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2ª Vara Criminal - Zona Norte fl. _____ PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 2ª Vara Criminal - Zona Norte DA COMARCA DE Natal TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO Processo nº 002.10.400216-8 Acusado: IOLANDA (APAGADO) Data e hora: 13/01/2011 às 08:30h PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS [s = sim | n = não] - Presenças: Ministério Público, Dr(ª). Drª Sivoneide Tomaz do Nascimento - s; acusado(a)(s) IOLANDA (APAGADO): - s; defensor, Defensor Público, Dr. Manuel Sabino Pontes - s. Oitiva(s): vítima: - s; testemunha(s): - s. Nome(s) da(s) testemunha(s) e declarantes ouvido(a)(s): ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA, EDUARDO ELIAS DE SOUZA e ALEXSANDRO BATISTA CARNEIRO; Acusado(a)(s): - s. Caminho e nome do arquivo multimídia: D:\Gravação de Audiências\2011\ janeiro\002.10.400216-8. Alegações finais orais - (s). Ocorrências dignas de nota: esteve presente o advogado da empresa, o Dr. André Ricardo de Almeida Nóbrega – OAB nº 498- A. A gerente geral da loja é Silvanise Dutra Fagundes, tel. 8833-5550. disse o MM Juiz: "Antes de proceder ao interrogatório da acusada, entendeu o magistrado que o Estado Democrático de Direito repercute no âmbito do Processo Penal através do Princípio Acusatório. Apregoa ele que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, bem como que a produção das provas compete às partes e não ao magistrado. Outrossim, quando o magistrado produz as provas ele perde sua imparcialidade, notadamente em favor da acusação, pois a tese é o primeiro elemento que lhe chega às mãos. Na verdade, inconscientemente (e às vezes conscientemente também), termina o magistrado por buscar nas provas apenas, e tão somente, a confirmação do pré-juízo anterior condenatório que já possuía, culminando por despir-se da toga e a dividir a vestimenta da beca de quem acusa, seja o Ministério Público, seja o querelante. Por isso o interrogatório será procedido pelas partes e, ao final, complementarei com alguma dúvida que tiver, sendo a última pergunta se a parte ré tem algo mais a dizer em sua defesa, cumprindo o princípio da ampla defesa". Deliberações finais: 1 Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º Andar, Potengi - CEP 59.112- 560, Fone: 84 3615-4663, Natal-RN - E-mail: [email protected] As informações processuais poderão ser acompanhadas através do sítio "www.tjrn.jus.br".

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Sentença - furto tentado insignificância furto minorado reincidência atenuante aquém do mínimo legal

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 2ª Vara Criminal - Zona Norte DA COMARCA DE Natal

TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Processo nº 002.10.400216-8Acusado: IOLANDA (APAGADO)Data e hora: 13/01/2011 às 08:30h

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS[s = sim | n = não] - Presenças: Ministério Público, Dr(ª). Drª Sivoneide Tomaz do Nascimento - s; acusado(a)(s) IOLANDA (APAGADO): - s; defensor, Defensor Público, Dr. Manuel Sabino Pontes - s. Oitiva(s): vítima: - s; testemunha(s): - s. Nome(s) da(s) testemunha(s) e declarantes ouvido(a)(s): ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA, EDUARDO ELIAS DE SOUZA e ALEXSANDRO BATISTA CARNEIRO; Acusado(a)(s): - s. Caminho e nome do arquivo multimídia: D:\Gravação de Audiências\2011\janeiro\002.10.400216-8. Alegações finais orais - (s). Ocorrências dignas de nota: esteve presente o advogado da empresa, o Dr. André Ricardo de Almeida Nóbrega – OAB nº 498-A. A gerente geral da loja é Silvanise Dutra Fagundes, tel. 8833-5550. disse o MM Juiz: "Antes de proceder ao interrogatório da acusada, entendeu o magistrado que o Estado Democrático de Direito repercute no âmbito do Processo Penal através do Princípio Acusatório. Apregoa ele que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, bem como que a produção das provas compete às partes e não ao magistrado. Outrossim, quando o magistrado produz as provas ele perde sua imparcialidade, notadamente em favor da acusação, pois a tese é o primeiro elemento que lhe chega às mãos. Na verdade, inconscientemente (e às vezes conscientemente também), termina o magistrado por buscar nas provas apenas, e tão somente, a confirmação do pré-juízo anterior condenatório que já possuía, culminando por despir-se da toga e a dividir a vestimenta da beca de quem acusa, seja o Ministério Público, seja o querelante. Por isso o interrogatório será procedido pelas partes e, ao final, complementarei com alguma dúvida que tiver, sendo a última pergunta se a parte ré tem algo mais a dizer em sua defesa, cumprindo o princípio da ampla defesa". Deliberações finais: segue sentença.

SENTENÇA

RELATÓRIOTrata-se de ação penal pública em que figura IOLANDA (APAGADO), parte já qualificada nos autos, como acusada pela prática dos fatos violadores das regras penais previstas no(s) artigos(s) 155, caput, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Quanto às provas documentais e periciais, há o seguinte: o termo de exibição e apreensão de fl. 13 e o termo de entrega de fl. 14. A denúncia foi recebida no dia 31/08/2010 (fl. 55). A citação se deu à fl. 61. A resposta à acusação se encontra às fls. 83-86. O interrogatório ocorreu em audiência. As testemunhas foram ouvidas em audiência. Nas suas alegações finais a acusação disse, em suma, o seguinte: a materialidade e a autoria estão comprovadas pelas provas juntadas aos autos, devendo ser condenado nos termos da inicial. No que pertine à materialidade, há autos de exibição e de apreensão de objetos no valor de cento e cinquenta e nove reais. A acusada confessou o delito e que estava passando por dificuldades. As circunstâncias de vida da acusada são reconhecidamente difíceis. No entanto, mesmo em se tratando de pessoas hipossuficientes, pois a acusada é contumaz. Não se trata de um ato isolado. Ela tem uma lista de processos extensa. A Justiça não pode colaborar com essa

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contumácia. Ocorreu o furto privilegiado porque o valor total dos bens é de cento e cinquenta reais. Nas suas alegações finais a defesa disse, em suma, que reiterou os fundamentos da resposta à acusação. O primeiro foi o reconhecimento do princípio da insignificância. Outrossim, os seguranças disseram que todos os bens estavam na bolsa. Não havia como estarem na bolsa. Dificilmente caberiam na bolsa. Em relação à tipicidade da conduta quando há reiteração das condutas, a simples análise da folha corrida da acusada não é suficiente para caracterização de caso de não insignificância. A acusada disse que estava trabalhando e há 4 meses sem receber nada. Os bens foram de higiene e vestuário, de baixo valor. A situação de saúde da acusada justifica. A acusada não tinha condições de comprar uma pomada de nove reais. Pediu a aplicação da atenuante da confissão, as minorantes do pequeno valor da coisa e da tentativa, co-culpabilidade social em razão do pouco estudo e das dificuldades pessoais da acusada. Em relação à insignificância, a defesa pediu a condenação sem pena em razão das peculiaridades da vida da acusada. A acusada vive em extrema penúria e dificuldade. É constrangedor ver a acusada furtando em razão da necessidade de adquirir uma pomada de nove reais.

FUNDAMENTAÇÃOObedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados à parte ré, verifico, a materialidade e a autoria. No tocante à prova documental ou pericial, consta o termo de exibição e apreensão de cinco frascos de sabonete líquido, de marca Dove, com 150ml; um frasco de sabonete líquido, da marca Dove, de 250ml; dois frascos de sabonete líquido, da marca Palmolive, de 250ml; um frasco de sabonete líquido, da marca Lifebuoy, de 250ml; um frasco de loção hidratante, da marcha Johnson's, de 200ml; um creme dental; dez calcinhas e uma blusa. Há também o termo de entrega dos referidos bens. A testemunha ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA, durante oitiva judicial, afirmou que foram acionados pelo CIOSPE para irem às Americanas. Lá chegando, uma das testemunahs, que trabalha no estabelecimento, informou que haviam detido uma senhora que tinha tentado sair levando produtos da loja. A princípio a acusada disse que nem todo material tinha sido pego com ela e que alguns pertences estariam com uma amiga dela. A acusada confessou em parte. EDUARDO ELIAS DE SOUZA, testemunha ouvida judicialmente, relatou que estava no monitoramento das câmeras. Alexsandro disse que desse uma verificada na acusada, pois tinha posto objetos na bolsa. Do tempo em que desceram para o térreo até chegarem na saída a acusada tinha saida. Havia objetos de higiene pessoal e alguns de vestuário. Não conhecia a acusada. Alexsando já a conhecia de outras lojas e desconfiava dela. No início a acusada não quis acompanhá-los. A acusada abriu a bolsa e jogou os produtos no chão. A acusada estava acompanhada. Não lembra se havia material de limpeza. A testemunha ALEXSANDRO BATISTA CARNEIRO, ouvida em juízo, disse que estava na loja e o outro segurança no sistema de monitoramento. O outro segurança passou um rádio informando que a acusada estava colocando pertences na bolsa. A encontraram na calçada da loja. Quando subiu, pediu para que monitorasse a acusada, pois já a conhecia da época em que trabalhou nas Americanas do centro da cidade. Na calçada a acusada abriu a bolsa e jogou tudo no chão. A acusada andava muito na loja do centro e por isso pediu que a copiasse. A acusda pegava um produto e olhava para ver se tinha alguém olhando. Ela subtraiu mais produtos higiênicos, xampus. Durante interrogatório judicial, a parte acusada, IOLANDA (APAGADO), disse que é verdadeira a acusação. Estava trabalhando no PROCON e há quatro meses não recebia dinheiro e estava sem um tostão. Tentou, realmente, e não teve sorte. Estava empregada, mas sem receber dinheiro. Tinha vergonha de pedir dinheiro para compra medicamentos para a perna doente. Tem uma úlcera. Mora na rua Miramar, na Praia do Meio. Já foi condenada e cumpriu pena. Estava desacompanhada. Quando os funcionários

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pegaram a depoente, pegaram uma fita cassete. Tirou sabonetes, loção, creme dental e ma blusa. Nunca foi das Americanas da Cidade Alta. Tem quatro execuções. No trabalho nunca subtraiu, mas quando foi presa, foi demitida. Está arrependida. Foi criada pelos pais até os 14 nas, época em que seu pai morreu. Já foi condenada antes por furto. Sabe ler e escrever pouco. Estudou até a quinta série. Não tem nada mais a dizer em sua defesa. Em síntese à tese da acusação e a antítese da defesa, concluo que a acusada cometeu furto tentado minorado. Em relação às teses da defesa, o reconhecimento do princípio da insignificância não é cabível ao caso, pois os bens subtraídos estavam num patamar que geralmente considero crime. É bem verdade que já reconheci insignificância em se tratando de bens com valor um pouco menor que o atualmente em questão. Ocorre que no presente caso a acusada cometeu a subtração de bens no valor de cento e cinquenta e nove reais e fixei como teto hermenêutico para reconhecimento da insignificância o valor de cento e cinquenta reais. Passou pouco. Mas é verdade também que o primeiro critério de justiça é, exatamente, a existência de critérios. E não quero fugir dele, nem para mais e nem para menos. Outrossim, alegou a defesa que os seguranças disseram que todos os bens estavam na bolsa, mas não havia como estarem. Dificilmente caberiam na bolsa, disse a defesa. Contudo, tão somente com base numa presunção não posso rejeitar a prova da acusação. A defesa não provou que a bolsa era pequena a ponto de não conseguir recolher os bens subtraídos. Em relação à tipicidade da conduta quando há reiteração das condutas, concordo com a defesa que a simples análise da folha corrida da acusada não é suficiente para caracterização de caso de não insignificância, mas esta ocorreu objetivamente, como dito acima. A acusada disse que estava trabalhando e há 4 meses sem receber nada. Os bens foram de higiene e vestuário, de baixo valor. A situação de saúde da acusada contribuiu, é verdade, e isso será levado em consideração no momento da aplicação da pena. Cabe, portanto, como pedido pela defesa, a aplicação das atenuantes da confissão e da co-culpabilidade social em razão do pouco estudo e das dificuldades pessoais da acusada, bem como as minorantes do pequeno valor da coisa e da tentativa. E concluo a fundamentação nos seguintes termos: DA REINCIDÊNCIA E SUA NÃO ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL - Em relação à reincidência, preciso fazer um juízo mais racional e menos emocional. É bem verdade que a tese que ora esboço é amplamente rejeitada pelo conservadorismo formalista, que mais se preocupa na manutenção "do-que-está-aí" e menos com a real diminuição dos nosso graves problemas sociais. A acusada é pobre, tem o perfil perfeito para o "etiquetamento". Depois lavaria eu as mãos, imputando a ele um caráter fraco, distorcido, quando na verdade as pesquisas mostram que a reincidência, antes de ser uma degeneração da pessoa da acusada, é uma prova gritante das disparidades do nosso sistema social, que nunca aplicou o mais importante princípio constitucional, o da isonomia. Assim, no tocante à reincidência, entendo que não foi recepcionada pela Carta de 1988 por várias razões. Vou a primeira. Uma pessoa deve ser punida pelo que fez e não pelo fato de que responde a outro processo ou a uma execução penal. Isso é ferir o princípio do non bis in idem. Outra. O discurso do sistema penal é o de que a prisão se justifica para ressocializar o condenado. Quando ele volta a delinquir se trata de uma falha da pessoa ou do sistema? A certeza de que tenho é que em nosso ordenamento jurídico a ressocialização é praticamente nula. O índice de reincidência é tão alto que não consegue esconder isso. O apoio ao egresso é uma piada de mal gosto, peço desculpas mas não posso deixar de manifestar minha indignação com expressões mais fortes. Mas punir o reincidente é novamente ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a ele não foram dadas as condições mínimas de ressocialização. Pelo contrário. Passar pelo sistema penal é afundar num poço profundo, escuro, onde jogamos entulhos e não colocamos escadas para dele sair. Depois ficamos nós do alto bradando contra o pobre diabo porque ele não conseguiu de lá sair para nosso nível. A exclusão social no Brasil é uma aberração, permeando toda a nossa história. E no dizer de MARCIO

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POCHMANN, a resistência ao enfrentamento da exclusão social não advém somente de governos historicamente inconseqüentes ou de políticas sociais erradas, mas das próprias classes superiores que se alheiam ao apartheid social (o grupo das famílias mais ricas brasileiras, que constitui 0,001% da população, possui um patrimônio que representa 40% do PIB brasileiro)1, passando o discurso da desigualdade como um “fenômeno natural”, para uma compreensão mais cômoda que vincula o ambiente da pauperização à criminalidade, cabendo, nesse sentido, o incremento do aparato de segurança e o aumento da repressão sobre as classes pobres 'perigosas'. Assim, a exclusão social tem sido concebida fundamentalmente como uma conseqüência do fracasso na trajetória individual dos próprios excluídos, incapazes de elevar a escolaridade, de obter uma ocupação de destaque e de maior remuneração, de constituir uma família exemplar, de encontrar uma carreira individual de sucesso, entre outros apanágios da alienação da riqueza 2. Gasta-se, no Brasil, mais com segurança pública e privada do que com políticas sociais 3. Enquanto isso, "No limiar do século XXI, o Brasil registra uma manifestação surda mas poderosa – ainda que não articulada em torno de fins políticos – dos seguimentos excluídos da cidadania, esgarçados numa sociabilidade marcada pela violência urbana e pelo 'ganho fácil' no tráfico de drogas, na prostituição e na corrupção; ou ainda, sujeitando-se ao trabalho infantil e ao trabalho quase forçado executado por milhões de jovens com inserção profundamente precária, abrindo assim novas formas espúrias de valorização do capital" 4. Mais uma vez deixando de lado o formalismo idealizador e alienante de Kelsen, vê-se que o sistema penal termina por etiquetar (labeling) 5 o criminalizado, gerando a chamada delinqüência cíclica 6, isto é, a reincidência contumaz. Cria-se um estigma, principalmente em relação àqueles que entram no ciclo de criminalização e possuem vários processos. Inconscientemente, o senso comum dos juristas é de predisposição à condenação. Maiores são as chances de aplicação de pena àquele indivíduo que se expressa usando gírias que se identificam com o discurso dos “marginais”. Candidatos potenciais também são os dependentes de entorpecentes ou que possuem uma conformação física “marginalizada”, como a presença de tatuagens no corpo. Com efeito, não obstante as disparidades gritantes das leis incriminadoras, o sistema penal não funciona de acordo com o que está previsto nas normas garantidoras dos direitos dos criminalizados. Possui mecanismos próprios que revelam um direito penal de autor, e não de fato. Como já dito, o Judiciário e do Ministério Público imaginam ter mais poder que o aparato policial, só que a filtragem é feita na fase investigativa 7. Após dezoito anos da Constituinte e mais de cinco da Reforma do Judiciário8, muitos estados-membros ainda não possuem Defensorias Públicas funcionando. Quem conhece a realidade do processo penal brasileiro sabe dos prejuízos com essa omissão. Como o sistema penal é seletivo, os mais pobres são a ele submetidos e, na maioria das vezes, não possuem condições de constituir um defensor. Na falta de defensores públicos, são nomeados “dativos”. E o que é dado, obviamente, se revela pior do que é pago. Resultado: defesas ineficientes, quando não, materialmente inexistentes. O processo penal se transforma em um jogo de cartas marcadas, num simulacro de contraditório em ampla defesa.

1 POCHMANN, Marcio, et al. (organizadores). Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. Vol. 3. p. 29.2 Idem. p. 10.3 Ibdem. p. 10.4 Ibdem. p. 33.5 ZAFFARONI, 2001. p. 74.6 Processo individual e social pelo qual o criminalizado fica o estigmatizado, não mais conseguindo se readequar à vida em sociedade, retornando ao cárcere.7 Na prática, o poder Judiciário e o Ministério Público só vêm a ter conhecimento das infrações que a polícia formaliza, deseja. E esta, dada a desestruturação e submissão ao Poder Executivo, não possui independência para investigar pessoas ligadas aos grupos centrais do poder. Os que assim insistem são, não raras vezes, perseguidos e punidos por estarem cumprindo o seu dever funcional.8 Arts. 134, § 2º e 168 da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional nº 45/2004.

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Bem lembradas as palavras de Honoré Balzac – escritor francês (1799 a 1850): “as leis são teias de aranha em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas”. E agora pergunto: há pena de morte no Brasil? E prisão perpétua? O discurso dogmático e positivista vai, obviamente, dizer que não. Mas existe, sim, embora que não institucionalizada. Não devemos ser idealistas no sentido de imaginar que só existe o que está no papel. Os dados acima falam por si sobre a pena de morte não institucionalizada. Já a prisão perpétua se dá pelo índice de reincidência que beira 1/3. É a fossilização do indivíduo, que ingressa no sistema penal e de lá não consegue mais sair. O Direito Penal conseguirá, isoladamente, resolver a questão da criminalidade? Não, não conseguirá. É preciso mudar a estrutura social do Estado, diminuir as disparidades. Enquanto isso não ocorrer, isso aqui não será uma Noruega. Considerando que cada sociedade tem o crime que (muitas vezes) ela mesma produz e merece, uma política séria e honesta de prevenção deve começar por um sincero esforço de autocrítica, revisando os valores que a sociedade oficialmente pratica e proclama 9. Somente para fechar essa questão, dando-me ainda mais certeza de que penas longas são apenas formas de degenerar ainda mais o criminalizado, informo os seguintes dados do último Censo Penitenciário Nacional 10: Custo médio de cada vaga: 35 mil reais; custo mensal de um preso: 3,5 salários mínimos; mandados de prisão não cumpridos: 275 mil. Crimes: roubo (33%), furto (18%), homicídio (17%), tráfico (10%), lesão corporal (3%) estupro (3%), atentado violento ao pudor (2%), extorsão (1%). Idade média: 53% com menos de 30 anos (no auge da força de trabalho); ociosos por falta de trabalho dentro do sistema prisional: 55%; sem o 1º grau completo: 87%; pobres: 95%; sem condições financeiras de constituir um advogado: 85%; reincidência: 33%. Posto isso, com fulcro no princípio da culpabilidade, do non bis in idem e da dignidade da pessoa humana, afasto a aplicação da agravante da reincidência. Que responda por cada crime que cometeu e não pelo "conjunto da obra" do qual a sociedade termina por ser co-autora.

DA ATENUAÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGALEm relação a atenuantes, houve o seguinte: confissão e culpabilidade social. É bem verdade que há súmula 231 do STJ11 e recente decisão do STF considerando que as atenuantes não podem ir aquém do mínimo legal.12 Contudo, considero que as bases do raciocínio da edificação da súmula do STJ e da decisão com repercussão geral do STF constituem um erro de interpretação, notadamente em razão da aceitação de premissas que, com todo respeito, são falácias. Cuido do raciocínio que apregoa que da leitura dos arts. 59, II, 61, 65, 67 e 68 do atual CP se conclui pela vedação da aplicação das atenuantes fora dos limites legais. Veja-se o que dizem os dispositivos: Fixação da pena - Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos

9 MOLINA, García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – lei dos juizados especiais criminais. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 457.10 (MOLINA, 2002. pp. 671-674).11 “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal.”

12 “EMENTA : AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo

legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de

redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso

extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode

conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.” (RE 597270 RG-QO / RS - RIO GRANDE DO SUL.

REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. CEZAR

PELUSO. Julgamento: 26/03/2009. Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009. EMENT

VOL-02363-11 PP-02257).

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antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (...) Circunstâncias agravantes - Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...) Circunstâncias atenuantes - Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes - Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. (...) Cálculo da pena - Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. O ART. 59 – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - É de fácil constatação que o art. 59, que fixa a pena-base (circunstâncias judiciais), em seu inciso II, determina que a pena deva se limitar ao previsto no tipo penal. Por exemplo: um crime contra a ordem tributária (art. 1º da lei 8.137/90), possui pena cominada de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Independentemente da valoração das circunstâncias do art. 59, a pena-base não poderá ser inferior a 2 anos e nem superior 5 anos. Com isso há de concordar o leitor. Agir contrariamente a isso seria ferir os Princípios Constitucionais da Legalidade e da Individualização da Pena (CF, art. 5º, II e XLVI), que dão suporte ao inciso II do art. 59 e servem de baliza ao magistrado na individualização da pena. ARTS. 61 E 62 – CARÁTER COGENTE DAS NORMAS - A redação dos arts. 61 e 65 é clara quando diz que as atenuantes e agravantes sempre agravam ou atenuam a pena. Não é lógico entender que sempre é às vezes, o que poderia levar a um paradoxo ao se possibilitar que a expressão às vezes também possa ser tomada como sempre. Prefiro entender o básico. Sempre é sempre, salvo se existentes exceções a esse comando em alguma norma, seja regra ou princípio jurídico (como é o caso do princípio da proibição do bis in idem – uma circunstância não pode ser aplicada duas vezes). O pior é que o senso comum teórico dos juristas procura fazer um verdadeiro contorcionismo para se inserir exceções não previstas, ferindo direitos fundamentais do cidadão, através de analogia in mallan partem. ART. 67 – CONTORCIONISMO INTERPRETATIVO - Outrossim, o art. 67 do CP trata do chamado “Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes” e diz que a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. Ora, novamente o contorcionismo interpretativo distorce. Argui-se que a expressão limite é prova de que não cabe às atenuantes e agravantes ultrapassarem o limite fixado na pena in abstrato. Esquecem de olhar o contexto. A expressão limite do art. 67 do CP nada tem a ver com a limitação descrita no inciso II do art. 59 do mesmo Código, que diz respeito às circunstâncias judiciais. Aquele dispositivo trata da situação em que há várias circunstâncias legais antagônicas (atenuantes versus agravantes). A pena deve se aproximar do limite (que seria o quantum de atenuação que se daria em razão da circunstância, isoladamente), até porque se chegasse a ele, a outra circunstância teria sido anulada, teria sido desconsiderada. ART. 68 – CUMPRA-SE A CONSTITUIÇÃO - No Resp 7287/PR nova falácia é encontrada quando se argumenta que: a) as causas de aumento e de diminuição de pena permitem resultados abaixo ou acima dos limites estabelecidos na lei; b) as causas de aumento devem ser consideradas após a aplicação das agravantes ou atenuantes; c) assim, as atenuantes não têm o efeito de diminuir a pena aquém do mínimo legal. Verifica-se que as premissas não guardam nenhuma coerência com a conclusão. Tratam-se de premissas válidas, mas não a conclusão. Ocorreu aí a chamada “falsa causa”.13 Outro raciocínio falacioso: a) a individualização da pena é feita em

13 COPI, 1978, pp. 83-846

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três fases, sendo a primeira cominação dada pelo legislador, a aplicação feita pelo juiz e a execução regulada pela Lei 7.210/84; b) o princípio da individualização é garantia para o réu e limite do poder de punir; c) assim, não é possível a atenuante ultrapassar, para menos, os limites da cominação, sob pena de transformá-la em causa de diminuição de pena.14 Também não guardam coerência as premissas e a conclusão. Mais um caso de falácia: a) a causa de diminuição não se confunde com a atenuante, pois aquela afeta a cominação (pena em abstrato), enquanto esta a aplicação (pena em concreto). Isso não é relevante para a conclusão de que a atenuante não pode ultrapassar os limites cominados. Nova falsa causa.15 Em outro precedente falacioso se reconheceu que o juiz fixa a pena-base apreciando as circunstâncias judiciais, depois aplica as circunstâncias legais sem extrapolar os limites legais, havendo qualificadora (sic), aumenta a pena na quantidade prevista e apenas nessa última fase pode ir além ou aquém dos limites abstratamente cominados.16 Novamente não se explicou o porquê de na apreciação das circunstâncias legais, que são depois das judiciais, não se permitir a atenuação abaixo do mínimo ou o agravamento acima do máximo, se as causas de aumento de pena também acontecem depois e podem ultrapassar esses limites. Simplesmente se partiu de um dogma. E dogma não é científico. O dogma pertence à crença e não à ciência. Novo precedente com conclusão falha e débil.17 Decidiu-se que no direito brasileiro não se admite que a atenuante vá aquém do mínimo legal, conforme entendimento já reiterado no STJ. E foi só. Bastou-se por si. Vivemos uma época de objetificação do sujeito e da pasteurização das idéias. Quer-se, assim, impor por meio da força a vinculação de posicionamentos através de súmulas em que seus criadores almejam estar acima de tudo e de todos. Permitir ao magistrado raciocinar é perigoso. Melhor o juiz-robô, que foi programado para ilações de subsunção, tão somente. O art. 68 é claro ao determinar que na aplicação da pena o juiz fixa a pena-base de acordo com o critério do art. 59, que em seu inciso II impõe a limitação ao quantum mínimo e máximo do tipo penal. “Em seguida”, isto é, não mais se atendendo ao critério do art. 59, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Ora, se o argumento foi de que essa limitação deve se impor às circunstâncias legais, mesmo raciocínio deve ser feito no tocante às majorantes e minorantes. Por qual razão não? Por que estas atuam na cominação e aquelas na individualização? Isso não justifica diferenciação. Trata-se de uma falácia informal de falsa causa. Sua estrutura é a seguinte: Se as majorantes podem ultrapassar os limites mínimo e máximo, então elas atuam na cominação da pena (em abstrato); as atenuantes atuam na aplicação (em concreto). Portanto, a atenuante não pode ultrapassar o máximo legal. Veja-se que se parte de uma premissa que não é causa da outra. Portanto, a conclusão não é válida. Também não é logicamente válido o argumento de que as atenuantes não podem ultrapassar os limites da pena-base porque não possuem um quantum definido, podendo ocorrer pena zero. Esquecem, contudo, da existência de postulados que se aplicam ao direito como um todo: estou a falar da proporcionalidade e da razoabilidade. Verei mais à frente. No momento, vale aferir a existência de um fenômeno vedado em qualquer Estado Democrático de Direito: a analogia in mallan partem. Analogia in mallan partem - A se admitir a tese de limitação das circunstâncias legais ao quantum máximo e mínimo abstratamente previsto, estar-se-ia, primeiramente, ferindo o princípio constitucional da legalidade, pois se ignoraria uma regra expressa determinando que as atenuantes e agravantes sempre incidem. E mais um gravame aos direitos fundamentais se estaria fazendo, a saber: um processo analógico in mallan partem. Com efeito, se adotaria, face a inexistência de uma regra expressa vedando a

14 REsp 15691-PR.

15 REsp 32.344-0.

16 REsp 46.182-0.

17 REsp 49500-8.7

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aplicação além do mínimo e do máximo previsto no tipo, uma postura criacionista e de voluntariosa analogia in mallan partem, que se arvoraria isoladamente das palavras atenuantes (no plural, pois a regra tem a ver com o concurso de circunstâncias antagônicas – atenuantes e agravantes) e limites, do art. 67 do CP, para prejudicar o réu no momento da aplicação. Patente caso de analogia in mallan partem. Interessante, nesse talante, o alerta de Zaffaroni: se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica, ou reprovável o que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado, baseando a conclusão em que proíbe, não justifica ou reprova condutas similares, este procedimento de interpretação é absolutamente vedado no campo da elaboração científico-jurídica no campo do direito penal.18 A ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - Outro ponto importante em relação à aplicação das circunstâncias legais tem a ver com princípio constitucional da isonomia. E isonomia não quer dizer mera igualdade, mas igualdade substancial. E dentro desse conceito se encontra o de tratar desigualmente os desiguais. Mas não é só isso. Estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da individualização da pena, uma vez que a reprimenda precisa ser proporcional aos diversos elementos descritos na lei para quantificação dela. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM JOGO - Fixada a premissa de que as circunstâncias legais podem ultrapassar os limites máximo e mínimo, cabe agora saber: até onde vamos? E o risco da pena zero? Antes de definir isso, devo buscar os princípios constitucionais que regem a questão: a necessidade da pena, por um lado, e a individualização, por outro. O direito penal possui assentamento constitucional. E está nos direitos fundamentais, notadamente nos dispositivos seguintes do art. 5º da Constituição da República, em seus incisos XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, XXXVIII (Garantia do Tribunal do Júri), XXXIX (Princípio da Legalidade), XL (Irretroatividade da Lei Penal), XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, XLV (Princípio da Responsabilidade Pessoal e da Intranscendência da Pena) e XLVI (individualização da Pena). Além disso, expressamente em várias passagens do mesmo art. 5º há mandados de penalização, notadamente nos incisos XLI (“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”), XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”) e XLIII (penalização mais gravosa da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, do terrorismo e dos definidos como crimes hediondos). Temos, assim, o Direito de Punir do Estado, de um lado, e a Individualização da Pena, do outro. Precisa haver a compatibilização de ambos. Um impõe. O outro dispõe. Um determina, o outro condiciona. Um é abstrato. O outro é concreto. Mas falar de legitimação do direito penal é, antes de tudo, falar da adequação material da lei incriminadora à Constituição, uma vez que esta, ao passo que prevê a atuação do direito penal, faz sua delimitação. A Constituição é, ao mesmo tempo, o fundamento normativo do direito de punir e seu limitador. Conforme Luciano Feldens: Ao estabelecer no art. 5º, XXXIX, que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal, a Constituição transfere ao legislador ordinário tanto a decisão sobre o que deva ser considerado infração penal, quanto a definição sobre a medida da conseqüência jurídica (sanção) atribuível á espécie.19 (...) em um modelo de Estado Constitucional de Direito a exemplo do nosso (...) a dogmática jurídica e a política criminal não podem se estruturar de forma divorciada da Constituição, a qual predispõe-se a definir os marcos no interior dos

18 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.

5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p. 153.

19 FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 40.8

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quais haverão de desenvolver-se tais atividades político-intelectivas.20 Há, ainda, um conteúdo ideológico subjacente a toda essa discussão Não nos enganemos, pois por trás deste manto de defesa da proibição da atenuante abaixo do mínimo legal existe, sim, uma política criminal alheia aos direitos fundamentais, soerguida pelo “movimento da lei e da ordem”21 que, em última análise, vencidas todas as falácias que a sustentam, descerrada a sua máscara, confessa que a súmula deve ser aplicada, pois “não se deve dar colher de chá a bandidagem.” Juiz que age assim não é juiz constitucional. Pode ser aplicador de muita coisa, mas não do Direito. E juiz que não aplica o Direito o que é, realmente? Assim, a interpretação que a súmula 231 deu é inconstitucional e ilegal, por violar o princípio constitucional da individualização da pena, bem como as regras descritas na Parte Geral do Código Penal, em especial o seu art. 68. Lembrando que essa súmula em si não é vinculante, não possui caráter cogente (embora, infelizmente, o senso comum teórico dos juristas a confira, na práxis, tal status, indevidamente), não cabendo controle de constitucionalidade quanto a ela e sim quanto aos julgados que se utilizam de igual fundamentação. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE E A ATENUAÇÃO ATÉ UM SEXTO - Mas admitida a constitucionalidade das circunstâncias legais aquém e além dos limites descritos no art. 59, II, do CP, até onde se pode ir? Há o risco de pena zero? Pode uma atenuante ter uma graduação maior que uma circunstância majorante ou minorante? Como resolver isso se o direito positivo não traz uma solução? Eis aí onde reside uma grande dificuldade dos atores jurídicos: criar uma norma para situações onde não há expressa regulamentação. Mas a solução se encontra no próprio sistema jurídico. No caso, o postulado da proporcionalidade. Com efeito, explica HUMBERTO ÁVILA22 que, regras e princípios são normas de primeiro grau, que visam promover um estado de coisas. Mas há entes que não se situam em qualquer das duas categorias, pois não visam conferir direitos ou impor obrigações. Funcionam como uma ferramenta para aplicação das regras e dos princípios. E esses entes jurídicos, a quem Ávila chama de metanormas e outros de postulados23, não descrevem direta ou indiretamente comportamentos, “mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, não se podem confundir princípios com postulados.”24 Seriam os postulados normas de segundo grau. Vozes recentes no STF entendem o mesmo. Paradigmático foi o voto do Ministro EROS GRAU na ADI em que se declarou a constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa dos Consumidores às instituições financeiras. E disse o Ministro: (...) razoabilidade e proporcionalidade são postulados normativos da interpretação/aplicação do direito – um novo nome dado aos velhos cânones da interpretação, que a nova hermenêutica despreza – e não princípios.25 Os postulados se diferem dos princípios, pois não são realizados em vários graus, mas em um só

20 FELDENS, 2005, P. 43.

21 Sobre o movimento da lei e da ordem, vide: SANTOS JR., Rosivaldo Toscano. As duas faces da política

criminal contemporânea. In Revistas dos Tribunais. Ano 87, vol. 750. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.

461-471.

22 ÁVILA, HUMBERTO. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São

Paulo: Malheiros, 2006, p. 122.

23 “Em geral uma proposição que se admite, ou se pede seja admitida, com o escopo de tornar possível uma

demonstração ou um procedimento qualquer” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. São

Paulo: Mestre Jou, 1982, p.751.

24 ÁVILA, 2006, p. 123.

25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2591/DF Rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau,

j. 07/06/2006, DJ 29.09.2006, p. 31.9

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(a medida é ou não é proporcional ou razoável, por exemplo). Não são regras porque não possuem uma hipótese e uma conseqüência, e nem podem ser declaradas inválidas em caso de colisão. Assim, não se ponderam e nem se declaram válidos ou não, pois são eles mesmos ferramentas para se ponderar princípios e se aquilatar a invalidade de uma regra. Aliás, não são princípios. São meios. Meios de se aplicar o Direito. Aliás, não se podem aplicar as metanormas – v.g. a proporcionalidade ou a razoabilidade – como princípios, já que assim se estaria transformando o juiz em legislador, competindo a ele criar uma norma que, ao alvedrio de qualquer princípio ou regra que a fundamentasse, fosse a mais “proporcional” ou “razoável” para aquele caso. Voltaríamos à visão positivista de discricionariedade judicial. Como bem adverte ÁVILA, "Só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas – princípios e regras – que deixaram de ser devidamente aplicadas". 26

Em nosso direito constitucional contemporâneo o postulado da proporcionalidade, que deve ser obedecido tanto por quem exerce quanto por quem se submete ao poder, tem por pressuposto: a) a existência de um ato normativo que afete um direito constitucional fundamental; b) uma relação entre os fins perseguidos e os meios utilizados nesse desiderato; c) uma situação de fato, conforme preleciona PAULO BONAVIDES.27 Não obstante a idéia de proporcionalidade já remontasse a Aristóteles –, foi a jurisprudência alemã que a sistematizou em três máximas parciais, a saber:28 a) adequação (Geeignetheit); b) necessidade (Enforderlichkeit) c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit). Adequação significa o meio apto a atingir o fim fomentado pela norma. Não se exige que este fim seja atingido, mas sim, perseguido. Essa é a posição de HUMBERTO ÁVILA, que critica a formulação feita por Gilmar Mendes, atribuindo a ele um erro de tradução do significado da expressão, uma vez que o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal fala em adequação como atingimento do fim.29 Necessidade quer dizer o meio menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis. Verifica-se aqui um conteúdo comparativo entre as possibilidades de decisão. Por fim, proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a sacrificar o mínimo visando preservar o máximo de direitos, uma vez que nenhum direito constitucional pode, sob nenhuma circunstância, suprimir outro por inteiro. Assim, o grau de restrição de um direito fundamental deve ser justificável em razão do fim perseguido.30 Voltando ao objeto desse estudo, é essencial haver a determinabilidade da pena. Pena zero não é pena, realmente. Pensamos sobre o assunto. Chegamos a um raciocínio que consegue ponderar os princípios da necessidade da pena, por um lado, e da individualização da pena, por outro. Entendemos que há uma graduação crescente na amplitude dos institutos. Das três fases previstas no art. 67 do CP, duas são delimitadas expressamente. A primeira, a da pena-base, é a mais restrita e delimitada. A última, das majorantes e minorantes, ultrapassa os parâmetros restritivos do mínimo e do máximo em abstrato cominado pelo tipo. A segunda fase não haveria de ser a mais amplas de todas, sob pena de se ferir o princípio da necessidade da pena, uma vez que não há determinação do quantum de atenuação ou agravamento. Adotando-se o critério trifásico do postulado da proporcionalidade, através de um método centrífugo (fuga do centro, onde neste estaria a

26 Idem, p. 122.

27 BONAVIDES, 2004, p. 393.

28 PEREIRA, 2006, p. 320-321 e 324 e ss.

29 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito

constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.43.

30 BILHALVA, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 134-135.10

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primeira fase – a das circunstâncias judiciais – pena-base), um meio apto para atingir o fim fomentado pelo princípio da individualização da pena (adequação) seria entender que as circunstâncias legais estão parametrizadas entre os limites da pena cominada até o aumento ou diminuição mínima, assim como é na sua sequência de aplicação da pena pelo critério trifásico, sem se anular, assim, a necessidade da pena. Esse raciocínio é o menos oneroso aos bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis, pois ao mesmo tempo que franqueia maior liberdade na individualização da pena, um direito do réu, impede a impunidade, um direito da sociedade (necessidade). Por fim, há um sacrifício mínimo do princípio da necessidade da pena, na medida em que garante a individualização desta (proporcionalidade em sentido estrito). Cumpridos estão os três requisitos, vejamos como fica a limitação da aplicação da segunda fase do critério trifásico do art. 67 do CP: a fórmula seria essa: {[(pb) + ag] + ad} - onde pb = pena-base; ag = atenuantes e agravantes; e ad = causas de aumento e de diminuição de pena. O RISCO DA PENA ZERO E O POSTULADO DA RAZOABILIDADE - Um dos principais argumentos falaciosos contra a aplicação das circunstâncias legais reside no propalado risco de pena zero. Com efeito, já infirmamos que as circunstâncias legais podem ser graduadas em até um sexto. Em razão da quantidade de atenuantes previstas no art. 65 do CP, sete, e das ilimitadas possibilidades de aplicação de atenuantes genéricas (art. 66 do CP), caso houvesse pelo menos seis delas, poderia ocorrer a pena zero. Esquecem-se os militantes desse raciocínio que o magistrado não é um autômato e que o Direito – uma ciência social – não é matemática. Direito é razão. E dele deriva a razoabilidade como postulado imanente ao seu próprio funcionamento, tanto em sua teoria quanto na práxis. A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos, em ambas com o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”.31

Ensina HUMBERTO ÁVILA sobre como a razoabilidade funciona: A pergunta a ser feita é: a concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão. É importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a eqüidade. Assume-se, assim, um dever de consistência e coerência lógica. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.”32

Advertimos que não entendemos que as atenuantes devem ser fixadas em um sexto, mas em até um sexto. O critério que deve validar essa quantificação será dado pelo caso concreto, razoavelmente. Por exemplo, uma confissão qualificada não deve ser sopesada da mesma forma que uma confissão completa. Proceder ao magistrado um mero cálculo matemático de simples soma de seis atenuantes (e se fossem sete, ficaria com crédito?) à fração individual de um sexto, seria ferir a razoabilidade, pois naquele caso a concretização da medida

31 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 62.

32 STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 18711

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Circunstâncias legaisAlém dos limites da pena-base – art. 68 do CP, mas n

Pena-baseDentro dos limites da pena cominada – art. 5

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abstrativamente prevista implicaria a não realização substancial do bem jurídico a ser protegido pela norma penal. Seria uma arbitrariedade. CONCLUSÃO SOBRE O TEMA DA ATENUANTE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - Eis aí onde reside a lógica do Direito: ajustar-se, ponderando os princípios em jogo e as regras que sobre as quais eles incidem, e encontrar a decisão justa, racional, proporcional, razoável. Juízes que agem assim são entes pensantes, não meros autômatos togados, cumpridores de fórmulas e rituais, que necessitam de um oráculo supremo que lhe diga todas as verdades. No Direito Penal cada caso é ímpar, por mais parecidas as circunstâncias reveladas pela historicidade dos fatos, e únicas suas implicações. Não existem fórmulas prontas. O Direito não deve ser realizado em linha de montagem, como se pessoas fossem a matéria-prima e a liberdade ou prisão meros produtos. Nesse diapasão, destaco a advertência feita por ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, no tocante às súmulas vinculantes, mas que perfeitamente se aplica às que não tenham, formalmente, esse efeito mas, na prática, terminam sendo usadas como dogma jurídico: “O risco é a exarcebação de um nível de abstração que chegue a ferir o núcleo concernente à singularidade humana (...) o formalismo judicial perpassou dos textos legais às súmulas, com um magistrado similar a um juiz-funcionário.”33 STRECK é claro quando diz que aclimatamos aqui o sistema americano do stare decisis de maneira deturpada: Os denominados “precedentes sumulares” e os “verbetes jurisprudenciais” que constam aos bordões em inúmeros “manuais” são utilizados (e citados) de forma descontextualizada. Já no direito norte-americano isso não ocorre, mormente pelo fato de que lá, o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente sua decisão. Como contraponto, no Direito brasileiro, de origem continental,suficiente que a decisão esteja de acordo com a lei (ou com uma Súmula ou com uma “jurisprudência dominante” ementada). Não estamos a fazer uma ode contra as súmulas, pois elas cumprem importante papel de revelar o posicionamento, naquele momento histórico, de um tribunal. Mas são os magistrados, notadamente os juízes de primeira instância, que conhecem os fatos e produziram as provas, estão próximos dos fatos concretos. E é dever do magistrado entender essa realidade inefável e cumprir o papel que lhe é delegado: ser justo. Sendo assim, no momento oportuno atenuarei a pena, em obediência aos princípios constitucionais acima.

DA CO-CULPABILIDADE SOCIALA parte acusada teve muito pouco estudo, digo educação formal, e transborda sua rudeza, decorrente, infelizmente, de nosso sistema abissalmente desigual e injusto, em que a isonomia é um mito, e somente não denunciam isso os ingênuos. assim, justifica-se o reconhecimento de atenuante inominada em favor da acusada, em razão da co-culpabilidade social na participação do delito, pois é notório que a situação acima, no caso presente torna a acusada pessoa mais vulnerável ao cometimento de crimes e à seleção pelo sistema penal, em sua peneira já tão bem denunciada por Honoré de Balzac, quando dizia que "as leis são teias de aranha, em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas". Sobre o reconhecimento da co-culpabilidade social como circunstância atenuante inominada, vejamos excelente artigo de Bruno Carrijo Carneiro34: (...) 2. Os Princípios da Co-culpabilidade e da Individualização da Pena A aplicação da pena representa, sem dúvida alguma, um desafio para os operadores do Direito, principalmente no que toca à dosimetria da pena sob a luz do princípio da co-culpabilidade. Insta salientar que a co-culpabilidade deve ser considerada

33? ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretização do direito. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 22-23.

34 In http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=343. Acesso em 19.12.2007.

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como um princípio que está intimamente relacionado a outros, em especial o da isonomia e, por conseguinte, ao da individualização da pena. Salo de Carvalho, reportando-se aos dizeres de Eugênio Raúl Zaffaroni, afirma que "reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é uma clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar todos igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação". Deste modo, considerando o princípio da isonomia na aplicação da pena, o juiz não poderá reprovar, com a mesma intensidade, pessoas que ocupam diferentes papéis dentro da estrutura social, principalmente em decorrência da situação econômica. Todavia, não é apenas a diferença de status financeiro que interessa à aplicação da pena. Ao lançar mão do princípio da isonomia, o operador do Direito deve considerar, também, outros aspectos, tais como o elemento “potencial conhecimento da ilicitude do fato”. Há, inegavelmente, apenas a título de exemplo, uma notável diferença, quanto ao conhecimento da ilicitude do fato, entre um sujeito com 21 anos de idade, que não possui nem o 1º grau completo, e outro indivíduo pertencente à classe média, com a mesma idade daquele, que esteja concluindo o ensino superior. É inconteste que não há, por parte do Estado, a satisfação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos – direitos de liberdade, sociais, econômicos e culturais. Assim, o juízo de reprovabilidade individual pelo ato delitivo não pode ser igual entre os desiguais, nem desigual entre os iguais. Caso contrário estaria configurada tão somente uma igualdade formal, porém restaria prejudicado o princípio da isonomia. Destarte, tal desigualdade entre os sujeitos, diante do absenteísmo do Estado, deve ser observada. Preconiza Salo de Carvalho que "o entorno social, portanto, deve ser levado em consideração na aplicação da pena, desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido. O postulado é decorrência lógica da implementação, em nosso país, pela Constituição de 1988, do Estado Democrático de Direito, plus normativo ao Estado Social que estabelece instrumentos dos direitos sociais, econômicos e culturais". Portanto, em meio a uma sociedade de camadas sociais e diante de um Estado omisso, o direito penal mais justo, nas palavras de Gustav Radbruch, “só poderia ser um direito relativamente justo.” E, o mesmo autor, citando as palavras de Anatole France, pontifica que "em sua igualdade majestática a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir debaixo das pontes, esmolar nas ruas e furtar pão, e nela vale também para o direito penal a palavra amarga: 'Deixais ao pobre tornar-se culpado, em seguida o entregais à dor'!" E adiante arremata Gustav Radbruch que: "Se é a situação de classe que predominantemente provoca a queda do crime e o uso da pena, deduz-se que não o direito penal, mas, de acordo com a palavra de Franz von Liszt, “política social é a melhor política criminal” – sendo a tarefa duvidosa do direito reparar, contra o criminoso, o que a política social deixou de fazer por ele. Pensamento amargo esse, de quantas vezes as custas do processo e da execução, se empregadas antes do crime, teriam bastado para evitá-lo!" O operador do Direito, ao dedicar atenção ao princípio da isonomia, contempla, por conseguinte, um princípio fundamental do direito penal, a saber: o princípio da individualização da pena, insculpido no artigo 5º, inc. XLVI, de nossa Magna Carta. Preconiza Chaïm Perelman que "a passagem da igualdade formal para a igualdade real se manifestará, em direito penal, pela teoria da individualização da pena, que leva em conta, na repressão, a individualidade do delinqüente. Em vez de atentar apenas aos elementos objetivos de uma infração, insistir-se-á

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nos elementos subjetivos; o que, necessitando de uma medida individualizada, redundará em penas desiguais, mesmo para co-autores de um mesmo delito. A Corte de Cassação da Bélgica aprovou esse modo de agir ao rejeitar vários recursos que pretendiam que o juiz havia violado o art. 6º da Constituição belga, que garante a todos os belgas a igualdade perante a lei, porque havia tratado diferentemente dois homens que haviam cometido um mesmo delito." Destarte, o princípio da individualização da pena ganha supremacia sobre o princípio da mera igualdade formal que, não raro, é ensejador de injustiças. O princípio da isonomia, pelo qual se deve tratar os desiguais na medida em que se desigualam, deve ser o princípio basilar para uma justa individualização da pena e, deste modo, o fundamento de aplicação do princípio da co-culpabilidade. J. Messine, em citação de Chaïm Perelman, afirma: “O que é mister buscar não são penas iguais: são penas adequadas ao objetivo que se lhes atribui.” 3. A co-culpabilidade como atenuante genérica As circunstâncias legais atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal. O rol constante do dispositivo não elenca a co-culpabilidade como circunstância atenuante, mesmo porque se trata de uma nova tendência do Direito Penal. Não obstante, a enumeração de tais circunstâncias não é taxativa, haja vista o que dispõe o artigo 66 da Legislação Penal, in verbis: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.” Deste modo, a lei vigente, abandonando o sistema da enumeração exaustiva de atenuantes, adotado pelo Código Penal de 1940, introduziu regra que vem a permitir o reconhecimento de atenuantes não expressamente previstas. Assevera Heleno Cláudio Fragoso que "qualquer circunstância relevante relacionada com o fato ou com a pessoa do agente, que afete de forma significativa o merecimento de pena, deve ser considerada como circunstância relevante." Destarte, indaga-se, a esta altura, se o princípio da co-culpabilidade poderia ser considerado uma circunstância atenuante, mediante a aplicação do artigo 66 do Código Penal brasileiro. Alguns autores há, como Eugênio Raul Zaffaroni e Salo de Carvalho, que advogam a favor da consideração da co-culpabilidade enquanto circunstância atenuante genérica ou inominada. Preceitua Eugênio Raúl Zaffaroni "que a co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo Estado social de direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem cabimento no CP mediante a disposição genérica do art. 66." Nesta mesma esteira, afirma Salo de Carvalho que: “... a precária situação econômica do imputado deve ser priorizada como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da pena.” E, adiante, vem a complementar a sua idéia, apontando que ”juntamente com a valoração da situação econômica, devem ser avaliadas também as condições de formação intelectual do réu, visto que esta relação é fundamental para a averiguação do grau de autodeterminação do sujeito.” Salo de Carvalho, ao entender que deve também ser verificada a formação intelectual do réu, vislumbra, ao que parece, o denominado erro de proibição que, se tratar de erro evitável, a pena será amenizada e, em se tratando de erro de proibição inevitável, a pena deverá ser excluída. Estas circunstâncias atendem, antes de mais nada, ao princípio da isonomia, uma vez que centram-se na análise da real capacidade de o autor socialmente referido conhecer, compreender e motivar sua conduta conforme o direito. Com razão, Salo de Carvalho advoga que o Código Penal, ao permitir a diminuição da pena em razão de “circunstância relevante”, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista em lei, já fornece um mecanismo para a implementação deste instrumento de igualização e justiça social. Fundamentando a aplicação do princípio da co-

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culpabilidade como circunstância atenuante, o autor supra-referido lança mão do artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O citado dispositivo reza, in verbis: “São circunstâncias que atenuam a pena: baixo grau de instrução ou escolaridade do agente”. Inquire o autor se seria permitida a utilização extensiva da supracitada circunstância atenuante para outras espécies de condutas ilícitas. E assevera Salo de Carvalho que "é mister lembrar que é plenamente admissível, na estrutura do direito de garantias, a utilização da analogia, desde que não seja em prejuízo do réu. A admissão é tida como pacífica na jurisprudência e na doutrina, dispensando maiores divagações." Deste modo, possível se torna, sem nenhum óbice, a aplicação analógica do artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98, permitindo a inclusão, como atenuante, o baixo grau de instrução ou escolaridade do agente. Portanto, Carvalho sustenta a aplicação ampliativa da referida regra, porque segundo ele mesmo afirma, “... não entendemos que exista vínculo necessário e suficiente que a restrinja aos delitos ecológicos, como ocorre, por exemplo, com as outras atenuantes mencionadas no art. 14 da Lei n. 9.605/98.” Assim, para o autor, a circunstância prevista no inciso I daquele artigo, qual seja, “grau de escolaridade”, não se vincula tão somente à minimização do dano ambiental, como ocorre com as outras circunstâncias previstas – arrependimento, reparação, comunicação e colaboração. Não existindo este vínculo direto entre o grau de instrução do agente e a minimização do dano ao meio ambiente, nada obsta que aquela circunstância atenuante seja aplicada para outros delitos que não os ambientais. Quanto à aplicação do princípio da co-culpabilidade como atenuante inominada, vindo a diminuir a pena em virtude das condições econômicas do réu, vale transcrever a ementa de um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Salo de Carvalho. Ei-lo: Roubo. Concurso. Corrupção de Menores. Co-culpabilidade. Se a grave ameaça emerge unicamente em razão da superioridade numérica de agentes, não se sustenta a majorante do concurso, pena de "bis in idem". Inepta é a inicial do delito de corrupção de menores (lei 2252/54) que não descreve o antecedente (menores não corrompidos) e o conseqüente (efetiva corrupção pela prática de delito), amparado em dados seguros coletados na fase inquisitorial. O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade também responder pelas possibilidades sonegadas ao cidadão-réu. Recurso improvido, com louvor à Juíza sentenciante. O ora decisum merece aplausos, na medida em que não olvida o princípio da co-culpabilidade, entendendo que ao lado da reprovabilidade do criminoso pelo fato, existe uma parte da culpabilidade que a sociedade deve suportar, em virtude das possibilidades sonegadas àquele que agiu contrariamente ao Direito. Acerca da consideração da co-culpabilidade como circunstância atenuante genérica, arremata, magistralmente, Salo de Carvalho: "... tal interpretação possibilita no interior da dogmática jurídico-penal, criar um mecanismo de minimização da cruel inefetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais, impondo ao Estado-Administração, via Judiciário, uma 'sanção', mesmo que residual ou simbólica, pela inobservância de sua própria legalidade no que diz respeito à estrutura do Estado Democrático de Direito que congloba, como vimos, a matriz do Estado Liberal e do Estado Social." Eis, pois, o modo mais justo de se aferir a culpabilidade, visto que o Estado (brasileiro) contribui sobremaneira para o incremento da criminalidade, à medida que tem sonegado as condições mínimas de desenvolvimento aos seus cidadãos. Vale ressaltar, aqui, as palavras do Professor Dr. Nilo Batista, segundo o qual, “propensão para o crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma,

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que cria a favela e as condições sub-humanas de vida”. Pode-se inferir que, para a aplicação de um Direito Penal justo, o juiz criminal deve ser mais que um autômato que anda à procura do tipo legal para determinada conduta típica, antijurídica e culpável. Seu trabalho deve ir além disso, e o princípio da co-culpabilidade emerge aqui como uma importante ferramenta para a humanização do Direito Penal, a fim de atenuar os efeitos deletérios da exclusão social e econômica de determinadas camadas, em grande parte pelo absenteísmo estatal. A busca da justiça penal, principalmente na adequada aplicação do princípio da co-culpabilidade, não é tarefa fácil, porém não é impossível. Sem embargo disso, qualquer aplicação da pena que enxergue no criminoso uma pessoa com dignidade a ser respeitada, já é uma tentativa de se chegar a um direito penal mais justo. E essa liberdade pode ser limitada pelas condições sócio econômicas do agente, impondo-se à sociedade e ao Estado certo grau variável de co-responsabilidade pela conduta típica perpetrada (em parte) pelo agente, impelido por condições adversas, recomendando o abrandamento da resposta penal nesses casos. Esse princípio tem sua sustentação nos princípios da igualdade (máxime em seu aspecto material) e da dignidade da pessoa humana. Em suma, a idéia de Cabette é que “o Direito Penal, perpassado pelo mesmo fio de oura da ética, deve reconhecer em seu bojo o Princípio da Co-Culpabilidade, compreendendo a considerável perda de liberdade de autodeterminação imposta a relevante parcela da população”35. Posto isso, temos que a obediência ao princípio da Co-Culpabilidade representa o respeito pelos valores da dignidade humana, igualdade e justiça, merecendo ser interpretada conjuntamente com o disposto no art. 66 do CP, no sentido de ser reconhecida a atenuante inominada quando circunstâncias adversas causadas pelas inércia do Estado contribuírem para diminuir a autodeterminação do agente no cometimento de infrações penais.

DA TENTATIVAO objeto jurídico nos crimes contra o patrimônio é o bem subtraído. Há três teorias a respeito: 1. Teoria da inversão da posse: no momento em que o bem passa da posse da vítima para a do autor, consuma-se; 2. Teoria da saída da esfera de vigilância da vítima: enquanto a vítima estiver visualizando a coisa subtraída, não se consumo. Assim, dobrou a esquina e desapareceu, consumou; 3. Teoria da posse tranquila: enquanto estiver sendo perseguido, desde que essa perseguição seja imediata à subtração, ainda não se consumou. Adoto essa teoria. No acaso em apreço, a acusada foi presa na saída do estabelecimento.

DO FURTO MINORADONão obstante a prova de autoria e materialidade do delito, é mister que se reconheça também a aplicação da causa de diminuição do § 2° do art. 155 do CP. À parte a polêmica quanto à aplicação do dispositivo em questão em casos de furto qualificado, parte da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça alegam que em razão da carga de desvalor da conduta que encerra a qualificadora, seria incompatível a aplicação da minorante. Com a devida vênia, a argumentação não há de prosperar. Podemos verificar que a figura prevista no § 2° do artigo 155 do Código Penal é, como já dito anteriormente, uma causa de diminuição de pena, que não altera a sua nova faixa de fixação. Se realmente se tratasse de um privilégio, seria imperioso reconhecer sua inaplicabilidade, já que seria impossível aplicar os dois ao mesmo tempo. Não há, pois, nenhuma incompatibilidade, uma vez que a pena-base será aumentada em razão da qualificadora e posteriormente diminuída pela minorante. Outrossim, Nucci36, demonstra um raciocínio bastante simples mas verdadeiramente lógico ao dizer que

35 Op. cit.

36 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7 ed. rev., atual. e ampl. 2 tir. São Paulo: Editora 16

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no caso caso do homicídio, o § 1°, que é considerado homicídio privilegiado (mas que se trata de causa de diminuição), aplica-se, conforme doutrina e jurisprudência majoritárias, não somente ao caput, mas também ao homicídio qualificado do § 2° do art. 121. Então porque não proceder da mesma forma com relação ao furto? Se o homicídio, que se trata de delito que possui uma maior reprovabilidade social e fere bem jurídico muito mais importante que o patrimônio, qual seja, a vida, seria extremamente ilógico, não aplicar a causa de diminuição ao furto qualificado. Tal conduta agride o princípio da isonomia que está presente no art. 5°, caput, da nossa Constituição Federal. Acrescente-se ainda o fato de que estando presentes os requisitos autorizadores da aplicação da causa de diminuição do § 2° do art. 155, esta deve ser obrigatoriamente aplicada pelo magistrado. Desta feita, prevê o art. 155: Furto - Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (...) § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Podemos perceber que a lei penal exige como requisitos para que o juiz aplique o privilégio a primariedade e o pequeno valor da coisa furtada. Quanto à primariedade, não obstante o fato de o acusado estar atualmente respondendo outros processos, conforme se verifica nos extratos retirados do SAJ e do site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, inexiste condenação ou execução pendente contra a acusada à época do fato, fato esse caracterizador da primariedade. Já no que concerne ao valor da coisa furtada, levando em consideração que não houve prejuízo à vítima uma vez que o bem foi restituído, conforme se percebe no depoimento das testemunhas, bem como a res furtiva era de pouco valor, deve-se reconhecer que o requisito foi atendido..

DISPOSITIVOEm razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a pretensão punitiva do Estado, condenando IOLANDA (APAGADO), parte já qualificada nos autos, como incurso nas sanções advindas da infringência do art. 155, § 2º, na forma do art.14, II, do CP. Passo a dosar a pena com as devidas fundamentações em razão de imposição constitucional (CF-88 art. 93, IX). Circunstâncias judiciais - Culpabilidade: é o núcleo das circunstâncias que compõem a pena-base. É a primeira e mais importante circunstância. Isto porque representa a aplicação na íntegra do princípio da proporcionalidade entre a prática do fato e a pena, desconsiderando fatores intrínsecos à pessoa do agente. Como bem alerta AMILTON BUENO DE CARVALHO, “a interioridade da pessoa não deve interessar ao Direito Penal mais do que para deduzir o grau de culpabilidade de suas ações”.37 Assim, o que uma parcela considerável dos operadores do direito ainda não percebeu é que a culpabilidade possui dupla faceta. Uma antropológica, que constitui elemento do crime. Outra fática, que constitui a pena. A primeira faceta da culpabilidade é elemento do crime que diz respeito à reprovação ou não do agente, isto é, se ele tem o discernimento e o modo de se determinar conforme esse discernimento. Na segunda se mensura a reprovação do fato praticado pelo agente, com base na intensidade da violação do bem jurídico. Portanto, o constitucionalmente aceitável, na fase de aplicação da pena, vencida que foi a da imputação do agente, é constatar a justa medida da pena, examinando apenas o grau de censura merecido em face da conduta realizada e não da pessoa que é a acusada. Portanto, avaliando que o bem era de pouca expressão econômica, entendo favorável; Antecedentes: não posso entender os antecedentes penais da acusada como um elemento capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até porque depois pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é essa. Com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi

Revista dos Tribunais, 2007.37 CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da pena e Garantismo. 3. ed., ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 46.

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erigido a um dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III). Por outro lado, diz o art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A acusada não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de responder a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido julgamento numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive). E diz mais a Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. Como pode a acusada se defender nestes autos de um fato ocorrido em outro processo? Estaria, assim, ferindo não somente o devido processo legal, mas também o principio secular do Direito Penal do Fato. Não estaria, no caso de reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base, punindo alguém pelo que é (responder a vários processos) e não pelo que fez (praticou vários ilícitos em cada processo, isoladamente)? Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de condenação não estaria eu punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro eventual processo penal)? Acredito que sim. Por fim, se não há pena sem reconhecimento de culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. Se estou aqui tornando a pena mais pesada somente em reconhecendo que o acusado responde a, por exemplo, um inquérito policial, estou antecipando uma pena, pois seja mesmo um dia a mais de pena, é um suplício a ser imposto, indevidamente, diga-se de passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa Constituição. E uma norma que fere a Constituição não é válida. Talvez em um país com um paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato. Mas temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar a pessoa como ser humano que é, ainda que em alguns casos falha, mas que responda pelas condutas que praticou naquele processo específico. Deixo ao largo os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estou julgando um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliar um mesmo comportamento. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância; Conduta social: entendo que essa circunstância é inconstitucional, sob pena de ferir o princípio da anterioridade e da legalidade. Não estou julgando alguém pelo que ele é, mas sim pelo que fez ou deixou de fazer. Se o sentenciando é um mau vizinho, uma pessoa de comportamento social reprovável no âmbito moral, não o sendo na esfera penal, não posso admitir tal circunstância, sob o risco de criar pena sem crime, pois graduaria a pena-base negativamente em razão dessa questão. O direito penal brasileiro é de conduta, e não de autor, não obstante os mais carentes serem seus maiores alvos, os “criminalizados”, no dizer de Zaffaroni. Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Personalidade do agente: a Parte Geral Código Penal é maior de idade. Aliás, já está ultrapassada aos vinte e seis anos de vida (1984) e uma Constituição Federal depois... Este tópico da personalidade do agente como circunstância judicial deve ser repensado. O juízo humano é de tal complexidade que a tarefa de avaliação dele pelo magistrado, que pouco ou quase nenhum contato teve com a acusada, torna-se tarefa temerária... Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Motivos: alegou pobreza. Portanto, entendo favorável; Circunstâncias do crime: nada digno de nota. Portanto, entendo favorável; Conseqüências do crime: bens restituídos. Portanto, entendo favorável; Comportamento da vítima: nada digno de nota. Portanto, entendo favorável; Tomando como parâmetros as circunstâncias acima observadas e fundamentadas, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão e 10 dias-multa. Circunstância agravante – nenhum, conforme já decido em relação à reincidência. Circunstância atenuante – houve confissão e co-

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culpabilidade social. Atenuo a pena em 1/9 por cada, restando 9 meses e 14 dias de reclusão, e 7 dias-multa. Causa de aumento de pena - nenhuma. Causa de diminuição de pena - o furto foi de pequeno valor. Levando em consideração o poder aquisitivo da vítima, diminuo em 2/3, restando 3 meses e 4 dias de reclusão, e 3 dias-multa. Outrossim, houve a tentativa. A proporção da diminuição varia de acordo com o aprofundamento do iter criminis pelo agente, graduando-se da tentativa imperfeita à perfeita, ou crime-falho, de 1/3 a 2/3. No caso em apreço a acusada foi detida já fora do estabelecimento, na calçada. Assim, diminuo de 1/3, restando uma pena de 2 meses e 2 dias de reclusão, e 1 dia-multa.

Do total da penaSem mais nenhuma hipótese de flutuação a ser observada na fixação da pena, finalizo-a em 2 meses e 2 dias de reclusão, e 1 dia-multa, na proporção de 1/30 do salário mínimo em razão do estado econômico da parte ré.

Do regime de cumprimento da penaO regime de cumprimento da pena será o inicialmente aberto, por força do art. 33, § 2°, c, do CP.

Da substituição por pena alternativa (lei 9.714/98)É o Código Penal quem fixa os requisitos para a substituição. Diante do caso concreto, acontece o seguinte: é reincidente. Mas nem isso impede o deferimento da substituição, devendo a pena privativa de liberdade ficar como resguardo intimidatório. Pos isso, substituo a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, cuja modalidade restará individualizada pelo Juízo da e no momento da Execução Penal, que terá contato pessoal com o condenado, especialmente com essa finalidade e, assim, com melhores condições de avaliar qual a melhor medida a ser tomada e cumprir fielmente o ditame constituição da terceira fase da individualização da sanção penal.

Da suspensão condicional da penaFica prejudicada em razão da substituição, haja vista a redação do art. 77 do CP, a saber: Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (...) III - não seja indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44 deste Código.

Do estado de liberdade da acusadaDiz a nova redação do parágrafo único do art. 387 do CPP que "O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta". No caso em apreço, a acusada está em liberdade e comparecendo aos atos do processo. Seria um contra-senso prendê-la nessas circunstâncias. E ausente qualquer fundamento pra a decretação da prisão preventiva, razão pela qual concedo o direito de apelar em liberdade.

Do quantum mínimo para reparaçãoLevando em consideração as conseqüências da infração para a pessoa da vítima, isto é, como reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, no caso, diante do fato de que a coisa foi restituída, entendo como razoável para uma reparação mínima o valor de R$ 100,00, à título de danos morais. Há que se observar que tal valor não impede uma futura ação civil sobre o mesmo fato, apenas descontando-se este quantitativo do outro porventura fixado. Notifique-se a vítima dessa decisão, para que saiba que com cópia da sentença poderá executar civilmente a acusada no Juizado Especial, exigindo o valor acima.

DISPOSIÇÕES FINAISCondeno ao pagamento das custas. Contudo, a acusada é pessoa em situação de patente pobreza. Por força dos arts. 4º e 12 da lei 1.050/60, suspendo a exequibilidade das custas

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processuais. E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes providências: intime-se a parte acusada, com cópia da Guia de Execução, para comparecer na 12ª Vara Criminal e dar início ao cumprimento da pena; em relação à suspensão dos direitos políticos, concordo com os ensinamentos da colega Kenarik Boujikian Felippe, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia - AJD - no sentido de que não ficam atingidos pela condenação em relação capacidade eleitoral ativa (de votar), mas só passiva (de ser votado), isto porque em se tratando de direitos fundamentais, a interpretação deva ser a que mais os preserve. A cidadania constitui fundamento da República (CF, art. 1º, II) e primado do Estado Democrático de Direito. Portanto, a inexigibilidade é a restrição mais consentânea com os fundamentos da pena e, ao mesmo tempo, do resguardo de um direito fundamental de tão alta relevância. E aproveito para transcrever parte de uma sentença dela: Por outro lado é inegável o paradoxo trazido nesse dispositivo constitucional, pois contraria o ideário de reintegração progressiva do preso à sociedade, visto que cumprindo pena no regime aberto ou diante da imposição de sanções alternativas, a suspensão dos direitos políticos impede o apenado de estudar em instituições de ensino público, de prestar concurso público, obter certidão ou título de eleitor, dificultando a contratação formal pela iniciativa privada, afrontando o princípio da humanização da pena. Desta forma, com o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE comunicando que não ficam atingidos os direitos políticos ativos, no que diz respeito ao direito ao voto. Lance-se o nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II); comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; encaminhem-se as respectivas Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das Execuções Penais; comunique-se ao Distribuidor Criminal, para os fins necessários.

CIÊNCIA DO CONDENADONECESSIDADE COMPARECIMENTO DAQUI A 20 DIAS, SOB PENA DE PRISÃO

Eu, IOLANDA (APAGADO), estou ciente de que daqui a vinte dias terá ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória e por isso estou cientificado de que deverei comparecer à Secretaria Judiciária desta Vara para ser orientado sobre o início do cumprimento da condenação, sob pena da expedição imediata de Mandado de Prisão e recolhimento a uma Delegacia de Polícia.

Assinatura da acusada:___________________________________

Assinatura do acusado:___________________________________

E como nada mais houve, determinou que fosse encerrado o presente termo que, lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, _______, Técnico Judiciário, digitei e vai assinado pelas partes e pelo MM. Juiz.

Juiz:_________________________________ MP:__________________________________

Defesa:_______________________________ Acusada:_____________________________

Acusada:_____________________________ Vítima:_______________________________

20Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º Andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 84 3615-4663, Natal-RN

- E-mail: [email protected] informações processuais poderão ser acompanhadas através do sítio "www.tjrn.jus.br".