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Cibercultura / Semântica Cognitiva / Chans
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METÁFORAS DO COTIDIANO DE CIBERCULTURAS ANGLÓFONAS EM
TEXTOS MULTIMODAIS DE IMAGEBOARDS BRASILEIRAS
Samuel Araujo de Oliveira Alves1
Orientadora: A. Ariadne Domingues Almeida
Resumo: Este texto tem por objetivo apresentar resultados de um estudo preliminar
sobre metáforas de uso cotidiano em ciberculturas anglófonas dentro de imageboards
brasileiras em textos multimodais com elementos verbais em português através de uma
abordagem da Semântica Cognitiva. O corpus é constituído por textos multimodais de
produção verbal espontânea encontrados em chans brasileiros. A proceder à análise
recorreu-se à Teoria da Metáfora Conceptual, proposta Lakoff e Johnson (1980, 1999),
à Teoria da Mesclagem Conceptual, proposta por Fauconnier e Turner (2002), a estudos
de metáfora e cultura (KÖVECSES) e de textos multimodais propostos por Forceville e
Urios-Aparisi (2009). Os resultados apontam que a interação com ciberculturas
anglôfonas introduz não somente itens léxicos no português, mas também novas
metáforas complexas.
Palavras-chave: metáfora conceptual, mesclagem conceptual, cibercultura.
PARA INICIAR A DISCUSSÃO
O seguinte trabalho encontra-se dividido em três partes, a primeira corresponde
à fundamentação teórica. A segunda contém breve discussão sobre o corpus selecionado
e análises decorrentes das abordagens selecionadas dentre as brevemente apresentadas
na primeira secção. Na última parte, se tecerão as considerações finais.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Sob perspectiva cognitivista de Lakoff e Johnson (1980), a metáfora, analisada
através da Teoria da Metáfora Conceptual (doravante TMC), não se restringe à simples
figura de linguagem como postulam os retóricos tradicionais, pois está presente em
nosso cotidiano como elemento fundamental do próprio sistema conceptual humano.
Entendendo-se que, ao lançar mão de expressões como “ele perdeu a discussão”, utiliza-
se a metáfora estruturada conceptualmente em DISCUSSÃO É GUERRA, que estrutura
o domínio alvo “discussão” (mais abstrato) em função do domínio fonte “guerra”
1Bacharelando em Língua Inglesa pela UFBa. [email protected].
(supostamente concreto). Pode-se afirmar que metáfora conceptual é manifestação da
forma que o mundo é compreendido pela mente humana, mais especificamente
conceptualizado. Mesmo assim, há de se fazer ressalvas quanto à consistência da
metáfora conceptual tanto por sua natureza predominantemente inconsciente quanto
pelo aspecto conceptivo da percepção que, em metáforas, revela, porém suprime
aspectos dos fenômenos experienciados, assim:
The very systematicity that allows us to comprehend one aspect of a
concept in terms of another (e.g., comprehending an aspect of arguing
in terms of battle) will necessarily hide other aspects of the concept. In
allowing us to focus on one aspect of a concept (e.g., the battling
aspects of arguing), a metaphorical concept can keep us from focusing
on other aspects of the concept that are inconsistent with that metaphor.
For example, in the midst of a heated argument, when we are intent on
attacking our opponent's position and defending our own, we may lose
sight of the cooperative aspects of arguing. (LAKOFF; JOHNSON,
1980, p.10).
É com a aplicação da TMC que, em Philosophy in The Flesh (1999), Lakoff e
Johnson analisam metáforas conceptuais presentes em distintos sistemas filosóficos
ocidentais, demonstrando como diversas escolas filosóficas que até negam a existência
de metáforas, em suas produções, defendendo a possibilidade de uma literalidade
absoluta, são inerentemente influenciadas e estruturadas por metáforas, já que, nas
palavras de Lakoff e Johnson (1999, p. 3), os três principais achados das ciências
cognitivas são que “The mind is inherently embodied. Thought is mostly unconscious.
Abstract concepts are largely metaphorical.”. Dentre pletora de contribuições para as
investigações sobre metáforas, pode-se afirmar que os estudos desenvolvidos sobre
metáforas primárias e variações na cultura de metáforas complexas apresentados por
Kövecses, em Metaphor in Culture (2005), são de especial relevância para este trabalho,
já que o mesmo distingue as primeiras, mais diretamente ligadas às experiências
corpóreas universais (GRADY, 1997), das segundas que, encontrando-se sob maior
influência da cultura, apresentam grande variação, embora ainda conceptualizadas pela
mente corporificada. Tais achados certamente ampliam o escopo de estudos para
metáforas que não têm o corpo como domínio fonte evidente e, portando, não são – em
sua maioria – universais, como apontado por Kövecses:
Thinking (by means of affection is warmth) and talking (e.g., “We have a warm relationship”) of affection in terms of warmth arise naturally
from our embodied experience. Probably no one would be surprised to
hear that affection is universally conceptualized as warmth, rather than coldness. To learn such “primary” metaphors is not a choice for us: It
happens unconsciously and automatically. Because this is a universal
bodily experience, the metaphor corresponding to it may well be
universal. In other words, universal primary experiences produce universal primary metaphors. And yet, when we look at metaphors in
the world’s languages, we have the distinct impression that there is a
large number of nonuniversal metaphors as well, and that they may be just as numerous as the universal ones, if not more so. In other words,
variation in metaphor appears to be just as important and common as
universality (as pointed out, for example, by Kienpointner, n.d.).
(KÖVECSES, 2005, p. 22).
Além, dentre outros tópicos abordados em Philosophy in The Flesh (1999), há
de se mencionar a refutação de tautologia em Metaphors We Live By (1980) através de
um estreitamento das relações entre Linguística Cognitiva, achados das neurociências e
da experimentação psicológica. Assim restabelecendo sólidas bases no princípio do
desenvolvimento de uma ciência empiricamente responsável.
Em complementaridade, pode-se apontar que, após quase vinte anos da
publicação de Metaphors We Live By (1980), Lakoff e Johnson (1999) arrolam entre os
resultados fundamentais das investigações da Semântica Cognitiva a percepção de que
os conceitos nascem e são compreendidos através de corpo e cérebro pela mente
corporificada, principalmente, através das funções motoras e sensoriais e que
conceptualizações movimentam aspectos mentais criativos cruciais para o pensamento,
como frames, metáfora, metonímia, protótipos, espaços mentais e mesclagem
conceptual. Essas breves considerações abrem espaço para a próxima teoria a ser
abordada e utilizada neste trabalho.
Em Mental Spaces – Aspects of Meaning Construction in Natural Language
(1985), Fauconnier desenvolve contribuição de considerável influência para as ciências
cognitivas, com a Teoria dos Espaços Mentais, que tem escopo, posteriormente,
alargado com a Teoria da Mesclagem Conceptual (blending), desenvolvida por
Fauconnier e Turner e já apresentada em Conceptual Projection and Middle Spaces
(1994). Como dispõem Falconnier e Turner (2002) sobre os propósitos desses processos
cognitivos:
We do not establish mental spaces, connections between them, and
blended spaces for no reason. We do this because it gives us global
insight, human-scale understanding, and new meaning. It makes us both
efficient and creative. One of the most important aspects of our
efficiency, insight, and creativity is the compression achieved through
blending. (FAUCONNIER; TURNER, 2002, p. 92).
Um dos estudos fundamentais para a compreensão desses processos envolve a
categorização baseada em uma teoria de protótipos que, nas palavras de Lakoff (1993)
em Women, Fire and Dangerous Things (1993), tem relevância intrínseca, pois:
The approach to prototype theory that we will be presenting here
suggests that human categorization is essentially a matter of both
human experience and imagination–of perception, motor activity, and
culture on the one hand, and of metaphor, metonymy, and mental
imagery on the other. As a consequence, human reason crucially
depends on the same factors, and therefore cannot be characterized
merely in terms of the manipulation of abstract symbols. Of course,
certain aspects of human reason can be isolated artificially and modeled
by abstract symbolmanipulation, just as some part of human
categorization does fit the classical theory. But we are interested not
merely in some artificially isolatable subpart of the human capacity to
categorize and reason, but in the full range of that capacity. As we shall
see, those aspects of categorization that do fit the classical theory are
special cases of a general theory of cognitive models, one that permits
us to characterize the experiential and imaginative aspects of reason as
well. (LAKOFF, 1993, p. 8, 9).
A Teoria da Mesclagem Conceptual opera com projeções e mappings
(correspondências), que permitem construir novos espaços mentais na mesclagem, que é
largamente inconsciente e cria espaços de novos significados.
Assim temos, sucintamente: espaços mentais que correspondem a pacotes
conceptuais de construção online. Espaços de input, que podem substituir domínio-fonte
e domínio-alvo e são estruturas parciais. Espaços genéricos, que são espaços onde é
mapeado o que há de comum em cada input. O espaço mental do blend, onde reside o
novo espaço mental. E por fim a estrutura emergente, onde o blend é finalmente
integrado.
Ressalta-se, não obstante, que trabalho crucial para o desenvolvimento deste é
Multimodal Metaphor (Applications of Cognitive Linguistics) de Forceville e Urios-
Aparisi (2009), que fornece suporte para estudo de elementos imagéticos e verbais no
texto multimodal.
O seguinte gráfico, retirado da comunicação Conceptual Blenging, Form and
Meaning (FAUCONNIER; TURNER, 2003), ilustra e servirá de modelo para as
análises aqui presentes.
2. METÁFORAS CONCEPTUAIS E MESCLAGENS CONCEPTUAIS EM TEXTOS
MULTIMODAIS NOS CHANS BRASILEIROS
Os chans – ou imageboards – podem ser parcialmente definidos como fóruns de
discussão que permitem publicação anônima de imagens e textos sob enforced
anonymity (ORAVEC, 1996), em boards seccionadas em pletora de temas – política,
videogames, pornografia, drogas, literatura entre outros – que, desde a fundação em
2003 do 4chan, versão estadunidense do japonês 2chan, indo de encontro ao princípio
da vedação ao anonimato da Constituição do Brasil e de leis análogas em diversos
outros países, tem constituído uma das ciberculturas (LEVY, 1997) mais prolíficas na
criação de memes da Internet. Com versões em dezenas de línguas, que trazem consigo
empréstimos e calques do inglês, essas imageboards caracterizam-se pela presença de
abundantes processos de construções metafóricas multimodais (FORCEVILLE, 2009),
em sua maioria complexas (KÖVECSES, 2005) e em dada frequência inadimplentes
para com a percepção de um mundo de verdades instituídas por metáforas canonizadas
(NIETZSCHE, 1873). Em plena vanguarda da liquidez pós-moderna (BAUMAN,
2000), imagens de profundidades iconográficas e iconológicas (PANOFSKY, 1939) e
crípticos neologismos, são produzidos, contra a vontade expressa dessas comunidades,
difundidos – com frequência emergindo à superfície através das redes sociais – e, por
desuso, em célere obsolescência tacitamente programada, dados ao fugaz esquecimento.
Em geral os usuários de chans apresentam-se em complexidade, inteiros, como
dificilmente seria possível em uma rede social em cujo nome e imagem são mandatórios
para que se estabeleçam credibilidade e confiabilidade. No chan, o anônimo – ou anão
como é sarcasticamente traduzido o termo anon para o português – o indivíduo, muitas
vezes, se apresenta com explosividade, em todas suas multiplicidades, uma vez em parte
desfeitas as amarras de representação social. Nos chans, toda ordem estabelecida pelo
nome e foto do perfil da rede social é suprimida. Um indivíduo, identificado somente
por um número de postagem, pode discutir consigo mesmo, assumir quantas identidades
quiser, ser um homem de vinte anos e se comportar como uma linda jovem de quinze,
sofrer privações e se arrogar de riquezas, ser preterido na vida amorosa por compleição
esteticamente pouco agradável à norma vigente e, no chan, criar uma thread – ou fio
nos chans brasileiros – para humilhar a todos com a sua exemplar beleza. É
integralmente válida a citação de Hadj Garm’ Oren feita por Morin (2000) quanto à
condição humana:
todo indivíduo, mesmo o mais restrito à mais banal das vidas, constitui,
em si mesmo, um cosmo. Traz em si suas multiplicidades internas, suas
personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos,
uma poliexistência no real e no imaginário, o sono e a vigília, a
obediência e a transgressão, o ostensivo e o secreto, pululâncias
larvares em suas cavernas e grutas insondáveis. Cada um contém em si
galáxias de sonhos e de fantasias, de ímpetos insatisfeitos de desejos e
de amores, abismos de infelicidade, vastidões de fria indiferença,
ardores de astro em chamas, ímpetos de ódio, débeis anomalias,
relâmpagos de lucidez, tempestades furiosas... (MORIN, 2000, p. 43).
O chan é o lugar onde o indivíduo não tem responsabilidades para com o mundo
lá fora, onde nem mesmo seu próprio discurso precisa ser responsável, pois, em vinte ou
trinta minutos, tudo que o mesmo escreveu será apagado, só restando as imagens e os
textos que outro anônimo possa ter salvado em seu computador, isso sem nunca ter
tomado notícia que quem os produziu. É um ambiente por excelência contemporâneo,
desolador, mas onde todos se riem de suas desgraças, líquido como define Bauman,
onde o resto do mundo pode se desfazer em pedaços, desde de que o “anão” possa ainda
acessar o chan e se divertir enquanto a cictícia ilusão de nenhuma responsabilidade o
demanda. Daí o imaginário nos chan de uma elite a Internet e o desprezo até pelos
outros diversos sítios virtuais, redes sociais, que não são suas casas – já que o chan é
frequentemente conceptualizado como uma casa. Com o que é posto pelo próprio
Bauman (2007) ao tratar das elites urbanas isoladas fisicamente em seus condomínios
pode-se refletir sobre esses anônimos que se isolam com suas ilusões de grandeza em
seus ambientes puramente virtuais:
As pessoas da "camada superior" não pertencem ao lugar que habitam,
pois suas preocupações estão (ou melhor, flutuam e navegam à deriva)
em outro lugar. Pode-se imaginar que, além de ficarem sozinhas, e
portanto livres para se dedicarem totalmente a seus passatempos, e
terem os serviços indispensáveis a seu conforto diário assegurados
(como quer que seja definido), elas não têm outros interesses investidos
na cidade em que se localizam suas residências. A população da cidade
não é sua área de pastagem, a fonte de sua riqueza e, portanto, também
uma ala sob sua guarda, cuidado e responsabilidade, como costumava
ser para as elites urbanas de outrora, os donos de fábricas ou os
mercadores de bens de consumo e de idéias. Em conjunto, as atuais
elites urbanas são despreocupadas em relação aos assuntos de "sua"
cidade, que vem a ser apenas uma localidade entre outras, todas elas
sendo pequenas e insignificantes do ponto de vista do ciberespaço – seu
lar verdadeiro, ainda que virtual. Pelo menos não precisam preocupar-
se, e aparentemente nada os pode obrigar a se preocuparem, se
resolverem não fazê-lo. (BAUMAN, 2007, p. 80, 81).
Por questões metodológicas e para cumprir a proposta deste texto, manter-se-á
uma perspectiva holística no âmbito das análises que abaixo seguem, embora focadas
nas teorias de metáfora e mesclagem conceptual aplicadas a textos multimodais
encontrados em chans brasileiros que apresentam em português metáforas recorrentes
em sites e chans anglófonos, mas que são escassas ou inexistentes em sites em
lusófonos. Também, em esquemas de mesclagem conceptual, os inputs serão limitados
a dois, embora redes muito mais complexas possam ser elaboradas a partir dessa teoria.
Para constituição do corpus deste breve estudo foram analisadas quarenta
threads, que envolveram mais de quinhentas postagens. Para a análise optou-se por
recorte que levou em conta predominantemente frequência de ocorrências para a análise
o texto multimodal 1, frequência e extensão para 2 e aspectos criativos e frequência para
3. Esses textos foram retirados, respectivamente, das boads /b/ – Random, para assuntos
considerados aleatórios, /comp/ – Computarias em geral, reservada para postagens
envolvendo informática e /high/ – Drogas, para discussões que envolvam drogas. Um
fator determinante para a escolha dos textos multimodais seguintes foi o uso corrente de
itens léxicos da língua inglesa e o uso cotidiano de grande parcela das metáforas anal-
isadas em chans anglôfonos.
(1)
O texto multimodal acima foi retirado recentemente de um chan brasileiro, nele,
apresenta-se imagem de um homem que sorri – correspondente ao elemento visual do
texto multimodal – e texto verbal que beira o ininteligível, ainda que se clarifique que
OP é Original Poster, o responsável pelo início do tópico que no caso possuía tom
jocoso, e que pica é uma tradução sarcástica para picture. Porém a expressão “MEUS
LADOS” encontra possível correspondente no inglês. Em verbete do Urban Dictionary,
encontra-se a seguinte descrição: “An exclamation of the pain one's sides are
experiencing as a result of laughing so hard.” Reelaborando tem-se: dor na região dos
flancos devido a ataque de risos. Conforme a Teoria da Metáfora Conceptual, pode-se
postular a metáfora conceptual RISO É VEÍCULO, que transportaria as contrações
musculares do rosto para os flancos que por sua vez seriam conceptualizadas através
da dor, o que não cria exatamente um movimento do mais concreto para o mais
abstrato, pois como disposto por Forceville (2009):
[...] we should not forget that a metaphor can also conceptualize the
concrete in terms of the concrete. Lakoff and Turner, to be fair, are
aware of this. They discuss at some length the Elizabethan notion of the
“Great Chain of Being” (see e.g., Tillyard 1976 [1943]), which
endorsed the idea of “natural” hierarchies within various types of
creatures – angels, humans, birds, mammals, etc. – and state that “the
GREAT CHAIN METAPHOR can apply to a target domain at the
same level on the Great Chain as the source domain” (Lakoff and
Turner 1989: 179, emphasis in original). Put differently, metaphors
may have targets as well as sources that are directly accessible to the senses. (FORCEVILLE & URIOS-APARISI, 2009, p. 42).
Pode-se observar que a TMC, como encontrado em Lakoff e Johnson (1980), é
unidirecional e não permite inversão de domínio-fonte e domínio-alvo.
Em esquema proposto em Conceptual Blenging, Form and Meaning
(FAUCONNIER; TURNER, 2003), temos mais algumas relações:
Contrações
musculares
Rir – prazer
buscado
Dor nos flancos
– normalmente
evitada
Prazer mesmo que
acompanhado de dor ainda é
desejado
(2)
Já neste texto multimodal, tem-se postagem comum em chans anglófonos, onde
os locais de uso do computador são battlestations. Tais postagens são geralmente
acompanhadas de fotos de quartos diversos, dos mais luxuosos e organizados até os que
podem ser considerados inabitáveis por apresentarem duvidoso estado de conservação.
E assim como variam as características dos quartos também são várias as dos
equipamentos de informática, que podem ser dos mais avançados e caros até os mais
obsoletos. No texto verbal pode-se observar que a resposta “Joguem ratos”, que advém
de “rateiem” e que, por sua vez, vem do inglês “to rate” – avaliar. Esse elemento verbal,
também, traz consigo conceptualizações, pois o anônimo 2 – se for estabelecido o OP
como anônimo 1 – solicita avaliação que será dada em forma de opinião que, como é de
praxe nos chans, é pouco valorizada por motivos vários, ratificando a profícua metáfora
SER HUMANO É ANIMAL, sendo que os avaliadores seriam conceptualizados como os
próprios ratos, animais que, em geral, integram o conhecimento enciclopédico de
mundo ocidental como algo de pouco valor e até evitado. O próprio “atirar” pode
corresponder ao ato postar, que é coerente com metáforas correntes como “lançar na
rede”. Por outro lado, pode-se observar outra metáfora complexa na postagem do
anônimo 1, que pode ser estruturada pela metáfora conceptual INTERNET É GUERRA,
que se justificaria pelo hábito de se entabular longas discussões nos chans, o que então
remeteria a metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA com mesclagem dos inputs
QUARTO É CAMPO DE BATALHA e ainda QUARTO É ESTAÇÃO.
Por esquema Teoria a Mesclagem Conceptual. Pode-se observar outras relações:
Cômodo de
casa onde se
discute
Computador é
máquina
através da qual
se discute
Campo de
guerra
Máquina que
é utilizada
para a guerra
Máquinas operadas
pelo homem
Cômodo de casa é campo de guerra
Computador é arma de guerra
(3)
Nesse texto, pode-se notar uma inversão, caso se defina o domínio-fonte como
mais concreto, pois o usuário conceptualiza os viciados que vê ao longo da rua como
personagens de um MMORPG. A tradução da imagem para a linguagem verbal, que
sempre será somente uma aproximação, como se encontra em Forceville (2009), dá a
ideia de que o usuário de drogas pode, sob influência, ter tentativos raciocínios geniais,
sendo que a imagem traz uma montagem na qual Carl Sagan, renomado astrobiólogo,
astrônomo, astrofísico, cosmólogo e escritor norte-americano, conhecido por seus
documentários e por assumir-se publicamente usuário de maconha, exortaria, à frente de
um fundo que evoca estrelas no espaço em alusão ao seu famigerado aforismo e vestido
como o próprio papa, para que se fume maconha diariamente. Com o foco deslocado
para o texto verbal, pode-se inferir a metáfora conceptual (N)PC DE MMORPG É
ADICTO EM CRACK, o que seria curioso, pois fica claro que experiências “reais”
estão sendo estruturadas por experiências “virtuais”. No emprego do neologismo
“crackudo”, pode-se identificar um esquema de CONTAINER e ainda é plausível a
inferência das conceptualizações SER HUMANO É MÁQUINA, quando o texto verbal
trata da rotina dos adictos em crack, ROUBAR É TRABALHAR, quando o anônimo
trata do fruto do saque – loot – e da quest, que traz conceptualização do roubo como
aventura de caça, assim remetendo a metáfora conceptual SER HUMANO É ANIMAL,
que se encontra em metáforas canonizadas como homo homini lupus, instaurada a partir
do Leviatã de Hobbes. O próprio ato de se drogar pode vir a ser conceptualizado como
uma expansão perceptiva quando o anônimo diz “realizo”, fazendo uso de anglicismo
provavelmente advindo do verbo “to realize” que remete à metáfora conceptual VER É
COMPREENDER.
Em esquema da Teoria a Mesclagem Conceptual, podemos observar as
seguintes relações:
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem de Semântica Cognitiva, através da Teoria da Metáfora
Conceptual e da Teoria da Mesclagem Conceptual, pôde demonstrar que há de se
considerar a hipótese de que a acentuada interação com a língua inglesa em ambientes
virtuais, mais especificamente Internet, não só introduz novidades na língua através de
itens lexicais, mas trás mudanças na própria cultura e pensamento através de novas
metáforas no português, embora essas possam não necessariamente introduzir novas
conceptualizações. Neste estudo, a opção por espaços virtuais mais permissíveis para a
mudança linguística retornou resultados profícuos. Em estudos posteriores e de maior
Aparência humana
Comportamento
autômato
Videogames
Quest
Loot
(N)PCS
Compreender
Ruas
Vagar
Roubo
Adictos em
crack
Ver
Adictos têm objetivos de
sobrevivência, porém funções
limitadas como a de roubar, que
pode ser trabalho
extensão, poder-se-á adentrar a seara das redes sociais, onde as influências culturais
anglófonas em novas metáforas podem vir a ser consideravelmente mais sutis.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Z. (2007). Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Zahar.
FAUCONNIER, G. (1997). Mappings in Thought and Language. Cambridge:
Cambridge University Press.
FAUCONNIER, G. (2003). Mental Spaces – Aspects of Meaning Construction in
Natural Language. Cambridge University Press.
FAUCONNIER, G.; TURNER, M. (2003). Conceptual Blenging, Form and Meaning.
In Recherches en communication, n° 19.
FAUCONNIER, G.; TURNER, M. (2002). The Way We Think. New York: Basic
Books.
FORCEVILLE, C. J.; URIOS-APARISI, E. (2009). Multimodal Metaphor. Berlin:
Deutsche Nationalbibliothek.
GRADY, J. (1997). Foundations of Meaning: Primary Metaphors and Primary Scenes.
Tese de Doutorado. University of California, Berkeley.
KÖVECSES, Z. (2005). Metaphor in Culture – Universality and Variation. New York:
Cambridge University Press.
LAKOFF, G. (1993). Women, Fire and Dangerous Things. Chicago: University of
Chicago Press.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. (1980). Metaphors We Live By. Chicago: University of
Chicago Press.
LAKOFF, G.; Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh. New York: Basic Books.
LEVY, P. Cibercultura (2000). Rio de Janeiro: Editora 34.
MORIN, E. (2000). A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o
Pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.