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1 ************************************************************************* Instituto de Filosofia Universidade Federal de Uberlândia 2019 Fundamentos teórico-metodológicos do ENSINO DE FILOSOFIA Mestre Bené (Prof. Dr. José Benedito de Almeida Júnior)

Mestre Bené (Prof. Dr. José Benedito de Almeida …...08 02/10 Semana de Filosofia e Bienal da Filosofia (Atividade letiva) 09 09/10 Sistemas e instrumentos de avaliação em Filosofia

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*************************************************************************

Instituto de Filosofia

Universidade Federal de Uberlândia

2019

Fundamentos teórico-metodológicos do

ENSINO DE

FILOSOFIA

Mestre Bené (Prof. Dr. José Benedito de Almeida Júnior)

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ALMEIDA JÚNIOR, José Benedito de. Fundamentos teórico-metodológicos do

Ensino de Filosofia. Material Didático. Instituto de Filosofia. Universidade

Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2019.

Filosofia. Ensino de Filosofia. História da Filosofia. Áreas da Filosofia. Temas

de Filosofia.

ILUSTRAÇÃO

Atalanta Fugiens

A ilustração da capa é de autoria de Michael Maier, trata-se da ilustração

XLII, da obra Atalanta Fugiens (A Fuga de Atalanta), publicada em 1617.

Esta ilustração, em particular, significa “seguir a natureza e o caminho que

ela vos indica”. Esta ideia é relativa à alquimia, pois esta pressupõe que a arte

consiste em conhecer a natureza e seguir seus passos para a realização da obra.

Eis o epigrama que a define:

Que a natureza seja teu guia

Siga-a passo a passo

Longe dela você se perderá.

Que o espírito seja o teu cajado

Auxiliando teus olhos

A experiência te dará ver ao longe

A leitura, luz brilhante em meio às trevas,

Te esclarecerá palavras e matérias.

Ela foi escolhida como motivo deste nosso material didático baseando-

nos na abordagem que Jean-Jacques Rousseau faz deste princípio em sua obra

Emílio ou da Educação. A ideia é a de que para educar ou ensinar outra pessoa

você deve conhecer muito bem a fase do desenvolvimento cognitivo e emocional

no qual ela se encontra para que a arte de educar seja eficiente e não se resuma

à memorização de textos sem sentido.

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ÍNDICE

Plano de Ensino para o segundo semestre de 2019................................................ 03

Apresentação............................................................................................................ 05

Introdução................................................................................................................. 06

Plano de Ensino........................................................................................................ 12

Eixos de Organização do Conteúdo (artigo) ............................................................ 16

Fundamentos teórico-metodológicos(artigo) ............................................................ 34

Como preparar aulas ................................................................................................ 50

Aula sobre o amor .................................................................................................... 52

Aula sobre a cidade, o campo e a filosofia ............................................................... 57

Aula de lógica ........................................................................................................... 62

A importância da avaliação para o trabalho docente ............................................... 72

O problema da motivação humana .......................................................................... 73

Referências bibliográficas gerais ............................................................................. 79

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Instituto de Filosofia

COLEGIADO DO CURSO DE FILOSOFIA

PLANO DE ENSINO

1. IDENTIFICAÇÃO

COMPONENTE CURRICULAR: Metodologia do Ensino de Filosofia

UNIDADE OFERTANTE: Instituto de Filosofia

CÓDIGO: GFI029 PERÍODO/SÉRIE: 6º TURMA: FM

CARGA HORÁRIA NATUREZA

TEÓRICA:

60

PRÁTICA:

30

TOTAL:

90 OBRIGATÓRIA: ( X ) OPTATIVA: ( )

PROFESSOR(A): Dr. José Benedito de Almeida Júnior ANO/SEMESTRE:

2019/2º

OBSERVAÇÕES: Co-requisito: GFI030 – PIPE 6.

2. EMENTA

Preparação do aluno para a atividade docente, através da constituição de uma

referência teórica no âmbito da história e dos temas da Filosofia e da sua

vinculação com o problema da natureza da própria atividade filosófica.

3. JUSTIFICATIVA

A formação docente é uma das principais tarefas dos cursos de Filosofia, porque,

mesmo quem trabalhar apenas no Ensino Superior deverá assumir funções

docentes. A formação docente deve estar profundamente vinculado à pesquisa

e à capacitação para atividades de extensão.

4. OBJETIVO

Objetivo Geral:

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O objetivo é auxiliar os alunos a compreenderem o que é a profissão de professor

de filosofia em seus aspectos práticos: preparação de disciplinas, aulas,

avaliações e todos os elementos que envolvem o cotidiano do trabalho escolar

Objetivos específicos:

Diferenciar Ensino de Filosofia de Filosofia da Educação

Compreender o processo de ensino na Educação Básica

Compreender o processo de Ensino no Nível Superior

5. PROGRAMA (Segundo semestre de 2019)

Dias

letivos DIA CONTEÚDO

01 14/08 Apresentação do plano de ensino e questões teóricas fundamentais

02 21/08 Fundamentos teóricos do ensino de filosofia: o aprendizado da filosofia

Elaborar um plano de ensino I

03 28/08

Fundamentos teóricos do ensino de filosofia: conceito e contexto

histórico

Elaborar um plano de ensino II

04 04/09

Fundamentos teóricos do ensino de filosofia: eixos de organização do

conteúdo

Elaborar um plano de ensino III

05 11/09 Motivação no trabalho e planejamento da carreira

06 18/09 Motivação na aprendizagem.

07 25/09 A preparação das aulas I

08 02/10 Semana de Filosofia e Bienal da Filosofia (Atividade letiva)

09 09/10 Sistemas e instrumentos de avaliação em Filosofia I

10 16/10 Aula com professor visitante

11 23/10 Uso de recursos áudio visuais

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12 30/10 Preparar a Semana da Filosofia na Escola

13 06/11 Preparar a Semana da Filosofia na Escola

14 13/11 Aula com professor visitante

15 27/11 Seminários avaliativos

16 04/12 Vista de notas e revisão

17 11/12 Prova substitutiva

18 18/12 Vista de notas

6. METODOLOGIA

O trabalho será desenvolvido a partir de aulas presenciais, durante as quais, por

meio da exposição de conteúdos, diálogos investigativos e atividades práticas

desenvolveremos o conteúdo da disciplina de tal forma a auxiliar a formação

docente.

Serão utilizados recursos áudio visuais para melhor exposição dos conteúdos e

atividades inter e transdisciplinares.

7. AVALIAÇÃO

A avaliação se dará pelos seguintes instrumentos:

a) Entrega de um plano de ensino de Filosofia para o Ensino Médio ou

Fundamental;

b) Seminários em grupo

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APRESENTAÇÃO

Esta apostila não tem a pretensão de substituir os textos dos teóricos que

serão indicados ao longo do desenvolvimento da disciplina. Seu objetivo é propor

algumas perspectivas que antecedem o estudos destes temas, direcionando um

pouco o olhar e deixando, na medida em que seus objetivos forem alcançados,

muito espaço para novas perspectivas advindas das leituras e reflexões dos

discentes que, porventura, cursarem esta disciplina.

Há versões anteriores em que parte do material foi utilizado e boa parte

descartado, pois eram questões pertinentes em sua época e, hoje, já não fazem

mais sentido, por isso, optamos por reescrever alguns trechos e criar outros

novos. De todo modo, é apenas um texto introdutório aos temas da disciplina,

por isso, seu caráter provisório deve ser levado em conta pelo caridoso e pela

caridosa leitora. Até mesmo ao contrário, sintam-se convidados a dar sugestões

de melhoria para este material. Além da parte nova, há artigos que foram

inseridos na íntegra para leitura e análise, as referências bibliográficas utilizadas

encontram-se junto ao artigo e não nas referências finais.

Antigamente ele estava dividido em duas grandes unidades: “O Ensino de

Filosofia como um problema filosófico” e “O Ensino de Filosofia enquanto

processo de ensino”. Tal divisão não é completa e os elementos se fundem nas

reflexões sobre nosso assunto. Assim, neste material, consideramos que há uma

única temática que o intitula: Fundamentos teórico-metodológicos do Ensino

de Filosofia. Considerando que vamos dividir os fundamentos teóricos e os

metodológicos, mas em ambos os casos, o ensino de filosofia é tratado como

uma questão filosófica e também uma questão de ensino.

Um dos tópicos que irá percorrer nossas reflexões será o problema da

motivação humana aplicada às questões dos e das profissionais de ensino, bem

como de alunos e alunas. Nosso objetivo é utilizar as teorias de motivação para

repensarmos as práticas em sala de aula.

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INTRODUÇÃO

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA

As reflexões sobre o ensino de filosofia têm tomado um âmbito teórico

extremamente amplo. Em linhas gerais, pode-se dizer que a tendência é a dos

autores tratarem esse tema na perspectiva de uma discussão filosófica e não

pedagógica.

Assim, o que tem ocorrido é uma discussão a partir da interface entre o

que os filósofos entendem por filosofia e, consequentemente, o que significa

ensinar filosofia. A pergunta: o que é a filosofia? traz consigo outras reflexões

necessariamente ligadas a ela: o que é, como se ensina, para quê e para quem

se ensina filosofia? Não se considera, portanto, que a produção da filosofia

esteja desvinculada de sua comunicação, de seu interesse de se fazer ouvir e

entender.

O que é a filosofia?

A estratégia mais utilizada é tomar um filósofo como referência e, a partir

do que ele define como filosofia, definir alguns pressupostos sobre o ensino da

filosofia. Assim, se fez, por exemplo, com Nietzsche, Platão, Rousseau, Arendt

dentre outros e outras. Tais abordagens ampliam perspectivas teóricas para a

abordagem da filosofia, pois estas opiniões diferentes de filósofos e filósofas dão

movimento ao pensar.

Para quê se ensina filosofia?

Essa pergunta é uma das mais retomadas pelos filósofos e assinalam

tendências que se remetem a alguns períodos históricos da filosofia. Para Platão,

formar o cidadão da pólis; para Cícero, a pessoa livre e o cidadão da República.

No iluminismo, esse ensino tem a função de retirar os homens da ignorância; na

perspectiva marxista, desalienar o homem, desvelando o discurso ideológico; na

perspectiva nietzschiana, preparar para a liberdade e assim vai.

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Para quem se ensina filosofia?

Uma das características da Filosofia é a comunicação com seus leitores.

Até hoje encontram-se entre os livros mais vendidos, justamente porque os

filósofos se fazem entender pelo seu público. Este processo de diálogo entre o

filósofo e seu leitor, pode ser comparado à habilidade de docentes ensinar um

conteúdo filosófico a discentes. Comunicar-se por escrito ou ministrar aula

dependem da compreensão fundamental de que é o/a leitor ou o aluno/a.

Como se ensina a filosofia?

Essa discussão não tem sido realizada pelos filósofos, a não ser no que

se refere à seleção de textos e perspectivas historiográficas. Em geral, não se

envolvem nas questões propriamente pedagógicas que debatem os

procedimentos de ensino. Aqui há uma exceção e muito breve. Kant faz uma

breve reflexão sobre os limites do ensino de filosofia e Rousseau uma reflexão

sobre como ele aprendeu filosofia.

Ensinar filosofia, seja em que nível de escolaridade for, é também,

ensinar. Não bastam conhecimentos específicos para se comunicar por escrito,

nem também para ministrar aulas. É preciso desenvolver a arte de escrever e a

arte de ensinar. Chamamos de arte, porque é mais do que mera técnica,

entendida como um trabalho mecânico, no qual, se seguirmos as regras teremos

resultados eficientes. É arte porque implica em constante reflexão e revisão do

próprio fazer. Também entendemos que se pode e deve desenvolvê-la

aprendendo alguns fundamentos do fazer próprio da atividade didática: planejar

a disciplina, selecionar material, preparar aulas, avaliações, trabalhos. Em nossa

perspectiva estes fundamentos não são apenas técnicas, pelas razões acima

expostas, não se trata de um conjunto de fórmulas ou dogmas a serem seguidos.

Cada aula preparada é única, cada vez que se ensina um determinado conteúdo,

mesmo que cinco vezes ao dia em turmas diferentes, percebe-se que ela não se

desenvolve da mesma forma.

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ROUSSEAU E KANT:

Possibilidades e vantagens do ensino de filosofia

Iniciamos esta jornada com os dois relatos mais precisos da experiência

de ensino de Filosofia. Na perspectiva de Kant, de fato, trata-se do ensino e na

de Rousseau, o processo de aprendizagem da filosofia e suas vantagens. Era

para ser um capítulo de livro, mas eu não achei o arquivo. Então ficam só os

fragmentos que são a parte essencial.

Ensino de Filosofia Kant e Rousseau

KANT

Estes excertos foram retirados da Crítica da razão pura e são, com

certeza, os trechos mais citados em todas as produções sobre o ensino de

filosofia.

Consequentemente, um conhecimento pode ser objetivamente filosófico e ainda assim subjetivamente histórico, tal como ocorre com a maioria dos discípulos e com todos aqueles que não vêem adiante de sua própria escola, permanecendo neófitos por toda a vida. (§865)

Dentre todas as ciências racionais (a priori), portanto, só é possível aprender Matemática, mas jamais Filosofia (a não ser historicamente); no que tange à razão, o máximo que se pode é aprender a filosofar. (§865) A Filosofia é, pois, o sistema de todo o conhecimento filosófico. É necessário tomá-la objetivamente caso se compreenda por Filosofia o arquétipo para se julgar todas as tentativas de filosofar; este arquétipo deve servir para julgar toda a filosofia subjetiva, cujo edifício é frequentemente tão diversificado e tão mutável. Deste modo, a filosofia é uma simples ideia de uma ciência possível que não é dada em parte alguma [...] Até então não é possível aprender qualquer filosofia; pois onde esta se encontra, quem a possui e segundo quais características se pode reconhece-la? Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a a seguir os seus princípios universais em certas tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os. (§866)

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ROUSSEAU

Estes excertos foram retirados da obra As confissões. Rousseau

esmerou-se no gênero literário autobiográfico legando-nos, aproximadamente,

cinco obras ou talvez até mais. Na principal delas, As confissões, relata muito

brevemente sua experiência como estudante de filosofia e, como se observará,

trata-se de do relato de uma experiência pela qual, muitas pessoas, senão todas

passam ao estudar filosofia.

Começava com algum livro de filosofia, como a Lógica de Port-Royal, o Ensaio de Locke, Malebranche, Leibniz, Descartes, etc. depressa verifiquei que todos esses autores estavam em contradição uns com os outros, contradição quase perpétua e formei o quimérico projeto de pô-los de acôrdo, o que muito me fatigou e me fez perder muito tempo. Dava trabalho ao cérebro e não adiantava nada. (ROUSSEAU, 1965, p. 261)

Por fim, renunciando ainda a este método, lancei mão de um infinitamente melhor, e ao qual atribuo todo o progresso que posso ter feito, apesar de minhas faltas de capacidade; pois é certo que sempre tive muito pouca para o estudo. Ao ler cada autor, obriguei-me a adotar e seguir todas as ideias que ele expunha sem entremear as minhas nem as de um outro e sem jamais discutir com ele. Dizia a mim mesmo: Comecemos por organizar uma exposição de ideias, verdadeiras ou falsas, porém nítidas, esperando que minha cabeça esteja bem provida para poder compará-las e escolher. (ROUSSEAU, 1965, p. 261)

Tal método tem seus inconvenientes e eu o sei; mas contribuiu para que me instruísse, que era o objetivo. Ao fim de alguns anos passados a não pensar senão pelas idéias de outros, sem refletir por assim dizer senão raciocinando, vi-me com base suficiente para meu próprio uso e para pensar sem o auxílio de outrem. Então, quando as viagens e os negócios tiraram-me os meios de consultar os livros, divertia-me recordando e comparando o que tinha lido, pesando cada coisa racionalmente e julgando algumas vezes os meus mestres. Por ter começado tarde a exercitar minha faculdade de discernimento, não acho que ela tivesse perdido o vigor; e quando publiquei minhas próprias idéias, não me acusaram de ser um discípulo servil e de jurar in verba magistri. (ROUSSEAU, 1965, pp. 261- 262, os destaques são nossos).

KANT, I. A crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo B. Moosburger.

São Paulo. Nova Cultural, Os Pensadores, p. 237 – 238, 1988.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. As confissões. Trad. Wilson Lousada. Rio de

Janeiro: Ediouro, 1965.

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PLANO DE ENSINO

O elemento fundamental de todo trabalho docente é o plano de ensino.

Ele implica em domínio do conteúdo específico e, além disso, o planejamento

dos objetivos, do conteúdo e dos métodos a serem usados para ensinar o

conteúdo.

Por isso, a realização de um Plano de Ensino é o nosso objetivo principal

nesta disciplina. Cada discente sairá com um Plano de Ensino para a Educação

Básica ou Superior em mãos. Desta forma, acredito que estaremos dando um

passo importante na formação docente. Cumprir o Plano de Ensino não é o

objetivo central da docência, mas o ensino! O plano nunca é perfeito, ele sempre

é passível de melhorias e adaptações, devemos, desta forma, estar abertos às

mudanças que se façam necessárias para que se atinja o objetivo principal de

todo docente: que os e as discentes aprendam parte dos conteúdos ensinados,

das habilidades e competências, mas acima de tudo, que tenham condições de

desenvolverem seus próprios métodos a partir deste primeiro contato com a

prática docente.

Elementos constituintes do Plano de Ensino

Capa (padrão acadêmico)

Folha de rosto (padrão acadêmico)

Índice

Capa do Plano de Ensino

Título (descrever a que se refere este plano de ensino)

Autora ou autor

Objetivos gerais

Objetivos específicos

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Justificativa

Fundamentação teórica

Abordagem didático metodológica

Sistema de avaliação

Conteúdo (tal como fizemos, bimestre por bimestre)

Referências

DETALHAMENTO

Objetivos gerais:

neste caso destacar que você pretende ensinar e levar à reflexão sobre as obras

e conceitos dos filósofos, mas também refletir sobre a realidade presente.

Objetivos específicos:

Compreender a relação entre o contexto histórico no qual as obras filosóficas

foram produzidas; compreender a centralidade do conceitos nas obras dos

filósofos e que conceitos não são apenas palavras; compreender a diversidade

de opiniões dos filósofos.

Justificativa

A presença da filosofia no currículo da educação básica e, em especial, do

ensino médio, é fundamental para a formação da pessoa e do cidadão. A filosofia

é um patrimônio da humanidade e as iniciativas dos filósofos de propor novos

conceitos sempre teve um efeito fundamental nas sociedades. Estes conceitos

abordaram elementos da ética, política, estética, ciências, tecnologia, religião,

educação e muitos outros. Assim, quando se questiona a utilidade da filosofia ou

sua efetividade, basta lembrar que muitas ideias que defendemos hoje, como a

necessidade de ética nas pesquisas científicas, na política, democracia, sobre o

que é ou não uma obra de arte, a importância da liberdade etc., estamos

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discutindo assuntos que só são importantes hoje, porque os filósofos e as

filósofas os propuseram antes, em forma de obras que questionaram o senso

comum de seu tempo.

Fundamentação teórica

Neste caso apresentar o debate meu e do Sílvio Gallo sobre os eixos de

orientação do conteúdo. Depois escolher um eixo e explicar que todos estarão

contemplados. (colocar os textos nas referências, no caso do meu texto é Os

eixos estruturais e a problematização no ensino de filosofia)

(no máximo 2 páginas)

Abordagem didático-metodológica

Aqui a discussão se dá em torno da abordagem conceitual e a abordagem

histórica no ensino de filosofia. Descrever as características de cada uma.

Descrever também seus métodos didáticos para o trabalho em sala de aula (usar

o texto do Libâneo e as orientações que dei sobre como usar recursos didáticos)

De 1 a 3 páginas

Sistema de avaliação

Utilize o conteúdo que explanei na sala de aula. Defina valores etc.

Alguns já começaram a propor questões de prova e trabalhos a serem solicitados

em cada bimestre. Isso é muito bom e deve ser feito mesmo, pois hoje as escolas

exigem que os alunos sejam avaliados a partir de dois instrumentos por bimestre,

mas pode ser seminário também, enfim, consultem tudo o que falamos sobre

avaliação.

Referências

Devem separar os livros e artigos teóricos sobre ensino de filosofia e os

didáticos. (nos artigos, além dos meus, colocar os do prof. Junot Cornélio Matos

que também tratam deste tema).

Neste momento não é necessário colocar livros específicos ou de filósofos.

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O Plano de Ensino trará os fundamentos teórico metodológicos do ensino

de filosofia na perspectiva que a professora ou o professor definirem como seu

perfil de trabalho. Partindo da visão do mais amplo que é o Plano de Ensino,

para o mais específico, que é o plano de aula para cada conteúdo, abordaremos

nas próximas aulas dois tópicos fundamentais: os eixos de organização do

conteúdo e fundamentos teórico-metodológicos do ensino de filosofia.

A partir daí vamos discutir assuntos relacionados à prática docente:

a escolha de conteúdos para a preparação de aulas;

a escolha de materiais como livros didáticos ou paradidáticos para a

preparação de aulas;

a preparação das aulas (alguns elementos constitutivos do plano de aula)

a elaboração de avaliações, sua relação com as aulas e os objetivos do

ensino;

atividades especiais como Projetos de Trabalho, semanas filosóficas etc.

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EIXOS DE ORGANIZAÇÃO DO CONTEÚDO

(artigo publicado)

TÍTULO

Os eixos de organização dos conteúdos e a problematização no Ensino de

Filosofia

Prof. Dr. José Benedito de Almeida Júnior

Professor do Instituto e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da

Universidade Federal de Uberlândia.

[email protected]

RESUMO

Este artigo analisará dois aspectos do ensino de filosofia. Na primeira parte

apresentaremos uma reflexão sobre o trabalho com os eixos de organização dos

conteúdos de Filosofia para o Ensino Médio. Tendo em vista que, em geral, os

estudiosos consideram a existência de dois eixos: Temas e História da Filosofia.

Propomos, então, a concepção de três eixos: Temas, História e Áreas da

Filosofia. Na segunda parte do artigo, trataremos das questões relativas à

problematização como uma abordagem didática que pode ou não ser utilizada

pelo professor em qualquer um dos eixos estruturais dos conteúdos, dessa

forma, não consideramos a problematização um eixo orientador dos conteúdos

de Filosofia.

PALVRAS CHAVE: Filosofia. Ensino de Filosofia. Conteúdos de Filosofia.

Problematização.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é refletir sobre algumas questões relativas ao

ensino de filosofia, principalmente, para o Ensino Médio e, em especial, sobre

os conteúdos de filosofia e a metodologia de ensino.

Em primeiro lugar, acreditamos ser importante determinar o que

chamamos de plano de ensino ou plano de curso. Para Libâneo o plano de

ensino é “o roteiro organizado das unidades didáticas” (1990, p. 232), ou seja, a

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divisão dos conteúdos para a Educação Básica em cada um dos anos, incluindo

a divisão por bimestres, trimestres ou outras formas de organização do ano

letivo. O plano de ensino inclui, além dos conteúdos divididos em unidades,

outros elementos tais como: os fundamentos teórico-metodológicos do ensino,

as justificativas, os objetivos, a metodologia a ser empregada pelo professor para

o desenvolvimento das aulas, o planejamento das atividades avaliativas, entre

outros elementos. Nossos objetivos, para este trabalho, ficam restritos à divisão

dos conteúdos de filosofia e à questão da metodologia de ensino.

Cabe observar, ainda, que o plano de ensino do professor de Filosofia

deverá levar em conta, também, o currículo ou o Projeto Político Pedagógico da

escola na qual irá ministrar as aulas. Rocha (2008) observou esta necessidade,

pois a Filosofia, tal como as outras disciplinas, deve trabalhar em conjunto para

o bom sucesso das atividades da instituição. Portanto, por um lado, o plano de

ensino deve atender as exigências próprias da disciplina e, por outro, as do

currículo da Escola, mas acima de tudo, o professor deve ter autonomia para

decidir os conteúdos e a metodologia que empregará em seu trabalho, levando

em conta, evidentemente, que não fará um trabalho solipsista, mas no conjunto

de outras atividades paralelas da instituição.

Os eixos de organização do conteúdo ou eixos estruturais

Muitos estudiosos do ensino de filosofia não separam o que chamamos

de temas dos campos ou áreas da filosofia. Tal concepção não é inadequada,

porém podem-se distinguir elementos que tornam mais precisa a organização

dos conteúdos de filosofia em um plano de ensino. Utilizamos o conceito de eixos

estruturais para definir os elementos que orientam a organização dos conteúdos

da filosofia. Os três eixos são: a História da Filosofia; as Áreas da Filosofia e os

Temas de Filosofia.

Não se trata, de forma alguma, de propor um critério de demarcação entre

os eixos do ensino de filosofia, porque, como sabemos pela própria história da

filosofia, este caminho não é frutífero. Além disso, trata-se de uma análise

teórica, cuja aplicação dos princípios dependerá das circunstâncias e das

opções de cada professor: a escolha de um dos eixos como principal, implica,

necessariamente, que os outros dois serão secundários, mas nunca

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descartados; deve-se entender, por fim, que a escolha do professor não altera

essencialmente, de modo algum, a qualidade ou quantidade dos conteúdos.

Gallo, a respeito dos eixos estruturais do conteúdo de filosofia, afirma:

“Temos ao menos três eixos em torno dos quais podemos construir um currículo

de filosofia: um eixo histórico, um eixo temático e um eixo problemático.” (2010,

p. 166) Observa-se, então, que não há distinção entre as áreas da filosofia e

seus temas. Quanto ao terceiro eixo, escreveremos a seu respeito na segunda

parte deste artigo.

O mesmo amálgama entre temas e áreas é apresentado nas OCN

(Orientações Curriculares Nacionais). Nesse documento, os autores optam por

oferecer um conjunto de trinta temas, dentre os quais, destacam-se muitos que

realmente aparecem de tal forma, como por exemplo: validade e verdade;

falácias não formais; vontade divina e liberdade humana; contratualismo; crítica

à metafísica na contemporaneidade. Por outro lado, traz alguns títulos que

descrevem áreas da filosofia como Filosofia Analítica; Filosofia da Ciência o

problema demarcação entre ciência e metafísica. (OCN, 2008, pp. 34 – 35)

Observamos o mesmo amálgama no texto L’Enseignement en Europe et

Amérique du Nord (UNESCO, 2011) o qual afirma:

Nos países da Europa onde a filosofia é ensinada no nível secundário, é costume opor duas abordagens didáticas: uma abordagem temática e uma histórica. A primeira discute a filosofia através do exame dos grandes temas de reflexão e dos conceitos que lhe são relativos, ao passo que a segunda transmite o saber filosófico pelo viés de uma exposição da história da filosofia, variando de filósofos da Antiguidade até os filósofos contemporâneos. (2011, p. 40)1

Quanto ao CBC (Conteúdo Básico Comum) proposto pela Secretaria da

Educação do Estado de Minas Gerais, há uma interessante situação. Nesse

programa, propõem-se uma divisão orientada pelos campos de investigação

que seriam “grandes áreas de questionamento e da pesquisa filosóficas” (p. 14)

as quais seriam: ser humano; agir e poder; conhecer. Observam também que

correspondem “em grande medida” às disciplinas filosóficas Antropologia

1 Dans les pays d’Europe où la philosophie est enseignée au niveau secundaire, il est de costume d’opposer

deux approches didactiques : une aproche thématique et une approche historique. La première abordarait la

philosophie à travers l’examen des grands thèmes de réflexions et de concepts qui y sont relatifs, tandis que

la seconde transmettrait le savoir philosophique par les biais d’un exposé d’histoire de la philosophie même,

allant des philosophes de l’Antiquité jusqu’aux philosophes contemporains.

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Filosófica, Ética e Filosofia Política e Teoria do Conhecimento, o que nos levaria

a constatar que no CBC há distinção entre os três eixos. Conquanto tenham

apresentado os campos de investigação, algumas páginas antes, afirmam os

autores que “Um programa de Filosofia pode ser estruturado seja a partir da

História da Filosofia, seja a partir dos temas.” (s/d, p. 12). Observa-se que

não há clareza da distinção entre as áreas e os temas do ensino de filosofia,

apesar do termo “áreas” ou “campos” ter sido utilizado posteriormente.

O mesmo fenômeno pode ser encontrado no livro Temas de Filosofia

(1992) no qual as autoras organizaram os capítulos em torno das áreas da

Filosofia (o homem, o conhecimento, a moral, a política; e a estética), ou seja,

Antropologia Filosófica, Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência, Ética,

Filosofia Política e Estética. Portanto, mesmo que os títulos dos capítulos

indiquem uma abordagem temática o eixo estrutural da obra são as áreas da

filosofia.

Por fim, o programa de vestibular da Universidade Federal de Uberlândia

também apresenta o mesmo amálgama. Está organizando em torno dos “eixos

temáticos”: Ética, Política e Teoria do Conhecimento. Cada eixo percorre a

história da filosofia a partir de alguns autores referenciais, como, por exemplo,

para o caso de Ética: Aristóteles, Kant, Nietzsche e Sartre. Em nossa

perspectiva, portanto, tratar-se-ia mais de intitular os eixos que orientam o

programa como “áreas da filosofia” do que como “eixos temáticos”.

Nossa intenção de diferenciar temas de áreas da filosofia surge a partir

da constatação de que a organização dos conteúdos para um plano de ensino

de Filosofia poderia distinguir o que é, por exemplo, optar por um bimestre letivo

sob as áreas de Metafísica ou Filosofia Política, ou por temas como poder,

violência, o ser, a substância etc. Por isso, aproveitando o termo “eixo” utilizado

por Gallo, nossa proposta sugere a terminologia, como indicado no início do

texto, eixo estrutural para os eixos em torno dos quais se organizam os

conteúdos de Filosofia.

O primeiro eixo estrutural é História da Filosofia que divide os conteúdos

nos períodos históricos e, em geral, é organizado a partir da obra dos filósofos.

Assim temos uma concepção quadripartida da história. Os períodos históricos

podem, ainda, ser subdivididos em outros, por exemplo, a História da Filosofia

Antiga subdividida em três períodos: pré-socrático, clássico e helenístico; a

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História da Filosofia Medieval pode, por exemplo, ser dividida em dois períodos:

Patrística e Escolástica; a Filosofia Moderna, por sua vez, é geralmente por

áreas Teoria do Conhecimento, Filosofia Política, Metafísica e, por vezes, por

fenômenos como o Iluminismo. Quanto à História da Filosofia contemporânea,

em geral, não se a divide em períodos, mas correntes ou escolas filosóficas,

como a fenomenologia e o existencialismo; o liberalismo econômico e o

marxismo e outras, assim como acontece no período helenístico o qual,

geralmente, é estudado a partir das “escolas”.

O segundo eixo estrutural é constituído pelas Áreas da Filosofia: Ética,

Estética, Filosofia da Ciência, Filosofia Política, Lógica, Metafísica, Teoria do

Conhecimento e outras. Neste caso, uma vez tomado uma Área, por exemplo,

a Metafísica, ela pode ser subdividida nos períodos da História da Filosofia:

metafísica em Parmênides e Heráclito; Platão e Aristóteles; Metafísica medieval,

Agostinho e Tomás de Aquino; metafísica moderna de Descartes e Leibniz; para

o período contemporâneo a crítica à metafísica em Comte e Nietzsche, a

metafísica em Heidegger. Em virtude da carga horária, muitas vezes reduzida,

os professores decidem por não tentar abordar todos os períodos históricos em

que conceitos desta área foram motivo de reflexão.

O terceiro estrutural eixo é constituído pela perspectiva que orienta o

curso por Temas de Filosofia: Verdade, Conhecimento, Silogismo, Bem, Ser,

Essência, Aparência, etc. Facilmente percebe-se que a perspectiva temática

também lança mão da história para apresentar as diferentes teorias dos filósofos

para os mesmos temas: por exemplo, a verdade em Tomás de Aquino; a verdade

em Heidegger. Nota-se, igualmente, que os temas podem percorrer mais de uma

área, por exemplo, a verdade pode tanto ser tema de Ética quanto de Metafísica;

o conhecimento de Lógica ou Teoria do Conhecimento.

Outra questão que se coloca sob esta perspectiva dos eixos estruturais é

que, para alguns estudiosos, haveria uma diferença qualitativa entre optar por

um ou outro eixo para organizar os conteúdos. Estas posições podem ser

sintetizadas desta forma: para os autores do CBC, o eixo temático é mais

adequado do que o histórico; para Gallo o eixo temático é mais adequado do que

o histórico, mas ambos podem apresentar problemas de adequação; para os

autores do texto da UNESCO, o eixo temático e o histórico devem ser

complementares, não havendo porque priorizar um ou outro.

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Parece-nos questionável a proposição teórica do CBC em sua “defesa” da

opção organização dos conteúdos de filosofia para um currículo (ou plano de

ensino) pelos temas a partir dos argumentos que se seguem:

A análise e discussão de temas parecem mais adequadas à faixa etária à qual se destina o programa, pois tornam mais fácil estabelecer relações entre a reflexão filosófica e a experiência do aluno. Países que têm tradição no ensino de Filosofia no nível médio propõem programas temáticos, como é o caso de França e Portugal.” (s/d, p. 13)

O eixo estrutural escolhido pelo professor seria mesmo decisivo para

estabelecer tais relações?

Em nosso ponto de vista, nenhum dos três eixos está mais ou menos

adequado à faixa etária. A organização dos conteúdos é uma orientação para o

desenvolvimento das aulas, no entanto, o que determina a aproximação entre “a

reflexão filosófica e a experiência do aluno” é a abordagem didática que será

realizada pelo professor. A orientação dos conteúdos não diz nada sobre como

será desenvolvido o trabalho propriamente didático do professor. Por exemplo,

se dois professores trabalham a partir do mesmo plano de ensino os resultados

em termos de aprendizagem dos alunos podem ser significativamente diferentes,

em função das escolhas didáticas que cada um deles faz. O mesmo se dá com

os livros didáticos: eles não determinam a metodologia didática do professor,

mas a orientação dos conteúdos. Concordo que estes livros podem dificultar o

trabalho mais do que facilitá-lo, em determinadas situações, mas não é o livro

que “dá aula”. Quando ouço os estudiosos criticando os livros didáticos de forma

generalizada percebo que a maioria não considera a autonomia do professor em

relação ao livro, como se a obra escrita fosse capaz de tomar decisões

metodológicas pelos docentes.

O texto produzido pela UNESCO aponta o seguinte limite para o ensino

de filosofia a partir do eixo histórico: sua exposição dos filósofos e suas obras

não apresentariam os grandes debates conceituais. Ora, por que não? Qual

concepção de história da filosofia subjaz a esta interpretação? Não sendo nosso

objetivo neste trabalho analisar esta postura, apenas ressalvamos que – em

nossa perspectiva – o ensino de História da Filosofia não é enciclopédico por

excelência, mas como veremos, também pode ser objeto de aulas dialógicas e

problematizantes ou meramente narrativas.

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Relativamente à possível interação entre a História da Filosofia e seus

Temas, temos duas posturas. A primeira é a de Gallo, que não aponta uma

interação necessária entre o eixo histórico e o temático. Para o autor, enquanto

o primeiro implicaria o risco de um ensino enciclopédico, o segundo, por sua vez,

poderia ou não “ser tratado numa perspectiva histórica” (2010, p. 161).

Perguntamos, como elaborar um plano de ensino de Filosofia, a partir do eixo

temático, sem utilizar uma perspectiva histórica? Uma vez que se abordará a

obra de pelo menos um filósofo, já estamos diante da História da Filosofia.

A segunda postura é a dos autores do texto da UNESCO, na qual,

observam que esta oposição entre o ensino da filosofia por meio de temas ou da

história da filosofia, é apenas aparente e que: “[...] essas duas abordagens

devem apoiar-se mutuamente e não poderiam ter um impacto real sobre os

alunos senão articuladas uma à outra.” (2011, p. 41).2

Acreditamos que haja uma exigência mais forte do que as duas

tendências apoiarem-se mutuamente; trata-se da impossibilidade de dissociar a

História da Filosofia, das Áreas e dos Temas. Em qualquer eixo em torno do qual

estejam organizados os conteúdos, haverá uma interação entre eles.

Evidentemente, um ou outro será priorizado, mas não é possível excluir os

outros.

Utilizar o termo “eixo” é uma metáfora interessante porque trata-se

exatamente disso: um deles será o eixo em torno do qual os outros orbitarão, de

todo modo, a história, as áreas e os temas de Filosofia estarão presentes

independentemente da forma como o professor organize seu plano de ensino.

Por exemplo, se o professor escolhe como eixo os Temas de Filosofia, pode

propor um conjunto de aulas em torno do “contratualismo”. Ora, ao abordar este

tema, necessariamente, o professor remeter-se-á ao período histórico do tema,

em geral, na modernidade. As áreas em que este tema pode ser inserido são

Ética e Filosofia Política, principalmente. Desta forma temos: Tema:

contratualismo; História da Filosofia: Filosofia Moderna; Área: Ética e Filosofia

Política. Note-se que se acrescentarmos o problema gerador do contratualismo

qual é a origem do poder do Estado? O que o torna legítimo? Esta estrutura de

2 [...] les deux approches doivent s’appuyer l’une sur l’autre et ne peuvent avoir d’impact réel sur les

élèves qu’articulées l’une à l’autre.

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eixos não será alterada. Da mesma forma, se acrescentarmos os conceitos:

estado de natureza, estado civil, pacto social, soberania a estrutura de eixos

estará presente.

Tomemos como eixo a História da Filosofia, por exemplo, período

Medieval. Ora, muitas áreas e temas estão presentes neste período, então é

necessário sermos mais precisos: como tema, estudar-se-á o ser em Tomás de

Aquino. Assim, temos: História da Filosofia: Filosofia Medieval; Tema: o ser;

Área: Metafísica. Aqui, da mesma forma, se delinearmos melhor o problema

gerador, não se alteram os eixos.

Tomemos como eixo as Áreas da Filosofia. Por exemplo, se o professor

escolhe a área Filosofia da Ciência deve estabelecer a qual período histórico se

refere, em geral, filosofia contemporânea; é necessário, ainda, delimitar os

temas possíveis desta área, destaquemos, então, a verdade e a ciência. Desta

forma temos: Área: Filosofia da Ciência; História da Filosofia: Filosofia

Contemporânea; Tema: verdade e ciência. O problema gerador, uma possível

crítica ao neo-positivismo do Círculo de Viena ou os conceitos de falseabilidade

e verificabilidade.

Desta forma, podemos vislumbrar um aspecto que seria motivo para um

outro trabalho, mas sobre o qual não pudemos deixar de apontar algumas

reflexões aqui: observamos que alguns elementos constantes e obrigatórios no

ensino de Filosofia são contemplados por todos os eixos: trata-se das obras dos

filósofos, dos problemas e dos conceitos. Qualquer que seja o eixo –

considerando que os outros dois estarão presentes – as obras dos filósofos, bem

como seus nomes e algumas informações etiológicas, e os conceitos por ele

tratados serão analisados.

Sobre os problemas em Filosofia podemos tecer algumas considerações

que se encaixam nesta parte do artigo. No CBC há indicação que, ao lado de

temas e conceitos, estamos trabalhando também problemas de filosofia o que

nos parece muito adequado. Acreditamos que, neste mesmo sentido, a proposta

de Gallo também possa ser considerada adequada, porque há necessidade de

se entender que os temas e a história da filosofia são motivados por problemas

filosóficos. A respeito desta expressão, é interessante observar a proposta de

Murcho que aponta para o fato de que alguns problemas de filosofia se

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apresentam em mais do que uma de suas disciplinas (esta expressão para

Murcho tem o mesmo significado neste nosso trabalho de áreas da filosofia).

Quando se propõe organizar um currículo de filosofia a partir de

problemas, necessariamente, subjaz a este programa os três eixos estruturais

acima comentados. O efeito retórico de intitular os conteúdos no plano de ensino

em torno de temas, problemas ou conceitos pode ser bem mais estimulante para

os alunos do que a organização em torno da História da Filosofia, mas

efetivamente – como dissemos – não se constituem em eixos estruturais, são,

no máximo, os títulos de unidades ou capítulos. Assim, vimos que tanto o CBC

quanto o livro Temas de Filosofia por mais que se apresentem títulos de

unidades e capítulos intitulados como temas, organizam-se na verdade em áreas

da filosofia; cada uma das áreas é desenvolvida historicamente; muitos temas e

problemas de filosofia estão presentes nas propostas.

Com os livros didáticos se passa o mesmo. São organizados ora, em torno

do eixo histórico, ora em torno do eixo temático, ora em torno das áreas da

filosofia; os títulos das unidades, dos capítulos e dos subitens são escolhidos,

via de regra, pelo efeito retórico que produzem, sendo que os conteúdos são

aproximadamente os mesmos ou equivalentes em termos de quantidade. Ainda

que somente três tenham sido aprovados pela avaliação do MEC para o triênio

2012 – 2014, todos se equivalem neste aspecto. Há, porém, um livro no mercado

editorial que, felizmente, não foi aprovado, trata-se da obra: Dez lições de

filosofia (editora FTD). Neste caso os autores esvaziaram quase que

completamente o conteúdo filosófico em favor de “assuntos” do cotidiano que

lhes pareciam mais prementes do que a própria história da filosofia, que, como

vimos, traz em seu bojo: as áreas, os temas, as obras dos filósofos, os problemas

e os conceitos. Desta forma, proporcionam um suposto estudo de filosofia no

qual o conhecimento da tradição filosófica não exerce um papel, propriamente,

significativo, aparecendo de forma muito tímida e até mesmo, diríamos,

envergonhada.

A problematização em filosofia

Passemos, agora, à segunda parte deste trabalho, na qual pretendemos

discutir nossa perspectiva do “eixo problemático” e do motivo pelo qual o

concebemos mais como uma proposta didática do que um eixo estrutural dos

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conteúdos de filosofia. Para tanto, analisemos as reflexões de Gallo, Rocha e

Obiols a este respeito.

Em primeiro lugar, gostaríamos de observar que o termo “eixo

problemático” ainda que correto, não será adotado, pois o substantivo “eixo”,

utilizado para definir o organizador dos conteúdos no plano de ensino, não é

adequado para esta reflexão, por isso, adotaremos o termo “abordagem”.

Quanto ao adjetivo “problemático” observamos que ele comporta dupla

significação, sendo uma delas negativa, indicando algo “difícil de interpretar”,

“que não se compreende”. Assim, adotaremos a expressão “abordagem

problematizante” ao invés de “eixo problemático”.

O que seria, afinal de contas, uma abordagem problematizante? A

reflexão de Zanoto e De Rose Problematizar a própria realidade: análise de uma

experiência de formação contínua (2003) apresenta uma concepção de

problematizar na perspectiva de quatro correntes, sendo três representadas

pelos pensadores Dewey, Saviani, Paulo Freire e a última pela perspectiva

construtivista. As autoras tinham por projeto verificar em que medida estas

quatro correntes poderiam contribuir para a compreensão da ação de

problematizar, em especial, na formação de professores. Acreditamos que a

concepção em si pode também ser aplicada não somente à formação de

professores, mas igualmente no trabalho com os alunos. Sintetizando a

concepção, por elas proposta, afirmam que a ação de problematizar ocorre em

três momentos: identificar problemas, buscar fatores explicativos e propor

soluções. Aponta igualmente as seguintes características:

[...] 2) Ênfase no sujeito ativo, porque só dessa maneira ele constrói conhecimentos; 3) ter noção de problema tomado no sentido da reflexão filosófica, porque é preciso resgatar a problematicidade do problema [...]; a práxis é importante – se o problema se refere a algo que não se sabe mas é preciso saber, melhor se este problema estiver relacionado à realidade de quem problematiza, para que a explicação e a solução redundem numa transformação dessa realidade -, a realidade é, então, ponto de partida e de chegada.” (2003, p. 49)

Assim, a problematização não passa somente pelo ato de identificar

problemas, no caso dos estudos deste trabalho, problemas filosóficos e

apresentá-los aos alunos, mas é preciso fazer com que estes problemas da

História da Filosofia, sejam problemas que interessem também aos alunos, para

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que estejam motivados a pesquisar e refletir, portanto, para tornarem-se sujeitos

do conhecimento.

Assim, como já havíamos adiantado a abordagem problematizante não é,

exatamente, um eixo estrutural dos conteúdos filosóficos, mas uma proposta

didática. Vimos com Zanotto e De Rose que a ação de problematizar é

essencialmente didática e que, por isso, mesmo pode ou não ser utilizada nos

eixos histórico, temático ou de áreas da filosofia. Para exemplificar melhor esta

nossa perspectiva, recorramos ao que seria o oposto da abordagem

problematizante: a abordagem narrativa. Paulo Freire em A pedagogia do

oprimido (1987) define esta abordagem como uma educação bancária:

Quanto mais analisamos as relações educador – educandos, na escola, em qualquer lugar de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras. Narração de conteúdo que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos. Há uma quase enfermidade da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar. (1987, p. 57)

A oposição entre a abordagem narrativa, ou bancária, e a abordagem

problematizante, ou dialógica, está, justamente, no trato com a realidade

concreta: “os conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da

totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação.”

(FREIRE, 1987, p. 57) Paulo Freire define, então, como concepção

problematizadora da educação que se aplica não somente à didática, mas

também política. Devemos, porém, para este trabalho, concentrarmo-nos na

questão didática da problematização. A educação problematizadora afirma a

dialogicidade e se faz dialógica; ela ultrapassa a simples narração.

Saindo do campo da reflexão sobre a educação em geral e voltando ao

campo dos estudiosos do ensino de filosofia, tratemos das reflexões sobre a

problematização. Para Murcho, em seu artigo Os problemas da filosofia: “A

filosofia é algo que cada um faz com sua própria cabeça, em diálogo crítico com

os outros. A filosofia não consiste em ler textos e “comentar” o que esses textos

dizem. A filosofia consiste em pensar nos mesmos problemas que são tratados

nesses textos o que é muito, muito diferente.” (2008). O ensino de filosofia pode

abarcar estas duas realidades: ler e comentar os textos dos filósofos, mas este

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exercício, conforme o autor, não é a filosofia propriamente dita, e sim a reflexão

sobre os problemas apresentados. Nossa questão seria tentar entender se os

problemas, que serão objeto de reflexão, se limitam aos que os textos dos

filósofos propõem ou se também podemos refletir sobre problemas que eles não

propuseram, mas que hoje são importantes, tanto para o professor quanto para

o aluno?

Em síntese do que foi refletido acima, podemos dizer que quando

pensamos a questão de “problematizar o problema” deve-se compreender a

dupla relação do pensamento com a realidade; como vimos, a primeira pode ser

compreendida como contextualização a segunda como problematização. Em

primeiro lugar, compreender o problema na perspectiva da história da filosofia;

contextualizá-lo: quem era o filósofo, quais eram as instituições sociais de seu

tempo, porque isso ou aquilo se convertia em problema para sua época; quais

as soluções propostas? Um bom exemplo seria o caso do debate entre os

filósofos sobre as soluções para o problema da intolerância religiosa no momento

histórico conhecido como “guerras de intolerância”, temos respostas em Bayle,

Voltaire, Rousseau, Montesquieu e outros mais. A primeira fase da

problematização é, portanto, uma etiologia ou contextualização. Não basta o

professor ou o livro didático narrarem a situação e as idéias é preciso ensinar

aos alunos de tal forma que compreendam a dramaticidade da situação

proposta.

Analisemos, agora, a proposta da abordagem problematizante a partir da

leitura da obra de alguns estudiosos do ensino de filosofia.

Conforme Gallo:

Em minha visão, esta abordagem abarca as duas anteriores, na medida em que permite tanto o acesso aos temas filosóficos mais relevantes quanto à história da filosofia. Mas também avança para além delas, pois toma a filosofia como uma ação, uma atividade, posto que se organiza em torno daquilo que motiva e impulsiona o filosofar, isto é, o problema. (2010, p. 163)

Concordamos com Gallo quanto aos efeitos – que a abordagem

problematizante abarca todos os eixos estruturais - mas não pela mesma causa,

ou seja, porque a abordagem problematizante seria um eixo mais amplo do que

os outros. A abordagem problematizante é uma metodologia de ensino que pode

ser aplicada, ou não, para qualquer opção de organização dos conteúdos por

parte do professor.

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A análise de Rocha (2008) sobre este tema remete-nos a uma perspectiva

diferente da adotada pelos autores e documentos anteriormente citados. Em sua

concepção, são eixos da Filosofia: história, problemas e método. Cada um

destes eixos seria mais adequado para os diferentes níveis de ensino. Em suas

palavras: “[...] no Ensino Fundamental o guia didático e formacional é o método;

no Ensino Médio, o guia são os problemas; no Ensino Superior, o guia deve ser

o estudo rigoroso dos textos clássicos da Filosofia” (2008, p. 123)

Observa-se, portanto, que se trata mais de discutir a abordagem

metodológica de ensino do que eixos estruturais. Em nossa perspectiva, os eixos

estruturais estariam presentes em todos os níveis de ensino com a função de

organizar os conteúdos expostos no plano de ensino. Assim, no ensino

fundamental, se se trata de utilizar mais o método como guia formacional, de

qualquer modo, no plano de ensino haverá uma organização dos conteúdos que

nos remeterá à história da filosofia, às áreas e aos temas, pois são

indissociáveis. No ensino médio o mesmo fenômeno ocorrerá, pois se o guia

didático é a história da filosofia é preciso declarar quais períodos serão

estudados, quais áreas e temas. Não fica inteiramente claro como a História da

Filosofia pode ser um “guia didático”; a nosso ver, a História da Filosofia, como

dissemos, pode ser um eixo estrutural dos conteúdos, a orientação didática ou

guia didático a partir do qual se ensinará filosofia será, necessariamente, uma

abordagem problematizante ou narrativa.

Para Obiols (2002) há uma oposição entre o ensino tradicional que toma

como objetivo o “ensino puramente conceitual” e o “ensino sem conteúdo”. O

caminho intermediário entre estes dois extremos considera a importância do

conceito, mas também – se assim podemos dizer – da contextualização da

filosofia. Desta forma, as estratégias didáticas apontam para três momentos: um

início problematizante, um desenvolvimento analítico e um encerramento

sintético, que corresponde à distinção “concreto – abstrato – concreto” (2002, p.

121)

Para definir o início problematizante, Obiols afirma:

No primeiro momento, o do início, trata-se de colocar um problema ou questão filosófica que será objeto de consideração: a colocação do problema é responsabilidade fundamental do professor, é uma proposta de trabalho que deve incluir as ações necessárias para que os estudantes façam seu esse problema ou questão filosófica: trata-se da problematizar o problema, de

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provocar perplexidade e despertar o interesse frente aquilo que será objeto de tratamento (pp. 121 – 122)

Observa-se, portanto, que trata-se mais de métodos de ensino do que

métodos de organização dos conteúdos. Quando Obiols afirma “ações

necessárias” ou “provocar perplexidade” não está se referindo à organização dos

conteúdos em eixos, mas em estratégias de ensino. Sua crítica ao ensino

tradicional remete-se então, não ao seu conteúdo, mas ao seu método,

entendendo “ensino puramente conceitual” como um ensino narrativo que

valoriza mais a memorização do que a aprendizagem significativa. Sua crítica ao

“ensino sem conteúdo” nos remete a uma situação na qual o método didático

problematizante se impõe sobre o próprio conteúdo da filosofia, portanto, há uma

completa ausência dos eixos estruturais neste método.

Neste mesmo sentido encontramos as definições de Obiols quando trata

da aplicação do modelo formal para o ensino de filosofia. Vimos que apresenta

três momentos para o ensino de filosofia: concreto – abstrato – concreto. Ora, o

momento da história da filosofia é justamente o abstrato, conforme descrito

abaixo:

Textos filosóficos e história da filosofia constituem as duas fontes fundamentais que deverão ser objeto de estudo pelos alunos, com a ajuda do professor. [...] a leitura da bibliografia e o trabalho com as guias de estudo supõe um aluno que realize uma série de atividades intelectuais variadas e de distinta complexidade, que lhe permitam compreender criticamente um texto (compreensão do vocabulário, localização do contexto de sua redação, idéias principais ali sustentadas, argumentos em favor delas, pressupostos dos quais se parte, ambigüidades, questões vagas etc.) (2003, p. 128)

Por fim, podemos dizer que tanto para Gallo, quanto para Obiols, o ensino

problematizante de filosofia necessita da história da filosofia:

É evidente, por outro lado, que centrar o currículo no eixo problemático não pode significar o desprezo pela história da filosofia. a história deve estar lá, sempre presente como pano de fundo, como a fonte na qual buscamos o saber filosófico sistematizado. [...] é justamente a história que nos garante a possibilidade de estabelecermos, sempre, um novo começo, que não é nenhuma reinvenção da roda, mas o exercício de cada um fazer por si mesmo o movimento de pensamento que fizeram os filósofos ao longo da história. (GALLO, 2010, p. 165)

Os problemas filosóficos, a nosso ver, não constituem um quarto eixo,

porque mesmo que os conteúdos filosóficos no plano de ensino ou nos capítulos

dos livros didáticos tragam os “problemas de filosofia” como títulos de unidades

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e sub-unidades de trabalho, temos, como substrato para a organização destes

problemas as estruturas fundamentais: história, temas e áreas da filosofia.

Como podemos constatar, não basta que o professor de filosofia

apresente um problema a ser entendido pelos alunos, é preciso que “façam seu

o problema”, ou seja, que os alunos consigam transformar o problema que lhes

é alheio em um objeto de reflexão com o qual tenham identidade e motivação

para estudar. Por isso, problematizar, o problema é uma estratégia fundamental

para que o ensino de filosofia não seja “puramente conceitual”. Evidentemente,

a mera narração dos conteúdos de filosofia, por mais que descrevam problemas,

não são capazes de fazer com que os alunos tornem seus os problemas da

história da filosofia.

Todavia, como o professor pode fazer para que os alunos tornem deles

os problemas filosóficos? É preciso que compreendam a situação concreta na

qual os problemas emergiram na história – isto é, a primeira etapa da

problematização: a contextualização do problema – e fazer com que, ao trazer

para as situações concretas existenciais que vivem, possam ser relacionadas –

na medida do possível – àqueles problemas expostos fazendo com que tome

para si sejam “deles” o que era um problema “alheio”, completando, assim, a

segunda etapa da problematização ou a problematização propriamente dita.

O segundo momento, problematizar o problema é, portanto, encontrar

formas didáticas de fazer com que os alunos, mais do que entender

compreendam o assunto – pois isto a abordagem narrativa também é capaz de

fazer – tragam aquela problemática para sua realidade e pensem soluções para

os próprios problemas, de forma mediada pelo conteúdo e pelo professor.

Problematizar é o momento no qual os alunos, até mesmo para melhor

contextualizarem, trazem estas questões para o seu tempo, fazem comparações

sobre o momento em que vivem e aquele vivido pelos filósofos; encontrem os

problemas do nosso tempo e proponham soluções. Aqui, também necessitam da

mediação do professor para que a aula possa ocorrer de modo dialógico e todos

se tornem sujeitos do conhecimento.

Há questões que precisam ser delineadas de uma maneira mais clara

pelos estudiosos, por exemplo, enquanto na perspectiva de Obiols a

problematização é o primeiro passo para a abordagem do conteúdo de filosofia,

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para Aranha e Martins seria o último de quatro passos necessários para a leitura

de um texto filosófico. Conforme as autoras do Temas de filosofia:

Nesse nível nos distanciamos do texto e pensamos em assuntos ou problemas que, embora levantados a partir de sua leitura cuidadosa, vão além dele. É quando nos perguntamos: naquela época, ou sociedade, eram assim; e hoje, como é? Tal coisa é validada para x; e para y como é? Ao problematizar, estamos indagando sobre outras possibilidades e exercitamos a imaginação, a coerência, o raciocínio. Abrimos nossos olhos para novos significados, para nossa leitura do mundo. (p. 15)

A análise das autoras indica, novamente, a fusão entre os dois conceitos:

o de contextualizar e o de problematizar. Ao investigar a questão, por exemplo,

“naquela época, ou sociedade, era assim” trata-se de contextualizar o tema de

estudos; quando se questiona, “e hoje, como é?” Isto é problematizar porque

exige comparação entre o que é vivido pelos alunos e o que foi vivido pelo filósofo

e que motivou a escritura de seu texto.

Conclusão

Acreditamos que a síntese deste trabalho pode ser definida da seguinte

forma: é possível ensinar os conteúdos da filosofia, tendo em vista os eixos

estruturais, de forma narrativa ou problematizante.

No plano de ensino do professor de filosofia a organização dos conteúdos

orienta-se pelos eixos estruturais; a metodologia didática orienta-se, por

exemplo, pela perspectiva problematizante ou narrativa, dependendo das

opções de cada professor. Os autores de livros didáticos e os autores de

currículos oficiais de filosofia devem se preocupar menos em oferecer uma

proposta que queira direcionar o trabalho dos professores e ocupar-se mais com

a organização de materiais adequados aos objetivos didáticos; que seja

compreensível para os alunos e que não dificulte o trabalho do professor; cujo

planejamento defina claramente um eixo principal e os secundários; que esteja

solidamente ancorado nos textos dos filósofos, trazendo com eles os problemas

e os conceitos.

Obiols afirmou, como citamos mais acima mais acima, que a proposição

colocação do problema é responsabilidade exclusiva do professor.

Evidentemente os planejadores também podem sugerir problemas aos

professores, no entanto, não devem fazer destes planos “camisas de força”,

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somente na situação existencial de cada aula e de cada turma é que se torna

possível delinear em que medida os problemas da filosofia podem ser mais ou

menos problematizados pelos alunos.

Concordamos, pois, com Libâneo, quando afirma sobre o método didático

de investigação e solução de problemas:

O uso desta técnica visa não apenas a aplicação de conhecimentos e situações novas no âmbito da matéria, mas também à situações da vida prática. Favorece o desenvolvimento das capacidades criadoras e incentiva a atitude de participação dos alunos na problemática que afeta a vida coletiva e estimula o comportamento crítico perante os fatos da realidade social. (1990, p. 166)

Não é porque um curso está organizado em torno do eixo História da

Filosofia ou Áreas da Filosofia que, necessariamente, implicará em aulas

narrativas. Da mesma forma que, não é pelo fato de estarem os conteúdos

organizados em torno de Temas de filosofia que as aulas serão,

necessariamente, problematizantes. Acreditamos ter demonstrado nosso

pensamento até aqui, indicando que não há ligação direta entre a organização

curricular – ou dos conteúdos – e a metodologia de ensino.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de

Filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.

CBC. Conteúdo Básico Comum. Autores: BIRCHAL, Telma; KAUARK, Patrícia;

MARQUES, Marcelo. Governo do Estado de Minas Gerais, Secretaria de Estado

de Educação. s/d.

GALLO, Sílvio. Filosofia. Ensino de filosofia: avaliação e materiais didáticos.

Coleção Explorando o Ensino. v. 14. Coord. Gabriele Cornelli, Marcelo Marques

e Marcio Danelon. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação

Básica, 2010.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA.

(Orientações curriculares para o Ensino Médio, volume 3). Ministério da

Educação, Secretaria da Educação Básica, Brasília, 2008. 133p.

MURCHO, Desidério. http://www.esec-alberto-

sampaio.rcts.pt/filosofia/problemas_filosofia_murcho.htm.

OBIOLS, G. Uma introdução ao ensino de filosofia. Coleção Filosofia e Ensino.

Trad. Silvio Gallo. Ijuí: Unijuí, 2002.

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SAVIANI, D. Do senso comum à consciência filosófica. Col. Educação

Contemporânea.São Paulo: Cortez Editora; Autores Associados, 1983.

UFU. Programa de Filosofia para o vestibular:

http://www.ingresso.ufu.br/sites/default/files/anexos/procsel/20102/PS20102_Fil

osofia.pdf.

UNESCO. L’Enseignement de la philosophie en Europe et Amérique du Nord.

Organisation des Natios Unies pour l’éducation, la science et la culture. Paris,

2011.

ZANOTO, M. A. do Carmo e DE ROSE, T. M. Santana. Problematizar a própria

realidade: análise de uma experiência de uma formação contínua. Educação e

Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 45 – 54, jan./jun. 2003.

Comentários

Qualquer que seja a nossa opção por área, história ou tema de filosofia

estes elementos estarão sempre presentes. A questão agora é que eles devem

orientar a proposta de conteúdo dos planos de curso conforme as turmas e

semestres de ensino. Por exemplo, se temos uma turma de Primeiro Ano do

Ensino Médio, teremos quatro bimestres para distribuir os conteúdos, levando

em conta que eles terão ainda mais dois anos ou oito bimestres.

É importante observar o CALENDÁRIO ESCOLAR, pois ele indica os

acidentes típicos da vida organizacional da escola, indicando dias letivos,

feriados, dias letivos sem aulas etc. As grandes atividades escolares, como

semana do meio ambiente, semana da consciência negra estão inseridos no

calendário e tudo isto deve ser levado em conta no Plano de Ensino. Acima de

tudo, deve-se levar em conta as indicações de datas para provas substitutivas e

recuperações, em geral, no final dos semestres.

Aqui vai uma sugestão prática: não deixe os principais conteúdos para as

últimas aulas do semestre, pois com o acúmulo de provas, trabalhos e

recuperações alunos e alunas tendem a diminuir o aproveitamento do conteúdo.

Assim, planeje de tal forma a deixar a parte mais densa e do trabalho para o

início e meio dos bimestres.

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FUNDAMENTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS DO ENSINO DE FILOSOFIA

Abordemos, agora, especificamente as possibilidades de ensino de

filosofia a partir do método conceitual e do método histórico.

FUNDAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO DO ENSINO DE FILOSOFIA

José Benedito de Almeida Júnior3

Este artigo tem por objetivo propor um fundamento teórico-metodológico para o

ensino de filosofia oriundo da própria filosofia. Trata-se da proposta de Victor

Goldschmidt formulada como: tempo lógico e tempo histórico na interpretação

de sistemas filosóficos. Serão avaliados aspectos positivos e negativos de

ambas as perspectivas. Consideramos que o ensino de filosofia abrange duas

tarefas: ensinar história da filosofia ou os conceitos dos filósofos e ensinar a

filosofar. Analisando textos recentes sobre o assunto, este artigo procura

demonstrar que os atuais estudiosos deveriam observar que ensinar história da

filosofia e os conceitos dos filósofos não é apenas transmissão de informações

e que deve ser tão cuidadosamente estudada quanto a tarefa de ensinar a

filosofar.

PALAVRAS CHAVE: Filosofia. Ensino. Metodologia. Filosofar.

This article aims to propose a theoretical and methodological foundation to the

teaching of philosophy derived from the philosophy itself. This is the Victor

Goldschmidt’s proposal formulated as: logical time and historical time in the

philosophical systems interpretation. We’ll evaluate positive and negative

aspects of both perspectives. We believe that the teaching of philosophy

encompasses two tasks: to teach the history of philosophy or the philosophers’

concepts and also, to teaching philosophize. Analyzing recent texts on the

3 Professor do Departamento e do Programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de

Uberlândia; UFU, CEP: 38.400-902, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Doutor em Filosofia pela

Universidade de São Paulo.

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subject, this paper argues that current scholars should realize that teaching

history of philosophy and philosophers’ concepts is not just transmitting

informations and should be studied as carefully as the task of to teaching

philosophize.

KEYWORDS. Philosophy. Teaching. Metodology. Philosophize.

Introdução

Nosso objetivo neste trabalho é o de discutir uma metodologia para o

ensino de filosofia a partir da própria filosofia. Queremos nos concentrar

especificamente nas reflexões sobre a tarefa de ensinar os conceitos dos

filósofos4, seja por meio de temas, áreas ou pela história da filosofia.

Entendemos, portanto, que o ensino de filosofia abrange duas tarefas: o ensino

dos conceitos dos criados pelos filósofos e ensinar a filosofar que é o exercício

do pensar por conceitos a partir de problemas próprios, desenvolvendo teorias e

argumentos.

Concordamos com a proposta de Danelon que afirma a necessidade de a

filosofia pensar o seu ensino a partir dos referenciais das ciências da educação,

mas também de um olhar próprio, pois há questões específicas que devem ser

abordadas pelas próprias disciplinas de modo particular. No caso da filosofia:

Neste aspecto, acreditamos ser importante pensar o ensino da filosofia desde um olhar da própria filosofia. Em outras palavras, pensar filosoficamente o ensino de filosofia é pensar com a filosofia o problema do seu ensino. (DANELON, 2010, p. 3)

O que nos levou a fazer a opção de apontar uma dupla função do ensinar

filosofia foi o fato de que os estudiosos preocupam-se sobremaneira com o

ensinar a filosofar e tratam com certo descaso do ensino dos conceitos. Um

exemplo sintomático disto encontramos na expressão de Desidério Murcho: “[...]

se reduzirmos o ensino de filosofia ao ensino dos problemas, teorias e

argumentos [...]” (MURCHO, 2008, p. 90) Mais adiante, no mesmo Dossiê do

Ensino de Filosofia, Cerletti reconhece que há esta dupla função do ensino de

4 Poderíamos utilizar o par de expressões: ensinar história da filosofia e ensinar a filosofar, mas a

expressão história da filosofia é restritiva em relação às perspectivas de ensino que podem tomar como

eixo vertebrador os temas ou ainda as áreas da filosofia, por isso, adotaremos a expressão ensinar os

conceitos dos filósofos.

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filosofia: “La enseñanza de la filosofia muestra entonces dos dimensiones

enlazadas. Uma dimensión objetiva, la repetición, y otra subjetiva, la creación.”

(CERLETTI, 2008, p. 51) porém, reduz o papel do ensino dos conceitos: “ El

desafio de todo maestro – y muy en especial del que ensenã filosofía – es lograr

que en sus clases, más allá de transmitirse información, se produzca un cambio

subjetivo.” (2008, p. 52).

Ora, em primeiro lugar, não se trata simplesmente de “transmitir

informações”, como se fosse tarefa mecânica ensinar problemas, teorias e

argumentos; em segundo lugar, como se fosse tarefa menor o aluno

compreender estes problemas, estas teorias e os argumentos que os filósofos

registraram em suas obras. Por exemplo, podemos nos perguntar: quais

problemas levaram Platão a elaborar a Alegoria da Caverna? Quais teorias

construiu neste pequeno texto? Quais os argumentos para justificar esta teoria

ou teorias? Ensinar, bem ensinado, estes elementos não é, de forma alguma,

tarefa menor para o professor, assim como para o aluno compreendê-los não é,

de forma alguma, mera tarefa mnemônica, em nosso entendimento.5

Para, literalmente, ilustrar a diferença que propomos entre ensinar os

conceitos criados pelos filósofos e ensinar a filosofar, recorramos à obra de

Maurício de Souza intitulada: As sombras da vida. Esta história em quadrinhos

tem como personagem central Piteco e não se limita a ilustrar a alegoria da

caverna, mas adapta-a para a linguagem de quadrinhos. Ao final, permite-se

uma comparação entre as sombras do fundo da caverna com os programas de

TV. Enfim, a partir de Platão, Maurício de Souza propõe um problema para a

nossa sociedade. Ora, o ensino de filosofia, implica em duas tarefas: uma delas

é compreender os problemas, as teorias e os argumentos presentes na Alegoria

da Caverna de Platão; a outra é ensinar a filosofar e a partir daí, pensar os

próprios problemas para formular suas teorias e argumentos, por exemplo, será

5 Gostaria de apontar, aqui, uma questão que não poderá ser abordada neste artigo, mas merece um

estudo à parte. Quando os estudiosos do ensino de filosofia criticam o ensino de História da Filosofia estão

fazendo uma confusão entre o ensino de história narrativa e o ensino de história problematizante. (por

exemplo, em História: novos problemas, de Jacques Le Goff e Pierre Nora). Portanto, é preciso observar

que, ao longo deste artigo proponho um ensino de história da filosofia na perspectiva problematizante,

mas não teremos espaço, neste momento para apresentar as teorias sobre o ensino de história que

fundamentam esta tese.

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que os programas de TV são simulacros da realidade ou trazem-nos a própria

realidade? Será que há um “mundo lá fora” a ser conhecido além do que a TV

nos mostra?

Por fim, além de demonstrar que o ensino de filosofia implica ensinar os

conceitos dos filósofos e ensinar a filosofar, este artigo apresentará outras

nomenclaturas particulares para definir uma linguagem comum a partir da qual

poder-se-á debater o tema. Trata-se das formas de elaboração de um curso de

filosofia, ou melhor, do eixo de orientação do trabalho.

A perspectiva da História da Filosofia divide os conteúdos nos períodos

históricos e, em geral, por filósofos. Assim temos os quatro grandes períodos

que podem ainda ser subdivididos em outros, por exemplo, a história da filosofia

medieval pode ser apresentada em dois períodos: Patrística e Escolástica; a

Filosofia Moderna apresentada de forma geral e o Iluminismo de modo particular,

como um fenômeno da filosofia moderna. Em geral, quaisquer que sejam as

divisões, estuda-se as obras de alguns filósofos que o professor escolheu para

ensinar.

A perspectiva de Áreas da Filosofia aborda o ensino a partir das grandes

áreas da filosofia: ética, estética, filosofia da ciência, filosofia política, lógica,

metafísica, teoria do conhecimento e outras. Neste caso, uma vez tomado um

eixo, por exemplo, a Metafísica, ela é subdividida nos períodos da História da

Filosofia: metafísica em Platão e Aristóteles; Metafísica medieval; metafísica de

Descartes e Leibniz.

A perspectiva Temática orienta o curso de filosofia por temas: verdade,

conhecimento, silogismo, bem, ser, essência, aparência, etc. Facilmente

percebe-se que a perspectiva temática também lança mão da história para

apresentar as diferentes teorias dos filósofos para os mesmos temas: por

exemplo, a verdade em Tomás de Aquino; a verdade em Heidegger.

Alguns autores também afirmam haver uma perspectiva

problematizante, contudo, cremos que esta perspectiva refere-se mais ao

método de ensino, que pode ser aplicada a todas as perspectivas acima, seja

como o “problema gerador” da teoria do filósofo, seja como um “problema

gerador” a ser debatido com os alunos a fim de introduzir determinado conteúdo.

Na verdade o ideal, é que todo ensino seja problematizante, não somente em

filosofia, mas todas as disciplinas escolares e de cursos livres.

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Tempo lógico e tempo histórico na interpretação de sistemas

filosóficos

Propomos como fundamento teórico-metodológico para o ensino de

filosofia, especificamente, para aquela primeira parte, qual seja ensinar os

conceitos dos filósofos, o que se costuma chamar de estruturalismo presente em

um pequeno texto de Victor Goldschmidt intitulado Tempo lógico e tempo

histórico na interpretação de sistemas filosóficos. Não é nossa intenção propor

um método a ser seguido. Antes disso, esta proposta tem por objetivo investigar

os fundamentos teóricos e metodológicos sobre os quais professores de filosofia

(de todos os níveis de ensino) orientam seus trabalhos, mas não se constitui –

em hipótese alguma – em receita pronta.

É importante observar, ainda, que a reflexão de Goldschmidt não foi feita

com o objetivo de estudar o ensino de filosofia, mas a pesquisa em filosofia e,

em especial, a pesquisa no nível superior. Por isso, nossa adaptação terá um

deslocamento acentuado da pesquisa para o ensino, mas quanto ao nível,

acreditamos que as informações aqui apresentada podem ser úteis a todos os

níveis de ensino, pois não se refere a nenhum em particular. Por fim, há outras

questões no excerto de Goldschmidt que poderiam interessar, mas por limites

de espaço para um artigo se torna inviável, neste momento, aprofundarmos essa

análise.

Há outras propostas teórico-metodológicas registradas na grande

produção recente desta área, como as publicações do Fórum Sul de Ensino de

Filosofia, os livros coletivos, os livros individuais e diversos artigos publicados

em revistas científicas. Mas elas ainda não estão tão consolidadas quanto a que

vamos expor, pois, via de regra, o que se tem é a apresentação de propostas

metodológicas para o “ensinar a filosofar” na perspectiva de diferentes filósofos:

Sócrates, Nietzsche, Deleuze, Sartre, Kant, Marx, entre outros, desta forma por

fim, haveria tantas propostas metodológicas quantos são os filósofos. Ora, é

justamente contrário ao espírito da filosofia, à sua “natureza aberta” - na

expressão de Desidério Murcho, que será mais adiante melhor elucidada –

propor qualquer método particular de filosofar como referência obrigatória para

todos os professores de filosofia.

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Em seu texto Goldschmidt tomou como tarefa apresentar duas

perspectivas para a interpretação de sistemas filosóficos. Seu objetivo era

mostrar que tanto a perspectiva histórica quanto a perspectiva conceitual ou

dogmática são úteis para a interpretação das obras dos filósofos, no entanto,

ambas também apresentam desvantagens. Assim, podemos afirmar que, para

Goldschmidt não é possível a um intérprete compreender a totalidade do

pensamento de um filósofo, pois nenhuma destas perspectivas é capaz de

oferecer uma interpretação irrefutável.

Para Goldschmidt, haveria dois métodos de investigação: o método

genético ou histórico que nos permite compreender o tempo histórico de um

sistema filosófico; e o método dogmático que nos permite compreender o tempo

lógico de um sistema filosófico. O termo dogmático é utilizado por Goldschmidt,

conforme sua própria explicação, a partir do dicionário de André Lalande que

atribui ao termo dogma vários sentidos, dentre eles, um que se aproxima da

noção que hoje utilizamos: conceito. Assim, consideramos que é plenamente

possível utilizar o termo método conceitual ao invés de método dogmático,

postura esta que adotaremos de agora em diante. Em suas palavras:

Parece que haveria duas maneiras distintas de interpretar um sistema; ele pode ser interrogado, seja sobre sua verdade, seja sobre sua origem; pode-se pedir-lhe que dê razões, ou buscar suas causas. Mas, nos dois casos, considera-se ele, sobretudo, como um conjunto de teses, de dogmata. O primeiro método, que se pode chamar dogmático, aceita, sob ressalva, a pretensão dos dogmas a serem verdadeiros, e não separa a léxis (A. Lalande) da crença; o segundo, que se pode chamar genético, considera os dogmas como efeitos, sintomas, de que o historiador deverá escrever a etiologia (fatos econômicos e políticos, constituição fisiológica do autor, suas leituras, sua biografia intelectual ou espiritual etc.). (GOLDSCHMIDT, 1963, p. 139).

Entendendo como sistema filosófico o conjunto de obras ou conceitos de

um filósofo. Como se disse, os dois métodos apresentam suas vantagens e suas

desvantagens, cabendo ao intérprete utilizá-los da melhor maneira evitando as

armadilhas que ambos os métodos carregam.

O método genético

O método genético, como lemos mais acima, “considera os conceitos

como efeitos, sintomas, de que o historiador deverá escrever a etiologia (fatos

econômicos e políticos, constituição fisiológica do autor, suas leituras, sua

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biografia, sua biografia intelectual etc.)”. Trata-se, portanto, de analisar os

problemas a partir dos quais o filósofo escreveu uma obra ou elaborou um

conceito em particular.

A etiologia baseia-se em diferentes fatos que influenciaram direta ou

indiretamente as obras dos filósofos. Trata-se, portanto, de introduzir os estudos

de um filósofo em particular, ou de um tema, de uma área ou dos períodos

históricos, a partir de fatores externos indicados pelo termo etiologia.

Goldschmidt elenca alguns fatores de ordem social: econômicos, culturais,

políticos. Para exemplificar, digamos que conhecer minimamente o que foi a

Revolução Industrial ajudaria a compreender algumas teses mais importantes de

Karl Marx.

Há outros fatores que se inserem na ordem pessoal do filósofo: a

constituição fisiológica do autor, como por exemplo, a robustez de Sócrates e a

fragilidade física de Rousseau e Nietzsche. Este último fez de sua enfermidade

motivo de reflexão registrado em um aforismo no qual afirma que sempre este

enfermo, mas jamais doente.

Ainda na ordem pessoal, mas voltado para o âmbito intelectual,

Goldschmidt afirma que as leituras do filósofo, sejam elas filosóficas ou não,

influenciam seu pensamento e, muitas vezes, orientam os intérpretes na

compreensão de determinadas passagens que são respostas a essas leituras.

Muitos filósofos declaram ter sido tal ou qual livro de literatura importante para

sua reflexão; no âmbito da filosofia, declaram responder a determinado autor ou

demonstram que estão refletindo a partir de outro filósofo.

Por fim – com consciência de que estamos apresentando o assunto e não

o esgotando - destacamos que a biografia do filósofo também é um registro que

ajuda a compreender o seu pensamento. Por exemplo, suas viagens, os cargos

ou funções que exerceu, as ofertas generosas de mecenas que foram

recusadas, suas incursões em outros campos como outras áreas de

conhecimento, da arte, dos ofícios.

As desvantagens do método genético ou histórico

A grande desvantagem deste método é o risco de “ir além das intenções

do autor”. Muitas vezes o intérprete, julgando que encontrou as origens das teses

em fontes externas à obra mesma do filósofo, afirma vinculações entre o autor e

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seus contemporâneos ou à classe social a qual pertencia, etc. De fato, encontrar

elementos que nos dão noção da origem de um conceito não significa que

podemos afirmar determinar inferências de modo decisivo sobre o autor além de

sua “obra assumida”, isto é, aquela que ele mesmo autorizou a publicação.

No entanto, apesar dos riscos, a aula de filosofia deve contar com um

elemento histórico, naquele momento no qual o professor tem por tarefa: ensinar

os conceitos dos filósofos, para ensiná-los, muitas vezes, é preciso recorrer a

elementos extemporâneos ao texto mesmo para que seja facilitada a

compreensão de seus pressupostos e de suas propostas. No entanto, é claro

que Goldschmidt não considera que o ensino pelo método genético esgota

aquela parte da aula, é preciso, em determinado momento, mergulhar no texto

do filósofo, compreender suas palavras com ou sem a intervenção destes

elementos extemporâneos.

O método conceitual

“O primeiro método, que se pode chamar de dogmático, aceita, sob

ressalva, a pretensão dos dogmas a serem verdadeiros, e não separa a lexis (A.

Lalande) da crença.” (GOLDSCHMIDT, 1963, p. 139). Em primeiro lugar, é

importante destacar, neste caso, o sentido de dogma é o mesmo de conceito e

não o de dogma religioso, por isso, chamamos este método de conceitual.

Também, e neste mesmo sentido, quando Goldschmidt fala em crença não se

trata de crença religiosa, mas de que o filósofo acredita que seu sistema nos

fala verdades. E, quanto ao sentido de lexis, citado no dicionário filosófico de

André Lalande, podemos compreendê-lo como a palavra que se torna conceito.

Esse método trata da análise da obra de um autor tomando como

referência apenas aquilo que está escrito, sem se importar com qualquer fator

etiológico. Estuda o encadeamento das razões e procura verificar se seu

sistema, nesta mesma obra, está coerente. Depois, prosseguindo a análise,

compara os conceitos formulados pelo filósofo em suas outras obras e verifica-

lhes a consistência. Por conta desse método, muitas vezes identifica-se

mudanças na formulação de conceitos em um mesmo filósofo; ou ainda,

observa-se se o filósofo, ao renunciar aos seus conceitos em obras anteriores,

de fato, rompe completamente com eles, ou ainda, se mantém algum elo apesar

de sua declarada ruptura.

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As desvantagens do método conceitual

Esse método apresenta como maior desvantagem o fato de não

considerar a perspectiva das transformações dos conceitos filosóficos dentro do

conjunto da obra de um autor. Por exemplo, ao exigir coerência entre os

conceitos acaba desconsiderando que um conceito concebido aos 30 anos pode

e deve sofrer mudanças quando o autor chegar aos seus 60 anos, pois novas

leituras, novos contatos intelectuais, com certeza, mudam ou ampliam sua forma

de pensamento.

No âmbito do ensino médio este problema do método conceitual ou

dogmático reflete-se na necessidade de escolher pequenos trechos dos textos o

que, por vezes, nos faz deparar com dificuldades bastante significativas, pois a

explicação sobre aquele conceito necessita de outras informações que não se

encontram presentes ou mesmo, pode ser o caso, de pequenos trechos que não

representam exatamente o pensamento de um filósofo e podem transmitir uma

idéia distorcida de seu pensamento.

Palacios destaca um trecho da obra de Aristóteles que, isoladamente,

indica perspectivas pouco éticas, em relação ao mundo contemporâneo. Desta

forma, ainda que de fato, possamos compreender e criticar o pensamento deste

mestre da filosofia clássica, não é adequado julgar toda sua obra por apenas um

trecho ou julgar o trecho de forma descontextualizada. O trecho em questão está

presente no livro I da Política:

Os estudantes brasileiros, sejam do nível médio, sejam do superior, segundo essa perversa visão, não estariam em condições de compreender, pior ainda de criticar, esta tese de um dos grandes da filosofia: “Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante de seu nascimento, são, por assim dizer, marcado por natureza, uns para comandar, outros para obedecer. (PALACIOS, 2008, p. 113).

Considerações até aqui

O objetivo do professor de filosofia não é ensinar história, nem a história

das idéias, mas ensinar os conceitos ou algum determinado conceito no

pensamento de um filósofo. Para tanto ele deve recorrer a determinados

recursos. Na análise acima apresentada vimos que poderá recorrer às

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informações, por exemplo, sobre o período histórico no qual o filósofo viveu,

pois nenhuma filosofia se faz fora do espaço e do tempo; à biografia intelectual

do filósofo, pois ele procura responder problemas que percorrem a história da

filosofia.

Outra fonte de informações para orientar o ensino de filosofia são os

textos (que podem ser ou não dos filósofos, mas fiquemos aqui, com os textos

dos filósofos). Neste caso, o objetivo é compreender o conceito explicitado pelo

filósofo em um determinado fragmento. No entanto, uma vez compreendido o

conceito explicitado naquele trecho não somente pode-se, mas deve-se localizá-

lo no pensamento de um determinado filósofo, na expressão de Goldschmidt, na

dogmata.

Portanto, se o professor optar por um método problematizante, ou por uma

abordagem conceitual, ou histórica, de todo modo, o objetivo central é o mesmo:

ensinar um determinado conceito filosófico.

Quando Kant afirmou, na Crítica da razão pura, que não se ensina

filosofia, mas a filosofar, interpôs um aposto que se tornou a referência para esta

pesquisa: a não ser historicamente. Ora, é possível ensinar filosofia, ou o

conceito dos filósofos como objeto de estudo sem a pretensão de que aprender

os conceitos dos filósofos é filosofar. Mas o fato é que parece importante para

toda a comunidade filosófica que o exercício do filosofar seja feito a partir do

estudo cuidadoso da história da filosofia.

O próprio Kant afirma que é possível ensinar a filosofia historicamente, a

partir de certas tentativas já existentes, ou seja, que estudando a história da

filosofia e ousando saber pode-se filosofar por conta própria. Como dissemos

insistentemente nas páginas anteriores, nosso objetivo é justamente a primeira

parte: aprender filosofia historicamente.

Alguns estudiosos observam que há um risco de se ensinar história da

filosofia de modo dogmático. Ora, é possível ensinar filosofia sem ser dogmático,

isto é, ensinar os conceitos dos filósofos sem, no entanto, querer que seus

conceitos sejam a verdade sobre aqueles temas (mesmo porque entre os

próprios filósofos há muita divergência, a não ser que um professor ainda mais

dogmático queira que as respostas de um filósofo sejam a verdade sobre

determinados problemas).

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Estudar história da filosofia não é submeter-se ao pensamento filosófico!

Ler e tentar compreender as razões dos filósofos não é menoridade intelectual,

mas um exercício de leitura e compreensão (dos sistemas filosóficos, como

afirma Goldschmidt) que faz parte do processo de formação dos adolescentes

da Educação Básica e dos jovens universitários. Ao contrário de ser menoridade

é o caminho para a maioridade intelectual uma vez que ao exercitar a leitura, a

interpretação, a pesquisa, a escrita, a oralidade o aprendiz ganha mais meios de

expressar seu próprio pensamento.

Uma vez compreendido o que um filósofo quis dizer em uma obra ou em

um fragmento, é possível e desejável que se posicione frente a ele, conforme

Palacios:

É grave defender uma submissão intelectual com base num óbvio sentimento de inferioridade. Devemos aceitar nossa menoridade intelectual e ver nossos estudantes como incompetentes? Vê-los como incapazes de compreender o que os clássicos da filosofia disseram e, ainda mais, impedidos por tal suposta incompetência de avaliar o que disseram? (PALACIOS, 2008, p. 111)

Exatamente neste mesmo sentido, Gallo analisa o problema da

recognição para Deleuze. Para o autor do O que é a filosofia? a recognição é

“pensar uma vez o já pensado. Não há, portanto, lugar para a criação”. (GALLO,

2008, p. 68) Assim, quando Platão critica a doxa como falso saber e funda a

filosofia acaba, de um modo ou de outro, impondo-se como uma ortodoxia, na

expressão de Gallo:

Ora, o ideal de romper com a doxa está presente na filosofia desde suas origens gregas. No entanto, o que afirma Deleuze é que na constituição de uma imagem do pensamento, sempre dogmática, o que se faz é promover uma ortodoxia, isto é, levar a doxa, que é sempre particular, para um patamar coletivo, generalizado. (GALLO, 2008, p. 69)

Ambos autores, Gallo e Deleuze entendem que é preciso produzir um

“pensamento sem imagem” criativo, “violento” porque exige que resolvamos

problemas para os quais não encontramos respostas com a imagem dogmática

dos pensamentos alheios, inclusive dos filósofos. Mais adiante na conclusão do

artigo afirma:

Assim, tratar do ensino de filosofia como criação de conceitos, como experiência do pensar por conceitos, significa fazer da sala de aula uma espécie de laboratório, ou, para escapar do referente científico, talvez seja melhor falar em uma “oficina de conceitos”. Trata-se de deslocar o foco do ensino como treinamento para uma educação como experiência, em que cada

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estudante seja convidado a colocar seus problemas, adentrar no campo problemático e experimentar os conceitos, experimentar o pensamento por conceitos, seja manejando e deslocando conceitos criados por filósofos ao longo da história do pensamento, seja criando seus próprios conceitos. (GALLO, 2008, p. 75)

A ideia central nos parece muito interessante: o ensino de filosofia como

um “pensar por conceitos”, seja com os conceitos dos filósofos, seja criando seus

próprios conceitos. No entanto, novamente, o autor remete-se ao problema do

filosofar e não ao do “ensinar filosofia”, isto é, como podemos ensinar os

conceitos dos filósofos aos alunos, pois não basta que leiam os textos por sua

própria conta, faz-se necessária a intervenção do professor para facilitar esta

tarefa de compreensão. Alguns poderiam objetar que, talvez, o aluno aprenda

melhor os conceitos lendo os filósofos por si mesmos, mas como estamos

tratando do universo escolar, podemos pensar que se aplicarmos o mesmo para

outras disciplinas a auto-aprendizagem tornar-se-ia um imperativo para todo o

sistema de ensino.

Desidério Murcho, por sua vez, aborda este problema de separar e

analisar no ensino de filosofia o ensinar os conceitos dos filósofos e o filosofar,

a partir da pergunta: como se ensina isso? A idéia central de seu artigo é que

não se deve reduzir o ensino de filosofia ao historicismo entendido como o

ensinamento puro e simples da relação entre a teoria dos filósofos e os períodos

nos quais viveram; nem tampouco no enciclopedismo, que seria a mera

repetição erudita dos conceitos e idéias dos filósofos a serem memorizados

como as fórmulas matemáticas, ou fatos históricos.

Para Desidério Murcho o ensino de filosofia deve passar também por uma

experimentação: o aluno deve ter a oportunidade de realizar a mesma ação dos

filósofos. Em suas palavras:

O que há a fazer compreende-se melhor se fizermos uma analogia entre o ensino de atletismo ou da pintura e o ensino de filosofia. o estudante de atletismo ou de pintura não pode limitar-se a compreender teorias sobre o atletismo ou a pintura; tem também de aprender a correr ou pintar. Ou seja, não podemos limitar-nos ao “saber que”. Temos de ter também em vista o “saber como”. (MURCHO, 2008, pp. 90 - 91)

Desta forma, observamos que Murcho, tal qual os autores anteriormente

abordados, não se debruçam sobre o tema do “ensinar filosofia” a não ser no

que se refere ao “filosofar”, quando o aluno passa do estudo ao exercício.

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Concordamos inteiramente com o autor, assim como com os demais, que o aluno

de filosofia não deve limitar-se somente ao enciclopedismo ou ao historicismo,

mas acreditamos que, na ânsia de definir o filosofar, os estudiosos do tema da

metodologia do ensino de filosofia não refletiram sobre possíveis abordagens

metodológicas relativas ao ensino dos conceitos dos filósofos.

Esta mesmo observação pode ser feita tendo em vista as analogias

propostas por Murcho. O autor afirma que um estudante de pintura ou de

atletismo não deve “limitar-se a compreender as teorias sobre o atletismo ou a

pintura” (MURCHO, 2008, p. 90) o que dizemos é que não é tarefa menor, nem

simples, “ensinar as teorias de atletismo ou pintura”, da mesma forma que

ensinar as teorias de filosofia e outras disciplinas, pois o problema surge diante

dos olhos: ensinar as teorias. É preciso compreender que ensinar os conceitos,

as teorias e argumentações dos filósofos, enfim, que ensinar história da filosofia

não é mera transmissão de informações. Podemos nos perguntar: como ensino

uma teoria? Como inicio o trabalho de imersão no campo teorético ou conceitual

de um pintor, um estudioso do movimento humano ou de um filósofo? Quais

estratégias de ensino devo usar para ensinar teorias e a história da filosofia?

Cerletti, em seu texto Enseñanza filosófica: notas para la construcción de

um campo problemático (2008) nos convida a refletir da seguinte forma: “As

interrogações o que é ensinar filosofia? e o que é filosofia? mantém então uma

relação direta que enlaça aspectos essenciais do filosofar.” (CERLETTI, 2008,

p. 45). Neste sentido, acredito que a fusão de duas perguntas diferentes: o que

é filosofia e como se ensina filosofia pode gerar dificuldades insolúveis para a

segunda. Como se pergunta Kant, “Até então não é possível aprender qualquer

filosofia; pois onde esta se encontra, quem a possui e segundo quais

características se pode reconhecê-la?” (KANT, 1988, p. 237).

Cerletti acredita que muitos tomam, como referência para pensar o ensino

da filosofia, ferramentas didáticas em geral, que acabam não vinculando o ensino

da filosofia a ela mesma. Desta forma, o autor – como outros – confunde as

estratégias ou metodologia de aula com a metodologia do ensino de filosofia, ou

seja, confunde a ação didática do professor com a orientação teórica do próprio

curso de filosofia. Em que medida este conteúdo irá determinar o ensino da

filosofia é a pergunta que acredito poder resolver com a proposição do

“estruturalismo”, sem, no entanto, como disse ao início do texto, supor que esta

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seja a única fundamentação teórico-metodológica possível. Por outro lado, ao

buscar os fundamentos da filosofia na concepção sintetizada por Goldschmidt,

acreditamos atender outra exigência: que a filosofia busque os fundamentos do

seu ensino em si mesma.

Conclusão

Nossa questão central é, portanto, a pergunta: como eu ensino os

conceitos dos filósofos? Que os alunos irão exercitar o próprio pensamento a

partir de conceitos dos filósofos ou seus próprios; que poderão pensar a partir

do problema gerador da filosofia de algum autor, ou de seus próprios problemas

achamos muito interessante, mas fica ainda a mesma pergunta sem resposta:

como eu ensino as teorias filosóficas?

Nossa proposta é que, ensinamos teorias filosóficas a partir do tempo

lógico quando nos debruçamos sobre o texto do filósofo (ou um excerto) e

procuramos entender qual conceito ele forja ali, quais idéias pretende teorizar;

quais argumentos utiliza para fundamentar suas idéias; ensinamos a partir do

tempo histórico quando, para chegar à compreensão de um conceito filosófico,

lançamos mão de informações extemporâneas à letra própria do filósofos a fim

de compreender suas idéias: quais eras as questões filosóficas de seu tempo;

quais eram as questões políticas e sociais; ao escrever esta obra está

respondendo a qual filósofo, a qual obra filosófica? Como Goldschmidt bem

observou os dois métodos apresentam vantagens e desvantagens que devem

ser medidas pelo professor na elaboração de suas aulas, abandonando qualquer

sonho de interpretação inquestionável ou totalizante do pensamento filosófico,

pois como bem afirmou Murcho a natureza aberta da filosofia é o seu maior

legado e nós não podemos passar desapercebidos disso nem enquanto filósofos

nem enquanto estudiosos do pensamento filosófico alheio.

REFERÊNCIAS

ALVES, D. J. A filosofia no ensino médio: ambigüidades e contradições na LDB.

São Paulo: Autores Associados; FAPESP, 2002.

CEDES. ............................................. São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP.

v. 24, n° 64, set./dez. 2004.

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CERLETTI, A. Enseñanza filosófica: notas para La construcción de um campo

problemático. Revista Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 22, n. 44, p. 43 - 54,

jul./dez. 2008. Dossiê Ensino de Filosofia.

COLL, C. (org.) O Construtivismo na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1999.

COSSUTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins

Fontes, 1994.

CUNHA, J. A. Filosofia na Educação Infantil: fundamentos, métodos e propostas.

Campinas; Alínea, 2002.

DANELON, M. Ensino de Filosofia e currículo: um olhar crítico aos parâmetros

curriculares nacionais (ciências humanas e suas tecnologias e orientações

curriculares para o ensino médio: filosofia). Cadernos de História da Educação,

v. 9, n. 1,p. 109 – 129, jan./jun. 2010.

DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O que é a Filosofia? Lisboa: Presença, 1992.

GALLO, SÍLVIO. Filosofia e o exercício do pensamento conceitual na Educação

Básica. Revista Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 22, n. 44, p. 55 - 78, jul./dez.

2008. Dossiê Ensino de Filosofia.

GOLDSCHMIDT, V. A Religião de Platão. São Paulo: Difusão Européia do Livro,

1963.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril

Cultural, 1979.

PALACIOS, G. A. Perguntas autoritárias: a questão do método, as monografias

e o filosofar. Revista Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 22, n. 44, p. 101 - 114,

jul./dez. 2008. Dossiê Ensino de Filosofia.

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RELAÇÕES ENTRE O PROCESSO DE ENSINO E O PROCESSO DE

APRENDIZAGEM

Neste tópico vamos discutir alguns aspectos do processo de ensino e do

processo de aprendizagem, não sendo, portanto um único processo. Não é

porque ensinamos de modo claro e didático que os alunos e as alunas

aprenderam automaticamente aquele conteúdo, da mesma forma, não é porque

já foi ensinado determinado conteúdo que alunos e alunas devem trazê-lo de cor

e salteado em todas as aulas. O processo de aprendizagem passa por diversas

fases, deve estar ancorado em conhecimentos prévios e ser significativo. A

memória exerce um papel importantíssimo no conhecimento, mas não é o único

critério de aprendizagem.

Para introduzir estas discussões leiamos o texto Autonomia e

conhecimento em ciências humanas: o caso da filosofia.

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COMO PREPARAR AULAS E ALGUNS EXEMPLOS

Este parte tem como objetivo apresentar algumas reflexões teóricas sobre

as potencialidades da aula e, mais especificamente, as potencialidades das

aulas de filosofia. Como não conseguimos uma versão em word do artigo “A aula

como uma questão filosófica” o deixamos em anexo. A seguir, passamos para

algumas orientações para preparar aulas.

TEORIA

A aula é uma unidade didática.

Toda aula deve ter começo, meio e fim.

As aulas podem conter atividades em sala, mas somente quando for

significativo fazê-lo.

O começo deve estar ligado às aulas anteriores e o fim deve apontar os

caminhos para os próximos passos, seja conteúdo, seja avaliação, do tipo

prova.

PRÁTICA

Livro didático

Verificar em que tópico do seu cronograma você se encontra: ano,

bimestre, aula.

Ler o capítulo todo (fazer a análise). Nessa leitura você perceberá as

divisões internas (em geral demarcadas por subitens, por isso o livro é

didático) e poderá dividir o capítulo conforme o número de aulas

planejadas.

Toda aula de Filosofia deve ter como eixo um ou mais conceitos!

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As aulas de filosofia caracterizam-se pela apresentação, análise e

demonstração dos conceitos dos filósofos, então, toda aula deve ter um conceito

(ou mais) senão não faz sentido ter aula de filosofia.

Assim, os tempos históricos social e filosófico devem servir de suporte para

o ensino do conceito.

O lugar do tempo histórico social e filosófico

O contexto histórico social (econômico, político, cultural, religioso) é muito

importante para vários casos, mas nem todos. é preciso saber o momento de

usar esse contexto para contribuir com o ensino dos conceitos

Ex: A política em: Aristóteles e Platão; Locke e Hobbes; Rousseau e o

contratualismo; Marx e a revolução do proletariado;

A cultura em: Agostinho e o nascimento da filosofia cristã; Nietzsche e sua critica

ao cristianismo (sempre generalizando o conceito de cristianismo, esse

Nietzsche!); Escola de Frankfurt e a cultura de massa;

O tempo histórico da filosofia

Os contextos históricos-sociais são importantes, mas nem sempre são

úteis. As vezes remetemo-nos exclusivamente ao contexto da própria história da

filosofia: o Ente e a Essência, por exemplo; ou substância e acidente; silogismo

categórico; descartes e sua crítica à ciência escolástica etc.

Nesse caso, até mesmo temas como empirismo, inatismo e criticismo estão

muito pouco ligados ao tempo histórico social

Avaliação

Toda aula deve poder gerar uma questão de prova, isto é, perguntas que

solicitem do aluno a definição de um conceito filosófico. A rigor, podemos dizer

que a depois de selecionado o conceito (ou os conceitos) a serem ensinados em

sala de aula, pensa-se sobre o que se deseja que os alunos aprendam sobre

aquele conceito e a aula é criada em torno dessa questão fundamental.

Se trabalharmos com um conceito em sala de aula, uma questão; se mais

de um, mais de uma questão.

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EXEMPLOS DE AULAS

AULA SOBRE O AMOR

PALAVRAS E CONCEITOS

Objetivo geral: Essas aulas são complementares à aula de história da filosofia

que teve como filósofo estudado Platão.

Objetivo específico: estudar a diferença entre palavras e conceitos bem como a

formação dos conceitos em filosofia.

Interdisciplinaridade: Língua Portuguesa, Literatura e história da religião.

Número de aulas: aproximadamente cinco aulas.

Atividades:

a) apresentação do objetivo dos estudos;

b) apresentação (audição) da canção de Renato Russo;

c) aula sobre Camões e leitura do poema;

d) aula sobre São Paulo e leitura do trecho;

e) aula sobre Platão e leitura do trecho.

O pensamento filosófico se diferencia de outras formas de pensamento

justamente porque é capaz de produzir conceitos. Como vimos, esta é a

característica do nascimento da filosofia na Grécia e, em especial, com Sócrates,

que afirmava a necessidade de conhecermos exatamente o significado de uma

palavra antes de a utilizarmos para explanar idéias.

Palavras são meios de expressão oral ou escrita que expressam idéias ou

sentimentos; para sabermos os significados das palavras podemos recorrer aos

dicionários de língua portuguesa. Os conceitos são palavras, mas cujo

significado só pode ser compreendido a partir da obra de um de um filósofo, se

nos atermos à proposição de Deleuze e Guattari que, como vimos na primeira

parte deste trabalho, afirmam que somente a filosofia produz conceitos. Por

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exemplo, a justiça em Platão, a ética em Habermas. Se você recorrer a um

dicionário da língua portuguesa encontrará vários significados para justiça e

ética, mas nenhum deles nos ajudará a compreender o significado, ou os

significados de justiça para Platão ou de ética para Habermas.

Quando uma pessoa escreve vários livros, canções, poemas ou qualquer

outra forma de expressão, utiliza palavras para definir suas idéias. Assim, é

possível identificar quais idéias quer expressar quando recorre a uma ou outra

palavra mais importante em seu vocabulário próprio.

Vamos tomar como exemplo a palavra Amor a partir da canção de Renato

Russo intitulada “Monte Castelo” na qual ele mescla duas das concepções de

amor acima citadas. Renato Russo foi um compositor do gênero rock e na maior

parte de sua carreira fez letras com forte conotação de crítica social (Faroeste

Caboclo, Geração Coca – Cola e outras), mas sempre compôs canções

românticas. Ao final da carreira inclinou-se para a religião e a auto-reflexão.

Monte Castelo – Renato Russo

Ainda que eu falasse a língua dos homens, E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria. É só o amor, é só o amor, Que conhece o que é verdade, O amor é bom, não quer o mal, Não sente inveja ou se envaidece. Amor é fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente

É contentamento descontente É dor que desatina sem doer. Ainda que eu falasse a língua dos homens, E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria. É um não querer mais que bem querer, É solitário andar por entre a gente, É um não contentar-se de contente, É cuidar que se ganha em se perder. É um estar-se preso por vontade, É servir a quem vence, o vencedor; É ter com que nos mata lealdade, Tão contrário a si é o mesmo amor. Estou acordado e todos dormem, todos dormem, Agora vejo em parte, mas então veremos face a face. É só o amor, é só o amor, Que conhece o que é verdade, Ainda que eu falasse a língua dos homens, E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

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O trecho abaixo é do apóstolo Paulo, Primeira Carta aos Coríntios,

capítulo 13 versículos de 1 a 7. Paulo nasceu em Tarso com o nome Saulo, entre

5 e 10 d.C. e faleceu em 68 d. C.. Judeu criado na diáspora era conservador e

assumiu a tarefa de perseguir os cristãos até que se converteu ao cristianismo,

no famoso episódio da viagem a Damasco e tornou-se o mais importante

responsável pela expansão da religião cristã para fora dos círculos judaicos.

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada valeria!

O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O amor não é orgulhoso. Não é arrogante. Nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Abaixo temos o soneto completo de Luís de Camões (1524/25 – 1579/80),

um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa. Não se sabe ao certo

em que cidade nasceu, mas sabe-se que faleceu, pobre, em Lisboa. Teve uma

vida agitada por viagens, prisões, guerras (numa das quais perdeu um olho) e

amores.

Amor é fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente

É contentamento descontente É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer, É solitário andar por entre a gente, É um não contentar-se de contente, É cuidar que se ganha em se perder. É um estar-se preso por vontade, É servir a quem vence, o vencedor; É ter com que nos mata lealdade, Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo amor?

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O trecho abaixo é de Platão (427 a.C. até 347 a. C.) no diálogo

denominado Banquete ou Simpósio.

Quem vai a esses mistérios pelo caminho certo – explicou – tem de começar saindo, na juventude, em busca da formosura física e, primeiramente, se o guia o dirigir com acerto amar um só corpo, produzindo, nessa altura, belos discursos; depois, aprender que a beleza de todo corpo é irmã da de outro corpo e que, se o dever é buscar a beleza da forma, grande tolice é não considerar a beleza de todos os corpos como uma só e a mesma: compreendido isso, tornar-se apaixonado da beleza corpórea em geral e afrouxar o forte apego a um corpo só, desdenhando-o, menosprezando-o. O estágio seguinte é considerar mais preciosa a beleza das almas que a do corpo e, em conseqüência, se uma pessoa de alma bem dotada for provida de poucos atrativos, dar-se por satisfeito, ama-la, cuidar dela, dar à luz discursos daquele gênero, procurando os que possam melhorar a mocidade”.

Questões:

Sobre o texto do Apóstolo:

1) Quais são os elementos inferiores ao amor e porque são assim? Quais

são as características do amor?

Sobre o texto de Camões:

2) O que o poeta quis dizer ao apresentar as contradições do amor (por

exemplo, fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente etc?).

Sobre o texto de Platão:

3) Quais são os três estágios do amor?

Sobre os textos em geral:

4) Quais são as diferenças do significado de Amor em São Paulo, Camões

e Platão?

5) Como você compreendeu a fusão de duas diferentes noções de amor na

canção de Renato Russo.

Respostas:

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1) Esses elementos são: o dom da profecia, os mistérios, a ciência, a fé,

a doação dos bens, ou o sacrifício pessoal, pois de nada adianta tudo

isso se o motivo que levou a praticar o bem ou ter os dons não for o

amor.

2) O poeta sintetiza, nas ambigüidades do amor, o que todos

experimentam ao amar: ao mesmo tempo que vive-se uma felicidade

extrema, também sofre-se por medo de perder o amor.

3) O primeiro estágio é o de amar a beleza de um só corpo, ou seja, uma

só pessoa; depois amar a beleza de todos os corpos irmãos, ou seja,

todas as pessoas; por fim, amar a beleza da alma, pois aí está o

verdadeiro ser do homem.

4) Em São Paulo, trata-se do amor a Deus, isto é, um amor proveniente

da fé e dirigido à religião; em Camões trata-se do amor romântico, de

um amante a uma amada ou vice-versa; e em Platão, o conceito de

amor é obtido por meio da reflexão e não por inspiração.

5) Esta é uma pergunta propositadamente aberta, não podemos precisar

um único sentido para a intenção do cantor, mas podemos admitir

interpretações que conduzam a uma reflexão sobre as relações

humanas, sejam coletivas, sejam românticas.

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Ave Maria, 1982.

PLATÃO. O Banquete. Diálogos. Tradução: Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, s/d.

CAMÕES, L. V. Sonetos. www.vidaslusofonas.org.

RUSSO, Renato. Monte Castelo (canção). As quatro estações. EMI, 1989.

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AULA SOBRE A CIDADE, O CAMPO E A FILOSOFIA

Uberlândia, 13 de maio de 2010. Uberlândia, 14 de novembro de 2017.

Uberlândia, 05 de agosto de 2019.

AULA 01 Fernando Antonio Nogueira

Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888, na cidade de Lisboa; faleceu em 30 de novembro de 1935, na mesma cidade. É um dos maiores poetas da língua portuguesa. Suas obras além de falarem sobre a existência, o amor, os sentidos, também falam sobre alguns temas da filosofia (ver Tabacaria) Criou algo absolutamente genial no mundo da poesia que são seus “pseudônimos”: diferentes personagens, também poetas, que têm perspectivas, sobre a vida, muitas vezes diferentes daquelas do próprio Fernando Pessoa. O poema

que vamos ler é de Alberto Caeiro, “nascido” em 1889.

ESCOLA ESTADUAL FRIEDRICH NIETZSCHE DISCIPLINA: FILOSOFIA PROFESSOR: JOSÉ BENEDITO DE ALMEIDA JÚNIOR TEMA: Análise da Relação campo-cidade no pensamento de Jean-Jacques Rousseau. INTERDISCIPLINARIDADE: Literatura Portuguesa e Música Popular Brasileira OBJETIVO: Demonstrar que a problemática filosófica de Jean-Jacques Rousseau sobre a relação entre campo e cidade é, também, tema de outras pessoas que a abordaram de modos diferentes. ATIVIDADE (no máximo de quatro pessoas); valor 4,o pontos DURAÇÃO: 2 aulas (uma para o poema e a letra de música e uma para Rousseau)

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Da minha aldeia vejo quanto na terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Por que eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro, Nas cidades as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. CAEIRO, Alberto. O Guardador de rebanhos. In: PESSOA, Fernando, O Eu profundo e os outros Eus. São Paulo: Nova Fronteira, 1980.

Luiz Gonzaga do Nascimento, nasceu na cidade de Exu, Pernambuco, em 13 de dezembro de 1912; faleceu em Recife a 2 de agosto de 1989. É conhecido como “Rei do Baião”, pois foi o criador e maior compositor deste gênero musical. É considerado um dos maiores acordeonistas brasileiros. Suas músicas ficaram famosas não somente pelo ritmo dançante, mas por causa da riqueza das letras altamente poéticas (a maioria delas em parcerias com Zé Dantas e Humberto Teixeira). Retratam a realidade do imigrante, mas também de temas cotidianos da cultura nordestina, em especial, e da brasileira, em geral. Muitas vezes suas músicas são

engraçadas (Ovo de Codorna) e por vezes dramáticas (Assum Preto, Asa Branca).

Agora, leiamos a letra da música “Riacho do Navio” de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

Riacho do Navio Corre pro Pajaú O rio Pajaú vai despejar No São Francisco O rio São Francisco Vai bater no meio do mar O rio São Francisco Vai bater no meio do mar Ah! se eu fosse um peixe Ao contrário do rio Nadava contra as águas E nesse desafio

Saía lá do mar pro Riacho do Navio Eu ia direitinho pro Riacho do Navio Pra ver o meu brejinho Fazer umas caçada Ver as "pega" de boi Andar nas vaquejada Dormir ao som do chocalho E acordar com a passarada Sem rádio e nem notícia Das terra civilizada Sem rádio e nem notícia Das terra civilizada. Riacho do Navio... Estando lá não sinto frio.

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Exercícios

Lendo atentamente a poesia e a letra da música destaque os seguintes aspectos:

1) Quais palavras você não conhece o significado?

2) Qual é a idéia principal do poema de Alberto Caeiro e da letra de música

de Luiz Gonzaga e Zé Dantas?

3) Vocês observam alguma relação entre estes dois materiais? Sim ou não?

Justifique sua resposta com seus argumentos e com trechos da poesia e

da letra de música.

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AULA 02

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra (então cidade-estado, hoje uma das cidades integrantes da Federação Helvética, ou Suíça) e faleceu em 1778 na cidade de Ermenoville, França.

Capa da primeira edição do Emílio Ficou conhecido em toda a Europa como autor de uma ópera famosa O Advinho da Aldeia e de um romance Júlia ou A nova Heloísa o maior sucesso editorial da época.

Além disso, ganhou um prêmio da Academia de Lyon num concurso de ensaios com seu Discurso sobre as Ciências e as Artes. Apesar de ter alcançado a fama em Paris, Rousseau não conseguia aceitar o modo de vida das cidades em que as aparências são mais importantes do que os sentimentos das pessoas. Suas posturas críticas o levaram a ser alvo de inúmeras intrigas. Em 1762 publicou suas duas obras mais famosas: Emílio ou da Educação e Do contrato social. O resultado foi a condenação de suas obras tanto pelos católicos da França, quanto pelos protestantes de Genebra. Após sua morte suas idéias foram valorizadas na Revolução Francesa e seus restos mortais transportados ao Panteão. É um dos maiores representantes do Iluminismo e um dos principais precursores da corrente filosófico-literária conhecida como romantismo.

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Leiamos dois trechos do Emílio no qual Rousseau compara os efeitos no

desenvolvimento dos jovens em uma educação na cidade com os efeitos de uma

educação no campo.

Trecho 1

Afastai-os das grandes cidades onde os atavios e a imodéstia das mulheres apressam as lições da natureza e a ela se antecipam, onde tudo apresenta aos olhos prazeres que eles só devem conhecer quando souberem escolher. Trazei-os de volta às suas primeiras residências, onde a simplicidade campestre deixa as paixões de sua idade desenvolverem-se menos rapidamente.

Trecho 2 Consultai a experiência, compreendereis a que ponto este método insensato acelera o trabalho da natureza e arruína o temperamento. É uma das causas principais que fazem com que as raças degenerem nas cidades. Os jovens, cedo esgotados, permanecem pequenos, frágeis, mal feitos, envelhecem ao invés de crescer, como a videira que se obriga a dar frutos na primavera, enlanguesce e morre antes do outono. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Emílio ou da Educação. Trad. Sergio Milliet. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. Trecho 1 p. 239; Trecho 2 pp. 239-240.

Exercícios

A partir da leitura dos textos, responda: 1) Qual é o objetivo de Rousseau nestes dois trechos?

2) Podemos comparar suas idéias com as de Alberto Caeiro e de Luiz

Gonzaga? Justifique sua resposta e fundamente-a com base nos textos

citando seus trechos.

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AULA DE LÓGICA

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

Por que estudar Filosofia? Por que está na lei 11.648/2008. E por que está

na lei? Porque a lei é o reconhecimento da sociedade à enorme contribuição que

a filosofia deu para a formação das sociedades contemporâneas, inclusive a

brasileira.

LÓGICA

Aula 01

1) SILOGISMO

Juntar palavras. É a demonstração de raciocínios do tipo dedutivo.

Vamos estudar o silogismo categórico

Sentença universal (Todo ...)

Sentença particular (Alguém ou algo é...)

Conclusão (logo...

Termo maior (T)

Termo médio (M)

Termo menor (t)

Como construir silogismos?

Definir palavras e verificar seus graus de universalidade, perguntar-se a

recíproca é verdadeira?

Ex. Brasileiro e paulista. Todo paulista é brasileiro, mas todo brasileiro é

paulista? Resposta: Não. Então, brasileiro é um termo mais universal que

paulista.

Todo paulistano é paulista, mas nem todo paulista é paulistano. Assim temos:

paulistano -> paulista -> brasileiro.

Exercícios

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1) Analise o silogismo categórico abaixo a partir dos termos (maior, médio e

menor) e sentenças (universal, particular e conclusão).

Todo cavalo é quadrúpede.

Bucéfalo é um cavalo.

Logo, Bucéfalo é um quadrúpede.

2) Crie um silogismo categórico e apresente os termos e sentenças.

Demonstrando o exercício da recíproca.

QUADRADO DAS OPOSIÇÕES

Quadrado lógico ou tábua das oposições

Universal Afirmativa (A) Todo S é P

Universal Negativa (E) Nenhum S é P ou Todo S não é P

Particular Afirmativa (I) Algum S é P

Particular Negativa (O) Algum S não é P.

Exemplo:

A: Todo homem é mortal

E: Todo homem não é mortal (Nenhum homem é mortal)

I: Algum homem é mortal

O: Algum homem não é mortal

Definições

Contrárias (diferem-se pela qualidade) – (A é contrária de E)

é versus não é

Subcontrárias (diferem-se pela qualidade) – (I é subcontrária de O)

é versus não é

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Subalternas (diferem-se pela quantidade) – (I é subalterna de A e O é subalterna

de E)

Todo ou Nenhum versus Algum)

Contraditórias (diferem-se pela qualidade e pela quantidade) – (A é

contraditória de O e E é contraditória de I)

Todo é versus algum não é;

Nenhum é (ou Todo não é) versus algum é

SOBRE A VERDADE E A FALSIDADE

Vamos supor:

A = Todos os mamíferos são animais (V)

E = Todos os mamíferos não são animais (F)

I = Alguns mamíferos são animais (V)

O = Alguns mamíferos não são animais (F)

Agora supomos:

A = Todas as plantas são mamíferas (F)

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E = Todas as plantas não são mamíferas (V)

I = Algumas plantas são mamíferas (F)

O = Algumas plantas não são mamíferas (V)

Se A é verdadeira, então:

A = V; E = F; I = V e O = F

Se A é falsa, então:

A = F; E = V; I = F; O = V

Atividades para a sala em grupo:

1) Construa um quadrado lógico;

2) Construa exemplos de sentenças para A, E, I e O;

GABARITO

1)

Sentença universal afirmativa: A = Todo morcego é mamífero

Sentença universal negativa: E = Todo morcego não é mamífero

Sentença particular afirmativa: I = Algum morcego é mamífero

Sentença particular negativa: O = Algum morcego não é mamífero

Neste caso temos:

A = V

E = F

I = V

O = F

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1) INDUÇÃO

A Indução é um raciocínio que vai do particular para o universal. Sempre

corre o risco de errar por generalização, pois formula leis universais.

É este tipo de raciocínio que caracteriza as ciências, pois cria novos

conhecimentos. Por isso dizemos que as verdades científicas podem sempre ser

refutadas por novas pesquisas e isto não invalida as ciências.

Exemplos: todo cisne é branco. Ora, podemos dizer que todos os cines até

hoje observados são brancos. Mesmo que haja o surgimento de um cisne negro,

então tratar-se-á de uma exceção.

Uma lei científica começa perder validade quando o número de exceções é

grande demais, portanto, o que se supunha ser uma lei torna-se apenas mais

um caso.

2) DEDUÇÃO

A dedução é um raciocínio que vai do universal para o particular. Neste

caso, os axiomas (ou princípios) são pré-definidos, como as regras do xadrez e

os axiomas da geometria.

Não cria novos conhecimentos fora do seu conjunto de regras (ex.

teoremas do xadrez e da matemática). Novos teoremas são descobertos dentro

de um conjunto epistemológico, por exemplo, na geometria euclidiana ou no

próprio jogo de xadrez.

Se os raciocínios forem bem conduzidos as verdades encontradas são

inquestionáveis, por exemplo, h²= c² + c². Ao contrário dos argumentos indutivos,

cujas verdades podem ser sempre questionadas.

OS ARGUMENTOS DEDUTIVOS E INDUTIVOS E A FILOSOFIA

Nos estudos de Filosofia que faremos devemos levar em conta dois

fatores fundamentais.

1) As obras dos filósofos partem sempre de alguns conceitos que eles

criam. Estes conceitos tornam-se axiomas a partir dos quais outros

conceitos são elaborados. Portanto, a partir de alguns princípios

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constroem seus “sistemas filosóficos” por meio de raciocínios

dedutivos.

2) Os filósofos derivam seus axiomas da observação da política, da

sociedade, das pessoas, da ética, da estética, enfim, dos fenômenos

humanos. Então, neste caso, podemos dizer que seus conceitos são

obtidos por meio de raciocínios indutivos.

A partir disto podemos concluir que:

Sendo os conceitos dos filósofos forjados a partir da observação e da

leitura de outras obras, então, tal como nas ciências podem estar

errados. Por isso, os filósofos discordam entre si em vários aspectos.

Nossa primeira função como estudiosos de suas obras é

compreender, a despeito do que dissemos acima, a cadeia de

conceitos que criam, seguindo os passos de seus raciocínios

dedutivos. Tomando os conceitos como verdadeiros (de modo

provisório) podemos compreender o que propuseram.

Por exemplo: se o argumento A é verdadeiro, então posso concluir a

verdade B, dele decorrente.

Se é verdade que o poder soberano pertence ao povo e é

intransferível, então é verdade que o governo não assume este poder,

apenas realiza aquilo que o soberano (o povo) considera importante.

(Rousseau)

Se é verdade que o ser é, e o não ser não é, então nada se pode falar

sobre aquilo que não é. (Parmênides)

Como dizia o filósofo Jean-Jacques Rousseau, a respeito deste assunto:

Ao ler cada filósofo, obriguei-me a adotar e seguir todas as ideias que ele expunha sem entremear as minhas nem as de um outro e sem jamais discutir com ele. Dizia a mim mesmo: comecemos por organizar uma exposição de idéias, verdadeiras ou falsas, porém nítidas, esperando que minha cabeça esteja bem provida para poder compará-las e escolher. (ROUSSEAU, As confissões, Ediouro, 1965, p. 261, texto adaptado)

Atividades

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1) O que é um raciocínio indutivo? Dê um exemplo.

2) O que é um raciocínio dedutivo? Dê um exemplo.

3) Por que os raciocínios indutivos podem levar à conclusões erradas?

Dê um exemplo na história da ciência em que uma verdade científica

foi refutada por outra.

4) Qual é a relação entre argumentos indutivos e dedutivos para a

filosofia? Qual é a nossa primeira tarefa ao estudarmos as obras dos

filósofos?

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A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO PARA A ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO DOCENTE

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O PROBLEMA DA MOTIVAÇÃO HUMANA

E seus reflexos na profissão docente e entre discentes.

A motivação do professor

A motivação é um fenômeno pessoal, é impossível alguém motivar

alguém, seja em que condições forem. Archer (1997, p. 25) “a motivação,

portanto, nasce das necessidades humanas e não daquelas coisas que

satisfazem estas necessidades”. Isto quer dizer que, a motivação é o movimento

em direção à satisfação das necessidades e não exatamente o resultado final,

pois este é a satisfação. Conclui Archer: “... a questão que se segue é como pode

uma pessoa motivar outra. A resposta é simplesmente que não se pode”. (idem)

Herzberg analisou esse problema sob a perspectiva de diferenciar fatores

de higiene e fatores de motivação. Os fatores de higiene são aqueles que

atendem as necessidades básicas, os quais são necessários, porém incapazes

de produzir motivação. Em dado momento das pesquisas sobre o tema da

motivação, acreditava-se que o atendimento desses fatores era suficiente para

gerar a motivação formando, o que ficou conhecido pelos teóricos como “mitos

da motivação”, dentre os quais Herzberg destaca: redução do expediente de

trabalho, salário, benefícios previdenciários, preparo em relações humanas,

comunicações, comunicações nos dois sentidos, participação no trabalho e

outros.

Os fatores de motivação são aqueles relacionados ao desenvolvimento

do trabalhador como pessoa e profissional, também derivam de determinadas

necessidades, mas não exatamente como as anteriores. Herzberg diferencia

essas necessidades: “Estão presentes no caso dois conjuntos de necessidades

inerentes ao homem. Um deles pode ser considerado originário de sua natureza

animal: o impulso natural para evitar sofrimento causado pelo meio ambiente,

mais os impulsos adquiridos que se tornam condicionados às necessidades

biológicas básicas. A fome, por exemplo, que é um impulso biológico básico,

torna necessário ganhar dinheiro e este depois se torna um impulso específico.

O outro conjunto de necessidades relaciona-se com aquela característica

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humana singular, que é a capacidade de realizar e, através da realização

desenvolver-se psicologicamente”. (1997, p. 117).

Os fatores de higiene não são capazes de motivar, mas sua ausência

provoca desmotivação, porque quando as condições materiais atingem níveis

críticos o processo de desmotivação é inevitável. Pode-se concluir que os fatores

de higiene, portanto, têm uma função somente negativa, porque sua presença

não motiva, mas sua ausência desmotiva; ao passo que a presença dos fatores

de motivação agem efetivamente.

O enriquecimento do cargo é a expressão utilizada por Herzberg para

definir a implementação de princípios que proporcionam a motivação. Para cada

princípio há os conseqüentes motivadores. São eles: desenvolvimento e

progresso; responsabilidade; realização profissional; reconhecimento e

aprendizagem. Assim:

Eliminar alguns controles, mas manter a obrigatoriedade de prestar

contas. (responsabilidade e realização profissional);

Aumentar a obrigatoriedade de cada empregado prestar contas de seu

próprio trabalho. (responsabilidade e reconhecimento);

Dar a uma pessoa uma unidade natural completa de trabalho, como

módulos, divisões, áreas, etc. (responsabilidade, realização e reconhecimento).

Conceder mais autoridade a um empregado em sua atividade; liberdade

no cargo. (responsabilidade, realização e reconhecimento);

Fornecer relatórios periódicos diretamente ao próprio empregado e não

ao supervisor. (reconhecimento interno);

Acrescentar novas tarefas e mais difíceis, não executadas anteriormente.

(desenvolvimento e aprendizagem);

Atribuir tarefas específicas ou especializadas a cada um dos empregados,

permitindo-lhes que se tornem peritos. (responsabilidade, desenvolvimento e

progresso).

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Concluindo, ao optar pela carreira do magistério (seja em que nível for) é

preciso que o profissional esteja consciente de sua escolha. A motivação não é

externa, nenhum fator extrínseco pode gerar o interesse por algo que, de saída,

já não agrada nem atrai a atenção.

A motivação do aluno

Da mesma forma que a motivação do professor é um processo intrínseco

a motivação do aluno também o é; conseqüentemente, estamos diante do

mesmo problema: não é possível motivar o aluno. É possível, porém, criar

condições favoráveis para a motivação.

No universo pedagógico as noções de motivação ainda são bastante

tradicionais e não dão conta da complexidade que o tema possui. Assim, vemos

excelentes livros teóricos confundindo fatores de higiene e fatores de motivação

“Freqüentemente, as diversas intenções têm sido relacionadas à motivação

intrínseca e extrínseca que, por sua vez, aparecem como algo que o aluno

possui, como um elemento que se refere exclusivamente ao seu universo

pessoal (o que é traduzido pela prática educacional em exemplos como: ‘não se

pode trabalhar com esse grupo; estão completamente desmotivados’ ou ‘sempre

é melhor trabalhar com os do primeiro ciclo da Educação Primária, eles têm tanta

vontade de aprender’)”. (SOLÉ apud COLL, 1999, p. 38).

Não existe motivação extrínseca e toda motivação é intrínseca, pertence

exclusivamente ao universo pessoal do aluno. Tal como os alunos, os

empregados quando começam um emprego novo, ou estão em situação de

primeiro emprego, ficam motivados pela perspectivas de um universo que se

descortina diante deles. Infelizmente, tanto o mundo da escola, quanto o mundo

do trabalho são, freqüentemente, desestimulantes do ponto de vista da

criatividade e do desenvolvimento pessoal, o que leva à desmotivação. Porém,

ambientes que estimulem a criatividade e o desenvolvimento pessoal não são,

por si mesmos, motivadores é preciso que haja a contrapartida daqueles que se

propõe a estudar ou trabalhar, ou seja, que estejam interessados no que fazem.

O que o ambiente pode fazer é estimular o interesse e não criá-lo.

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Sendo múltiplos os interesses dos alunos é possível compreender porque

desde cedo se afeiçoam mais a uma área do saber do que a outra; esse processo

pode, por vezes, gerar uma imensa motivação nas áreas de afinidade e

desmotivação nas áreas com as quais não possuem essa afinidade. Contudo, o

período de escolarização é de aprendizado e formação do indivíduo para que se

torne bom cidadão, por isso, a multiplicidade de disciplinas é não somente

benéfica, como necessária.

O professor da Educação Básica deve ser sensível às “inteligências” dos

alunos e não exigir que todos apresentem os mesmo níveis de motivação pela

sua disciplina. Por isso, no processo de avaliação, há conceitos positivos que

flutuam de razoável à excelente: nem todos desejam atingir o nível de excelência

em todas as disciplinas.

Do ponto de vista externo, algo como os “fatores de higiene” para a escola,

determinadas normas escolares, atitudes dos dirigentes e professores, bem

como a falta de estímulo para o desenvolvimento profissional podem acarretar

na produção de um ambiente desmotivador.

Algumas soluções são testadas: mudanças na rotina, atividades

interativas, recursos didáticos variados etc. Os motivadores desenvolvimento da

aprendizagem, o progresso, a realização e o reconhecimento, devem estar

presentes na “sala de aula” de tal forma que, quando aluno tiver certeza de que

pode aprender, percebendo seu progresso, realizando-se nas pequenas metas

conquistadas hodiernamente e, isto é importante, tiver o reconhecimento

externo, pode-se acionar o gerador da motivação. Conforme Solé: “... quando

alguém pretende aprender e aprende, a experiência vivida lhe oferece uma

imagem positiva de si mesmo, e sua auto-estima é reforçada, o que, sem dúvida,

constitui uma bagagem para continuar enfrentando os desafios que se

apresentem. O autoconceito, influenciado pelo processo seguido e pelos

resultados obtidos na situação de aprendizagem, por sua vez, influencia a forma

de enfrentá-la e, em geral, como foi evidenciado por Rogers (1987) e Rogers e

Kutnick (1992), a forma de comportar-se, de interagir, de estar no mundo”.

(SOLÉ apud COLL, 1999, p. 39).

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O perfil do aluno da Educação Básica

Na teoria piagetiana o desenvolvimento da inteligência ocorre em quatro

grandes estágios: a inteligência sensório-motora; a inteligência pré-operatória;

operações intelectuais concretas; e operações intelectuais formais. Conforme

Parra: (1983):

A inteligência sensório-motora ocorre entre zero e dois anos e se

desenvolve a partir de quatro etapas: a construção da noção de objeto

permanente; a noção de espaço; a noção de causalidade; a construção do

tempo.

A inteligência pré-operatória (de dois a sete anos) é conhecida também

como inteligência simbólica ou pensamento intuitivo; nesse momento a criança

passa a representar significantes por meio de significados, libertando-se da

dependência do imediato, ou como diz Parra, hic et nunc. Nessa fase se

desenvolve a linguagem permitindo ampliar o processo de socialização, a

interiorização da palavra e a “interiorização da ação, refletida em termos de

imagens e experiências mentais”. (PARRA, 1983, p. 12).

As operações intelectuais concretas ocorrem dos sete aos onze anos,

aproximadamente. Caracteriza-se pela reversibilidade da lógica, dá mais

mobilidade ao pensamento da criança e permite, no plano afetivo, o

desenvolvimento dos processos de cooperação. Segundo Parra: “A

reversibiidade desse período apresenta-se sob duas formas: a negação, ou

inversão, que corresponde a uma anulação de uma operação por sua inversa; e

a reciprocidade, expressa da descoberta, pela criança, de operações que

compensam a ação original sem anulá-la”. (1983, p.12).

As operações intelectuais formais são caracterizadas pela capacidade de

subordinar o real ao possível: “A propriedade mais distintiva do pensamento

formal é a inversão da direção entre a realidade e a possibilidade; em lugar de

derivar um tipo rudimentar de teoria dos dados empíricos, como é feito nas

inferências concretas, o pensamento formal começa com uma síntese teórica,

concluindo que certas relações são necessárias e, assim, prosseguindo na

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direção oposta”. (INHELDER & PIAGET, 1958, p. 251 apud PARRA, 1983, p.

15).

A respeito do raciocínio duas novas formas começam a surgir: o

hipotético-dedutivo e o pensamento proposicional. O primeiro é constituído pelas

relações de proposição e não pela verdade ou falsidade dos enunciados, assim

é possível construir teorias que até contrariam os dados empíricos. Tal como

vemos nos Segundos Analíticos de Aristóteles. O segundo é caracterizado pelo

fato de que a realidade deixa de ser o ponto de partida e passa a ser para o

adolescente “um motivo para o levantamento de afirmações ou proposições a

seu respeito.” (PARRA, p. 16).

A integração do adolescente na sociedade dos adultos, isto é, o aspecto

prático dessa fase, ocorre em três fases: o adolescente se coloca num plano de

igualdade em relação ao adulto; desenvolve um “programa de vida”; e se propõe

a ser um reformador da sociedade. Conforme Parra: “O fato de o jovem se

apresentar como um ‘construtor’ de teorias, bem como de sistemas, visando à

reformulação da sociedade, é indício de seu pensamento formal. O pensamento

formal, como vimos, é, por um lado, um pensamento sobre si próprio e, por outro,

um raciocínio que coloca o real sob o possível”. (1983, p. 39).

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