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Bruno Cortez Torres Castelo Branco
CONTRATO E DISTRATO:
A CAPA IDEOLÓGICA DO DISCURSO JUDICIAL NOS
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) como
requisito parcial para a seleção de ingresso ao Curso de
Mestrado em Direito.
Área de Concentração: Direito do Estado
Linha de Pesquisa: Direito, Poder e Controle
Orientadora: Profª. Drª. Katie Silene Cáceres Argüello
Curitiba - PR
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SUMÁRIO
1. Identificação do projeto...............................................................................................03
2. Introdução....................................................................................................................04
3. Justificativa............................................................................................................. .....08
4. Objetivos......................................................................................................................11
5. Metodologia.................................................................................................................12
6. Cronograma.................................................................................................... .............15
7. Referências..................................................................................................................16
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1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO
1.1. Instituição
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Setor de Ciências Jurídicas
Programa de Pós-Graduação em Direito
Praça Santos Andrade, nº. 50, 3º Andar - Centro, CEP: 80.020-300, Curitiba - PR
1.2. Título do Projeto: "Contrato e distrato: a capa ideológica do discurso judicial nos
crimes contra o patrimônio"
1.3. Área de Concentração: Direito do Estado
1.4. Linha de Pesquisa: Direito, Poder e Controle
1.5. Orientadora: Profª. Drª. Katie Silene Cáceres Argüello
1.6. Candidato
Nome: Bruno Cortez Torres Castelo Branco
Endereço: Av. Pedro Freitas, 3294, Bairro São Pedro, Teresina – PI, CEP: 64018-000
Telefone: (86) 3218-6315 Celular: (86) 9824-0526
Email: [email protected]
1.7. Palavras-chave: criminologia; ideologia; contratualismo.
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2. INTRODUÇÃO
A ideologia produz imaginários e lógicas de identificação social cuja função é
escamotear o conflito. O Direito Penal, alegoricamente fundado num contrato só
efetivamente firmado entre a burguesia, distribui desigualmente o status criminalizante
e é, destarte, o direito desigual por excelência. Há ululante paradoxo entre a igualdade
formal dos sujeitos de direito, que toma todos abstratamente, e a desigualdade
substancial existente nas posições reais que ocupam no sistema de produção.
Dados estatísticos disponíveis no sistema "InfoPen" no sítio eletrônico do
Ministério da Justiça (http://portal.mj.gov.br) dão conta de que, em dezembro de 2012,
havia no Brasil mais de 548 (quinhentos e quarenta e oito) mil presos. Destes, 267.975
(duzentos e sessenta e sete mil novecentos e setenta e cinco) apenas por crimes contra o
patrimônio. A superlotação tende a injetar o discurso falacioso de que o que se precisa
mesmo é aumentar o número de vagas e construir mais presídios, se possível até
privatizá-los, para aumentar a eficiência e diminuir os custos. Vê-se, portanto, que a
pena é tratada como troca equivalente do crime dentro de uma lógica economicista.
Todo tipo de ordem social produz determinadas fantasias dos perigos que lhe
ameaçam a identidade. Cada sociedade, porém, gera fantasias elaboradas segundo o tipo
de ordem social que se esforça em ser. Desvelar a "demanda por ordem" de dada
formação socioeconômica é o primeiro passo para entendê-la, como esclarece Pavarini
(apud BRETAS, 2010, 218):
o cárcere - em sua dimensão de instrumento coercitivo - tem um objetivo muito preciso: a reafirmação da ordem social burguesa (a distinção nítida entre o universo dos proprietários e o universo dos não-proprietários) deve educar (ou reeducar) o criminoso (não-proprietário) a ser proletário socialmente não perigoso, isto é, ser não-proprietário sem a ameaçar a propriedade.
Portanto, para entender por que a criminalidade patrimonial continua a ser a
mais perseguida pelas instâncias oficiais, imperativo se faz compreender as
transformações operadas entre a Alta Idade Média e o início da Idade Moderna. O
século XV foi marcado pela piora nas condições de vida e a intensificação de conflitos
sociais, com a expulsão de camponeses do campo e a concentração abundante de mão-
de-obra apta ao trabalho. O feudalismo vai cedendo espaço a uma nova modalidade de
produção cuja locomotiva será o capital, superando a produção para mera subsistência.
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O direito punitivo também muda de foco, pois se antes a principal vítima era o
Estado arrecadador de impostos, a ascensão da burguesa tornou esta a principal vítima
das novas ilegalidades alçadas à tutela penal, como discorre o professor maranhense
CLÁUDIO GUIMARÃES (2012, p. 573):
Não é mais a vadiagem, a vagabundagem, a prostituição, a sonegação fiscal, o contrabando ou crimes violentos contra os agentes do fisco que estão na alça de mira do Direito Penal - já não estamos mais nos albores mercantilistas - e sim os crimes contra a propriedade particular, principalmente contra as fábricas, assim como aqueles perpetrados contra a grande massa de matéria-prima, de ferramentas, de objetos fabricados que pertencem, agora, ao empresário-burguês na nova era da Revolução Industrial.
A burguesia, no intento de defender seu direito natural à propriedade,
direcionou o direito penal para combater os delitos que a afrontassem. O trabalho
assalariado de agora, além de exigir maior esforço, já não era garantia sequer da própria
subsistência. Desprovidos de bens, penas pecuniárias eram inidôneas aos pobres
marginalizados e, desta forma, cabia ao corpo a aflição de desumanos castigos
corporais.
Com o desenvolvimento do mercantilismo a partir do século XVI, os métodos
punitivos ganham uma nova perspectiva diante da necessidade de se explorar a mão-de-
obra com vistas ao acúmulo de capital. A socióloga carioca VERA MALAGUTI
BATISTA (2012, p. 44) explica essa virada de paradigma:
Se na época de abundância de mão-de-obra os mendigos são considerados criminosos, o final do século XVI, de escassez, impõe mudanças no tratamento dos pobres. Multiplicam-se as leis que punem os trabalhadores aptos que deixaram seu trabalho para mendigar, já que os trabalhadores se transformavam periodicamente em mendigos, quando desejavam descansar das penosas condições de trabalho da época.
Para disciplinar e adestrar os antigos servos à nova lógica mercantilista surge,
inicialmente na Inglaterra, as Casas de Correção (workhouses), na qual a força de
trabalho dos reclusos era utilizado pelo Estado ou até mesmo alugada para a iniciativa
privada. A administração desse negócio foi bastante lucrativa até o final do século
XVIII, pois com o decréscimo demográfico advindo de intensas disputas imperialistas a
demanda por trabalho era tão alta que o preço da escassa mão-de-obra aumentou
absurdamente e era aí que entravam as casas de correção enquanto reguladoras do
mercado, pois ou se escolhia permanecer livre ganhando pouco ou trabalhar recluso sem
nada ganhar (princípio do less elegibility).
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O professor curitibano ADRIANO BRETAS (2010, p. 200) destaca a alteração
dos vínculos sociais, pois se no período feudal predominava uma ligação de
proximidade e lealdade, na sociedade burguesa as relações sociais se tornam mais
distanciadas assim como a própria relação de trabalho. Modificou-se também a prática
da caridade, antes um fenômeno tipicamente individual e que agora se tornava uma
política pública do Estado, frente a crescente miséria nas cidades. Inobstante a distância
temporal, a situação fática continua a mesma, como observou Loic Wacquant ao estudar
a passagem do Estado-Previdência ao Estado Caritativo nos Estados Unidos. A
diferença é que, no Brasil, sequer houve o primeiro, persistindo um duradouro "estado
de mal-estar social", que minimiza a intervenção nos âmbitos social e econômico e a
maximiza no campo das políticas de segurança e repressão. Como bem fala Juarez
Cirino, há Estado de Direito para as elites e classes a elas vinculadas; para os
despossuídos, Estado de Polícia.
A aplicação seletiva do direito penal não só reflete as desigualdades existentes
como também as produz e reproduz. O cárcere atua como superestrutura necessária à
manutenção da verticalidade dentro da sociedade de modo a impedir a ascensão dos
estratos mais baixos e, simbolicamente, punir comportamentos ilegais para coibir a
ocorrência de outros.
Através da comunicação verbal se opera um processo simultâneo de
encobrimento e desvelamento da forma como o sujeito estrutura o seu mundo, de modo
que comunica mais sentidos do que o que se expressa conscientemente. A linguagem é,
assim, a atividade subjetiva pela qual dizemos algo totalmente diferente do que
acreditamos dizer daquilo que dizemos.
Freud, em sua concepção de sociedade, introduz o conceito antropológico de
tabu que, por sua vez, pode denotar dois significados: tanto o de “sagrado” como o de
“proibido”, “misterioso” ou “impuro”, traduzindo-se em algo intocável e sob o qual não
se pode discutir. Seria a forma mais antiga de regulação do convívio humano, anterior
até mesmo à existência de divindades, vez que ele mesmo teria força vingativa. Com o
passo do tempo, o tabu foi vinculado a deuses e espíritos, de tal sorte que a sanção era
ministrada pela divindade. Por fim, a punição passou a ser executada pela própria
sociedade.
Ocorre que apenas alguns crimes podem, efetivamente, serem considerados
tabus, inobstante a enorme gama de prescrições proibitivas impostas através do Código
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Penal. Essa realidade é perfeitamente demonstrável valendo-se das estatísticas do
sistema carcerário retratadas pela base de dados “InfoPen” do Ministério da Justiça, que
são atualizadas anualmente e revelam um padrão repetitivo tanto dos tipos delitivos
mais punidos quanto daqueles que estão encarcerados.
Realce-se a referência a crimes “mais punidos”, o que não é o mesmo que falar
em crimes “mais praticados”, pois as estatísticas oficiais não são capazes de dar conta
de todo o acontecer criminoso, isto é, nem todo delito – a bem verdade, sua maior parte
– é devidamente registrado pelas agências formais de criminalização (Polícia,
Ministério Público, Judiciário), posto que seria mesmo impossível ante o seu reduzido
efetivo. A essa margem de diferença entre a criminalidade real e a virtual, que compõe
as bases de dados, o sociólogo norte-americano Edwin Sutherland denominou “cifras
ocultas”.
A Nova Criminologia se diferencia da tradicional - sobretudo da positivista -
exatamente porque supera a perspectiva etiológica que conformou uma teoria das causas
da criminalidade de viés correcionalista. Com a ultrapassagem do paradigma da defesa
social, nega-se a ideia de que crime e criminalidade são realidades de per si
(naturalizadas), preexistentes aos mecanismos de controle social, revelando-as como
status atribuído a determinados indivíduos de forma seletiva. Esta é realizada,
inicialmente, com a seleção dos bens a serem tutelados pelo direito penal e a tipificação
de condutas os violentem (criminalização primária) e, posteriormente, com a seleção de
indivíduos estigmatizados dentre todos os demais que também infringem tais normas.
Para Lacan, o discurso capitalista é fundamentado na exclusão do sexual e, desta
forma, cria a ilusão de que o sujeito pode satisfazer o seu desejo adquirindo um objeto
fabricado pela ciência e disponibilizado no mercado. Se Outro não puder consumir, a
sociedade não lhe permite sequer desejar, reservando-lhe o cárcere para se conformar e
conter as pulsões que o mercado lhe instigou.
A proposta desta projeto é exatamente desvelar, com amparo sobretudo, mas não
exclusivamente, na Sociologia Criminal e na Psicanálise, o senso comum teórico dos
juristas (Warat) e trazer à tona todos os seus preconceitos de classe quando lidam com
esse tipo de criminalidade, pois ainda que de forma velada, o "batedor de carteira" é
visto como uma narcisista ameaça antes a si próprio do que à própria sociedade. Propor
alternativas fora do Direito Penal é o único caminho honesto para se discutir essa
sediciosa questão.
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3. JUSTIFICATIVA
O sentido de um discurso, segundo a Psicanálise, não se encontra em sua
intencionalidade consciente, podendo, entretanto, ser apreendido a partir de regras que
organizam o comportamento manifesto, isto é, no sistema inconsciente. Alerta
NAFFAH NETO (2006, p. 281) que o desejo do investigador está diretamente
implicado na escolha do objeto de pesquisa, geralmente associado a uma temática que
lhe envolva emocionalmente, pois não há ciência sem o desejo de um cientista que a
fabrica.
Neste trabalho não poderia ser diferente... o autor foi fatalmente influenciado
por sua vivência no universo jurídico, tão repleto de simbolismos e preconceitos. A
partir da experiência de estágio supervisionado no Fórum Criminal de Teresina (Estado
do Piauí), no segundo semestre de 2012, pode acompanhar audiências de instrução
processual penal e correições realizadas nos presídios da capital, conhecendo mais de
perto a postura nitidamente classicista dos que vestem a capa da neutralidade.
Episódio intrigante e inesquecível foi presenciar um juiz praticamente obrigar a
confissão do roubo de um celular por parte do acusado que, cedendo à pressão
inquisitorial, alegou estar arrependido e que "qualquer pessoa poderia cometer erros da
na vida" - ao que foi veementemente repreendido pelo magistrado: "Qualquer pessoa
não! Eu jamais cometeria um delito como esse". A permanência positivista é gritante,
persistindo no imaginário do senso comum punitivista, de que se valem os juristas, a
ideia de uma sociedade dividida entre seres humanos "normais" e "anormais", traduzido
no princípio do bem e do mal, como se a criminalidade não fosse um fenômeno
disseminado em todas as classes - inclusive entre aqueles que determinam penas severas
a autores de crimes toscos (Zaffaroni), mas tratam com parcimônia a criminalidade mais
sofisticada.
O sociólogo norte-americano Edwin Sutherland foi um dos grandes críticos das
concepções que se limitavam a enxergar a gênese do desvio em fatores econômicos,
psicopatológicos ou sociopatológicos. A uma, por causa das amostras irreais de
criminalidade que se baseavam nas meras estatísticas oficias que, por sua vez,
ignoravam os delitos das classes superiores. A duas, porque não se teve uma correta
explicação da criminalidade de "colarinho branco", que não se enquadra no perfil
tradicional de "criminoso nato", posto que são, ao contrário, considerados modelos de
sucesso a serem seguidos.
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A Criminologia Radical, cujo representante maior é JUAREZ CIRINO DOS
SANTOS, foi uma ruptura no estudo do fenômeno delitivo, pois ao invés de perseguir
uma etiologia sobre as causas da criminalidade - como pretendia o positivismo -, vai se
concentrar nas razões que levam o Estado a criminalizar certas condutas e outras não,
isto é, no processo de criminalização. Nesse sentido, as contribuições de Karl Marx são
essenciais, posto que o crime é entendido como consequência do próprio funcionamento
do modelo de produção capitalista, que acolhe interesses de certos grupos (v.g., direito à
propriedade) e nega o de outros (v.g., reforma agrária). A isto Michel Foucault
denominou "gestão diferencial de ilegalidades", como disserta o insigne professor
paranaense em artigo que homenageou os trinta anos da obra "Vigiar e Punir":
a lei penal é definida como instrumento de classe, produzida por uma classe para aplicação às classes inferiores; a justiça penal seria mecanismo de dominação de classe, caracterizado pela gestão diferencial das ilegalidades; a prisão seria o centro de uma estratégia de dissociação política da criminalidade, marcada pela repressão da criminalidade das classes inferiores, que constitui a delinqüência convencional como ilegalidade fechada, separada e útil, e o delinqüente comum como sujeito patologizado, por um lado, e pela imunização da criminalidade das elites de poder econômico e político, por outro lado.
O sociólogo alemão RALF DAHRENDORF, por sua vez, assinala a existência
de uma sociedade dividida, na qual se extrai os juízes de uma metade (classes médias e
superiores) que terão diante de si, predominantemente, uma outra metade (classes
subalternas). Os juízes tendem a julgar, ainda que inconscientemente, de acordo com a
condição social do acusado, inclusive com projeções acerca da conduta futura do réu.
Daí porque assevera a catarinense VERA ANDRADE que os positivistas deram ao
criminoso um passado - de periculosidade - e um futuro - a recuperação, delimitando
um verdadeiro "direito penal do autor" cuja aplicação da pena respinga mais na análise
existencial do indivíduo que na conduta juridicamente reprovável.
PIERE BOURDIEU desenvolveu o conceito de habitus para se referir às
tendências e inclinações que resultam dos condicionamentos sociais. O habitus, dotado
de características específicas das experiências objetivas de cada classe, é definido como
"inconsciência de classe" e atua na reprodução das condições de vida dos menos
favorecidos, sendo capaz de explicar o conformismo e submissão das classe subalternas
e a autonomia ou self-direction das classes dominantes (SILVA, 1995, p. 26).
Claro é que no capitalismo videofinanceiro, na feliz expressão de Gilberto
Felisberto, o cárcere assumiu outra função: produzir um setor de marginalizados sociais
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para a intervenção estigmatizante do sistema punitivo. É o ápice de um processo de
seleção iniciado antes mesmo da intervenção do sistema penal, com a discriminação
social e escolar. É a consolidação definitiva de uma carreira criminosa.
Se a prisão moderna estava associada, como expôs FOUCAULT, à
domesticação dos cidadãos para o mundo do trabalho, com a fixação de normas e
comportamentos direcionados à laboriosidade, à produtividade e à disciplina, na
contemporaneidade, todavia, ela é o destino certo dos "consumidores falhos"
(BAUMAN), aquele lixo que, assim como eletrodomésticos defeituosos, o reparo é
mais caro que um produto novo.
A conclusão a que lucidamente chega a professora KATIE ARGÜELLO é de
que se pretende remediar com mais violência institucional a violência estrutural
brutalmente intensificada pela expulsão massiva de trabalhadores do mercado de
trabalho oficial.
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4. OBJETIVOS
4.1. Resgatar as elucubrações teóricas que tentaram compreender a sociedade capitalista
sob a perspectiva consensual de um pacto ou contrato firmado por todos,
indistintamente, como condição para a convivência coletiva, e de que forma essas
concepções, ainda que inconscientemente, continuam a ser reproduzidas em audiências
de instrução e sentenças judiciais em crimes contra o patrimônio.
4.2. Compreender como os simbolismos do Direito – prédios suntuosos, vestes talares,
linguagem erudita, formalismos processuais – almejam transmitir a falsa ideia de
distanciamento entre os atores processuais e encobrir a seletividade intrínseca às
agências de criminalização primária (Legislativo) e secundária (Polícia, Justiça e
Execução).
4.3. Evidenciar como a cultura de classe e suas disposições internalizadas (habitus) pelo
juiz influenciam seu olhar sobre o agressor da coisa como ameaça a si próprio e ao seu
círculo social, e investigar as contribuições da Psicanálise para a conformação de um
convencimento tanto mais livre de preconceitos quanto menos irracional, ainda que
faticamente impossível a neutralidade em si.
4.4. Desmistificar, a partir da Criminologia Crítica, a falácia midiática de que a prisão é
o instrumento eficiente para agir contra a criminalidade, em especial nos crimes contra o
patrimônio, desvelando a relação entre cárcere e marginalidade social e as implicações
estruturais que permeiam a questão criminal, e propor alternativas político-criminais
menos estigmatizantes e criminogênicas.
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5. METODOLOGIA
É no Mestrado que se dá a construção de uma identidade de pesquisador e de
autonomia intelectual. O orientador (etimologicamente, "o lugar onde o sol nasce") tem
um papel-chave neste processo, vez que para-além de ser a autoridade intelectual
legitimada burocraticamente, acaba sendo infantilmente idealizado pelo orientando, que
lhe projeta um rol de fantasias. Irá, desta forma, guiar o estudante para que faça seu
próprio trabalho, limitando e contendo seus desejos, de modo que a identificação inicial
se metamorfoseie em autoria ao final.
Uma coisa, esclarece Luciano Oliveira, é um advogando elaborando um parecer,
outra é um acadêmico sustentando uma tese, pois enquanto o compromisso do primeiro
é com o interesse do seu cliente, o do mestrando ou doutorando deverá ser com a
verdade, sopesando as diferentes posições.
Nessa linha o professor João Maurício Adeodato menciona alguns problemas
bastante comuns nos trabalhos de pós-graduação em direito, como (1) a ignorância
sobre como pesquisar, (2) escassas referências à jurisprudência e a casos práticos e (3) o
uso de manuais e de livros de doutrina em detrimento de artigos monográficos. A esses
o Professor Luciano Oliveira acrescenta mais dois: o manualismo - tendência a escrever
em teses e dissertações verdadeiros capítulos de manuais com explicações redundantes
de informações que se presumem sabidas por quem frequentou um curso de graduação
em Direito - e o reverencialismo - expresso no uso de argumentos de autoridade,
seguindo a lógica da atividade forense cuja preocupação é convencer com apelo a uma
retórica "coimbrã".
A falta de tempo para se dedicar à pesquisa é outro ponto de fundamental
relevância, pois pesquisa exige dedicação. O pós-graduando em direito, ao contrário dos
profissionais de outras áreas, geralmente já compõe os quadros da burocracia (juízes,
promotores, advogados, etc), sendo poucos - como pretende este candidato ao Mestrado
em Direito da UFPR - os que se dedicam integralmente à atividade investigativa com
auxílio de bolsas de estudo, cujo número é reduzido e o valor é baixo. O t ítulo
acadêmico é almejado, por vezes, antes como forma de prestígio pessoal do que como
contribuição ao desenvolvimento científico - que deve ser contínuo. Recorre-se, desta
forma, ao que é mais fácil - os manuais doutrinários consagrados durante a graduação.
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Ainda que o presente trabalho não tenha por objetivo a compilação ou revisão
bibliográfica, uma outra falha apontada por Salo de Carvalho, seu levantamento é
indispensável como base teórica da investigação que se irá proceder. Assim que,
evitando-se cair no vício do "manualismo", os autores selecionados para esta pesquisa
detêm produção científica aprofundada e inovadora no tema escolhido, em grande parte
contrastando com o senso comum esposado em obras de referência comercial - quase
sempre voltadas a concursos públicos cuja única intenção é verificar a capacidade de
memorização do candidato. Não cansa de bradar Lenio Streck que o ensino jurídico está
em crise: incorporou um discurso neopentecostal que promete fortunas e esquece das
pessoas, tratadas como número de um processo.
Freud constatou que o desejo de não saber pode muitas vezes prevalecer, por
não se aceitar um ser distinto da projeção ideal de si - como o de "probo e infalível
guardião da justiça". Reside aí a importância da pesquisa psicanalítica para restaurar a
capacidade de sentir e de pensar do sujeito psíquico e, assim, libertá-lo de fantasias a
respeito de si e dos outros que se materializam em crenças fixas e autoritárias - por
exemplo, de que o Outro, do lado de lá, é um risco para o lado de cá.
O verdadeiro método científico para MARX é aquele que desce do abstrato ao
concreto, pois é o ser social que determina sua consciência. A pesquisa etnográfica
muito ajuda nesse mergulho na realidade ao promover a prolongada interação entre o
pesquisador e o sujeito da pesquisa e a interação cotidiana do pesquisador no universo
do sujeito, de modo que a investigação envolve observação densa, criteriosa, detalhada
tendo como foco a fala e a interpretação dos sujeitos participantes da investigação e uma
visão holística de todo o entorno sócio-cultural no qual os sujeitos e suas ações se
circunscrevem. Assentam PEREIRA e LIMA que não é suficiente fazer perguntas: é
necessário observar o que as pessoas fazem, as ferramentas que utilizam no seu fazer
diário e como se relacionam entre si.
A pesquisa documental (referência à jurisprudência) se realizada através do link
de consulta pública de processos do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, selecionando-se sentenças que tenham decidido sobre crimes contra o
patrimônio. A pesquisa de campo (referência a casos práticos), por sua vez, se dará na
Vara Criminal competente para julgar crimes contra o patrimônio no Fórum Criminal de
Curitiba. Desta forma, se buscará a interpretação do não-dito na sentença judicial ou nas
audiências de instrução, aliando-se a teoria a casos práticos, de modo a se chegar a uma
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nova compreensão da situação fática a possibilitar o autoconhecimento e, assim, uma
justiça mais consciente dos estereótipos que impregnam seu ato decisório.
Saliente-se, por fim, que na medida em que a seleção da temática a ser
investigada se relaciona intimamente a questões inconsciente dos próprios autores, o
trabalho de orientação pode terminar por produzir "efeito terapêutico", posto que
contribuirá para satisfazer simbolicamente o desejo do pesquisador, sua pulsão de saber.
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6. CRONOGRAMA DE TRABALHO (PROVISÓRIO)
ETAPAS 2014 2015
1º semestre 2º semestre 1º semestre 2º semestre
Disciplinas X X
Revisão
bibliográfica X X X
Pesquisa de
campo X X X
Pesquisa
documental X X
Exame de
qualificação X
Redação X X
Defesa X
16
7. REFERÊNCIAS
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violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Do Advogado, 2003.
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