11

Click here to load reader

Metafísica do Dinheiro - Jadir Antunes

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Comunicação apresentada na ANPOF sobre o modo de aparecer metafísico do dinheiro na sociedade capitalista. Texto baseado em O Capital de Marx.

Citation preview

Marx e a metafsica da mercadoria dinheiro Jadir Antunes Nossacomunicaopretendemostrarqueotemadofetichismoda mercadoria em Marx seria mais adequadamente compreendido se o compreendssemos comootemadametafsicadamercadoria.Ofetichedamercadoria,comopoderemos perceber pela exposio de Marx, est muito distante de uma interpretao antropolgica fundadanaimaginaoenosdesejoshumanoscomogeralmenteinterpretadoeste tema em Marx. ComodizMarxemOCapital,primeiravista,amercadoriapareceuma coisatrivial,evidente[EineWarescheintaufdenerstenBlickeinselbstverstndliches, trivialesDing]1.Contudo,analisando-a,v-sequeelaumacoisamuitocomplicada, cheia de sutileza metafsica e manhas teolgicas [voll metaphysischer Spitzfindigkeit und theologischer Mucken]2. Por isso, logo que uma coisa aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa sensvel suprassensvel [sinnlich bersinnliches Ding],3 diz Marx, pois o ente mercadoria aparece como a abstrao de todas as qualidades sensveis dos entes utilizveis pelo homem. Atravs das tramoias da metafsica, diz Marx,os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensveis suprassensveis ou sociais [sinnlich bersinnlicheodergesellschaftlicheDinge]4.Osprodutossensveisdamohumana, comonosprodutossuprassensveisdamentereligiosa,aparecemsobumaforma fantasmagrica[diephantasmagorischeForm].5.AestatramoiametafsicaMarxd, ento, o nome de fetichismo [Fetischismus]6. O prprio termo mercadoria j uma abstrao que nos remete diretamente aos domnios da metafsica. Ao contrrio de entes como casaco e linho que so um isto e um ente sensvel, a mercadoria no um isto. A mercadoria a abstrao, a negao e a despersonalizao de todas as qualidades sensveis e naturais da riqueza. A mercadoria, por isso, um ente suprassensvel por excelncia. O ente dinheiro, por ser a abstrao, a

1 O Capital - Volume 1, p. 70. MEW 23, p. 85. 2 O Capital - Volume 1, p. 70. MEW 23, p. 85. 3 O Capital - Volume 1, p. 70. MEW 23, p. 85. 4 O Capital - Volume 1, p. 71. MEW 23, p. 86. 5 O Capital - Volume 1, p. 71. MEW 23, p. 86. 6 O Capital - Volume 1, p. 71. MEW 23, p. 86/87. negaoeadespersonalizaodoprprioentemercadoria,seapresentarcomoo suprassensveldosuprassensvel,comoaabstraodaabstrao,comoanegaoda negaoeadespersonalizaodadespersonalizao,comoumentesensvel-suprassensvel, como diz Marx.No difcil percebermos que a metafsica da mercadoria pode ser reduzida metafsica hegeliana: 1) valor-de-uso: ente sensvel fsico e natural dado imediatamente nasensibilidadedosagentesdatroca;2)mercadoria:entesuprassensvel,abstratoe geral,ovalordeusonegadoeabstradodetodasensibilidadeenaturalidade,a mercadorianoumisto,umentenegativoeabstrato;3)dinheiro:ente-sensvel-suprassensvel,aabstraodaabstrao,anegaodanegaoea despersonalizao da despersonalizao j operadas pelo ente mercadoria.Nostermosdametafsicahegelianaodinheiroseriaomomentodoretorno aosensvelmediado pelosuprassensveldamercadoria, poiso dinheiro ouro,ecomo talumentesensvel-suprassensvel,ariquezanasuaformaplenamentegeral, absolutaeautonomizadadarealidade.NadaemMarxparece,porisso,dizerqueo fetichedamercadoriatenhaalgumarelaocomoencantamentoeaseduoquea mercadoriaprovocasobreamente,aimaginaoeodesejodosconsumidores,como normalmenteseentendeofetichedamercadoriaentreamaioriadosmarxistas contemporneos.Comosabemos,odinheirosurge,inicialmente,natrocadiretade mercadorias sob a forma equivalente individual. Em seguida, ele se transforma em forma equivalenteparticulare,nestadeterminao,perdeapropriedadedeservirdiretamente comomeiodeusohumanoparaservircomoequivalentegeralparavriasmercadorias particulares. Em sua terceira determinao, a de servir como dinheiro na forma de metais preciosos,amercadoriaqueservecomodinheirojnomantmnenhumarelaocom suaspropriedadessensveisteisenaturais.Quemtrocamercadoriapordinheiro,por ouroouprata,jnotemnenhuminteressenaspropriedadessensveisenaturaisda mercadoria-dinheiro,poiselaserveagoranicaeexclusivamentecomomeiogeralde trocaenadamais.Odinheirocircula,inicialmente,dentrodedeterminadoslimites territoriaiscomomoedanacionalpara,emseguida,circularlivrementeportodosos pontos do mercado mundial como dinheiro mundial, como o verdadeiro suprassensvel da realidade.Odinheiromundial,porisso,surgecomooresultadoltimoefinaldetodoo processo de troca, surge como a mais pura negao e a mais pura abstrao do mercado e da sociedade.Comopodemosobservar,omovimentodoentedinheirointeiramente determinado pela metafsica e pode ser expresso pela frmula singular-geral-singular ou, ainda,singular-singular;singular-particular;singular-universal.Naanlisedasformasdo valor, a forma simples de valor corresponde ao momento da singularidade, pois ali, uma determinadaformasingular,oentecasaco,servedeformaequivalenteparaumaforma singulardemercadoria,oentelinho.Ali,estamosnomomentodasingularidade-singularidade.Comaformageral,passamosdasingularidadeparaomomentoda pluralidadeedamultiplicidade.Ali,muitoseinfindveisentesmercadoriasservemde formaequivalenteparaumentemercadoriasingular.Ali,estamosnomomentoda singularidade-pluralidade.Com o surgimento do ente dinheiro, avanamos para alm da multiplicidadeeretornamos,metafisicamente,paraoberooriginriodaunidade.Ali, metafisicamente,oentedinheiroreencontra-seconsigomesmoeadequa-seaoseu conceito de dinheiro. Ali, retornamos para a singularidade-singularidade, porm, para uma singularidadeque,naverdade,umasingularidadeuniversaleabsoluta.Alichegamos, como na metafsica, ao Absoluto.Oente dinheiroquesurgedesteprocessosurgecomoo enteabsolutodas trocas, como aquele ente singular que, pelas suas extraordinrias propriedades sensveis enaturais,servedeformaequivalentegeraleabsolutaparatodososentesteisque circulamnomercado.Comoterceiromomentodestatrademetafsica,chegamos, portanto, ao templo da metafsica e da religio. Ali, pela primeira vez na histria ocidental, oAbsolutoseapresentaencarnadonumacoisasensvel,metlicaedouradachamada dinheiro.Ali, oAbsoluto,quej haviatornado-seCristo, torna-seagoraDinheiro,o deus entreosdeuses,odeusdomundodamercadoria.OAbsoluto,quejhaviatornado-se carne,torna-seagorametal.Ali,portanto,completa-seociclogeraldaMetafsicaesua longa histria. Ali, com o ente dinheiro, a Metafsica encerra sua longa histria comeada com osgregosantigosemostra-se abertamentecomoa histriadaentificao absoluta do ser, como a histria da entificao absoluta daquilo que no coisa, que no ente e que no visvel. Com o dinheiro, o Absoluto mostra-se inteiramente aos homens como coisa visvel, tocvel, pegvel, amontovel e guardvel. Com ele, o cristianismo torna-se, ento, capitalismo. Com o dinheiro continuamos, portanto, apesar do fim do cristianismo e dacrisedametafsicacomodisciplinafilosfica,noreinodametafsicaesuas fantasmagorias filosficas.De perda em perda, de negao em negao, de superao em superao, portanto, o dinheiro surge como a mercadoria enquanto tal [die Ware als solche], como a mercadoriauniversal[dieuniverselleWare],comoorepresentantematerialdariqueza universal [der materielle Reprsentant des allgemeinen Reichtums], como moeda mundial [Weltmnze] indiferente a todas as suas determinaes locais, sensveis, teis e naturais, e como a mercadoria acessvel em todos os lugares [die allerorten zugngliche Ware] 7. Nestasdeterminaesinteiramentegeraiseabstratas,odinheirose convertenum ente inteiramente metafsico e sobrenatural, ele se torna a pura abstrao [diereineAbstraktion],amerailuso[bloeEinbildung],amercadoriaomnipresente [allgegenwrtigeWare],amercadoriaquenoestdeterminadapeloespaoepelo tempo, a riqueza geral em sua forma pura [den allgemeinen Reichtum in seiner gediegnen Form],aformauniversaldariqueza[dieallgemeineFormdesReichtums],ariqueza universal [dem allgemeinen Reichtum], a riqueza enquanto tal [den Reichtum als solchen], o deus e o rei das mercadorias [der Gott und Knig der Waren]. Por este carter universal, abstrato, suprassensvel e sobrenatural da mercadoria monetria, Marx, com sua habitual edivertidaironia,chamaodinheirodeoSantssimo,oSantodosSantos[dies Allerheiligste]8. Nestadialtica,omovimentototaldodinheiroaparececomoomovimento hegeliano e metafsico do ser ao nada. O valor-de-uso surge inicialmente na realidade do mercado como o isto sensvel da riqueza e a mercadoria como a negao e a abstrao detodoistosensvel.Odinheiro,queaparececomoresultadodoprocesso,apareceno mundodomercadocomoanegaodanegaoeaabstraodaabstrao,comoo nadaindeterminadodariqueza,comooistosensvel-suprassensveldariqueza,como aquele isto sem serventia alguma para o ente humano, mas que, paradoxalmente, permite o acesso a todos os entes prestveis s necessidades e gozos humanos.Omisteriosodestemovimentoconsistenacircunstnciadequeoente dinheiroamercadoriaemsuaformaduplamenteduplicada.Emprimeirolugar,oente

7 Grundrisse I, p. 162. MEW 42, pp. 153-154.8 Grundrisse, I, pp. 161-169. MEW 42, pp. 153-160. dinheiroaduplicaofsicadeumentefsiconointeriordaprpriafsica,pois,nesta duplicao temos, de um lado e em primeiro lugar, o ente que se duplicou, o ente fsico e sensvel chamado valor-de-uso e, de outro lado e em segundo lugar, temos o ente duplo, o ente fsico e sensvel chamado ouro. Em segundo lugar, o ente dinheiro a duplicao metafsicadeumentefsicoquetransbordaodomniodafsica,pois,nestaduplicao temos, de um lado e em primeiro lugar, o ente fsico e sensvel chamado valor-de-uso e, de outro lado e em segundo lugar, temos o ente duplo chamado dinheiro.Omistriodaduplicaodoentemercadoria,comopodemosperceber, consiste, em primeiro lugar, no fato de que esta duplicao viola absolutamente todas as leis da fsica e do mundo sensvel, pois, como sabemos, absolutamente impossvel um corpo fsico duplicar-se fisicamente no interior da prpria physis. Em segundo lugar, esta duplicaoviolaabsolutamentetodasasleisdafsicaedomundosensvelporque absolutamente impossvel que um ente fsico e sensvel possa se duplicar e existir como umsegundoentemetafsicoesuprassensvel,comoumsegundoentequeexistepara alm de todo o mundo fsico e sensvel.A mercadoria monetria, seja ouro ou prata, adquire este carter metafsico eextraordinriodevido,emparte,peloprpriocarterabstratodaformadinheiroe,em parte,devidosprpriaspropriedadesnaturaisdosmetaispreciosos.Oouroeaprata so,comotemosvisto,aformaadequadadovalordetrocaporquenoguardammais nenhumarelaocomocartersensvel,tilenaturalda mercadoria,comoguardavam mercadorias como gado e sal por exemplo. Por no terem suas qualidades alteradas pela aodotempoedanatureza,pormanterem-sesempreiguaisasimesmosemtodo tempo e lugar, por serem durveis, imperecveis e imutveis, por serem riqueza em todos os tempos e lugares, por serem a mercadoria omnipresente, por serem o tesouro eterno dahumanidade,osmetaispreciosoconsagram,assim,ofetichedamercadoriacomoo fetiche do dinheiro.Enquantotodasasmercadoriasdomundodeterioram-sepelaaoda naturezaedotempo,enquantotodasasmercadoriassofremasdoresdagneseeda morte,prpriaatodoentesensvelenatural,odinheirojsaidasentranhasdaterra, como notaMarx,comodinheiro.Pairando acimadetodosos entesfabricadospelamo humana, odinheiro, como o Santssimo, desce Terra, misturando-se aos homens e s mercadorias,eretornaaoreinodoscussemjamaisdeixardeserdinheiroeigualasi mesmo.Odinheiro,porisso,aocontrriodamercadoriacomum,jamaisseperdeese modifica em seus movimentos pelo mundo. Ele sempre ouro ou sempre prata em todas aspartesetemposdomundo.Comestametafsicaeconmicaomundomoderno consagra,assim,oprotestantismo,opuritanismo,onihilismoeohedonismocomoa religiodosmaterialistasmetafsicos.Nestanovareligio,adora-seumDeuschamado ora de infinito e ora de coisa, ora de nada e ora de absoluto. Ora, ainda, chama-se este Deuspeloseunome prprio:money,argent,Geld,nomisma,oudinheiro mesmo.Nesta nova religio adoram-se, portanto, todas as desmedidas do mundo. Assimcomonametafsicaosuprassensvelestseparadodosensvel, tambm no mercado o dinheiro est separado da mercadoria. Assim como na metafsica existeumenteprimeiroqueordenaeunificatodososentessegundos,tambmno mercadoexisteumenteprimeiroqueordenaeunificaabsolutamentetodososentes segundos. Assim como na metafsica o sempre eterno do mundo suprainteligvel ordena e determinaosemprevariveleirregulardomundosensvel,tambmnomercadoo sempreeternodomundocelestialdodinheiroordenaedeterminaosemprevarivele irregular do mundo impuro da mercadoria.Assim como na metafsica o sumamente universal da realidade ao mesmo tempoosumamenteinteligveldopensamento,tambmoensuniversalis,oens commune, o ente dinheiro poder ser visto, analogicamente, como o mxime intellectualis do saber. Assim, como podemos perceber, todas as relaes metafsicas entre o sensvel eosuprassensvelencontradasnosaberfilosficopodemfacilmentetranspor-se analogicamente para o estudo das relaes entre a mercadoria e o dinheiro.Destemodo,tantonosaberdofilsofoquantonodoeconomista,o suprassensveldominaredeterminarabsolutamenteosensvel,sendojamais determinadoreciprocamenteporele.Emambosossaberes,acompreensodoente sensvelsersempreremetidacompreensodeumentesuprassensvelprimeiroe anterior,osersubsistente,oesseipsumsubsistens,consideradomaisverdadeiroe luminosoqueosensvel.Esteenteluminoso,comonareligioenametafsica,lanar, ento, sobre a escurido do sensvel, a magia das suas luzes e do seu brilho revelador.Enquanto a mercadoria aparece como oens creatum e o secundum ens do mercado,odinheiroaparececomoosummumens,comooensincreatum,comoo primum ens do mercado. O dinheiro, por isso, o absoluto transubstanciado no corpo de umapeametlica.oessedivinumdomercado.oessecommuneentreas mercadorias.oactusessendidomercado.aqueleentequepelasuaperfeiofora excludodomundoimperfeitodamercadoriaequeagorahabitaamoradadoser. aqueleenteprimeiroefundadordarealidadequeagoraordenaedeterminaosentes fundamentados por ele. O dinheiro a perfeio excludado mundo. aquele ente atual supremo e perfeito que no recebe nem pode receber qualquer adio sua atualidade e perfeio. O dinheiro otelos supremo e o ato final das mercadorias, a atualidade de todos os atos e a perfeio de todas as coisas perfeitas. Os entes da riqueza natural, os entesdestemundocarentedeperfeio,osentesquehabitamomundodapotncia, desejamardentementeultrapassarseuprpriomundoimperfeitohabitandoomundo perfeito da riqueza transubstanciando-se em dinheiro. Nesta transubstanciao, os entes dariquezautilizvelemanipulvelsoconvertidosnaquelesentessacrossantossem serventia ao uso humano que se amontoam uns sobre os outros no depsito dos bancos.Porisso,paraoavarentocapitalista,oapegoapaixonadopelariqueza sensveleparticular,pelamercadoriaemgeral,equivaleaapaixonar-sepelascoisas passageiraseperecveisdomundo.Paraele,comonametafsicaenacrenacrist,o apego verdadeiro deve ser aquele apego s coisas imperecveis e durveis, s coisas que noestosubmetidasaoeternodevirdanatureza,scoisasquesemantmsempre idnticaseiguaisasimesmasemqualquertempoeespao,coisapermanenteque chamamos dinheiro.Ao apegar-se ao dinheiro como uma coisa permanente, imperecvel, durvel eeterna,oavarentoapega-se,emsuacrena,assim,aumacoisaequivalenteaDeus. Ao dirigir sua paixo exclusivamente para o dinheiro, ao amar exclusivamente um nico e mesmodeus,oavarentocapitalistaacreditasalvarsuaalma,assim,dodilaceramento prprio s paixes passageiras do mundo humano. Sua devoo ao dinheiro se equivale, assim,emsuaimaginao,devooaosuprassensveleaDeus.Nestadevoo,o monotesmodesuacrenaseconservasempreigual,sejaamandooDinheiro,seja amando a Deus. Por seu carter de ser excludo e perfeito, por seu carter de ser unvoco em meioaequivocidadedosentes,odinheirooseranalgicodomercado,aqueleser intermedirio, aqueleser aomesmotempounvocoeequvoco,aquelesersupremo que ao traficar livremente pelo mundo rene e supera em sua univocidade a equivocidade damercadoria.Porseramercadoriaexcluda,porseroenteanalgicodomercado,a sacroessencialidade do dinheiro est contida, por isso, tambm, em propores diversas, na mundanoessencialidade da mercadoria comum. O dinheiro aquele ente supremo que emsuaunidadeencarnatodaamultiplicidadeediversidadedomundodamercadoria, pois o dinheiro mesmo a mercadoria perfeita excluda. O dinheiro aquela mercadoria ao mesmo tempo excluda e desejada pelo mundo da mercadoria comum.Nodinheiroaessencialidadesuprassensveledivinadariquezaplenae perfeita.Namercadoriaelaprecriaeimperfeita.Odinheiroomododeserplenoe perfeitodamercadoria.Porissooentemercadoriaamaedesejaoentedinheiroda mesmamaneiraqueocrenteamaedesejaoImoladodeDeus.Odinheirooser imoladodomercado.aquelecorpoqueporseucartermoralsagradoeperfeitofora excludo da comunidade dos homens e entregue para viver como um deus junto ao Deus, mas, que, contraditoriamente e ao mesmo tempo, desejado e venerado por esta mesma comunidade que o expulsou.Nestafugaeexclusodomundo,odinheirotorna-se,ento,apura indiferena e o nada suprassensvel da riqueza diante do ente sensvel mercadoria. Nesta fuga,odinheiroapareceverdadeiramentecomoaencarnaoindividualdotrabalho social(individuelleInkarnationdergesellschaftlichenArbeit),comoexistnciaautnoma dovalordetroca(selbstndigesDaseindesTauschwerts),comoamercadoriaabsoluta [absolute Ware]9, como a existncia absoluta do valor-de-troca [als absolutes Dasein des Tauschwerts]comoamercadoriageral[oderallgemeineWare]10,comoamercadoria absolutamente alienvel [ist Geld die absolut veruerliche Ware]11. Nodinheiro,namercadoriamonetriaouro,asupraessencialidadedoente plenoeperfeitodariquezaimediatamenteidnticaeadequadasuaexistncia.No enteouro,osensveleosuprassensvelseencontramesereconciliamentresi.Na mercadoriacomum,aocontrrio,persisteainadequaoediferenaentresere existncia. A mercadoria potncia para ser dinheiro. O dinheiro, porm, atualidade do ato. O ente dinheiro a infinita abundncia da riqueza. O ente mercadoria, ao contrrio,

9 O Capital - Volume 1, p. 115. MEW 23, p. 152.10 O Capital - Volume 1, p. 114. MEW 23, p. 150. 11 O Capital - Volume 1, p. 96/97. MEW 23, p. 124. a abundncia finita da riqueza e s parcialmente dinheiro, pois dinheiro somente em potncia.Umavezconsumidapelousohumanoeladesaparecedomundo.Paraser dinheiro e ser eternamente ela precisa, por isso, ser trocada e transubstanciada.Oentedinheiro,porseroentetranscendentedomercado,porseroente excludodo mundodamercadoria,porser atoplenoque transborda o mundoimperfeito da potncia, jamais desaparece do mundo, jamais se acaba e se consome neste mundo. Ele dinheiro e, por isso, riqueza plenamente abundante e infinitamente eterna. Os entes dariqueza finitadesejam,porisso, participardestainfinita abundnciadeserprpriaao entedinheiro,traficandocomele,metamorfoseando-senelee,assim,comelese adequandoeseidentificando.Nestaexclusodouniversodoentesensvelmercadoria, nestafugaetranscendnciadomundo,nestetransbordamentoimanente supraessencialidadedodinheiro,oentedinheirotorna-seoenteplenoeperfeitodo mercado mundial.Nomundoalmdomercadomundialoentedinheiroencontra,ento,seu prpriomundoeneleaceitocomocidadocompleto,plenoeperfeito.Nestemundo nada mais lhe faltar e nada mais lhe ser adicionado. Ele atinge a perfeio da perfeio e torna-se, deste modo, metafisicamente, ato pleno, ato sem potncia, atualidade perfeita ecompleta.Amoedanacional,osignonacionaleestataldovalor,representao movimento imperfeito e o ato incompleto do dinheiro. Nodinheiro mundial, porm, o ente ouro representa a ao completa e perfeita do ente dinheiro. O dinheiro mundial, por isso, a atualidade plenamente consumada do ente monetrio. Com ele, a histria do dinheiro atinge seu termo final. O dinheiro mundial, por isso, representa o fim ltimo e verdadeiro do ente mercadoria. Para o mundo capitalista riqueza dinheiro e dinheiro propriamente dito a peametlicaouro.Asoutrascoisassodinheirodemaneiraimprpria,inadequadae imperfeita. De todas estas coisas a mais inadequada e imperfeita o ente mercadoria, aqueleentesensvelquepossuivalordeusoimediatoparaoentehumano.Apea metlica ouro dinheiro e riqueza propriamente ditos porque o nico ente que circula e aceito como tal em todas as partes do mundo. A moeda de cunho forado dinheiro de maneiraimperfeitaporquescirculaesaceitadentrodosmarcosnacionais.A mercadoria comum, ainda que circule livremente pelo mundo como o ente ouro, riqueza de maneira imprpria e inadequada porque no pode ser guardada e acumulada, porque se destina ao uso e satisfao de uma necessidade humana.Deste modo, assim como nos domnios da metafsica a entidade de um ente sedefineapartirdesuarelaocomoabstratoeosuprassensvel,sendomaisentee maissubstnciaoenteproporcionalmentemaisprximodosuprassensvelemais distantedosensvel,tambmnosdomniosdariquezaascoisasseromaisoumenos riqueza na mesma medida em que sero mais ou menos dinheiro. A supraessencialidade dodinheiro,porisso,definireservirdemedidamodelarparadefiniremedira essencialidade de todos os outros entes da realidade. Como a negao de tudo o que determinado e de tudo o que existe numa formatilenatural,odinheirotransforma,assim,seupossuidor, emhomemuniversale abstrato, em cidado do mundo, naquele que est em possesso do que est privado de individualidade[BesitzdesIndividualittslosen]12.Aposseeovnculocomestacoisa quenoestconectadademodoalgumcomsuaindividualidade[dieseBeziehungzu einer gar nicht mit seiner Individualitt zusammenhngenden Sache], confere, ao mesmo tempo,aoindivduo,odomnioabsolutosobreasociedade[dieallgemeineHerrschaft ber die Gesellschaft]13.O poder do dinheiro oferece, ainda, ao indivduo, um poder geral sobre todo omundodosgozoseprazeres[WeltderGensse]14.Opoderuniversaldodinheiro permite, deste modo, ao indivduo, viver uma vida inteiramente desregrada e desmedida, experimentandotodososprazeresegozospossveis,permiteaeleviverumavidasem finalidade e dedicada exclusivamente ao cio e ao hedonismo sem limites.Deste modo, assim como deus na religio crist fonte ilimitada de virtudes eabundnciainfinitadeamor,assimtambmodinheironareligiodomercadofonte ilimitadadepecadoseabundnciainfinitadeprazer.Odinheiro,porisso,odeusda religiodoprazer.Eletambmodeusdareligiodaavareza.Enquantoohedonista desejaseapoderardasforasinfinitasdodinheiroparagast-lasoavarentodeseja

12 Grundrisse I, p. 157. MEW 42, p. 148. 13 Grundrisse I, p. 156. MEW 42, p. 149. 14 Grundrisse I, p. 156. MEW 42, p. 149. apoderar-sedestasforasparaguarda-las,empilh-laseadmir-las.Ambosvivem,em comum, uma vida dedicada arte do dinheiro. Comosurgimentodariquezaemsuaformauniversal,surgem,assim,a avareza,[Geiz],asedeabstrataporriqueza[abstrakteGenusucht],aambiopor dinheiro [Geldgier], a ganncia [Habsucht], a cobia por riqueza [Bereicherungssucht] e a sededeprazeresemsuaformageral[GenusuchtinihrerallgemeinenForm].O hedonismo e o nihilismo da filosofia e da literatura modernas tm, por isso, segundo Marx, noapenasseuobjeto[Gegenstand],mas,sobretudo,suafonte[Quelle]numacoisa humana chamada dinheiro e, de modo algum, na natureza e nas paixes humanas.Como diz Marx, o dinheiro no apenas o objeto, mas, ao mesmo tempo, a fontedasededeenriquecimento[DasGeldistalsonichtnurderGegenstand,sondern zugleich die Quelle der Bereicherungssucht]15. Esta vontade de nada do mundo moderno seresume,nofundo,aumavontadepordinheiro,aumavontadeportodasascoisas indeterminadamente, pois o dinheiro o ser-nada do mundo, o nada indeterminado da riquezahumana,onadadariquezaquenoumalgo,dariquezaquenonada determinado, da riqueza que riqueza simplesmente. O tema do fetiche em Marx, por isso, como pretendamos mostrar, deve ser compreendidoapartirdaticadacrticadaMetafsicacomodisciplinafilosficaeda religio crist como forma final e acabada desta disciplina.

15 Grundrisse I, p. 157. MEW 42, p. 149.