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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Claudia Pereira Ferraz
Ciborgues Coquetes
A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Claudia Pereira Ferraz
Ciborgues Coquetes
A condição da mulher no Século XXI pela cultura Ciberfeminina
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em CIÊNCIAS SOCIAIS, sob a orientação
da Prof.ª Dra. Eliane Hojaij Gouveia.
São Paulo
2015
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Dedico este trabalho
Á minha filha Stephanie
e minha mãe Rosa
Apoio
Ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e
Tecnológico por ter sido bolsista.
Este apoio foi fundamental para o
desenvolvimento deste estudo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço o apoio de todos que incentivaram o estudo acadêmico de meus
questionamentos e reflexões sobre as questões femininas pertinentes à vida vivida e
digitalmente iluminados na interface do Facebook. Entre os que me apoiaram,
destaco:
A professora Eliane Hojaij Gouveia, professora orientadora, que desde a Graduação
me inseriu no ambiente da pesquisa. Em meu retorno às Ciências Sociais, conduziu-
me intelectualmente de maneira inspiradora, durante todo o processo do trabalho.
Muita gratidão pela sua paciência e por sua capacidade de lapidar-me
academicamente, enquanto eu ainda era uma estudante em “estado bruto”.
Aos demais professores do mestrado, os quais foram capazes de oxigenar novamente
as Ciências Sociais em minha vida e me recolocar a par das recentes diretrizes dos
estudos da cultura e da sociedade, reativando a minha paixão pela Antropologia e pela
prática etnográfica. Foi um imenso prazer compartilhar a sala de aula dos professores:
Carmem Junqueira, Edgar de Assis Carvalho, Luiz Eduardo Wanderley, Rosimere
Segurado e Carla Cristina Garcia. À esta última, Profa. Carla, coloco um
agradecimento especial, e também ao seu grupo INANA, no Facebook. Ainda entre os
atuantes do programa, expresso a gratidão pela atenção da Katia como a
comunicação direta com a secretaria da Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC-
SP, sempre orientando e esclarecendo todas as dúvidas e questões na esfera
burocrática da academia.
Às Professoras doutoras: Teresinha Bernardo e Monica Bernardo Schettine Marques,
expresso minha gratidão por gentilmente formarem a minha banca de qualificação.
Agradeço mais uma vez, às professoras doutoras, Terezinha Bernardo, Monica
Bernardo Marques; assim como às professoras doutoras Regimere Oliveira Maciel e
Elisabeth F. Mercadante pela delicadeza de aceitarem formar a banca examinadora
desta pesquisa.
Quero agradecer também à Thalita Hamaui, por me receber tão bem em sua casa e
me acolher de maneira tão confortável e familiar no início do percurso dessa pesquisa.
À Leca Calvi, Vanessa C. Magalhaes, Marilis A. Millani Vieira, Isaac Ferraz e Ozzie
Gehrart, por ouvirem atentos e curiosos os levantamentos prévios, e as construções
posteriores relevantes a essa reflexão sobre a condição feminina contemporânea.
Destaco novamente minha gratidão à Thalita e Leca que, em conjunto com Sérgio C.
Guizé e Henrique Carcarah, permitiram-me pela experiência vivida, vivenciar a
situação adequada ao questionamento dos valores femininos de matriz tradicional, que
ainda sujeitam moralmente a atuação da mulher; inspiração chave para levantar os
primeiros problemas e direcionar a base deste estudo. E, por fim, coloco aqui o
agradecimento ao meu irmão, Joao Paulo P. Ferraz, por ser um grande incentivador
de minha futura permanência no exercício intelectual e acadêmico das Ciências
Sociais.
RESUMO
A presente dissertação é um estudo etnográfico em comunidades femininas e
feministas do Facebook baseado nos recentes estudos metodológicos para coleta e
análises de dados no contexto virtual. Pelo fenômeno da explosão das tecnologias em
mídias sociais, mapeei uma categoria feminina na rede social e a denominei de
“Ciberfeminino”. Tal terminologia, se faz aqui representativa dos traços patriarcais e
midiáticos, típicos da mercado na cultura da feminilidade digital. A análise dos perfis
pessoais online (entre meninas, mulheres e senhoras) utilizada para contornar o
ciberfeminino foi desempenhada, a partir da prática da observação oculta de paginas
pessoais e do monitoramento das comunidades selecionadas. O reflexo do feminino
na rede social é analisado, por esta dissertação pelos retratos e autorretratos,
“postados”, os quais reproduzem a feminilidade ditada pelos valores tradicionais e
midiáticos. Então denominei estas atrizes sociais/virtuais que atuam no Ciberfeminino
da rede social, como Ciborgues Coquetes. Assim, demonstrei as semelhanças das
características do perfil da cultura feminina apresentada, imersas na referência
simmeliana, onde a sensualidade explícita nas poses, nos olhares e nos sorrisos,
contornam um segmento da cultura feminina chamado de “coquetismo”. Estas utilizam
a tecnologia instrumentalizada para reproduzir e disseminar a imagem feminina
baseada na “beleza” sexualizada trabalhando desse modo, o seu auto-marketing
social/virtual. Por outro lado, na mesma esfera das relações sociais/virtuais está a
condição tradicional que persiste em massacrar a identidade libertadora da
sexualidade da mulher. E como contraponto, apresentei os recentes desdobramentos
das causas, as quais as comunidades feministas do Facebook levantam e contestam.
Sob este contexto, o trabalho abordou a classe feminina desmembrada em nichos
sociais com valores coercitivos, redimensionando para a vida online o ideal
foulcaultiano de panóptico. Desse modo, demostrei que as pressões sociais pela
visibilidade podem estigmatizar ou disciplinar as categorias femininas, aos princípios
puramente estéticos da imagem e/ou moralmente tradicionais como signos máximos
do feminino brasileiro no Facebook.
Palavras-chave: feminino, feminismo, rede social, etnografia online.
ABSTRACT
This dissertation is an ethnographic methodological study on feminine and feminist
communities of Facebook based on recent studies for data collection and analysis at
the virtual context. From the phenomenon of the explosion of technology in social
media, I mapped a female category in the social network, that I have termed as
"Ciberfeminine”. Such terminology, this is a representation of the patriarchal and media
features in the femininity digital culture. This analyse used like resource, those online
personal profiles (among girls, women and ladies) used to circumvent the ciberfeminino
was done, from the practice of hidden observation of personal pages and monitoring of
selected communities. The reflex of female at the social network is analysed in this
dissertation, from the portraits and self-portraits are "posted", which reproduce a virtual
actresses acting in “Ciberfeminine” at the social network, as “Cyborgs Coquettish”. Like
this, I showed the similarities of the profile characteristics of female culture presented,
immersed in Simmelian reference, where the explicit sensuality in the poses, in the
looks and in the smiles, surround a segment of female culture called "coquetry." They
use the instrumentalized technology to reproduce and disseminate the female image
based on sexualized "beauty", working in this way, the social / virtual self-marketing.
On the other hand, in the same sphere of social / virtual relationships, the traditional
condition persists massacring the woman's sexuality release. As a counterpoint, I
presented the recent developments of causes, on which feminists communities in
Facebook have raised and have challenged. In this context, the work approaches the
female class split into social niches, propagators of coercive values, scaling for online
life the ideal of Foulcault panopticon. Thus, I demonstrated that social pressures for
visibility may stigmatize or disciplinary female categories, from aesthetic values of
image and/or from traditional moral to feminine principles, reflecting the maximum of
quantitative signs in Brazilian feminine exposed on Facebook.
Key-words: femimine, feminism, social network, online ethnography.
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................... 10
Condições femininas reais pelos avatares digitais ......................................... 10
Capítulo I – Feminilidade online .................................................................. 29
1.1. Feminilidades – entre Coquetismos e Ciborguismos ............................ 30
1.2. Do Ciberfeminismo ao Ciberfeminino ..................................................... 47
Capítulo II – Compreendendo a condição feminina pela etnografia online
das comunidades virtuais no Facebook .................................................... 55
2.1. Do cinema à mulher online imaginária – as poses que cobrem as dores ..... 56
2.2. “As Mulheres Perfeitas” .......................................................................... 76
2.3. “As Mulheres que Oram” ........................................................................ 98
Capítulo III – Feminismo online e a condição da mulher no Século XXI .... 110
3.1. “Feminismo sem Demagogia” – Ciberfeminismo no Facebook ........... 111
3.2. A condição feminina sob o panóptico relacional online ........................ 125
Considerações Finais ................................................................................ 141
Bibliografia .................................................................................................. 147
Introdução
Condições femininas reais pelo avatares digitais
Um marco da segunda década do século XXI pode ser observado
pelas tecnologias relacionais da comunicação, instrumentalizando a
sociabilidade e a identidade para o que é chamado neste estudo de
automarketing de si. Essas tecnologias e mídias sociais, em especial o
Facebook, surgem como uma plataforma que abrange contatos e conexões em
larga escala, além de tornar o espaço virtual propício à construção e interação
de identidades sintetizadas em imagens calculadas e configuradas sob a
interface do Facebook.
Nesse campo virtual, grupos online agregam seguidores que se
identificam com alguns temas, entre outros milhares existentes na rede social,
constituindo um panorama comunicacional que interage em “tribalismos”
digitais ou comunidades virtuais.
Os procedimentos metodológicos dessa pesquisa possibilitaram
diferentes passos sobre a coleta de dados, uma vez que a coleta dos primeiros
dados era em busca da identificação do perfil pessoal como personificação
feminina online, de um projeto de identidade de si atuando individualmente.
Comecei, então, a construção de um arquivo de dados e fui
percebendo como esses perfis pessoais interagem socialmente em seus
contatos pessoais 1 e em suas “comunidades virtuais”. Assim, criando um
arquivo de dados brutos, sobre feminilidades no Facebook, passei a ter certeza
de que os perfis selecionados, bem como as comunidades temáticas
relacionadas ao meu objetivo de pesquisa, no campo das relações
sociais/virtuais, apontavam-me um problema seguindo a proposta de Skågeby
1 Os depoimentos e expressões na rede social Facebook, são públicos, por isso, não houve necessidade
de termos de autorização.
11
(2013), que me possibilitasse mapear o problema que pudesse emergir das
primeiras análises de tais dados.
Desse modo, percebi que esse fenômeno comunicacional da rede
social passou a oferecer à contemporaneidade, o deslocamento do sentido da
palavra “comunidade”, assim como estendeu o sentido dado à “identidade”,
graças à sociabilidade no ciberespaço. Reconheço que o ambiente social do
Facebook é um espaço de construção de identidades, as quais a seleção
adequada de perfis pessoais representativos dessas identidades femininas
serviram, conforme mencionado por Skågeby (2013), como “dados chaves” que
me levariam a diagnosticar o problema. Esses dados foram contextualizados e
se mostraram muito ricos porque demonstraram que poderiam ser avaliados
sob diferentes perspectivas como de gênero, mídia, identidade, processos
comunicacionais da imagem e da tecnologia, por exemplo.
No contexto sociológico, a presente dissertação de mestrado, à luz de
Stuart Hall (2006), procurou conceituar as identidades que, antes vistas como
unificadas, estabilizaram o mundo social, mas atualmente se encontram em
declínio, o que faz surgir novas identidades de um indivíduo fragmentado.
Conforme as primeiras análises dessa pesquisa, no que diz respeito à
identidade social/virtual feminina, a estrutura da feminilidade pautada na
sensualidade, na beleza e na maternidade abrangem a grande maioria dos
fragmentos de si publicados em páginas pessoais, de perfis online femininos.
Os pressupostos de Bauman (2003) couberam perfeitamente ao que
encontrei nos dados. Para o autor, identidade significa “aparecer”, por isso esse
trabalho percebeu que atitude feminina em rede online procura o que o autor chama
de “comunidades cabides”. Para que, em conjunto às supostas similares, seja
possível refugiar-se na identificação coletiva de ações individualistas, não
encarando a precariedade e a vulnerabilidade da uma construção autônoma da
identidade, sem as influências das referências já dadas.
Sobre a “autoconstrução” da imagem, foi possível perceber que a
referência pontuada por Castells (1999), numa afirmativa que implica a
mobilização das mulheres em mudar do que são para o que querem ser; não
12
muda em seus valores tradicionais. Para ele, essa reivindicação de identidade
significa a construção também de poder, e isso fez sentido para a realização
dessa dissertação de mestrado, quando esse poder está relacionado à
reprodução da identidade, e não à superação das matrizes tradicionais
socialmente construídas. Portanto, das primeiras análises dos dados brutos
emergiu uma negativa à Castells (1999), bem como os primeiros diagnósticos
do problema das matrizes tradicionais e patriarcais incorporados nas
expressões femininas online no Facebook.
A categorização dos dados dessa pesquisa demonstrou uma
feminilidade padrão nas poses e no conteúdo postado, que questiona esse
“poder” de Castells, quando a “autoconstrução” da identidade online atende,
em sua maioria, aos modelos dados e submissos a um “poder” já instituído
que, pelas antigas e novas mídias garante-se no fato de manter-se onde está e
manter o ideal de mulher restrito às questões do “coração”, moda e beleza,
conforme Morin (2011) já colocava muito antes das redes sociais em Cultura de
massa do século XX. As transformações ao que almejam ser, bem como o
poder que isso gera encontram-se na esfera estética, física e acompanham o
sonho da ascensão social. Não por acaso é fácil se ouvir entre o senso comum
que “não existe mulher feia existe mulher mal cuidada”.
Conforme explicitado anteriormente, as primeiras impressões
decorrentes das análises sobre tecnologia e gênero deixavam clara a rigidez da
estrutura feminina e patriarcal em suas próprias “postagens”. Ao contrário da
proposta de Castells sobre o “empoderamento” do feminismo e a decadência
do patriarcado, na sociedade da informação, essa dissertação tem por objetivo
explicar que a direção é bem oposta em relação ao que o autor entende sobre
o poder da “identidade”.
Ao investigar a ação social/virtual na rede, ciborgues coquetes e o
ciberfeminino essa pesquisa concentrou-se no movimento dado pela ação do
público feminino no Facebook. Trata-se de um estudo antropológico de gênero
e de mídia2, inspirado pela sociologia do cotidiano, cujo objetivo é pensar as
2 Enfatizo esse trabalho como um estudo antropológico de mídia, além de gênero, retificando uma
referência importante para essa pesquisa baseada no texto: Rethinking Ethnography: an Introdution
13
sociabilidades online feminina. Compõe-se de um estudo de gênero tendo em
vista que analisa os preceitos patriarcais oriundos das esferas sociais,
tradicionais e midiáticas por trás da composição de si e da interação, trazendo
à tona a identidade virtual feminina3 . É também um estudo de mídia, por
investigar a interface tecnológica como a plataforma comunicacional e
relacional das mídias sociais; derivada e abrangente das outras velhas mídias.
Com inspiração na sociologia do cotidiano, foca-se no exercício rotineiro de
relacionar-se em mídias sociais online, para, assim, demonstrar a atuação
ciborgue coquete seguindo um script social, não se trata de um script novo
para condição da feminilidade e atende, ainda, a certas “qualidades” para
mulheres de séculos anteriores.
O resultado do monitoramento contínuo das comunidades e a seleção
de perfis que correspondessem a esse estudo exigiu maior organização em
termos metodológicos de investigação. Em razão disso, passei a nomear as
pastas e categorizar as identidades estudadas como tipos sociais, feministas e
femininas, na sequência separei e denominei os arquivos. Após coleta das
fotos das femininas e um estudo mais profundo do “latifúndio” das poses, dos
olhares e da sensualidade em fotos “postadas” no Facebook foi possível
estabelecer relação com os estudos sobre o “feminino” de Georg Simmel e seu
conceito coquete, designado nessa pesquisa vulgarmente como a
sensualidade transbordante.
Com base na necessidade de organização do banco de dados, o
trabalho demandou a necessidade da ressignificação de conceitos já existentes
na esfera da “Cibercultura” (Levi, 2010) e do “Ciberfeminismo” (Plant, 1995)
para categorizar e denominar o feminino contemporâneo refletido digitalmente
(2012). Traduções de recentes manuais de pesquisa foram realizadas para suporte metodológico do
projeto de pesquisa, já que as produções antropológicas nacionais para etnografia no campo virtual não
davam conta da demanda dos dados para análise e antecediam a emergência das redes sociais virtuais.
Especificamente nessa tradução, o texto de Heater Horst, Larissa Hjort e Jo Tacchi destacou-se no início
da pesquisa, pois lamenta que as pesquisas de mídias ficaram a cargo das ciências da comunicação e
são, em sua maioria, quantitativas. Defende os desdobramentos das mídias antigas às novas, como parte
de um fenômeno cultural, que tem as Ciências Sociais e seu formato qualitativo de análises, os mais
propícios a dar conta da qualidade deste tipo de estudo. 3 A condição da identidade feminina em rede social online é reconhecida por essa pesquisa, pelas
características compostas por preceitos tradicionais, midiáticos e mercadológicos que seguem
construindo a feminilidade em lado oposto ao feminismo que trata criticamente esses aspectos contrários
à emancipação da mulher.
14
em rede virtual. É a ressignificação desta base conceitual que lança a
terminologia que este estudo apresenta sobre o “ciberfeminino”
Após a organização do banco de dados, constatei que um estudo mais
aprofundado sobre as expressões femininas, com base em traços de
sensualidade leve ou óbvia, carecia de um fundamento sociológico de análise
da cultura feminina, encontrado nos pressupostos de Georg Simmel (2001) e
seu olhar sobre o coquetismo. Essa expressão ficou evidente na tela digital,
apresentando uma construção por autoimagens expostas de modo a evocar a
sedução, bem como a pertinência de se fazer excitável. Percebi que na
extensão desse jogo, e a inclusão dessa bibliografia simeliana, que a sedução
segue como garantidora da áurea da volúpia consumista que até a presente
contemporaneidade rege a cultura de mercado.
Ao me apropriar do conceito de coquetismo, foi possível ressignificá-lo,
na medida em que identifiquei seus reflexos na esfera das imagens femininas
em mídias sociais, por suas próprias expressões. Assim criei a categoria
feminina ciborgue coquete, como fruto de um trabalho que observa a
feminilidade virtual, como consequência histórica socialmente construída do
ideal feminino.
O jogo da coquete ciborgue corresponde aos preceitos da sociedade para
construir sua própria personagem virtual. Os instrumentos para esta
autocomposição servem-se dos mesmos elementos conceituados por Goffman
(1975), sobre o efeito de “fachada”, como construção do que se quer apresentar de
si. Nessa pesquisa, as viabilidades para construção dessa “fachada” são
instrumentalizadas tecnologicamente, com intuito de aperfeiçoamento da imagem e
da identidade, disseminadas socialmente no ciberespaço.
O aspecto virtual da recente sociabilidade digital, também adotada na
esfera “teatralidade social”, mais uma vez foi tão conceituada por Goffman (1975),
foi reapropriada nesse estudo para pensar as telas digitais como o palco virtual das
relações comunicacionais, proporcionadas pelas novas tecnologias.
A presente investigação utiliza-se de outra ressignificação para trazer o
sentido da dependência da conexão online, como o novo “ciborguismo”. Uma
15
nova condição humana foi analisada considerando-se a aderência a um
aparelho tecnológico incorporado no corpo e na identidade: sua marca
representa uma “grife”, uma condição social, em aspectos constitutivos de
identidade social/virtual. Considerei o novo sentido de ciborgue que remete à
Bauman (2004), quando ele designou como a “sensação de vazio”, existente
na falta do aparelho em conexão que serve como reformador do sentido de
presenciar os momentos destinados à publicação em rede online.
A vida contemporânea parece fazer mais sentido quando fragmentada
em “postagens” publicadas no Facebook e Instagran. O ciborgue atual sente-se
amputado da capacidade de memória e sociabilidade, sem o aparelho de
mídias móveis. É perceptível a perda da abrangência da segurança em se ter
nas mãos todos os contatos conectados, conforme Bauman (2004) já expôs, e
no acesso ao registro de todos os momentos que as pessoas parecem felizes
nas redes sociais. Percebe-se que a falta dos smart celulares ainda debilita a
rotina de organização, quando é impossibilitada a visualização das informações
gravadas na memória digital do aparelho.
Diante disso, o que nesse estudo é tratado como coquetismo ciborgue
é relacionado ao que Bauman (2007) e Morin (2011) entendem a respeito do
lazer determinado por alguma técnica, capacitando a individualidade a
consumir a própria vida e existência. Na mesma esfera do que Bauman chama
de “ética de lazer”, está narcisismo online, como uma construção de si, a partir
da auto apresentação de imagens pessoais selecionadas, retratando assim, o
lazer e a satisfação despertados pela auto-admiração na tela, pelas
“postagens” no Facebook. Esse fato obedece à sua maneira compatível aos
principais preceitos de feminilidade, oferecidos pela cultura de mercado e das
mídias. Conforme Morin, e Wolf (1992) “a feminilidade substituiu o feminismo”,
e é neste caminho que se justifica essa investigação: a cultura feminina no
ciberespaço como representação da real condição da mulher no começo do
século XXI.
Feminilidade atrelada à beleza é o que Wolf (1992) explica quando a
busca da “beleza” feminina é geradora de situação de eterna insatisfação com
a própria imagem. A autora acrescenta que isso não tem nada de inocente,
16
pois é parte de uma estratégia com intuitos políticos/mercadológicos
extremamente fortes e totalitários. Nesse contexto, a beleza na feminilidade é
como projeto de aquisição que toma as poucas brechas do tempo da mulher, e
as preenche com diversas práticas para moldar o corpo, as unhas e os cabelos
na tentativa de encontrar mais satisfação consigo. Segundo a autora, isso foi
se inserindo de modo perverso para que o desenvolvimento e emancipação
feminina fossem impedidos.
A ciborgue coquete traz em suas imagens online a exibição do
desempenho desses moldes femininos delimitando o valor da mulher pela
imagem é resultado da autoconstrução de sua “beleza” nas “postagens” do
perfil pessoal. Esse objetivo da mulher que posta fotos no Facebook será
correspondido com números expressivos de “curtir” e elogios de “amigos”
ativos em conexão. Essa rotina ritualizada de publicar autorretratos e
fragmentos da vida privada está presente no ato de se promover, provocando
uma coletiva embriaguez feminina. Isso significa que a inquietação,
consequente pela não adequação da realidade à imagem, tenta sempre ser
curada pela incansável busca de adequação a ela. As recentes viabilidades
tecnológicas para essa adequação são nítidas pela disposição de aplicativos e
filtros de imagem para os ajustes adequados às publicações em rede social.
Na busca por dados sobre o Feminino na rede social, tive contato com
a literatura sobre ciberfeminismo. Segundo Plant (1995), a idealizadora do
termo, esse movimento se compôs na esperança da apropriação do “sujeito
nômade”, no ambiente do ciberespaço ativado pela capacidade de conquistar
novas liberdades e emancipações. O ciberfeminismo, para a autora, era
enaltecido a uma condição de resistência bastante política e redimensionada
pela tecnologia, para assim poder questionar os códigos vigentes presentes em
gênero e gerações; consagrados na realidade dicotômica. A partir disso, Plant
ainda pretendia libertar a mulher dessas prisões dualistas, pelo menos no
ambiente do ciberespaço.
Por meio dos dados obtidos com o ciberfeminismo, foi possível
novamente, tendo por base os escritos de Sadie Plant (1995) e Hanna
Haraway (1985), categorizar e armazenar um material bibliográfico online, que
17
demonstrava um feminismo utópico existente muito antes da explosão das
mídias móveis e das redes sociais Nesse estudo, houve outro ponto de partida
para deslocar e recontextualizar de modo a ressignificar tais conceitos, nos
desdobramentos virtuais, das expressões femininas dispostas no Facebook.
O problema diagnosticado nos dados coletados em perfis pessoais no
Facebook, e considerando a literatura ciberfeminista, possibilitou a descoberta
de que a recente ciborgue, frequentemente conectada em suas mídias móveis,
é uma reprodutora das condições femininas tradicionais, patriarcais e
midiáticas, não revolucionando os valores dessas estruturas sociais, como
almejava Hathaway (1994) e seu conceito de ciborgue numa esfera sistêmica.
O sentido de ciborgue, em sua origem ciberfeminista, foi propagado
pelo manifesto de Donna Hathaway (1984), quando esse conceito pervertia,
subvertia e transcendia o feminino alimentando-o de consistência política,
mesmo com os sentidos metaforizados, quando o manifesto claramente se
referia a este ensaio como “um argumento em favor do prazer da confusão de
fronteiras”. Considera também que esse manifesto foi um esforço que contribui
para o que se chama de “cultura socialista-feminista e pós-modernista” rumo à
utopia de um mundo sem gênero.
A investigação sobre as expressões femininas e feministas no Facebook
pode alegar que o “ciborguismo”, de Hathaway (1994) foi uma utopia sufocada pela
cultura de mercado e patriarcal ditando as regras do senso comum, por outro lado,
serviu de base para o movimento queer, que, segundo Beatriz Preciado (2003), é a
“oposição às políticas paritárias derivadas de uma noção biológica da “mulher” ou
da “diferença sexual””. Considerando a dicotomia de gênero como construção
cultural e histórica bastante violenta, a noção de “multidão queer” se opõe
decididamente à “diferença sexual”. Alguns fragmentos da dimensão “pós-feminista”
do queer podem ser mapeados no conteúdo das publicações da comunidade
virtual, “Feminismo sem demagogia”. Essa comunidade virtual feminista representa
um contraponto às comunidades ciberfemininas e ao movimento contemporâneo
das atrizes femininas em rede social.
A ciborgue ciberfeminina, no conceito representado pelo coquetismo,
em sua versão online, remete ao que Hall (2006) chama de “celebração móvel”
18
dos conceituais delimitadores das “diferenças” identitárias, pela exacerbação
da vaidade física refletidas nas publicações de seus autorretratos. Mesmo
sendo uma “identidade transitória”, e não fixa, conforme sugere Tukle (1985), a
condição virtual, essa investigação explora é a não superação das bases
estruturais tradicionais de feminilidade; na tecnologia relacional. Revolucionou-
se a comunicação, mas não os conceitos tradicionais dos gêneros nos fatos
sociais, nem deseja revolucionar.
Portanto, o termo ciberfeminino adotado nessa pesquisa se contrapõe
ao termo ciberfeminismo. Isso ocorre porque, conforme o primeiro capítulo vai
demostrar, a raiz ciberfeminista encontrava-se no “Manifesto Ciborgue” de
Hathaway (1985), sustentando a ideia de revolução dos corpos pelas
máquinas, já o ciberfeminino utiliza os recursos das máquinas tecnológicas
para retificar a dicotomia de gênero e a tradição atrelada à feminilidade nas
suas manifestações em rede social. O Ciberfeminino, então, trata-se de uma
categoria criada, partindo da análise constante de imagens e mensagens
localizadoras e confirmadoras dos explícitos e intrínsecos elementos de
feminilidades, tradicionalmente marcados e desenhados pela cultura
midiática/patriarcal e de mercado. Baseia-se no padrão social de adequação da
feminilidade, consistente e pertinente em imagens de referenciais de
sensualidade e maternidade. Essas informações são fluidamente dispostas na
rede social Facebook, em publicações selecionadas e coletadas para frequente
reflexão do conteúdo dessa pesquisa.
Como pesquisadora, recorri à metodologia de investigação trabalhada
por Jogen Skågeby (2013) que lançou um manual de etnografia online para
pesquisas qualitativas em comunidades virtuais: Online ethnographic methods:
towards a qualitative umderstanding of virtual community practices. Essa obra
levantou o debate sobre a ética nesse tipo de etnografia, bem como a prática
de pesquisa como observador oculto, como mencionado anteriormente.
É Importante esclarecer sobre a ética na investigação desse trabalho,
uma vez que se discuti a beleza, a vaidade e outros aspectos constituintes da
feminilidade observada em perfis pessoais. As publicações e comunidades
representativas da autuação das coquetes ciborgues no contexto ciberfeminino
19
são representações individuais de um “sistema social amplo e totalitário” que,
segundo Wolf (1992), segue dirigindo a atuação feminina. Por essa razão,
ciborgues coquetes é parte do título dessa pesquisa.
O trabalho de pesquisa em rede social busca o foco de investigação a
partir das experiências diárias de monitoramento dos conteúdos e dos
comentários dispensados na rede social. As constantes interferências das
“agendas pessoais” e fragmentos de histórias particulares e privadas no campo
de estudo da rede social lançam um desafio para concentração apropriada à
pesquisa. Outra dificuldade do olhar investigativo ao pesquisar o Facebook,
encontra-se no grande volume de informações que as comunidades femininas
e feministas marcadas oferecem. No início da pesquisa, a rapidez desse
processo apressava o desempenho das análises das postagens anteriores, a
fim de dar conta das próximas.
Assim, um limite deve ser imposto, mesmo sendo quebrado, quando novas
e relevantes postagens presenteiam a rotin4 de pesquisa, principalmente ao final da
dissertação, pois, sem o esforço de um limite, o exercício de etnografia online
demonstrou que pode ficar “sem fim”, pelas inúmeras extensões analíticas que
Sheppard (2010) mostrou ser possível desempenhar, sob o domínio da
Antropologia das mídias sociais e dos dados de campo virtual.
A pesquisa online é multimídia, então o banco de dados não era
composto só de comunidades online e perfis relevantes. Entre os dados
eletrônicos levantados, há livros online, textos em pdf, revistas digitais, vídeos,
entrevistas de jornais versão online e fotos; há ainda material físico como livros
e textos que foram sintetizados nomeados e armazenados em arquivos. Para
reunir todos os dados, foi necessário um Hd externo, para não prejudicar as
capacidades de conexão do computador, garantido a segurança das
informações, bem como a qualidade das horas diárias em conexão. Dessa
maneira, o computador passou a ser o campo, o arquivo e o instrumento de
4 Pelo fato de possuir “smartphone” conectado às comunidades vinculadas ao nosso objeto de estudo,
estava em contato constante com as atualizações de postagens. A vida pessoal interligada ao objeto de
pesquisa e ao ambiente virtual, como campo de investigação inundou nossa pesquisa em demasiadas
informações que exigiram procedimentos constantes de organização de dados , bem como a necessidade
de desconexão para uma reflexão menos poluída.
20
produção e armazenamento do conhecimento. Para a realização dessa
pesquisa, foram dedicadas de cinco a oito horas diárias para o monitoramento
contínuo das comunidades e perfis do Facebook, intercalando-se com as
leituras e escritas no computador.
Seguindo a literatura metodológica de Skågeby (2013), a seleção das
comunidades virtuais ocorreu pela identificação temática e a entrada em fóruns
com o objetivo de utilizá-los como fonte de informações. Após coleta dos
dados, foi possível diagnosticar muita similaridade entre as comunidades de
mesma temática, por isso, inicialmente, optei pela seleção de 31 comunidades
femininas e feministas no Facebook, sendo que três delas foram escolhidas
para a realização dessa pesquisa. As comunidades selecionadas para a
realização desse estudo foram “mulheres que oram”, “mulheres perfeitas” e
“feminismo sem demagogia”. De acordo com Skågeby, a associação em
comunidades virtuais no Facebook como “observadora oculta”, situa melhor
“proficiência interpretativa”, se comparado ao envolvimento da atuação
participativa explícita nessas comunidades. Por isso, esta escolha foi uma
postura favorável, pois evitou os deslizes técnicos.
Os critérios de seleção dessas comunidades femininas foram: haver mais
de um milhão de seguidoras e publicarem mais de dez postagens por dia. Em
relação à comunidade feminista, seu número de adeptas não ultrapassa cinquenta
mil, por isso a quantidade de postagem era menor, porém com grande numero de
“curtir” e compartilhar” e com conteúdos bastante ricos para nossa análise.
A opção pelo estudo dessas três comunidades virtuais foi necessária,
pois a larga escala de dados impedia a clareza de suas análises. Na
sequência, os dados começaram a ter forma de banco de dados na medida em
que foram categorizados, nomeados e analisados.
Os primeiros levantamentos bibliográficos5 voltados para os estudos no
campo virtual, até os mais recentes estudos etnográficos em rede social,
defendem a esfera virtual como uma extensão da realidade física.
5 Entre esses primeiros levantamentos, uma pesquisa sociológica online, de 1999, publicada na Inglaterra:
Cyber ethnographic (re) construction of two feminist online communities, de Katie J. Ward, chamou nossa
atenção, quando trazia a etnografia virtual de duas comunidades feministas, defendendo o caráter de
21
Assim, um extenso período foi destinado como observadora oculta das
relações online dentro das comunidades selecionadas. Diariamente as
acessava para visualizar o caminho da coleta dos dados, pelo conhecimento
dos vários aspectos que demandam as comunidades virtuais femininas e
feministas, identificando, assim, as particularidades que distinguem os dados
estruturais, de acordo com a orientação metodológica do trabalho de Rotman,
Preece, He, Druin (2012). Desse modo, as estruturas sociais que vinham a
sustentar as feminilidades relacionadas à religião, vaidade, maternidade e
consumo se mostraram como temas bastante relevantes nessas comunidades
virtuais.
Esses dados são extraídos das interações entre as seguidoras das
comunidades; geradores das informações pertinentes à temática investigada. O
registro dessas atividades favoreceu a reflexão crítica e capacitou a coleta dos
dados relevantes ao questionamento da condição contemporânea do gênero
feminino.
Ainda inspirada pelo método etnográfico online de Skågeby, o
mapeamento do problema, derivado das matrizes tradicionais constituintes do
que denominei, nessa pesquisa, ciberfeminino, tornou possível a categorização
das comunidades representativas, dentro do fenômeno tecnológico das mídias
comunicacionais.
“Mulheres que oram” e “mulheres perfeitas” são demonstrações e fonte
dos dados que sustentam a estrutura tradicional e patriarcal na condução de
suas mensagens para mulheres. Como proposta de salvação para as dores
femininas, as “mulheres que oram” oferece a infantilização da mulher, bem
como devoção à família, bíblia e aos maridos, e “mulheres perfeitas”
demonstram devoção ao consumismo feminino que se deslumbra com saltos,
decotes e produtos, de “embelezamento”.
simulação da representação social online como uma nova realidade, e a posição do pesquisador
interagindo com o meio de pesquisa, o qual poderia fazer “experimentações”, conforme as respostas ao
que o pesquisador colocava na rede. Esse método foi ultrapassado, quando as mídias sociais exigiram
outros procedimentos de pesquisa.
22
Para contraste e contexto do ciberfeminismo, como origem do
desdobramento antagônico da categoria que criei como ciberfeminino para
retratar as expressões femininas no campo virtual, optei por estudar a
comunidade feminista e brasileira, “feminismo sem demagogia” entre as outras
nacionais e internacionais que propiciam importantes informações e me situam
globalmente nos diferentes tipos de feminismo, mas não trazem elementos que
exigem um olhar etnográfico mais profundo, pois demasiadas questões dignas
de reflexão e aprofundamento, que emergem dessas outras demais
comunidades, extrapolam as capacidades dessa pesquisa e implica outros
estudos.
Focando em poucas comunidades de grande abrangência, a pesquisa
qualificou “feminismo sem demagogia” como um canal feminista bastante ativo,
embora não se trate de milhares de adeptas como as duas outras
selecionadas. Dois fatos foram determinantes para considerá-la como fonte de
análise das práticas em comunidade virtual: um estava relacionado à defesa do
direito à identidade social feminina do transgênero6, e outro se revelou na
divulgação do “Primeiro Encontro do Feminismo em Rede de São Paulo”. Esse
evento foi organizado pelas comunidades feministas paulistas do Facebook,
em treze de abril de dois mil de doze, bem no início da delimitação do objeto
dessa pesquisa.
Esse encontro foi organizado virtualmente, envolvendo mulheres com
idades que variavam de dezesseis a oitenta anos, com presenças tão
heterogêneas quanto às próprias tipologias feministas, na reunião debateram-
se o desprezo das organizações LGBT em relação às questões da mulher; a
dificuldade de o feminismo agregar entre suas questões os preconceitos sobre
as mulheres negras; a lesbofobia e o deboche em torno das ativistas feministas
encaradas pelo senso comum, como “Feminazis”. Paralelamente ao encontro,
pensou-se na condição patriarcal hétero normativa evocando o que Goffman
(1998) chama de “estigma” ao que frustra os padrões sociais de “normalidade”.
A militância entre os grupos acaba por reproduzir as próprias condutas
6 Considero esse ponto de defesa da identidade e do respeito social à condição feminina do transgênico
pela comunidade: “feminismo sem demagogia”, pois ela serve de contrapondo político e complemento à
construção que esse estudo denominou de ciberfeminino.
23
normativas de suas tribos e desdobram-se consequentemente na produção de
outros estigmas sociais diluidores de uma possível união entre as lutas; as
diversas militâncias mostraram-se estigmatizadas e estigmatizadoras.
Tendo em vista que existem choques entre os diferentes segmentos de
defesa de direitos no do feminismo online e offlline, a observação cotidiana das
comunidades virtuais femininas “mulheres perfeitas” e “mulheres que oram”
demonstrou um abismo ideológico entre “feminismo sem demagogia”,
consequentemente, o abismo permanece pertinente ao próprio contexto do
ciberfeminino.
Considerando o papel da natureza da etnografia, para compreender as
comunidades online, Rotman, Preece, He e Druin (2012) a colocam como
base para entender o comportamento humano das culturas em qualquer forma
de comunidade. Partindo desse ponto, construíram-se, então, descrições dos
papéis intrincados nas estruturas sociais, nos símbolos e na linguagem. Tais
descrições oferecem aos pesquisadores a oportunidade de se observar o que
há por trás dos traços da atividade de interação compreendendo o que há de
implícito nos conceitos de “motivação, seus significado e atitudes”, algumas
vezes, diferentes ou divergentes dos comportamentos que superficialmente
parecem evidentes.
A etnografia clássica empresta as premissas de seu fundamento de
pesquisa no recorte do objeto e na observação dos dados para compreensão
dos dados digitais em comunidades em rede social virtual.
Por outro lado, a etnografia online direciona um processo interno e
profundo dos estudos qualitativo e etnográfico que especificamente não são
amplamente oferecidos, pois, nos pressupostos de Rotman, Preece, He e Druin
(2012), o fenômeno tecnológico da comunicabilidade online é recente e
contemporâneo, ou seja, paralelo aos estudos metodológicos da cultura virtual.
Portanto, a etnografia adotada nesse trabalho de investigação sobre o
feminino em comunidades virtuais no Facebook é seriamente desafiadora,
principalmente por lidar com o fato de que elementos desses fenômenos são
vastos e efêmeros. Além disso, é necessário considerar que a extinção dessas
24
comunidades virtuais está vulnerável a um clique. Pela observação qualitativa,
essa pesquisa busca a essência da condição feminina, intrínseca à sua
atuação na rede social e aos valores propostos pelas comunidades
etnografadas.
A observação através da extensão dos dados faz parte de um critério
rigoroso em todos os desdobramentos etnográficos e dados online em sua
forma “bruta”, são constantemente coletados e investigados sob diversas
perspectivas. Sem a extensão analítica dos dados não fica possível um
contexto das expressões femininas em rede social. Tal fato justifica-se na
efemeridade e repetitividade de muitas comunidades virtuais, analisadas para a
realização desse estudo.
Ainda sob as referências metodológicas de Rotman, Preece, He e
Druin, focou-se na observação da técnica dos dados pré-formados entre a
interação dos usuários, no conteúdo publicado pessoalmente e compartilhado
socialmente, bem como nos laços estabelecidos dessas com as outras
comunidades. Verificando atuação diária das mensagens desses “grupismos”
virtuais, foram a princípio selecionadas vinte e oito comunidades online7, as
quais, até o atual momento do trabalho, apresentam dados que auxiliam na
interpretação de outros. Ou seja, como anteriormente colocado, pelo excesso
de informações dispensadas por tais comunidades, foi necessária a divisão
entre o foco etnográfico entre três comunidades como campo de estudo, e as
demais vinte oito como fonte de dados explicativos e comparativos.
Assim, as comunidades virtuais do Facebook a seguir foram
selecionadas como fontes adjacentes às análises das comunidades principais
“mulheres que oram”, “mulheres perfeitas” e “feminismo sem demagogia”,
sendo elas: “articulação das mulheres brasileiras”, “bitch media”, “blogueiras
feministas”, “cátedra da teologia feminista”, “coletivo de mulheres PUC-RIO”,
“ecos – comunicação em sexualidade”, “every day feminism”, “feministas do
Brasil”, “feministing.com”, “feminismo poético”, “grupo de pesquisa em
ciberantropologia”, “machismo chato de cada dia”, “Mary Del Priori”, “MAPO
Núcleo de estudo de gênero, raça e sexualidade UNESP”; “meninas malvadas”;
7 O endereço online dessas comunidades encontram-se nas referências bibliográficas dessa pesquisa.
25
“moça você é machista!”, “não aguento quando...”, “não sou este tipo de
garota”, “no universo feminino”, “NUMAS Núcleo de estudo sobre marcadores
sociais da diferença”, “PAGU Núcleo de estudos de gênero”, “rabid feminism”,
“sociological images seeing is beliving”, “teologia feminista”, “The anarcho
feminism”, “The pin ups file”, “Who needs feminism” e “Whoman’s rights news”.
Essas comunidades, denominadas como adjacentes, serviram para
auxiliar o processo investigativo online sobre a condição feminina do começo
do século XXI, pelo estudo em comunidades virtuais. O monitoramento delas
foi necessário para ampliar a visão na análise do objeto, considerando-se
vários referenciais de dados e de fontes teóricas como Skågeby (2013)
apresenta como procedimento essencial.
A etnografia das comunidades: “mulheres que oram 8 ”, “mulheres
perfeitas9” e “feminismo sem demagogia10” são apresentadas como principais
representações do ciberfeminino, embora a última seja feminista e selecionada
como contrária às propostas femininas.
As imagens coleadas de perfis pessoais no Facebook foram usadas
para compor símbolos representantes de um sistema que faz parte do “espírito
do tempo”, conforme remete Elias (1993), vão além de representações em
personalidades isoladas. Na utilização dessas imagens para fins ilustrativos do
objeto desse estudo tomou-se o cuidado para que elas não exercessem
justamente o que se denuncia como “estigma”, segundo o conceito de Goffman
(1988) para a identidade deteriorada. Os posts de comunidades,
compartilhados e investigados, foram reproduzidos nessa pesquisa, em suas
palavras ou imagens, pois representam os fragmentos de identificação
compondo o que Elias (1993) e Morin (2011) revelaram como “espírito do
tempo”.
8 Disponível em: << https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts >>>. Acesso em 14.09.2014, às
10h39; com respectivas 1.161.495 curtidas. 9 Disponível em: << https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts>>>. Acesso em 14.09.2014, às
10h42, com respectivas 1.241.976 curtidas. 10
Disponível em: <<https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-
Original/564161453675848?fref=ts>>>. Acesso em 14.09.2014, às 10h45, com respectivas 47.391
curtidas.
26
Estudos aprofundados na área da metodologia no campo virtual
possibilitaram-nos a clareza do processo do estudo de etnografia online,
quando ele tem, como princípio, a estruturação das instâncias analisadas,
conforme o método de investigação qualitativa em comunidades virtuais de
Skågeby, (2013). Assim esse estudo aponta o ciberfeminino como categoria
social em rede social virtual, e as referências teórico-analíticas puderam se
convergir. Por isso, analisar comunidades virtuais sem contextualizar a
realidade vivida no espírito que envolve a contemporaneidade e a construção
histórica desses conceitos pertinentes não propiciam substância, nem validade
consistente ao estudo analítico em comunidades online.
Essa pesquisa antropológica estendeu o olhar sobre as culturas
feminina e feminista e online e offline (Sheppard, 2010) para uma visão voltada
ao sentido psicanalítico implicando a crítica ao fato citado anteriormente. Os
pressupostos de Guattari (1981) foram utilizados para ressaltar a importância
(a qual a realização desse estudo pontuou como pouco ou nada praticada
socialmente/virtualmente) de pensar a explosão das generalizações grotescas
e reduzíveis como: macho, fêmea; branco, preto e rico, pobre, por exemplo.
Além disso, sustentou a base dessa pesquisa quando deixou claro que todas
essas binariedades redutoras possuem um papel de assegurar poder entre os
valores de oposições.
Da grande tela cinematográfica que agregava em torno um pequeno
coletivo social às pequenas telas das tecnologias móveis agregando grandes
coletivos individuais, essa dissertação compartilhou, com Morin (1997), o poder
da imagem envolvida em “poderes subjetivos” que se deslocam, deformam e
se projetam da “fantasia para o sonho”. Esse trabalho, norteado pelas imagens
virtuais, localizou o que o autor chama de “feitiço do imaginário”, na
potencialidade da imagem. Nesse sentido, pontuamos, conforme o autor, as
“cristalizações” e “revelações” das necessidades femininas, sempre convertidas
em imagens.
Foram examinadas as comunidades virtuais femininas, no Facebook:
“mulheres perfeitas” e “mulheres que oram”; entre as feministas, “feminismo
sem demagogia”. Em seguida, como fonte de dados, as postagens das
27
comunidades femininas foram gravadas e armazenadas, mediante ao conteúdo
altamente compartilhado em torno do tema. Após tal mapeamento, percorro
entre as atrizes sociais seguidoras dessas comunidades para investigar, o que
chamo de ciborgue coquete e as feministas online. Optei por estruturar os tipos
sociais constituintes e responsáveis pelos grupos em três capítulos, a saber.
No primeiro capítulo, será apresentado o contexto sociológico do
feminino e seu desdobramento nas telas digitais das mídias online na
contemporaneidade. A ressignificação construída a respeito da ciborgue
feminina foi com base em autorretratos postados em perfis pessoais, como
fonte de dados que apresentaram constantes traços simelianos de
sensualidade, como o preceito da feminilidade. Desse modo, será relatada a
construção da ciborgue coquete, como objeto e tema de pesquisa, inspirada
pela perspectiva do ciborgue no manifesto de Donna Haraway (1985) que será
tratado como o impulso do ciberfeminismo e como recurso histórico para
referências de dados, que levaram a considerar as práticas femininas
analisadas na rede social Facebook, uma antítese do ciberfeminismo.
No segundo capítulo dei continuidade à análise etnográfica das duas
comunidades virtuais de perfil feminino: “mulheres que oram” e “mulheres
perfeitas”. Nesse capítulo também transcorro em torno da atriz social/virtual
feminina, apresentando-se nas atuais telas digitais mais como diva do que
humana, convergindo, desse modo, com a bibliografia adequada para se
pensar os novos desdobramentos da identidade em sua extensão virtual. A
imagem como componente essencial da identidade online, pelo perfil pessoal
da ciborgue coquete, trabalhado o sentido do imaginário, das telas, do cinema
(Morin, 1997) para telas digitais das mídias móveis. Além disso, exponho o
trajeto histórico que determina socialmente a imagem ideal e, muitas vezes,
inalcançáveis para mulher (Wolf, 1992). Por fim, apresento os aspectos
contemporâneos da vida feminina online em rede social, baseados na imagem
dos retratos pessoais publicamente compartilhados, em que demonstro como
as poses escondem as dores.
No terceiro capítulo discorro sobre o desdobramento de ciberfeminino
militando ativamente em comunidade virtual na rede social Facebook, e o
28
controle que a tecnologia em rede social possibilitou para vigiar ainda mais a
mulher, prendendo-a em seus estigmas tradicionalmente construídos. Nesse
estudo, o olhar social/virtual do senso comum que enaltece também pode
depreciar. Com base nas expressões da comunidade feminista “feminismo sem
demagogia”, construí uma análise do poder de disseminação que a rede em
conexão possibilita em depreciar as minorias, pela moral da sociedade em
torno do ideal tradicional da família e da mulher. A literatura sobre a
contemporaneidade é introduzida para fazer uma reflexão sobre a era dos
excessos de informações e das ínfimas transformações que o gênero feminino
teve em todo esse processo no sentido de autonomia.
Nas Considerações finais, passo brevemente pelo percurso da
pesquisa, a fim de demonstrar o ideal de mulher que a contemporaneidade traz
atendendo a lógica colocada por Bauman (2007) na remodelação de si como
“produtos de obter a atenção e atrair a demanda de fregueses”. Reflete como
os valores tradicionais em conjunto aos produtos e publicidades
institucionalizados pela indústria cultural são os grandes responsáveis pela
criação dos estímulos capazes de persuadir as identidades femininas aos seus
valores, instrumentalizados pela cultura de mercado para construção das
necessidades, dos desejos e estilos de vida; compondo, assim, a moral nessa
sujeição para a vida social/virtual feminina. Finalizo percorrendo os aspectos da
contemporaneidade que contempla o desenvolvimento da tecnologia e suas
novidades mercadológicas em detrimento do desenvolvimento de uma visão
humana que atue para além da competição, da sujeição aos poderes
midiáticos, bem como aos valores tradicionais que não acompanham as novas
performances das identidades. Por fim, enfatizo como esses aspectos
fragilizam a perspectiva de um contrato social na soberania de uma política
coletiva devidamente lúcida de seus direitos, liberdades e deveres.
Capítulo I – Feminilidade online
Por que motivo a ordem social sente necessidade de se
defender evitando a realidade das mulheres, nossos rostos,
nossos corpos, nossas vozes, e reduzindo o significado das
mulheres a essas “belas” imagens formuladas e reproduzidas
infinitamente? Embora ansiedades pessoais e inconscientes
possam representar uma força poderosa na criação de uma
mentira vital, a necessidade econômica praticamente garante a
sua existência. Uma economia que depende da escravidão
precisa promover imagens de escravos que “justifiquem” a
instituição da escravidão. As economias ocidentais são agora
inteiramente dependentes da continuidade dos baixos salários
pagos às mulheres. Uma ideologia que fizesse com que nos
sentíssemos valendo menos tornou-se urgente e necessária
para se contrapor à forma pela qual o feminismo começava a
fazer com que nos valorizássemos mais.
Naomi Wolf (1992)
30
1.1. Feminilidades – entre Coquetismos e Ciborguismos
A primeira dicotomia perceptível socialmente, desde antes ao
nascimento, é entre masculino e feminino. A primeira forma de identidade que
a família e sociedade constroem está baseada na distinção e nas diferentes
funções biológica do sexo1 na família. Esse fato é tratado nesta pesquisa como
a dicotomia social que origina os valores e os sistemas de poderes que
tradicionalmente se baseiam em masculino e feminino; pai e mãe, ou chefe e
empregado, por exemplo.
Simone de Beavoir (1968) inicia sua obra clássica com a famosa frase:
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”! E sem perceber, o feminino, como
“segundo sexo”, a mulher segue como um projeto derivado do homem em que
muitos os privilégios masculinos são oferecidos e mantidos pelas próprias
mulheres.
A feminilidade é um script histórico-social, para o sexo feminino é
atuação da mulher, em suas relações sociais e de mercado; é considerada
nessa pesquisa, como a cultura feminina. Quando exacerbada, a
personificação dessa feminilidade se categoriza no que Simmel chama de
“coquete” (2001). Segundo o autor da “psicologia da coquete”, esse despertar
do prazer sinalizado pela sedução faz parte da aura mercadológica que
instrumentaliza o “seduzir” como um mecanismo de encanto, de se fazer
desejável, da esfera feminina, às esferas das mercadorias.
Estendendo o conceito simeliano, fica perceptível esse desdobramento
da coquete nas mídias impressas, como revistas femininas, catálogos de
moda, imagens publicitárias, filmes publicitários entre outros. Historicamente, a
“beleza” feminina é defendida como a construção de uma identidade, baseada
em elementos diversos, mais insuficientes para garantir a sobrevivência dessa
identidade e está fortemente associada ao mercado da cultura feminina.
1 Levi Strauss (1974), ao abordar “A Família”, coloca de modo bem demarcado as funções entre os
homens e mulheres e enfatiza que a força mais marcante desse tipo de expressão foi diagnosticada
historicamente nos valores hitleristas, quando afirma: “Isto foi bem ilustrado no caso da Alemanha nazista,
onde uma separação semelhante estava começando a aparecer na unidade familiar: de um lado homens
dedicados às atividades políticas e guerreiros com ampla liberdade decorrente de sua enaltecida posição;
de outro, as mulheres com „3K‟ como missão funcional: Küche, Kirche e Kinder, isto é, a igreja, a cozinha
e as crianças.”
31
Bourdieu (2011) identifica a divisão entre os sexos numa proposta de
“ordem”, para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está
presente ao mesmo tempo no espaço objetivado das coisas (na casa, por
exemplo, onde as partes são todas sexuadas), em todo mundo social e em
todo estado incorporado, nos corpus e nos “habitus” dos agentes, funcionando
como sistemas de esquemas de percepção e de ação.
No que diz respeito ao masculino dominador, construído por Bourdieu,
trata-se de uma estrutura que funciona como garantidora da ordem social, uma
imensa “máquina simbólica”, a ratificar a veia patriarcal persistente na cultura
contemporânea:
(...) é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita
da atividades atribuídas aos dois sexos, de seu local, seu
momento, seus instrumentos; é a estrutura espaço, opondo o
lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e
a casa reservada “às mulheres; ou no interior desta, entre a
parte masculina, com o salão e a parte feminina, com o
estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a
jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de
ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos.
(BOURDIEU, 2011, p. 18)
Esses aspectos dicotômicos entre o masculino e feminino estão tanto
na ordem das coisas, como no imaginário. A cultura de mercado aproveitou
historicamente essa bifurcação entre os gêneros e criou um mercado repleto de
estilos de vida femininos, que são estimulados desde que a criança se encontra
na barriga.
Wolf (1992) traz um passado recente que se adequa ao olhar do
contexto simeliano e paralelo a Bourdieu, associa o contexto mercadológico à
construção da beleza, indo além quando observa que a beleza passa a ser um
valor no jogo social, na cultura patriarcal.
Como os homens usaram a “beleza” das mulheres como uma
forma de moeda entre eles, ideias acerca da “beleza”
evoluíram a partir da Revolução Industrial lado a lado com
ideias relacionadas ao dinheiro, de tal forma que as duas
32
atitudes são praticamente paralelas em nossa economia de
consumo. (WOLF, 1992, p. 13)
Na cultura feminina, a beleza só pode ser atingida pelo consumo, por
isso é entendida nesse estudo como uma construção. Essa linha de
observação de Wolf está em conformidade com que Bourdieu (2011) quando
aborda que essas dicotomias, inicializada pela diferença de gênero gera
poderes. Durante as trocas simbólicas, a condição entre sujeito e objeto na
ordem das relações tradicionais familiares tende a determinar a condição
objetificada da mulher. Isso pode ser notado na atuação do papel masculino
como sujeito instrumentalizando a propagação da espécie, por meio do pedido
de casamento à mulher como regra normativa do senso comum.
(...) O principio de inferioridade e da exclusão da mulher, que o
sistema mítico-ritual ratifica e amplia, a ponto de fazer dele o
princípio de divisão de todo do universo, não é mais que
disseminação, fundamental, a do sujeito e do objeto, do agente
e do instrumento, instaurado entre o homem e a mulher no
terreno das trocas simbólicas, das relações de produção e
reprodução do capital simbólico, cujo dispositivo central é o
mercado matrimonial, que estão na base de toda a ordem
social: as mulheres aí só podem ser vistas como objetos, ou
melhor, como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e
cuja função é contribuir para a perpetuação ou aumento do
capital simbólico do poder do homem. (BOURDIEU, 2011,
p. 65)
É possível pensar, segundo o autor, que o valor feminino está na
capacidade de agregar valor ao homem. Por isso, o objeto dessa pesquisa, as
ciborgues coquetes, expressam por suas livres expressões em postagens no
Facebook, a preparação dessa feminilidade, objetificada e reprodutiva do que
Bourdieu tratou como “objeto” símbolo de perpetuação do poder masculino
historicamente, dada a estrutura do matrimônio, na ordem do sistema social.
É comum na experiência vivida na cultura de mercado, a beleza
feminina ser avaliada e até premiada. Agência de modelos, concursos de
beleza promovidos revistas femininas e até instituições de ensino, as quais
33
seriam responsáveis por um papel educativo emancipador da condição
contemporânea da feminilidade, na realidade, são incentivadoras e
premiadoras da prática avaliativa do que é considerado “belo” nas mulheres.
Isso é claro no cotidiano, conforme uma postagem da comunidade feminista
“feminismo sem demagogia”, coletada para essa investigação das
comunidades online:
“De uma de nossas seguidoras: como é triste quando a própria
escola se transforma em ambiente de reprodução da objetificação
das mulheres e do padrão de beleza machista. Vale lembrar como
as mulheres têm problemas de autoestima e doenças como
depressão justamente pela imposição desses padrões.
Hoje na escola, eu recebi o bilhete para eleger a menina mais
bonita do meu colégio, a fim de desenvolver aos alunos a
“importância das eleições”.
Quero mostrar pra vocês a qual ponto a sociedade chegou,
como a objetificação feminina está grande, como está sendo
obrigatório a nós mulheres ficarmos bonitas o tempo todo,
sendo que os homens não tem essa obrigação.
A sociedade obriga a nós mulheres a seguirmos certos padrões
de beleza, mas devemos colocar em nossas cabeças que a
beleza do indivíduo é totalmente subjetiva. Precisamos ter a
obrigação de parar com esses padrões, TODAS as mulheres
são lindas de diferentes jeitos! Não deixe que a sociedade te objetifique, te jogue padrões ou te julgue pela sua aparência.
Então sociedade, porque SÓ as mulheres precisam ficar
bonitas o tempo todo? Porque só nós devemos participar de
“concursos de beleza?”
(Feminismo sem demagogia, postado em 05.07.2014).
A mensagem demonstra como as instituições educativas também
abrem mão de seu papel emancipador, em troca da reprodução da
objetificação da feminilidade. No caso dessa postagem, a importância da
manifestação está em pensar como os valores do senso comum seguem
instrumentalizando a mulher, de modo a aniquilar a potencialidade de seu
papel político, reduzindo-a a um elemento de competição no jogo da “beleza”.
Essa investigação, pautada nas análises dos dados coletados sobre o
estudo da feminilidade, constata que ela está ancorada em raízes históricas
34
sociais, sob o poder dos valores tradicionais, patriarcais e de mercado. Como
garantia de manutenção desse poder mercadológico da aura da cultura de
mercado, as mídias fortificam os estereótipos femininos e garantem a sua
sobrevivência, defendendo uma criatividade estética e efêmera nas aparências,
não nas essências.
O circuito que Morin (2011) chama de “erotismo cotidiano” está nas
mensagens totalitárias de modelos femininos padronizados, na cultura
patriarcal e de mercado refletidos nas velhas mídias impressas e televisivas.
Considerando-se o ambiente virtual como extensão das capacidades
físicas e da comunicação em larga escala, reconhece-se na rede social,
Facebook, a maior expressão da mídia social dessa década e a reprodução
digital das estruturas sociais femininas nas telas em conexão online.
Reconhecem-se usuárias da rede como atrizes femininas da própria
vida. E a partir disso, conforme os dados coletados, localizamos os fortes
traços da “psicologia coquete” de Simmel (2001), com o intuito de “despertar
prazer e o desejo” nas exposições de suas imagens como postagens,
comumente seguida de elogios e números de “curtir”. Denominamos essa
categoria de ciborgues coquetes, principalmente por esse tipo de coquetismo
só ser possível pelos novos usos da tecnologia. Além disso, foi possível
observar que as ciborgues coquetes são a personificação histórica dos valores
construídos para feminilidade e publicados como identidade virtual/social.
O contexto da sociabilidade virtual é um campo de pesquisa em que
nos possibilitou mapear a cultura vigente feminina em suas práticas online.
Essa cultura é fruto da feminilidade construída, a qual foi categorizada aqui
como ciberfeminino. Mais adiante nesse estudo, há esclarecimentos sobre a
fonte de inspiração para esse termo. O objetivo desse capítulo é demonstrar o
reflexo da estrutura de matriz tradicional/patriarcal e midiática nas práticas
femininas no Facebook. Como consequência dos elementos da cultura de
mercado ditando fortificando padrões e modelos, baseados em estilos de vida
feminino, pelo fluxo constante de informações, difundidas pelas antigas e novas
mídias. Para retratar isso, Morin (2011) explica a seguir:
35
(...) Essas imagens que provocam o desejo masculino ditam à
mulher sua condutas sedutoras. Constituem os modelos junto
aos quais irá buscar seus poderes. As imagens mais
fortemente erotizadas são da publicidade dos produtos de
beleza que se destinam diretamente às mulheres
consumidoras, a fim de lhes propor conquistas e vitorias. É
para submeter que a mulher submete ao ideal de sedução e
aos figurinos-modelo do erotismo padronizado. (MORIN, 2011,
p. 117)
Desse modo, a citação sugere que a Feminilidade” é um projeto
totalitário da cultura de mercado, que se retroalimenta pelas mídias e cria uma
cultura feminina latifundiária, movimentando-se esteticamente, conforme as
tendências do mercado da moda e “beleza”. Esse trabalho evidencia esse
estado feminino online, partindo da análise da publicação de retratos e
autorretratos de perfis em rede social como prática frequente do ciberfeminino.
A beleza feminina existe como preceito da feminilidade em todas as
esferas sociais na cultura ocidental. Muito mais divinizado que questionado,
nossas observações sobre o ciberfeminino no Facebook atendem
paralelamente, mais uma vez, ao que Wolf (1992) pensava sobre o sentido
endeusado da beleza:
O ceticismo da época moderna desaparece quando o assunto
é a beleza feminina. Ela ainda é descrita – na verdade mais do
que nunca antes – como se não fosse determinada por seres
mortais, moldada pela política, pela história e pelo mercado,
mas, sim, como se houvesse uma autoridade divina lá em cima
que emitisse um mandamento imortal sobre o que faz uma
mulher ser agradável de se ver. Essa “verdade” é vista como
Deus costumava ser visto – no alto de uma hierarquia, com sua
autoridade o ligando a seus representantes na terra: jurados de
concurso de beleza, fotógrafos e, em último lugar, o homem
comum. Mesmo ele, o último elo, tem uma parte dessa
autoridade divina sobre as mulheres (...). (WOLF, 1992, p. 62)
Segundo a autora, a feminilidade tem como projeto atingir a “beleza”
nos valores socialmente estipulados, como se fosse algo a se alcançar, cheio
de rituais diários e mensagens cotidianas constantes que sacramentam essa
prática, abençoada pelo aspecto mercadológico da nossa cultura.
36
A incorporação dos referenciais de beleza, tão difundidos pelas mídias
em imagens, encontrou no espaço do Facebook, o desdobramento ideal como
campo para registrar, aprimorar e publicar ali, a imagem da identidade
“postada”. Esse objetivo também é pautado no “querer agradar” socialmente
como importante aspecto da autoconstrução de ciborgue coquete. Wolf (1992)
levanta o fato de a mulher ser historicamente avaliada, destacando os
concursos de beleza como exemplo da normalidade dessa avaliativa. Nessa
categorização estética, a feminilidade no Facebook, é tratada nesse estudo
como ciberfeminina, e demonstra seu fundamento no clamor do julgamento
positivo e nas reações numéricas em forma de “curtir” entre as imagens
publicadas.
A ciborgue coquete emprega os recursos das mídias móveis para
registrar o que se considera femininamente belo, usa esse instrumento de
vinculação em larga escala de conexões para publicar esse “mérito” em
formato de “postagens”, além de retocar e aprimorar as fotos por filtros e
aplicativos específicos. Destaca-se por esta a principal atividade da ciborgue
coquete na cultura ciberfeminina.
Tal fato mostra que a denominada como ciborgue2 ciberfeminina retifica
o que Wolf (1992) e Morin (2011) diagnosticaram quando ambos disseram que
o feminismo foi substituído pelo feminino. É justamente essa a convergência
desse estudo com ambas as obras, porque o termo ciborgue respectivo ao
Feminismo atende a outro sentido.
A implicância da ideia de ciborgue vem teoricamente de um manifesto,
de Hanna Haraway (1985), o qual, mais tarde, tornou-se forte inspiração às
ciberfeministas.
2 A primeira origem da inspiração do objeto e título dessa dissertação esteve no desdobramento do termo
“ciborgue” na tecnologia portátil na era comunicacional das relações digitais apresentados por uma
matéria do Jornal New York Times chamada: “Are We Becoming Cyborgs?, publicada em 30.11.2011.
<http://www.nytimes.com/2012/11/30/opinion/global/maria-popova-evgeny-morozov-susan-greenfield-are-
we-becoming cyborgs.html?>> Acesso em 27.11.2014 às 16h45. Foi a partir deste material que iniciei um
banco de dados das informações sobre ciborgues, encontradas na internet. Entre esses dados coletados,
um grande número de artigos sobre o Manifesto Ciborgue, de Haraway, mostraram a pertinência dessa
utopia para o desdobramento do feminismo e o estudo de gênero na rede social.
37
O ciborgue é matéria de ficção e também da experiência vivida
– uma experiência que muda aquilo que conta como
experiência feminina no final do século XX. Trata-se de uma
luta de vida e morte, mas a fronteira entre ficção científica e a
realidade social é uma ilusão ótica. (HARAWAY , 1985, p. 3)
Esse grande representante da ideia de ciborgue originou-se do
“Manifesto Ciborgue” (1984), como um instrumento de reflexão que se pautava
nas possibilidades transcendentes da ótica relacional entre a política e os
gêneros. Essa onda de imaginação das potencialidades do ciborgue foi
proposta por Haraway3 como uma “utopia”, que recriaria nossa maneira de ser,
pensar e agir. ciborguismos 4 , neste caso, é refletido no caráter “animal-
máquina” como o trecho do manifesto apresentado a seguir:
Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de
máquina e organismo, uma criatura de realidade social e
também uma criatura de ficção. Realidade social significa
relações sociais vividas, significa nossa construção política
mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo.
Os movimentos internacionais de mulheres tem construído
aquilo que se pode chamar de experiência das mulheres. Essa
experiência é tanto uma ficção quanto um fato do tipo mais
crucial, mais político. A libertação depende da construção da
consciência da opressão, depende de sua imaginativa
apreensão e, portanto, da consciência e da apreensão da
possibilidade. (HARAWAY, 1985, p. 4)
A utopia desse híbrido de máquina e humano do manifesto nascia da
fertilidade do pensamento cibernético em sinergia com o comunismo e os
movimentos tecnológicos, reconstruídos as experiências femininas,
ultrapassando as fronteiras científicas e a realidade social do século XX.
3
Manifesto Ciborgue: Disponível em http://www.rodrigomedeiros.com.br/pos/download/oriana/01-
ManifestoCyborgI.pdf Acessado em 12.11.13, às 23h49. 4
O ciborguismo, segundo Lafontaine (2004p.33,34) é um produto do imaginário militar. E foi na
experiência da guerra que gerou-se a relação humano-máquina, seja o piloto, o marinho ou mesmo o
combatente da infantaria os primeiro exemplos .da condição ciborgue, onde seu corpo não é mais nem
menos do que parte do armamento. A partir disso, se assiste a criação de uma aparelhagem eletrônica e
complexa integrando em um mesmo sistema o ser-humano e a máquina.
38
O ciborguismo, segundo Haraway (1985), é interpretado como uma das
primeiras luzes da transcendência do gênero, e atenta às artificialidades dos
aparatos que fazem parte da vida cotidiana em todas as esferas sociais e de
lazer. Os veículos de comunicação como rádio, televisão, telefone,
computadores e celulares, com as mídias móveis, têm sido, no decorrer dos
tempos, grande companhia para consolo das angústias das pessoas.
Entretanto, esse trabalho tem a intenção de mostrar que a ciborgue coquete,
como atrizes sociais/virtuais no contexto ciberfeminino, está imensamente
distante do projeto de utopia ciborgue de Haraway, uma vez que a ciborgue,
meu objeto de estudo, tem sentido oposto.
A ciborgue atual deixa bem claro as limitações de gênero. Ao contrário
dessa transcendência proposta por Haraway, a ciborgue da geração
ciberfeminina, na maioria das vezes, usa a rede social para reafirmar a sua
feminilidade, por meio da exposição de imagens de si e seu grupo. Essas
imagens obedecem aos padrões normativos da condição feminina, como
estética, maternidade, vida profissional e poder de sedução, como informações
atualizadas em rede de sociabilidade ativas.
O amparo constante de todas as mídias nas fabricações de ilusões
leva a mulher contemporânea a sempre ter de consumir para poder constituir
seus “inacabados processos de identidade”, segundo a colocação de Bauman
(2008).
A feminilidade espetacular é a base do espírito virtual da ciborgue
coquete. A espetacularização (Debord, 1997) destaca-se como fonte aos
desdobramentos cotidianos da vida. Na esfera online, a “sociedade do
espetáculo” fica evidente na necessidade de aparecer virtualmente, para se
sentir real, em existência conectada com o mundo. As referências ciborgue
coquete estão concentradas em moldes de estilos de vida normativos dos
valores capitalistas, como condição estrutural da cultura ciberfeminina. Usa-se,
então, a tecnologia para um reconhecimento individual, sempre voltado às
esferas do individualismo e do narcisismo.
As atrizes sociais virtuais estudadas, assim como todos os usuários da
rede social virtual, atendem a essa lógica cultural do marketing de si. Elas
39
demonstram que a cultura de mercado enalteceu a condição da sedução e da
maternidade, como fortes referenciais de feminilidade.
A feminilidade online retratada como ciberfeminino assegura a
condição de ciborgue coquete quando suas imagens transbordam
sensualidade, esse entendimento está de acordo com que Bauman (2007)
designa como “identidades carnavalescas” em que a qualidade mais atraente
desse jogo é o “baile das máscaras”.
Neste contexto, Simmel (2006) escreve que o jogo da coquete não é
uma sociabilidade real, pois é um jogo que não ocorre em equilíbrio de iguais, o
jogo da sociabilidade online que Bauman inspira para pensar as ciborgues
coquetes também não é uma tarefa da socialização, pois faz parte de um jogo
social revelado pelo mundo dos consumidores. Suas palavras deixam isso
claro, quando o jogo relacional das atividades online coloca em detrimento a
sociabilidade real. O contexto social virtual compartilha também o “faz de
conta” que Bauman e Simmel, de maneiras diferentes, diagnosticaram nos
jogos das relações sociais. A frase abaixo de Bauman sintetiza bem a essência
dessa ideia:
“A socialização segue o padrão do marketing e as ferramentas
eletrônicas desse tipo de socialização são feitas sob medida
para as técnicas mercadológicas.” (BAUMAN, 2004, p. 148)
Esse marketing e essas “técnicas mercadológicas” citadas pelo autor,
no sentido da nova “sociabilidade” online tornam as ciborgues coquetes, os
produtos de si próprias, com base nas referências de feminilidade das velhas
mídias estruturadas sob os alicerces patriarcais. Essa atuação feminina na
rede social é alimentada pelos aspectos vividos e valores absorvidos
socialmente nos jogos da cultura de mercado. São elementos garantidores da
identidade de seus papéis sociais-virtuais e fazem a atuação coquete ciborgue
ter o objetivo final de concentrar e exibir socialmente a sensualidade, como o
poder e a grande qualidade feminina. É partir dessa premissa que as atrizes
digitais no Facebook, mostram-se protagonistas individuais dos valores
femininos sociais.
40
As coquetes ciborgues elaboram seus papéis com o intuito de
atenderem individualmente o que acredita que se espera dela. Desse modo, o
exercício de atuação virtual deixa claro que existe uma “fachada”, conforme
afirma Goffman (1975), quando a rede social permite visualizar os elementos
representativos da feminilidade nos perfis pessoais para construir essa atriz si
imersa na cultura ciberfeminina.
Essa fachada pode ser encarada como mais um jogo do “faz de conta”
social que Simmel (2006) e Bauman (2007) também mencionam. Em ambos, é
pertinente o seu desdobramento online tornando evidente o quanto esse jogo
está instaurado na sociedade, muito antes dos aparatos tecnológicos, uma vez
que o mundo virtual não está descolado do presencial e funciona como seu
avatar. Nessa pesquisa, fica claro que o “faz de conta” é instituído em nossa
sociedade e faz parte de uma verdade na realidade feminina e sua busca em
agregar poder pela sensualidade.
Já é um costume constantes transformações e alterações de fotos
entre as imagens femininas das revistas da mídia impressa, mas a
contemporaneidade dispôs de recursos muito práticos, com certos os
aplicativos em mídias móveis, para que o ciborguismo feminino consiga,
através do seu aparato sempre portátil, deixar a “fachada” de sua imagem
virtual, reflexo da representação do ideal de mulher contemporânea. Ou seja,
exibe-se virtualmente pela viabilidade das redes sociais a imagem da
personagem de si como um produto aos padrões ocidentais estabelecidos de
beleza, saúde, sucesso e bem-estar para mulher. Construir a apresentação de
si mesmo é um costume normal dentro do comportamento da vida, em
qualquer plano de sociabilidade. Em todas as esferas, valores familiares,
culturais e de mercado são oferecidos para esta auto construção como
demonstração dos valores pertinentes á vida. Vale a partir disso, pensar a
transposição do presencial para o virtual, proporcionado pela leitura de
Goffman (1985), e refletir melhor essas expressões ciberfemininas em rede
online.
(...) Entre as partes da fachada pessoal podemos incluir os
distintivos da função ou da categoria, vestuário, sexo, idade e
características raciais, altura e aparência, atitude, padrões de
41
linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas
semelhantes. Alguns destes veículos de transmissões de
sinais, como as características raciais, são relativamente fixos
e, dentro de um certo espaço de tempo, não variam para o
individuo de uma situação para a outra. Em contraposição,
alguns desses veículos, de sinais são relativamente moveis ou
transitórios, como a expressão facial, e podem variar, numa
representação de um momento ao outro (...). (GOFFMAN,
1985, p. 22)
A fachada do perfil em rede social passa pelas categorias da
aparência. Como na situação descrita anteriormente, a fachada é constituinte
de grande parte dos perfis pessoais femininos no Facebook e é trabalhada de
acordo com os preceitos do modo de vida da contemporaneidade. Um exemplo
banal está na possibilidade de ocultar a idade na rede e manter a imagem no
exercício de atuar online virtualmente jovem, independente da idade
cronológica.
O coquetismo na imagem das personagens atuantes nas relações
online está nas expressões dos olhares, das poses e dos estilos femininos
baseados na sensualidade midiática digitalizada no enredo da historia da vida
privada e socialmente compartilhada na rede. Essa pesquisa observou que,
entre milhares de perfis de páginas pessoais femininas, há sempre o controle
das poses e dos sorrisos que se repetem nas publicações das imagens como
parte do conteúdo do que se quer apresentar de si. O trabalho de atuação da
ciberfeminina não requer a necessidade técnica de especialistas como pede as
antigas mídias; a autonomia da cultura ciberfeminina garante a auto produção,
auto construção e auto publicação, faz dela uma celebridade virtual, pelo
menos para membros de sua família e contatos de conexão que garantem seu
sucesso “curtindo” as publicações da imagem da personagem de si.
A feminilidade versão ciberfeminina segue sempre atuando por
exercícios de publicação de “postagens”, embora seja bom lembrar que existe
a possibilidade de controle da página pessoal, que delimita quem pode ter
acesso às publicações, caso haja intenção de restringir a visibilidade do
material publicado. No entanto, todas as mensagens e imagens
42
disponibilizadas na rede social Facebook, que foram analisadas ou mesmo
adicionadas nessa dissertação, são abertas para o público em geral, sem
privações e restrições.
A imagem da atriz acima, é um exemplo entre os dados coletados das
páginas pessoais femininas no Facebook, que demonstra como as ciborgues
coquetes estão sempre aptas a ter o olhar conectado ao foco de seu aparelho
de mídia móvel para reprodução de sua imagem. Nota-se a máquina
fotográfica do telefone e o espelho como uma relação narcísica e pertinente na
vida contemporânea. O hábito de olhar para postar segue direcionado a visão
propositada ao registro e publicação da imagem que reafirma em rede, as
conquistas físicas e estéticas sobre o corpo feminino. Aí está a ênfase da
identidade coquete ciborgue que aqui é a personagem principal da cultura
ciberfeminina. A melhor paisagem, a melhor luz, o melhor efeito de filtros
fotográficos, o retrato da meta alcançada como corpo ideal, a família agrupada
e feliz, a roda de amigos são informações discorrendo como mensagens fluidas
e constantes na interface no Facebook, servem como elementos garantidores
das expressões ciberfemininas.
Morin (1997) chama atenção pelo fato de a máquina fotográfica
funcionar como um “talismã” e ser a viabilidade do registro de “uma emoção a
qual quer apreciar mais tarde” e, por isso, o ato de fotografar está sempre
presente em ocasiões comemorativas e comumente compartilhadas em rede
43
social virtual. Essa fácil viabilidade do registro proporcionada pelas mídias
móveis garante a divulgação e o “sucesso” das publicações dessas imagens.
Essa investigação demonstra que existe como hábito e costume essa
prática de registrar e publicar todos os consideráveis bons momentos; e num
período muito anterior ao aparecimento dessas atuais mídias digitais, Morin
(1997) já diagnosticava o hábito de registrar e mostrar os bons momentos
como um hábito social. Por outro lado, ele também demonstrou dificuldade
dessa ação nas ocasiões em que se fotografa o luto; esse continua sempre
como um momento “inviolado”, como mostra a raridade desse tipo de
publicações compartilhadas no Facebook. A rede social é visivelmente apta
para os momentos felizes de sociabilidade.
Um desdobramento das mídias sociais como campo mapeado foi a
cultura ciberfeminina atuando com a nova mídia, o Instagran5. Esse aplicativo
vem a fortificar a condição da ciborgue ciberfeminina ao vivificar, sentir e olhar
as experiências, pelo aparato tecnológico de mídia móvel. Esta nova mídia
pode, por meio das suas possibilidades de mecanismos, ativar a imagem por
transformações do ambiente e do indivíduo, registrados e tecnicamente
alterados pela artificialidade dos aplicativos. Como espaço de relacionamento
virtual, o Instagram exerce uma comunicação apenas através de fotografias
digitais, essa prática constante de publicar fotos e contemplar outras
5 Segundo a página de abertura da rede social Instagram é uma maneira rápida, bonita e divertida de
compartilhar sua vida com amigos e familiares. Tire uma foto ou vídeo, escolha um filtro para transformar
seu olhar e sentir, em seguida, enviar para o Instagram – é assim tão fácil. Você pode até mesmo
compartilhar no Facebook, Twitter, Tumblr e muito mais. É uma nova maneira de ver o mundo. Ah, sim,
isso sem mencionar que é grátis?”. Disponível em http://instagram.com/ Acessado em 28.01.2014, às
17h54.
44
publicadas fortifica a imagem superficial da ciborgue coquete que vivifica sua
vida aspirando ao seu conteúdo pessoal o automarketing virtual/social na
condução de seu próprio personagem na rede.
No ciberfeminino, as atrizes sociais virtuais como ciborgue coquetes
apresentam-se online, sempre em imagens de “sensualidades” e “alegrias”, e
assim, divulgam os momentos pessoais que consagram o conceito de
felicidade e sucesso, ditados pela cultura de mercado. Fotos de casamento,
turma do trabalho, família, festas, momentos descontração, enfim demostram-
se por milhares de fotos, a pauta de um valor quantitativo para aceitação,
quando a principal satisfação está na reação dos contatos conectados que
positivamente demonstram que aprovam, clicando no ícone abaixo da imagem:
“curtir”. Como já dito anteriormente, quanto maior o numero no recebimento de
“curtir”, maior a sensação de satisfação, pois isso dimensiona de modo
quantitativo o alcance social da imagem pessoal.
Para Goffman (1985), “quando um indivíduo se apresenta diante de
outros, terá muitos motivos para procurar controlar a impressão que estes
recebem da situação”. Desse modo, esse trabalho reconhece, pelos dados
coletados sobre a cultura ciberfeminina, que as ciborgues coquetes possuem
sensação de controle, dado que pela técnica movimenta os recursos virtuais de
imagem.
O próprio circuito feminino delimita os moldes que normalmente são
baseados em jovialidade, felicidade, feminilidade, corpos em “boa forma”,
saúde, boa alimentação, moda entre outros, que visam modelar a “estrela”
digital de si mesma. A possibilidade da realidade vivida não corresponder à
imagem pretensa, não impede a atriz da rede social se utilizar dos aplicativos
para se modelar adequadamente às suas pretensões estéticas. Graças a tais
aplicativos dispostos nas novas mídias altera-se a imagem de modo a ficarem
imperceptíveis tais alterações e o processo de interferências devidamente
calculadas para enquadramento aos padrões sociais da “beleza” feminina.
O contemplador das imagens virtuais, pela própria abundância de
mensagens dignas da contemporaneidade, são agora acostumados a enxergar
45
o mundo através das telas, seja da televisão, do computador ou mesmo por
todos os veículos impressos de publicidades. Isso criou o hábito de normalizar
e “embelezar” a realidade pela plasticidade das imagens e dos momentos,
tornando-os sempre adequados ou almejados pelo espírito contemporâneo dos
atores sociais virtuais.
O distanciamento das relações face a face e olho no olho também
dificultou o encarar de uma realidade em que existe a velhice, as ansiedades,
as compulsões, as inseguranças entre muitas outras, “imperfeições” da vida, da
natureza e das suas relações, características que a ciborgue coquete pode
facilmente esconder, camuflar perverter e manipular os dados, nas mensagens
e imagens sobre si presentes realidade vivida offline.
A tecnologia e seus aplicativos de “aprimoramento” e “embelezamento”
da ima aparência é a própria “dádiva” para o conceito ciberfeminino brasileiro,
servem de instrumentos para alcançarem a almejada feminilidade midiatizada
de referências incorporadas como agregação de valor à atriz virtual, perante a
sua autopublicação online.
Normalmente, a base de elementos que incorpora a imagem de si está
pautada na estética e na postura sensualizada do corpo, como princípios
valiosos para essa atuação em rede social. Porém esses fragmentos
manipulados e digitalizados de si dizem mais que uma relação substanciada
pela lógica do produto. Mauss (2003, p. 188), em seu trabalho sobre a “dádiva”,
expunha os elementos do processo de “troca” para uma moral, além de um
valor puramente venal. A troca que segue a dádiva entre as expressões do
ciberfeminino está em se apresentar, de acordo com a moral da cultura de
mercado, patriarcal e mídia.
O antropólogo mencionado interpreta como “regalo”, algo que é
oferecido com generosidade, mas por outro lado, aponta que isso leva
intrinsicamente em seu bojo, fundos de interesses econômicos. Nessa
pesquisa, é possível considerar o coquetismo na esfera virtual com o destaque
da sensualidade reconhecida socialmente na rede. Essa condição feminina é
tida pessoalmente para a atriz social/virtual como um regalo da tecnologia
46
contemporânea. Mas leva também intrinsicamente em seu bojo interesses
econômicos e políticos que estagnam a condição contemporânea, nas matrizes
tradicionais da feminilidade e aprisionam a emergência novas performances
para a atual atriz social/virtual. O ciberfeminino marca no olhar social em rede
online, a construção de bela imagem feminina manipulada pelos padrões
estabelecidos nas estruturas sociais que contém seus valores bastante ativos
na vaidade, no casamento, na família e no trabalho.
O regalo que a atriz de si oferece é a absorção de valores sociais já
dados: oxigenados, iluminados e refletidos em rede social, em forma de suas
expressões online. E essa dádiva da contemporaneidade passa a enfatizar-se
na recompensa social, refletida na quantidade de elogios e “curtidas” de suas
conexões online.
Esse “presente” à ciborgue coquete, pela tecnologia se baseia
individualmente na contemplação da imagem de si e, exibe online, o mérito,
mesmo que artificial, que mostra dar conta das exigências sociais,
profissionais e familiares permanentemente impostas à figura feminina, em
imagens sempre coloridas com estilos de moda beleza e sorrisos.
Considerando como valor de troca, a quantificação de clicks em “curtir”
e como reconhecimento do valor construído digitalmente, as ciborgues
coquetes obtêm a impressão e sensação em termos de satisfação e amor
próprio consigo mesma. Mauss (2003, p. 188) apresenta o seguinte
questionamento: “Que força existe na coisa dada que faz com que o donatário
a retribua?” A força que existe na dada realidade digital da rede social
investigada é exercida na retribuição em forma de “curtir” e elogios que
discorrem ao que se espera socialmente da mulher e faz com que o êxito da
satisfação feminina se contente no sentido imaginativo de sua identidade por
imagens de qualidades sempre exaltadas, e nunca questionadas.
47
1.2. Do Ciberfeminismo ao Ciberfeminino
A primeira reunião Ciberfeminista, segundo Faith Wilding (2014), foi
chamada de Internacional cyberfeminist kassel e ocorreu na Alemanha, em
vinte de setembro de mil novecentos e noventa e sete. Sua discussão era em
torno de um sujeito pós-humano e propunha a revolta de um sistema
emergente, na inclusão das mulheres e das máquinas. Essa hibridez serviria
como uma superação “da realidade matéria do patriarcado.” O ciberfeminino
tinha o intuito de criar uma nova imagem para a mulher, por meio da internet
visando ir contra os “estereótipos sexistas galopantes”. Seriam avatares
feministas como ciborgues consequentes também da fusão de gênero
orientando, assim, uma nova realidade.
Utopia, manifesto ou conceito, esses eram reflexos de um movimento
social/virtual, transbordando as raízes de suas contestações de base, não mais
para uma equidade de gêneros, mas rumo a uma superação dessa condição,
pelas interações humanas com a máquina. Faith menciona que a mulher
inserida nas novas tecnologias poderia dar vazão a outra forma de existir e
atuar, superando as dicotomias binárias já dadas e construídas historicamente,
dados os referenciais tecnológicos que celebravam a possibilidade de emergir
múltiplas diferenças assimétricas. Novos sistemas representacionais seriam
metáforas da matriz digital, desdobrada em inúmeras outras relações capazes
de ofuscar os tradicionais estereótipos de gêneros, bem como as leis de
dominação patriarcal e capitalista.
O questionamento dos sentidos binários e dicotômicos aqui levantados,
não é uma discussão recente. Se faz notável na psicanálise de Guattari (1981) e na
crítica aos preceitos da contemporaneidade que atualmente são levantados por
Bauman (2004), no sentido binário de homem/mulher, “ligar” e “deligar”. Isso
permeou o espirito contemporâneo social-virtual, precarizou a complexidade das
relações presenciais e organizou o corpo social; orientando a identidade em
processos dicotômicos, relacionando poder e dominação pelas diferenças.
O ciberfeminismo implicava a ideia de superar e subverter o sistema
patriarcal e hierárquico, aproximando-o de uma estrutura descentralizada, em
48
que a conexão poderia interligar e revolucionar as dicotomias de gênero em
sua hibridez com o dispositivo tecnológico relacional vulnerabilizando as
identidades tradicionais. Essa essência do ciberfeminismo, segundo Sandie
Plant6 (1995), poderia gerar “um acidente maligno” para o patriarcado e as
suas noções normativas de comportamento.
O sentido das ideias da mãe do termo ciberfeminismo estava na
esperança da apropriação do sujeito digital nômade, não pré-determinado. Era
ativado pela capacidade de conquistar novas liberdades e emancipações. Na
verdade, pode-se constatar que a contemporaneidade recente, na grande
maioria das vezes, não vai além, mesmo no ambiente do ciberespaço, dos
pilares das instituições sociais e políticas hierarquizadas e dicotômicas:
“natureza/cultura”, “mulher/homem”, pobreza/riqueza, feio/bonito; e pelas
direções androcêntricas, que ainda seguem iluminando o ideal de
desenvolvimento, progresso e competividade, conforme a configuração
capitalista do cotidiano da realidade histórica da cultura contemporânea.
O ciberfeminismo era enaltecido como uma corrente ideológica de
resistência redimensionada pela tecnologia, para assim questionar os códigos
vigentes da realidade dicotômica, a fim de libertar a mulher dos
condicionamentos patriarcais no ambiente do ciberespaço. O ciberfeminismo é
exemplo de uma corrente pertinente aos anos noventa que enxergava o
ciberespaço com um lugar virtual de intensas transformações do hábito e da
identidade.
Percorrendo o desenvolvimento histórico das mídias, nota-se que a
partir dos anos sessenta do século XX, a tecnologia da comunicação começou
a ser desenvolvida massivamente até se encontrar na internet. Esse novo
horizonte, na década de 1990, conforme o ideal ciberfeminista também é capaz
de exemplificar, era considerado como um potencial real e transformador dos
valores sociais dados como saturados padrões convencionais, institucionais e
tradicionais ditados pelas antigas mídias.
6 Sadie, Sandie ; Ceros +Unos, Mujeres digitales + la nueva tecnocultura, 1997.
49
Alastrada por todo ocidente, as relações de comunicação virtual e seus
artefatos passaram a ser a base da nova economia e a nova forma de
articulação da distribuição da informação, identidade e comunicação. Segundo
Langdon Winner (2012), filósofo da tecnologia, a internet e seu poder de
conexão nos representa um cenário em que um número indeterminado de
“nós” se fazem interligados de forma estrutural, e transversalmente se
apresentam sem qualquer ideologia.
Winner (2009) coloca o ciberfeminismo na categoria do “feminismo utópico
liberal”, e essa corrente, puxada por Sadie Plant, fazia parte do espírito daquela
época que defendia a internet e a tecnologia como símbolos de liberação, no
âmbito de transformar a “net-utopia”, um espaço de possibilidades reais de
transcendência virtual das delimitações de gênero e dos ideais tradicionais
normativos, socialmente construídos e impostos aos corpos humanos.
Nessa dissertação, entendemos que as relações de conexão online
observada pela prática feminina rompem, na realidade, com a utopia
ciberfeminista, uma vez que não supera ideologicamente e politicamente a
condição da mulher.
Desse modo, adotamos o termo ciberfeminino, não só como
contraponto ao ciberfeminismo, mas conforme o que Winner, eles também
podem se convergir, pois o ciberfeminismo de Plant, na ação liberal de abraçar
tantos elementos passou a ser um lugar “desprovido de ideologia” e
representativo como difusor das práticas culturais cotidianas da cultura de
mercado para mulher.
O estudo do ciberfeminino, além de fonte dados teóricos sobre uma
tipologia feminista e feminina recente pela rede, serviu como inspiração para se
lançar uma categoria de estudos femininos na internet, por isso o tema chave
dessa dissertação é o ciberfeminino, bem como o conceito de ciborgue que
desdobro no lado distante do símbolo emancipatório das condições tradicionais
femininas, como na proposta ciberfeminista.
Morin (2011) enfatiza o consumo da vida no imaginário da própria
existência, fato que a cultura ciberfeminina deixa bastante claro no Facebook,
50
quando a novela da vida privada, pelas telas digitais apresentam os preceitos
apontados pelas antigas mídias como referências de beleza e felicidade. Estes
são inspiradores imaginativos que pelo poder que as mídias, exercem a
exaltação dos estilos de vida consumíveis. Nesse trecho, Morin explica como
estas imagens e mensagens podem estruturar o imaginário e desempenhar
referências para atuação social/virtual.
(...) o imaginário se estrutura segundo arquétipos: existem
figurinos modelo do espírito humano que ordenam os sonhos e,
particularmente os sonhos racionalizados que são os temas
míticos ou romanescos. Regras convenções, gêneros artísticos
impõem estruturas exteriores às obras enquanto situações-tipo
e personagens-tipo lhe fornecem as estruturas internas.
(MORIN, 2011, p. 16)
Desde o cinema, a imagem da mulher acompanha a mensagem que
desenha a sensualidade e provoca sonhos que direcionam o sucesso das
atribuições físicas como valor máximo da feminilidade. As últimas décadas do
século XX instituiu a televisão como um necessidade suprema aos lares
ocidentais. Novelas e filmes alimentavam a imaginação pelo ócio receptivo
como relaxamento e lazer. As primeiras décadas do novo milênio é atribuída ao
sucesso das tecnologias online e das recentes redes sociais revolucionando a
comunicação.
Portanto, esse trabalho é uma pesquisa que constrói e considera o
ciberfeminino, como um desdobramento dos valores historicamente repercutido
pelas mídias 7 . Demostra pela constante análise do conteúdo de dados
7 Sobre desdobramento da mídia, ler o artigo Rethinking ethnography an introduction. Esse trabalho
também é um estudo de mídia, pois a cultura ciberfeminina só existe, devido à sua atuação nas novas
mídias sociais. No texto, os autores apresentam a importância da etnografia e dos estudos
antropológicos, nas análises críticas das mais “recentes mídias. A “etnografia online” considerada uma
extensão da “etnografia de mídias”, uma vez que o universo digital compõe a nova “mídia símbolo” da
atual contemporaneidade. Por isso, o texto considera que ela teve seu início nos estudos do consumo,
durante o final dos anos oitenta na Grã-Bretanha. Esses estudos partiram da reação passiva dos
receptores, assim como suas posições acríticas e a crítica dos métodos de análise utilizados,
principalmente em estudos norte americanos, para categorizar e analisar as atividades da comunicação
sob o olhar construído através da metodologia quantitativa. Desse modo, aponta para o surgimento de um
estudo etnográfico desenvolvido em torno da cultura como uma volta com papel reflexivo na Antropologia,
sugerindo então um estudo que embarque as questões das práticas desenvolvidas através das mídias e o
estudo cultural do ambiente analisado, como uma expansão da antropologia. Assim, a Antropologia
começa a se focar no ambiente privado da cultura de classe media ocidental, em suas mais variadas
51
coletados que substancialmente pouca coisa mudou; a não ser a proporção do
alcance da comunicação via conexão, e a possibilidade de transpor e executar
o sentido imaginativo da própria vida para esfera virtual, caracterizando assim,
como dito anteriormente, a cultura ciberfeminina como avatar da feminilidade
contemporânea.
Diante de uma cultura de mercado capitalista totalitária que se traveste
em forma de “avanço”, pelos setores tecnológicos existe o alimento de uma
política econômica que se desenvolve historicamente como predadora da
natureza da vida e da existência, rumo a uma “felicidade” que nos momentos
sociais de descontração serve para ser “adquirida” e “publicada” na rede social
online.
A cultura ciberfeminina embarca nesse sistema, entrelaçada com os
parâmetros culturais da indústria do lazer e do consumo. As comunidades
virtuais femininas e muitas das publicações que compõem os perfis pessoais
em rede parecem de acordo com uma consciência superficial e acrítica das
condições reais da vida em outras esferas além da vaidade, dos amigos, dos
sorrisos e da maternidade.
formas e contextos. O texto alega que passou a ser impossível para a Antropologia, ignorar a estrutura da
vida cotidiana nas relações sociais imersas nos contextos presenciais – virtuais, já que isto dinamiza um
novo contexto de realidade. Atualmente a etnografia da mídia começa a se mover sob novas direções
atualizadas e viabilizando o estudo da mídia digital , fruto da tecnologia. Introduzindo novas plataformas e
dispositivos que levaram a um alargamento das necessidades de compreensão destas novas fontes de
dados, as relações de comunicacionais tecnológicas e a interação social. (HORST, HJORTH e IO.
Rethinking ethnography an introduction. Revista de Mídia Internacional da Austrália (2012, (p. 86-91).
Disponível em http://journals.culture-communication.unimelb.edu.au/platform/resources/includes/
v5i1/platform_v5i1.pdf Acesso em 03.02.2014, às 17h24h.
52
Entre os dados coletados como os primeiros reflexos da cultura
ciberfeminina, encontramos o texto online chamado La imagen virtual da la
mujer – de los estereótipos tradiconales al ciberfeminismo8 (2003). Como fonte
de inspiração ao presente estudo e categorização do tema, esse texto diz muito
sobre as capacidades de manipulação da mulher pelos tradicionais meios de
mídias, “impressa e televisiva”. Assim, chama atenção para a questão da
mulher ser muito pouco refletida ou conscientizada sobre essa manipulação
sofrida pelas “multinacionais” midiáticas convertidas em “grandes negócios
virtuais”. Esse estudo realizado no início da década, na Espanha, pontuava que
em noventa por cento dos sites femininos analisados pelo estudo, seus
principais aspectos estavam relacionados à beleza, à saúde, à cozinha, à
maternidade, ao casamento, ao sexo, ao romance, à família, à astrologia e à
cultura.
Esse estudo descrito anteriormente demarca a mulher virtual que
aspira ser uma “Barbie de passarela”, preocupada principalmente com a dieta e
grande consumidora dos produtos de beleza. Uma mulher que vive na contínua
condição de mãe e esposa, mas que agora aspira a uma formação profissional
competitiva com o homem. Esta “mulher maravilha”, segundo esse artigo,
assume a dupla ou tripla jornada de trabalho e não abre mão da inclusão de
seus rituais de beleza na rotina. Ela é constantemente bombardeada com o
entusiasmo da “liberação feminina”, mas mantém sua escravidão à imagem,
buscando o modelo de perfeição à mulher, proporcionado pelas grandes top
models e o envolvimento com “nova religião do culto ao corpo”.
Para uma noção clara da importância da beleza como preceito principal
da feminilidade e da cultura ciberfeminina, apresentamos um trecho retirado do
texto mencionado anteriormente, com a constatação de Lipovetsky (2006)
sobre esta questão:
(...) a celebração da beleza física feminina não perdeu nada de
sua força de imposição, sem dúvida, reforçou-se, generalizou-
se e universalizou-se, paralelamente ao desenvolvimento dos
trajes de praia, das estrelas e pin ups exibidos na mídia. [...] A
8 Rubi Liniers, Maria da Cruz , (2003), Espanha. Mas publicado no site www.gallup.es/encu_asp . em
13/02/2012 as 13:30 hrs
53
exaltação da beleza feminina restitui no próprio coração do
narcisismo móvel e “transexual” uma divisão importante dos
sexos, uma divisão não apenas estética, mas cultural e
psicológica. (LIPOVETSKY, 2006, p. 137)
Ressaltando a beleza e a maternidade como os grandes preceitos da
feminilidade da mulher refletidos na rede social Facebook, o desenvolvimento
dessa pesquisa ainda afirma que tanto no entendimento de ciberfeminino como
do ciberfeminismo, a imagem da mulher é categorizada em estereótipos e
estigmas. Segundo Wilding (1998), até o ciberfeminismo, aqui como oposto do
ciberfeminino, é um movimento carente de “ideologia e debates políticos” e
enaltece a representação deste movimento por outras imagens, como a das
“mulheres guerreiras”, reproduzindo igualmente tipos de imagens da mulher
pautada em estereótipos.
De acordo com a leitura desse último texto, essa dissertação pode
diagnosticar que ciberfeminismo perde suas forças para o ciberfeminino;
quando sua expectativa era de libertar a mulher pela internet e a tecnologia
representava a pouca importância que os atributos físicos tinham no ambiente
virtual, na época em que a Internet ainda não era tão desenvolvida. Com o
desenvolvimento da rede virtual e as capacidades relacionais da
comunicabilidade, por novos avatares em redes sociais, a imagem passa a ser
um princípio para atuação online e da identidade virtual. Desse modo, essa
dissertação demonstra como a contemporaneidade recente sufocou a utopia
ciberfeminista na vida cotidiana e enalteceu a realidade tradicional feminina,
sem questionamento ou espírito crítico.
Nessa análise, o que é chamado de ciberfeminino representa o
mapeamento das diversas personagens online. Posteriormente, essas foram
delimitadas e nomeadas como ciborgues coquetes. O ciberfeminino é aqui
também discutido pelas diversas comunidades virtuais femininas e feministas,
as quais o acesso é viabilizado apenas num clique em “curtir” para receber
suas publicações. Desse modo, as comunidades virtuais femininas se
apresentam como símbolo do que Bauman (2001) chama de “comunidades
estéticas”.
54
Uma coisa que a comunidade estética definitivamente não faz
é tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades
éticas, e portanto, de compromisso a longo prazo. (BALMAN,
2001, p. 63)
O elo entre cada personagem ciborgue coquete e suas comunidades
ciberfemininas no Facebook é a referência estética, a qual Bauman atribui de
“natureza superficial”, acima de uma responsabilidade crítica dos conteúdos,
seja na comunidade estética da vaidade, como na da fé. Tal fato é a base da
elaboração das etnografias e será discutido no próximo capítulo.
Pelo estudo etnográfico das comunidades virtuais femininas online no
Facebook, o objetivo seguinte dessa dissertação é encontrar a vulnerabilidade
feminina intrínseca historicamente, na magia da “estrela”, que emerge desde os
primeiros encantos que interagem com as telas oriundas do cinema, até a
projeção da imagem do papel da mulher “ideal” agindo socialmente e
virtualmente nas telas do Facebook.
Capítulo II – Compreendendo a condição feminina pela
etnografia online das comunidades virtuais no Facebook
Admite-se, hoje em dia, que a aparência, a superficialidade, a
“profundidade da superfície” estão na ordem do dia. Será que é
preciso deixar-se ofuscar por ela ou, o contrário, apreciar com
serenidade, o trágico social que isto induz?
Michel Maffesoli (1999)
56
2.1. Do cinema à mulher online imaginária – as poses que cobrem as
dores
Como definir esta qualidade que reside,
não na vida, mas na imagem da vida?
Edgar Morin – O Cinema ou
o Homem Imaginário (1997)
1
O cinema e o que Morin (1997) chamou de “sua magia” inspiraram os
sonhos e as subjetividades que emergiam da interação entre o espectador e
tela representativa do poder das imagens como reflexos “duplos”, num “jogo
que se opõem e se ligam”:
A imagem é o estrito reflexo da realidade, a sua objetividade
está em contradição com a extravagância imaginária. Porém
este reflexo é já ao mesmo tempo, um “duplo”. A imagem já se
encontra embebida de poderes subjetivos que vão deslocar,
deformar e projetar para a fantasia e para o sonho. O
imaginário enfeitiça a imagem, porque esta é já uma feiticeira
de potência. O imaginário prolifera sobre a imagem como seu
cancro natural; vai cristalizar e revelar as humanas
necessidades, mas sempre em imagens; é o lugar comum da
imagem e da imaginação. (...) É, pois, segundo uma mesma
continuidade que o mundo dos duplos passa ao uso das
metamorfoses, que a imagem se exalta no imaginário, que o
cinema desenvolve as suas próprias potencialidades nas
técnicas e na ficção do cinema. (MORIN, 2007, p. 98)
No trecho anterior, Morin expressa um elo entre imagem, magia e
sonho, quando o espectador presencia a magnitude da tela de cinema. Os
1 Disponível em http://www.mundodrive.com/2010/05/mulheres-que-enlouqueceram-nossos-avos.html –
Acesso em 21.10.2014.
57
grandes closes nos rostos das “estrelas”, símbolos da feminilidade, evidenciam
o que o autor (2011), ao analisar a cultura de massa no século XX, entende
como a “erotização do rosto”, um “fenômeno de civilização que corresponde a
um enfraquecimento da sexualidade genital”. Tal fato pode ser refletido nessa
direção quando se reflete, o que é tratado nessa pesquisa como ciborguismos
coquetes na rede social Facebook. Entre a própria política da rede social está a
censura do corpo nu feminino, inclusive os seios no ato da amamentação.
Portanto, a magia imaginativa que a contemporaneidade propicia está
no rosto, na face, ou no “Face” – início do nome da rede social que se traduz
em rosto, na língua inglesa. O rosto feminino, nos perfis pessoais, estão sob os
referenciais das grandes divas do cinema americano, agora desdobrados na
composição da imagem das coquetes online, num jogo que, de acordo com
Morin, trabalha muito excitação pela imagem da face, aqui no “Face”. O mesmo
autor também aponta a direção dessa “erotização da face” pela cultura
americana anglicana, a qual julga o sexo como maldito e “se vinga por uma
erotização geral do resto do corpo”.
2
Nessa capa de perfil pessoal, nota-se a exposição do corpo no
ambiente da cozinha, lugar onde a sociedade tradicional ainda associa a
mulher para responsabilidade do preparo do alimento. E nesse contexto
doméstico, o corpo feminino se apresenta em posição de pose diante das
panelas. Nota-se a delimitação do rosto, imponente, orgulhoso e sensualizado;
bem de acordo com que Morin (2011) chamou de “erotização da face” e do
“resto do corpo”. As telas inspiravam e inspiram a imagem e magia na
2 Usuária da comunidade Mulheres perfeitas – https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts/–
Acesso em 11.02.2014, às 00h33.
58
configuração subjetiva da imaginação, embora agora em opções de ser muito
menores, portáteis e conectadas às mídias online. Segundo Morin, as estrelas
do cinema trouxeram um “erotismo que se especializou e se difundiu” pela
cultura de mercado, “cuja publicidade devora as páginas das revistas”, com os
rostos das “estrelas” célebres, atuando em grandes anúncios de maquiagens,
perfumes, roupas, cremes rejuvenescedores, entre outros.
São tantos os referenciais de consumo que as “estrelas” ajudam a
vender, o “duplo” imaginativo que Morin (1997) apresentou a partir da tela,
passa a fazer parte de mais um jogo da cultura de mercado, que visa a reduzir
a mulher a seres consumistas e sonhadoras de uma estética fabricada, para
dar lucro às grandes empresas formadoras de opinião e estilos de vida.
A saturação das mensagens e imagens, das cobranças relacionadas à
maternidade, aos cuidados com a família e pressões profissionais são
passíveis de exercer um alto nível de pressão social a ponto de suas
aspirações entrarem em colapso. De acordo com Morin (2011), esta situação,
compreendida pela super erotização “parece estar caminhando ao lado da
semifrigidez e da semi-impotência”, pois a cultura de mercado contemporânea
desloca os princípios de prazer e os instrumentalizam para excitar o “universo
do amor, o da produção dos valores femininos e os de consumo”, numa
sociedade em que o senso comum ainda está apegado aos valores tradicionais
e patriarcais, os quais vigiam, condenam e estigmatizam. Não são nada
libertadores para autonomia da sexualidade e do erotismo feminino, que
permanecem mais na esfera do excitar sensualmente do que consumar o ato
sexualmente.
O cinema trazia as projeções e logo as identificações e as aspirações.
Como fonte imagética, ele sofreu um percurso histórico, ao qual a
contemporaneidade incorporou, personificou e dispôs a cada indivíduo a
possibilidade de atuar, dirigir e divulgar o filme da vida privada, por meio do
fenômeno das redes sociais online. Muito antes desse fenômeno, Morin (1997),
ao construir sua análise sobre a cultura de massa, conseguiu deixá-la apta a
fazer sentido, ainda nos diferentes desdobramentos que dão conteúdo às telas,
do cinema, da televisão e das atuais mídias móveis:
59
A magia não tem essência: verdade estéril, se se tratar
simplesmente de observar que a magia é ilusão. Urge por si só,
investigar os processos que dão corpo à esta ilusão (...). A
projeção é um processo universal e multiforme. As nossas
necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios,
projetam-se, não só no vácuo dos sonhos e imaginação, mas
também sobre todas as coisas e todos os seres. (MORIN, 1997,
p. 105)
A cultura contemporânea de mercado criou as divas que emergiram do
cinema e atualmente reinam como símbolos femininos na cultura do
entretenimento de massa. A contemporaneidade, pelas estrelas midiáticas,
consegue canalizar essa “magia” sem “essência” e instrumentalizar a
subjetividade para dar sentido ao que Morin (2011) chama de “boneca do
amor”. Essa apologia à “mulher modelo” está em todas esferas das mídias, das
antigas e tradicionais às novas mídias móveis, assim como esta incorporação
se faz nítida no mapeamento que esse estudo traçou em torno do que chamo
de “ciberfeminino”.
A prostituta não faz senão exagerar o apelo sedutor da mulher
normal. Esta se faz bela como que para suscitar um “desejam-
me” permanente. (...). A mulher e o modelo desenvolvida pela
cultura de massa estão orientados de modo bastante preciso
para os caracteres sexuais secundário aparência da boneca do
amor. (...) a publicidade da grande imprensa estende seu raio
de ação; as grandes casas tiram lucro ao marcar com sua
etiqueta os produtos erotizados de serie ou minissérie
(perfumes, meias etc.). (MORIN, 2011, p. 136)
Como expresso anteriormente, compreende-se que a erotização, a
sensualidade e os adornos que constituem o que Morin chama de “boneca do
amor” ajuda a demarcar o ciberfeminino em rede social online. A “boneca do
amor” é o que denominamos ciberfeminino, podendo se configurar com o que
Morin (1997) chamou de “duplo”, quando as telas interagem com o cotidiano.
Diante das etnografias realizadas por essa dissertação, demonstra-se
que o ideal feminino consagrado pela cultura contemporânea de mercado é
altamente coquete, com seus rituais de beleza e enaltecimento da estética, e
60
ainda está sob a base estrutural patriarcal, que tem como estrutura o
casamento tradicional e monogâmico. O perfil apresentado a seguir foi
selecionado como exemplo desses pressupostos sustentados pela cultura
contemporânea para o desenho tradicional da mulher digitalizado em tela:
3
Nessa imagem, no quadrado menor representando a face, nota-se o
sorriso e a iluminação em qualidade profissional. No sentido maior está o
sorriso no rosto, o buquê nas mãos e o tradicional vestido branco de
casamento num modelo mais moderno e minimalista. Mas independente do
estilo, é na cerimônia e na festa de casamento em que a mulher, no papel de
noiva, tem a oportunidade de se contemplar como a “grande estrela”. Na
imagem, percebe-se que o sentido do casamento é maior que o espaço que
representa o rosto como representante da identidade individual online.
Considerando os pressupostos de Goffman (1975) já mencionados
anteriormente nesse estudo, quando o autor faz entender que a construção dos
perfis pessoais, no Facebook, equivale à construção do que ele chama de
“fachada”, atende aos princípios adequados do que é considerado admirável,
socialmente na tela. Isso nos remete novamente a Morin (1997), que ajuda a
completar essa ideia na investigação do ciberfeminino pelo Facebook, trazendo
a ideia do “duplo” na relação com as telas, por meio de seu estudo sobre o
cinema.
3 Integrante da comunidade “mulheres perfeitas”. Acessado em 24.03.2014, às 23h24.
61
Essa outra apresentação pessoal de perfil no Facebook, inclui-se no
mesmo caso da imagem anterior, embora com diferente paisagem. A imagem
individual, da apresentação menor, é escura e sombria, de modo a ficar bem
antagônica à imagem maior, a da “capa”, a qual repercute a vedetitização
ciberfeminina colorida, iluminada e harmoniosa com inspiração construída sob
as raízes das estrelas das antigas mídias, em especial as divas
cinematográficas contrapondo o espaço que traz o rosto como a representação
da individualização de si mesma. Nesse aspecto, Gui Debord (1997), assim
como Morin e Goffman, consegue analisar o fenômeno do espetáculo, de
maneira significativa para o olhar das relações sociais/virtuais contemporâneas.
Dada a atual realidade, da construção do espetáculo de si, é tido como um
valor a se celebrar, na interação com a tela; revelando características
importantes que ainda servem para justificar o que, nesse trabalho, é entendido
como coquetismo ciborgue. No que diz respeito a essa questão, Gui Debord
explica:
Como vedete, o agente do espetáculo levado à cena é o
oposto do indivíduo, é o inimigo do individuo nele mesmo tão
evidente como nos outros. Aparecendo no espetáculo como
modelo de identificação, ele renunciou a toda qualidade
autônoma para identificar-se com a lei geral de obediência ao
desenrolar das coisas. A vedete do consumo, embora
represente exteriormente diferentes tipos de personalidades.
Mostra cada um destes tipos como se tivesse igual acesso à
totalidade do consumo, e também como encontrar a felicidade
neste consumo. A vedete da decisão deve possuir o estoque
completo do que foi admitido como qualidades humanas. (GUI
DEBORD, 1997, p. 40-41)
62
O indivíduo em detrimento da vedete encontra um sentido que liga
tanto a análise da última imagem como consta da citação apresentada
anteriormente. O “consumo” a que Debord se refere, quando estendido ao
contexto contemporâneo, significa um consumo não só de produtos, mas de
estilos de vida inspirados, incorporados, reproduzidos e disseminados no ideal
de vedete, estrela ou coquete.
As telas de cinema, de televisão, do computador, dos aparelhos com
mídias móveis e as enxurradas de imagens que o universo das mídias
despejam diariamente agem em conjunto com a mídias impressas e
conseguem penetrar nas subjetividades e nos sentimentos. As telas
conectadas em redes sociais, como Facebook, permitem a interação social e a
comunicação social em larga escala, por identidades construídas com imagens
pessoais que representem um “eu” online. Considerando o cinema como
desdobramento luminoso da tela, agora individualizada, proliferada e como
palco para atores sociais/virtuais, a atriz denominada ciborgue coquete cabe
nas palavras de Morin (1997) quando reconhece, na sua imagem, a essência
dessa personagem:
A imagem não é mais do que uma abstração: reduz-se a
formas visuais. Estas formas são, no entanto, suficientes para
que se reconheça o objeto fotografado. São sinais. Mas são
mais símbolos do que sinais. A imagem representa – é esse o
termo – restitui presença. Com efeito, é simbólico tudo aquilo
que sugere, contem ou revela outra coisa, ou algo mais do que
a si próprio. (...) Essas abstrações significativas são simbólicas
precisamente porque a madeixa de cabelos, o lenço, o
perfume, a fotografia, a metáfora, a cruz comunicam, não só a
ideia, mas a presença daquilo de que são apenas fragmentos
ou sinais. (MORIN, 1997, p. 197-198)
Morin, nesse caso, revela o caráter simbólico da imagem na metáfora
da fotografia e a força significativa que ela tem em seu poder de demarcar a
presença. Pensando no fato de o universo ciberfeminino ser basicamente
composto pela imagem, é a partir dela que a ciborgue coquete alimenta a sua
personagem online. Assim, atrizes que atuam no universo ciberfeminino
demostram a condição feminina amparada na simbologia pela fotografia da
63
imagem para “estrelar” a sua própria vida privada vinculada socialmente no
Facebook.
Sontag (1997) lembra que a fotografia pela tecnologia poderia significar
a disseminação da mentalidade que enxerga o mundo como potenciais
fotográficos, tal fato acrescentado ao narcisismo e ao individualismo configura
a essência da ciborgue coquete e o desempenho de sua visão de mundo que
consagra ela mesma como “estrela”.
Na decisão de como deverá ser uma fotografia e na escolha da
exposição adequada, os padrões sempre foram impostos.
Embora se pense que a câmera de fato sempre captura uma
realidade, sem interpretá-la, as fotografias se constituem
interpretações do mundo (...) Trata-se de um rito social, uma
defesa contra a ansiedade e um instrumento de poder.
Memorizar os feitos dos indivíduos membros de uma família (e
também de outros grupos) é o mais antigo uso popular da
fotografia. (SONTAG, 1997, p. 180-181)
Dessa forma, pelas imagens das fotografia digitais publicadas em rede
social, seguem reprodução virtual dos valores glorificáveis socialmente, que
nesta pesquisa se refere aos valores femininos. As ciborgues coquetes, como
as atrizes femininas por suas representações de online, apresentam a
individualização narcísica das forças sociais representativas do feminino, ao
mesmo tempo que interage socialmente na rede social, “compartilhando”
informações. Tal observação, nessa dissertação, está em conformidade com a
colocação de Lipovetsky e Serroy (2008) quando entendem que a tela
apresenta o “jogo com sua própria identidade” numa “segunda vida” de
conexões participativas como algo além do consumismo:
(...) A explosão das comunidades virtuais é, antes de tudo, a
expressão da hipertrofia bem real da individualização. (...) De
um lado é difícil não notar a dimensão profundamente narcísica
dessas trocas conectadas em que, muitas vezes, se trata
apensa de falar de si, de mostrar-se, de até mesmo exibir por
vezes os aspectos mais íntimos de sua vida privada. Mas de
outro lado, também existem os novos desejos de partilhas, de
expressões e participação, oferecendo uma imagem menos
redutora do individuo contemporâneo comparado ao
consumidor fanático: o individualismo hipermoderno não é
64
apenas consumista; é ao mesmo tempo expressivo, interativo,
participativo, está em busca de interação múltipla. Se o
consumo funciona com frequência como um consolo para as
misérias da vida, o novo tropismo comunicacional revela as
insatisfações da vida passiva absorvida pelo consumismo.
(LIPOVETSKY e SERROY, 2008, p. 79)
As estrelas da vida privada na rede social Facebook, de acordo com os
autores mencionados anteriormente, aparentemente estão inseridas nesse
contexto, interagem nas “múltiplas esferas” e utilizam o espaço virtual social para o
“consolo da angústia consumista e individualista”. Mas pode-se pensar a respeito de
encontrar abrigo no “tropismo comunicacional” de certas comunidades virtuais
femininas, como as investigadas, significa a busca apoiada na proteção de um colo
virtual, sem a possibilidade de uma concretude acolhedora.
A “comunidade”, como diz Bauman (2001), é uma palavra que sempre
remete ao conforto e à segurança. “Compartilhar” é outra palavra que pode
trazer conforto à alma quando se pressupõe que ela significa o contrário do
egoísmo. Mas essa análise em torno da ciborgue coquete e da condição
feminina na contemporaneidade verifica que esse “consolo”, na esfera virtual,
pode ocorrer pelo compartilhar individualidades e privacidades, por imagens e
mensagens. Isso significa que, sob o efeito digital da tela, a angústia é
dissolvida em sensações, por meio de palavras confortáveis que não dão conta
de seu real significado vivido na prática offline. Se Morin (1997) estuda a
“magia” da tela do cinema, Lipovetsky e Serroy (2008) tratam da figura
“mágica” das estrelas das telas. Ambos os autores atentam ao sentido
generalizado “do estrelato” na totalidade das formas de atividade em todos os
domínios. Isso fica claro quando dizem que o “próprio mundo entrou no sistema
da celebridade e que não é midiatizado não existe”. Assim, a mulher imaginada
para ser a atriz virtual em rede social não poderia fugir dessa tendência da
contemporaneidade. Isto é baseado no que estes dois últimos autores tratam
como “banalização e degradação da figura pura da estrela trazendo consigo
uma imagem de eternidade”, em que as representações das imagens
ciberfemininas seguem desejando para sua personagem virtual a inspiração,
na notoriedade e no brilho eterno, das estrelas verdadeiras.
65
Lipovetsky e Serroy (2008) ainda entendem que a estrelomania pode
ser vista como algo igualitário no imaginário: o enaltecimento o sucesso e o
individualismo. Mas, além de possibilidade democrática, o ideal feminino que
contempla esse culto ao sucesso, ao individualismo consumista, à maternidade
e à beleza feminina como projeto de identidade e de vida, é por Wolf (1992) e
por essa dissertação, considerado como um objetivo totalitário dos valores da
cultura de mercado contemporânea.
(...) Se a estrelomania não pode ser separada do formidável inchaço
da sociedade midiática, também não poderia ser explicada só por
este fator. A hipervisibilidade das pessoas revela o avanço do
imaginário igualitário, o culto do sucesso e dos valores individuais e
ao mesmo tempo o poder da cultura psicológica que acompanha a
dinâmica da hiperindividualização contemporânea (...). (LIPOVETSKY e
SERROY, 2008, p. 82)
Os autores contam com essas referências produzidas pela indústria cultural
de massa, como elo de comunicação e identificação e vetores de assuntos e
conversações. Porém a reflexão dessa dissertação a respeito das “estrelas” das
telas do Facebook é que a condição feminina contemporânea é carregada, os
autores chamam de “estrelomania”, e isso, como ressaltado anteriormente por esta
análise, conta com a base midiática sustentando e construindo a indústria das
celebridades. A esse respeito, os autores mencionam que:
(...) Fenômeno de massa. O interesse dirigido às celebridades
é o sinal manifesto de uma necessidade de personificação do
mundo impessoal do universo mercantil, bem como a expansão
do mundo do consumível e da moda com seu quinhão de
sonho e de evasão individualista (...). (LIPOVETSKY e SERROY,
2008, p. 86)
Quando esses autores falam sobre a hipermodernidade, colocam as
telas e a estrelomania como itens típicos da contemporaneidade
comunicacional. Essa forma de automarketing da mulher contemporânea em
suas expressões online, faz com que a imagem seja trabalhada de modo
autônomo pelos recursos tecnológicos e seus filtros de aperfeiçoamento do
registro da imagem. Desse modo, a ciborgue coquete pode ser atriz, produtora
66
e divulgadora de sua vida privada, conforme Lipovetsky e Serroy identificaram,
quanto ser possível na “galáxia comunicacional”, tornar-se “fotógrafo” paparazzi
do autoestrelato, registrando os consideráveis fragmentos enfáticos do
cotidiano da própria vida à ser publicado na rede.
Outro aspecto que o estudo das estrelas da vida privada na versão
ciborgue coquete no Facebook foi capaz de trazer pelos desdobramentos das
mídias inseridos na imaginação da construção da imagem feminina, foi a
“coisificação” da identidade como um produto de si.
Desde as telas do cinema até as das mídias móveis, esta coisificação
da imagem feminina é derramada na imaginação, absorvida
imperceptivelmente e assimilada sem contestação, de modo normalizado e
disseminado pela sociedade da cultura de mercado contemporânea. Mas, entre
o cinema como a raiz do encanto feminino interagindo imaginativamente com
as telas e a interação ativa online do feminino na prática com as telas, existe
um mecanismo inspirador e mantedor da condição feminina que ainda vem da
televisão. O artigo “La mujer, cosa de hombres – Rol de la mujer en la
televisión y sociedad”4 discute a análise do vídeo5 de Isabel Coixet, a respeito
da televisão e da imagem feminina:
Empezamos de una urgencia. La constatación que las mujeres,
las mujeres reales, están desapareciendo de la televisión y que
son reemplazadas por una representación grotesca, vulgar y
humillante. La pérdida nos parece enorme: la cancelación de la
identidad de las mujeres ocurre bajo la mirada de todos, pero
sin que haya una reacción adecuada, ni por parte de las
mujeres mismas. A partir de aquí, se abrió camino la idea de seleccionar las imágenes televisivas que tuvieran en común la
utilización manipuladora del cuerpo de las mujeres para contar
lo que está pasando no sólo a quien nunca mira la televisión,
sino a quien la mira, pero “no ve”. (COIXET, 2013, s.n.)
O recorte do feminino nas redes sociais aqui denominado de
ciberfeminino é fruto do padrão midiático que traça os valores físicos e morais
4 Disponível em http://ssociologos.com/2013/11/01/la-mujer-cosa-de-hombres-rol-de-la-mujer-en-la-
television-y-sociedad/ – Acessado em 01.11.2014, às 18h41. 5 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1teAJZE1ark – Acessado em 01.11.2014, às 18h47.
67
da feminilidade que são absorvidos pela fluidez constante de imagens
ditadoras destes contornos. Assim como a citação acima, a ciborgue coquete
demonstra uma exaltação passiva desta corrente e jamais questiona na rede, a
direção desta correnteza, a qual demonstra ter prazer em ser levada.
Todos esses mecanismos midiáticos são vetores das construções e
reconstruções das necessidades femininas, pois são sustentados
financeiramente e ideologicamente pela publicidade, na tentativa de atingir o
maior número de consumidores possíveis.
O brilho das “estrelas” midiáticas é o grande combustível para inspirar
e legitimar as construções dessas necessidades femininas, pois como
Lipovetsky (2006) explicitou: “Com as estrelas, a forma moda brilha com todo
seu esplendor, a sedução está no ápice da sua magia”.
A revista online Ssociólogos6, em uma publicação de Caroline Heldman
(2014), demonstrou esse fato, pela seleção de diversas imagens de
campanhas publicitárias que são capazes de atestar tais palavras por
mensagens, que implicitamente, aos olhos do senso comum, são carregadas
de violência simbólica.
Sin embargo, parece que es hoy en día cuando la cosificación
de la mujer se ha vuelto más relevante, en una sociedad
devorada por el consumismo y donde las mujeres han pasado
a convertirse una mercancía dedicada al disfrute,
generalmente, del hombre. Esta forma de violencia simbólica,
que resulta casi imperceptible, somete a todas las mujeres a
través de la publicidad, las revistas, las series de televisión,
las películas, los videojuegos, los videos musicales, las
noticias, la telerealidad, etc.¿ Pero en qué consiste realmente
la cosificación? Se trata del acto de representar o tratar a una
persona como a un objeto (una cosa no pensante que puede
ser usada como uno desee). Y más concretamente, la
cosificación sexual consiste en representar o tratar a una
persona como un objeto sexual, ignorando sus cualidades y
habilidades intelectuales y personales y reduciéndolas a meros
instrumentos para el deleite sexual de otra persona. (HELDMAN,
2014, s.n.)
6 Disponível emhttp://ssociologos.com/2013/07/16/representacion-de-la-mujer-en-los-medios-cosificacion-
sexual/ – Acessado em 28.10.2014, às 13h31.
68
Na sociedade de mercado da cultura ocidental contemporânea,
conforme a ideia apresentada anteriormente, os valores mercadológicos ficam
introjetados nos espíritos dos atores sociais contemporâneos e convertem
facilmente a imagem da mulher em mercadoria dedicada ao desfrute do outro.
Na imagem apresentada a seguir, a foto com as modelos da campanha
global da marca americana de roupas íntimas Victoria Secret pode ser vista, de
acordo com o entendimento de Heldman, como exemplificação da construção
midiática das estrelas, desempenhando a força imaginativa nos referenciais de
construção do feminino, a fim de criar um padrão homogêneo de feminilidade
para, assim, garantir sucesso e lucro no mercado globalizado de vendas.
7
Essa imagem de modelos brasileiras, com exceção da primeira e da
terceira, protagonizando o ensaio das campanhas publicitárias da marca global,
em questão, demonstra que todas, quase igualmente seguidas, atendendo a
um mesmo padrão com diferenças leves nas nuances entre cor de pele e
cabelo. Isso, segundo Heldman, retira o valor individual de cada mulher.
Considerando as análises sobre o ciberfeminino apresentadas nessa pesquisa,
é possível constatar a fabricação de uma espécie de latifúndio feminino, pelos
modelos que a cultura contemporânea de mercado defende como “belo”.
Publicidades, como essa da Victoria Secret, garantem contratos
milionários para essas modelos venderem, além de roupas íntimas, cremes,
7 Disponível em http://images4.fanpop.com/image/photos/16100000/Victoria-s-Secret-Angels-victorias-
secret-angels-16195655-2494-1700.jpg – Acessado em 28.10.2014, às 17h.
69
perfumes, joias entre outros, reforçando o conceito de que as mulheres se
comparam a objetos fungíveis. Ainda, segundo Heldman, isso se repercute na
homogeneização da feminilidade para consumo, atendendo ao objetivo de
“quanto mais, melhor”, na esfera dos prazeres típicos da cultura
contemporânea de mercado.
Na imagem a seguir, oriunda do armazenamento coletado para
análises de perfis pessoais representativos do ciborguismo coquete, há certos
aspectos, por exemplo, da incorporação individual dos preceitos de
feminilidade, anteriormente levantados.
Nessa imagem representativa do coquetismo online, a postura, os
cabelos esvoaçantes e o corpo iluminado na lancha, sob o desenho das ondas
realizado pelo motor, obviamente não tem toda a carga de glamour do espírito
Victoria Secret, mas também demonstra claramente a aproximação dessa
imagem a esse espírito, quando o automarketing trabalhado para essa
personagem desempenha, a exposição sensualizada no corpo em pose,
acompanhados do signo de “sucesso e riqueza” à feminilidade. Esse signo, na
foto acima da Victoria Secret está na joia que se acopla às luvas nos corpos
nus da top models, ao passo que na foto anterior, de Simone Navegante, no
Facebook, o signo de valor, sucesso e usufruto da cultura de mercado é posar
de “estrela” na lancha desenhando o mar.
70
A análise de Lipovetsky e Serroy (2008), inspira pensar o Facebook
como um grande recurso da “galáxia comunicacional”, é um mecanismo que
permite reforçar e naturalizar a exposição dos corpos femininos como modo de
liberdade e sensualidade, e com os referenciais de sucesso inseridos, levando
justamente ao que Heldman, como demostrado anteriormente, colocou sobre a
coisificação em série e a homogeneização do feminino.
No perfil de Pollianna Alves são encontradas as mesmas
características, embora apresentadas de maneira diferente, pois se trata de
outra atriz ciborgue coquete. Seguindo o padrão homogêneo de feminilidade,
trata-se de outra “estrela” da vida privada usufruindo do que é valorizado
midiaticamente na base de valores das altas classes sociais, reproduzindo a
estética da alegria e da beleza, construídos e enaltecidos pela cultura de
mercado contemporânea.
Na revista online Ssociólogos8 foi publicada uma entrevista com
Bauman (2014), em que o autor responde sobre o conceito de celebridade e
estrela na contemporaneidade líquida, trazendo uma análise bastante
apropriada a essa dissertação, quando se trata da condição feminina pelas
perspectivas da sociabilidade online.
Segundo as respostas de Bauman (2014), é possível verificar que o
formato de sociabilidade está convertido numa rede, em que cada um segue
participando individualmente. Nas redes de comunidade virtual, como o
Facebook, o vínculo real (não virtual), muitas vezes, é inexistente e atende, no
8 Disponível em http://ssociologos.com/2014/10/05/conversacion-con-zygmunt-bauman-el-culto-de-las-
celebridades-en-la-sociedad-liquida/ – Acessado em 29.10.2014, às 18h45.
71
máximo, ao que o próprio Bauman (2001) apresenta como comunidade
estética, conforme colocado anteriormente.
A sociabilidade online que o autor chama de rede é considerada um
lugar com as portas sempre abertas, em que qualquer pessoa pode aceitar ou
recusar. Nesse jogo de relações, o indivíduo, colocado que Bauman mostra, é
reconhecido aqui como a ciborgue coquete atendendo as mesmas
inseguranças, relacionadas ao aumento do medo de “ser abandonada” e
“condenada ao ostracismo”, nesse universo de imagens construídas e
divulgadas.
Desse modo, o fluxo das celebridades das telas e a magia digital da
vida virtual, pela pesquisa desenvolvida, podem direcionar um olhar que
reconhece o aumento do medo, da insegurança, da carência e da
autoaceitação feminina, camuflados na rede social, na satisfação da
necessidade quantificada em “curtir”, e aos comentários elogiosos que seguem
a publicação.
Bauman, nessa respectiva entrevista, salienta que:
Hoy todo ha cambiado. ¿Crees que si René Descartes hubiera
vivido en esta época, habría cambiado el famoso lema “Pienso,
luego existo”, por “Me veo en la tele, luego existo”, y luego “Yo
tengo mi propia página web, luego existo”. (BAUMAN, 2014,
s.n.)
Tal como é mencionado no pensameto de Bauman e estendendo para
o contexto dessa dissertação, pode-se dizer que: “tenho meu perfil no
Facebook, logo existo”. E, nessa dimensão da sociabilidade online, o pensador
crítico da contemporaneidade discorre sua análise verificando que a criação do
conceito de celebridade mudou de percepção das identidades, pois as
celebridades líquidas e contemporâneas são percebidas comuns e com
“biografias pessoais” muito próximas de seu público.
O desenvolvimento desse trabalho investigativo, sobre o que é
chamado ciberfeminino, coincide com o olhar analítico de Bauman nessa
72
entrevista, em que o autor se refere à construção desse conceito do estrelato e
da celebridade, sob a plataforma de um grande negócio, incentivado pela
vigente cultura de mercado feminina.
A mulher contemporânea, signo da feminilidade, imaginada
pessoalmente e socialmente como atriz social/virtual, está também de acordo
com as palavras dispensadas pela antropóloga Dolores Juliano (2014) que, em
outra entrevista concedia á revista Ssociologos9, diz que mesmo quando a
figura feminina acredita que alcançou a liberdade, ela ainda tem a autonomia
de sua sexualidade perseguida:
Se persigue la sexualidad autónoma de las mujeres. Está bien
visto que la mujer sea coqueta, que tenga interés por ser
atractiva y deseable, que esté enamoradísima del marido y
viviendo para servirle y procrear y se penaliza que sea
consciente de que su sexualidad forma parte de sí misma y que
la utilice como ella quiera. Es la autonomía lo que está mal
visto, no solamente en materia de sexualidad, sino en otros
muchos aspectos. La disidencia de las mujeres se castiga más
que la de los hombres. (JULIANO, 2014, s.n.)
Segundo Juliano e o sentido que o ciberfeminino pode convergir com
essas palavras, fica evidente a sociedade legitimando para estrela da vida
privada, o sentido primordial para coquetismo, o despertar do desejo. Ao
mesmo tempo, pelo poder da tradição, se vê o ciberfeminino norteado por
valores, em que se clama enamorar o marido e desempenhar sua função de
procriar. De outro lado, no quesito da autonomia da sexualidade, assim como
em outros aspectos, os quais a mulher apresenta-se como dissidente de tais
valores anteriormente colocados, a sociedade reage contra ela e a aplica o
castigo do estigma.
Na família tradicional hétero normativa, a mulher torna-se a “moral” da
família. Esse modelo, ainda persistente como um valor, exerce o poder de
controle, observação, punição, bem como já mencionado, todo processo de
estigma exercido pela sociedade, desdobrando-se no contexto virtual.
9 Disponível em http://ssociologos.com/2014/04/02/dolores-juliano-el-cine-la-television-o-las-revistas-del-
corazon-generan-modelos-de-mujer-y-de-hombre-muy-poco-cuestionadores/ – em 28.10.2014, às
21h41.
73
Revendo a ideia do “adestramento” exercido pelas mídias no ideal e na
condição feminina contemporânea, a comunicação da publicidade se releva no
estímulo do consumismo e, como demonstrado ao final do capitulo anterior, o
ideal de mulher a transforma numa mercadoria no sentido que Bauman (2007)
coloca de se remodelar na lógica dos “produtos capazes de obter atenção e
atrair a demanda de fregueses”.
Como todo produto pede uma ação de marketing, as redes sociais
servem como palco ideal de divulgação dessa capacidade que a tecnologia
proporcionou de automarketing social/virtual; visível pelos dados analisados e
pelas imagens apresentadas no primeiro capítulo. Desse modo, conclui-se que
a publicidade institucionalizada é grande responsável por criar os estímulos
com poder persuadir e impor identidades femininas que seguem o seu padrão,
instrumentalizando os desejos, as personalidades e estilos de vida.
Os registros e publicações das poses inspiradas pela sensualidade e a
relevância das curvas femininas, nas imagens em rede social, fazem da
ciborgue coquete uma consequência e um instrumento das forças coercitivas
da identidade feminina midiática.
Esse ângulo de visualização da condição feminina nas esferas midiáticas
está em consonância com um artigo da revista impressa espanhola Pueblo10 (2005),
em que Walzer e Lomas mencionam em seu respectivo artigo que:
De esta manera, el decir de los objetos (la estética de la
publicidad) se convierte en una astucia comunicativa orientada
no sólo a exhibir las cualidades de los productos sino también,
y sobre todo, en una eficacísima herramienta de construcción
de la identidad sociocultural de los sujetos (la ética de la
publicidad). (WALZER e LOMAS, 2005, p. 18-19).
A citação anterior, desdobrada para a análise do ciberfeminino na rede
social Facebook, faz entender que além de a publicidade lançar só “as
qualidades do produto”, ela é uma ferramenta que constrói a identidade,
10
Revista Pueblo (2005) nº 15/ março de 2005, pp. 18 y 19.
http://www.mujeresenred.net/spip.php?article694 23/11/1014 às 21h32.
74
impulsionada a mostrar apenas o que reconhece como qualidade, na
teatralidade online.
A performance da teatralidade virtual é um aspecto importante nessa
dissertação quando diz respeito ao contexto das relações sociais
contemporâneas na esfera comunicacional desdobrada ao contexto virtual de
sociabilidades pelas personagens femininas online. Pelas expressões
ciberfemininas e seus grupismos virtuais, é pertinente estudar a sociedade
ressignificada digitalmente, mas atento às colocações de Simmel (2006)
quando trata a sociedade como:
(...) um conceito abstrato, mas cada um dos incontáveis
agrupamentos e configurações englobados em tal conceito é
um objeto a ser investigado e digno de ser pesquisado, e de
maneira alguma podem ser constituídos pela particularidade
das formas individuais de existência. (p. 25)
As possibilidades de convergência entre as palavras de Simmel e os
agrupamentos compostos pelas comunidades virtuais no Facebook ainda se
estendem quando ele considera:
“Seguramente que cada um desses indivíduos tem seu
comportamento conduzido por um outro, cujo o desenvolvimento é
de algum modo diferente, e provavelmente nenhum se comporta
exatamente como o outro; em nenhum indivíduo se encontram
postos, lado a lado, o elemento que o iguala e o elemento que o
separa dos demais; ambos os elementos constroem a unidade
indivisível da vida pessoal.” (p. 11)
Desse modo, indivíduos agrupam-se socialmente e virtualmente de
acordo com a identificação ou na inspiração conduzida pelo outro, fato que se
mostra evidente no padrão de feminilidade vigente e presente nas personagens
ciberfemininas. Reconhecendo o sentido relacional do Facebook como
desdobramento dos preceitos sociais históricos digitalmente atuados, as palavras de
Norbert Elias (1993) ilustram a falta dos “modelos conceituais” que possam dar conta
da compreensão do conjunto dos indivíduos isolados e virtualmente agregados em
grupismos online pelas infinitas possibilidades de comunidades virtuais no Facebook.
75
“O que nos falta – vamos admitir com franqueza – são modelos
conceituais e uma visão global do qual podemos tornar
compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos
diariamente na realidade, mediante os quais possamos
compreender de que modo um grande número de indivíduos
compõem entre si algo maior e diferente que uma coleção de
indivíduos isolados (...)”. (ELIAS, 1993, p. 17)
Partindo dessa premissa de Elias, esse trabalho investigativo em
comunidade virtuais na rede social Facebook buscou voltar um olhar
investigativo que pudesse penetrar além das superficialidades que as imagens
e mensagens respectivas das comunidades representam. Tais comunidades
são coleções de personagens virtuais individualizados e isolados, mas
socialmente conectados na dimensão online por seus aparatos eletrônicos,
conforme o primeiro capítulo foi capaz de demonstrar na apresentação do
contexto contemporâneo na hibridez da tecnologia em ação direta com o corpo.
É na ação individual com o foco concentrado nas telas interagindo com
atores virtuais em redes sociais digitais onde a prática da relação no ambiente
social/virtual segue o que Bauman (2001) coloca como o refúgio tecnicamente
controlável de um mundo que, na verdade, é sem controle.
O consumo (de) e tecnologia são duas formas de tentativas de controle
do mundo, e as ciborgues coquetes, em suas imagens virtuais compostas
pelas fotografias digitais publicadas na rede, atendem ao que Sontag (1997)
mais uma vez acusa como papel das fotografias: “ajudar a conquistar o espaço
e onde se sentem inseguras”. A imagem fotográfica, para a autora, tem poder
“bidimensional”. E quando diz que a fotografia são “miniaturas de realidades”,
remete-se à condição do Facebook, em que as imagens imperam um contexto
perceptivelmente bidimensional das infinitas realidades em telas digitais.
A próxima comunidade feminina investigada no Facebook faz jus ao que a
cultura de mercado repercute para mulher na base do consumo e da imagem; é
composta por individualismos femininos, mulheres que “curtem” e “compartilham”
suas “realidades em miniaturas”, como mensagens em torno da vaidade e do poder
da “feminilidade” como necessidade constituinte da “mulher perfeita”.
76
2.2. “As Mulheres Perfeitas”
11
Por meio da comunidade virtual “Mulheres perfeitas”, conhecemos a
comunidade “mulheres que oram”, pelo fato de compartilhar de modo constante
suas mensagens. Porém “mulheres oram” não compartilha mensagens de
“mulheres perfeitas”, por esta apresentar características de feminilidade e
sensualidade em torno do consumo, da vaidade e da estética. Entre as
mensagens, encontram-se algumas de “fé e esperança”. “Mulheres perfeitas”
faz o que George Bataille (1987) propôs na procura das possiblidades entre a
coesão da santa e do sensual.
O espírito humano está exposto às mais surpreendentes
injunções. Constantemente ele teme a si mesmo. Seus
movimentos eróticos o apavoram. A santa afasta-se com terror
do sensual: ela ignora a unidade das paixões inconfessáveis
deste último com as suas. Entretanto, é possível procurar a
coesão do espírito humano, cujas possibilidades vão da santa
ao sensual. (BATAILLE, 1987, p. 131-132)
Nessa comunidade, a “mulher perfeita” não usa sua sensualidade de
forma erótica a funcionar como transgressora dos valores instaurados no senso
comum. Ela mostra, pela comunidade online, que sua sensualidade está
11
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts – Acessado em 15.10.2014.
77
atrelada aos valores conservadores e tradicionais em torno do casamento, da
família e dos filhos e é construída pelas referências já estruturadas
midiaticamente em que a beleza e sensualidade são instrumentalizadas para
agregar valores da ordem da sociedade patriarcal. Tal ordem, em sinergia com
a cultura de mercado contemporânea, reforça ainda mais a mulher como
produto da mídia e dos pilares tradicionais da religião, pois a
contemporaneidade valoriza o consumo e o sagrado, e é nessas esferas que a
atriz social/virtual tem suas inspirações. Diante desse diagnóstico, sob o olhar
de Bataille, essa dissertação observou na rede social Facebook, que a “mulher
perfeita” é a “santa sensual”. Portanto, essa comunidade virtual feminina
selecionada para o estudo etnográfico traz a divulgação dos artefatos estéticos
como imprescindíveis para a construção do que é tratado como coquetismo
ciborgue. É essa comunidade a que mais desempenha atividades de
publicações, se comparada com as outras analisadas. Muitas vezes a
velocidade de postagens chega a ser de hora em hora, sendo mais trinta posts
por dia sobre publicidade de moda, estética, retratos de bebês “coquetes” do
sexo feminino; entre as mensagens indiretas de autoajuda e de religião.
“Mulheres perfeitas” é uma comunidade virtual em que é refletida a
divindade feminina, conforme Wolf (1992) chama de “Ritos de Beleza”. As
publicações que a comunidade compartilha estão entre aquelas que
repercutem o consumismo para construção da feminilidade; com os seguintes
elementos: maquiagens, unhas postiças, óculos, bolsas, esmaltes e vestidos.
Eles são apresentados como os elementos sagrados para a composição da
cultura contemporânea feminina de mercado. Onde os adornos e rituais
seguem funcionando como garantidores das cores e dos estilos que
simbolizam as coquetes físicas e virtuais.
Esse estudo recorre aos “ritos de beleza” que Wolf apresenta em sua
bibliografia e essa dissertação recorta em mensagens símbolos desse
contexto. Percorrendo a comunidade virtual “mulheres perfeitas”, encontram-se
esses itens simbólicos em forma de postagem apresentados pelas infinitas
sugestões de consumo para construir a “beleza” da cultura de mercado
feminina e exibi-la socialmente, principalmente do desdobramento da
sociabilidade online pela rede social.
78
Tais traços podem ser mapeados não só nessa comunidade, mas na
maioria daquelas destinadas ao público feminino. Independente da raça ou da
religião, a beleza feminina busca ser cultuada sem muitos questionamentos.
Técnicas de sustento para esse culto se fazem presentes historicamente desde
as revistas e publicidade feminina, até os programas televisivos destinados às
mulheres sempre recheados de conteúdo culinário ou relacionando a mulher à
maternidade e vaidade.
Esse hábito em torno da beleza com seus rituais e sacrifícios é tão
endeusado e totalitário que se firmou, segundo Wolf (1992), sobre uma “raiz de
catolicismo falsamente medieval” e assim, acumularam elementos de outras
correntes religiosas, bem como ela explica a seguir:
(...) Ritos da Beleza foram acumulando alguns novos
elementos: um luteranismo em que as modelos de moda são
as Eleitas, e as restantes de nós as Amaldiçoadas; uma
adaptação episcopal às exigências do consumismo, na qual as
mulheres podem aspirar ao paraíso através de boas obras
(lucrativas); um judaísmo ortodoxo de compulsões à pureza, na
exegese minuciosa e trabalhosa de centenas de leis com seus
comentários sobre o que comer, o que vestir, o que fazer ao
corpo e em que momento; e um núcleo baseado nos mistérios
elêusicos na cerimônia da morte e do renascimento. Por cima
de tudo isso, foram fielmente adaptadas as técnicas de
doutrinação das seitas modernas. Suas grosseiras
manipulações psicológicas ajudam a conquistar adeptos numa
era refratária a profissões de fé espontâneas. Os Ritos da
Beleza conseguem isolar as mulheres tão bem, porque ainda
não é publicamente reconhecido que as devotas estão presas
a algo mais sério do que uma moda e de maior penetração
social do que uma deformação pessoal da própria imagem. Os
Ritos ainda não são descritos em termos do que realmente
representam: um novo fundamentalismo que transforma o
Ocidente secular, tão repressor e dogmático quanto qualquer
réplica sua no Oriente. À medida que as mulheres vão lidando
com uma hipermodernidade à qual só recentemente foram
admitidas, uma força que é de fato uma hipnose de massa
lança sobre elas seu peso total para forçá-las a uma visão de
mundo medieval. (WOLF, 1992, p. 115-116)
Pela comunidade “mulheres perfeitas” e considerando as palavras de
Wolf, é possível verificar que a condição feminina se encontra no
79
desdobramento do sagrado à divindade da “beleza”; criada, desenvolvida e
propagada pela cultura de mercado e suas bases tradicionais e patriarcais
constituídos como um plano de modelagem para a “perfeição” do feminino
contemporâneo. No respectivo livro, ilustra-se esta condição feminina
socialmente construída, equiparando-a ao extremo antifeminismo, que marcou
historicamente a recente época. Conforme Wolf, o antifeminismo recente
equipara-se àquele baseado na tríade de Eva, Maria e Madalena, conforme a
época medieval. De volta à contemporaneidade, essa sacralidade medieval
que Wolf menciona foi desdobrada, na devoção do “mito da beleza” e sua
abrangência de pertinência, possui uma condição de atuação totalitária.
Wolf ainda elabora sua crítica sobre “a ideologia da beleza”, alegando
que ela é a última das ideologias femininas com capacidade de controlar os
ideais que a segunda onda do feminismo quase tornou incontroláveis. Essa
ideologia foi ideal para assumir o poder de coerção que antes estava ligado aos
mitos da “maternidade, castidade e passividade”, mas a contemporaneidade,
pelos dados coletados entre os perfis pessoais e comunidades virtuais
femininas na rede social, incapacita esta atuação crítica de visualizar a
realidade feminina. Desse modo, segundo Wolf, ocultamente, a ideologia da
beleza destrói a psicologia do feminismo e aniquila sua herança de maneira a
institucionalizar a discriminação com base na aparência da mulher. Segundo
ela, o modelo de magreza das modelos, bem como o padrão “sarado” das
atrizes conquistados em academias tomaram o lugar da “dona de casa
realizada” como mediador do feminino bem-sucedido.
A autora nivela o totalitarismo do mito da beleza feminina na mesma
esfera dos dogmas religiosos, suas técnicas de lavagem cerebral e cultos
suplantando sua funcionalidade nos rituais tradicionais. Com a destruição do
monopólio dos produtos de limpeza e seu ligamento midiático com o lado
doméstico do feminino, desempenhado pela inspiração das feministas liberais,
as indústrias da dieta e dos cosméticos tomaram os lugares como “novos
censores” dos espaços intelectuais da mulher. É quando a mulher começa a
ser vinculada com a beleza produzida, construída indiretamente manifestado
na sexualidade e na sensualidade, objetificados de modo a minar o “recém
adquirido e vulnerável amor próprio sexual”.
80
O quadro a seguir, com um conjunto de algumas das sequências de
publicações de “mulheres perfeitas”, pode mostrar como a noção desse
feminino discorrido por Wolf é popularmente instrumentalizado para ser
incorporado e difundido pelas meninas, desde a primeira infância:
12
Entre os aspectos da vaidade e do consumismo feminino, as imagens
anteriores apresentam certos “fetiches” representativos da composição da mulher sob
os aspectos da construção da beleza, fortificada pelas antigas mídias e suas revistas,
comerciais, novelas, filmes e outros programas que seguem trabalhando o imaginário
da representação do que é ser mulher na contemporaneidade. Com relação a isso,
Morin (2011, p. 73) explicita a penetração:
(...) O imaginário é um sistema projetivo que se constitui em
universo espectral e que permite a projeção e a identificação
mágica, religiosa ou estética.
12
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos_stream ts – Acessado em
15.10.2014.
81
Tal citação justifica o porquê de as comunidades “mulheres que oram”
e “mulheres perfeitas” alcançarem mais de um milhão de adeptas, segundo os
dados da própria comunidade. Mas voltando ao foco de “mulheres perfeitas”, a
ironia está presente em muitas mensagens postadas, um exemplo está no
ícone que leva imagem de “Einsten” reivindicando o uso do cérebro, em meio a
milhares de mensagens que contemplam o consumismo e o “coquetismo”,
muitas vezes estimulado já no projeto e na projeção de uma filha menina.
Assim a comunidade virtual “mulheres perfeitas” pode representar a
expressão de uma democratização irreflexiva dos “rituais de moda” e beleza,
extrapolando classes e idade. Gill Lipovetsk (2006) já se atentava a isso no
processo histórico da esfera das classes sociais:
(...) A continuidade na qual a moda feminina se inscreve é
ainda mais manifesta se consideram a maquiagem e os
cuidados de beleza. Desde o fim da primeira Guerra Mundial,
as sociedade modernas conhecem um crescimento constante
do consumo dos produtos dos produtos cosméticos, uma
extraordinária democratização dos produtos de beleza, uma
voga sem precedentes de maquiagem. Batons, perfumes,
cremes, pinturas, esmaltes, produzidos industrialmente em
massa e a baixo preço, tornaram-se artigos de consumo
corrente, cada vez mais utilizados em todas as classes da
sociedade, depois de terem sido durante milênios artigos de
luxo reservados a um pequeno numero. Sem duvida ha
modificação no mercado dos produtos de beleza, que agora
demostram uma preferência maior pelos produtos de cuidado e
tratamento do que pelos produtos de maquiagem. Ocorre que
uma forte demanda de massa dirige-se sempre para as bases,
produtos para unhas, bases e óleos (...). (p. 134)
De acordo com essa investigação sobre os desdobramentos oriundos
da democratização e da construção estética feminina, esse acesso vem de
acordo com a cultura de mercado e patriarcal, a qual impõe essa construção da
“beleza” como hábito de “cuidar de si” como molde de um produto de si
mesma. Tal fato aponta a direção do uso instrumental da beleza idealizada,
ritualizada e desejada.
82
Diante de outros “posts”, de uma maneira geral, observa-se a pressão
social do casamento e a obrigação da maternidade (pelas inúmeras roupas
para bebês “femininas”) surtindo nos efeitos da rivalidade entre mulheres em
muitas postagens de “mulheres perfeitas”. Essas mensagens que a
comunidade dispensa são rapidamente compartilhadas e servem de “indiretas”,
uma vez que sempre são apresentadas de modo agressivo ou sarcástico.
Esses tipos de mensagens podem ser representativos como símbolos
de competitividade pelo homem, entre as mulheres, mediados pelas dicotomias
boa, má; feia e bonita; amiga, inimiga. Percebe-se tal fato presente, mesmo
entre mulheres na fase adulta, pois, conforme os dados a seguir, oriundos
dessa comunidade, ela não se compõe por adolescentes.
83
Fonte:https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/likes
Assim, mesmo numa fase considerada entre jovem e adulta, muitas das
publicações relembram as fase da adolescência, quando há indiretas e frases que
levam a ideias de superioridade são amplamente compartilhadas. Um feminino
infantilizado pode ser reconhecido nas expressões das comunidades virtuais
“mulheres que oram” e “mulheres perfeitas”. Na primeira, é demostrado um
comportamento pueril nas colocações de suas publicações, e ao mesmo tempo faz
apologia a uma feminizacão precoce da infância da menina.
Ao checar os históricos das comunidades pesquisadas e as outras
adjacentes no ícone “feed das páginas”, localizado ao lado esquerdo da
interface azul do Facebook, uma “postagem” da comunidade de “Mari del
Priori”13 (2014) chama atenção com o texto “mulheres contra mulheres”, por se
encaixar na leitura que esse estudo etnográfico realizou em torno da
comunidade virtual feminina “mulheres perfeitas” do Facebook:
(...) A mídia e as redes sociais vêm expondo um problema
velho: a violência ENTRE mulheres. O bullying praticado contra
aquelas colegas que não correspondem a determinado padrão
de beleza se tornou mania. O motivo é fútil e supérfluo, mas,
as consequências, não. Jovens ficam marcadas e sofridas, o
que não é pouco, naquela fase da vida que os poetas creem
que lhes oferece todos os possíveis. Mas a crueldade entre
mulheres não é novidade (…). (Mary del Priori - Facebook )
13
Disponível em: <<https://www.facebook.com/MaryDelPriore1?fref=ts>> Acessado em 23/10/2014.
84
Desse modo, “mulheres perfeitas” trazem a ideia de que esse tipo de
violência entre meninas ainda se faz presente entre jovens e adultas.
A beleza, conforme essa análise desenvolvida sobre o feminino na rede
social, também retratada pela ciborgue coquete, no universo das relações online,
desenvolve-se respeitando um modelo midiaticamente construído de feminino. Assim,
o ideal de beleza estabelece um parâmetro de conduta feminina que estigmatiza a
outra e gera competição, na busca de posição de exclusividade no “mercado do
casamento”. Isso fragmenta o feminino e o torna cada vez mais individualizado, pois
se busca a pretensão de ser a “escolhida”, a “número um” ou a “principal” na
composição de um casal, e no olhar social, o que justifica as postagens que exaltam
o anseio de superioridade de umas sobre outras.
Competição, vaidade, casamento e fé são características das
“mulheres perfeitas” e essa comunidade virtual reflete a violência simbólica que
existe por trás desses preceitos, em que as relevâncias das características
femininas se mostram estar bem mais na esfera estética que na esfera ética ou
intelectual. Isso gera conflito, pois existe o sonho feminino do casamento e a
coletividade feminina é uma coletividade de indivíduos femininos dispostos a
competir para se tornar “a escolhida” ou a “número um”, sob os preceitos
orientados sobre as diretrizes do mercado publicitário de conquista do
consumidor. Isso não é um fato social contemporâneo, mas uma persistência
de matriz tradicional do casamento monogâmico que permeia o ideal social
feminino medindo sua qualidade em torno do que é considerado belo e ideal
para agregar valor à mulher.
Esse totalitarismo na construção da beleza na cultura de mercado não
respeita a emergência de uma beleza heterogênea e se estrutura em moldes e
padrões que as que não se adequam “devem se adequar”, lançando, assim,
inseguranças, conflitos , estigmas e desmerecimentos impróprios.
A esfera de sociabilidade virtual no Facebook, quando apresenta as
publicações da comunidade virtual “mulheres perfeitas” e a movimentação do
compartilhamento de mensagens entre suas adeptas, remete, mais uma vez,
ao mito da beleza de Wolf e as hostilidades que o ideal de belo da cultura
85
patriarcal de mercado produz como violência simbólica entre as próprias
mulheres, sem que muitas vezes elas tenham noção da agressividade
desempenhada pela cultura feminina contemporânea vigente, conforme o
pensamento de Wolf (1992).
O nosso rosto e o nosso corpo se transformam em
instrumentos para castigar outras mulheres, muitas vezes
usados sem o nosso controle e contra a nossa vontade.
Atualmente, a "beleza" é um sistema econômico no qual
algumas mulheres descobrem que o "valor" do seu rosto e do
seu corpo entra em choque com o de outras mulheres, apesar
da sua vontade. Essa comparação constante, na qual o valor
de uma mulher flutua por meio da presença de uma outra,
divide e conquista. Ela força as mulheres a uma crítica
penetrante das "escolhas" que outras mulheres fazem com
relação à aparência. No entanto, esse sistema que lança as
mulheres umas contra as outras não é inevitável. Para superar
essa capacidade de divisão, as mulheres terão de destruir um
grande número de tabus que proíbem que se fale dela,
incluindo aquele que não permite que as mulheres falem do
lado escuro de ser tratada como um belo objeto. (p.38)
Conforme a autora finaliza seu raciocínio, a falta de coragem em
encarar o lado escuro da condição objetificada feminina deixa espaço para
essa condição ser preenchida pelo sonho do casamento e da maternidade, ou
pela busca inútil da beleza estonteante que as revista e a televisão defendem e
vendem como a síntese símbolo da imagem das “mulheres perfeitas”.
Isso fica claro, resumindo o sentido das fluidas postagens das imagens
de esmaltes, roupas, vestidos de noivas, indiretas para rivais, autoajuda,
orações, joias e mulheres com pouca vestimenta mostrando os corpos
femininos musculosos moldados por exercícios. A comunidade “mulheres
perfeitas” inspira fortemente esta objetificação normalizada e evidente no
decorrer constante da figura da mulher, associada a produtos para vaidade. Tal
situação comumente incorporada impede um posicionamento crítico e a
reflexão dessas superficialidades à consciência da real condição feminina.
Como se a vaidade e os pilares tradicionais da família e do casamento,
fortemente estimulados pela cultura de mercado, não abrissem brecha nem
tempo para nada além dessa visão.
86
Essa parte da pesquisa relembra novamente o conceito de “estigma”
de Goffman14 (1988) para retratar a depreciação superficial que as mulheres
são passíveis de dispensar umas às outras. Como consequência e precaução
desses níveis de críticas, as coquete ciborgue recorrem às tecnologias para
“aperfeiçoar” a aparência presencial ou digital. Desse modo, atingir a
normalidade feminina é o que o autor considera como não só uma questão de
“status” do normal, mas uma “transformação do ego”.
A rivalidade entre as mulheres apresentada em formas de “indiretas”
em postagens compartilhadas pelas seguidoras de “mulheres perfeitas” é
causada pelo empoderamento estético da beleza, como pode demonstrar
essas frases compartilhadas pela comunidade e sua análise etnográfica:
“Eu só tenho amigas lindas, porque as feias me detestam”.15
Na realidade, a frase reforça o individualismo exacerbado, próprio da
cultura de mercado demostrando fragmentação do feminino desunido em rixas
entre “belas e feias”.
“Como existem cobras no mundo!”
Dizia essa outra postagem com 288 compartilhamentos16. Sempre com
imagens de desenhos ilustrativos ou sob o pano de fundo composto de
desenhos ou mulheres dotadas da beleza de padrões midiáticos, essas
mensagens são publicamente compartilhadas, mas com uma direção de
sentido a outras mulheres, as quais demostra perigo, sobre o maldizer da moral
das protagonistas das vidas privadas publicamente compartilhadas em rede
social online.
“Mulheres perfeitas” é uma comunidade que enaltece a mulher que se
constrói no âmbito da validação do olhar social, principalmente masculino. Por
14
Goffman, Erwin (1988, p. 18-19) explica a característica geral do indivíduo estigmatizado baseada na
frequência da “aceitação”. Os que tem relações com ele não conseguem dar o respeito e a consideração
que os aspectos contaminados de sua identidade social. Assim, ele tenta se corrigir de várias formas
visando ser “aceito”. 15
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos/pb.266266190107705.-
2207520000.1411426213./751881818212804/?type=3&theater – Acessado em 26.12.2013, às 18h50. 16
Disponível na comunidade “mulheres perfeitas. Acessado no dia 22.09.2014, às 00h38.
87
isso, foi selecionada para esse estudo como exemplo da tradição patriarcal
intrínseca ao fator da liberdade de se conectar e consumir para garantir a
personagem de si. Essa personagem se produz diante o olhar que inspira, ao
mesmo tempo que julga e compete, criando um jogo de relações conflituosas
explicitamente visíveis na sociabilidade virtual.
Certas mensagens inspiram uma revanche sobre alguma outra mulher
ou certamente entre algum ex afeto presente entre os “amigos” em conexão. A
interpretação dessas mensagens, na maioria das vezes, propicia um sentido de
busca de uma autoestima baseada na superioridade de umas mulheres sobre
as outras. São mensagens de “indiretas” publicadas socialmente, embora
tenham diretamente um alvo pessoal. Carregado de um humor sarcástico,
maldoso e, muitas vezes, prepotente, essas publicações dimensionam a
competição e o conflito entre mulheres, além de dar a entender que isso ocorre
por problemáticas afetivas, nas quais uma ameaça a felicidade e a estabilidade
de outra. Isso pode ser visualizado na mensagem postada por “mulheres
perfeitas” a seguir:
88
A mensagem anterior, com mais de um mil e duzentos
compartilhamentos17, demonstra, mais uma vez, a reação dos processos
conflituosos da vida cotidiana, expostos publicamente, originados das
experiências femininas individuais. Esse hábito virtual de compartilhar, postar e
curtir é o que alimenta o conteúdo do papel das ciborgues coquetes como
atrizes virtuais/sociais, apresentando suas vidas individuais publicamente em
redes sociais online.
O comportamento feminino no ciberespaço é o reflexo digital do
comportamento controlado e guiado pelos preceitos sociais dos símbolos
femininos historicamente constituídos. Norbert Elias (1993), em a Sociedade
dos Indivíduos traz o autocontrole baseado nos atributos sociais. É nessa ironia
que se constitui, segundo ele, o orgulho das suas qualidades independentes
como a liberdade agir por si só.
Desse modo, as palavras de Elias inspiraram essa análise, no sentido
de como a cultura de mercado sustenta o “espírito do tempo”18 (Zietgeist”),
colocando a esfera das relações humanas imersas nas relações de
competitividade, como normalidade, e inspira pensar no enfraquecimento dos
laços de comunidade, tanto no sentido físico e histórico como no sentido virtual,
evidentes na observação das expressões online femininas em rede social
Esse estudo de investigação etnográfica das comunidades “mulheres
que oram” e “mulheres perfeitas” demonstra que elas representam os preceitos
historicamente construídos em torno da mulher, das relações e seus
desdobramentos visíveis nas tecnologias contemporâneas. Isso ocorre porque
trazem, em seu bojo, a cultura de mercado estruturando a feminilidade e a
identidade feminina da ciborgue coquete. Esse percurso em tais comunidades
virtuais serve como reflexo da aspiração do que a sociedade deseja para a
mulher, e esta exigência social em torno do “mito da beleza”, acrescido ao
17
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=t – Acessado em 25.11.2014, às
22h35. 18
“Zietgeist”, o espírito do tempo pertence à configuração básica das pessoas que vivem em grupos
sociais como fenômenos individuais e sociais. Esse tipo de experiência faz parte da mudança geral em
cujo percurso, cada vez mais pessoas se desligam das comunidades pequenas, mesmo diferenciadas e
estruturalmente ligadas e se dispersam como que num movimento de um leque que se abre, formando as
sociedades mais complexas.
89
sonho tradicional do casamento evidencia na rede social, a existência de uma
matriz feminina reacionária que se distancia do projeto emancipador na postura
social da mulher.
A cultura contemporânea de mercado destaca-se pela abrangência das
múltiplas opções de recursos de “beleza” para a imagem da mulher. Isso ocorre
em forma de milhares de produtos para consumo, que transformam a liberdade
de escolha consumista uma falsa emancipação, pois, na ilusão de uma
liberdade limitada ao consumo, não abre espaços para pensar essa liberdade
como aprisionadora e limitadora da figura feminina em estereótipos como
produto dos projetos de marketing e das publicidade para mulher.
“Mulheres perfeitas” e a reprodução saturada de referências de
produtos estéticos e ligados à moda em suas publicações em rede social,
segue visando contribuir para a composição da imagem feminina, e está de
acordo com Maffesoli (2010):
O hedonismo, os prazeres do corpo, o jogo das aparências, o
presenteísmo, todos representam pontos naquilo que não é um
ativismo voluntário, mas sim a manifestação de uma real
contemplação do mundo. Ou em outras palavras, a aceitação
de um mundo que não é o céu na terra e também não é o
inferno na terra, mas, sim, a terra na terra. (p. 35)
Nessa zona virtual das relações sociais, a comunidade “mulheres
perfeitas” é capaz de se enquadrar no que Maffesoli chama de “manifestação
de uma real contemplação do mundo”, ou seja, elas apresentam um universo
multiplamente diverso de recursos “de beleza” sem refletir que o “mito da
beleza” é também a “tirania do ideal de beleza”, segundo se confere nas
palavras de Debert (2008, p. 4):
O mito da beleza, ou tirania do ideal de beleza foi explorado
por muitas feministas nos anos 70. A novidade é a qual, a lutas
das mulheres para melhorar a aparência passou a ser
legitimada. A preocupação com a aparência e a tecnologia do
uso do embelezamento tem sido interpretada como vitória do
feminismo. O novo discurso sobre a beleza considera que as
mulheres moderna rejeitem o papel tradicional fundado no
90
sacrifício e no sofrimento substituindo-o por um egoísmo sadio
e pelo prazer do cuidado de si e passam a ter o orgulho de
exibir em público seus corpos objetos de desejo. Portanto,
longe de serem vitimas passivas de pressões culturais
intoleráveis, provam uma capacidade admirável de remodelar
sua vida e controlar seus destinos. [...] os recursos
tecnológicos permitem a aquisição de propriedades e
capacidades novas e se inscreve na busca dos humanos para
ultrapassar os seus limites naturais.
Assim, as palavras de Debert, reconhecem o fracasso do princípios
feministas na equidade de direitos e na contestação das múltiplas jornadas de
trabalho, no entanto a contemporaneidade enaltece a vitória da legitimação da
“beleza”, bastante evidente em “mulheres perfeitas”. Debert retira o caráter de
vitimização feminina, pela capacidade de recriação de si, pelos artefatos
disponíveis nas diversas esferas das técnicas de embelezamento. Mas o que
esta presente pesquisa observa é que essas possibilidades de recriação de si
não retiram a condição de vítima dessas atrizes sociais virtuais, pois a
feminilidade está submetida à prisão do padrões pré estabelecidos que se
movimentam porem não avançam as barreiras. Isso porque as imagens
femininas que sistematicamente dominam o imaginário do senso comum, não
deixa brechas para o exercício de uma criatividade além da convencional,
repercutida pelos valores tradicionais e midiáticos. Por isso, Naomi Wolf (1992)
atribui o caráter totalitário do mito da beleza feminina atuando perversamente
na cultura contemporânea.
Outro preceito que os dados da comunidade “mulheres perfeitas”19
demonstrara é a apologia à felicidade. Na publicação apresentada a seguir, por
exemplo, a comunidade analisada demostra esse preceito:
O objetivo da vida é ser feliz! Apesar de tudo, aprendi a ser
feliz em todas as circunstâncias. Filipenses 4:11
19
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas/photos/pb.266266190107705.-
2207520000.1411426213./751881818212804/?type=3&theater – Acessado em 23.08.14, às 18h30h.
91
Mensagens de felicidades entre tantas outras de consumo de artefatos
estéticos sugerem que essa proposta de felicidade é garantida pelo consumo.
Isso se confirma como algo indenitário das “mulheres perfeitas” na feminilidade
e acompanha um processo histórico em que a “mulher consumidora” é “mais
feliz” e muito mais comum, que a “mulher pensadora”. Essa característica que
a comunidade aponta, da supremacia da “mulher consumidora”, reflete a
cultura de mercado introjetada nas ações individuais/virtuais femininas.
Retomando a análise feita pela direção do pensamento de Norbert
Elias (1993), bem como o desenvolvimento da sociedade em seu elevado nível
de individualismo, seus componentes abrem o caminho para formas
específicas de felicidade e contentamento para seus indivíduos. Justifica-se aí
o consumo feminino e a satisfação que isso gera em torno da vaidade e do
ego, como consequência do que o mesmo autor chama de “espírito do tempo”
dando este conteúdo, à “felicidade” da “mulher perfeita” da cultura de mercado.
Isso comprova o sentido dessa dissertação, em apontar os traços de
matrizes tradicionais nas expressões ciborgues coquetes e nas comunidades
simbólicas do feminino virtual, isso ocorre porque a mãe, como suporte e moral
da família, a mulher vaidosa e trabalhadora não têm tempo, nem muitas
disponibilidades na vida ao questionamento, quando o mérito que a sociedade
exalta está em cumprir tais preceitos passivamente. E quando eles surgem, é
melhor camuflá-los com batons e roupas novas, pois, como exclamou bem
claro a postagem da comunidade do Facebook, “meninas malvadas”, uma
versão adolescente de “mulheres perfeitas”:
“Mulheres felizes são mais bonitas!”20
A respeito da “consciência feliz” que a beleza instaura na atriz
social/virtual feminina, cabe a ótica de Marcuse, (1979) sobre o sistema
entregue à ética da mercadoria. Isso foi mapeado nas expressões das
ciborgues coquetes quando trouxeram esse comportamento social online; e
20
Disponível em https://www.Facebook.com/pages/Meninas-Malvadas/222803077805283?ref=ts&fref=ts
– Acessado em 15.09.2014, às 12h30, com 383 compartilhamentos e 94 curtidas até a presente data. É
uma das comunidades virtuais que o estudo monitorou e se assemelhou bastante às “Mulheres perfeitas”,
mas, sem uma apelação comercial tão forte e voltada ao público adolescente de 16 a 24 anos e com
1033406 de “curtir” até a data referente à postagem.
92
evidente pelos inúmeros sorrisos registrados entre seus momentos de
“felicidade compartilhada”, na rede social. O “conformismo” que o mesmo autor
trabalha, age em conjunto com apologia da felicidade, sem fazer presente
qualquer questionamento à sobrecarga típica da condição feminina
contemporânea.
A felicidade defendida nessa comunidade feminina do Facebook,
segundo Morin (2011), é fruto “da projeção imaginária de arquétipos e
felicidade” que também se releva em “fazer os outros felizes”, conforme sugere
a mensagem a seguir, repercutindo o papel feminino em atender arquétipos
socialmente marcados, para ter e doar “felicidade”, mesmo que os fatos, em
sua realidade, não comportem esse estado de espírito.
“Ser feliz” e “fazer os outros felizes” faz parte do contemporâneo “estilo
de vida” feminino observado na rede social Facebook, com a inspiração
socialmente adequada para criação da personagem de si, no instrumento da
publicidade. Essa premissa segue historicamente ditando a referência
adequada de produtos que trazem a “felicidade” para a mulher, por suas
enxurradas de campanhas que vendem ilusões de “felicidade”, por trás de cada
necessidade criada para o consumo feminino, o que coloca a condição
feminina num processo sempre inacabado de construção de si.
Morin (2011) dizia que a felicidade é “mito, isto é, projeção imaginária
de arquétipos de felicidade, mas ao mesmo tempo uma ideia-força, busca
93
vivida por milhões de cidadãos”. Assim, as “mulheres perfeitas”, em sua
comunidade online no Facebook, configuram sua pretensa felicidade,
principalmente em torno da vaidade, das amigas, do casamento, da filha
menina (coquete) e da fé em Deus.
Essa observação remete novamente a Maffesoli (2009), numa
passagem de seu outro livro, que aponta que as mídias e os prazeres do
cotidiano não dão conta dos seus efeitos na sociedade contemporânea e as
satisfações em coisas que permanecem na esfera das aparências, acabam
alcançando o máximo de sentido na sociedade.
É diante de uma moral estruturada no perfil tradicional, em que o
coquetismo ciborgue encontra o cerne apropriado para de distanciar da
verdade e se satisfazer com a mentira, a qual transforma a prisão de uma vida
pautada no consumismo para se garantir como personagem de si, em deleite
da liberdade de comprar. Incorporando e propagando este equívoco na
realidade socialmente e virtualmente vivida.
No início da investigação em “mulheres perfeitas” foi possível percebeu
a democratização social do universo da estética, da vaidade e do
embelezamento da imagem. Posteriormente, constatou que essa
democratização é estimulada e sustentada pela cultura contemporânea de
mercado inserindo-se já nos primeiros dias de nascimento do sexo feminino.
Desse modo, como já apontado anteriormente, esse estudo consegue verificar
uma coquetizacão precoce apresentada como primeiro valor à criança do sexo
feminino ao vir ao mundo.
Essas imagens de bebês travestidas de mulheres ilustra um projeto de
sensualidade naturalizado às mulheres desde que nascem. O propósito desse
projeto de imagem erotizada está na imprensa adulta e é parte da mesma
estrutura que dita os valores midiáticos infantis. Morin (2011), sobre este fato
coloca:
Pode-se dizer que a cultura de massa, em seu setor infantil,
leva precocemente a criança ao alcance do setor adulto,
enquanto em seu setor adulto ela se coloca ao alcance de
criança. Essa cultura cria uma criança com caracteres pré
94
adultos ou um adulto infantilizado? (...) A criança é um adulto
desde que sabe andar e o adulto fica, em principio,
estacionário. Assim uma hogeneização da produção se
prolonga em homogeneização do consumo que tende a
atenuar as barreiras entre as idades. (MORIN, 2011, p. 29)
A cultura de mercado que envolve a sedução e o erotismo da mulher
consumista constituiu-se na contemporaneidade recente como parte da cultura
feminina. “Mulheres perfeitas” demostram que isso não é mais só estratégia de
conquista, mas uma cultura sustentada pela esfera mercadológica das relações
que é totalitária em sua essência, independente da idade.
95
21
Essa sequência de imagens demostra que, do nascimento aos
primeiros passos, a preparação do ideal coquete, como definido no início dessa
dissertação, já está na condição pré-determinada da criança do sexo feminino.
Esses traços de coquetismo mostram pelas imagens anteriormente
selecionadas, que a feminilidade já está efetivamente presente, logo na
primeira infância em detrimento de uma infância lúdica e menos
compromissada com os estereótipos de gênero.
O enaltecimento das características femininas e a identidade coquete
na totalidade das expectativas da mãe “de menina” fazem da feminilidade e da
“beleza construída” numa doutrina cultural a ser passada de mãe para filha,
sufocando, assim, toda a criatividade que poderia emergir para ultrapassar as
tradicionais linhas dicotômicas dos papéis de gênero, reforçando os desenhos
tradicionais que estipulam o padrão hétero normativo de sociedade.
O estereótipo mercantilizado que construiu o padrão de beleza
constituiu-se de uma referência que, desde a primeira infância, é estimulada
para comportamento nos padrões da “psicologia coquete” de Simmel (2001). A
comunidade ciberfeminina “mulheres perfeitas”, através de suas postagens
21
Disponível em https://www.Facebook.com/MulheresPerfeitas?fref=ts/ – em 11.02.2014, às 00h33.
96
como fonte de dados, e das análises em torno das postagens, apresenta a
divulgação de uma beleza feminina desdobrada de outras mídias e sustentada
por elas, fato que se encaixa a respeito do que os autores Lipvetsky e Serroy
(2008) trataram claramente quando enquadraram a “beleza” num “processo de
glocalização”, ou seja, a padronização global de uma feminilidade objetificada:
A beleza constitui outra ilustração exemplar do processo de
“glocalização”. Em todo o planeta, passa-se a difundir o mesmo
modelo de beleza feminina vinculado pela publicidade, pela
moda, pelas top models, pelas marcas de cosméticos. O ideal
tradicional de robustez e força, em vigor nas antigas
comunidades rurais, deu passagem a uma estética sexy e
longilínea que exige regime alimentar, exercícios físicos,
musculação, mas também maquiagem, produtos de cuidados,
cirurgia plástica. Um cânone estético internacional triunfa,
exaltando a mulher esbelta, o sex appeal, o glamour radiante,
os cuidados consumistas com o corpo. Essa é a beleza
cosmopolita consagrada pelos concursos de beleza nacionais e
internacionais, cujas imagens são amplamente transmitidas
pelas mídias em escalas planetárias. (LIPVETSKY e SERROY,
2008, p. 166)
Pela leitura analítica do contexto midiático e planetário da construção
da mulher ideal (glocalização da feminilidade), nota-se pela comunidade
ciberfeminina que, desde os primeiros passos da criança do sexo feminino, a
cultura feminina acompanha os aspectos tradicionais da vaidade, casamento e
família e dá como natural o interesse da menina brincar e se projetar com tais
ideais.
Como consequência disso, de modo geral, como abordado
anteriormente, sobra pouco espaço aos anseios profissionais, intelectuais e
transformadores desta imposição social e historicamente construída. Esses
pilares constituídos pela vaidade, casamento e família envolvem sacrifícios que
as mulheres ocultam em sorrisos que brilham no contexto de suas poses e
estão digitalmente expostos.
De conteúdo intelectual aparentemente raso, a comunidade “mulheres
perfeitas” publicam dezenas de mensagens comerciais, de venda de produtos
para mulheres e defendem o consumo constante, reforçando a cultura de
97
mercado, quando a cultura feminina se completa em quase toda totalidade na
cultura de consumo. Fato conveniente para contemporaneidade patriarcal para
sufocar a emancipação intelectual feminina para reduzi-la à condição de
mercadoria e mantedora da cultura de mercado.
Portando, a análise do feminino na rede social Facebook comprova a
tese de Morin (2011) e Wolf (1992) quando ambos dizem que o feminino, não
na esfera do sexo feminino em termos biológicos, mas referente à construção
social da cultura feminina, como um projeto cultural de cunho tradicional e
mercadológico massacraram o feminismo e substituíram o âmbito da
autonomia por redenção à vaidade e ao casamento. É nesse sentido que essa
pesquisa discorre e concorda com essa afirmação quando pensa no contexto
cultural da mulher construído historicamente na dicotomia dos gêneros,
observável principalmente na amplitude do senso comum. Wolf ainda diz que a
vaidade contemporânea é análoga aos sacrifícios religiosos medievais. E
adiante, em “mulheres que oram” no Facebook, percebe-se que a religião,
mesmo com a devoção e sacrifício desdobrados em outras esferas, ainda
continua a ser pertinente em valores tradicionais que articulam mensagens
destinadas à mulher, condicionando-a para a família e o casamento submissos
às interpretações da bíblia muito longe de um posicionamento que privilegia a
crítica e a emancipação pessoal feminina.
98
2.3. “As Mulheres que Oram”
A primeira etnografia virtual em comunidades online no Facebook,
desempenhada nessa presente dissertação, partiu da comunidade “mulheres
que oram”. Essa comunidade chamou atenção por ter muitas mensagens
compartilhadas por “mulheres perfeitas”22. Tendo em vista que essa
comunidade compôs o primeiro banco de dados brutos23, iniciamos um
processo de monitoramento e análise de conteúdo dessas publicações.
O início de nossa inserção na comunidade “mulheres que oram” foi
marcada pela observação evidente da mensagem de defesa do silêncio e da
submissão à orientação familiar religiosa como postura primordial de conduta.
Tal fato chamou atenção para analisar essa comunidade como força
representativa e simbólica do ideal tradicional e seu exercício comunicacional
online.
22
Por meio dos chamados “cliques córregos”, fomos levados às “mulheres que oram”, termo que Horst,
Hjorth e Tacchi (2013) pensaram quando as postagens de uma determinada comunidade são
compartilhadas por outras, as quais levam ao contato da comunidade fonte de origem das demais
postagens. Assim, percebemos que “mulheres perfeitas”, compartilhavam muitas publicações originadas
pela comunidade “mulheres que oram”, o que a tornou a próxima comunidade foco desse estudo.
Percebemos que, embora esta seja uma fonte que derivou em outra, nenhuma mensagem das “mulheres
perfeitas” é compartilhada pelas “mulheres que oram”, pois traços de sensualidade exacerbada,
consumismo explícito de acessórios da moda e mensagens de proteção na rivalidade feminina, conforme
veremos a seguir, não compõem o perfil da imagem feminina passada pela comunidade cristã. E, por
outro lado, mensagens religiosa, de autoajuda representados por imagens infantis típico da comunidade
“das que oram” são elementos que preenchem bastante “das perfeitas”. 23
Isso, conforme a direção dada pela já citada metodologia de Skågeby (2013) nessa pesquisa qualitativa
online, na qual a partir desse banco se considera uma série de especulações a ser feitas a fim de
delimitar o problema a ser estudado.
99
Tönnies (1982, p. 91) entende que o papel da mãe na família é sua
relação afetiva como a primeira forma de comunidade, quando coloca posição
materna da seguinte maneira:
A relação materna é a mais profundamente fundada sobre o puro
instinto ou afeto; e nela, ademais, é quase palpável a transição de
uma conjunção física para uma conjunção espiritual, a qual tanto
mais se relaciona com a primeira quanto mais estiver próxima de sua
origem. Essa ligação implica longa duração, já que cabe à mãe a
tarefa de nutrir, proteger e guiar o filho até que ele seja capaz se
nutrir, proteger e se guiar por si só.
Por outro lado, o autor explica a função paternal de tal forma:
Assim, a paternidade se funda, em sua forma mais pura, a
ideia do poder em sentido comunitário; a qual significa não
tanto o uso e disposição em beneficio do detentor do poder,
mas educação e ensino como complemento da procriação;
comunicação da plenitude da própria vida (...). (p.93)
Para Tönnies, a família é a base do conceito de “comunidade”, em que
o instinto da mãe está na função de gerir, “nutrir, proteger e cuidar” e o do pai,
em garantir culturalmente a comunidade, sob o processo de “educação”. É a
união desses preceitos que, segundo o autor, serve para garantir a “plenitude
da própria vida”. Portanto, a base da família e do que se espera do sentido de
comunidade estão nos valores presentes em matrizes tradicionais e patriarcais
das funções maternas e paternas. Tal fato reflete-se até os tempos atuais
guiando o padrão social para “conduta” feminina, bem como pode ser legível e
ilustrado pela ressignificação que a etnografia online aqui desenvolvida faz da
“comunidade” em seu estado virtual pelo Facebook.
Iniciando os subitens com a comunidade virtual “mulheres que oram”,
essa base tradicional que Tönnies traz se mostra pertinente na rede social
como um valor sustentado pela religião.
A prova dessa relevância analítica é visível logo na abertura da
comunidade “mulheres que oram”, pois ilustra a abertura de sua capa virtual
com os seguintes dizeres em fundo cor de rosa: “É tempo de parar as
100
murmuras, vamos abrir a boca para abençoar e orar”. A mensagem já clama às
mulheres o silêncio, a voz é apenas para orar e abençoar, distante de um
posicionamento que questiona, que pensa e reflete.
A omissão implícita nessa frase, de uma voz contestadora e reflexiva sobre o
comportamento feminino perante as situações da vida, remete à ideia de “violência
simbólica” que Bourdieu (2011) apresentou como base do universo androcêntrico tão
bem representado pela figura masculina de Deus, no cristianismo.
Os dominados aplicam categorias construídas do ponto de
vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as
assim ser vistas como naturais. [...]. A violência simbólica se
institui por intermédio da adesão que o dominado não pode
deixar de conceder ao dominante (e, portanto à dominação)
quando ele não dispõe, para pensa-la e para se pensar [...],
resultam da incorporação de classificações, assim
naturalizadas, de que seu ser social é produto. (p.46)
Pela apresentação dos aspectos claros da “violência simbólica”,
“mulheres que oram” oferece um campo fértil para a análise das estruturas
religiosas repercutindo no comportamento e na condição da mulher, bem como
o padrão cristão da religião em seus valores, refletidos na rede social online
como atuação no desdobramento digital de sua realidade vivida.
O gráfico a seguir, acessado no próprio Facebook, mostra as “curtidas”
e a média da idade das seguidoras.
Fonte: https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts
101
Essa “comunidade” apresenta imagens infantis em tons pastéis que
lembram gravuras para quartos de bebês, e bichos fofinhos, como panos de
fundo para as mensagens, mas o dado da idade apresentado pela própria
comunidade, sob um mecanismo padrão das comunidades da rede social
virtual estudada, demonstra que ela não é composta de crianças e
adolescentes. Desse modo, ao observar a apresentação da média da faixa
etária que é adepta à “comunidade”, no dia 15 de Outubro de 2014, constata-se
que quem está “curtindo” a comunidade encontra-se entre 25 e 34. Para
acessar esse dado, basta clicar no ícone superior, o qual está escrito: “opções
curtir”, porém ele não é um dado fixo. Os dados em comunidades virtuais estão
sempre em movimento e em ascensão quantitativa em “Curtir”.
Pelo fato de a comunidade virtual em rede social “mulheres que oram”
no Facebook, não apresentar nenhum tipo de reza, apenas orações, considerei
que ela não se mostra muito católica, mas por apresentar versículos diversos
da bíblia e muitas mensagens relacionadas à autoajuda, ela pode agregar
qualquer simpatizante da fé cristã e outras correntes do “pensamento positivo”,
assim como de outras religiões, pois orações não são restritas a um
seguimento religioso exclusivo. As imagens coloridas e intensamente
infantilizadas são as que possuem mais “compartilhamentos” que “curtidas”,
isso ocorre porque as mensagens se disseminam para aqueles “amigos” dos
“amigos” que “curtem” a “comunidade”. Logo, esses disseminam
compartilhando novamente a mensagem publicada.
Essa comunidade do Facebook relaciona a mulher e a prática da
oração para contato com Deus e Jesus, e a partir de nossa conexão com a
“comunidade”, como pesquisadora, verificamos, pelas suas “postagens”
constantes, que essa é uma “comunidade” bastante ativa, capaz de seguir
diariamente publicando até dez “publicações” em apenas um dia: essas
mensagens são, na grande maioria, dizeres curtos, entre os versículos da
bíblia; orações de agradecimento, consolo e força em Deus e Jesus, entre
alguns poemas de autorias duvidosas que seguem formando o conteúdo desse
espaço virtual.
102
A maioria das mensagens publicadas por “mulheres que oram” retiram
a reflexão autônoma das mãos das mulheres no sentido emancipador das lutas
feministas e femininas do século XX; quando o social e seus movimentos
buscavam marcar a autonomia das mulheres na construção de sua figura
independente. Atribui, assim, a condição da mulher a uma condição
considerada pela interpretação da bíblia e a noção de Deus. Leva a mensagem
de suportar a vida, sem reclamar, pois o seu intuito está em transferir a
felicidade para o futuro divino de fé e para a eternidade, como a solução de
todas as mazelas da vida.
Percebe-se, em “mulheres que oram”, assim como todas as
comunidades do Facebook, que possuem grande número de publicações que,
ao clicar no quadrado superior escrito “fotos”, abre-se uma página onde se
carregam miniaturas de todas as fotos com as mensagens, publicadas pela
comunidade. Nenhuma mensagem vem apenas digitada, todas possuem
imagens de bebês loiros e de olhos claros em inúmeras fotos, algumas poucas
mulheres sorrindo alegremente, bem como muitas gravuras infantis:
103
Os dados coletados demonstram que, pela análise dessas e outras
publicações, a única forma de vitória e conquista presente da “comunidade”
para mulher é oriunda da fé e da confiança em Deus, como se não existisse
nenhum outro suporte que garantisse o bem-estar da mulher, como suporte
jurídico, médico ou psicológico, nenhuma ciência, apenas Deus e a família
completam a “mulher que ora”. O reconhecimento das orações publicadas
apresenta-se necessário como o único remédio para as fragilidades da vida e
da alma.
A “comunidade” não considera o fato das novas configurações
familiares que vão além do conceito tradicional de família e, como mostrado
anteriormente, nunca apresenta estratégias de sobrevivência e recursos
concretos de defesa e garantia dos direitos de saúde física e emocional.
A seguir há outras postagens dessa comunidade que explicitam alguns
aspectos preponderante de defesa da ação e conduta feminina:
“Não critique!!! Perdoe! Não guarde rancor!! Ore! Deus te
honrará e você será abençoado”. Publicado pela comunidade
“mulheres que oram” no dia 17 de agosto de 2013 com 1.152
“curtir” e 2.537 “compartilhamentos”.
“Se te machucam, Deus te restaura. Se te desprezam, Deus te
valoriza. Se te traem, Deus é fiel. Se te amaldiçoam, Deus te
abençoa. Se te ofendem, Deus luta por ti. Se te ferem, Deus te
sara. Se te abandonam, Deus está contigo”. Publicado por
104
“Mulheres que oram” no dia 15 de agosto de 2013 com 594
“curtir” e 3.688 “compartilhamentos”.
“A família é o bem mais precioso que Deus deu... Ame, cuide,
valorize e sobretudo preserve o seu porto seguro.” Publicado
por “Mulheres que oram” no dia 1 de agosto de 2013, com
1739 “curtir” e 5.707 “compartilhamentos”.
Tais mensagens apresentam-se como padrões culturais constituidores
do comportamento feminino ao estilo tradicional próprio das camadas médias
da sociedade brasileira. Um perfil de “servidão voluntaria” submissa ao
pensamento religioso constituiu-se a temática corrente na orientação apontada
anteriormente, que, muito antes da dos tempo contemporâneos, La Boétie24 já
apontava como:
[...] tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de
homens a servir miseravelmente curvados ao peso do jugo,
esmagados não por uma força grande, mas aparentemente
dominados e encantados [...]. (LA BOETIE, 1530, s.n.)
Nas orações, como publicações correndo online, elas refletem
intrinsicamente a condição da obediência ao pai-marido a qualquer custo,
visando, assim, a manutenção da família como primazia. Na vida dessas
mulheres que “oram”, quando observada virtualmente, inspiram o perfil do pai-
marido refletido na imagem e semelhança do pai Deus, o que, segundo a
bíblia, não tem a ver com o caso da mulher, graças à sua condição construída,
a partir da costela do homem .
Essa observação vem do sentido que Nunes25 (2005) explica sobre o
cristianismo estar fortemente associado à repressão dos prazeres, assim como
na inseparável desvalorização simbólica e social das mulheres. Segundo a
autora, isso é reforçado pelo fato de a igreja ensinar que a mulher deve
24
La Boetie (1530) In: <http://www2.ufersa.edu.br/portal/view/uploads/setores/241/Discurso-da-Servidão-
Voluntária-por-Etienne-de-la-Boétie.pdf>> 23/10/2014 às 14:50 hrs. 25
Rosado, Nunes (2005); Rev. Estud. Fem. vol.13 no.2 Florianópolis May/Aug. 2005 In:
<<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2005000200009&script=sci_arttext >>23/11/2014 às
14:55 hrs.
105
“trabalhar para Deus e se doar aos outros”, jamais ensina que “ela deve
trabalhar para ela mesma e pensar nela”.
O estudo comparativo entre as comunidades analisadas nesse capítulo
reacendem o que Nunes (2005) escreveu sobre o embate entre o feminismo e
a igreja, distanciando a mulher da “representação de si como sujeito autônomo
dotado de direitos individuais inabaláveis”, destituindo, assim, das mulheres, o
poder de sua própria natureza, recolocando-o nas mãos das interpretações
androcêntricas da bíblia.
Isso quer dizer que a bíblia, como livro sagrado, está passível de
leituras que suscitam a manutenção da servidão a Deus e à força patriarcal a
se interiorizar na alma feminina, carregando-a de fragilidade dependência.
Nunes traz luz a essa questão quando apresenta a mulher moldada pela igreja
no padrão de expectativas femininas as quais envolve a maternidade e a
sensibilidade enaltecendo o ato de se doar:
A concepção de mulheres que a igreja propõe vinculada
definitivamente à realização real ou espiritual da maternidade,
define-as como seres para os outros. As características
atribuídas a uma suposta “natureza” feminina, sensibilidade,
delicadeza, capacidade de doar-se e perdoar numa escala que
vai sempre delas para alguém, contrapõem-se frontalmente à
afirmação do desejo de ser para si mesmas que as mulheres
expressam. (NUNES, 2005)
Por meio dessa leitura, permite-se pensar que as interpretações
reativas reconhecem essas “características” da alma feminina como
qualitativas à composição da personagem de si. Socialmente, quando tais
características são dispensadas e reconhecidas por outros, reagem absorvidas
pelos elogios. Tais fatos remetem novamente a Bourdieu (2011), quando em
nada se reconhece a carga de violência simbólica intrínsecas a tais adjetivos.
O enquadramento desses valores incorporados nas manifestações femininas
online, nessa comunidade, são capazes de demonstrar orgulho da condição de
submissão, conforme se conclui, ao refletir antropologicamente, sobre o
decorrer do sentido das postagens de “mulheres que oram”.
106
Por “compartilhar” tantas mensagens de autoajuda, a comunidade, pela
alta quantidade de “curtir” e “compartilhar”, demostra o quanto a condição
feminina se mostra cada vez mais frágil, fraca e necessitante do vigor,
midiático, divino e patriarcal, em pequenos “goles” para enxergar e representar
a si própria.
Historicamente esse estudo do gênero feminino, por suas expressões
no Facebook, demonstra que o projeto de autonomia do indivíduo da
modernidade não foi colocado à emancipação das mulheres na esfera
religiosa. A tal “emancipação” está dada, apenas por via de cunho econômico,
em que a mulher se autoafirma como uma profissional imersa no trabalho, mas
sem questionar sua posição na cultura de mercado em condições bastante
inferiores em termos salariais, mesmo com mais jornadas de trabalho, ao
assumir o casamento e a maternidade.
A etnografia das comunidades femininas do estudo comprova que as
estruturas tradicionais em torno do feminino adequam a mulher contemporânea
ao modelo de imagem e obrigações que as mulheres historicamente
absorveram e legitimaram, sem muitos questionamentos, exceto com as
reivindicações do movimento feminista nas comunidades do Facebook.
Mesmo com o decorrer do tempo, a falta de equidade entre os sexos
ainda se faz presente e mediante a imersão nas vertentes tradicionais elas se
fazem normalizadas e portanto despercebida. Isso está de acordo com
Debert26 (2008) quando esclarece a reprodução das formas de dominação,
mesmo com as transformações na área da educação da mulher:
(...) Apesar das mudanças em direção a posições que até
mesmo recentemente estiveram barradas às mulheres, a
desigualdade entre os sexos não apenas se reproduz, mas
tende a ser fortemente negada pelas mulheres ou pelo casal,
tornando-se imediatamente visível quando se dá a separação.
(DEBERT, 2008, p. 414)
26
Debert, Guita Green; cadernos pagu (30), janeiro-junho de 2008:409-414. In:
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n30/a21n30.pdf >> dia 23/11/2014 às 117:20hrs
107
Isso não quer dizer que as próprias mulheres sejam culpadas pelo nível
de consciência que as obstrui do caminho adequado, o que fica claro, pelas
personagens virtuais ciborgues coquetes e pela comunidade analisada, que
essa condição, ditada pelos valores tradicionais cristãos, ainda é sacramentada
e se faz a voz do sagrado. O que barra ainda mais esse desafio de
emancipação feminina, pois enfrentar a sua real condição, seria também
enfrentar a voz social e “sagrada” de sua condição tradicional.
A defesa dos valores tradicionais da igreja envolvendo a ação
ciberfeminina envolve a sinergia entre dois tempos, o da imagem, da técnica e
tecnologia; e o tradicional pautado nos ideais antigos de comunidade, que
segue remetendo seu sentido físico, clássico pautado na moral cristã. Tal moral
como fundamento da comunidade, desde os séculos passados, já havia sido
questionada, refletida e colocada como desmantelada, considerando-se os
valores mercadológicos que a sociedade industrial trouxera. Mas ainda mostra-
se persiste na figuração imaginativa da moral tradicional contemporânea,
quando observa-se esta comunidade cristã. A exemplo, estão as ideias de
Tönnies (1982), que seguem implicando na dissolução dos valores ideais da
comunidade fisicamente e geograficamente, quando a mulher torna-se
trabalhadora; atribuindo, assim, a esse fato, o início da sociedade moderna:
“(...) Por outro lado é claro que primeiro o comércio, depois ( se
não precisamente o trabalho industrial ) certamente aquela
liberdade e independência com as quais a trabalhadora é
introduzida na luta pela existência – como a autora de seus
contratos, proprietária de dinheiro, etc. –, exigem e favorecem
um desenvolvimento de sua consciência, a fim que ela se torne
capaz de pensamento calculador. A mulher se torna iluminada,
fria, consciente. Nada é mais estranho, alias horrível em
relação ao que continua a ser a sua natureza originária, e
apesar de tudo sempre inata malgrado todas as modificações
ocorridas . Nada é talvez mais característico e mais importante
para o processo de formação da sociedade e de dissolução da
vida de comunidade. Só com tal desenvolvimento é que o
“individualismo”, que constitui o pressuposto da sociedade,
torna-se verdade.” (TÖNNIES, 1982, p. 93)
A condição contemporânea implica o “individualismo” oriundo do
sentido da citação anterior, e desenvolvido pelas sociedades industriais. Tal
108
individualismo é símbolo da essência, do que é tratado nessa dissertação como
cultura de mercado.
“Mulheres que oram” é uma comunidade virtual que é capaz de
evidenciar o quanto a figura feminina é afetada pelo voto de autodoação aos
valores que envolvem Deus, casamento e família, numa cultura altamente
competitiva e individualista, que envolve a competição e o consumismo, mas
apenas que cabe a ela, segundo os dizeres da abertura da comunidade: “Não
murmurar” e abrir a boca para apenas, “abençoar”.
Pelo estudo etnográfico de “mulheres que oram” e a análise do texto a
seguir, é possível entender a condição de subordinação, pregada pela comunidade,
estendia em outras formas de relações sociais, conforme exposto por Saffioti (2001),
quando pensa as outras articulações movidas pela violência de gênero:
Cabe chamar atenção para que esta violência de gênero
praticada diariamente pelo patriarca ou por seus pressupostos
pode recair sobre outro homem. Nada impede também que
uma mulher perpetue este tipo de violência contra um homem
ou uma mulher. (SAFFIOTI, 2001, p. 115-136)
Desse modo, compreende-se, por Saffioti e as interpretações dessa
pesquisa, que pela própria violência de gênero contida na dicotomia entre o
masculino e o feminino, transfiguram-se as outras formas de dicotomias que
pela força patriarcal regem categorizando a sociedade entre disfarçados
sistemas de opressão que envolvem poderes e sujeições, como o rico e o
pobre; o patrão/patroa e empregado ou empregada; o forte e fraco; a beleza e
a feiura; hétero sexual e homossexual e assim por diante.
Essa comunidade do Facebook é pueril, mas leva implicitamente a
perversidade das relações de poder das relações patriarcais tradicionais que
sujeitam a condição feminina à sua perda de autonomia e controle sobre a
própria vida.
Mas a condição feminina não atende a essas premissas em sua
totalidade, o feminismo pode ter perdido força pela ênfase que a sociedade dá
109
a tais valores patriarcais e esteticamente superficiais, mas não morreu e pode
levantar forças pela rede social. Um exemplo vem da comunidade abordada no
próximo capítulo, em que mostra o novo caminho do ciberfeminismo pela rede
social Facebook, e a amplitude a qual se abriu a causa feminista para um
movimento político capaz de abraçar a luta de outras minorias pelo
reconhecimento de seus direitos, considerações e respeito da sociedade.
Capítulo III – Feminismo online e a condição da mulher
no Século XXI
(...) a nós, mulheres, por todo o tempo que passamos nessa
bagaça: somos observadas, julgadas, avaliadas e rotuladas. O
corpo, o rosto, a “moral” sob uma enorme lupa. Uma série de
“tem que” dos quais é difícil escapar (e nunca sem alguma
marca), inscritos na estrutura e que, no máximo, nos é
apresentado como uma luta individual. Autoestima, amor
próprio, ser mais independente… uma dose especial de
crueldade tomar como responsabilidade pessoal um problema
social que se espalha na cultura. Essa lupa enorme e
constante não deixa escapar nada. A mulher está sempre
errada. Caso se submeta ao padrão (olha aí, não sabe
envelhecer, tá usando botox; tá magra demais, deve ser
anorexia) e caso o ignore (devia ter vergonha de ir a praia
mostrando as pelancas; olha já dá pra ver cabelo branco, é
muito desleixo). Uma mulher TEM QUE manter-se jovem, mas,
atenção, não pode aparentar estar querendo se manter jovem
(...).
Fonte: http://biscatesocialclub.com.br
Acesso em 29.10.2014, às 23h23
111
3.1. “Feminismo sem Demagogia” – Ciberfeminismo no Facebook
Fonte: https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-Original/564161453675848?fref=ts
A comunidade virtual ―feminismo sem demagogia‖, escolhida para a
análise dessa pesquisa, representa uma antítese das outras comunidades que
compõem esse estudo. Ao passo que nas outras comunidades encontramos
dados que evidenciam os aspectos tradicionais religiosos do ideal de mulher
―de família‖, de ou do endeusamento do consumo, essa comunidade apresenta
os aspectos típicos das bandeiras feministas referentes aos direitos e às
condições femininas contemporânea. Essa constatação é possível pelos tipos
de postagens das novas vanguardas do feminismo, que inclui, à sua causa,
outros grupos vitimados pela dicotomia de gênero e pela tradição hétero
normativa de família e casamento.
Com exceção das outras duas comunidades virtuais do Facebook,
utilizada como fonte de dados para a realização dessa pesquisa, que possuem
mais de um milhão de adeptas, a comunidade ―feminismo sem demagogia‖ não
ultrapassa cinquenta mil adeptas até o momento.
112
Fonte: https://www.Facebook.com/pages/Feminismo-Sem-Demagogia-
Original/564161453675848?sk=likes
Mesmo levantando questões polêmicas, referentes aos direitos das
mulheres entre outros assuntos que a sociedade patriarcal despreza, essa
comunidade possui um público bem mais jovem que as outras: ―mulheres que
oram‖ estão entre vinte e cinco e trinta e quatro anos; as adeptas da
comunidade ―mulheres perfeitas‖ estão entre a mesma faixa etária da
comunidade ―mulheres que oram‖, conforme os gráficos que esta pesquisa
extrai do Facebook e apresenta nos itens respectivos ao estudo das comunidades
virtuais. A faixa etária das adeptas da comunidade ―feminismo sem demagogia‖
está entre dezoito e vinte e quatro anos, e ao estabelecer a comparação destes
dados, foi possível verificar a adesão jovem às causas feministas e não da maioria
adulta, como presente nas comunidades femininas e religiosas.
A seguir, encontra-se parte do quadro que resume as imagens
publicadas pela comunidade online estudada e suas reivindicações, em que se
foram notados os aspectos relacionados aos direitos como, por exemplo: do
corpo livre dos padrões de magreza, da opressão de mulheres por mulheres e
o questionamento do fato socialmente opressor de as mulheres negras estarem
vinculadas aos empregos domésticos em famílias de classe mídia, como um
resquício do ideal escravocrata, em que mulheres reproduziam a opressão e
dominação do trabalho de outras mulheres:
113
Ao monitorar essa comunidade, observa-se menos frequência de
postagens, mas algumas mensagens são amplamente compartilhadas e
curtidas. ―Feminismo sem demagogia‖ cria debates que levantam a questão da
autonomia sobre o corpo no controle da maternidade, a lesbofobia, homofobia
e a violência de gênero, não se limitando a elaborar sua contestação em nome
apenas da opressão baseada na dicotomia de gêneros e na dominação
masculina.
De acordo com Gregori (2003), nota-se que o processo histórico do
feminismo nasceu em meio a outros movimentos libertários nas últimas
décadas do século XX, por isso, a autora defende a necessidade crítica das
limitações do desconstrutivismo do feminismo:
114
―Nas duas últimas décadas, temos assistido à proliferação de
contribuições de peso dos chamados estudos feministas no
cenário das humanidades. Se é possível dizer que a década de
60 marcou definitiva e cabalmente a história política do ocidente
– e as mudanças promovidas tiveram participação intensa dos
vários movimentos libertários (entre os quais, o feminismo) –,
os anos 80 e 90 inauguraram novos paradigmas, ou mais
precisamente, o questionamento dos paradigmas modernistas,
a partir da desconstrução de categorias ou conceitos. É
inegável a participação de pensadores feministas nesse
movimento de rupturas na história do pensamento. Para
entender a abrangência dessas mudanças seria necessária
uma discussão teórica consistente de modo a, de um lado,
evitar as simplificações correntes – como aquela que reduz
toda a variedade de posições teóricas a um modismo pós-
moderno; e, de outro, proceder a um exame crítico sobre as
limitações e paradoxos do desconstrutivismo.‖ (GREGORI,
2003, p. 89)
―Feminismo sem demagogia – original‖ traz a visão do gênero como
uma construção cultural, tentando desconstruir a performance de gênero que,
se baseada no sexo biológico, mantém tradicionalmente as binariedades, de
modo a desconsiderar as pluralidades que vão além das simplificações
dicotômicas.
Publicações como a apresentada a seguir, é capaz de demonstrar a
abrangência de suas reivindicações, além das questões da opressão de gênero
e analisar uma construção limitadora da vitimização da mulher, em prol de um
movimento que inclua as outras minorias oprimidas e estigmatizadas pelo
senso comum, orientado conforme padrões tradicionais dualísticos e
dicotômicos.
115
No olhar que ultrapassa os aspectos biológicos para o gênero como
uma performance cultural, Saffioti (2001) lembra Butler (1990) e encara os
aspectos da explícita polaridade das relações de dominação do espírito
patriarcal e dicotômico, desdobrando-se em outras esferas, para além da força
masculina sobre a feminina.
Deixando-se de lado as categorias binárias, pode-se aproveitar
da concepção de Butler para pensar múltiplas matrizes de
gênero: uma dominante e as demais competindo pela
hegemonia. Desta sorte, não se trata de pensar uma nova
educação fora do gênero, mas fora da matriz dominante,
adotando-se uma matriz alternativa ou fundindo-se para efeito
de observância, algumas matrizes subversivas, sem jamais
considera-las como desordem, irmã gêmea da patologia e
lembrando vivamente Durkheim, com seu par normal e
patológico. É a própria Butler que oferece, por meio do uso do
conceito de performance, um caminho importante para se sair
do impasse: ―Não há identidade de gênero por trás das
expressões de gênero; aquela identidade é, pela performance,
constituída pelas próprias ‗expressões‘ consideradas seus
resultados‖. (SAFFIOTTI, 2001, p. 124)
Saffiotti possibilita olhar que o patriarcado funciona em uma ordem
sistêmica e não de forma isolada e ainda salienta:
116
Se é verdade que a ordem patriarcal de gênero não opera
sozinha, é também verdade que ela constitui o caldo de cultura
no qual tem lugar a violência de gênero, a argamassa que
edifica desigualdades várias, inclusive entre homens e
mulheres. (SAFFIOTTI, 2001, p. 121)
Desse modo, tomando por base as palavras da autora, torna-se
possível pensar as características da identidade como performance e, por outro
lado, a violência que a dicotomia de gêneros suscita por estigmatizar e não
considerar tais performances, pois essas, segundo a lógica tradicional e
patriarcal, são consideradas ―anormais‖, por não respeitar a condição biológica
do sexo. E nessa esfera, a comunidade virtual ―feminismo sem demagogia –
original‖ denuncia a dor que pode ser fatal, quando a moral social considerada
―normativa‖ se baseia em referências conservadoras para condenar as
performances femininas em corpos masculinos e seu contrário. Lembrando
Goffman (2012), em qualquer um destes casos o feminino está presente e
deteriorado na imagem destes atores sociais/ virtuais pelos estigmas
produzidos no senso comum, seja pela renegação da masculinidade pela
condição biológica em prol da performance feminina; ou pela rejeição da
performance feminina deslocada da condição biológica do respectivo sexo.
Portanto, o juízo de valores no deslocamento da performance na condição
biológica, é socialmente amparado pelo ponto de vista da matriz tradicional e
patriarcal.
Embora essa moral excludente seja evidente na rede social online,
esse fato não é novo no estudo da Sociologia. Refletir sobre essas questões
referentes aos outros socialmente rotulados remete aos outsiders, pensados
por Norbert Elias e John L. Scotson (2000). Estes autores reconheceram como
outsiders os fora da fronteira de onde estavam os ―estabelecidos‖, são os que
sofrem (até fatalmente) com a moralidade desta ―normalidade‖ baseada em
tradição:
[...] Já naquela época, é evidente que os ‗aldeões‘ formavam,
em muito maior grau, um grupo relativamente fechado. Tinham
desenvolvido tradições e padrões próprios. Quem não cumpria
essas normas era excluído como sendo de qualidade inferior.
117
[...] Eles cerraram fileiras contra os intrusos, usando todas as
armas características de que dispõem as comunidades bem
estabelecidas e razoavelmente unidas. Excluíram-nos de todos
os postos de poder social, fosse na política local, nas
associações beneficentes ou em qualquer organização local
em que sua influência fosse predominante. Acima de tudo,
desenvolveram como arma uma ‗ideologia‘ [...], que enfatizava
e justificava sua própria superioridade, e que rotulava as
pessoas do loteamento como sendo de categoria inferior. [...]
Sua ideologia de status disseminou-se e foi mantida por um
fluxo constante de fofocas, [...] que se agarrava a qualquer
acontecimento entre as pessoas da outra zona, capaz de
reforçar a imagem negativa do loteamento. (ELIAS e
SCOTSON, 2000, p. 63-68)
Segundo a visão dos autores, por trás dessas características
depreciadoras dos outros, ―os estabelecidos‖, como grupos sólidos, mantinham
o poder, justificavam sua superioridade e se orgulhavam disso. Estendendo
esse pensamento às questões transfóbicas, lesbofóbicas e de outras minorias,
compreende-se que esse fato ainda é pertinente e desdobrado socialmente.
Para além das esferas da fofoca e das superficialidades sociais, a
mensagem da comunidade apresentada na sequência mostra como a rejeição
social reflete o número de suicídio de transgêneros.
118
Na comunidade virtual ―feminismo sem demagogia – original‖1, a
defesa aos transexuais mostra um feminismo aliado às minorias sexuais sem
pregar a cultura sob tradição biológica de gêneros, como ainda permanecem as
―Feministas Radicais‖2. Desse modo, as ―feministas sem demagogia‖
contestam e debatem, em sua comunidade online, questões que não ficam
restritas à dominação de gênero, relevando outras bandeiras políticas, como a
luta contra o racismo, sexismo, fascismo e a homofobia, entre outros, de
maneira a incluir aqueles estigmatizados pelas raízes extremistas da tradição.
1 Em 23 de agosto de 2014, a comunidade ―feminismo sem demagogia‖ mostra através de uma
―postagem‖ que teve sua comunidade roubada por ―feministas radicais‖ as quais enviam mensagens
transfóbicas, por isso a mudança para ―feminismo sem demagogia – Original‖. 2 Segundo a matéria online, ―Para além do Feminismo Liberal‖, de Adriano Senkevics, o ―feminismo
liberal‖ é apresentado com aspectos dos conceitos do liberalismo clássico estendendo-os às
reivindicações das mulheres. Entra, nessa equação, a defesa dos ―direitos naturais‖, sobretudo a
liberdade do indivíduo. Explica que nessa concepção, se o Estado não promover a igualdade de
oportunidades, equiparando direitos e condições aos homens, as mulheres continuarão como grupos
oprimidos. Por outro lado, atualmente há uma campanha de defesa pela superação deste conceito, pois,
embora essa vertente tenha trazido ganhos indiscutíveis às mulheres, reivindicar a igualdade social entre
mulheres e homens, assim dito, segundo a matéria, mostra-se uma pauta frágil, pois a crítica às
feministas liberais observa que mulheres de grupos mais oprimidos, como as negras ou de baixa renda,
percebem com maior nitidez que as condições das mulheres são absolutamente heterogêneas na
sociedade, assim como de seus parceiros homens, sendo uma heresia chamá-los pelo singular: a mulher
e o homem. Em: http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/01/16/alem-do-feminismo-liberal-e-tempo-
de-superar-o-discurso-da-igualdade//. Acesso em 08.10.2014, às 14h14.
119
Com perfil ideológico que varia entre anarquista e de esquerda (embora
critique o machismo na esquerda), as ―feministas sem demagogia‖ defendem, entre
outros, os importantes aspectos relacionados aos direitos dos transgêneros,
homossexuais, bissexuais, mulheres negras e muçulmanas. Denuncia casos de
homofobia, lesbofobia, bem como opressões de gênero. Faz críticas ao ―feminismo
radical‖, mas, de modo geral, não se assume dentro de alguma tipografia feminista,
embora se aproxime das Feministas Liberais3 e da ―Multidão Queer‖4.
Gregori (2003) também se remete às colocações de Butler para pensar
o sistema de hierarquia sexual tido como normalizado em contraposição a
outras performances sexuais mantidas socialmente com valores
―decrescentes‖, se comparados aos ―crescentes‖ valores contidos no padrão
tradicional hétero normativo:
A inter-relação sexualidade-gênero não pode ser tomada pelo
prisma da causalidade, nem ser fixada como necessária em
todos os casos. Nesse sentido, ela passa a adotar uma posição
de aliança com as minorias sexuais, distanciando-se do
ativismo feminista radical e propõe uma nova conceituação.
Nela, a autora apresenta elementos descritivos e teóricos para
3 Segundo a matéria online, ―Para além do Feminismo Liberal‖, de Adriano Senkevics, o ―feminismo
liberal‖ é apresentado com aspectos dos conceitos do liberalismo clássico estendendo-os às
reivindicações das mulheres. Entra, nessa equação, a defesa dos ―direitos naturais‖, sobretudo a
liberdade do indivíduo. Explica que nessa concepção, se o Estado não promover a igualdade de
oportunidades, equiparando direitos e condições aos homens, as mulheres continuarão como grupos
oprimidos. Por outro lado, atualmente há uma campanha de defesa pela superação deste conceito, pois,
embora essa vertente tenha trazido ganhos indiscutíveis às mulheres, reivindicar a igualdade social entre
mulheres e homens, assim dito, segundo a matéria, mostra-se uma pauta frágil, pois a crítica às
feministas liberais observa que mulheres de grupos mais oprimidos, como as negras ou de baixa renda,
percebem com maior nitidez que as condições das mulheres são absolutamente heterogêneas na
sociedade, assim como de seus parceiros homens, sendo uma heresia chamá-los pelo singular: a mulher
e o homem. Em: http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/01/16/alem-do-feminismo-liberal-e-tempo-
de-superar-o-discurso-da-igualdade//. Acesso em 08.10.2014, às 14h14. 4 Preciado; Beatriz (2003) em Multidões queer: notas para uma política dos anormais dá uma nova diretriz
politica à superação da criação social dos gêneros quando diz: ―A política das multidões queer emerge de
uma posição crítica a respeito dos efeitos normalizantes e disciplinares de toda formação identitária, de
uma desontologização do sujeito da política das identidades: não há uma base natural (mulher, gay, etc.)
que possa legitimar a ação política.
Não se pretende a liberação das mulheres da ―dominação masculina‖, como queria o feminismo clássico,
já que não se apoia sobre a ―diferença sexual‖, sinônimo da principal clivagem da opressão (transcultural,
trans-histórica), que revelaria uma diferença de natureza e que deveria estruturar a ação política. A noção
de multidão queer se opõe decididamente àquela de ―diferença sexual‖, tal como foi explorada tanto pelo
feminismo essencialista (de Irigaray a Cixous, passando por Kristeva) como pelas variações
estruturalistas e/ou lacanianas do discurso da psicanálise (Roudinesco, Héritier, Théry...). Ela se opõe às
políticas paritárias derivadas de uma noção biológica da ―mulher‖ ou da ―diferença sexual‖. Disponível em:
https:<<//periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000100002/18390. Acesso em
8.10.2014, às 22h30.
120
pensar a sexualidade e elabora a noção de que os atos, as
práticas e as escolhas sexuais nas sociedades ocidentais
modernas se realizam no interior de um sistema hierárquico de
valorização sexual (sexual value system). Nele, a sexualidade
considerada normal é a que se exercita em meio às relações
heterossexuais firmadas em matrimônio, visando a reprodução.
A esse padrão, seguem outras situações escalonadas na
hierarquia valorativa, em posição decrescente: casais
heterossexuais monogâmicos não casados; solteiros com vida
sexual ativa; casais estáveis de gays e lésbicas; gays solteiros
sem vida promíscua; gays solteiros com vida promíscua;
fetichistas; S/M (sadomasoquistas); posições não masculinas
ou femininas (travestis, drag queens, etc.); sexo pago; sexo
inter-geracional (em particular, o que se dá entre adultos e
menores de idade). (GREGORI, 2003, p.102)
Com base no pensamento Butler e Rubin, o pensamento de Gregori
neste texto reconhece a luta feminista abraçando as causas das minorias
socialmente estigmatizadas, porém ela pontua uma atuação limitada às
―feministas radicais‖, diante dos problemas como a violência de gênero, onde
estas, processam questionavelmente tal problema por desenvolverem uma
análise ―determinística e rígida‖.
A comunidade virtual em questão contesta a violência de gênero e
principalmente o fato da culpabilidade da vítima como uma reação instintiva do
patriarcado, quando coloca que determinadas vestimentas femininas fazem
parte do estímulo principal do abuso.
Tal reação do senso comum torna-se irônica numa sociedade em que a
cultura de mercado feminina constrói um padrão de sensualidade baseada na
performance do corpo pouco vestido como liberdade de exercício da
feminilidade.
121
―Feminismo sem demagogia‖ traz à tona a violência de gênero em
forma da violação da privacidade do corpo feminino. Denúncia o estupro,
inclusive do estupro ―corretivo‖ em lésbicas e o estupro vulnerável. Esses
casos só são possíveis pelo desenvolvimento da recente da tecnologia na
comunicação. A partir disso, registra-se, por qualquer mídia portátil, o
aproveitamento perverso da embriaguez feminina para violação de seu corpo.
No caso da publicação do depoimento a seguir, observa-se a tecnologia como
um instrumento de registro e também de poder sobre a vítima pelas imagens,
já que na contemporaneidade a facilidade de disseminação da imagem por
mensagem é muito maior.
122
A publicação acima menciona o fato que, ―mesmo estando zonza e
dopada‖, ela ―pedia para parar‖ mas, o destaque na interpretação social não foi
de apoio e respeito à vítima, pelo contrário, a reação foi mais condenação,
quando: ―todo mundo falou mal de mim (...)‖. As novas tecnologias
comunicacionais podem ser instrumentalizadas para a disseminação da
violação da intimidade, a ponto de levar até a morte em casos extremos,
quando a moral de valor patriarcal da personagem feminina é socialmente
dilacerada.
Parreiras (2012) atenta ao fato dos desdobramentos do sexo pelas
telas, desde o cinema, até a recente ciberporn, em que atores e diretores dos
clássicos da indústria pornográfica deram lugar às produções caseiras com
suas interações online, o que faz perceptível que a conexão e a interação do
prazer com a tela são facilmente desenvolvidos nos ambientes domésticos:
Não se trata mais apenas de uma audiência defronte uma
grande tela partilhando publica ou grupalmente da exibição,
mas sim de pessoas que podem estar em seus quartos
sozinhas ou acompanhadas com a tela de seu computador liga
123
à internet e interagindo das mais diferentes formas com o que
vê e sente. [...] a exibição do sexo hoje deve considerar as
múltiplas possibilidades que incluem clicar, digitar, escolher
(...). (PARREIRAS, 2012, p. 337)
―Feminismo sem demagogia - original‖ aponta o sentido que traz a face
negativa dos recursos tecnológicos, quando o acesso múltiplo e momentâneo
de conexões pulveriza as imagens socialmente depreciativas para as mulheres
que, muitas vezes, são feitas quando envolvidas pela paixão, instintos de
prazer e pela condição narcísica de ver a ―vida em telas‖, normalizada e
exaltada pela sociedade de mercado contemporânea; não percebem a arma
que pode ser criada para elas mesmas, em razão de valores patriarcais
depreciadores de uma moral historicamente construída e condicionada a
muitas vezes, culpar a vítima.
Essa moral tradicional e patriarcal pode ser reconhecida pelo contexto
das publicações da comunidade do Facebook ―feminismo sem demagogia -
original‖, como uma construção social que envolve poderes dissonantes para
emancipação. Foucault (1998) conta sobre o estudo sexual do acasalamento
na vida dos animais, desenvolvido por Aristóteles, concluindo que o problema
em se falar da vida sexual dos humanos por suas diferentes variantes é raro
porque isso acaba por se manifestar em outras dinâmicas.
(...) Quanto ao gênero humano, mesmo que as descrições dos
órgãos e de seu funcionamento sejam detalhadas, os
comportamentos sexuais com suas possíveis variantes, são
apenas evocados. O que não quer dizer contudo, que haja em
torno da atividade sexual dos humanos, na medicina, na
filosofia e na moral grega, uma zona de silêncio rigoroso. O
fato não é que se evite falar destes atos de prazer: mas quando
se reflete a respeito dele, o que coloca o problema não é a
forma que tomam e sim a atividade que manifestam. Sua
dinâmica, muito mais que sua morfologia (...). (FOUCAULT,
1998a, p. 41)
A consequência dessas dinâmicas em se verbalizar e estudar
abertamente as variações das performances sexuais, ainda é uma atividade
124
difícil, quando os valores da igreja e da estrutura patriarcal tradicional se
perturbam e condenam muitos dos diferentes ―usos dos prazeres‖ nessas
diferentes performances sexuais.
No chamado Revange Porn, o ato de difundir online imagens íntimas
ou de relações sexuais para contatos de conexão e familiares das vítimas pode
ser considerado algo que leva àquelas dinâmicas mencionas por Foucault,
quando as consequências se tornam muito maiores que o ato da interação
erótica interagindo com telas digitais. A figura feminina torna-se, então,
altamente vulnerável, já que a difusão desse crime em rede social é abalar
moral da atriz feminina aos olhos sociais, numa amplitude imensurável, dada a
dificuldade de medir o espaço virtual e as dimensões das conexões em rede.
As telas estão no cotidiano da condição contemporânea, sendo a base
de existência do que trato aqui como ciborgues coquetes, pois elas também
não seriam mapeadas, se as telas em conexão online não as apresentassem.
No caso do Revange Porn, as telas digitais das recentes mídias são usadas
como um instrumento depreciativo, pela intensidade da intimidade, do erotismo
e muitas vezes da embriaguez registradas, servindo de arma para o prazer
sexual e poder masculino. Como das imagens em tela, absorve-se sempre o
superficial, elas ofuscam o caráter de vulnerabilidade feminina, por trás do
mundo digital de ver e ser visto, que segue se enfatizando como o atual
desdobramento midiático com reproduções massivas de referências
impensadas.
Porém essa vulnerabilidade não se esconde apenas atrás dessas
intimidades ou crimes sexuais registrados e compartilhados. Conforme o
estudo das outras comunidades do Facebook, essa dissertação conseguiu
demostrar que a vulnerabilidade se esconde também atrás do que
aparentemente pode ser considerado como ingênuo e sagrado, a exemplo da
comunidade online ―mulheres que oram‖; ou pode estar por baixo do universo
da moda, consumo e cosmética, como em ―mulheres perfeitas‖; em ―feminismo
sem demagogia - original‖, essa condição de vulnerabilidade está presente nas
categorias das minorias marginalizadas, e estigmatizadas pela violência da
dicotomia de gênero.
125
3.2. A condição feminina sob o panóptico relacional online
A rede social tem capacidade de promover os atores sociais/virtuais em
conexão, por outro lado, ela pode ser um mecanismo ideal de humilhações e
insultos, principalmente quando se refere à questão da ―moral‖ feminina, como
foi demonstrado na etnografia online de ―feminismo sem demagogia – original‖
e as consequências trágicas do Revange Porn. Pelas próprias análises que
essa dissertação desenvolveu sobre a ciborgue coquete e as comunidades
femininas do Facebook, nos capítulos anteriores, compreende-se que para
sociedade, a mulher carrega a necessidade de uma moral, que atenda aos
preceitos patriarcais da comunidade imaginada, conforme demonstrado no
segundo capítulo, quando mencionado os estudos de Tönnies (1982)
fundamentando o papel materno e paterno na família da comunidade
tradicional.
Como essa condição, pretende se explicar, a partir do conceito do
―panóptico‖ desdobrado na vida reacional do universo virtual, esse capítulo
inicia-se explicando a dimensão desse conceito em sua essência, apresentado
por Foucault (1999) em ―Vigiar e Punir‖. O autor inicia seu trabalho, explicando
o tal conceito por sua função arquitetônica, desenvolvida por Bentham5, como
princípio de controle pela visibilidade:
O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa
composição. O princípio é conhecido: na periferia uma
construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de
largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a
construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas
janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da
torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse
a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre
central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um
condenado, um operário ou um escolar. (...) Tantas jaulas,
5 Panóptico é um termo utilizado para designar um centro penitenciário ideal desenhado pelo filósofo
Jeremy Bentham em 1785. O conceito do desenho permite a um vigilante observar todos os prisioneiros
sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. De acordo com o design de Bentham,
esse seria um design mais barato que o das prisões de sua época, já que requer menos empregados. O
nome aplica-se também a uma torre de observação localizada no pátio central de uma prisão, manicômio,
escola, hospital ou fábrica. Aquele que estivesse sobre esta torre poderia observar todos os presos da
cadeia (ou os funcionários, loucos, estudantes, etc.), tendo-os sob seu controle. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pan-óptico. Acesso em 3.10.2014, às 20h58.
126
tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho,
perfeitamente individualizado e constantemente visível. O
dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que
permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (...) A
visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, 1999, p. 223-224)
Compreendendo as palavras de Foucault no contexto virtual, quando
se refere à ―visibilidade como uma armadilha‖, fica evidente a vulnerabilidade
feminina em rede social, pois o controle em relação à imagem e a moral
feminina é constante e, como apresentado no início desse capítulo, o Facebook
e as recentes mídias são capaz de promover e denegrir a imagem da atriz
social/virtual.
Sob a interface de borda azul, existem tantos ―pequenos teatros, em
que cada ator pode estar sozinho ou acompanhado, mas perfeitamente
individualizado e constantemente visível‖, no entanto, conectados. E na ilusão
da conexão, cria-se um elo que, como disse Bauman (2001), remete ao
conforto da palavra: ―comunidade‖ no virtual. Por outro lado, esse conforto
pode ser traiçoeiro; como estão todos encenando suas ―teatralidades pessoais‖
e conectados entre si, não se dão conta da prisão que pode exercer essas
janelas, tampouco da armadilha que pode representar a super exposição em
conexão, como um mecanismo de controle e ameaças interagindo com as
recentes mídias:
127
Nessa publicação, percebe-se que o panóptico contemporâneo age por
diversas esferas; primeiro, as ameaças pelo What’s app6, um aplicativo de
mensagens que, quando programado, acusa quem está online, e se viu as
mensagens, mas não respondeu. No caso dessa postagem, pareceu ser o
6 WhatsApp Messenger é uma aplicação multiplataforma de mensagens instantâneas para smartphones.
Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e mensagens de áudio de
mídia. O software cliente está disponível para Android, BlackBerry OS, iOS, Symbian, Windows Phone, e
Nokia.1 A empresa com o mesmo nome foi fundada em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, ambos
veteranos do Yahoo! e está sediada em Santa Clara, Califórnia. Competindo com uma série de serviços
com base na Ásia, WhatsApp cresceu de 2 bilhões de mensagens por dia em abril de 2012 para 10
bilhões em agosto do mesmo ano. De acordo com o Financial Times , WhatsApp "tem feito para SMS em
celulares o que o Skype fez para chamadas internacionais em telefones fixos ". Em Junho de 2013, o
aplicativo alcançou a marca dos 250 milhões de usuários ativos e 25 bilhões de mensagens enviadas e
recebidas diariamente. No dia 19 de fevereiro de 2014, o Facebook adquiriu a empresa pelo montante de
16 bilhões de dólares, sendo 4 bilhões em dinheiro e 12 bilhões em ações do Facebook, além de 3
bilhões de ações no prazo de quatro anos caso permaneçam na companhia. Seus fundadores serão
incorporados no conselho administrativo do Facebook. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/WhatsApp. Acesso em 03.11.2014, às 17h09.
128
estopim para a ira e o controle. Os insultos dispensados por esse mecanismo
de mensagens podem atingir toda a rede de conexão do ameaçador, caso ele
queira dispensar o conteúdo íntimo e inapropriado à exposição. Outra ameaça
veio pela foto do ex-namorado. Como descrito no capítulo anterior, os recursos
de mídias móveis e a magia da tela digital, registrando e divulgando a
intimidade compartilhada, tira a consciência da ideia que Foucault (1997) já
alertava, onde a ―visibilidade pode ser uma armadilha‖. O acesso à foto íntima
pode ser compartilhada com o parceiro e, a partir daí, passível de ser
compartilhada com toda a rede de conexão da conexão do mesmo. Por último,
a ameaça de morte e estupro sob a ameaça de divulgar as imagens no
Facebook na tentativa de coagir uma ―saída‖ com menina, faz alertar que a
visibilidade feminina é vulnerável a todas as recentes mídias num exercício
além da vigia e do controle, ou seja, elas podem ser usadas ameaçando a vida
e a integridade física, pela coação perversa armada do poder da rede conexão.
Estendendo a análise da citação de Foucault, quando em cada cela
está ―um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar‖,
entende-se que o autor coloca o controle desempenhado pelos seguintes
poderes: a psiquiatria e medicina; o sistema judiciário, o mercado de trabalho e
a educação como mecanismos de disciplina e controle.
Esses sistemas chamados por Foucault como ―disciplinadores‖,
alastram-se e desdobram-se sempre de maneira conservadora no universo
feminino e se evidenciam ao observar a matriz tradicional contornando as
expressões ciberfemininas. Mesmo a citação se tratando de uma estrutura
física com uma arquitetura apropriada para vigia, ela permite criar certas
analogias partindo dessa mesma essência interiorizada, presentes em
expressões na rede social ou na experiência cotidiana da vida.
Na rotina contemporânea, a medicina e a psiquiatria entram na esfera
feminina com a solução adequada para remediar o que pelo senso comum é
chamado de ―loucura‖ emocional da ―tensão pré-menstrual‖; a medicina ainda
desenvolve os métodos clínicos de contracepção, em sua maioria,
desenvolvidos para mulheres, impondo a responsabilidade da gravidez
primeiramente a elas; o sistema educacional e de trabalho exigem das
129
responsabilidades femininas sem distinção de gênero, controlando-as sem
levar em conta, a jornada doméstica e materna do trabalho da mulher.
Para suportar toda demanda que é exigida ao perfil feminino
contemporâneo, a mulher urbana explora, vigia e disciplina, às suas
necessidades, o trabalho de outra mulher, exercendo o desdobramento de
outra relação de poder de raiz patriarcal, normalizado e pouco questionado.
Mediante a todas as funções atribuídas socialmente às mulheres, a
prática do ócio é como um grande pecado. Foucault atribuiu ao desempenho
em atividades em sucessivas, o funcionamento do poder totalizador do tempo e
do trabalho, no qual o indivíduo passa a se considerar ―utilizável‖, como
capacidade primordial da existência.
Recolhe-se a dispersão temporal para lucrar com isso e
conserva-se o domínio de uma duração que escapa. O poder
se articula diretamente sobre o tempo; realiza o controle dele e
garante sua utilização. (FOUCAULT, 1999, p. 243)
Por essa citação e a observação das expressões femininas online,
pode se constatar que esse poder exercido sobre a atividade no monopólio do
tempo feminino é consequência da inserção, agora socialmente defendida da
mulher no mercado de trabalho e sua responsabilidade tradicional com a
família e o casamento. Esses poderes reagem na própria identidade feminina,
quando a própria mulher normaliza arcar com as sobrecargas, e se conforma
que este é seu papel.
A publicação, a seguir, da comunidade virtual ―mulheres perfeitas‖ pode
exemplificar esse exercício de utilização total do tempo e trabalho que a mulher
incorpora, de acordo com que o autor coloca acima, quando o intuito dessa
publicação é justificar o tempo dispensado no Facebook:
130
7
Analisando essa postagem, percebe-se que a condição de vigilância e
controle permanente que a era das mídias móveis e sociais proporcionam é
aproveitada pelas instituições jurídicas, familiares e relativas ao trabalho, pelo
monitoramento como viabilidade da tecnologia. Essas instituições observam e
controlam os movimentos dos atores em rede, pois o acesso a ela é visível
pelos ―amigos‖, ou contatos em conexão, principalmente quando a caixa de
―bate papo‖ online está aberta.
Assim, a justificativa da postagem apresentada encontra-se como
resposta ao âmbito das instituições e das sociabilidades que vigiam
virtualmente. Percebe-se, então, que a incorporação e a reprodução das
relações de poder seguem totalizando o tempo e o trabalho feminino, de
maneira que essa dissertação considera análoga ao que Foucault chamou
―docilidade-utilidade‖, consequente dos poderes disciplinadores, anteriormente
descritos.
A modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta,
constante, que vela sobre os processos da atividade mais que
7 << https://www.Facebook.com/Mulheresqoram?fref=ts>> . Acesso em 02.11.2014, às 22h24.
131
sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma
codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os
movimentos. Esses métodos que permitem o controle
minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição
constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
―disciplinas‖. (FOUCAULT, 1999, p. 225)
Quando a obra ―Vigiar e Punir‖ aborda a docilidade dos corpos, ela se
refere ao soldado como consequência do estado e em sua conduta de
disciplinaridade reagindo fisicamente nos corpos e, nos espíritos. Mas pode ser
deslocada para pensar as expressões ciberfemininas refletindo a condição da
mulher contemporânea. Isso ocorre porque, desde as matrizes tradicionais com
base no casamento e família aos ditados midiáticos com suas infinitas
mensagens sobre o que a mulher necessita consumir para ser mulher, fazem
do ideal feminino um instrumento manipulado em torno dos poderes
imperativos da cultura patriarcal e de mercado.
Esses referenciais inspiradores do feminino baseados na vaidade e
beleza; no trabalho, no consumismo, na família e nos casamentos tradicionais
são totalizadores do tempo e do ideal de feminino, assim como essa
dissertação apresentou, são totalitários na cultura feminina ocidental.
O poder que estimula a identidade da mulher de acordo com a
feminilidade tradicional consumista age em conjunto ao poder que explora seu
trabalho para reduzi-la a uma ―bela‖ mãe trabalhadora e consumidora. A
totalidade e o totalitarismo utilitarista desse fato deixam poucas brechas ou,
muitas vezes, nenhuma para um posicionamento do pensamento feminino
questionador e reflexivo.
Esse contexto cria uma cultura feminina que, em seu senso comum,
não aceita o que a ela não se espelha, pois como a etnografia da comunidade
―mulheres perfeitas‖ e a imagem a seguir, coletada dessa respectiva
comunidade do Facebook podem demostrar, é um ideal imposto desde os
primeiros passos:
132
Portando, a ―docilidade-utilidade‖ está ativa e incentivada logo na
primeira infância, quando o ideal de mulher segue inspirando ―docilidade‖, na
absorção dos valores de consumo para construção de sua identidade, e
―utilidade‖ porque a outra face disso é se transformar num objeto de estímulo
de prazer, na exacerbação da sensualidade como valor agregado.
O estudo de Foucault demostra que a força dos poderes disciplinares
está evidente nos corpos, e a análise das expressões das ciborgues coquetes
pode demostrar como a força desses poderes molda a atriz social/virtual de si.
Enquanto em ―Vigiar e Punir‖ a docilidade dos corpos é consequência do
estado exercendo a força da disciplina; nas ciborgues coquetes, fica evidente a
força dos preceitos de ―beleza‖ fabricada pelas mídias e seus negócios
multinacionais, conforme as referências de Naomi Wolf (1997), as quais estão
presentes no primeiro capítulo dessa dissertação, exercendo o poder sobre a
disciplina de seus corpos e assim orgulhar-se de si e acumular elogios tanto na
esfera social como na virtual.
133
8
A ciborgue coquete que alcança o desenho do corpo estipulado como
―belo‖ pela cultura de contemporânea de mercado, normalmente exibi como
sua ―beleza‖ a consequência do seu esforço e disciplina, divulgando-os pelos
atuais autorretratos chamados selfie, publicados em rede. Tal fato é um
desdobramento do que Foucault já havia observado, muito antes de tal
fenômeno:
Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de
investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer
sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito
apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou
obrigações. Muitas coisas, entretanto são novas nessas
técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata
de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse
uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente;
de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao
nível mesmo da mecânica — movimentos, gestos atitude,
rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em
seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos
significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas
a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização
interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os
sinais (…). (FOUCAULT, 1999, p. 245)
8 Disponível em http://www.feedbox.com/do-you-know-who-was-in-the-first-selfie. Acesso em 03.11.2014,
às 20h28h.
134
A convergência entre as análises do ciberfeminino e o culto à imagem
do corpo, baseado nas diretrizes midiáticas, com as palavras de Foucault,
emerge-se quanto ao fato de qualquer sociedade aplicar ao corpo uma prisão
ideológica restritiva e cheia de obrigações, sob os poderes coercivos
incorporados e reproduzidos em valores sociais. Em ambos os casos, o
cuidado com o corpo ultrapassa esta noção do ―cuidar‖, se ativando em sua
performance física e em sua ―organização interna”. É aí onde o poder atua no
nível da ―mecânica‖ interior reproduzindo sua força e seu controle.
O estudo etnográfico nas comunidades virtuais do Facebook,
selecionadas como fonte de dados para esse trabalho explicar o ciberfeminino
e a condição da mulher contemporânea, constata que o ―poder disciplinar‖ faz
parte de uma identidade feminina que o absorve inquestionavelmente este
poder e ainda se enaltece por absorve-lo. Tal fato pode ser ilustrado pela
comunidade ―mulheres que oram‖ e suas orações e preces, aparentemente
inocentes, mas carregando intrinsicamente a obrigação da maternidade, do
casamento hétero normativo, das obrigações do lar e a submissão ao
patriarcado; como um mesmo vetor do modelo disciplinador controlador
baseado nas estruturas patriarcais de séculos passado.
(...) O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de
se apropriar e de retirar, tem como função maior ―adestrar‖; ou
sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e
melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-
las para multiplicá-las e utilizá-las num todo (....). (FOUCAULT,
1999, p. 195)
Essa dissertação também apresenta a força do poder controlador e
disciplinador pela apresentação da ―docilidade-utilidade‖, como consequência
da feminilidade ditada pela comunidade ―mulheres perfeitas‖, quando o
feminino se compõe primordialmente pelo consumismo para garantia de um
produto total de si mesma. O resultado da construção da personagem de si
interage na esfera da sociabilidade feminina baseada na concorrência; ou num
―mercado‖ feminino, que se pauta no ideal do casamento monogâmico,
cultivado de modo socialmente homogênico, o ideal de esposa pela
135
exclusividade e singularidade por meio da ―beleza‖ e da sensualidade da
mulher. Para isso, a disciplina é direcionada para a manutenção do corpo
―jovem‖ e ―belo‖, de acordo com os referenciais ―estrelares‖ das velhas e novas
mídias. Dessa maneira, são pensados nesse capítulo, sob a inspiração de
Foucault, o poder dissolvido em diversas células reprodutivas, oriundas da
vigia, do monitoramento e do controle, pelas estruturas dos poderes
tradicionalmente coercitivos, como que seguissem alastrando-se socialmente e
virtualmente, com o objetivo de ―adestrar‖:
―Adestrar‖ as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e
forças para uma multiplicidade de elementos individuais —
pequenas células separadas, autonomias orgânicas,
identidades e continuidades genéticas, segmentos
combinatórios. A disciplina ―fabrica‖ indivíduos; ela é a técnica
específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo
tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.
Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso,
pode-se fiar em seu super poderio; é um poder modesto,
desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada,
mas permanente. (FOUCAULT, 1999, p. 195)
Essa citação aponta o fato que a o poder coercitivo das instituições
disciplinares (midiáticas e tradicionais) ―fabricando‖ o que esse estudo mapeia
como ciberfeminino, em que as atrizes ciborgues coquetes, ao mesmo tempo
em que são objetos, são também instrumentos do exercício de poder.
(...) As disciplinas estabelecem uma ―infra-penalidade‖;
quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e
reprimem um conjunto de comportamentos que escapava aos
grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença (...).
(FOUCAULT, 1999, p. 202)
Foucault coloca os valores disciplinares em forma de leis que
qualificam, julgam e reprimem o comportamento A cultura contemporânea de
mercado, pelo desenvolvimento dessa pesquisa, mostrou-se estruturada pelos
pilares tradicionais dos valores femininos e junto a isso, essa cultura elabora
um olhar controlador e sustentador da construção do feminino, para que sua
função não vá além de ―embelezar‖ e agregar valor moral pela maternidade e
136
devoção à família, sempre no papel de coadjuvante, na cena social e virtual,
pois tem sua função instrumentalizada na essência da matriz patriarcal.
Sofrer o controle social e vestir a culpa, quando não corresponde aos
seus preceitos, são fatos que puderam ser diagnosticados como parte da
condição feminina, bastante persistentes na contemporaneidade, e visíveis
tomando-se por base a etnografia desenvolvida por essa pesquisa, nas
comunidades do Facebook: ―mulheres que oram‖, ―mulheres perfeitas‖ e
―Feminismo sem demagogia‖, . Isso porque, todos aqueles dados mostraram a
sociedade, ativa no exercício panóptico do olhar que vigia e julga e
responsabiliza a mulher por seu corpo, por suas roupas, seus cuidados
estéticos, sua família, seu trabalho doméstico, seu trabalho externo, seus
excessos e suas angústias.
Foucault traz a base do conceito do panóptico, aqui desdobrado na
viabilidade desse exercício conceitual na recente tecnologia comunicacional. A
tecnologia atual, portanto, é encarada nessa análise, como um fator imperativo
na cultura de mercado que não abala as forças das estruturas dos valores
femininos tradicionais.
Como apresentado no capítulo anterior, a sociedade da cultura
contemporânea se encanta com o protagonismo das ―estrelas‖ das novas e
velhas mídias, mas tais valores, intrinsecamente, moldam o perfil feminino para
compor uma atuação feminina que permaneça restrita ao papel de coadjuvante
na cena patriarcal. Tais valores são instrumentalizados e socialmente
controlados para direcionar o papel feminino sujeita a um script socialmente
defendido. Trabalhar fora de casa, é reconhecido como emancipação, mas
também é exigido socialmente, principalmente para que a mulher
contemporânea tenha condição de cumprir seu papel de grande consumidora e
não ―explorar‖ o marido com o acesso a todas as novidades e tendências de
moda, que a cada semestre se renovam e se descartam. Essa condição da
mulher, observada pelas expressões femininas em rede social, converge com a
reflexão que releva a lógica econômica como grande manipulador do poder,
instaurado nos mecanismos internos dos atores sociais/virtuais. Tal fato
também converge com as análises construídas por Foucault (1999) quando, no
137
parágrafo a seguir, esclarece o sucesso da economia ocidental, a partir dos
métodos de ―sujeição‖.
Se a decolagem econômica do Ocidente começou com os
processos que permitiram a acumulação do capital, pode-se
dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos
homens permitiram uma decolagem política em relação a
formas de poder tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e
que, logo caídas em desuso, foram substituídas por uma
tecnologia minuciosa e calculada da sujeição. (FOUCAULT,
1999, p. 243)
Desse modo, o panoptismo, que Foucault inspira ao presente estudo,
está no sentido da ordem mercadológica e tradicional da sociedade, visíveis
também no lado virtual, da cultura de mercado contemporânea. Constata-se,
então, que a esfera da comunicabilidade online, bem como a demonstração do
Ciberfeminino adequam-se ao desdobramento derivado dos conceitos
tradicionais e midiáticos, num contexto, ao qual, cabe no que o mesmo autor
chamou de ―processo técnico, universalmente difundido, da coerção‖ do
feminino.
Essa ―sujeição‖ feminina corrobora com a sua própria objetificação, em
que o produto de si mesma se transforma no objeto de consumo, ―adestrado‖
pelos referenciais da cultura feminina mercadológica. E no exercício contínuo
de ―adestramento‖ feminino, analisado nas expressões ciborgues coquetes, do
universo comunicacional ciberfeminino, encontra-se as mídias, que seguem
disseminando suas técnicas e estratégias de imagens persuasivas do
comportamento feminino contemporâneo; por uma enxurrada de mensagens,
em que as poses encobertam as dores, conforme foi visto no segundo capítulo
dessa pesquisa.
Foucault (1998), no volume II de sua trilogia sobre ―a historia da
sexualidade‖, fala sobre o questionamento do comportamento do marido no
pensamento da Grécia antiga e desde lá é possível observar os
enquadramentos para a mulher que até a contemporaneidade ainda estão se
fazem persistente no pensamento da cultura ocidental. Nas expressões
138
femininas virtuais, isso se mostra um fato determinante na categorização das
mulheres e, assim como o panóptico de Foucault (1987), já reconhecia
―armadilha da visibilidade‖ ao controle dos ―loucos‖, dos ―doentes‖, por
exemplo. O panóptico online reproduz os estigmas em categorias femininas,
como mulher para casar, a promíscua, a boa e a péssima mãe, entre outros
rótulos que respectivamente entram de acordo com os referenciais tradicionais
considerados adequados às mulheres ―de valores‖, pelo senso comum e
notável pela leitura de Foucault (1998) , desde o período grego:
No final do libelo Contra Nera, atribuído a Demostenes, o autor
formula uma espécie de aforismo que permaneceu celebre: As
cortezãs nós temos para o prazer; as concubinas, para os
cuidados de todos os dias; as esposas para ter uma
descendência legitima e uma fiel guardiã do lar. [...] Por outro
lado, as mulheres enquanto esposas devem, são de fatos
circunscritas em seu status jurídico e social; toda a sua
atividade sexual deve se situar no interior da relação conjugal e
seu marido deve ser seu parceiro exclusivo. Elas se encontram
sob seu poder e é a ele que devem que serão seus herdeiros e
cidadãos. (FOUCAULT, 1998, p. 129)
Como essa dissertação apresentou anteriormente, a emancipação
sobre os valores tradicionais como esses anteriormente colocados, e as
relações dicotômicas de poder ainda se fazem presentes na tecnologia
comunicacional pelas redes sociais. Por outro lado, manifestações feministas
nas comunidades do Facebook, como ―Feminismo sem demagogia‖, entre
outras, resgatam fragmentos pertinentes das relações de poder, papéis dos
gêneros na sociedade ocidental e da teoria queer como resistência.
A cultura de mercado, em seus processos históricos, acompanhada
pela cultura patriarcal, segue continuamente esses referenciais tradicionais
dando-lhes roupagens midiáticas que mudam de tonalidade conforme as
tendências dos tempos decorrentes. Isso acaba por criar categorias
homogêneas e competitivas entre as mulheres, muitas vezes articuladas, a
partir das teatralidades online, reproduzindo os conteúdos estereotipados.
139
140
As duas imagens acima podem repercutir os traços da sensualidade
homogeneizada da coquete ciborgue logo na fase da adolescência como valor
ao feminino exibido na interface do Facebook. Tal valor, é oriundo do teor
midiático da produção que visa despertar os estímulos sexuais como um valor
ao feminino, e ao mesmo tempo, é um valor frágil e socialmente disposto à
degradação da mulher, sob a mesma essência desta condição.
Foucault (1999) dizia que nossa sociedade é mais da ―vigia‖, que do
―espetáculo‖, porém o estudo que aqui decorre demonstra que as redes sociais
como palco das relações virtuais faz com que esses dois aspectos se
retroalimentem de forma a construir uma vaidade tradicionalmente pautada nos
valores patriarcais e midiáticos. A química entre esses dois aspectos ocorre de
maneira incisiva na contemporaneidade, é quando nasce o olhar das atrizes
sociais virtuais que julga sua própria categoria baseando-se no poder
disciplinar que é mantido e estruturado pelas bases tradicionais e
espetaculares na imagem superficialmente construída e posada da mulher em
telas digitais.
A contemporaneidade pelas expressões femininas, de matriz
tradicional, investigadas no Facebook, não ultrapassou o que Foucault (1998)
resgatou do período grego quando a utilidade de sua virtude da mulher estava
em função da garantia em saber respeitar ―por vontade e por razão, as regras
que lhe são impostas‖. E não se importa na atualidade, isso implique numa
condição objetivada, coisificada e utilitária para reprodução da espécie
sustentada pela retroalimentação dos valores de mercado e patriarcal, o que
importa nesse nicho feminino amplamente presente na rede social Facebook
é ser uma ―estrela‖ baseada nesta respectiva condição, e obedecer à estes
valores, afim de receber ―curtidas‖ e ―elogios‖.
Considerações Finais
Este foi um trabalho de etnografia, no campo da rede social Facebook,
em que busquei compreender um segmento cultura contemporânea
relacionando-o, de forma teórica, à essência das manifestações femininas. Foi
também uma auto etnografia online, já que me considero a atriz social/virtual,
imersa em alguns dos papeis abordados por esta análise.
Foi possível observar, por meio dos perfis pessoais das comunidades
virtuais femininas e de autoanálise desempenhada na esfera aqui denominada
de coquete ciborgue, que um novo fenômeno vinha estabelecer uma nova
forma de existência. Isto é, a capacidade de construção e manipulação de
autoimagem e da auto-identidade no palco virtual da rede digital – que
corresponde a um vínculo direto com a identidade. Pelo avatar virtual, foi
apresentado um quadro que corresponde aos signos, valores e preceitos
sociais que agem de forma coercitiva à atuação da atriz social, de modo geral,
na vida cotidiana.
A interpretação da condição ciborgue, na amplitude do senso comum,
desconhece a essência do conceito de Hathaway. Embora, atualmente, essa
definição seja reconsiderada pela superação do conceito dicotômico do gênero e
fortalecida como símbolo da era das próteses, da incorporação e absorção da
tecnologia. O que nos leva a visualizar uma sinergia entre o animal e o tecnologia.
Ao focar na esfera feminina em rede social, a dissertação permitiu
demostrar que a tecnologia comunicacional se tornou um instrumento, em que
o virtual pode ser um vetor maior disseminador do imaginativo e do fantasioso
do que transformador dos valores estruturados e socialmente dados. O
Facebook, diante das comunidades e perfis femininos, exibe os traços
evidentes de um senso comum. Ancorados nas correntes religiosas e
midiáticas, que se apegam à esta esfera para aspirar à construção da auto-
identidade ou fachada pessoal.
142
Nada mais parece ser tão significativo e representativo como a
tecnologia na rotina das ações sociais, em todas as esferas da vida. Então,
estudar a revolução das novas mídias digitais, com seus poderes de conexão
simultânea, trouxe à tona o desdobramento, nada deslumbrado, do processo
de se relacionar.
Notei, após os primeiros passos da pesquisa, uma aspiração contrária
do que definia a internet, com seu poder de conexão, como sinônimo de rede
de conhecimento e superação dos poderes dominadores do patriarcado e da
ética social do mercado. Focando a objetificação da imagem feminina,
reproduzida pela atuação das ciborgues coquetes em rede social Facebook,
um desencanto surgiu nesse percurso investigativo. Principalmente, ao finalizar
a pesquisa e considerar que as atrizes da própria vida são personagens
femininas sociais/virtuais que demostram, em suas expressões, o sistema de
competição e dos poderes disciplinadores da sociedade tradicional –
incorporados ao caráter feminino. A fuga dos delimitados moldes sociais,
consequentemente, resultam em estigmas depreciadores e desqualificadores
das diferentes performances da identidade humana. A feminilidade obedece os
contornos da sociedade, que segue cobrando os signos para a identidade da
personagem virtual/social de si na rede da vida, de um feminino homogêneo,
coisificado, objetivado e pouco criativo.
Quando digo que a rede social foi instrumentalizada para o narcisismo
individualista das ciborgues coquetes, exponho que a atuação da cultura
ciberfeminina, no campo comunicacional, atende desde a magreza das revistas
de moda até ao padrão curvilíneo ou musculoso como padrões exuberantes e
sensualizados de mulher, na sociedade da cultura capitalista. Tal ideal de
mulher, difundido na ênfase das pinups do pós-guerra, ainda é fonte dos
desdobramentos significativos da feminilidade pautada na fantasia libidinosa.
Esses valores se estenderam, e continuam socialmente ativos, como
inspiração para elaboração de produtos e mulheres. A partir do ideal excitável,
ao mesmo tempo continua a condenar o erotismo vinculado à liberdade sexual
da mulher. Um fato que não é recente, pois essa ideia esteve presente na
leitura simmeliana, quando ela apontava a composição dos traços da filosofia
coquete em um nicho da cultura feminina. Mais adiante, a sensualidade e o
143
fazer excitável estavam para além deste aspecto, pois os atrativos da sedução
agiam, segundo ele, no desejo de aquisição de objetos desde o final do século
XVIII e começo do século XIV.
É possível alegar que o ideal de mulher contemporânea é composto
pela moral tradicional-midiática, na qual a inundação de mensagens deixa
pouco espaço para o processo criativo e autônomo de autoconstrução. O
desempenho do papel feminino está focado em querer agradar socialmente
para se agradar individualmente. Liberdade e liberação parecem apenas
eufemismos, típicos da sociedade neoliberal que, falsamente, estão presentes
na condição feminina contemporânea.
O trabalho de monitoramento das expressões femininas no Facebook e
das comunidades virtuais apresentou elementos simbólicos de um ideal
feminino que desloca a infância como direito e a leva para outras fases da vida
adulta – como na sujeição feminina do poder patriarcal, na rendição aos
preceitos do conteúdo midiático, nos desejos consumistas etc. Em
contrapartida, o exercício da pesquisa demonstrou que a cultura do mercado
vigente substitui a ludicidade da infância para meninas, com padrão coquete de
mulher adulta.
Tendo como referência o universo masculino, no entretenimento da
cultura mercadológica, verifica-se que a criança e/ou adolescente enfrenta e
vence, brutalmente, os adversários nos jogos e filmes. Lutam em guerras
violentas contra monstros fortes e poderosos. Além de salvar mocinhas,
crianças, famílias ou comunidades indefesas. Já o ideal feminino aparece no
cuidado da boneca, nas brincadeiras ingênuas, pautadas em seu visual
atualizado nos consumismos da moda e nos diversos utensílios da casinha e
das roupinhas, dos acessórios etc. No romance com um príncipe destinado a
viver feliz para sempre. A fragilidade, subjacente ao papel de ser valiosa por
ser bonita e saber cuidar, começa na infância fazendo com que as meninas
escondam da sua própria condição, e ao mesmo tempo que se aproveitam
destas referências para viver e espetacularizá-las. A exacerbação da sedução,
como empoderamento para espantar e afastar os medos que fazem da vida
cotidiana uma realidade instável e insegura, dá continuidade a ilusão de um
144
poder de feminilidade. Em constante movimento rumo a finitude do corpo, pelo
próprio percurso da vida.
Esse trabalho investigativo pode afirmar que, historicamente, a
idealização da mulher é uma arte desenhada e aprimorada pelo traço
masculino. E o aprimoramento dessa técnica foi intensificado quando o
feminino incorporou, pelas novas mídias, a representação do imaginário social,
traçando os desenhos da feminilidade. Todas as esferas da mídia cooperam
para a manutenção deste padrão. Algumas vezes misóginos, mas garantidores
do lucro e da dominação adequada para o constante sucesso desse atual
sistema de poder. Que age, profundamente, na falência da autoestima, na
ausência de autoconfiança e na falta de autonomia de desenvolver
performances que possam ir além de uma estrutura caduca de feminilidade. E
que se mantem tradicionalmente imperativa e persistente da ordem patriarcal.
Desse modo, conclui-se que o capital sensual, como essência do
feminino, é uma orquestração da cultura de mercado que aliena, coisifica e
objetiva as potencialidades da mulher. Controlando para que não ultrapasse as
fantasias do imaginário masculino, da família e da vaidade rival. O aspecto
socialmente preocupante é que as patologias oriundas dessa cultura feminina,
em busca da perfeição física e moral, são aceitas, no imaginário, como poder.
No geral, para cobrir e camuflar sua real condição de sujeitada às identidades
construídas, reprodutoras das estruturas sólida em sua matriz tradicional.
No Facebook, as comunidades femininas são quantitativas. Porém,
Feminismo Sem Demagogia, entre outras feministas, são qualitativas. Suas
mensagens carregam conteúdos que circulam debates e discussões profundas ou
conflituosas. Como as comunidades feministas possuem um público mais jovem e
atuante, penso brotar a semente de um movimento reverso se fortificando na rede –
em termos de qualidade e não na quantidade como aquelas representadas por
divas cristãs, superficiais e individualistas. É possível pensar que as comunidades
femininas pesquisadas têm um público mais velho, em termos de adeptas. As
mulheres, em fase adulta, são mais cobradas pelo amor incondicional ao
marido e família. Identificando-se, assim, muito mais com os preceitos da
feminilidade tradicional do que com as comunidades feministas.
145
Como pesquisadora, faço críticas ao deslumbre online. No entanto, não
posso deixar de reconhecer que o longo alcance da comunicabilidade, pode
alimentar mentes questionadoras e transformadoras. Não podemos
desmerecer o poder das redes! Acredito que seus efeitos sociais só sejam
positivamente efetivos quando o poder reflexivo e crítico estiverem presentes
nos questionamentos das mensagens, infinitamente fluidas, virtualmente. E
quando adjetivos como individualismo, egocentrismo, competitividade e
narcisismos darem lugar a uma visão de mundo emancipada das lavagens
cerebrais instrumentalizadas midiaticamente, que tradicionalmente, educam
para uma sociedade desmembrada em nichos de hierarquias e segmentos
desunidos e até rivalizados.
A educação crítica é sinônimo de resistência. No entanto, não é uma
pauta que interessa a atual estrutura do sistema de poder. Isso traz à luz a
crítica foucaultiana que aponta os sistemas educacional, médico e jurídico
como reprodutivos das estruturas disciplinares do poder. Provavelmente, por
esse diagnóstico, seria pertinente o aprimoramento da democracia e dos
direitos, associando-os ao futuro da conexão na internet. Porém a emergência
das redes sociais, aponta a consequência do processo de absorção das
informações de modo passivo, alimentando o imaginário dos atores sociais, na
condição de telespectadores. Tal fato, justifica as matérias jornalísticas que
mostram o declínio do hábito de assistir televisão – desenhando a
necessidade de um futuro de outras tecnologias acopladas, na união dos
computadores em rede com a televisão, como estratégia para aumentar a
audiência.
Na vida baseada em telas e no reflexo e refração da inércia, gerada
pela recepção e absorção passiva das mensagens que fluem constantemente
das telas, constata-se a perda da aura que a análise benjaminiana retrata do
contexto cinematográfico. O olhar para postar é uma bifurcação, pois
abandona-se a aura [original] para enxergar a realidade das paisagens
concretas mundo. Por esse delimitado foco na visão reprodutiva dos modelos
de imagens já dados. O olhar conectado da condição contemporânea não se
atenta aos prejuízos de poder escolher o que se quer ver. Vendando-se para
as realidades táteis, as quais, cada vez mais, trazem situações de inabilidade
146
na relação da convivência social e física, baseada em respeito e equidade
humana. Pelo contrário, as comunidades virtuais, quando aqui refletidas,
funcionam para pensar a ética dos grupismos contemporâneos consolidados
em nichos competitivos. Defendem as morais de seus próprios estilos de vida –
que são tensões entre estilos diferentes, mas, na maioria das vezes, são
mantedores dos sistemas tradicionais dos poderes de coerção do pensamento
social.
A alienação e a aceitação do papel feminino – sobrecarregado de
responsabilidades com lar, família, trabalho, vaidade e consumo , parece
isentar o empreendimento das políticas públicas e serviços de qualidade que
poderiam dar o suporte necessário ao ingresso no mercado de trabalho.
O ciberfeminino demonstra que a identidade feminina, elaborada como
modelo dos preceitos acima colocados, distancia a responsabilidade do estado
de oferecer, democraticamente, esse suporte – acessível para todas as mães e
trabalhadoras. Esse orgulho individualista feminino que visa mostrar um dar
conta de tudo, também torna invisível o trabalho doméstico dessas mulheres
auxiliares. Sejam elas, parentes, vizinhas e funcionárias, elas são essenciais
para a ênfase da mulher de altos postos no mercado de trabalho. As
supermulheres mostram (mesmo que sob o preço da mentira), com orgulho,
que são capazes de arcar com todas as responsabilidades e descarregam o
stress na contemplação dos elementos da autoimagem. São como constituintes
de um hedonismo pautado na autocontemplação da vaidade narcísica.
O fechamento desta dissertação se dá na consagração do espaço
virtual como um ambiente repleto de elementos reproduzidos. Em dados que
demonstram as tendências e direções que o senso comum acredita, dissemina
e defende. Nesse estudo, pude perceber o trabalho de etnografia online como
um instrumento de estudo qualitativo do campo das relações virtuais, bastante
relevante para a compreensão dos fluxos sociais e essencial para o
entendimento da contemporaneidade refletida digitalmente.
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