasil durante sua história (Bom Jesus da lapa, Nosso

Senhor do Bonfim, Nossa Senhora de Nazaré), por que Nossa Senhora da

                                                            4 BITTENCOURT, José. Matriz e Matrizes: constantes no pluralismo religioso, in PASSOS, João Décio (org). “Movimentos do Espírito: matrizes, afinidades e territórios pentecostais”, p. 19. 5 Ibid., p. 20. 

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Conceição Aparecida se mostra como a mais importante para a figura

nacional?

Como vimos, a localização do aparecimento da devoção foi privilegiado.

Recordemos de Rubem Cesar Fernandes, que aponta o cruzamento entre São

Paulo e Rio de Janeiro, em um eixo, e o litoral e Minas Gerais, em outro eixo,

como localização do palco sobre o aparecimento da Imagem da virgem, tal

como o local de início de sua devoção. Portanto, esta região tem assistido a um

tráfego expressivo ao longo de todo esse tempo, sendo eles o de ouro no

século XVIII, da cana de açúcar mais tarde, e do café durante os séculos XIX e

XX. Este fator nos parece crucial para que houvesse uma acumulação de

romeiros devotos da santa, afinal, vimos também que após a guerra dos

Emboabas, foi dada uma maior importância para a devoção, em prol de atrair

de volta os romeiros e tropas de mineiros que passavam pela região a caminho

das Minas Gerais. Também não nos esqueçamos da passagem do Conde de

Assumar na região, da qual a narrativa de sua viagem conta sobre a

cidadezinha de Guaratinguetá e a devoção que ali estava nascendo.

O caráter popular da Virgem Aparecida também nos mostra como um

fator importante. A identificação popular pode ser explicada pelo fato da

identificação não só da capela despida da riqueza do ouro, mas da própria

recente história até então conhecida do aparecimento da imagem de terra cota

por pessoas simples e comuns de um vilarejo humilde, tal como serem

“escolhidos” para “pescar” a imagem, três pobres pescadores nativos da

região. Não nos esqueçamos da grande popularidade que a Virgem Aparecida

detinha com a construção da primeira basílica brasileira.

Enfim, a principal pergunta que moveu a pesquisa: A devoção à santa

realmente apresenta conexões com estratégias políticas utilizadas durante,

respectivamente, 1909 e 1930? Poderíamos ir até mais além; percebemos a

presença de uma “construção triangular” na devoção à Virgem Aparecida.

Primeiro, nós temos a devoção vinda das classes populares, desde a pesca da

imagem de terra-cota até a construção de uma capela própria para abrigar esta

imagem, na casa de um dos humildes pescadores da cidade de Guaratinguetá,

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Filipe Pedroso. Desta devoção popular, percebemos duas forças agindo em

conjunto a fim de criar uma força que beneficiasse ambas: Política e Religião. A

primeira lutava pela criação de uma identidade nacional, uma unidade nacional

mais concisa que possibilitasse a identificação do povo brasileiro com o tipo de

governo do país. A segunda lutava por uma participação mais ativa nas

instituições populares, ou seja, não apenas no espaço público brasileiro, mas

também o espaço privado, familiar do povo. A religião poderia, enfim, servir

como veículo de atendimento dos interesses políticos, assim como a política

serviu muito bem como uma plataforma para a Igreja Católica alcançar todos,

ou a maioria dos setores da sociedade brasileira.

Então, trabalhando em conjunto, Política e Religião puderam abraçar

uma devoção popular fortíssima na região brasileira mais importante política e

economicamente, para atender aos seus fins. Sem dúvida, percebemos que

estas três forças puderam, juntas, construir o que hoje é a Padroeira do Brasil,

a Virgem Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

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Nossa Senhora da Imaculada Conceição

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Nossa Senhora da Conceição Aparecida

http://dariopedrosa.com/?p=2277

Localização da Cidade de Guaratinguetá

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_Guaratingueta.svg

Rio Paraíba do Sul

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rio_Para%C3%ADba_do_Sul_-_1.jpg

Porto de Itaguaçu

http://3.bp.blogspot.com/_glyLfBk9Cic/SMqlE9YjKwI/AAAAAAAADik/Dgm0LaYaJv8/s400/PORTO+ITAGUA%C3%87U+AP%C2%AA+RIO+PARAIBA.bmp

Tropeiros e bandeirantes no Tietê

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Terras próximas ao rio paraíba do Sul

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Igreja Velha de Nossa Senhora Aparecida

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Basílica Nova da cidade de Aparecida do Norte

Cartão postal da cidade obtido á visita pessoalmente.

Coroa de Nossa Senhora Aparecida

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Cerimônia da Coroação

CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional.

Mapa da zona cafeeira paulista no século XIX

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Imigrantes Italianos

http://www.portalsaofrancisco.com.br

Imigrantes Japoneses

Assis Brandão, acervo de fotos do Museu da Imigração da Sociedade Brasileira da Cultura Japonesa e de Assistência Social.

Marianne

Eugène Delacroix, A Liberdade Guiando o Povo

Santo Afonso de Ligório

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Cerimônia da Padroeira

CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional.

Revolução de 1930

http://www.brasilescola.com/upload/e/rev%2030.jpg

Pio XI

http://www.franciscanosmapi.org.br/index.php

Jackson de Figueiredo

http://www.centroschuman.org

Liga Eleitoral Católica

http://marciocarlosblog.blogspot.com

Busto de Getúlio Vargas

http://www.flickr.com/photos/soldon