196

Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

  • Upload
    ccaa123

  • View
    61

  • Download
    1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro de Friedrich Muller

Citation preview

Page 1: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 2: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Friedrich Müller

MÉTODOS DE TRABALHO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

3a edição revista e ampliada

Tradução: Peter Naumann

R€NOVflR Rio de Janeiro • Sõo Paulo • Recife

2005

BPDEA

a Preucto do* OrcMo*

R c s p e i t c o Au t or Na o F a ç a C ó p ia

Page 3: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Todos os direitos reservados à LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA.MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJCEP: 20011-901 - Tel.: (21) 2531-2205 - Fax: (21) 2531-2135FILIAL RJ: Tels.: (21) 2589-1863 / 2580-8596 / 3860-6199 - Fax: (21) 2589-1962FILIAL SP: Tel.: (11) 3104-9951 - Fax: (11) 3105-0359FILIAL PE: Tel.: (81) 3223-4988 - Fax: (81) 3223-1176

LIVRARIA CENTRO (RJ): Tels.: (21) 2531-1316 / 2531-1338 - Fax: (21) 2531-1873 LIVRARIA IPANEMA (RJ): Tel: (21) 2287-4080 - Fax: (21) 2287-4888

[email protected]: 0800-221863

© 2005 by Livraria Editora Renovar Ltda.

Conselho Editorial:

Arnaldo Lopes Siissekind — Presidente Carlos Alberto Menezes Direito Caio TácitoLuiz Emygdio F. da Rosa Jr.Celso de Albuquerque Mello (in memoriam)Ricardo Pereira Lira Ricardo Lobo Torres Vicente de Paulo Barretto

Revisão Tipográfica: Maria Cristina Lopes

Capa: Duplo Design

Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda.

JMa 0706CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Miiller, FriedrichM352m Métodos de trabalho no direito constitucional — 3* ed. rev. e ampliada

/ Friedrich Müller — Rio de Janeiro: Renovar, 2005.220 p. ; 21 cm

Inclui bibliografiaISBN 85-7147-504-0

1. Direito constitucional - Brasil. - 1. Título.

CDD 345.81

Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) Impresso no Brasil Printed in Brazil

Page 4: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Para os juristas Eros Roberto Grau e

Menelick de Carvalho Netto

Page 5: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 6: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

APRESENTAÇÃO

Dos juristas alemães contemporâneos é o Prof. Frie- drich Müller de Heidelberg inquestionavelmente um dos mais fecundos e originais, pela contribuição que tem ofere­cido na esfera teórica à renovação da Ciência do Direito.

Suas investigações críticas abrangem todo o campo filo­sófico do Direito, mas recaem com mais intensidade no domínio dà"Metodologia, da Teoria do Direito e da Consti­tuição. Não é Müller um expositor, mas um pensador. Per­tence ao quadro dos juristas alemães de nosso tempo que intentam fundamentar uma teoria material do Direito, afastando-se assim por inteiro das correntes formalistas, nomeadamente do normativismo kelseniano. Todos os ju­ristas dessa teoria partem de conclusões acerca da insufi­ciência do positivismo no que tange a uma fundamentação do Direito em sintonia com os conteúdos normativos. Sen­te-se neles a necessidade de fugir à alternativa de um dissí­dio com mais de dois mil anos na reflexão filosófica: direito natural ou positivismo.

Durante as décadas de 40 e 50 pelo menos na Alema­nha, onde a Filosofia do Direito sempre travou as suas batalhas mais renhidas, houve uma ressurreição jusnatura- lista, decorrente do pessimismo que invadira o ânimo de juristas perplexos com a tragédia da Segunda Grande

Page 7: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Guerra Mundial, movidos a uma reconsideração dos valo­res pertinentes à ordem jurídica legítima.

Entre os que prestigiavam a nova atitude, figurava o nome exponencial de Gustav Radbruch, cuja cátedra posi­tivista se converteu ao direito natural. Mas a restauração jusnaturalista foi um relâmpago, não uma lâmpada. Logo se apagou aquela claridade súbita. Não sendo possível o retor­no ao positivismo, a década de 50 viu abrir-se nova crise no pensamento filosófico do Direito, de maneira que as difi­culdades só foram removidas a partir da publicação de Tó­pica e Jurisprudência de Theodor Viehweg. Representa essa monografia uma abertura de rumos e horizontes para a Ciência do Direito.

Com efeito, a “tópica” ou “nova retórica” inaugura um noyo caminho para o conhecimento do Direito pelas vias argumentativas. A palavra de ordem era pensar e repensar o “problema”, vinculando, como nunca talvez se tenha fei­to, as soluções normativas à praxis e à realidade.

Com a “tópica” a teoria material do Direito e da Cons­tituição recebeu base incomparavelmente mais sólida para acometer as posições já enfraquecidas do formalismo posi­tivista. O recuo normativista para o campo da Lógica facili­tou em parte essa tarefa. Mas a tópica, sem o impulso e a direção que lhe imprimiram alguns juristas da Alemanha, não teria feito a teoria material do Direito e da Constitui­ção progredir além do que já estava implícito em formula­ções precursoras contidas na obra filosófica de Smend e Schmitt, obras carentes porém de precisão metodológica com que concretizar uma nova fundamentação do Direito.

Sobre os alicerces da tópica buscou-se reconstituir o edifício filosófico do Direito. Um dos arquitetos dessa re­construção, que apresentou o projeto mais brilhante e en­genhoso, na obra Teoria Estruturante do Direito, é Frie-

Page 8: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

drich Müller, professor emérito da Universidade de Hei- delberg, de cuja Faculdade de Direito já foi decano.

A originalidade de sua contribuição consiste em estru­turar cientificamente a realidade jurídica, com abrangência tanto dos conteúdos da norma, como das propriedades for­mais do Direito, por via de uma interconexidade surpreen­dente, que leva em conta todos os aspectos relevantes eventualmente omitidos com a dissociação da forma e da substância. Tal dissociação sói acontecer com aquelas posi­ções teóricas onde a perda da perspectiva unitária acarreta danos a uma compreensão integrativa da norma jurídica.

A obra teórica de Friedrich Müller tem sido inegavel­mente um enorme esforço de reflexão unificadora, que prende de maneira indissociável a Dogmática, a Metódica e a teoria da norma jurídica, com amplitude e profundida­de jamais ousadas por qualquer outra teoria contemporâ­nea sobre os fundamentos do Direito.

A estrutüra material do Direito não é concebida por Müller unicamente em bases estáticas, mas segundo um modelo dinâmico de concretização. Nisso reside outro tra­ço de novidade do seu pensamento, que merece atenta análise de quantos se preocupam com os problemas capi­tais da Filosofia do Direito.

O pequeno e denso livro ora lançado pela Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em edição especial para homenagear os cinqüenta anos da Lei Fundamental alemã foi publicado originalmente em 1972 em uma enciclopédia, o que talvez explique o elevado grau de abstração e síntese. Após de­marcar o campo temático e proceder a um substancioso e ao mesmo tempo impressionantemente conciso inventário da práxis jurisprudencial do Tribunal Constitucional Fede­ral da Alemanha e da literatura, muito além das paráfrases que entulham boa parte de trabalhos científicos convencio­

Page 9: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

nais, Friedrich Müller aplica à Metódica do Direito Consti­tucional as descobertas inovadoras da obra seminal Estrutu­ra da norma e normatividade (1966), reformulada na mo­numental Teoria Estruturante do Direito (1984, 2a ed., 1994), bem como a primeira transferência dessas desco­bertas ao campo da Metódica na sua conhecida, sempre refundida e ampliada Metódica Jurídica (Ia edição: 1971; 7a ed., 1997), que mereceu recentemente uma primorosa tradução para o francês por parte de Olivier Jouanjan (Dis- cours de la méthode juridique. Paris, PUF, 1996).

Atestam a classicidade desse texto a sua reedição na Alemanha na obra coletiva O método jurídico no Direito Público (ed. H.-J. Koch. Frankfurt/Main, Ed. Suhrkamp, 1977, pp. 508 ss.) e a sua reedição integral na Espanha em edição bilíngüe com tradução, glossário comentado e intro­dução do Prof. Salvador Gómez de Arteche (Madri, 1999).

Em dura e inequívoca passagem do seu ensaio Justiça e justeza [Gerechtigkeit und Genauigkeit] de 1976, o pró­prio autor esclarece a relevância da Metódica: “A Ciência do Direito ou será racional e honesta em termos de Metó­dica, ou não será. Ela existirá, só que não enquanto ciência, mas, na sua parte dogmática, como estudos jurídicos [Rechtskunde] empenhados em coletar e inventariar, em desculpar a dominação, em aquietar objeções; e, na sua área de atuação juspolítica, como jornalismo de fim de se­mana com notas de rodapé, como publicação de meras opiniões e ciência jurídica das partes interessadas. Ciência do Direito somente tem chance de ser o que não se torna papel velho sob as penadas do legislador.”

Em momento, no qual a constituição vem sendo desres­peitada e deformada por um Executivo que se arroga ilegi­timamente competências legislativas, e o Estado de Direito se vê progressivamente minado pelo emprego abusivo do instrumento das Medidas Provisórias, sem que isso esbarre

Page 10: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

na necessária resistência do Legislativo, do Judiciário e da própria sociedade civil, a meritória iniciativa do editor da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul vem em boa hora. O presente texto poderá ser uma ferramenta poderosa para a comunidade jurídica brasileira e contribuir, no campo específico do Di­reito, para “tomar o Estado de Direito ao pé da letra e fazer da democracia mais do que uma mera palavra" (Friedrich Müller, no prefácio à 5a ed. da Metódica Jurídica, em 1993).

Fortaleza, 1999, no Dia de São Pedro e São Paulo

Paulo Bonavides

Page 11: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

* tw

Page 12: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

NOTA DO TRADUTOR

O presente trabalho, escrito em 1972 e concebido ori­ginalmente para uma enciclopédia, impressiona pela densi­dade, concisão e. pelo grau de abstração, inusitado mesmo na obra de Friedrich Müller. Em alguns momentos, a prosa discursiva recende à brevitas latina, mais especificamente de Tácito.

A guisa cfè introdução, permito-me citar dois parágrafos de uma nota explicativa redigida por ocasião da publicação de Quem é o povo? A questão fundamental da democracia de Friedrich Müller (São Paulo, Editora Max Limonad):

“Em quase vinte anos de atuação como intérprete de conferências, aprendi que o compromisso com a precisão e a fidelidade ao sentido, mais do que o compromisso com as palavras, deve ser complementado pela urbanidade e ele­gância, para que o ouvinte não tropece na forma e se ocupe diretamente com as idéias do autor. Traduções, bem como interpretações não devem soar como tais. O intérprete e o tradutor se tornam invisíveis no seu trabalho e fazem emer­gir o autor, como se a barreira lingüística não existisse.

A tradução de um texto jurídico de Friedrich Müller para uma língua românica, especialmente para a última flor do Lácio, envolve obstáculos dificilmente transponíveis. O autor faz largo uso das formulações altamente sintéticas da

Page 13: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

língua alemã. A necessidade de desdobrar e seqüenciar o seu estilo ora abstrato, ora aforístico, ora elíptico em nossa língua pouco afeita à hipotaxe conduz a períodos que à primeira vista assustam o leitor brasileiro.”

No interesse exclusivo da maior brevidade, i. é, para economizar uma oração subordinada e tornar a sintaxe mais transparente, optei pela reintrodução ou, mais precisamen­te, pelo uso sistemático do gerundivo latino. Na sua dupla função de nomen et verbum, o gerundivo latino sobrevive residualmente no português contemporâneo em formações como considerando, decidendo ou despiciendo. Anima-me a convicção de que esse recurso morfo-sintático, infelizmen­te em desuso, não atenta contra o gênio da nossa língua e merece ser ressuscitado.

Lamento não ter mais podido socorrer-me da erudição e sabedoria de Celso Pedro Luft, um dos maiores gramáti­cos da nossa língua no século que finda. Consultas feitas a vários juristas resultaram em respostas ora positivas, ora negativas, ora cautelosamente descompromissadas. Paulo Lopo Saraiva (Natal) aceitou de plano a reintrodução do gerundivo latino, Menelick de Carvalho Netto (Belo Hori­zonte) me desvaneceu com a afirmação de que esse recurso não é apenas correto, mas também bonito. Meu colega intérprete George Bernard Sperber (Campinas), também experiente tradutor, considerou a solução elegante. Guio- mar Therezinha Estrella Faria (Porto Alegre), que combina a tradição clássica, à qual também me filio, com o bom senso e a aversão à retórica bacharelesca de origem ibérica, infelizmente ainda predominante nas letras jurídicas, ci­tou-me de saída várias fórmulas nas quais ela também re­corre ao gerundivo.

Devo mencionar uma segunda inovação que igualmente se inscreve na tentativa de uma relatinização do português, possivelmente fecunda para o uso científico da língua. Re­

Page 14: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

firo-me à formação de palavras novas, não consignadas nos dicionários ou não consagradas pelo uso, mas nem por isso menos vernaculares. Utilizo, assim, metódica para traduziro termo alemão Methodik, comumente traduzido por ‘me­todologia’ (que deveria ficar reservado para designar o me- tapl^no, acima do plano do método: o do discurso sobre o método). Inconclusidade (Unabgeschlossenheit, qualidade do que é inconcluso) e futuridade [Zukünftigkeit, qualida­de do que é futuro) são exemplos de termos cunhados em analogia a realidade e muitos outros exemplos. Satisfactí­vel foi cunhado em analogia a factível, já aceito e dicionari- zado, circunscritível é formação paralela a descritível. Axio- matizabilidade é outro termo auto-explicativo que poderá soar estranho, mas não deverá suscitar controvérsias. Tais neologismos apenas repetem a experiência bem-sucedida dos filósofos escolásticos, que se viram obrigados a criar novos termqs latinos para designar categorias e figuras de pensamento da filosofia aristotélica.

A expressão im engeren Sinn foi traduzida pelo compa­rativo da expressão latina stricto sensu, strictiore sensu, pois a tradução portuguesa disponível, no sentido mais estrito, é ambígua e pode expressar tanto o comparativo quanto o superlativo.

Itiberê de Oliveira Rodrigues (Münster/RFA) e Marce­lo da Costa Pinto Neves (Fribourg/Suíça) preservaram-me de cometer erros de razoável alcance. Silvino Lopes Neto me fez um reparo. Lamento não ter podido contar com sua leitura crítica do texto integral.

Fica difícil, se não impossível estimar a minha dívida para com Luís Afonso Heck e Cláudia Lima Marques, que leram atentamente o texto, confrontaram-no com o origi­nal alemão e me fizeram numerosas observações críticas. Sem a sua ajuda não ousaria entregar essa tradução ao pú­blico. A discussão com Luís Afonso Heck, empenhado em

Page 15: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

preservar na tradução a estrutura sintática peculiar do ori­ginal alemão e nesse sentido mais radical do que o intérpre­te talvez excessivamente diplomático, me ensejou, além da relevância das observações de caráter técnico, uma maior conscientização dos meus procedimentos e da minha con­cepção de tradução.

O leitor fará bem em ver nesse ensaio de traduzir um exigente autor alemão um work in progress. Compartilho seus acertos com meus primeiros leitores e me responsabi­lizo integralmente pelos seus possíveis desacertos. Algu­mas soluções aqui adotadas ainda não são consensuais e carecem da aprovação dos leitores, por cujas manifestações críticas agradeço desde já.

Porto Alegre, julho de 1999

Peter Naumann

Page 16: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

SIGLAS E EXPRESSÕES ADOTADAS NA EDIÇÃO BRASILEIRA

al.ap.BVerfGE

cf.e.g.GG

i. é P-passimpp.s.ss.

alíneaapud (junto a, em)Bundesverfassungsgerichtsentscheidungen (Decisões do Tribunal Constitucional Federal [da República Fe­deral da Alemanha]) cçnfer (confira, compare) exempli gratia (por exemplo)Grundgesetz (Lei Fundamental: Constituição da Repú­blica Federal da Alemanha) isto épagina (página)por aqui e ali (em vários trechos) paginae (páginas)[pagina] sequens (e página seguinte)[paginae] sequentes (e páginas seguintes)

Page 17: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 18: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

INDICE

I. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA..................................1

II. SOBRE O ESTADO ATUAL DA METÓDICADO DIREITO CONSTITUCIONAL................................ 5

1. Jurisjfrudência...................................................................... 5

a) Reflexão metodológica na jurisprudência do TribunalConstitucional Federal da Alemamha........................................5

b) Sobre a práxis metódica da jurisprudência do TribunalConstitucional Federal................................................................. 9

2. Metódica do direito constitucional na bibliografiacientífica................................................................................20

a) Sobre a práxis metódica... ........................................................20b) Reflexão metodológica no Direito Constitucional como

disciplina científica......................................................................23

aa) Sobre o modo de trabalho do positivismo nodireito constitucional..........................................................23

bb) Retorno a Savigny?.............................................................27cc) Novos enfoques de uma metódica do direito

constitucional.......................................................................30

3. Considerações sobre o estado atual da discussão............ 31

Page 19: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

III. ESBOÇO DE UMA METÓDICA DO DIREITOCONSTITUCIONAL..................................................... 35

1. Fundamentos de metódica jurídica................................... 35

a) Metódica e teoria das funções................................................. 35b) Normatividade, norma e texto da norma............................. 38c) Norma, texto da norma e estrutura da norma..................... 42d) Concretização da norma ao invés de interpretação do

texto da norma............................................................................ 47e) Direito constitucional e Metódica Estruturante...................54

2. Elementos da concretização da norma............................... 59

a) Elementos metodológicos strictiore sensu............................. 59

aa) Regras tradicionais da interpretação............................. 60bb) Princípios da interpretação da constituição..................71cc) Subcasos de regras tradicionais da interpretação.......72dd) Axiomatizabilidade do direito constitucional?.............79

b) Elementos da concretização a partir do âmbito danorma e do âmbito do caso .......................................................81

c) Elementos dogmáticos............................ ...................................83d) Elementos de técnica de solução............................................ 85e) Elementos de teoria...................................................................87f) Elementos de política constitucional...................................... 89

3. Hierarquia dos elementos da concretização......................90

a) Modos de efeito dos elementos da concretização................ 91b) Conflitos entre os elementos da concretização................... 92

aa) O conceito metodológico do conflito............................ 92bb) Tipos de situações conflitivas entre elementos

individuais da concretização............................................ 93

c) Casos de falta de força enunciativa dos elementosgramaticais e sistemáticos...................................................... 100

Page 20: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

d) Sobre a normatividade de regras de preferência............... 102

IV. R E SU LT A D O S..................................................................... 103

B IBLIO G R A FIA ...........................................................................109*

APÊN D ICE (1999 ).......................................................................117

CO N CRETIZA ÇÃ O DA C O N ST IT U IÇ Ã O ........................121

PO SIT IV ISM O ................................................................ ...........153

UNIDADE D O ORDENAM ENTO JU R ÍD IC O ................ 165

v

Page 21: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 22: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Capítulo I

A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

Metódicas jurídicas não fornecem à ciência jurídica e às suas disciplinas setoriais um catálogo conclusivo de técni­cas de trabalho inquestionavelmente confiáveis nem um sistema de hipóteses de trabalho que podem ser aplicadas genericartiente e devem ser tratadas canonicamente. A ciência jurídica se interessa menos pela sua tradicional de­limitação diante das ciências naturais e muito mais pela peculiaridade material das normas jurídicas e da sua nor- matividade específica. Por um lado, a ênfase na objetivida­de pseudonaturalista dos “métodos” jurídicos empalidece juntamente com a força de convencimento do positivismo legal. Por outro lado, a metódica jurídica não pode fiar-se — nem com vistas aos pormenores técnicos, nem com vis­tas aos fundamentos teóricos — nos resultados da herme­nêutica mais recente de matriz filosófica e genericamente peculiar às Ciências Humanas. Na ciência jurídica enquan­to ciência normativa aplicada as exigências de vigência e obrigatoriedade devem ser formuladas de forma decisiva­mente mais rigorosa do que nas disciplinas não-normativas das Ciências Humanas. “Métodos” de prática jurídica e “teorias” dogmáticas sempre são meros recursos auxiliares do trabalho jurídico. São, no entanto, recursos auxiliares

1

Page 23: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cuja peculiaridade, cujos limites, fundamentabilidade e nexo material de modo nenhum estão abandonadas à gra­tuidade de modos individuais de trabalho. No âmbito da objetividade restrita que lhe é possível e, não obstante, com caráter de obrigatoriedade, a metódica jurídica deve empreender a tentativa de uma conscientização* dos ope­radores jurídicos acerca da fundamentabilidade, da defen- sabilidade e da admissibilidade das suas formas de traba­lho.

Como designação de uma concepção global sistemati­camente reflexionante dos modos de trabalho do direito (constitucional), a “metódica” no sentido aqui usado é o conceito abrangente de “hermenêutica”, “interpretação”, “métodos de interpretação”* * e “metodologia”* * * .

“Hermenêutica" não se refere aqui à tradicional doutri­na da técnica retórica na sua aplicação à ciência jurídica, mas às condições de princípio da concretização jurídica normativamente vinculada do direito. "Metodologia” signi­fica no sentido tradicional a totalidade das regras técnicas da interpretação no trato com normas jurídicas, como e.g. a interpretação gramatical ou sistemática, o procedimento analógico e regras similares. Em contrapartida, “hermenêu­tica” refere-se à teoria da estrutura da normatividade jurí­dica e dos pressupostos epistemológicos e de teoria do direi­to da metodologia jurídica1. Por fim, “interpretação” [“In- terpretation” ou “Auslegung”] diz respeito às possibilida­des do tratamento jurídico-filológico do texto, i. é, da in­terpretação de textos de normas. Ocorre que uma norma jurídica é mais do que o seu texto de norma. A concretiza-

1 Müller I, p. 7, 13 e passim.* Selbstverstandigung.** Auslegung.* * * “Methodenlehre”.

2

Page 24: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ção prática da norma é mais do que a interpretação do texto. Assim a “metódica” no sentido aqui apresentado abrange em princípio todas as modalidades de trabalho da concretização da norma e da realização do direito, mesmo à medida que elas transcendem — como a análise dos âm­bitos das normas, como o papel dos argumentos de teoria do estado, teoria do direito e teoria constitucional, como < conteúdos dogmáticos, elementos de técnica de solução e ' elementos de política jurídica bem como constitucional — os métodos de interpretação [Auslegung] ou interpretação [Interpretation] no sentido tradicionalmente restringido.

Com isso deixa de existir também a costumeira restri­ção de questões de metódica jurídica a métodos de traba­lho da jurisprudência e da ciência. Uma metódica do direi­to constitucional diz respeito à concretização da constitui­ção pelo governo, administração pública e legislação em medida não inferior da concretização operada pela juris- prudência e pela ciência do direitoJ^Só a didática do direito

\ constitucional, enquanto campo sui generis, fica excluída1 do âmbito da análise. Onde normas constitucionais estão

em jogo, a legislação, a administração pública e o governo trabalham, “em termos de metódica_daLconstituição”, eri>/ princípio do mesmo modo como o [Poder Judiciário\jKa pesquisa dafciênciaiurídica VA.0 lado do modojle-argumen^ tiçao^dêsta/uma metóHícadõ direito^cÕnstitucional diz portanto respeito a toda a ação constitucionalmente orien­tada de titulares de funções_estatais. O estilo de trabalho de todas essas instâncias pode ser apreendido de forma estruturalmente unitária^ia matéria fundamental e em lar­ga escala ‘cientificizada^do direito constitucional.

No quadro da concepção do presente manual, essa am­plitude da problemática motiva a uma representação restri­ta aos lineamentos fundamentais. O direito constitucional é uma disciplina relativamente jovem. Não existe uma me-

3

Page 25: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

tódica autônomaj ou apenas uma metodologia do direito constitucional. Atualmente se pode fazer o seguinte: ofere­cer em uma primeira seção uma visão de conjunto sobre a reflexãc/IPfcráxis metódicas nah'uris prudência] e na biblio- grafia(çíêhtific^e apresentar em uma segunda parte o esbo­ço sistemático de uma metódica do direito constitucional segundo os fundamentos e jèlementos individuajj da con­cretização.

4

Page 26: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Capítulo II

SOBRE O ESTADO ATUAL DA METÓDICA DO DIREITO

CONSTITUCIONAL

1. Jurisprudência

Ao lado da(ciência iurídicajsó a jurisprudência)está obri­gada a fornecer constantes e concatenadas representações dos seus processos decisórios.Tor isso só nela o material existente é suficientemente abrangente e consistente para permitir um acompanhamento confiável de concepções e tendências referentes ao método. Nisso a jurisprudência publicada do Tribunal Constitucional Federal pode ser se­lecionada como representativa para a jurisprudência cons­titucional na República Federal da Alemanha.

a) Reflexão metodológica na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha

O Tribunal Constitucional Federal da República Fede­ral da Alemanha professa na jurisprudência constantemen­te o credo dá teoria tradicionaUda interpretação, segundo o qual um caso jurídico prático deve ser solucionado de

5

Page 27: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

modo qup na fatns da vida* HpriHpnrlns sejam "subsumi- dos.” à norma. Segundo esse entendimento deve-se identi­ficar o conteúdo da norma para que o silogismo seja efetua--, do, para que a norma possa ser “aplicada”. Isso se faz a partir do teor literal, da história legislativa**, da reconstru­ção da regulamentação em pauta a partir da história do direito ou a partir do nexo sistemático da norma no âmbito i da sua codificação ou do ordenamento jurídico global e, por \ fim, a partir do sentido e da finalidade, a partir da “ratio” ( ou do “telos” da prescrição. Nesse sentido a solução do\ caso é uma conclusão silogística que por sua vez pressupõeJ a identificação do conteúdo da norma “aplicanda”. O con­teúdo deverá ser imanente à prescrição: ele consiste — e nessa medida existe um dissenso na teoria tradicional da interpretação — na vontade subjetiva do dador da norma ou na vontade objetiva da norma. Para o Direito Constitu­cional ele consiste, por conseguinte, na vontade do legisla­dor ou na vontade da constituição. Os métodos menciona­dos deverão oferecer a possibilidade de formular o teor da norma como premissa m aior***, para que em seguida as circunstâncias de fato da vida lhe possam ser subsumidas como premissa m enor****. O processo da decisão jurídica é apresentado como procedimento de dedução lógica, a realização do direito é apresentada na sua totalidade como | um problema exclusivamente cognitivo^Segundo isso a concretização da norma é a interpretação do texto da nor­ma, que por sua vez não é nada mais do que a reelaboração da vontade da norma ou do seu dadory que se manifesta no texto da norma, na sua história legislativa, no nexo sistemá-

* Lebenssachverhalt. \* * Entstehungsgeschichte* * * Obersatz.* * * * Untersatz.

6

Page 28: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

I tico com outros textos de normas, na história dos textos de correspondentes regulamentações anteriores e no sentido e na finalidade da prescrição a seren/extraídos desses indí­cios^ <■— 1----* IntfrjPrftaÇéà h'i

Programaticamente, embora não em práxis coerente, o ' Tribunal Constitucional Federal decidiu-se em favor da “teoria objetiva”. Segundo a sua sentença de 21 de maio de 19521 a vontade objetivada do legislador, expressa em uma prescrição legal, deve dar a medida para a interpretação dessa mesma prescrição, tal como essa vontade resulta do teor literal da determinação legal e do nexo de sentido no qual esta se encontrar. A história legislativa de uma prescri­ção somente deverá ter relevância para a sua interpretação à medida que ela possa confirmar a correção da interpreta­ção efetuada segundo os princípios outros ou dirimir dúvi­das que não podem ser desfeitas apenas com os recursos metódicos auxiliares restantes. \Ao obietivo da interpreta^— ção de identificar a vontade do legislador objetivada na lei servem as interpretações a partir do teor literal da norma (interpretação gramatical), a partir do seu nexo (interpre­tação sistemática), a partir da sua finalidade (interpretação

| teleológica) e a partir dos materiais legais e da história ge- I nética (interpretação histórica) j^Esses JJmetodos de inter- pretação” devem complementar e sustentar-se reciproca­mente para poder apreender em conjunto a “vontade obje­tiva do legislador”. Nesse esforço os materiais legais sem­pre devem ser aduzidos com certa cautela, via de regra à guisa de mero subsídio e, considerados na sua totalidade, somente à medida que eles permitem inferir o “conteúdo objetivo da lei”. Conseqüentemente, a assim chamada von­tade do legislador pode ser levada em consideração na in-

1 BVerfGE 1, p. 299 e 312; confirmado em BVerfGE 6, pp. 55, 75; 10, pp. 234 e 244; 11, pp. 126 e 130.

7

Page 29: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

terpretação da lei à medida que ela encontrou expressão suficientemente determinada na própria lei, i. é, no seu texto. Em nenhum caso os materiais podem induzir a igua­lar as representações subjetivas das instâncias legisladoras ao conteúdo objetivo da lei2.

Com essas determinações, que de resto mesclam as modalidades histórica e genética da interpretação, o tribu­nal enuncia os princípios de uma seqüência hierárquica ra­cional e em princípio controlável dos critérios individuais da interpretação, só com vistas aos argumentos a partir dos materiais legais, por um lado, e com vistas às interpretações gramatical, sistemática, teleológica (e, quanto ao assunto, histórica), por outro lado. Uma certa ênfase, embora não fundamentada mais de perto, parece recair aqui sobre o teor literal e sobre o nexo de sentido da determinação le­gal3. Na primeira busca de alternativas defensáveis de solu­ção, o Tribunal Constitucional Federal parte, conforme é plausível em toda e qualquer concretização prática de nor­mas, do teor literal da prescrição concretizanda. Já a for­mulação do “nexo de sentido" (no qual a prescrição em questão estaria “colocada”) na sentença de 21 de maio de 1952 aponta para o fato de que via de regra os aspectos sistemáticos e teleológicos têm maior peso.fO Tribunal Constitucional Federal empenha-se prioritariamente em identificar o “nexo de sentido da norma com outras pres­crições e o objetivo visado pela regulamentação legal na sua totalidade”4r~lNessa medida o teor literal deTIma norma é tratado como relativamente pouco fecundo pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência constante. O tribunal

2 BVerfGE 11, pp. 126 e 129 s.3 BVerfGE 1, p. 132; 10, p. 51.4 Assim e.g. BVerfGE 8, pp.274 e 307.

8

Page 30: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

formula como tarefa judicativa legítima “pesquisar o senti­do de uma determinação legal a partir da sua inserção no ordenamento jurídico global, sem aderir ao teor literal da lei"5. O texto da norma é tratado cronologicamente como primeira instância entre alternativas de solução conside- randas, e materialmente como limite de alternativas admis­síveis de solução. O tribunal consideraria, enquanto inter­pretação contra legem, inadmissível uma interpretação “pela qual se atribuísse um sentido contrário a uma lei uní- voca no seu teor literal e no seu sentido”6. Intenções de regulamentação do legislador que não foram expressas em um unívoco texto da norma são desconsiderandas na inter­pretação da norma7.

b) Sobre a práxis metódica da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal

A práxis decisória do Tribunal Constitucional Federal quase não pode ser compreendida com as regras programa- ticamente professadas por esse tribunal. jÂTém dissõTêfía sido — no interesse da segurança jurídica bem como da compreensão do modus operandi real da concretização da constituição — indispensável fazer indicações sobre que ênfases e regras de preferência o tribunal cogita introduzir em resultados contraditórios causados por pontos de vista

5 BVerfGE 8, pp. 210 e 221.6 BVerfGE 8, pp. 210 e 220; cf. também BVerfGE 8, pp. 28 e 33, onde o argumento a partir do teor literal é combinado com o argumento a partir da gênese.7 E.g. BVerfGE 13, pp. 261 e 268; sobre o texto da norma como limite intransponível da interpretação possível, cf. ainda e.g. BVerfGE8, pp. 38 e 41.

9

Page 31: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

individuais da interpretação. Diante da práxis jurisdicional do Tribunal Constitucional Federal essa pergunta continua em aberto até com referência ao problema da atitude exe- gética “subjetiva” ou “objetiva” e com referência à função do teor literal da norma. Não raras vezes o tribunal fez,

; contrariamente ao seu credo programático, dos argumen­tos da história legislativa sem fundamentação suficiente os únicos argumentos decisivos8. Onde o resultado desejado ou visado não é ou quase não é convincentemente funda- mentável com os meios "tradicionais”, a “vontade” subjeti­va do constituinte, quer dizer, uma opinião majoritária no Conselho Parlamentar ou manifestações de membros indi­viduais da assembléia constituinte podem derrotar a “von­tade” objetivada na lei constitucional; em tais casos, topoi constitucionais (“autonomia em questões culturais” dos Estados-membros, “estatalidade própria” dos estados) e dogmáticos (teoria legalista) não-diferenciados bem como credos juspolíticos sem fundamento normativo (“não-cabí- vel”) podem atropelar os costumeiros elementos de funda-

. mentação da interpretação literal até a interpretação doV sentido9.______ _______________________________

O teor literal da prescrição concretizanda nem sempre é tratado de forma coerente pelo Tribunal Constitucional : Federal, mesmo na sua função limitadora(O tribunal dei- xa-o em segundo plano diante de uma aplicação com senti­do da lei que o transcende10, considera-o superável, se isso

8 E.g. BVerfGE 2, pp. 266 e 276; 4, pp. 299 e 304 s.; cf. também a função orientadora da história legislativa in BVerfGE 9, pp. 124 e 128.9 Cf. para tal, representativamente, a Sentença sobre a Concordata de 26 de março de 1957, BVerfGE 6, p. 309, e.g. pp. 341 s., 344 ss., 346 s., 349 e 351.10 BVerfGE 9, pp. 89 e 104; 14, pp. 260, 262 epassim.

10

Page 32: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

“corresponder melhor a uma decisão valorativa da consti­tuição”11, e decide na Sentença Kehl, de 30 de julho de 195312, contra o teor literal unívoco dos arts. 32 e 59 da Lei Fundamental, ao equiparar também “sujeitos do Direito das Gentes, similares a estados" a “estados estrangeiros”, pela'via de uma assim chamada interpretação extensiva e "aplicação e aperfeiçoamento* dos princípios da Lei Fun­damental conforme o seu sentido”.

Tais inconseqüências, que põem em dúvida o valor da posição metódica do Tribunal Constitucional Federal, for­mulada no nível de princípios, fundamentam-se preponde­rantemente na insuficiência material dos pontos de vista da concretização programaticamente designados nessa posi- ção^Nos dias atuais o dogma voíuntarista pandectístico da

( ciência jurídica alemã do séc. XIX tem um interesse mera- \ mente históricoANão fornece nenhum fundamento sufi­

ciente para a compreensão da constituição atual e a instru­mentação da sua concretização. Isso vale para qualquer ten­tativa de construir o objetivo da interpretação ou concreti­zação como identificação de uma "vontade”, não importa sé se trata aqui da vontade subjetiva do outorgante da nor­ma ou da assim chamada vontade objetiva da norma. O fato de que condições, possibilidades e limites da concretização prática do direito (constitucional) devem ser procuradas em outras direções, resulta ainda mais claro naquelas par­tes da jurisprudência do tribunal constitucional que já não podem ser apreendidas sequer liminarmente no seu nexo de decisão e fundamentação com as “regras tradicionais” mais ou menos canônicas da interpretação jurídica.

11 BVerfGE 8, pp. 210 e 221.12 BVerfGE 2, pp. 347 e 374 s.* Fortbildung.

11

Page 33: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Isso vale para pontos de vista sobre questões de méto­do, criados pelo Tribunal Constitucional Federal, como e.g. o princípio da unidade da constituição13: para o princí­pio da interpretação da lei conforme à constituição14 ou para o critério da correção funcional-jurídica da concretiza­ção da constituição, orientado e.g. segundo a distribuição das tarefas entre os poderes Legislativo e Judiciário15. Se­gundo o princípio da interpretação conforme a constituição uma lei, cuja inconstitucionalidade não chega a ser eviden­te, não pode ser declarada nula enquanto puder ser inter­pretada em consonância com a Lei Fundamental. Mas isso não deverá valer apenas para os casos não-problemáticos, nos quais normas constitucionais são comparadas como normas de controle com prescrições legais que, por sua vez, foram interpretadas ou concretizadas sem interposição conteudística de aspectos do direito constitucional. Muito pelo contrário, o Tribunal Constitucional Federal chega a exigir que essa “consonância” com a constituição deve, no caso emergencial, ser produzida mediante a determinação do conteúdo plurívoco ou indeterminado de uma lei pelo recurso aos conteúdos das normas constitucionais16. Nesse sentido a constituição deverá ser utilizável como “norma material’’ para fins de “identificação” do conteúdo de pres­crições legais ordinárias. Com isso o Tribunal Constitucio­nal Federal reconhece as limitações desse procedimento não em critérios funcionalmente jurídicos acerca do papel

13 E.g. BVerfGE 1, pp. 14, 32; 2, pp. 380 e 403; 3, pp. 225 e 231; 6, pp. 309 e 361; 19, pp. 206 e 220.14 E.g. BVerfGE 2, pp. 266 e 282; 11, pp. 168 e 190; 8, pp. 28 e 34; 9, pp. 167 e 174; 9, pp. 194 e 200; 12, pp. 45 e 61; 12, pp. 281 e 296.15 E.g. BVerfGE 1, pp. 97 e 100 s.; 2, pp. 213 e 224 s.; 4, pp. 31 e 40; 4, pp. 219 e 233 s.; 10, pp. 20 e 40.16 E.g. BVerfGE 11, pp. 168 e 190.

12

Page 34: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

da constituição enquanto norma de controle ou enquanto norma material diante do ordenamento jurídico infracons- titucional. Ela reconhece tais limitações unicamente na re­lação com regras tradicionais da interpretação com referên­cia à lei ordinária a ser interpretada em conformidade com a constituição: a interpretação conforme à constituição não deverá ser possível contra o "teor literal e [o] sentido”17 ou contra “o objetivo legislativo”18.

A diferença entre possibilidades e patamar de reflexão dos pontos de vista tradicionais da interpretação, por um lado, e do que a práxis do Tribunal Constitucional Federal efetua na realidade, por outro lado, pode ser melhor dedu­zida naqueles componentes da decisão e fundamentação que — em valoração tradicional — não foram extraídos das normas, mas da “realidade”.

A extensa massa da práxis jurisprudencial caracterizada por fatorçs da “realidade” começa com aquele grupo de decisões no qual o Tribunal Constitucional Federal consi­dera a assim chamada natureza da coisa. O tribunal utiliza a "natureza da coisa” como recurso auxiliar da concretiza­ção da proibição do arbítrio e como critério da conseqüên­cia sistêmica de regulamentações legais globais19. Em todos esses casos não estamos diante de um critério (sui generis, circunscritível de forma metodicamente autônoma, mas genericamente diante da consideração de dados reais da esfera social para o nexo decisório do caso solucionando. Aqui a “natureza da coisa” é usada como um clichê polêmi­co substituível, destituído de função quanto à sua dimen­

17 E.g. BVerfGE 2, pp. 380 e 398; 18, pp. 97 e 111.18 E.g. BVerfGE 8, pp. 28 e 34.19 E.g. BVerfGE 1, p. 141; 1, 246 s.; 6, p. 77; 6, p. 84; 7, p. 153; 9, p. 349; 11, pp. 318 ss.; 12, p. 349; 13, p. 331. Cf. para tal também Rinck.

13

Page 35: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

são material. Assim o princípio da igualdade só deverá ser considerado violado se a determinação examinanda tiver de ser denominada como arbitrária, se, portanto, não se puder encontrar “um argumento razoável, resultante da na­tureza da coisa ou por outro motivo qualquer materialmen­te plausível para a diferenciação ou para o tratamento igual perante a lei”20.

Indo ainda muito além dessa práxis jurisprudencial, o Tribunal Constitucional Federal utiliza em extensão consi­derável pontos de vista que não são nem compatíveis com as regras de interpretação de Savigny, consideradas canôni­cas, nem com a representação da norma que lhes subjaz: assim e.g. a necessidade de um resultado adequado à coi­sa21, a possibilidade de uma mudança do significado de uma norma constitucional em virtude de transformações fáticas da esfera social22, o significado constitutivo do conjunto de fatos* regulamentando pela norma e pela decisão, a consi­deração de nexos históricos, políticos e sociológicos en­quanto aspectos em última instância embasadores da deci­são23. Não se deve ignorar aqui que os métodos exegéticos tradicionais já contêm numerosas possibilidades (no entan­to não-refletidas e não-admitidas) de incluir elementos

20 E.g. BVerfGE 1, pp. 14 e 52; 12, pp. 341 e 348.21 E.g. BVerfGE 1, pp. 208 e 239; 1, pp. 164, 275; 4, pp. 322 e 328 s.; 6, pp. 309 e 352; 12, pp. 45 e 56.22 E.g. BVerfGE 2, p. 308 e 401; 3, pp. 407 e 422; 7, pp. 342 e 351.23 BVerfGE 1, pp. 14 e 32 s; 1, pp. 144 e 148 s.; 1, pp. 208 e 209; 1, pp. 264 e 275; 3, pp. 58 e 85; 3, pp. 225 e 231; 4, pp. 322 e 328 s.; 5, pp. 85 e 129 ss.; 6, pp. 132 ss.; 6, pp. 309 e 352; 7, pp.377 e 397;9, pp. 305 e 323 s.; 12, pp. 45 e 56; 12, pp. 2Q5 ss. Cf. também BVerfGE 15, pp. 126 e 133 s., onde o fracasso da metódica tradicional é admitido abertamente e o tribunal recorre em seguida à estrutura material do âmbito da norma do art. 134, al. 4 da Lei Fundamental.* Sachverhalt.

14

Page 36: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

materiais na decisão sobre o caso. Casos desse tipo mos­tram na sua totalidade que a autolimitação programática aos tradicionais recursos exegéticos auxiliares é ilusória diante dos problemas da práxis, que os recursos metódicos auxiliares não logram mais cobrir e encobrir, nem mesmo no plano verbal, os procedimentos de concretização exerci­dos na realidade e que os acontecimentos cotidianamente manuseados da concretização hodierna da constituição dão ensejo ao questionamento da concepção tradicional da nor­ma jurídica e da sua “aplicação".

Uma análise da jurisprudência constitucional sugere o abandono da concepção tradicional. Muito pelo contrário, deve-se desentranhar em cada caso aquele elemento nor­mativo que — desviando-se freqüentemente do teor literal da fundamentação judicial — decide o caso segundo a coi­sa, que portanto não poderia ser eliminado mentalmente

_sem uma substancial alteração do resultado j ConsHtã^sêentão que numerosos fatores normativos adicionais — en­cobertos pela forma verbal da metódica jurídica tradicional

( e do seu estilo de apresentação — entram em jogo.) Na sua Tnaior paile, elet>~ descendem da área que tradicionalmente costuma ser designada de forma globalizadoramente indis­tinta* como "realidade” e contraposta à “norma jurídica”, embora essa área seja tratada no processo efetivo da con­cretização do direito como parte integrante da norma em- basadora da decisão. jNão se trata aqui dê decisões in corri

(~tas, contránaTTnorma. ^ ampõüccT as partes integrantes da” realidade, tratadas normativamente, confundem-se

com os traços distintivos do conjunto de fatos decidendo. Tais elementos de decisão abrangem desde a superação** motivada do teor literal da prescrição até a introdução sem

* pauschaliert.** Uberspielen.

15

Page 37: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mediações de resultados parciais da Ciência Política, da Economia, da Sociologia, da Estatística e de outras discipli­nas no nexo de fundamentação e apresentação que decide o caso, passando pelo recuo exclusivo para as repre­sentações subjetivas do legislador no âmbito da metódica tradicional — podendo, no caso individual em pauta, con­trariar ou não a norma. Pontos de vista dessa natureza e de natureza análoga perpassam, em decisões de tipos distin­tos, toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional Fe­deral até os nossos tempos24.

Peculiaridades e elementos que transcendem os méto­dos tradicionais estão contidos, não em último lugar, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal sobre os direitos fundamentais. Na práxis, os direitos fundamentais evidenciam ser prescrições materialmente determinadas de modo sobremaneira acentuado. Lidando com eles, a ju­risprudência trata, ainda que sem reflexão hermenêutica, como parte da norma a realidade parcial que pertence à norma e a embasa. Assim a compreensão do Tribunal Cons­titucional Federal de uma combinação específica de garan­tias individuais e institucionais é o resultado de uma perti­nente análise do âmbito da norma da liberdade de impren­sa25. O mesmo vale para a legitimação de uma posição jurí­dica especial da imprensa em consideração das suas tarefas no estado democrático26, e para a análise estrutural da or­dem libertária democrática na Sentença sobre o Financia­mento dos Partidos Políticos27. Com referência a uma par­te materialmente delimitada do âmbito da norma da liber­

24 Müller I, pp. 114 ss.; Müller II.25 Assim já em BVerfGE 10, pp. 118e 121; 15, pp. 223 e 225.26 BVerfGE 20, pp. 162 e 175 s.27 BVerfGE 20, pp. 56 e 97 ss. Cf. ainda BVerfGE 24, pp. 300 e 335 ss.

16

Page 38: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dade de opinião, à transmissão de programas radiofônicos e televisivos, o Tribunal Constitucional Federal formulou di­retrizes fundamentais para a organização das emissoras de rádio e televisão na Sentença sobre a Televisão de 28 de fevereiro de 1961 com base em cuidadosas reflexões estru­turais28.

’ Esses enfoques múltiplos de uma metódica da concre­tização da constituição na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, que é materialmente mais adequa­da* e procede de forma diferenciadora, estão em contradi­ção com um outro grupo de tendências características des­sa jurisprudência: refiro-me à tendência de tratar os direi­tos fundamentais como “valores", sua totalidade como “sis­tema” ou “sistema de valores”; à tendência de querer solu­cionar de forma metódica sua concretização, limitação e mediação com outras normas (constitucionais) por meio de procedimentos da “ponderação” de “bens” ou “interesses”.

Na Sentença Lüth de 15 de janeiro de 1958 o Tribunal Constitucional Federal pretende reconhecer o alcance ob­jetivamente jusconstitucional da normatização de direitos fundamentais no estabelecimento de uma “ordem objetiva de valores” ou de um “sistema de valores” que “descobre o seu centro na personalidade e na dignidade da personalida­de que se desenvolvem livremente na comunidade so­cial”29. A tentação a uma valoração e ponderação subjetiva­mente irracionais de “valores”, paralela ao uso do conceito de “valor” — juridicamente dispensável, com ônus negati­vo herdado da história da filosofia, e de resto carente de nitidez — revela-se claramente quando o tribunal denomi­

28 BVerfGE 12, pp. 205 ss. Cf. outros exemplos da jurisprudência in Müller II.29 BVerfGE 7, pp. 198 e 205.* Sachgerechter.

17

Page 39: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

na em seguida a "ordem valorativa” dos direitos fundamen­tais como “ordem hierárquica de valores”, em meio à qual se deveria efetuar uma ponderação30. E certo que o legisla­dor não pode mover-se livremente no espaço protegido pe­los direitos fundamentais, é certo que não é ele quem pode determinar constitutivamente o conteúdo do direito fun­damental e que, muito pelo contrário, limitações conteu- dísticas da sua margem de apreciação legislativa resultam do teor normativo do direito fundamental31. Tão certo é também que essa compreensão não tem relação com o di­reito ou a necessidade de um procedimento metódico de “ponderação de bens”, como isso é proposto em uma série de decisões do Tribunal Constitucional Federal32. Tal pro­cedimento não satisfaz as exigências, imperativas no Esta­do de Direito e nele efetivamente satisfactíveis, a uma for­mação da decisão e representação da fundamentação, con­trolável em termos de objetividade da ciência jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional. O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescri­ções constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferencia- dores e estruturantes da análise do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos ele­mentos de concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com representações necessa­riamente formais de ponderação, que conseqüentemente insinuam no fundo uma reserva de juízo* em todas as nor­

30 BVerfGE 7, p. 215.31 BVerfGE 7, pp. 377 e 404.32 E.g. BVerfGE 7, pp. 198 e 210 s.; 7, pp. 230 e 234; 7, pp. 377 e 405; 14, pp. 263 e 282; 21, pp. 239 e 243 s.* Urteilsvorbehalt.

18

Page 40: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mas constitucionais, do que com categorias de valores, sis­temas de valores e valoração, necessariamente vagas e con- ducentes a insinuações ideológicas. Nem histórica, nem atualmente os direitos fundamentais da Lei Fundamental de Bonn formam um sistema fechado de valores e preten­sões. Sua estreita vinculação funcional e normativa às par­tes restantes do direito constitucional não admite tratá-los como um grupo à parte, fechado em si, de normas consti­tucionais. As suas vinculações material-normativas podem ser tornadas plausíveis sobretudo por meio de aspectos da interpretação sistemática, sem que se façam necessárias su­posições referentes a um sistema. A suposição e aceitação de um “sistema de valores”* de direitos fundamentais loca­lizado ao lado da — em si também questionável — "ordem geral de valores da constituição”33 contém ou uma contra­dição ou uma interpretação falha ou a afirmação de um pluralismo de sistemas não documentado pelo Tribunal Constitucibnal Federal nem documentável a partir do di­reito constitucional vigente. Esse pluralismo de sistemas não pode ser sustentado nem em termos de direito mate­rial nem em termos de direito funcional34. Não na tendên­cia “valorativamente” determinada da sua jurisprudência, mas sim na série das suas decisões amparadas em análises de âmbitos da norma, o Tribunal Constitucional Federal trata os direitos fundamentais da Lei Fundamental perti­nentemente como garantias materialmente reforçadas pe­los seus âmbitos de normas, e não trata a sua totalidade como “sistema" fictício, mas como correlação que pode ser interpretada de forma materialmente racional** de garan­

33 BVerfGE 10, pp. 59 e 81.34 Ehmke II, pp. 58 s.; Ehmke III, pp. 82 ss.; Hesse II, pp. 124 ss.* Annahme eines “Wertsystems”.* * sinnvoll.

19

Page 41: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

tias de liberdade individual, política e material*, respecti­vamente dotadas de valores próprios e fundamentadas dis­tintamente na história.

Considerada na sua totalidade, a jurisprudência do Tri­bunal Constitucional Federal fornece um quadro, de acor­do com o estado atual, de evolução que envereda com uma série de novos enfoques pelo caminho que parte de um tratamento do texto em termos de lógica formal, só apa­rentemente suficientes, e avança na direção de uma con­cretização da constituição referida à coisa e ao caso. Do ponto de vista de uma prestação de contas hermenêutica e metodológica que é apresentada com referência ao seu pró­prio fazer e deve ser apresentada no Estado de Direito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal fornece um quadro de pragmatismo sem direção, que professa de modo tão globalizantemente indistinto quão acrítico “mé­todos” exegéticos transmitidos pela tradição — e caudatá- rios do positivismo legalista na sua alegada exclusividade —, mas rompe** essas regras em cada caso de seu fracasso prático sem fundamentar esse desvio.

2. Metódica do direito constitucional na bibliografia científica

a) Sobre a práxis metódica

Não podemos oferecer aqui uma descrição da práxis da concretização da constituição na ciência jurídica que discu­te pormenores ou visa identificar tipicidades com preten­

* sachlicher Freiheit.* * durchbricht.

20

Page 42: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

são de exaustividade. Similarmente à jurisprudência, a bi­bliografia científica também oferece o quadro de um prag­matismo motivado no caso individual pela coisa, em parte também pelo resultado, não o quadro de um trabalho cons­ciente dos seus métodos, que representa, fundamenta e documenta os métodos aplicados. A falta de uma vincula- ção estrita ao caso faz que tanto a multiplicidade quanto a indeterminidade dos modos de trabalho representados seja consideravelmente maior do que na jurisprudência. Assim como na análise da jurisprudência do Tribunal Constitucio­nal Federal, isso ainda não depõe em nada contra a qualida­de do conteúdo da argumentação, mas contra a transparên­cia da sua gênese, do seu nexo de fundamentação e do seu modo de representação. Considerada na sua totalidade, a bibliografia científica também opera num nível de método que ainda não encontrou uma concepção superadora do positivism^ legalista, mas que ao mesmo tempo descobre como multiplamente insuficientes na práxis as possibilida­des de interpretação ou concretização da constituição, pró­prias do positivismo legalista, transcendendo-as sem a fun­damentação que se deveria esperar. Não em último lugar, mas também não exclusivamente no tratamento dos direi­tos fundamentais, evidenciam-se também aqui numerosos enfoques provisoriamente ainda não-refletidos com vistas à inclusão de elementos materiais de âmbitos de regulamen­tação dos direitos fundamentais e de outros direitos cons­titucionais no processo de elaboração do resultado. Como os seus conteúdos sempre estão entremeados com a dog­mática do direito público e do direito constitucional, com a teoria do estado e da constituição, com a teoria do direito e a política constitucional, essas tendências não precisam ser representadas no nexo* em pauta. Em contrapartida

* Zusammenhang.

21

Page 43: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

faremos uma rápida referência aos elementos do tratamen­to dos direitos fundamentais pela ciência jurídica, paralela­mente constatáveis ao lado das tendências “referidas a va­lores” na jurisprudência do Tribunal Constitucional Fede­ral. De modo duvidoso, porque em parte subjetivamente irracional, em parte também regressivamente tributário do positivismo legalista, eles transpõem o tradicional cânone savignyiano das regras da interpretação. Assim eles com­provam, no que diz respeito a eles, a insuficiência daquelas regras para a concretização dos direitos fundamentais bem como genericamente para a concretização da constituição. Mas os procedimentos propostos adicional ou substitutiva- mente por eles contrapõem-se em grau considerável aos imperativos de clareza dos métodos jurídicos, próprios do Estado de Direito, e à objetividade jurídica que assegura a medida possível da segurança jurídica. A medida que eles contradizem diretamente enunciados nítidos de teores li­terais de normas constitucionais ou da sistemática do direi­to constitucional, são inadmissíveis não só no seu resultado, mas também como procedimentos.

Assim a bibliografia especializada tentou, sob tópicos como “bens comuns de grau hierárquico mais elevado”, “reserva constitucional genérica do art. 2o al. 1 da Lei Fun­damental”, “abuso de direito fundamental”, “ponderação de valores de direitos fundamentais”, dotar direitos funda­mentais, não obstante estes tenham sido assegurados sem reserva, contra o teor literal da sua normatização e contra a sistemática do título referente aos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn, com barreiras formalizadas, pois estas deveriam "ser consideradas como intencionadas pelo constituinte”35. Do ponto de vista do método, o fra­

35 Cf. Müller III e Müller IV, pp. 1 ss., com documentação compro- batória.

22

Page 44: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

casso de tais concepções se deve ao fato delas quererem superar o nível do positivismo legalista sem ao mesmo tem­po deixar para trás o seu back-ground teórico, a sua com­preensão da norma, a sua identificação de norma jurídica e texto da norma e a sua concepção de prescrições jurídicas como ordens logicizadas ou juízos hipotéticos (ao invés de modelos de ordenamento materialmente determinados). Por outro lado os enfoques para a aceitação de pontos de vista materiais no trabalho da concretização — que com­plementam o positivismo absorvido amplamente de forma acrítica e praticado sem coerência — ainda não atingiram um patamar de consciência dos problemas de método que já permitisse contabilizá-los entre os elementos da práxis refletida da concretização da constituição.

b) Reflexão metodológica no Direito Constitucional como disciplina científica

Até depois da Primeira Guerra Mundial o Direito Pú­blico alemão tinha estado inequivocamente sob o signo do construtivismo juspositivista lógico-formal na esteira de Laband. Excetuados Hans Kelsen e seus sucessores, essa postura em questões de método não é mais representada expressamente nos dias atuais. Mas ela não foi substituída por nenhuma concepção metodológica global elaborada e continua produzindo efeitos implícitos com numerosos elementos do seu repertório na práxis do trabalho atual no direito constitucional, em larga escala não-refletida.

aa) Sobre o modo de trabalho do positivismo nodireito constitucional

O positivismo legalista no direito constitucional não pode ser igualado à aplicação das regras da interpretação

23

Page 45: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

de Savigny. Os elementos principais da sua postura básica em teoria e prática do direito já foram mencionados no início. Para o positivismo jusconstitucionalista a constitui­ção é um sistema formal de leis constitucionais, a lei um ato de vontade do estado sob forma de lei. Para ele, as normas e os institutos de direito constitucional não po­dem apresentar um nexo material com dados da história e da sociedade atual, que pudesse retornar na concretização como um teor material que entra em ação de modo qual­quer. Tais nexos não são negados, mas tratados como sem interesse para a ciência jurídica. A exigência de uma dog­mática do Direito Público e do Direito Constitucional enquanto dogmática pura, liberta de todos os elementos “não-jurídicos” mediante a exclusão da história, da filoso­fia e de pontos de vista políticos, foi assimilada* por Paul Laband de Carl Friedrich v. Gerber36. O “método jurídi­co” é tanto expressão quanto também instrumento de uma posição política materialmente determinada. Depois de 1870 a sua tarefa bem como o seu efeito consistiram sobretudo em proteger, contra críticas possíveis, a con­cepção monárquico-conservadora do estado, a política an- tiliberal de Bismarck e, genericamente, as relações políti­cas e constitucionais existentes37.

De acordo com o credo positivista, o direito vigente é, outrossim, um sistema de enunciados jurídicos sem lacu­nas. Questões jurídicas efetivamente em aberto não podem surgir. Cada nova questão jurídica da práxis já foi solucio­nada pelo sistema, por força da necessidade do pensamen­to. Lacunas na regulamentação positiva expressa devem ser

36 Carl Friedrich v. Gerber II, pp. V s., 10 e 237.37 Wilhelm, pp. 140ss. e 152 ss.* übernommen.

24

Page 46: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

preenchidas de qualquer modo pela construção jurídica a partir de enunciados fundamentais* e princípios do direito positivo. Assim também questões jurídicas dessa espécie necessariamente já terão sido pré-decididas pelo sistema. Trata-se aqui não apenas da confissão da necessidade de construções auxiliares diante da falta de um non liquet pro­cessual, mas da afirmação de que todos os casos imaginá­veis da práxis já tenham sido substancialmente pré-decidi- dos. Os “conceitos jurídicos universais de grau mais eleva­do” são compreendidos como algo previamente dado, exis­tente em si.

Insistindo na mera positividade do direito, transfigura­da longe da realidade da vida, o positivismo aceitou o preço da redução ou da perda da normatividade jurídica, cujas condições específicas bem como, genericamente, a pecu­liaridade d<^direito saíram do campo visual à medida que o ideal de método de uma ciência natural que ainda não tinha começado a questionar-se foi transferido acriticamente a prescrições jurídicas. Assim o direito é comprendido equi- vocadamente como um ser que repousa em si, que só deve ser relacionado ex post facto com as relações da realidade histórica. A norma jurídica é compreendida equivocada- mente como ordem, como juízo hipotético, como premissa maior formalizada segundo os princípios da lógica formal, como vontade materialmente vazia. Direito e realidade, norma e recorte normatizado da realidade estão justapos­tos “em si” sem se relacionar, são contrapostos reciproca­mente com o rigorismo da separação neokantiana de “ser" e “dever ser”, não necessitam um do outro e só se encon­tram no caminho de uma subsunção da hipótese legal** a

* Grundsàtze.** Tatbestand.

25

Page 47: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

uma premissa maior normativa. Contrariamente à tendên­cia da ciência jurídica de corte positivista, a substancializa- ção de conceitos jurídicos e partes integrantes de normas de natureza verbal introduz fontes incontroláveis de irra- cionalismo na práxis jurídica. A opinião de que a norma e o texto da norma são uma só coisa ainda está amplamente difundida, devendo ainda ser considerada predominante também na metódica do direito constitucional. Até hoje não se compreende sob “métodos” do direito constitucio­nal os modos efetivos de trabalho da concretização da nor­ma constitucional no sentido abrangente, mas apenas as regras técnicas* da metódica da interpretação de textos de normas, transmitidas pela tradição. A metódica é tida por metódica da interpretação de textos de linguagem. Mas como a norma é mais do que um enunciado de linguagem que está no papel, a sua "aplicação” não pode esgotar-se so m en te na interpretação, na interpretação de um texto. Muito pelo contrário, trata-se da concretização, referida ao caso, dos dados fornecidos pelo programa da norma, pelo âmbito da norma e pelas peculiaridades do conjunto de fatos. A partir do conjunto de fatos do caso — não impor­tando se ele deve ser decidido concretamente ou se ele apenas é imaginado — destacam-se como essenciais ao caso aqueles elementos que cabem no âmbito da norma e são apreendidos pelo programa da norma. Programa da norma e âmbito da norma são, por sua vez, interpretados no mes­mo processo da formação de hipóteses sobre a norma com vistas ao caso concreto e, no decurso desse processo, não raramente modificadas, clarificadas e aperfeiçoadas**.

* Kunstregeln.* * fortentwickelt.

26

Page 48: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

O ataque mais virulento a tendências na metódica con­temporânea do direito constitucional de transformar catego­rias como “valor”, “ordem de valores" ou “sistema de valo­res” eçn categorias da concretização jurídica parte de uma posição que recomenda diante do método por ela denomina­do “próprio das ciências humanas”* um retomo às “regras tradicionais da hermenêutica jurídica” no sentido de Savig­ny38. A ciência jurídica “se destruiria a si mesma” se ela não se ativesse incondicionalmente ao princípio de que “a inter­pretação da lei [é] a identificação da subsunção correta no sentido da conclusão silogística”39. Devido ao surgimento de uma interpretação explicitadora do sentido** orientada se­gundo teores materiais, a lei constitucional teria perdido parte da sua racionalidade e evidência. Em parte ela se en­contraria em estado de dissolução. A dissolução da lei cons­titucional em casuística teria como contrapartida a transfor­mação do Estado de Direito em Estado do Judiciário***. Com vistas à ordem de valores suposta por ele, o juiz estaria se assenhoreando progressivamente da constituição.

As teses apresentadas por essa posição não são isentas de contradições. Exige-se com razão que a tecnicidade da lei constitucional seja assegurada, mediante o grau de obje­tividade genericamente alcançável pelo trabalho jurídico, a serviço da clareza das normas, da clareza dos métodos e da segurança jurídica próprias do Estado de Direito. Proble­mas de concretização jurídica não podem, no entanto, ser superados mediante a “aplicação" de prescrições prontas

bb) Retorno a Savigny?

38 Forsthoff II, pp. 39 s.39 Fortshoff I, p. 11.* “Geisteswissenschaftlich”.* * sinndeutende Interpretation.* * * Justizstaat.

27

Page 49: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

de decisões voluntaristas preexistentes, nem pela “subsun- ção” e pela inferência silogística com ajuda dos cânones savignyianos40. E incontestável que as regras da interpreta­ção de Savigny expressamente não foram formuladas para o Direito Público e o Direito Constitucional41. Tanto me­nos se pode reconhecer nos direitos fundamentais e na maioria das normas restantes da constituição enquanto "lei política” institutos apreensíveis de forma puramente técni­ca, cuja realização não deve formular para a hermenêutica e metodologia jurídicas nenhum problema que transcenda o organon silogístico. As regras exegéticas de Savigny evi­denciam ser, não em último lugar quando aplicadas ao di­reito constitucional, aspectos que não representam “méto­dos” universalmente válidos, mas pontos de vista auxiliares de fecundidade variável conforme a peculiaridade das nor­mas jurídicas* concretizandas. Elas não são sistematizáveis no sentido da lógica formal. São utilizadas muitas vezes e de múltiplas maneiras de forma não-explícita como concei­tos que integram aspectos das mais diversas origens, não- esclarecidas e nesse sentido também não controláveis. Os cânones partilham o destino do ordenamento jurídico glo­bal, ignorado pelo positivismo: não podem ser compreendi­dos como sistema fechado, coerente e conclusivo, de dados previamente existentes meramente “aplicáveis”42. No caso

40 Assim, no entanto, Forsthoff I, II; cf. também Flume, pp. 62 ss.; para uma crítica, cf. e.g. Hollerbach; Ehmke II, pp. 45 ss.; Ehmke III, p. 64; Lerche II, pp. 690 ss.;Müller I; Hesse, pp. 20 ss.41 V. Savigny I, pp. 2, 23 e 39; Savigny II, p. 13.42 Contra a idéia do ordenamento jurídico como sistema fechado e coerente, cf. já Jellinek, e.g. pp. 353 e 358; contra as idéias sobre a subsunção, aplicação, silogismo, cf. Esser II, e.g. pp. 220, 238, 253 s. e 261; Ehmke III, pp. 55 ss.; Bãumlin, p. 36; Kaufmann I, pp. 380 s. e 387 ss.; Kaufmann II, pp. 29 ss.* Rechtssãtze.

28

Page 50: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

de enunciados jurídicos tecnicamente especializados com âmbitos de normas gerados pelo direito, a representação mental positivista pode afigurar-se plausível. Diante de normas jurídicas com âmbitos de normas mais complexos e integral ou parcialmente não-gerados pelo direito, bem como sobretudo diante das prescrições constitucionais, essa representação praticamente não é documentável.

Os pontos de vista auxiliares em questões de método, transmitidos pela tradição, são incompletos e inconclusos. Não podem ser “aplicados a” um caso jurídico, mas apenas mediados com ele bem como com o teor material normati­vo das pertinentes normas jurídicas e com uma série de outros aspectos da concretização, em meio a um processo complexo. Na experiência da práxis jurídica, nem o caso solucionando, nem os recursos auxiliares da interpretação, nem mesmo a norma jurídica evidenciam ser fechados e coerentes e previamente dados. Só essa razão já mostra que a interpretação do direito e o desenvolvimento do direito* não podem ser separadas com rigorismo. A similitude à norma na concretização criativa, da qual fala o Tribunal Constitucional Federal43, questiona a tradicional com­preensão positivista-sistemática do Direito Público e do Direito Constitucional mesmo no caso da vinculação mais estrita da concretização da constituição à norma, que a prá­xis e a ciência jurídicas podem atingir. A própria tipicidade formal da constituição é uma tipicidade formulada de teo­res materiais, exigências, programas e esforços políticos, posições jurídicas, formulações de teoria do estado etc. A restrição do olhar à sua forma de linguagem e a uma siste­

43 BVerfGE 13, pp. 318 e 328; 15, pp. 226 e 233. Cf. também Esser II; Wieacker II; Kaufmann I, pp. 387 ss.; Geiger, e.g. pp. 174 s. e 242 ss., 246 e 250 ss.* Rechtsfortbildung.

29

Page 51: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mática verbal impede o acesso aos teores materiais norma- tizados e com isso ao fato do direito constitucional positivo possuir um teor material normativo. O possível não se con­verte em dever, mas o impossível em postulado, se a cons­tituição é percebida como estrutura* “evidente” de normas que na sua tecnicidade restrita à forma lingüística** deve ser suficientemente concretizável com as regras savignyia- nas da interpretação textual.

cc) Novos enfoques da metódica do direitoconstitucional

A análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal mostrou que a evolução mais recente da metódica do direito constitucional por um lado ainda não introduziu na discussão uma concepção global, mas uma série de pon­tos de vista adicionais para a concretização prática da cons­tituição. Dentre eles já foram mencionados o princípio da interpretação conforme a constituição e o ponto de vista da “natureza da coisa” na jurisprudência do Tribunal Consti­tucional Federal. Outros aspectos dizem respeito ao direito jurisdicional no direito constitucional44, a tentativas de in­terpretação dos direitos fundamentais como instituições45, ao problema da aplicação tópica do direito46, ao teor de

44 H. P. Schneider.45 Hãberle I, e.g. pp. 70 ss.; II, pp. 390 ss.; Lerche I, pp. 241 s.46 E.g. Viehweg; Esser II; Bàumlin I; Larenz, pp. 146 ss.; Ehmke III, pp. 55 s.; Diederichsen; Müller I, p. 56 ss. e 65 ss.; v. Pestalozza, p. 429.* Gefüge.* * Sprachgestalt.

30

Page 52: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

realidade das normas constitucionais47 e da sua concretiza­ção, ao procedimento de formulação de hipóteses sobre as normas48 bem como a uma série de princípios individuais de interpretação da constituição49.

3. Considerações sobre o estado atual da discussão

O pragmatismo da jurisprudência evidenciou ser com­preensível. Um caos similar de velho e novo, uma confusão similar de enfoques hermenêuticos e metódicos, de ele­mentos e blocos erráticos de origem teórica mais distinta imaginável, clarificanda de modo apenas pragmático no caso individual por meio de uma decisão, caracterizam também o estado atual da discussão na bibliografia especia­lizada. Nesse sentido a metódica do direito constitucional encontra-se çjn situação especialmente precária por de­frontar-se a partir do seu “objeto” normativo com dificul­dades amplificadas, que surgem além disso também à me­dida que ela não pode invocar, diferentemente do Direito Civil e do Direito Penal, uma concepção global já realizada pela história da ciência. Muito mais do que o Direito Admi­nistrativo, o Direito Constitucional é o campo de trabalho de uma disciplina jovem, relativamente pouco fundamen­tada, dependente da política em grau relativamente forte e relativamente pouco diferenciada em termos técnicos e formais. Ele é metódica e hermeneuticamente não-media- do, perpassado de forma pouco clara e postulatória por elementos de teoria. O disciplinamento desses elementos

47 MüllerI, II.48 Kriele.49 P. Schneider; Ehmke III; Ossenbühl; Hesse II, pp. 27 ss.

31

Page 53: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

por meio de uma metódica do direito constitucional que não extrai os seus enunciados de conteúdos teóricos ou ideológicos, mas das possibilidades da concretização práti­ca, exige um novo enfoque. O estado confuso da discussão metodológica na ciência jurídica faz que o esboço de uma concepção que não se restrinja à técnica de solução no sen­tido da técnica para pareceres jurídicos, da técnica de exa­mes ou de sentenças: de uma concepção interessada antes de mais nada na compreensão teórica e no estabelecimento do nexo teórico dos seus elementos de concretização obti­dos na observação da práxis jurisprudencial, legislativa, ad­ministrativa e científica. Diante disso é de relevância se­cundária o tempo necessário para que os enunciados de uma tal concepção atinjam a postura da rotina do método dos práticos, que com efeito tende à racionalização secun­dária aparente, argumenta freqüentemente a partir do re­sultado, cobre o espectro do pragmatismo ao oportunismo e é, considerado na sua totalidade, tributário do eclético “pluralismo de métodos”.

A análise realizada até o momento provou que os distin­tos tipos da ordem jurídica* não podem ser generalizadas n”a” norma jurídica. Não se pode derivar de tal abstractum conseqüências que resistem à tarefa da concretização práti­ca. Em contrapartida a norm.ativid.ade comum a todas as prescrições jurídicas é um critério de aferição pelo qual se pode medir as exigências a diretivas hermenêuticas e metó­dicas. Assim se evidenciou que o positivismo legalista ainda não superado pela teoria e práxis refletidas, com a sua com­preensão do direito como sistema sem lacunas, da decisão como uma subsunção estritamente lógica, e com a sua eli­minação de todos os elementos da ordem social não-repro- duzidos no texto da norma é tributário de uma ficção que

* rechtliche Anordnung.

32

Page 54: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

não pode ser mantida na prática. Mas para o Direito Civil e o Direito Penal o positivismo legalista do "método jurídi­co”50, que invocava de forma unilateralizante os aspectos da interpretação de Savigny, foi um episódio da história da ciência que podia ser defendido com argumentos e podia também ser tornado plausível quanto à sua função social. Mas para o Direito Público e o Direito Constitucional a assunção dessas regras técnicas foi desde o começo ou um mal-entendido ou uma assunção não-verificada quanto à sua justificabilidade. Em caso emergencial, o Direito Civil e o Direito Penal podiam retirar-se e encastelar-se na pro­fissão dos cânones, para comprovar a sua racionalidade em termos de ciência jurídica. A partir desse fundamento as concepções globais ou parciais que posteriormente trans­cenderam os cânones (Escola Sociológica, Escola do Direi­to Livre, Jurisprudência dos Interesses e dos Valores, “sis­tema móvel”, tópica, construtivismo sistêmico tipológico, direito jurisdícional e tendências similares) podiam ser processadas com melhores argumentos de direito e com consciência mais limpa. Graças à sua peculiaridade norma­tiva, o Direito Público e o Direito Constitucional participa­ram em grau menor desses movimentos mais recentes do que sobretudo o Direito Civil. Por outro lado a sua invoca­ção das regras da interpretação de Savigny como emprésti­mo não-verificado foi a limine menos seguro em termos de história da ciência do que os correspondentes processos no Direito Civil e no Direito Penal.

Importa examinar os elementos savignyianos de inter­pretação com vistas à sua aproveitabilidade para a metódica do direito constitucional e analisá-los mais pormenorizada­mente com vistas às condições da concretização do direito

50 v. Gerber, v. Jhering, Laband e a práxis e bibliografia especializada na esteira desses autores.

33

Page 55: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

constitucional. Pelo simples fato deles reduzirem a realiza­ção do direito à interpretação, a concretização da norma à interpretação do texto da norma, os cânones já não podem ser suficientes para a concretização da norma no direito constitucional. Diante disso, uma metódica do direito constitucional sistematicamente elaboranda deve pesqui­sar a estrutura da normatividade; e isso significa, já que a concretização da norma evidencia ser um processo estrutu­rado, que ela deve pesquisar a estrutura das normas jurídi­cas. A metódica jusconstitucional deve ser fundamentada por uma teoria do direito: mas não por uma teoria sobre o direito (seja ela de natureza teológica, ética, filosófica, so­ciológica, político-ideológica), mas por uma teoria do direi­to, quer dizer, por uma teoria da norma jurídica. Ela é "hermenêutica” no sentido aqui definido. Circunscreve a peculiaridade fundamental da estrutura normativa, diante de cujo pano de fundo devemos ver o trabalho prático da metódica jurídica.

34

Page 56: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Capítulo III

ESBOÇO DE UMA METÓDICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Fundamentos da metódica jurídica

a) Metódica e teoria das funções

A metódica do trabalho é uma metódica de titulares de funções. Em nível hierárquico igual ao lado da jurisprudên­cia e da ciência jurídica, a legislação, a administração e o governo trabalham na concretização da constituição. Tal trabalho sobre* a constituição orienta-se integralmente se­gundo normas: também a observância da norma, em virtu­de da qual deixa de ocorrer um conflito constitucional ou um litígio, é concretização da norma. Em cada caso as per-

t tinentes prescrições de direito (constitucional) motivamde modo específico o comportamento de titulares de fun­ções e outros destinatários. Também os atingidos** que participam da vida política e da vida da constituição de­sempenham funções efetivas de concretização da constitui-

* Bearbeiten.* * Betroffenen.

35

Page 57: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ção de uma abrangência praticamente não superestimável, ainda que apareçam menos e costumem ser ignorados me- todologicamente: por meio da observância da norma, da obediência a ela, de soluções de meio termo e arranjo no quadro do que ainda é admissível ou defensável no direito constitucional, e assim por diante. Se a constituição deve desenvolver força normativa1, a “vontade à constituição”, que é uma vontade para seguir ou concretizar e atualizar a constituição, não pode permanecer restrita à ciência jurídi­ca enquanto titular da função no sentido mais amplo e aos titulares de funções no sentido mais estrito, que foram ins­tituídos, encarregados, legitimados e dotados de compe­tências de decisão e sanção pela constituição e pelo ordena­mento jurídico, mediante prescrições de competências.

Esse nexo não deve ser perdido de vista, embora não caiba aqui desenvolver uma teoria das funções em termos de direito constitucional e teoria constitucional2. Condiçõ­es, possibilidades e limitação da metódica jurídica são inte­gralmente determinadas pela configuração das respectivas funções do ofício, das tarefas e do trabalho. Métodos de trabalho determinam-se pela espécie e tarefa do trabalho. A tarefa da práxis do direito constitucional é a concretiza­ção da constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas e da atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no governo; ela é a concretização da constituição que primacialmente contro­la, mas simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurispru­dência, dentro dos espaços normativos*. A obtenção, a pu­blicação e a fundamentação da decisão são declarados de- veres por meio de ordem do direito positivo, em grau e de

1 Hesse I.2 Cf. Hesse II, pp. 192 ss.* normative Spielráume.

36

Page 58: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

modo mutantes. A publicação da decisão (da norma jurídi­ca, da portaria governamental ou administrativa, da senten­ça judicial) é um elemento do ordenamento da estatalidade jurídica. A representação e publicação da fundamentação deve, por um lado, convencer os atingidos, por outro tornar a decisão controlável para um possível reexame por tribu­nais de instância superior, para outras chances da tutela jurídica e com vistas à questão da sua conformidade à cons­tituição. Um outro efeito consiste na introdução da decisão publicada e fundamentada na discussão da práxis e da ciên­cia jurídicas e da política jurídica e constitucional. Junta­mente com a formação da tradição, a crítica e o controle por ela causados, essa discussão integra em função consul­tiva as tarefas principais da ciência jurídica, ao lado da teo­ria, cujas questões especificamente didáticas não nos inte­ressam aqui, e ao lado da solução de problemas de casos atuais. De ̂ acordo com a medida dessa estrutura distinta de tarefas, a práxis jurídica não está obrigada à reflexão her­menêutica e metódica explícita, mas seguramente à busca de uma metódica que permite representar e verificar racio­nalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a decisão, a relevância dos elementos do caso afetados por esses critérios de aferição e a sustentabilidade da deci­são; de uma decisão que deve ser apurada a partir da me­diação metodicamente diferencianda de ambos componen­tes por meio da concretização da “pertinente” norma jurí­dica enquanto “norma de decisão”. A metódica deve poder decompor os processos da elaboração da decisão e da fun­damentação expositiva em passos de raciocínio suficiente­mente pequenos para abrir o caminho ao feed-back* con­trolador por parte dos destinatários da norma, dos afetados

* Rückkopplung.

37

Page 59: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

por ela, dos titulares de funções estatais (tribunais reviso­res, jurisdição constitucional etc.) e da ciência jurídica.

b) Normatividade, norma e texto da norma

Quando juristas falam e escrevem sobre “a” constitui­ção, referem-se ao texto da constituição; quando falam “da” lei, referem-se ao seu teor literal. Mas um novo enfo­que da hermenêutica jurídica3 desentranhou o fundamen­tal conjunto de fatos* de uma não-identidade de texto da norma e norma. Entre dois aspectos principais o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a “ponta do ice­berg". Por um lado, o teor literal serve via de regra à formu­lação do programa da norma, ao passo que o âmbito da norma normalmente é apenas sugerido como um elemento co-constitutivo da prescrição. Por outro lado a normativi­dade, pertencente à norma segundo o entendimento veicu­lado pela tradição, não é produzida por esse mesmo texto. Muito pelo contrário, ela resulta dos dados extralingüísti- cos de tipo estatal-social: de um funcionamento efetivo, de um reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva desse ordenamento constitucional para motivações empíri­cas na sua área; portanto, de dados que mesmo se quisésse­mos nem poderiam ser fixados no texto da norma no senti­do da garantia de sua pertinência. Também o “conteúdo" de uma prescrição jurídica, i. é, os impulsos de ordenamento, regulamentação e critérios de aferição que dela partem (porque publicados, veiculados, transmitidos, aceitos e ob­servados), não estão substancialmente “presentes” no seu teor literal. Esse conteúdo também pode ser formulado

3 Müller I, e.g. pp. 147 ss.* Grundsachverhalt.

38

i

Page 60: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

apenas em linguagem* pelo teor literal, pode ser “repre­sentado” apenas pelo modo peculiar à linguagem. Não é o teor literal de uma norma (constitucional) que regulamen­ta um caso jurídico concreto, mas o órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pú- bliça, o tribunal que elaboram, publicam e fundamentam a decisão regulamentadora do caso, providenciando, quando necessário, a sua implementação fáctica — sempre confor­me o fio condutor da formulação lingüística dessa norma (constitucional) e com outros meios metódicos auxiliares da concretização.

A não-identidade de norma e texto da norma, a não- vinculação da normatividade a um teor literal fixado e pu­blicado com autoridade ressalta também do fenômeno do direito consuetudinário. Não se duvida da sua qualidade jurídica, embora ele não apresente nenhum texto definido com autoridade. Essa propriedade do direito, de ter sido elaborado de forma escrita, lavrado e publicado segundo um determinado procedimento ordenado por outras nor­mas, não é idêntica à sua qualidade de norma. Muito pelo contrário, ela é conexa a imperativos do Estado de Direito e da democracia, característicos do estado constitucional burguês da modernidade. Mesmo onde o direito positivo dessa espécie predominar, existe praeter constitutionem um direito (constitucional) consuetudinário com plena qualidade de norma4. Além disso mesmo no âmbito do di­reito vigente a normatividade que se manifesta em decisões práticas não está orientada lingüisticamente apenas pelo texto da norma jurídica concretizanda. A decisão é elabora­da com ajuda de materiais legais, de manuais didáticos, de

4 Cf. genericamente Huber, Hesse II, pp. 15 s.* sprachlich.

39

Page 61: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

comentários e estudos monográficos, de precedentes e de material do Direito Comparado, quer dizer, com ajuda de numerosos textos que não são idênticos ao e transcendem o teor literal da norma.

Em meio à massa dos materiais de trabalho resultantes da práxis e da ciência jurídicas, a metódica jurídica dispõe de matéria suficiente para elaborar as suas próprias condi­ções fundamentais. Isso vale também diante do estado atual dos esforços em interligar ciência jurídica e teoria da comunicação. Analogamente ao esboço aqui realizado dos pressupostos teóricos da metódica do positivismo legalista, foi mostrado pela teoria da comunicação que a metódica jurídica tradicional apresenta, com a sua concentração na teoria da interpretação do texto, com o seu conceito-meta de univocidade, com a sua idéia de um “conteúdo” pronto, previamente dado como grandeza orientadora na norma ju­rídica, e com um “significado” abstraído e abstraível da composição tipográfica, elementos de um estilo ontológico de raciocínio5. Diante disso propõe-se para a compreensão das normas jurídicas o modelo do sistema imperativo de comunicação.

Apesar de muito elucidativo, esse enfoque pode contri­buir muito pouco para o aperfeiçoamento da metódica ju­rídica, pois para sistemas de comunicação desenvolvidos a descrição factual* acaba ocupando o primeiro plano no lu­gar do modelo de fundamentos da situação imperativa de comunicação, em virtude da complexidade necessariamen­te mais elevada nesses sistemas. A isso corresponde que os fundamentos de uma hermenêutica jurídica que aponta para além do positivismo legalista só foram obtidos a partir

5 Horn I, e.g. pp. 24 ss., 105, 157 ss. e 160 ss; Horn II, e.g. pp. 557 ss., 580 s., 585 e 587.* dingliche Deskription.

40

Page 62: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

da observação do trabalho jurídico na práxis e na ciência. Ao lado das mencionadas correspondências às análises de hermenêutica jurídica e teoria da comunicação, devemos enumerar ainda as seguintes: a técnica de comunicação orienta a futura atuação conjunta dos membros do grupo social. Essa atuação conjunta forma respectivamente uma estrutura relativamente constante de nexos de ação e orga­nização e de nexos materiais. Estes não são substancial­mente circunscritos pela expressão lingüística da norma ju­rídica, não estão nela “contidas” quanto ao seu objeto*. Conceitos jurídicos no texto da norma fornecem apenas em determinados casos (no âmbito da norma gerado pelo direito, como e.g. em prazos, datas e prescrições meramen­te processuais) descrições factuais do que é referido**; em regra eles evocam apenas enquanto conceitos sinalizadores e concatenadores o que se pensa como correspondência na realidade social. O texto da norma não “contém” a norma- tividade e a sua estrutura material concreta. Ele dirige e limita as possibilidades legítimas e legais da concretização materialmente determinada do direito no âmbito do seu quadro. Conceitos jurídicos em textos de normas não pos­suem “significado”, enunciados não possuem “sentido” se­gundo a concepção de um dado orientador acabado***. Muito pelo contrário, o olhar se dirige ao trabalho concreti- zador ativo do “destinatário" e com isso à distribuição fun­cional dos papéis que, graças à ordem **** jurídico-positiva do ordenamento jurídico e constitucional, foi instituída para a tarefa da concretização da constituição e do direito.

* der Sache nach.** des Gemeinten.* * * eines abgeschlossen Vorgegebenen.* * * * Anordnung.

41

Page 63: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

c) Norma, texto da norma e estrutura da norma

Conforme mostra a análise da práxis jurídica, a norma- tividade é um processo estruturado. A análise da relação entre normatividade, por um lado, e norma e texto da nor­ma, por outro lado, prolonga-se na análise da estrutura da norma.

"Estrutura da norma e normatividade" serviu6 de deixa para a análise da relação entre direito e realidade na herme­nêutica jurídica, quer dizer, para uma área parcial do enfo­que indagativo* de uma metódica do direito (constitucio­nal). Depois do que foi dito aqui, “estrutura da norma e normatividade” simultaneamente representam também o esboço de uma metódica do direito constitucional a ser tentado na direção além ao positivismo legalista, que abran­ge, ao lado de elementos dogmáticos e metodológicos no sentido mais restrito, entre outras coisas também a herme­nêutica no sentido da definição aqui utilizada.

O teor literal expressa o “programa da norma”, a "or­dem jurídica” tradicionalmente assim compreendida. Per­tence adicionalmente à norma, em nível hierárquico igual, o âmbito da norma, i. é, o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma “escolheu" para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamen­tação (como amplamente no caso de prescrições referentes à forma e questões similares). O âmbito da norma pode ter sido gerado (prescrições referentes a prazos, datas, prescri­ções de forma, regras institucionais e processuais etc.) ou não-gerado pelo direito7. Na maioria dos casos valem as

6 Müller I.7 Cf. art. Io al. 1, art. 3o al. 2 e 3, art. 4o al. 1, art. 5o al 3, frase 1 da Lei Fundamental e prescrições comparáveis.* Fragestellung.

42

Page 64: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

duas coisas: o âmbito da norma apresenta tanto componen­tes gerados quanto componentes não-gerados pelo direito. Assim, no âmbito da norma do art. 21 al. 1 frase 1 da Lei Fundamental a constituição efetiva de orientações e esfor­ços políticos e a sua respectiva programática conteudística não são gerados pelo direito, diferentemente das formas jurídicas da associação como e.g. sociedade sem capacidade jurídica*, sociedade com personalidade jurídica etc. Âm­bitos de norma como o da Seção VIII da Lei Fundamental8 ou como e.g. aqueles que se referem à jurisdição9 provam, tais como são evocados pelos correspondentes teores lite­rais das normas, ser quase inteiramente gerados pelo direi­to e com isso mais precisa e confiavelmente formuláveis no texto da norma do que os âmbitos de norma dos direitos fundamentais ou de normas principiológicas constitucio­nais10. No direito constitucional evidencia-se com especial nitidez que uqia norma jurídica não é um "juízo hipotético” isolável diante do seu âmbito de regulamentação, nenhuma forma colocada com autoridade por cima da realidade, mas uma inferência classificadora e ordenadora a partir da es­trutura material do próprio âmbito social regulamentado. Correspondentemente, elementos “normativos” e “empí­ricos” do nexo de aplicação e fundamentação do direito que decide o caso no processo da aplicação prática do direi­to provam ser multiplamente interdependentes e com isso produtores de um efeito normativo de nível hierárquico igual. No âmbito do processo efetivo da concretização prá­tica do direito, “direito" e “realidade” não são grandezas

8 Arts. 83 ss. da Lei Fundamental.9 E.g. arts. 92 ss. da Lei Fundamental.10 Como arts. 20, 21, 79 al. 3 da Lei Fundamental e outros artigos similares.* Rechtsfáhigkeit.

43

Page 65: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

que subsistem autonomamente por si. A ordem* e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos.

O âmbito da norma não é idêntico aos pormenores ma­teriais do conjunto dos fatos. Ele é parte integrante mate­rial da própria prescrição jurídica11. Da totalidade dos da­dos afetados por uma prescrição, do “âmbito material", o programa da norma destaca o âmbito da norma como com­ponente da hipótese legal normativa**. O âmbito da norma é um fator co-constitutivo da normatividade. Ele não é uma soma de fatos, mas um nexo formulado em termos de pos­sibilidade real de elementos estruturais que são destacados da realidade social na perspectiva seletiva e valorativa do programa da norma e estão via de regra conformados de modo ao menos pârcialmente jurídico. Em virtude da con­formação jurídica do âmbito da norma e em virtude da sua seleção pela perspectiva do programa da norma o âmbito da norma transcende a mera facticidade de um recorte da rea­lidade extrajurídica. Ele não é interpretável no sentido de uma “força normativa do fáctico"12. Com isso a norma jurí­dica prova ser um modelo de ordem materialmente carac­terizado* ** , esboço vinculante de um ordenamento parcial da comunidade jurídica que representa o enunciado jurídi­co em linguagem e na qual os fatores ordenante e ordenan­do necessariamente formam uma unidade e se comple­mentam e reforçam reciprocamente de forma incondicio­

11 Müller I, e.g. pp. 107 s., 117 s., 125 s., 131 ss., 137 ss., 142 ss., 184 ss. e 201 ss.12 Müller I, pp. 127, 172 sv 184 ss., 201 ss.* Anordnung.* * Normativtatbestand.* * * sachgeprãgtes Ordnungsmodell.

44

Page 66: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

nal na práxis da realização do direito. Uma regra jurídica produz o esboço vinculante de uma ordem materialmente caracterizada, que no entanto não se dissolve no fato dela ser materialmente determinada*. O âmbito da norma entra no horizonte visual da norma jurídica bem como da norma da decisão unicamente no enfoque indagativo determinado pelo programa da norma. Legislação, administração e tribu­nais que tratam na prática o âmbito da norma como norma­tivo, não sucumbem a nenhuma normatividade apócrifa do fáctico. O Tribunal Constitucional Federal voltou-se com razão contra a acusação de que tal procedimento decorreria de um “sociologismo” ou de que ela teria se devotado a uma metódica “não-jurídica”13.

A objeção de que uma parte desse enfoque hermenêu­tico já poderia ser solucionada com os métodos tradicionais da interpretação de Savigny ignora que os cânones fazem com isso algo^que pela sua concepção não deveriam fazer. Na práxis jurídica cabe-lhes constantemente encobrir por meio da linguagem partes integrantes do âmbito da norma que em verdade (co) determinam a decisão do caso jurídico por força da sua própria consistência material e justamente não podem ser identificados com ajuda dos cânones. Não por último em tais discrepâncias, constatou-se sempre de novo que a mera fidelidade às regras de Savigny necessaria­mente permanece fictícia também no direito constitucio­nal.

Não em último lugar, as diferenças das várias discipli­nas setoriais da ciência do direito estão fundadas na dife­rente autonomia material dos âmbitos da norma. Em pres­crições referentes à forma, em normas processuais e orga­

13 BVerfGE 6, pp. 132, 142 ss. e 147 s.* Sachgegebenheit.

45

Page 67: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

nizacionais, em prescrições de remissão*, definições le­gais** e em regulamentações com enunciado jusdogmáti- co-conceitual numérica ou individualmente determinado os âmbitos das normas desaparecem por trás dos programas das normas. Quase nunca fornecem à práxis pontos de vista adicionais para a concretização. Mas quanto mais material­mente vinculada for uma norma, quanto mais partes inte­grantes não-gerados pelo direito contiver o seu âmbito da norma, tanto mais a sua implementação carecerá dos resul­tados de análises do âmbito da norma. No caso de prescri­ções de direito constitucional os âmbitos da norma fre­qüentemente são fecundos e possuem um peso decisivo para a concretização. Por isso a práxis jurisprudencial de tribunais constitucionais tem um valor paradigmático em termos de conhecimento.

Fatores tipológicos da estrutura da norma e com isso das condições distintas da concretização da norma são, por exemplo:

— a peculiaridade do âmbito material (de novo tipo ou tradicionalmente assegurado, de maior ou menor relevân­cia política e social, gerado pelo direito, “de gênese natu­ral” ou ambas as coisas em uma determinada relação de mistura etc.),

— a confiabilidade do texto da norma na formulação do programa da norma,

— a precisão do programa da norma formulado no teor literal da prescrição por ocasião do destaque do âmbito da norma do âmbito material, i. é, dos nexos materiais mais genéricos da prescrição jurídica,

— o grau e o estado do tratamento (científico) de uma área de regulamentação dentro e fora da ciência e da práxis jurídicas e, não em último lugar,

* Verweisungsvorschriften.* * Legaldefinitionen.

46

Page 68: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

— a posição normativa da prescrição jurídica a ser con­cretizada, na sua codificação ou no ordenamento jurídico (constitucional) (assim e.g. a peculiaridade de normas da Parte Geral do Código Civil Alemão [BGB] ou as cláusulas gerais compensatórias, conscientemente incluídas em uma codificação elaborada, como os §§ 138, 242 e 826 do BGB; na Lei Fundamental: determinação da forma de estado, de­terminações dos objetivos do estado, imperativos do Esta­do de Direito de concretude variável, mandatos de legisla­ção, diretrizes constitucionais, normas materiais e referen­tes a critérios de aferição, prescrições de competência, re­gras organizacionais e processuais, direitos fundamentais).

d) Concretização da norma ao invés de interpretação do texto da norma

Enquantojorem indicadas como “métodos” da práxis e da ciência jurídicas somente regras da interpretação, a es­trutura da realização prática do direito terá sido compreen­dida de forma equivocada. A interpretação do teor literal da norma é um dos elementos mais importantes no proces­so da concretização, mas somente um elemento. Uma me­tódica destinada a ir além do positivismo legalista deve in­dicar regras para a tarefa da concretização da norma no sentido abrangente da práxis efetiva. Não pode aferrar-se nem ao dogma da evidência nem ao dogma voluntarista. Não pode conceber o processo bem como a tarefa da reali­zação do direito normativamente vinculada como uma mera reelaboração de algo já efetuado. Ela deve elaborar os problemas da "pré-compreensão” da ciência jurídica e do fato da concretização estar referida ao caso. Ela deve partir in totum de uma teoria da norma que deixa para trás o positivismo legalista.

47

Page 69: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Conforme foi mostrado, a concretização por uma série de razões não pode ser um procedimento meramente cog­nitivo. A normatividade comprova-se apenas na regula­mentação de questões jurídicas concretas. Ela é exigida so­mente no processo de tais regulamentações e só com isso adquire eficácia. Normas jurídicas não são dependentes do caso, mas referidas a ele, sendo que não constitui problema prioritário se se trata de um caso efetivamente pendente ou de um caso fictício. Uma norma não é (apenas) carente de interpretação porque e à medida que ela não é “unívo- ca”, “evidente”, porque e à medida que ela é “destituída de clareza” — mas sobretudo porque ela deve ser aplicada a um caso (real ou fictício). Uma norma no sentido da metó­dica tradicional (i. é: o teor literal de uma norma) pode parecer “clara” ou mesmo “unívoca” no papel. Já o próximo caso prático ao qual ela deve ser aplicada pode fazer que ela se afigure extremamente “destituída de clareza”. Isso se evidencia sempre somente na tentativa efetiva da concreti­zação. Nela não se “aplica” algo pronto e acabado a um conjunto de fatos igualmente compreensível como concluí­do. O positivismo legalista alegou e continua alegando isso. Mas “a” norma jurídica não está pronta nem "substancial­mente” concluída. Ela é um núcleo materialmente circuns- critível da ordem normativa, diferenciável com os recursos da metódica racional. Esse “núcleo” é concretizado no caso individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado nítido, diferenciado, materialmente enri­quecido e desenvolvido dentro dos limites do que é admis­sível no Estado de Direito (determinados sobretudo pela função limitadora do texto da norma). Por meio de deta­lhamento* e concretização recíprocas da norma (nem con­

* Prãzisierung.

48

Page 70: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cluída nem isolável) junto ao conjunto de fatos e do conjun­to de fatos (igualmente nem isolável, nem nesse sentido “concluído”) junto à norma descobre-se em um procedi­mento sempre normativamente orientado o que deve ser de direito no caso individual, em conformidade com a pres­crição jurídica. Um enunciado jurídico não funciona meca­nicamente. A própria doutrina do “sens clair” de direitos estrangeiros, que afirma que conceitos aparentemente uní- vocos não podem ser submetidos à interpretação, só chega a essa afirmação mediante a antecipação interpretativa do possível sentido da norma14. A “subsunção” é apenas apa­rentemente um procedimento lógico formal; na verdade, é um procedimento determinado no seu conteúdo pela res­pectiva pré-compreensão de dogmática jurídica.

Depois do exposto já não é mais possível compreender com sentido* a concretização ou apenas, em formulação mais estrita^a interpretação do texto como reconstrução do que foi intencionado pelo dador da norma no sentido da identificação da sua “vontade” ou da “vontade” da norma jurídica. A simples futuridade** dos casos regulamentan- dos e conseqüentemente das decisões individuais atribuen- das a uma norma determinada faz que nem “a” vontade nem “a” decisão de uma prescrição em si possam ser iden­tificadas. Em contrapartida, a possibilidade para posições decisionistas (e tributárias do positivismo legalista) de iso­lar a “vontade” e colocá-la em caso de conflito acima do teor normativo metodicamente elaborado, no fundo já não é mais um problema do direito, mas uma questão de poder histórico de fato; não mais um problema da ciência do di­

14 Müller I, pp. 45 s; cf. também Esser IV.* sinnvoll.* * Zukünftigkeit.

49

Page 71: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

reito, mas uma questão de metafísica da história e de ideo­logia prática.

O dogma voluntarista descende da pandectística e foi assimilado por ela da teoria do Direito Público dos inícios do positivismo, sobretudo por Gerber e Laband. Ele se prolongou na representação mental da norma jurídica como ordem e privou com a separação de direito e realida­de a norma enquanto alegado imperativo hipotético da re­lação material com o seu âmbito de regulamentação e vi­gência.

Não é possível descolar a norma jurídica do caso jurídi­co por ela regulamentando nem o caso da norma. Ambos fornecem de modo distinto, mas complementar, os ele­mentos necessários à decisão jurídica. Cada questão jurídi­ca entra em cena na forma de um caso real ou fictício. Toda e qualquer norma somente faz sentido com vistas a um caso a ser (co) solucionado por ela. Esse dado fundamental* da concretização jurídica circunscreve o interesse de conheci­mento peculiar da ciência e da práxis jurídicas, especifica­mente jurídico, como um interesse de decisão. A necessida­de de uma decisão jurídica (também de um caso fictício) abrange a problemática da compreensão, os momentos e procedimentos cognitivos. No entanto, a decisão jurídica não se esgota nas suas partes cognitivas. Ela aponta para além das questões “hermenêuticas” da “compreensão”, no sentido genericamente peculiar que “hermenêutica” e “compreensão” têm nas ciências humanas**. E claro que a relação entre os elementos cognitivos e os elementos não- cognitivos no processo de concretização muda conforme a função jurídica exercida e que e.g. o interesse de “conheci­

* Grundtatbestand.* * Geisteswissenschaften.

50

Page 72: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mento” cognitivo passa, na concretização científica diante de um caso fictício, nitidamente para o primeiro plano.

A força enunciativa* de uma norma para um caso é por assim provocada por esse mesmo caso. Em um procedi­mento, que ganha gradualmente em precisão por meio da verificação recíproca da(s) prescrição (prescrições) jurídi- ca(s) considerada(s) relevante(s) junto aos componentes para elas relevantes do conjunto de fatos e, inversamente, dos componentes do conjunto de fatos — tratados, à guisa de hipótese de trabalho, como relevantes junto à norma que lhes é provisoriamente atribuída (ou junto a várias prescrições jurídicas) —, os elementos normativos e os ele­mentos do conjunto de fatos assim selecionados “com vis­tas à sua reciprocidade” continuam sendo concretizados, igualmente "com vistas à sua reciprocidade”, uns junto aos outros (e sempre com a possibilidade do insucesso, i. é, da necessidade de introduzir outras variantes de normas ou normas à guisa de hipótese de trabalho). A solução, i. é, a concretização da norma jurídica em norma de decisão e do conjunto de fatos, juridicamente ainda não decidido, em caso jurídico decidido deve comprovar a convergência ma­terial de ambos, publicá-la e fundamentá-la15.

O que foi dito até agora já torna claro que papel a “pré- compreensão" da norma concretizanda e do caso desempe­nha no trabalho jurídico. No contexto da metódica jurídi­ca, "pré-compreensão” pode significar somente pré-com- preensão jurídica, não pré-compreensão filosófica ou gene­ricamente própria das ciências humanas. Isso vale também diante dos elementos não-jurídicos da pré-compreensão "ideológica” no sentido abrangente, diante do caráter de

15 Cf. também Esser IV.* Aussagekraft.

51

Page 73: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

pré-julgamento* genericamente válido para toda e qual­quer compreensão. A dogmática, a teoria e a metódica do direito (constitucional) devem disponibilizar meios para fundamentar os momentos especificamente jurídicos desse caráter de pré-julgamento autonomamente como pré-com- preensão normativa e materialmente referida do universo jurídico, para delimitá-la de forma clarificadora, diferen­ciá-la e introduzi-la destarte no processo da concretização enquanto fator estruturado, controlável e discutível. A pré- compreensão jurídica e a sua justificação racional — na práxis do direito constitucional em larga escala congruente com a inserção de conteúdos da teoria do estado e da cons­tituição — é assim o lugar de uma crítica das ideologias que nasce da práxis e não deve ser feita autosuficientemente com vistas à própria práxis, mas com vistas à racionalidade e correção da decisão a ser tomada. Diante da ciência do direito, tradicionalmente concebida como ciência humana normativa referida à realidade, a pergunta pela sua objetivi­dade e vigência universal se coloca de forma especial. A ciência do direito distingue-se da "objetividade” das ciên­cias naturais em virtude da sua matéria “histórica”; distin­gue-se do modo de trabalho das ciências humanas "com­preensivas” pela sua vinculação a normas jurídicas “vigen­tes”. O postulado da objetividade jurídica não pode ser formulado no sentido de um conceito ideal "absoluto”; pode, no entanto, ser perfeitamente formulado como pos­tulado de uma racionalidade verificável da aplicação do di­reito, suscetível de discussão, e como postulado da sua ade­quação material** no sentido da caracterização material de prescrições jurídicas e da inclusão dos elementos mate­riais de normatividade na concretização. A objetividade ju­

* Vorurteilshaftigkeit.* * Sachgerechtigkeit.

52

Page 74: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

rídica não pode alegar defrontar-se com a prescrição e o caso sem "pressupostos”. Tais pressupostos já são dados com a linguagem que abrange tanto as prescrições jurídicas quanto os intérpretes. Eles atuam, outrossim, como conhe­cimento de nexos materiais, de dados da experiência e so­bretudo como posições, esforços e teores materiais de teo­ria jurídica, de teoria do estado, de teoria constitucional, de dogmática e de teoria do direito e da constituição; por conseguinte, como forças motivadoras preexistentes à con­cretização individual. A ciência jurídica deve, não em últi­mo lugar, verificar nesse sentido os seus pressupostos, dife­renciá-los e expô-los sem falseamento e embelezamento em termos de método.

O que foi dito segue da natureza da ciência jurídica enquanto ciência prática. No Estado Democrático de Di­reito, a ciência jurídica não pode abrir mão da discutibilida- de ótima dossseus resultados e dos seus modos de funda­mentação. Mesmo na sua condição de ciência normativa ela tem por encargo a intenção de uma vigência universal (que só racionalmente realizável). A necessidade da racio­nalidade mais ampla possível da aplicação do direito segue da impossibilidade da sua racionalidade integral; admitir esta última significaria ignorar o caráter de decisão e de valoração do direito. Essa confissão circunscreve o campo do possível. Sem a sobriedade do excesso racionalista a ideologia poderia desenvolver-se sem limites e controles.

A concretização jurídica não é “reelaboração”* de valo- rações legislativas; não é "reelaboração de configurações espirituais objetivamente fornecidas como orientações prévias”16. A norma jurídica deve regulamentar uma quin­

16 Canaris, pp. 145 ss. e 148.* '‘Nachvollzug”.

53

Page 75: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

rtessência indeterminada de casos jurídicos práticos, nem concluída nem suscetível de ser concluída na direção do futuro. Tais casos jurídicos não podem nem devem ser pré- "solucionados” qualitativa e quantitativamente pelo legis­lador. A sua regulamentação com base na norma jurídica (e, entre outros fatores, com ajuda do seu teor literal), consis­te em partes essenciais de algo diferente da “reelaboração”. De reelaboração de decisões legislativas só se pode falar em um sentido condicionado onde se trata de teores normati­vos “determinados” (âmbitos de normas definidos e gera­dos pelo direito, tais como prescrições puramente formais referentes a trâmites processuais, prazos e datas, normas sobre a composição de um tribunal, prescrições numerica­mente determinadas etc.). Mas a práxis sabe à saciedade que mesmo em tais casos-limite as dificuldades e a “falta de clareza" são inevitáveis. As competências strictiore sen- su, repartidas pelo ordenamento constitucional e jurídico entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não são competências para a “explicação"*, “recapitulação"** de textos de normas, mas competências para a concretização jurídica e a decisão do caso com caráter de obrigatoriedade, em cujo quadro a interpretação enquanto explicação*** do texto constitui um elemento certamente importante, mas apenas um elemento entre outros.

e) Direito constitucional e metódica estruturante

No contexto presente não se pode partir “da” constitui­ção, também não do tipo ocidental da constituição burgue­sa moderna, mas só da constituição de uma determinada

* "Auslegung”, "Interpretation”.** “Nachvollzug”.* * * Auslegung.

54

Page 76: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

sociedade estatalmente organizada*, e.g. da Lei Funda­mental de Bonn. Como questões de método são questões materiais, os problemas de uma metódica do direito cons­titucional que deve ser elaborada aqui e hoje não podem ser separados da peculiaridade dessa Lei Fundamental, dos seus teores materiais e do destino desse ordenamento constitucional na história da República Federal da Alema­nha até os nossos dias. Assim é de importância para a me­tódica do direito constitucional se ela deve ser desenvolvi­da em meio a um ordenamento jurídico com ou sem juris­dição constitucional, institucionalizado nos seus pormeno­res**. O sentido histórico-político de uma constituição re­side no fato dela ser o ordenamento fundante de uma de­terminada sociedade, incluídas as suas forças divergentes. O direito constitucional diz respeito à fundamentação da sociedade estatalmente organizada e do seu ordenamento jurídico globaj^ Suas prescrições não estão garantidas por normas jurídicas hierarquicamente superiores. Seus âmbi­tos de regulamentação são como rendas, malhas com pon­tos largos, fundamentais, “políticos", expostos em grau mais elevado à transformação histórica. São gerados pelo direito em grau especialmente reduzido, são pré-caracteri- zados de modo especialmente reduzido por tradições jurí­dicas detalhistas. A combinação de uma tal “abertura” es­trutural com a finalidade normativa da fundamentação da sociedade estatalmente organizada e de todo o ordenamen­to jurídico torna compreensíveis as dificuldades maiores e específicas da instituição e concretização de normas cons­titucionais. Igualmente nítida se afigura a necessidade de desenvolver um método próprio do direito constitucional, independente da metódica da história do direito, da metó­

* Gemeinwesen.* * ausgebaute Verfassungsgerichtsbarkeit.

55

Page 77: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dica da teoria do direito, da metódica do Direito Civil e do Direito Penal e que se oriente segundo essas dificuldades. Na Alemanha a história do direito constitucional compro­metido com os princípios do Estado Liberal de Direito e a democracia ainda é recente. Mais recente ainda é a tradição da jurisdição constitucional alemã. A falta de figuras jurídi­cas e padrões de decisão pré-formados, que nessa medida servem de base para novos desenvolvimentos, ainda carac­terizará por muito tempo a metódica do direito constitu­cional em todas as áreas da concretização, não em último lugar também na jurisprudência constitucional e na ciência. Não obstante essa situação, o direito constitucional, a legis­lação constitucional e a concretização da constituição têm a incumbência de atualizar a unidade política da associação da sociedade no Estado*, de fornecer fundamentos e crité­rios de aferição à instituição e efetivação de normas no ordenamento jurídico infraconstitucional e de assegurar, paralelamente a essa garantia de legalidade, também a ge­ração, o reconhecimento e a preservação da legitimidade no sentido do que é aceito como conteúdo “correto" pela so­ciedade.

A legalidade e a legitimidade das áreas setoriais do di­reito devem ser mantidas pela constituição, a legalidade e legitimidade do ordenamento constitucional só podem ser mantidas por esse mesmo ordenamento.

A “metódica estruturante” aqui apresentada é desenvol­vida com base no e com vistas ao direito constitucional. A denominação “metódica estruturante” resume o que foi dito sobre a estrutura de norma e texto da norma, de nor­matividade e processo de concretização, sobre o nexo entre concretização estruturada da norma e as tarefas das fun­ções individuais da práxis jurídica, sobre a não-identidade

* Staatlicher Verband.

56

Page 78: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

de norma e texto da norma e sobre a não-identidade de concretização e interpretação; resume, outrossim, os enun­ciados sobre o papel da pré-compreensão, do “sistema”, da “axiomática” e da “tópica”. A metódica estruturante analisa as questões da implementação interpretante e concretizan- te de .normas em situações decisórias determinadas pelo caso. Ela apreende a hierarquia igual de elementos do pro­grama da norma e do âmbito da norma. Ela procura desen­volver meios de um trabalho controlável de decisão, funda­mentação e representação das funções jurídicas. Com isso ela se move na direção da exigência de encontrar graus de interpretação “à maneira” de Savigny, que sejam confor­mes ao direito constitucional atual17. Diante da necessida­de de estruturas normativas relativamente indistintas ela fornece com vistas a demandas futuras de regulamentação às “instituições de redução da indeterminidade, internas ao sistema”18, os-ijistrumentos que nem Savigny nem o positi­vismo legalista tinham oferecido. Isso pressupõe a com­preensão de que mesmo os enfoques ontológicos e fenome- nológicos, normológicos, decisionistas e sociologistas, de que nem os caminhos intermediários de um sincretismo harmonizador de métodos ou de uma mediação dialética, polar ou correlativa, nem os de uma metódica tópica ou de uma realização ponderante de “valores” da metódica da práxis e da ciência constitucional lograram disponibilizar fundamentos e meios suficientes19.

Em correspondência ao seu procedimento estruturante essa metódica não fala de “graus” ou “estágios” da interpre­tação, mas de "elementos" do processo de concretização. Savigny esclarece com a denominação "elementos” que os

17 Até aqui Forsthoff III, p. 525.18 Luhmann II, p. 52.19 Müller I, pp. 24 ss., 47 ss., 77 ss. epassim.

57

Page 79: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

aspectos de método não constituem “espécies da interpre­tação* “separáveis umas das outras, mas momentos de um processo unitário de interpretação, e que a sua relação so­mente pode ser determinada com vistas à estrutura mate­rial do caso jurídico individual20. Para além de Savigny de­vem ir a distinção entre norma e texto da norma e a aplica­ção dos “elementos” por ele formulados ao direito consti­tucional, o processamento crítico da reflexão metodológica elaborada desde então pela práxis e pela ciência, a inclusão dos pontos de vista oriundos do âmbito da norma e das normas do Estado de Direito que se referem ao modo de trabalho da práxis jurídica. Isso eqüivale a um corte na dis­cussão sobre o método na ciência jurídica. Em virtude da sua não-normatividade, nunca se poderá estabelecer uma ordem hierárquica vinculante entre os elementos metódi­cos. Tentativas nessa direção, empreendidas por Savigny e autores posteriores21, fracassaram não por razões de uma deficiente intensidade da pesquisa, mas devido a uma ne­cessidade inerente ao objeto**.

A "metódica estruturante” é uma metódica jurídica. Ela não transfere a hermenêutica filosófica à ciência jurídi­ca, mesmo se na primeira, sob o ponto de vista da “aplica­ção” e da “pré-compreensão” que inclui o intérprete, a ciência jurídica possa ser compreendida como um paradig­ma22. Pelas razões mencionadas a metódica jurídica só po­derá fundamentar-se na análise de técnicas práticas de tra­balho nas funções da concretização do direito e da consti­tuição.

20 v. Savigny I, p. 212, 213, 215 e 320.21 Kriele, pp. 67 ss., 85 ss. e 97 ss.22 Gadamer, pp. 280, 290 ss., 307 ss., 315 e 323.* Auslegung.** sachliche Notwendigkeit.

58

Page 80: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

2. Elementos da concretização da norma

Segundo a sua origem devemos distinguir dois grupos de elementos de concretização. O primeiro abrange os re­cursos do tratamento da norma no sentido tradicional, i. é, o tratamento do texto da norma. Esses recursos não se refe­rem apenas aos textos das normas, mas também à formula­ção de não-normas em linguagem.

Um segundo grupo não diz primacialmente respeito à interpretação de textos normativos ou não-normativos. Ele abrange os passos de concretização, por meio dos quais são aproveitados os pontos de vista com teores materiais, que resultam da análise do âmbito da norma da prescrição im- plementanda e da análise dos elementos do conjunto de fatos destacados como relevantes no processo de concretização por via de detalhamentos recíprocos.

a) Elementos^netodológicos strictiore sensu

Compreende-se por esses elementos os aspectos da in­terpretação gramatical, histórica, genética, sistemática e teleológica, além disso os princípios aqui discutidos da in­terpretação da constituição e os problemas da lógica formal e da axiomatização no direito constitucional. Por essa razão os elementos do âmbito da norma e do âmbito do caso (conjunto de fatos) não pertencem a esse grupo de elemen­tos, pois não se referem em primeira linha à interpretação de textos. Por fim, os elementos dogmáticos, de técnica de solução, de política constitucional e de teoria desempe­nham um papel igualmente considerável para a metódica do direito constitucional, por ocasião da concretização da constituição. No entanto, embora eles sejam tratados mui­tas vezes como normativos na práxis, não se direcionam primacialmente para uma concretização da norma jurídica,

59

Page 81: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

que seja adequada ao caso. Quanto ao seu objeto (ainda que não com respeito às técnicas de encobrimento da práxis), eles cumprem funções ancilares de clarificação, de detalha­mento orientado segundo a norma e de fundamentação mais pormenorizada, normativamente garantida, de tais teores de regulamentação que já foram identificados com outros meios como teores do direito vigente.

aa) Regras tradicionais da interpretação

1. Interpretação gramatical. Em um ordenamento constitucional dotado de um direito constitucional codifi­cado que é — como as normas do direito infraconstitucio- nal — fixado no seu conteúdo, deliberado, lavrado e pro­mulgado em determinados trâmites legislativos, os ele­mentos de interpretação e concretização resultam da pró­pria coisa* com base no teor literal da prescrição, com base no teor literal de outras normas a ela relacionandas e, por fim, com base nos textos (não-normativos) dos materiais legais (constitucionais). As interpretações gramatical, sis­temática e genética não são os elementos de concretização mais próximos por uma razão que lhes seja "substancial­mente” inerente. Eles o são apenas funcionalmente em um ordenamento jurídico desse tipo.

Na mesma direção atuam sob a Lei Fundamental de Bonn imperativos constitucionais normativos como clareza de textos das normas e do tratamento dos textos das nor­mas, com vistas à clareza de normas e métodos, própria do Estado de Direito. Esse complexo de ordenamentos do Es­tado de Direito está e.g. especialmente formulado na Lei Fundamental nos arts. 19 al. 1 frase 2, 79 al. 1 frase 1, e 80

* aus der Sache selbst.

60

Page 82: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

al. 1 frase 2 (em nexos funcionais respectivamente distin­tos).

A concretização da constituição inicia usualmente com a busca do sentido literal*. Já esse primeiro elemento só pode fornecer indícios apenas mediados do teor da norma, não garantir e.g. um recurso sem mediações a ele. Isso se torna claro também na concretização do direito constitucio­nal consuetudinário. Como o direito (constitucional) con- suetudinário não dispõe de uma formulação lingüística fi­xada com autoridade, a tarefa de tal fixação (funcional­mente atribuenda ao Poder Legislativo em ordenamentos jurídicos codificados) deve ser incluída em cada processo de concretização. Da inexistência de um texto autêntico resultam ainda algumas peculiaridades facilmente com­preensíveis: faltam os materiais da legislação e com isso as possibilidades da interpretação genética; e o ponto de vista da correção ftujcional do resultado recúa para um segundo plano, pois não se discute então a relação entre governo, administração ou jurisprudência com uma instância que institui o direito constitucional escrito em um procedimen­to normativamente previsto. Dogmaticamente o direito constitucional consuetudinário como complementação executante e completante* da constituição codificada so­mente pode subsistir em harmonia com os fundamentos e as normas individuais dessa constituição, praeter constitu- tionem.

A interpretação gramatical do direito constitucional es­crito determina-se segundo os diferentes tipos de normas. A interpretação gramatical do art. 22 ou do art. 27 da Lei Fundamental praticamente não oferece dificuldades, a das normas da parte organizacional quase sempre dificuldades

* Wortsinn.** ausfüllende.

61

Page 83: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

menores do que o elemento gramatical da concretização em direitos fundamentais, por ocasião de normas funda­mentais do direito constitucional como art. 20 ou mesmo do que no caso das prescrições de competência dos arts. 73 e seguintes da Lei Fundamental. De resto, a interpretação gramatical será essencialmente suficiente para o art. 27 e conclusivamente suficiente para o art. 22 da Lei Funda­mental. Isso não se deve ao fato, tradicionalmente alegado, dos arts. 22 e 27 da Lei Fundamental terem sido "formula­dos com especial clareza”. Em termos de linguagem e “gra­mática”, eles não são formulados mais clara ou univoca- mente do que e.g. os textos de normas de prescrições refe­rentes a direitos fundamentais ou competências. As dife­renças quanto à sua concretização (unicamente) com os meios da interpretação gramatical localizam-se na diferen­ça estrutural das normas jurídicas. Não é uma diferença lingüística (“gramatical”) dos textos das normas, mas a efi­cácia da pré-compreensão (jurídica) que demonstra que o texto da norma do art. 4o al. 1 da Lei Fundamental23 possa afigurar-se ao jurista “menos claro”, “mais amplo” ou “mais indeterminado” do que o texto da norma do art. 52 al. 1 da Lei Fundamental24. Diante do pano de fundo da sua pré- compreensão não-jurídica, ambos os enunciados talvez se afigurem ao não-jurista igualmente “claros" ou “não-claros” em termos de conteúdo. Já no quadro da sua pré-com- preensão materialmente informada e orientada dos proble­mas jurídicos e das normas, o jurista compara os âmbitos das normas das prescrições em pauta, dos quais ele conhe­ce as linhas mestras ou os pormenores, com os seus textos. Já por ocasião dessa operação raciocinante previamente

23 “A liberdade de crença e de consciência e a liberdade de confissão religiosa e ideológica são invioláveis.”24 “O Conselho Federal elege o seu Presidente por um ano.”

62

Page 84: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

efetuada e muitas vezes não-explícita, ele constata diferen­ças consideráveis entre as estruturas das normas.

As normas especiais do direito constitucional também não oferecem um quadro estruturalmente unitário para a concretização gramatical. Assim, prescrições referentes a direitos fundamentais, e.g. a liberdade de domicílio e a liberdade da ciência, a liberdade de ir e vir ou a liberdade de crença, consciência e confissão estão abstraídas em graus diferentemente elevados na linguagem. Isso por sua vez não deve ser creditado a maiores ou menores graus de “determinidade” das formulações lingüísticas, mas às dife­renças materiais entre as matérias garantidas, à sua objeti- vabilidade, ao grau do fato delas terem sido geradas pelo direito e à possibilidade do seu detalhamento jurídico, em duas palavras: à diferença dos âmbitos das normas.

Em tudo isso a interpretação gramatical evidencia de­pender da estrutura da norma. Isso não se deve ao fato da norma estar substancialmente presente no texto da norma. Os teores materiais jurídicos não estão “contidos” nos ele­mentos lingüísticos dos enunciados jurídicos. Conceitos ju­rídicos não coisificam enunciados. O conceito jurídico dog­mático só tem valor de signo25. Além disso o aspecto gra­matical (só aparentemente unívoco) freqüentemente obri­ga a decidir-se por um entre vários modos de utilização dos conceitos usados, entre significados na linguagem cotidiana e na linguagem jurídica e em parte também entre diferen­tes significados jurídicos. Isso somente é possível porque também o "método'1 gramatical não diz respeito ao texto da norma, mas à norma. Já aqui o possível sentido da norma deve ser interpretado por antecipação, o que implica o abandono da esfera da interpretação literal de cunho filoló- gico.

25 Esser II, p. 57.

63

Page 85: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

De forma estruturalmente análoga, mas funcionalmen­te distinta a interpretação gramatical opera onde os textos de normas constitucionais limitam a extensão da concreti­zação juridicamente admissível. Por razões ligadas ao Esta­do de Direito, o possível sentido literal circunscreve, não em último lugar no Direito Constitucional, o espaço de ação de uma concretização normativamente orientada que respeita a correlação jusconstitucional das funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis varian­tes de sentido, i. é, funcionalmente defensáveis e constitucio­nalmente admissíveis. Outro somente vale onde o teor lite­ral for comprovadamente viciado26. Decisões que passam claramente por cima* do teor literal da constituição27 não

26 Cf. genericamente para o tratamento do teor literal da lei: Keller.* überspielen.27 E.g. BVerfGE 1, pp. 351 e 366 s; 2, pp. 347 e 374 s.; 8, pp. 210 e 221; 9, pp. 89,104 ss.; 13, pp. 261 e 268. Com referência a BVerfGE 2, pp. 347, 374 s., cf.: Müller, JuristischeMethodik [Müller VI], Ia ed. (1971), pp. 181 ss.; na 2a ed. (1976), pp. 198 ss.- A minha tese sobre o teor literal como limite extremo da concretização admissível no Es­tado de Direito (mas não: da concretização metodologicamente possí­vel) escandalizou o mundo das letras jurídicas. Parece evidente que eu não a explicitei com suficiente clareza na Juristische Methodik-, isso vale ainda para a 2a ed., e.g. pp. 205 s., 268. Espero que o que quis dizer entrementes tenha sido formulado com suficiente nitidez em Müller, Juristische Methodik und Politisches System (1976), pp. 77 ss., espe­cialmente 78; cf. também ibid. pp. 80 ss, 82 ss.- Em duas palavras: A função limitadora do texto da norma não é idêntica à função de con­cretização do elemento gramatical. A decisão não se restringe à inter­pretação de textos, não fica colada ao teor literal não-mediado. Pela via de regras de preferência (sobre elas, v. Juristische Methodik [Müller VI], Ia ed., pp. 188 ss.; 2a ed., pp. 204 ff.), ela não precisa “resultar do teor literal”, mas deve ser de qualquer modo ainda compatível com o texto da norma não apenas interpretado gramaticalmente, mas integral­mente concretizado no precedente processo decisório. Essa sentença exige, no caso da negação — “ao menos não mais compatível” —,

64

Page 86: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

são admissíveis. O texto da norma de uma lei constitucio­nal assinala o ponto de referência de obrigatoriedade ao qual cabe precedência hierárquica em caso de conflito. Isso é tanto mais importante, quanto mais cada norma deve ser elaborada na sua normatividade concreta apenas no caso jurídico fictício ou atual. Com isso o manuseio da interpre­tação gramatical da constituição se torna uma questão deli­cada. A interpretação gramatical quase nunca tem serven­tia como um “método” que poderia gerar resultados evi­dentes. Por depender da explicitação e valoração do senti­do lingüístico, só pode ser limitadamente objetiva. A medi­da que o texto expressa de forma lingüisticamente confiá­

univocidade. Se ela for no mínimo ambígua, não se pode afirmar que o espaço de ação de variantes de qualquer modo ainda possíveis de com­preensão do texto da norma tenha sido abandonado.- Como exemplo dos efeitos produzidos por essa formulação mais precisa, lembro que a Sentença Kehl do Tribunal Constitucional Federal de 30 de julho de 1953, BVerfGE 2, pp 347 e 374 s., não supera um teor literal nessa medida unívoco dos arts. 32 al. 1 frase 2 da Lei Fundamental — “sujei­tos jurídicos estatiformes do Direito das Gentes” — é examinado de forma mediada no cotejo com todos os pertinentes dados decisórios de natureza histórica, genética, sistemática, teórica e dogmática bem como no cotejo com os dados do âmbito da norma e excluído por fim de forma não-unívoca do texto da norma “países estrangeiros”, corres­pondentemente concretizado. Unívoca nesse sentido seria aqui apenas uma definição legal que excluísse todos os sujeitos não-estatais do Direito das Gentes no texto da norma dos artigos constitucionais em pauta ou um uso terminológico diferenciador da Lei Fundamental, que pudesse ser comprovado claramente na sistemática da referida carta e distinguisse sempre estados de sujeitos não-estatais do Direito das Gentes. De resto a univocidade poderá ser constatada nesse contexto sobretudo em textos de normas numericamente determinados.- Quan­to à Sentença Kehl, reviso a minha afirmação contrária, mais recente­mente in: Juristische Methodik, 2a ed., p. 31.- Sobre a discussão de todo esse complexo no plano da teoria geral do direito, cf. ainda: Mül­ler I, e.g. pp. 147 ss., 158 ss.; Id. Juristische Methodik (Müller VI), Ia ed., pp. 140 ss.; 2a ed., pp. 153 ss.

65

Page 87: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

vel o espaço de ação para os enunciados normativos, o re­sultado não pode contrariar as possibilidades de solução remanescentes nesse espaço de ação. O fato de que o espa­ço de ação deve, por sua vez, ser determinado também com ajuda de elementos lingüísticos não torna ilusória a decisão racional entre os pontos de vista freqüentemente inconfor­mes, embora a torne difícil justamente nas condições de trabalho no direito constitucional.

Contrariamente à primeira impressão, a interpretação gramatical não opera sozinha mesmo no estágio cronologi­camente mais precoce da concretização. Na busca de de­fensáveis variantes lingüísticas de sentido que o texto da norma indica com referência ao caso, já se recorre a outros elementos.

2. Elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleoló- gicos. Os elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros e do procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles. As interpretações genética, histórica e sistemática estão estreitamente apa­rentadas à interpretação gramatical: também elas são meios da interpretação do texto (mais precisamente, de outros textos, em parte normativos, em parte não-normativos, ao lado do teor literal da prescrição implementanda). Pode-se afirmar até que os dois modos procedimentais referidos a textos não-normativos, o genético e o histórico, seriam quanto ao seu objeto pontos de vista auxiliares no âmbito do aspecto gramatical: como se chegou à presente formula­ção? Que idéias acerca do sentido e que intenções de regu­lamentação conduziram — por um lado, historicamente e sem ligação com o direito vigente, por outro lado, de forma igualmente histórica, mas com ligação genética com ele — à presente formulação da norma jurídica? Os pontos de

66

Page 88: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

vista genéticos e históricos podem ajudar a precisar em termos de conteúdo as possíveis variantes de sentido no espaço de ação demarcado pelo teor literal. Se os enfoques indagativos (ao invés da natureza abstrata do enfoque inda- gativo que pergunta pelas possibilidades históricas e gené­ticas da compreensão) do caso produzirem resultados par­ciais divergentes, o procedimento ulterior será determina­do pela pergunta pela hierarquia dos elementos de concre­tização. Essa questão não pode ser solucionada na perspec­tiva reduzida de um litígio entre teoria “subjetiva” e teoria “objetiva”.

Na práxis o entrelaçamento dos elementos de interpre­tação evidencia ser em parte necessário ao objeto*, em par­te uma conseqüência da falta de uma consciência de méto­do. O aspecto histórico muitas vezes está mesclado de for­ma nada clara com suposições genéticas e, em virtude da idéia da “univocidade”, também com suposições teleológi- cas. Com vistas à opção entre uma sistemática dos textos das normas e dos elementos do programa da norma e do âmbito da norma. O topos sistemático carece de adicionais pontos de vista auxiliares que só podem ser obtidos me­diante a interpretação gramatical, histórica, genética e, mais uma vez, sistemática, bem como mediante a análise dos âmbitos das normas. Por fim, o "método" teleológico não pôde ser documentado até agora como hermenêutica ou metodicamente autônomo. Na práxis ele atua como ba­cia de confluência de valorações subjetivas ou ao menos subjetivamente mediadas de natureza referida ou não-refe- rida a normas, na sua totalidade de natureza preponderan­temente determinada pela política do direito e da consti­tuição ou pela política em geral. Com igual freqüência ele serve de rótulo para tais pontos de vista materiais do âmbi­

* sachnotwendig.

67

Page 89: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

to da norma que normalmente se escondem por trás de clichês como "conformidade ao fim”, “praticabilidade”, atrás de idéias funcionalmente não-esclarecidas sobre a “natureza da coisa”, a “essência do instituto jurídico”, a "consideração de dados sociais e políticos" ou atrás de ou­tros expedientes.

Via de regra, a concretização sistemática abrange, ao lado do contexto dos teores literais argumentativamente exposto, ao mesmo tempo o contexto das estruturas mate­riais dos âmbitos de regulamentação. Esse nexo deve ser clarificado por meio de uma análise dos âmbitos de norma das prescrições sistematicamente interligadas. Isso compli­ca o procedimento sistemático, mas obriga também a pas­sar no seu âmbito, de forma mais pronunciada do que na alegada mera explicitação do texto, de inferências postu­lantes a inferências facticamente documentáveis. Para a in­terpretação sistemática dos direitos fundamentais coloca-se especialmente a tarefa de não preencher sem mediações o programa das normas dos direitos fundamentais a partir dos âmbitos e dos programas das normas de prescrições infraconstitucionais. Estas últimas deverão, muito pelo contrário, ser medidas e, em caso de conflito, corrigidas com base no programa e no âmbito das normas dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais estão especial­mente reforçados nos seus âmbitos de normas. Em virtude da sua aplicabilidade imediata28 eles carecem de critérios materiais de aferição que podem ser tornados plausíveis a partir do seu próprio teor normativo, sem viver à mercê das leis ordinárias.

A interpretação teleológica não é um elemento autôno­mo da concretização, já que pontos de vista de “sentido e finalidade” da prescrição interpretanda só podem ser adu­

28 Lei Fundamental art. 1, al. 3.

68

Page 90: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

zidos à medida da sua documentabilidade com ajuda dos outros elementos. A suposição de uma "ratio” que não pode ser comprovada sob nenhum outro aspecto da con­cretização, desqualifica-se enquanto "valoração" ou “pon­deração" subjetiva descolada da norma. Mas a pergunta pelo. “sentido e [pela] finalidade" da norma concretizanda é um enfoque indagativo distinguível e com isso autônomo no trabalho com elementos gramaticais, históricos, genéti­cos e sistemáticos bem como com os elementos da concre­tização desenvolvidos além dos cânones. No seu quadro e sob seu controle o argumento a partir do “telos” da prescri­ção (via de regra ainda não satisfatoriamente implementa­da) pode oferecer adicionais pontos de vista auxiliares de boa serventia.

Em regra tanto a interpretação sistemática quanto a in­terpretação teleológica têm por escopo a combinação de vários, quando não todos os elementos de concretização sob a designação "sistemáticos” ou "teleológicos". Por con­seguinte, somente os aspectos histórico e genético podem ser nitidamente distinguidos dos outros aspectos, em virtu­de da sua vinculação a textos não-normativos (a regulamen­tações anteriores comparáveis ou aos materiais legislati­vos); mas eles também estão integralmente entrelaçados a outros aspectos, quanto ao seu objeto. Além disso não se deve esquecer que também os textos com prescrições com­paráveis já não mais vigentes bem como os textos dos ma­teriais legislativos devem ser interpretados; e apesar do seu caráter não-normativo, eles devem ser interpretados em princípio com os mesmos meios válidos para os textos de normas. Em formulação ainda mais precisa, a interpretação histórica e a interpretação genética são subcasos da inter­pretação sistemática. Só que os pontos de vista por elas aduzidas não se originam em outras prescrições do direito vigente (como normalmente ocorre na interpretação siste­

69

Page 91: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mática), mas — identificados com ajuda da história do di­reito e do Direito Comparado histórico — de normas ante­riores autóctones ou estrangeiras, de textos não-normati- vos na forma de decisões, definições e enunciados doutri­nários sobre essas prescrições anteriores e de textos não- normativos na forma de materiais legais.

Regras tradicionais, enfim, como a de que prescrições de exceção* devem ser submetidas a uma “interpretação stricto sensu”, como a analogia ou o argumentum e contra­rio pertencem materialmente ao contexto dos modos de interpretação gramatical, histórica, genética e sistemática, entrelaçados conforme o exposto. Aqui não se deve ignorar que somente os pressupostos de tais regras, e.g. o resultado provisório de que haveria uma “prescrição de exceção”, são por sua vez sempre o resultado da interpretação e da con­cretização e não funcionam sem que se considere a estrutu­ra da norma de forma diferenciada29.

Assim as regras tradicionais da interpretação não po­dem ser isoladas como “métodos" autônomos para si. No processo da concretização elas não somente revelam com­plementar e reforçar-se reciprocamente, mas estar entrela­çadas materialmente já a partir do seu enfoque. Não for­mam procedimentos autonomamente circunscritíveis e fundamentáveis, mas aparecem como facetas distintas de uma norma concretizanda no caso. Da tarefa prática elas resultam como indagações a uma prescrição que apresenta modelos históricos e materiais legislativos comparáveis (in­terpretação histórica e genética). De resto, elas se dirigem a toda e qualquer norma jurídica: porque cada norma jurí­dica tem o seu texto da norma — a consuetudinária um texto mutante, a escrita um autenticamente fixado — (in­

29 Cf. para o Direito Civil ap. Larenz, p. 329.* Ausnahmevorschriften.

70

Page 92: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

terpretação gramatical); porque nenhuma norma do direito positivo representa apenas a si mesma, mas ao menos se relaciona com todo o ordenamento jurídico (interpretação sistemática); porque, finalmente, cada norma pode ser questionada com vistas ao seu “sentido e [à sua] finalida­de”. J^Iessa medida Savigny formulou com efeito elemen­tos necessariamente dados com a tarefa da concretização do direito. Além disso qualquer norma implementanda para um caso pode ser examinada com vistas aos elementos do seu âmbito normativo, pode ser tratada em termos de técnica de solução, pode ser avaliada em termos dogmáti­cos e em termos de teoria do direito ou da constituição, bem como em termos de política do direito ou da constitui­ção. Todas as funções jurídicas, da legislação até a interpre­tação científica, comprovam pela sua práxis que esses ele­mentos não podem ser dispensados na sua totalidade por ocasião da coçcretização da norma.

bb) Princípios da interpretação da constituição

Diante dos tradicionais elementos de interpretação, aqui analisados com vistas ao direito constitucional, os princípios da interpretação da constituição desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência só são autônomos em grau reduzido. Na sua maior parte eles configuram subca- sos dos aspectos lingüístico, histórico, genético, sistemáti­co e “teleológico” da concretização. Os pontos de vista au­tônomos são a acepção dos direitos fundamentais como um “sistema de direitos fundamentais” fechado e coerente, destacado do contexto das normas constitucionais restan­tes, e a concepção do direito constitucional como uma "or­dem de valores” ou como um “sistema de valores"; outros- sim, o imperativo da interpretação das leis em conformida­de com a constituição e o critério de aferição da correção

71

Page 93: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

funcional da concretização da constituição. Os aspectos do sistema de direitos fundamentais e da constituição enquan­to sistema de valores ou ordem de valores foram rejeitados aqui como princípios da metódica do direito constitucio­nal. O imperativo da interpretação conforme a constituição foi caracterizado como argumentativamente defensável — com reservas diante de determinadas tendências da juris­prudência e com a restrição de tratá-lo em princípio so­mente como um elemento da interpretação, ao lado de outros.

O critério de aferição da correção funcional afirma que a instância concretizadora não pode modificar a distribui­ção constitucionalmente normatizada das funções nem pelo modo da concretização nem pelo resultado desta30. Os pontos de vista decisivos para o critério de aferição da cor­reção funcional estão na diferenciação racional e na contro- labilidade dos elementos de concretização, assim possibili­tada. Com isso eles dizem respeito à tarefa da metódica do direito constitucional na sua totalidade e em princípio já foram tratados por ocasião das observações sobre a tópica e sobre o direito jurisdicional no direito constitucional.

cc) Subcasos de regras tradicionais da interpretação

1. Praticabilidade. Pontos de vista materiais a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso freqüentemente são atribuídos à natureza da coisa ou à interpretação teleológi- ca. Em função comparável critérios de aferição a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso aparecem como pon­tos de vista de controle que verificam o processo de con-

30 Ehmke III, pp. 73 ss., inclusive a análise da doutrina da "political question" e da doutrina dos “preferred freedoms” do direito constitu­cional norte-americano.

72

Page 94: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cretização no seu fim, quando e.g. o Tribunal Constitucio­nal Federal repensa a sua concretização, de resto concluída, no cotejo com os “resultados práticos”31, com a possibilida­de de um “resultado contrário ao sentido”32 ou com a "rea­lidade da vida” e os "resultados plausíveis”33 por ela medi­dos. Não há nada a objetar contra a introdução desse ele­mento de controle, contanto ele produza um efeito esclare­cedor ou confirmador. O mesmo vale enquanto no caso de contradição ele não derrubar o resultado normativamente assegurado, mas conduzir apenas à modificação da escolha entre diferentes alternativas de solução normativamente fundamentadas no caso concreto. Não se pode decidir con­tra a norma jurídica e contra a norma de decisão concreti­zada a partir dela no caso individual bem como contra a função limitadora do teor literal, mesmo se a ordem nor­mativa parece contrária à finalidade34.

x2. Interpretação a partir do nexo da história das

idéias*. Na interpretação a práxis e a ciência são freqüen­temente forçadas pelos direitos fundamentais, mas tam­bém por outras prescrições constitucionais a recorrer a per­cursos de história da idéias, de história evolutiva e de histó­ria do direito e da constituição no sentido mais estrito, para obter deles por meio da comprovação da continuidade ou descontinuidade material e normativa pontos de vista para a concretização35. Quando se pode comprovar um nexo de

31 BVerfGE 12, pp. 151 e 171.32 BVerfGE 13, pp. 261 e 270.33 BVerfGE 7, pp. 377 e 401.34 Ossenbühl, p. 660.35 E.g. BVerfGE 1, pp. 167 e 178; 10, pp. 285 e 296; 12, pp. 205 e208 ss.; 19, pp. 303 e 314 ss.* geistesgeschichtlicher Zusammenhang.

73

Page 95: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

tradição histórica bem como normativamente ininterrupto, esse procedimento poderá fornecer retroinferências valio­sas aos teores conceituais do texto da norma sobretudo no quadro da interpretação lingüística e sistemática. Mas ele pode ser apreendido integralmente com a interpretação histórica no sentido tradicional e carece da autonomia me­tódica que poderia identificá-lo como princípio sui generis da interpretação da constituição36.

3. Critério de aferição do efeito integrante. O critério de aferição do efeito integrante deve — orientado segundo a norma nos caminhos da constituição vigente37 — ordenar que na concretização do direito constitucional se dê sem­pre preferência aos pontos de vista instauradores e preser- vadores da unidade38. Mas também nisso não se deve reco­nhecer um princípio autônomo da metódica do direito constitucional, mas um subcaso da interpretação sistemáti­ca. De resto também esse critério de aferição, bem como o da força normativa da constituição, tem o seu lugar entre os elementos de política constitucional strictiore sensu.

4. Princípio da unidade da constituição. Esse princípio ordena interpretar normas constitucionais de modo a evitar contradições com outras normas constitucionais e especial­mente com decisões sobre princípios do direito constitu­cional39. A "unidade da constituição” enquanto visão orien­tadora* da metódica do direito constitucional deve antepor

36 Assim, contudo, provavelmente Ossenbühl, pp. 658 ss.37 Nesse sentido contra Smend, p. 190.38 Hesse II, p. 28.39 Cf. e.g. Lerche I. pp. 125 ss; Ehmke III, pp. 77 ss.; Hesse II, p. 28; Müller I, pp. 115, 124 s., 136 s., 205 s.; Ossenbühl, pp. 654 ss.* Leitbild.

74

Page 96: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

aos olhos do intérprete, enquanto ponto de partida bem como, sobretudo, enquanto representação do objetivo, a totalidade da constituição como um arcabouço de normas. Este, por um lado, não é destituído de tensões nem está centrado em si*, mas forma, por outro lado,provavelmente um todo integrado com sentido. No quadro do que pode ser argumentativamente defendido e fundamentado em termos de método, o intérprete deve procurar ajustar eventuais contradições que apareçam como resultados par­ciais no processo da concretização de modo a harmonizá-las umas com as outras no resultado. A medida que a “unidade da constituição” formula essa tarefa, ela tem um caráter mais próximo à política constitucional do que a uma metó­dica elaborada. Ela não consegue dizer que procedimento deve conduzir a tal harmonização. Quanto ao enfoque, esse procedimento consiste das possibilidades da interpretação sistemática, alçm disso na inclusão dos aspectos (sistemáti­cos) da análise do âmbito da norma e genericamente em um procedimento adicional de interpretação harmonizado- ra para a superação de antinomias surgidas, com ajuda dos recursos normais da metódica do direito constitucional. No resultado, isso fica claro também na análise da jurisprudên­cia contudo pouco diferenciada do Tribunal Constitucional Federal sobre o princípio da unidade da constituição40.

5. Quadro global** de direito pré-constitucional. Em algumas decisões41 a jurisprudência do Tribunal Constitu­

40 E.g. BVerfGE 1, pp. 14, 32 s.; 2, pp. 380 e 403; 3, pp. 225 e 231; 6, pp. 309 e 361; 19, pp. 206 e 220.41 BVerfGE 2, pp. 380 e 403; 9, p. 89 e 96; cf. também BVerwGE 1, pp. 159 e 161.* in sich ruhend.* * Gesamtbild.

75

Page 97: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cional Federal e do Tribunal Federal de Contenciosos Ad­ministrativos procuraram extrair da representação de um quadro global “pré-constitucional” ou “anterior à confor­midade à constituição” conseqüências para a concretização de prescrições constitucionais ou para a medição de nor­mas legais com base nessas prescrições. Trata-se de dois grupos de casos. No primeiro caso procura-se um “quadro global” na forma de um estado pré-constitucional de uma área parcial do direito infraconstitucional, a ser medida com base na constituição. Não há nada a objetar contra tal procedimento enquanto a sua função permanecer heurísti­ca. Os critérios vinculantes de aferição são os do direito constitucional atualmente vigente. A legalidade do direito legal deve credenciar-se com base na constituição vigente aqui e hoje. Assim o recurso à um quadro geral anterior à conformidade à constituição de uma área do ordenamento jurídico infraconstitucional não é nada mais do que um subcaso da interpretação histórica (e, dependendo das cir­cunstâncias, também da interpretação genética).

Em contrapartida, estão em pauta no segundo caso questões de concretização da própria constituição vigente. Nessa medida o recurso a um “quadro global anterior à conformidade à constituição" evidencia ser novamente um subcaso das regras tradicionais da interpretação. Mas o to­pos aponta simultaneamente na direção de uma teoria da constituição que deve oferecer ao direito constitucional vi­gente “princípios e idéias orientadoras gerais provedoras de coesão interna”.

6. Nexo de normas de direitos fundamentais e de nor­mas de competência. Próximo ao princípio da unidade da constituição está a diretriz de partir, contrariamente à su­posição de um isolável “sistema de direitos fundamentais", do nexo material, de uma concretizabilidade reciproca­

76

Page 98: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mente referida de direitos fundamentais e prescrições de competência. Onde esse princípio* é formulado generica­mente42, ele é mais amplo do que a idéia fundamentado- ra* * do princípio da unidade da constituição. Com razão o nexo entre a parte referente aos direitos fundamentais e a parte, organizacional da constituição não é restringido aos casos da concretização da norma que conduzem a contradi­ções no direito constitucional.

7. Concordância prática. O princípio da concordância prática43 também apresenta uma estreita relação com o princípio da unidade da constituição. Ele não formula ape­nas no caso da existência de contradições normativas, mas também nos casos de concorrências e colisões e.g. de várias normas de direitos fundamentais no sentido de uma sobre­posição parcial dos seus âmbitos de vigência, a tarefa de traçar aos doi$ ou a todos os “bens jurídicos" (de direitos fundamentais) envolvidos as linhas de fronteira de modo tão “proporcional” que eles cofundamentem também no resultado a decisão sobre o caso. Com isso ocorre um posi­cionamento contra as técnicas da “ponderação de valores” ou da “ponderação de bens"44. Ocorre que a otimização de todas as normas e de todos os bens tutelados envolvidos, exigida pelo princípio da concordância prática, não pode indicar positiva, mas só negativamente o objetivo da con­cretização. A concretização não deve atribuir globalmente,

42 E.g. H.P. Schneider, p. 31; Ehmke III, especialmente pp. 89 ss.; Ossenbühl, p. 657.43 Cf. aqui Lerche I, pp. 125 ss.; Hesse II, pp. 28 s.; Müller I, pp. 58, 160, 213 s., 216; III, p. 89.44 Cf. aqui Müller I, pp. 207 ss.; III, pp. 17 ss.; IV, pp. 20 ss.* Grundsatz.* * Grundsatz.

77

Page 99: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

no sentido da “ponderação”, o “primado” a uma norma e fazer a outra "recuar para o segundo plano”, de forma igual­mente global. Ela mão deve atualizar uma inteiramente às expensas da outra, embora, segundo o resultado da concre­tização, a outra norma também co-determine o caso como norma de decisão. A concordância prática como subcaso autonomamente circunscritível da “unidade da constitui­ção” oferece, como esta última, só uma determinação for­mal do objetivo e de resto um apelo que na sua essência deve ser compreendido em termos de política constitucio­nal.

8. A força normativa da constituição. Menciona-se ain­da como critério de aferição da interpretação da constitui­ção a “força normativa da constituição”45. Na solução de problemas de direito constitucional deve-se dar preferên­cia aos pontos de vista que "promovam sob os respectivos pressupostos a eficácia ótima da constituição normativa”. O critério de aferição da força normativa da constituição também não disponibiliza nenhum procedimento próprio. Acaba sendo um apelo, uma representação de um objetivo que necessariamente só pode ser circunscrita em termos formais. Visto assim, também esse critério de aferição deve ser classificado menos entre os pontos de vista de metódica da interpretação strictiore sensu do que entre os elementos de política constitucional da concretização.

Para os direitos fundamentais o Tribunal Constitucio­nal Federal procurou desenvolver um princípio à primeira vista análogo, a assim chamada efetividade dos direitos fun­damentais, como princípio de interpretação46. O tribunal

45 Hesse II, pp. 29 s.46 BVerfGE 6, pp. 55 e 72; cf. a respeito Ehmke III, pp. 87 ss.

78

Page 100: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

infere desse princípio que os direitos fundamentais devem ser submetidos a uma interpretação ampla. Com isso a ju­risprudência se avizinha diretamente do enunciado "m dú­bio pro libertate”47, que parte de uma presunção de liberda­de em favor do cidadão. Tal proximidade poderia, contu­do, só ser fundamentada normativamente do direito cons­titucional vigente. Mas é duvidoso que se possa afirmar uma compreensão dos direitos fundamentais, em princípio individualista no caso de um conflito, com base na Lei Fun­damental de Bonn48. A presunção inicial de liberdade é também é problemática sob o aspecto (no entanto igual­mente não-normativo) da unidade da constituição. Inequi­vocamente errôneo é o princípio da efetividade dos direi­tos fundamentais, sustentado pelo Tribunal Constitucional Federal. Tudo indica que a jurisprudência incorreu, com referência a esse princípio, em compreensão equivocada de um enunciado^da literatura científica, que se referiu à al­ternativa "enunciado programático” ou "norma jurídica atual” e expressamente não se referiu à questão da deter­minação do conteúdo de direitos fundamentais49.

dd) Axiomatizabilidade do direito constitucional?

Pertence aos elementos de tipo metodológico o seguin­te problema fundamental: até que ponto equipamentos de processamento de dados podem, além da sua função de meros recursos auxiliares da decisão, ser utilizados como

47 P. Schneider, pp. 31 ss.; negativamente, Keller p. 278; Ehmke III, p. 86; Ossenbühl, pp. 657 ss.48 Cf. sobre a “visão do homem na Lei Fundamental” e.g. BVerfGE 4, pp. 7 e 15; 12, pp. 45e51.49 Ehmke III, pp. 87 ss.

79

Page 101: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

fator da metódica jurídica, dotado de regras próprias, no processo da aplicação do direito.

A discussão ainda não foi aberta com vistas ao direito constitucional50. Por "automação" deve-se compreender a possibilidade da substituição da decisão humana pela racio­nalização maquinai no âmbito de sistemas mecânicos e so­bretudo eletrônicos, i. é, autocontrolados de armazena­mento e processamento de dados. O pressuposto da aplica­ção do direito por tais sistemas (computador) é a axioma- tização das respectivas prescrições. As normas do direito constitucional se prestam pouco a tal axiomatização. Até o presente, casos de aplicação de computadores na imple­mentação de normas são o direito tributário e o direito previdenciário (elaboração de notificações de impostos a pagar e de aposentadorias a receber), as definições de salá­rios e ordenados e áreas comparáveis caracterizadas por suportes fáticos quantificáveis e por normas jurídicas em grande parte numericamente determináveis. Em outras pa­lavras: conforme as experiências realizadas até agora e de acordo com o estado atual da discussão teórica, procedi­mentos automáticos da aplicação do direito* fazem sentido onde a aplicação do direito não se apresenta como concre­tização, mas no sentido do positivismo legalista como sub- sunção, como “aplicação’’51. Nessa medida as perspectivas e a desejabilidade de procedimentos de aplicação automat­izada do direito não devem ser dimensionadas em níveis muito elevados no direito constitucional.

50 Cf. Klug, pp. 157 ss., 162 s.; Simitis l, II; Raisch, Suhr.51 E.g. Klug, pp. 163 ss., pp. 173 ss., com documentação comproba- tória.* Rechtsgewinnung.

80

Page 102: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

b) Elementos de concretização a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso

O que devemos compreender por elementos de con­cretização a partir dos âmbitos da norma e do caso já foi exposto a propósito da estrutura de normas jurídicas e do processo de concretização52. A distinção entre âmbito ma­terial, âmbito da norma e programa da norma, sua diferen­ciação ulterior com referência à peculiaridade do caso jurí­dico decidendo e a operação com esses conceitos estrutu­rais não podem assegurar decisões corretas nem substituir os recursos metódicos auxiliares tradicionais e mais recen­tes. Esses aspectos estruturais oferecem elementos adicio­nais de diferenciação metódica, de um estilo de fundamen­tação e exposição detalhadas. Para a metódica do direito constitucional eles comprovaram a sua necessidade como meios da jurisprudência e da análise da jurisprudência. Para o direito administrativo tais pontos de vista para conceitos normativos formais de orientação necessariamente mate­rial como "proporcionalidade”, “necessidade", “adequa­ção” etc. (para problemas de uso comum, da "transforma­ção da norma” ou da “transformação do objeto”*) podem ser aplicados com fecundidade na fundamentação material de conceitos de apreciação** e conceitos jurídicos indeter­minados e em nexos similares. A ligação a ser feita com o trabalho sociológico no sentido amplo do termo, a utiliza­ção de dados da sociologia, da ciência política, da economia e de outros dados exigidos pelo âmbito normativo da pres­crição concretizanda, no processo da aplicação do direito, coloca-se primacialmente para os juristas como uma tarefa.

52 Müller I, pp. 114 ss.; II; IV, pp. 67 ss.* ‘'Sachwandel”.* * Ermessensbegriffen.

Page 103: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

A partir da estrutura da norma jurídica e da concretização, a exigência da política universitária de um treinamento em disciplinas básicas, que entrevê no horizonte distante uma formação de juristas que mereça esse nome, bem como o desejo da cooperação interdisciplinar são irrecusáveis. Aqui a utilização da documentação mecânica ou do arma­zenamento e processamento cibernéticos de dados empíri­cos da história do direito, da sociologia do direito, da crimi- nologia, da sociologia política, da ciência política e da assim chamada pesquisa dos fatos do direito53 poderá ter, por um lado, uma importância fáctica considerável para a análise estrutural do âmbito da norma de lege ferenda (política do direito e da legislação) e de lege lata (com vistas à tarefa da concretização do direito), mas, por outro lado e tocante ao método, um significado apenas ancilar54.

Os resultados da concretização continuada constituem ao mesmo tempo o fundamento da teoria referida à norma. A teoria constitucional que queira ser teoria de uma deter­minada constituição normativamente vigente elabora as es­truturas materiais dos âmbitos das normas constitucionais. Mas ela deveria fazê-lo de forma refletida. Assim sobretu­do a análise de âmbitos de normas referentes aos direitos fundamentais provou ser de serventia não apenas para a dogmática setorial dos direitos fundamentais e para uma "parte geral” de uma dogmática dos direitos fundamentais, mas também para a sua teoria constitucional55. Evidencia- se aqui uma combinação, hermeneuticamente fundamen­tada e metodicamente controlada, de elementos da concre­tização da constituição e conteúdos da teoria constitucional. Mediante a inclusão de elementos de teoria na metódica do

53 Rechtstatsachenforschung.54 V. também Wieacker III, pp. 392 s.55 Müller I, pp. 81 s., 144 ss., 178 ss., 201 ss., 216 ss.; III; IV.

82

Page 104: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

direito constitucional, essa combinação pode, por sua vez, beneficiar o trabalho prático na constituição.

c) Elementos dogmáticos

Xodos os juristas estão familiarizados com o procedi­mento de consultar, na solução de qualquer caso de alguma dificuldade — ao lado do teor literal da prescrição aplican- da (e, quase sempre de forma não-refletida, ao lado do teor material do seu âmbito da norma), ao lado dos textos de outras normas comparadas e processadas de forma sistema- tizadora com ela, ao lado de textos de materiais e de mode­los de normas constatáveis na história do direito —, tam­bém os enunciados da jurisprudência pertinente, da biblio­grafia formada por manuais doutrinários, comentários e monografias, como "fonte” praticamente imprescindível. Essas fontes <lo conhecimento jurídico são estruturadas lin- güisticamente. Por isso elas, por sua vez, também carecem da e são acessíveis à interpretação, carecem de e são acessí­veis a todas as possibilidades da interpretação lingüística. Compartilham assim o destino do programa da norma, do âmbito da norma e do teor literal da norma, de materiais legais, de modelos históricos de normas e do caso solucio­nando: inexistem como orientações prévias, não estão prontas e acabadas, disponíveis para a aplicação.

Na consulta da jurisprudência, correspondem ao traba­lho com pontos de vista históricos e genéticos a compara­ção com decisões judiciais anteriores e a busca de razões de enunciados divergentes. A necessidade da interpretação gramatical salta aos olhos. Análogo ao trabalho com pontos de vista sistemáticos é, por um lado, a consulta a outras jurisprudências e opiniões doutrinárias e a jurisprudências e opiniões que defendem outras posições. Por outro lado, isso vale ainda mais para a consulta da bibliografia e da

83

Page 105: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

práxis a respeito de prescrições que só devem ser incluídas na aplicação do direito pela via da interpretação sistemáti­ca. Em tudo isso se deve registrar mais uma vez que tal atividade interpretativa se refere a textos não-normativos, mais precisamente, a textos de não-normas*. Enunciados dogmáticos da práxis e da ciência expressam quase sempre a opinião dos seus autores acerca de determinadas normas. Enunciados teóricos, referentes à técnica da solução e à política do direito, orientam-se menos pronunciadamente segundo a concretização do direito vigente. Depois dos ele­mentos metodológicos strictiore sensu e dos elementos do âmbito da norma, os elementos dogmáticos estão “mais próximos” dos teores normativos. A dogmática jurídica é um subsistema de técnicas de comunicação no universo jurídico. Tradição, comunicação, formação de escolas, crí­tica e controle, tentativas de “construção” que interliga di­ferentes tendências, tentativas de “sistematização” expan­siva, além disso também a conversão em técnicas de solu­ção, a reflexão teórica e o aperfeiçoamento** em termos de política jurídica são espécies de discussão “dogmática” de problemas jurídicos. Para que se possa falar de “dogma” no sentido próprio da palavra, falta o caráter de obrigatorie­dade. Como modos técnicos de trabalho, os conteúdos dogmáticos, teóricos e de política jurídica influem assim considerável e muitas vezes decisivamente na solução de casos jurídicos. Mas isso ainda não gera o caráter vinculante no sentido desenvolvido da normatividade de normas jurí­dicas “vigentes”. O resultado exigido pelo caso e elaborado com os recursos expostos da metódica jurídica por meio da concretização da norma de decisão a partir da norma jurídi­ca não deve ser justificado de qualquer modo subjetivo,

* Nicht-Normen.* * Fortentwicklung.

84

Page 106: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

“em termos de direito racional”, politicamente ou em ter­mos de política jurídica, mas pela comprovação mental­mente recapitulável e com isso criticável da orientação se­gundo a norma. Em contrapartida, a comprovação de uma convergência com determinadas posições dogmáticas fun­damenta tão pouco o caráter vinculante como a considera­ção ao mérito de elementos teóricos e de política jurídica e de padrões de técnica de solução do procedimento pragmá­tico.

Não se deve esquecer que os enunciados dogmáticos se formam, além da legitimidade enquanto modo de trabalho sobre questões de expressão, comunicação e representação jurídicas56, em grande parte a partir dos teores das normas de decisão, era que pese toda a relatividade dos enunciados dogmáticos. A medida que normas de decisão concretiza­das com referência ao caso sempre são registradas e trans­mitidas por^enunciados “dogmáticos” da práxis e da ciên­cia, a dogmática tem, portanto, o seu lugar também entre os elementos orientados stricto sensu segundo as normas.

d) Elementos de técnica de solução

A eles pertencem os lineamentos fundamentais dos procedimentos com os quais se pretende formular e exami­nar as hipóteses gradualmente precisandas ou corrigendas sobre a norma57, com os quais se pretende procurar pelo caminho da inventio "tópica” pontos de vista para soluções orientados segundo problemas58 e com os quais se pretende encontrar a espécie de estruturação e argumentação no texto da decisão que parece mais útil segundo a respectiva

56 Esser IV.57 Kriele, pp. 157 ss., 243 ss., 269 ss.58 Hesse II, p. 27.

85

Page 107: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

função. Na finalidade mencionada em último lugar concen­tram-se as instruções sobre a técnica da solução do caso, não-pertencentes à metódica jurídica no sentido aqui trata­do, as introduções ao tratamento de exames universitários, temas de casa, pareceres e sentenças em matérias cíveis, penais e de direito juspúblicas59. Esses manuais de orienta­ção* tratam — parcialmente em complementação de ins­truções para a práxis jurídica strictiore sensu, parcialmente em contato com essas instruções, com ajuda de coletâneas de casos e literatura bibliografia para exames — de proble­mas da estruturação da apresentação (assim e.g. do assim chamado método da pretensão), de perguntas a serem diri­gidas ao conjunto de fatos, da imbricação dogmática de fundamentos de pretensões, do nexo de problemas de di­reito material e processual determinado pelo direito vigen­te, da admissibilidade de suposições de conjuntos de fatos e de coisas similares, na perspectiva dos enfoques indagati- vos centrais para tais nexos, como e.g. "O que se pede?” e “O que importa?".

Considerados na sua totalidade, esses manuais de orientação apresentam propostas para a estratégia e tática de uma técnica de solução de casos e um modo de apresen­tação exitosos, porque convencionalmente aceitos e tam­bém desejados, conforme ensina a experiência. Como as­pectos teóricos, dogmático-construtivos e de política jurí­dica ou constitucional, os pontos de vista por eles ofereci­dos devem funcionar como fatores auxiliares. Não devem conduzir a suposições e resultados independentes das nor­mas ou contrários a elas. A restrição de elementos de téc­nica de solução a funções ancilares evidencia-se com espe-

59 v. Münch, Vogel e outros.* Leitfãden.

86

Page 108: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ciai nitidez na aplicação de sistemas de armazenamento e processamento de dados60.

e) Elementos de teoria

A origem e a espécie de elementos de teoria na concre­tização da constituição já foram discutidas e exemplifica­das com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal sobre a Lei Fundamental enquanto “ordem de va­lores” ou “sistema de valores” e sobre os direitos funda­mentais como um “sistema dos direitos fundamentais”, destacado do direito constitucional restante. Quem assu­me com vistas à interpretação posições da teoria do estado ou da teoria constitucional, não assume somente o risco da sua defensabilidade argumentativa teórica, mas também o da possibilidade de assegurá-las nas normas implementan- das. Esse risço é tanto maior, quanto a relação da teoria do direito público e da teoria constitucional com uma Teoria Geral do Estado ainda carece de uma elucidação. Já a partir do enfoque é inadmissível querer superar* normatizações do direito constitucional vigente mediante invocação do caráter unitário ou sistemático de uma teoria constitucio­nal nessa medida independente das normas ou de uma Teo­ria "Geral” do Estado. Nesse quadro normativamente res­trito os elementos de teoria ainda produzem efeitos maio­res do que mediante a absorção de enunciados conteudísti- cos individuais61 pela força caracterizadora de determina­

60 Klug, pp. 157 ss., 162 ss., 172 ss.; Zeidler, pp. 13, 27 ss.; Buli; v. Berg; Simitis I, pp. 12, 14, 15, 24 ss.; II, pp. 8 ss., 13 ss., 17 ss.; Wieacker III, pp. 392 ss., 397 ss., 402 ss.; Raisch, pp. 436 ss., 438 ss.61 Cf. e.g. a tese da formação da vontade "livre do estado" na “demo­cracia liberal-representativa” in BVerfGE 20, pp. 56 ss. e 96 ss.* überspielen.

87

Page 109: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

das posições metódicas fundamentais das próprias teoria do direito, do estado e da constituição.

De forma determinante quanto ao conteúdo e nem sempre introduzidos conscientemente na concretização, eles contribuem sobretudo para a pré-compreensão em teo­ria da constituição. Com isso eles não só dizem respeito a pormenores como e.g. à pergunta pela função de direitos fundamentais enquanto pré-compreensão para a concreti­zação dos direitos fundamentais. Muito pelo contrário, já o mais genérico esboço da concepção do Estado* contém ex­pressa ou inexpressamente tendências para a formação da margem de ação hermenêutica e metódica que começa a atuar no caso individual. As concepções de estado e as com- preensões da constituição atuam como processamento e fundamentação de determinados tipos de pré-compreen- sões. Quanto ao método, esboços de tipos de pré-com- preensões de teoria do estado e teoria da constituição, tais como "positivismo" e "decisionismo", “normologismo" e "teoria da integração", devem ser ajuizados sobretudo pe­las seguintes perguntas: quão pouco ou muito espaço eles deixam para argumentos indiferenciadamente ideológicos? Até onde eles exigem, admitem ou impedem uma funda­mentação do processo de concretização que seja inde­pendente deles mesmos e ao invés deles se oriente segundo as normas? Por razões que não abandonam a esfera circun­dante da teoria do positivismo legalista, o positivismo, o normologismo, o decisionismo e o sociologismo não logram apreender a peculiar e, em parte, toda e qualquer normati­vidade jurídica, com isso também a peculiaridade da ciên­cia jurídica enquanto ciência de normas. Os esforços das "ciências humanas” para intermediar entre norma e reali­dade esbarram no limite da sua aproveitabilidade jurídica

* Staatsbild.

88

Page 110: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

na generalidade do seu enfoque jusfilosófico ou sociológi­co. Justamente por isso eles deixam que se lhes impinja as abstrações reconhecidamente insuficientes das doutrinas por eles combatidas. O sociologismo descura demais do programa da norma, que tem valor próprio; o normologismo desqura demais do âmbito da norma, que igualmente tem valor próprio. O decisionismo faz desaparecer ambos na existencialidade acachapante da decisão soberana. Quanto ao objeto em pauta, as tentativas de mediação na esteira das ciências humanas ainda permanecem no campo do po­sitivismo, estacando em um “efeito recíproco” meramente linear, na “dialética” ou “polaridade” das grandezas “ser” e “dever ser”, separadas hoje como outrora. Com isso as po­sições fundamentais dominantes da teoria produzem efei­tos reducionistas não somente em pormenores de conteú­do da concretização, mas também com vistas à compreen­são do processo de concretização como totalidade. Diante disso a norma jurídica deve ser compreendida, diferencia­da e tipificada como esboço com caráter de obrigatorieda­de, que abrange por igual o que ordena e o que deve ser ordenado; deve-se passar da metódica da interpretação lin­güística para uma metódica do processo efetivo do trata­mento da norma.

f) Elementos de política constitucional

Elementos de política constitucional da concretização já foram mencionados aqui. Na pergunta pelas conseqüên­cias de determinadas variantes de solução, pelos efeitos práticos e.g. também sobre os âmbitos de normas de outras prescrições e áreas da constituição, não diretamente parti­cipantes do caso, no caso do ponto de vista da adequação à finalidade e no das partes da pré-compreensão jurídica que via de regra fazem partir os intérpretes da assunção de que

89

Page 111: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

o legislador teria, com suas prescrições, instituído decisões em princípio conformes à finalidade ou ao menos argumen- tativamente defensáveis — em todas essas direções se faz sentir a peculiaridade da argumentação em política do di­reito e política da constituição. O estilo de raciocínio da política constitucional refere-se à ponderação das conse­qüências, à consideração valorativa de conteúdos. Em con­trapartida, tal raisonnement não consegue indicar porme­nores de modos de trabalho metódicos. Elementos de polí­tica constitucional fornecem valiosos pontos de vista de conteúdo à compreensão e implementação prática de nor­mas constitucionais. Mas os aspectos por eles aduzidos só podem ser introduzidos para fins de comparação, delimita­ção e clarificação, não podem ser introduzidos como pre­missas por assim dizer normativas. Nesse sentido, todo e qualquer ato de normatização cortou, no âmbito da ordem vinculativamente normatizada e com a reserva de uma alte­ração da constituição, outras discussões de política consti­tucional. O trabalho do direito constitucional está embebi­do em pontos de vista de política constitucional. Mas com isso nem o caráter vinculante do direito constitucional, lá onde ocorreu uma pré-decisão normativa, nem a racionali­dade e objetividade exigidas pelo Estado de Direito, até onde ela é em princípio possível na ciência jurídica, devem ser questionados.

3. Hierarquia dos elementos da concretização

O tradicional pensamento sobre o método não logrou estabelecer uma seqüência hierárquica ou qualquer outra relação uniforme reconhecível entre os cânones62. Esse fra­

62 Comprovantes em Kaufmann I, p. 389 e v. Pestalozza, p. 433;

90

Page 112: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

casso foi necessário. A obrigatoriedade normativa não cabe a recursos metódicos auxiliares. Diante desse estado de coisas, todas as tentativas de estabelecer a partir da “natu­reza da coisa” pontos de apoio sólidos na práxis, com vistas ao caso de resultados parciais contraditórios, se viram obri­gados a capitular. Nesse sentido, a determinação por Savig­ny dos por ele desenvolvidos aspectos gramatical, lógico, histórico e sistemático enquanto meros “elementos” da in­terpretação acerta hoje como no passado no cerne do pro­blema63.

Mas a discussão do imperativo da interpretação da lei em conformidade com a constituição já forneceu um exemplo do fato de que regras metódicas não-normativas de normas referidas a métodos do direito (constitucional) vigente podem ser afetadas e sofrer sobreposições. Mais longe ainda alcançam os imperativos de clareza e determi- nidade da Lei Fundamental, inerentes ao Estado de Direi­to. Enquanto direito vigente, eles são vinculantes para uma seqüência hierárquica dos elementos da metódica do direi­to constitucional.

a) Modos de efeito dos elementos da concretização

Os elementos metodológicos strictiore sensu (interpre­tações gramatical, histórica, genética, sistemática e — com restrições — teleológica), os imperativos da interpretação em conformidade com a constituição e da correção funcio­nal do resultado são diretamente referidos a normas.

sobre as tentativas de uma determinação da relação, cf. Larenz pp 320 ss.; e com vistas ao direito constitucional, Leisner, pp. 641 ss., 643 ss.63 v. Savigny I, pp. 215, 320.

91

Page 113: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Também os elementos do âmbito da norma atuam na direção da orientação não-mediada* da norma — mais es­pecificamente, pela via da análise não primacialmente lin­güística do âmbito da norma — por ocasião da concretiza­ção, referida ao caso, da norma de decisão a partir da norma jurídica.

Os elementos dogmáticos da concretização ainda são parcialmente referidos à norma sem mediações. Esse é o caso à medida que eles contêm a formulação das normas de decisão já concretizadas e absorvidas da jurisprudência, da práxis e da ciência, que devem ser situados no espaço de atuação da norma jurídica reconcretizanda hic et nunc.

A medida que a dogmática transcende essa referência sem mediações à norma e contém figuras “dogmáticas” de tipo próprio, construções, sistematizações ou conceitos e nexos conceituais normativamente não alicerçados, livre­mente desenvolvidos, ela pode oferecer — apenas em fun- Ção auxiliar metodicamente limitada, do mesmo modo como os elementos de técnica de solução, os elementos de política constitucional e os elementos de teoria — suges­tões para possibilidades de detalhamento, delimitação e elucidação do conteúdo da norma elaboranda de decisão.

b) Conflitos entre os elementos da concretização

aa) O conceito metodológico do conflito

Só se pode falar de conflitos entre os elementos indivi­duais da concretização onde aparece uma oposição frontal entre aspectos fecundos no caso individual; quer dizer, não onde e.g. o elemento histórico deixa duas ou mais possibi­

* unmittelbar.

92

Page 114: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

lidades em aberto, das quais somente uma é compatível com a interpretação gramatical. Então há uma contradição apenas nessa perspectiva parcial, não entre “o” aspecto gra­matical e “o” aspecto histórico da interpretação.

bb) Tipos de situações conflitivas entre elementosindividuais da concretização

1. Conflitos entre elementos não diretamente referidos a normas: Em conflitos entre elementos de política constitu­cional, de técnica da solução e de teoria, por um lado, e entre a parte não-diretamente referida à norma dos ele­mentos dogmáticos, por outro lado, não existem nem pri­mados nem regras de preferência. Esses aspectos são recur­sos metódicos auxiliares sem orientação direta segundo a norma. No âmbito da sua falta de obrigatoriedade jurídica não se pode çüstinguir graus determináveis de efeito obri- gacional maior ou menor para a instância concretizadora. Mas para esses aspectos vale também do mesmo modo o imperativo da fundamentação e representação de forma racionalmente controlável, inerente ao Estado de Direito.

No caso individual, os elementos mencionados podem ser graduáveis conforme a solução que puder ser compati­bilizada “melhor”, “mais corretamente", “mais plausivel- mente”, “mais univocamente” ou “mais conforme à finali­dade” com os resultados parciais dos elementos diretamen­te referidos à norma ou com a função limitadora dos textos das normas. Nesses processos de seleção trata-se de valora- ções cujo caráter subjetivo não é evitável, nem deve ser velado.

2. Conflitos entre os elementos não-diretamente referi­dos a normas e os elementos diretamente referidos a nor­mas: Em caso de contradição, os elementos da concretiza­

93

Page 115: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ção diretamente referidos a normas (elementos metodoló­gicos strictiore sensu, determinados elementos dogmáticos e os elementos do âmbito da norma) precedem os elemen­tos não-diretamente referidos a normas (uma parte dos elementos dogmáticos, além disso uma parte dos elemen­tos de técnica da solução, de política constitucional e de teoria). Essa regra de preferência é normativa. Ela segue do fato, instituído pelo ordenamento jurídico (constitucional) vigente, do exercício da função estatal estar vinculado à constituição e ao direito. Num sentido mais amplo, porque não-sancionável na prática de acordo com o direito vigente, isso vale também para a ciência jurídica, à medida que ela opera com orientação segundo as normas.

3. Conflitos entre os elementos da concretização direta­mente referidos às normas:

(I) Elementos dogmáticos referidos a normas, por um lado — e elementos metodológicos e do âmbito da norma, por outro lado: em caso de conflito os elementos metodo­lógicos e os elementos do âmbito da norma têm precedên­cia, à medida que se pode comprovar por eles que as nor­mas de decisão anteriormente elaboradas pela práxis e pela ciência e transmitidas pelos enunciados dogmáticos aduzi­dos não dizem respeito à norma de decisão concretizanda a partir da mesma norma jurídica com vistas ao caso penden­te. Então o esforço da concretização deve ser retomado sem a ajuda do trabalho anterior sobre a norma.

(II) Elementos do âmbito da norma, por um lado — elementos metodológicos strictiore sensu, por outro lado: os elementos do âmbito da norma são hierarquicamente iguais aos elementos da interpretação do texto com vistas à determinação do conteúdo positivo da norma de decisão elaboranda. Negativamente, i. é, para a determinação do limite de resultados admissíveis (normas de decisão), os

94

Page 116: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

elementos de interpretação diretamente referidos a textos de normas, i. é, a interpretação gramatical e sistemática, têm prevalência também sobre os elementos do âmbito da norma, por razões inerentes ao Estado de Direito. Assim o programa da norma formulado no teor literal orienta no sentido da delimitação e limitação não apenas o processo da seleção de pontos de vista materiais a partir do âmbito genérico de regulamentação da prescrição (âmbito mate­rial) e a partir do âmbito do caso (conjunto de fatos do caso jurídico), mas todo o processo da concretização.

(III) Conflitos dos elementos metodológicos strictiore sensu (elementos de interpretação) entre si:

Em caso de conflito, o texto da norma é o ponto de referência hierarquicamente precedente da concretização, enquanto determinação do limite das possibilidades deci- sórias admissíveis. O teor literal não é a lei, mas a forma da lei. E, contudo, o teor literal que formula — em que pese qualquer inconclusidade da implementação lingüística — o programa da norma vinculante como diretriz material bem como limite normativo. Com isso a ênfase recai em caso de dúvida nos elementos de interpretação que trabalham os textos de normas (o teor literal da prescrição concretizan- da bem como também os teores literais de prescrições "sis­tematicamente" consultadas). Devem recuar para um se­gundo plano os fatores da interpretação referidos aos tex­tos de não-normas (interpretação genética e histórica; além disso os elementos de técnica da solução, os elementos dogmáticos, de política constitucional e de teoria). O pri­mado segue dos imperativos — inerentes ao Estado de Di­reito — da inviolabilidade da constituição, da vinculação à lei e ao direito, da rigidez do direito constitucional no sen­tido da clareza do seu texto de normas, além disso dos imperativos da clareza das normas e da determinidade do suporte fático, da clareza dos métodos, da segurança jurídi­

95

Page 117: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ca e da delimitação constitucionalmente normatizada das funções. Esses imperativos pertencem ao direito constitu­cional não-escrito reconhecido no âmbito de vigência do princípio do Estado de Direito; em parte eles também es­tão normatizados sob forma de leis especiais em prescri­ções individuais da Lei Fundamental64.

Em caso de dúvida, portanto, os resultados parciais das interpretações gramatical e sistemática precedem os dos outros elementos de concretização. Enunciados divergen­tes entre aspectos históricos e genéticos não são decisivos no sentido de uma regra de preferência, já que ambos se referem à interpretação de textos não-normativos. A deci­são material não pode então ser tomada parcialmente pela discussão entre as interpretações histórica e genética, mas apenas no contexto de toda a concretização.

Do exposto evidencia-se também a razão pela qual a doutrina dominante revela (sem refletir sobre isso) tama­nhos pruridos em dotar a “vontade subjetiva” do dador his­tórico da norma de um primado diante da “vontade objeti­va” da norma. Se no caso individual preferíssemos o mate­rial legislativo ao teor literal da prescrição, a decisão seria tomada, com uma nitidez não tão facilmente alcançável nos outros elementos, a partir de um texto não-normativo con­tra o texto da norma jurídica. A nitidez seria aqui especial­mente pronunciada, pois nesse caso seriam aduzidas for­mulações lingüísticas de dois estágios diferentes da história dos efeitos produzidos* pela mesma prescrição: do estágio ainda não vinculante da história da sua origem e do estágio da sua vigência, agora vinculante. De resto, a decisão contra

64 E.g. Lei Fundamental, art. 19 al. 1, frase 2; art. 79 al. 1, frase 1; art. 80 al. 1, frase 2.* Wirkungsgeschichte.

96

Page 118: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

a função limitadora do teor literal é inadmissível também em outros casos.

Evidenciou-se muitas vezes que o enfoque das assim chamadas teorias subjetiva e objetiva, opostas uma a outra, não logra apreender os problemas materiais da concretiza­ção e.da relação dos elementos da concretização. Assim o aspecto genético só pode, no caso da contradição, ser pos- posto aos aspectos gramatical e sistemático (o que lhe con­fere o mesmo grau hierárquico do que os elementos restan­tes da concretização). Mas a doutrina dominante65 parte do pressuposto de que o aspecto genético da “teoria subjetiva” deveria, no caso de uma contradição dos resultados par­ciais, recuar a um plano secundário também diante das in­terpretações histórica e “teleológica”. Essa tese carece de fundamento. Sustenta-se normativamente a afirmação de que os pontos de vista genéticos devem, em caso de dúvida, conceder o pqmado aos pontos de vista gramaticais e siste­máticos. Mas essa situação normativa não diz apenas res­peito ao aspecto genético. O entendimento da doutrina dominante de que as interpretações gramatical, sistemáti­ca, teleológica e histórica teriam como objeto e resultado a “vontade objetivada” da própria norma, mas de que o as­pecto genético a partir dos materiais legais teria como ob­jeto e resultado apenas a “vontade subjetiva” do dador da norma, não pode ser sustentado conforme as regras aqui elaboradas. Não se pode declarar genericamente a partir de quais elementos se pode identificar, em um determinado caso individual e diante de determinadas prescrições con- cretizandas com vistas a ele, o “teor objetivo" dessas nor­mas. Materialmente, o critério “objetivo — subjetivo” tem tão pouca serventia como o referimento dos dois critérios à

65 Na esteira de BVerfGE 1, pp. 306 e 312 e na jurisprudência sub­seqüente.

97

Page 119: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

idéia de uma “vontade” dada como orientação prévia, ape­nas identifícanda no caso individual.

Na verdade o critério está no fato de que os elementos metodológicos de concretização strictiore sensu, quer di­zer, os procedimentos da interpretação do texto, se refe­rem em parte aos textos de prescrições jurídicas vigentes, em parte aos textos de não-normas. Isso fundamenta em virtude dos imperativos do Estado de Direito o primado dos modos gramatical e sistemático de interpretação na sua função de limite da formação admissível da decisão. Mas isso mostra simultaneamente que não se pode afirmar, com referência às modalidades histórica, teleológica e genética de interpretação, gradações da sua hierarquia de vigência ou da sua eficácia vinculante para o processo da concretiza­ção prática. De qualquer modo nunca se trata de uma "von­tade" do legislador ou da lei. Trata-se sempre de aspectos materiais para a aplicação interpretadora e para a interpre­tação aplicadora de determinadas prescrições jurídicas em determinados casos jurídicos. Dentre as ajudas de interpre­tação diretamente orientadas segundo as normas e referi­das a textos não-normativos, tais aspectos materiais são fornecidos pelo aspecto genético de forma tão “objetiva” como pelos aspectos histórico e teleológico. Nem a "teoria subjetiva" nem a "teoria objetiva" merecem preferência. Ambas partem de um enfoque indagativo parcialmente in­correto, parcialmente insuficiente. Devem ser abandona­das em favor das regras diferenciadoras de preferência, aqui elaboradas.

(IV) Para os casos de dúvida e de conflito só fica ainda em aberto a pergunta como se deve proceder em caso de contradição entre os aspectos gramatical e sistemático.

Com vistas à determinação do conteúdo positivo da nor­ma de decisão, tal contradição não pode ser dissolvida uni­camente por uma regra de preferência metodicamente ge-

98

Page 120: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

neralizável. Como sempre, devem ser aduzidos os restantes pontos de vista com força enunciativa para o caso. Decisões valorantes devem aqui, como em todos os casos, ser carac­terizadas enquanto tais. Muitas vezes se pode tomar no resultado uma decisão unívoca: em favor do aspecto grama­tical,.quer dizer, do texto da norma da prescrição “perti­nente” e em detrimento dos textos de normas de outras normas que não são pertinentes para o caso, mas foram aduzidas pela via sistemática. Tal decisão se torna imperio­sa se o “nexo sistemático” — como freqüentemente — não pode ser comprovado de forma cogente. Na matéria tanto complexa quanto dificilmente apreensível do direito cons­titucional, tal prova cogente deveria constituir exceção. As­sim o aspecto gramatical tem preferência no resultado para a massa principal dos casos de direito constitucional.

Na sua função negativa, como limite, como limitação das possibilidades de decisão remanescentes na margem de atuação dos resultados parciais concretizados, o aspecto gramatical tem igualmente precedência em caso de confli­to com o aspecto sistemático. Isso vale segundo os pressu­postos mencionados para um conflito frontal, que no en­tanto só diz respeito, em ambos os lados (texto da norma pertinente A — textos das normas de normas não-perti- nentes, mas “sistematicamente” aduzidas B, C...), às fun­ções limitadoras dos teores literais das normas, que estão envolvidos. Se, no entanto, a contradição entre os resulta­dos parciais não estiver tão acirrada, se e.g. o aspecto gra­matical deixar uma margem de ação para duas possibilida­des, a seleção poderá ser efetuada entre eles com base no ponto de vista sistemático (concretamente fecundo). Nes­se caso não teremos um conflito, mas uma relação normal de complementaridade entre os elementos envolvidos.

Registre-se mais uma vez que ao menos no direito cons­titucional a "sistemática” quase sempre não é um dado nor­

99

Page 121: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

mativo unívoco, mas uma suposição teoricamente anteci- padora. Ademais, o legislador (constitucional) também pode normatizar "assistematicamente” ou “contrariamente ao sistema”. Por isso em tais casos a decisão sobre contradi­ções metódicas deve em última instância ser localizada na função limitadora do texto da norma interpretado, caracte­rística para o Estado de Direito.

c) Casos de falta de força enunciativa dos elementos gramaticais e sistemáticos

Uma prescrição pode ser pertinente no caso individual à medida que — abstraindo dos elementos restantes — os aspectos gramatical e sistemático podem, por um lado, funcionar negativamente como determinação limitadora de possíveis alternativas de decisão sem, por outro lado, pro­duzir nada de positivo, que determine o conteúdo acerca das questões levantadas pelo caso em exame. Citemos como exemplo o art. 21 da Lei Fundamental sobre a ques­tão do financiamento dos partidos a partir de recursos pú­blicos. O art. 21 da Lei Fundamental não se manifesta a respeito disso no sentido de um enunciado positivo. Não obstante não se poderia sustentar a opinião de que ele não seria “pertinente” para o exame do problema. Muito pelo contrário, já o teor literal do art. 21 da Lei Fundamental fornece pontos de vista indispensáveis na sua função — própria do Estado de Direito — de limite, como demarca­ção da margem de ação de normas de decisão constitucio­nalmente ainda admissíveis.

Em tais casos e em casos similares não existe entre os elementos restantes da concretização, tampouco como em outros casos, nenhuma seqüência hierárquica normativa- mente vinculante da sua influência sobre a decisão. De acordo com as indicadas regras de valoração não-vinculan-

100

Page 122: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

tes, deve-se extrair então a força de convencimento con- teudístico de um dos resultados possíveis, devendo esse resultado ser medido pela função limitadora vinculante do teor literal da norma (caso as interpretações gramatical e sistemática produzirem o mesmo sentido).

Pçrmanece ainda irrespondida a pergunta: como se deve proceder se os aspectos gramatical e sistemático não podem enunciar nada a respeito do caso, não podendo as­sim adquirir eficácia nem na sua função limitadora? A res­posta é a seguinte: nesse caso a prescrição aduzida para a solução do caso, à guisa de hipótese de trabalho, não é pertinente. Deve-se formular uma nova hipótese sobre a norma. A hipótese até agora existente sobre a norma pro­vou ser incorreta ou — o que diz o mesmo, quanto ao resul­tado — normativamente não documentável no caso jurídi­co decidendo.

Se em taljprocedimento não encontrarmos regulamen­tada pelo direito constitucional vigente com nitidez sufi­cientemente documentável a pergunta formulada pelo caso — eis o "problema da lacuna" da metodologia tradicional —, o direito constitucional não autoriza a substituir — por assim dizer no tudo ou nada66 — mediante o preenchimen­to de lacunas, a formação de analogias, aperfeiçoamento do direito67 e assim por diante uma norma de decisão sem norma jurídica positivamente vigente. Conforme a referên­cia material da "lacuna" à pretensão de requerimento ou à pretensão de petição68, deve-se decidir segundo a situação processual — se do contrário só suposições metodicamente não mais justificáveis e gerações apócrifas de normas con­duzissem ao objetivo. O procedimento honesto em termos

66 auf Biegen und Brechen.67 Rechtsfortbildung.68 Antrags-oder Klagebegehren.

101

Page 123: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

de método deve também estacar diante da tentação de pas­sar por cima da distinção e correlação das funções da con­cretização do direito, normatizada pela constituição; deve satisfazer justamente no direito constitucional as exigên­cias que e.g. o direito dos EUA circunscreve nos motes “political question” e “judicial self-restraint”.

d) Sobre a normatividade de regras de preferência

À medida que a determinação da relação dos elemen­tos, aqui desenvolvida, se condensou em regras vinculantes de preferência, estas não atuam com base em teoremas das ciências humanas, de teoremas filosóficos, hermenêuticos ou metodológicos, mas como imperativos do direito cons­titucional positivo. Elas foram desenvolvidas aqui no seu efeito sobre exemplos de casos do direito constitucional. Em virtude da sua origem normativa como imperativos do Estado de Direito e em virtude do caráter de obrigatorieda­de do direito constitucional enquanto direito hierarquica­mente superior para todo o ordenamento jurídico, elas va­lem, contudo, também para as metódicas das disciplinas jurídicas restantes, embora nelas se defrontem em alguns segmentos com um material de normas estruturalmente mais elástico do que o material de normas do próprio direi­to constitucional.

102

Page 124: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Capítulo IV

RESULTADOS

1. A única concepção global da metódica do direito constitucional, herdada da tradição, é o positivismo legalis­ta [v. Gerber, Laband) . As regras técnicas da interpretação de Savigny expressamente não se referem ao Direito Públi­co e ao Direito Constitucional. Nem a análise da jurispru­dência do Tribunal Constitucional Federal, nem o estado da discussão da bibliografia científica, nem ainda as práti­cas de método da legislação, do governo e da administração pública resultam em um esboço que ultrapasse a posição do positivismo legalista. O que é proposto e praticado em ma­téria de novos enfoques na práxis e na ciência, apresenta em parte contradições internas, em parte ainda não está suficientemente assegurado, não se armando em quadro unitário e carecendo integralmente da fundamentação her­menêutica por uma teoria estrutural pós-positivista da nor­ma jurídica.

2. No processo da implementação prática as normas aparecem como modelos de ordem materialmente deter­minados, que devem ser diferenciados estrutural bem como funcionalmente segundo as disciplinas jurídicas indi­viduais bem como no quadro dessas mesmas disciplinas.

103

Page 125: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Normas jurídicas não são idênticas aos seus textos de nor­mas. O teor literal não é a lei. Ele é a forma da lei. Em princípio a normatividade praticamente atuante de prescri­ções jurídicas é co-constituída também pelo teor material do âmbito da norma. Na perspectiva vinculante do progra­ma da norma (formulado no texto da norma), o âmbito da norma é destacado a partir dos teores materiais genéricos da esfera de regulamentação da prescrição.

3. Os meios tradicionais da metódica jurídica referem- se explicitamente apenas ao tratamento de textos. Implici­tamente eles contém possibilidades de incluir na concreti­zação teores materiais provenientes dos âmbitos das nor­mas de forma hermenêutica não-refletida e metodicamen­te não-diferenciada. Eles devem ser complementados por elementos metódicos que permitam aproveitar o teor ma­terial dos âmbitos das normas de forma expressa e racional­mente verificável para a decisão normativamente orientada de casos jurídicos. Além disso os meios da interpretação do texto das normas devem ser complementados para a metó­dica do direito constitucional por princípios da interpreta­ção da constituição. Estes são apenas na sua menor parte autônomos (e.g. imperativo da interpretação conforme a constituição, imperativo da correção funcional do resulta­do); na sua maior parte eles são casos especiais dos recursos tradicionais da interpretação.

4. Savigny distinguiu quatro elementos da interpreta­ção. Eles devem em princípio ser preservados. No entanto eles devem ser:

a) especialmente fundamentados para a metódica do Direito Público e do Direito Constitucional;

b) examinados mais precisamente em termos herme­nêuticos e metódicos, sobretudo com vistas aos seus nexos com a estrutura de normas jurídicas e com a não-identida- de de norma e texto da norma;

104

Page 126: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

c) complementados pelos elementos adicionais exigi­dos pela concretização de normas do direito constitucional e

d) colocados em uma relação praticamente operaciona- lizável bem como em parte normativamente garantida e nessa medida vinculante de atuação ou hierarquia.

5. O processo da implementação prática de normas ju­rídicas a casos jurídicos regulamentandos evidencia-se es­truturado. Somente em casos-limite (raros e não-caracte- rísticos para o direito constitucional) ele pode ser com­preendido como “aplicação", “inferência silogística” ou “subsunção”. A norma jurídica é mais do que o seu teor literal. O teor literal funciona, de acordo com o tipo da norma, de maneiras distintas, como diretriz e limite da concretização admissível. A interpretação do texto da nor­ma é um componente importante, mas não único da imple­mentação d ensinais de ordenamento normativo em casos determinados. Por isso não mais devemos falar de interpre­tação ou explicação*, mas sim de concretização da norma.

6. A metódica jurídica só pode ser elaborada a partir das condições das diferentes funções concretizadoras das normas (instituição da norma, governo, administração pú­blica, jurisprudência, ciência). Ela analisa a peculiaridade, em princípio comum às funções práticas, da concretização referida ao caso e complementa a análise estrutural do pro­cesso de concretização por um modelo estrutural da con­cretização. Nesse sentido ela se concebe como "metódica estruturante”.

7. A concretização da norma introduz os seguintes ele­mentos no jogo:

a) elementos metodológicos ‘strictiore sensu' (interpre­tações gramatical, histórica, genética, sistemática e “teleo-

* Auslegung.

105

Page 127: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

lógica”, bem como princípios isolados da interpretação da constituição);

b) elementos do âmbito da norma;c) elementos dogmáticos-,d) elementos de teoria;e) elementos de técnica de solução ef) elementos de política do direito e política constitucio­

nal.Os elementos listados em (a) e (b) bem como uma

parte dos listados em (c) são diretamente referidos a nor­mas. O restante dos elementos listados em (c), os elemen­tos listados em (d), (e) e (f) não são diretamente referidos a normas e nessa medida estão restritos a funções auxiliares na concretização. Uma análise mais precisa dos aspectos individuais, especialmente das interpretações gramatical, histórica, genética, sistemática e “teleológica”, bem como dos elementos do âmbito da norma, resulta em numerosas compreensões da estrutura do processo da implementação prática da norma, que vão além do positivismo legalista.

8. Uma determinação da relação dos elementos de con­cretização e da sua seqüência hierárquica deve partir de dois pressupostos: por um lado, os pontos de vista auxilia­res da concretização, de natureza hermenêutica e metodo­lógica, não são normativamente vinculantes; por outro lado, a metódica jurídica é em parte afetada diretamente por imperativos do direito (constitucional) vigente.

No caso de resultados (parciais) contraditórios os ele­mentos diretamente referidos a normas (elementos meto­dológicos e do âmbito da norma bem como uma parte dos aspectos dogmáticos) têm precedência sobre os compo­nentes restantes do processo de concretização, não direta­mente referidos a normas. Dentre os aspectos diretamente referidos às normas, os referentes às interpretações grama­tical e sistemática têm preferência em caso de conflito, por

106

Page 128: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dizerem respeito à interpretação de textos de normas, ao passo que os procedimentos restantes dizem respeito aos textos de não-normas. A função limitadora do teor literal da prescrição concretizanda (e dos textos das normas de outras prescrições sistematicamente aduzidas), própria do Estado^de Direito, vale também diante de resultados empí­ricos a partir do âmbito da norma.

107

Page 129: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 130: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

BIBLIOGRAFIA

Abel, G. Die Bedeutung der Lehre von den Einrichtungsgarantien für die Auslegung des Bonner Grundgesetzes. Berlim, 1964.

Albert, H. Wertfreiheit ais methodisches Prinzip. Zur Frage der Notwendigkeit einer normativen Sozialwissenschaft. in: Logik der Sozialwissenschaften, ed. Ernst Topitsch. Colônia; Berlim 1965, pp. 181 ss.

Arndt, A. Zur Güterabwãgung bei Grundrechten. in: Neue Juristi­sche Wochenschrift 1966, pp. 869 ss.

Bachof, O. Auslegung gegen den Wortlaut und Verordnungsgebung contra legem? in: Juristenzeitung 1963, pp. 697 ss.

Badura, P. Die Methoden der neueren Allgemeinen Staatslehre. Er- langen, 1959.

Bãumlin, R. (I) Staat, Recht und Geschichte. Eine Studie zum Wesen des geschichtlichen Rechts, entwickelt an den Grundproblemen vonVerfassungundVerwaltung. Zurique, 1961.

Báumlin, R. (II) Der schweizerische Rechsstaatsgedanke, in: Zeit- schrift des Bernischen Juristenvereins, vol. 101 (1965), pp. 81 ss.

Ballweg, O. Zu einer Lehre von der Natur der Sache. Basiléia, 1960.Bender, B. Inhalt und Grenzen des Gebots der verfassungskonfor-

men Gesetzesauslegung, in: Monatsschrift fiiir deutsches Recht 1959, pp. 441 ss.

109

Page 131: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Bendix, L. Zur Psychologie der Urteilstâtigkeit des Berufsrichters tmd andere Schriften. Neuwied, 1968.

Berg, M. v. Automationsgerechte Rechts- und Verwaltungsvorschrif­ten. Colônia; Berlim, 1968.

Bogs, H. Die verfassungskonforme Auslegung von Gesetzen. Stutt- gart, 1966.

Buli, H. P. Verwaltung durch Maschinen. Rechtsprobleme der Tech- nisierungder Verwaltung. 2a ed. Colônia; Berlim, 1964.

Bundesverfassungsgericht: Entscheidungen des —, edd. Membros do Tribunal Constitucional Federal. Tübingen, 1952 ss. (citado pela sigla: BVerfGE + número do volume)

Burmeister, J. Die Verfassungsorientierung der Gesetzesauslegung (Verfassungskonforme Auslegung oder vertikale Normendurch- dringung). Berlim; Frankfurt/Main, 1966.

Canaris, C.-W. Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, entwickelt am Beispiel des deutschen Privatrechts. Berlim, 1969.

Coing, H. Die juristischen Auslegungsmethoden und die Lehren der allgemeinen Hermeneutik. Kõln; Opladen, 1959.

Diederichsen, U. Topisches und systematisches Denken in der Juris­prudenz, in: Neue Juristische Wochenschrift 1966, pp. 697 ss.

Drath, M. Zur Soziallehre und Rechtslehre vom Staat, ihren Gebie- ten und Methoden, in: Rechtsprobleme in Staat und Kirche. Festschrift für R. Smend. Gõttingen, 1952, pp. 41 ss.

Dubischar, R. Grundbegriffe des Rechts. Eine Einführung in die Rechtstheorie. Stuttgart, 1968.

Ebeling, G. Hermeneutik. in: Die Religion in Geschichte und Ge- genwart, ed. K. Galling. 3a ed. Tübingen, 1959, vol. III, coll. 242 ss.

Ehmke, H. (I) Grenzen der Verfassungsânderung. Berlim, 1953.Ehmke, H. (II) Wirtschaft und Verfassung. Karlsruhe, 1961.Ehmke, H. (III) Prinzipien der Verfassungsinterpretation. in: Ver-

õffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechts- lehrer 20 (1963). Berlim, pp. 53 ss., 130 ss.

Ehrlich, E. Grundlegung der Soziologie des Rechts. Munique; Leip- zig, 1913 (reimpressão 1929).

Engisch, K. (I) Sinn und Tragweite juristischer Systematik. in: Stu- dium Generale 1957, pp. 173 ss.

110

Page 132: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Engisch, K. (II) Einführung in das juristische Denken. 3a ed. Stutt- gart, 1964.

Esser, J. (I) Zur Methodenlehre des Zivilrechts. in: Studium Gene- rale 1959, pp. 97 ss.

Esser, J. (II) Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts. 2a ed. Tübingen, 1964.

Esser, >. (III) Wertung, Konstruktion und Argument im Zivilurteil. Karlsruhe, 1965.

Esser, J. (IV) Methodik des Privatrechts. in: Enzyklopãdie der Gei- steswissenschaftlichen Arbeitsmethoden, 11° fascículo. Muni­que; Viena, 1972, pp. 3 ss.

Fiedler, H. Rechenautomaten in Rechtund Verwaltung. in: Juristen- zeitung 1966, pp. 689 ss.

Flume, W. Richterrecht im Steuerrecht. in: Steuerberater-Jahrbuch. Colônia, 1964/65, pp. 55 ss.

Forsthoff, E. (I) Die Umbildung des Verfassungsgesetzes. in: Fest- schrift für Carl Schmitt 1959, pp. 35 ss.

Fortshoff, E. (II) Zur Problematik der Verfassungsauslegung. Stutt- gart, 1 9 6 1 >

Fortshoff, E. (III) Resenha de: M. Kriele, Theorie der Rechtsgewin- nung. in: Der Staat 8 (1969), pp. 523 ss.

Gadamer, H.-G. Wahrheit und Methode. Grundzüge einer philoso- phischen Hermeneutik. 2a ed. Tübingen, 1965.

Geiger, Th. Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts. 2a ed. Neu- wied, 1964.

Gerber, C. F. v. (I) Über õffentliche Rechte. Tübingen, 1852.Gerber, C. F. v. (II) Grundzüge des deutschen Staatsrechts. 3a ed.

Leipzig, 1880.Habermas, J. Analytische Wissenschaftstheorie und Dialektik. Ein

Nachtrag zur Kontroverse zwischen Popper und Adorno, in: Lo- gik der Sozialwissenschaften, ed. E. Topitsch. Colônia; Berlim,1965, pp. 291 ss.

Hãberle, P. (I) Die Wesensgehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz. Zugleich ein Beitrag zum institutionellen Vers- tàndnis der Grundrechte und zur Lehre vom Gesetzesvorbehalt. Karlsruhe, 1962.

111

Page 133: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Hàberle, P. (II) Allgemeine Staatslehre, Verfassungslehre oder Staatsrechtslehre. in: Zeitschrift ftir Politik 1965, pp. 381 ss.

Hamel, W. Die Bedeutung der Grundrechte im sozialen Rechtsstaat.Eine Kritik an Gesetzgebungund Rechtsprechung. Berlim, 1957.

Hatz, H. Rechtssprache und juristischer Begriff. Stuttgart, 1963. Heller, H. (I) Bemerkungen zur staats- und rechtstheoretischen Pro-

blematik der Gegenwart. in: Archiv des õffentlichen Rechts 55 (1929), pp. 321 ss.

Heller, H. (II) Staatslehre, ed. G. Niemeyer. Leiden, 1934.Hesse, K. (I) Die normative Kraft der Verfassung. Tübingen, 1959. Hesse, K. (II) Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik

Deutschland. 4a ed. Karlsruhe, 1970.Hollerbach, A. Auflõsung der rechtsstaatlichen Verfassung? in: Ar­

chiv des õffentlichen Rechts 85 (1960), pp. 241 ss.Horn, D. (I) Rechtssprache und Kommunikation. Grundlegung ei­

ner semantischen Kommunikationstheorie. Berlim, 1966.Hom, D. (II) Rechtswissenschaft und Kommunikationstheorie. in:

Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie 1967, pp. 573 ss. Huber, H. Probleme des ungeschriebenen Verfassungsrechts. in:

Zeitschrift des Bernischen Juristenvereins, vol. 91 bis (1955), pp. 95 ss.

Husserl, G Recht und Zeit. Frankfurt am Main, 1955.Jellinek, G. Allgemeine Staatslehre. 3a ed., 7a reimpressão. Darm-

stadt, 1960.Kaufmann, A. (I) Gesetz und Recht. in Existenz und Ordnung. Fest-

schrift fur E. Wolf, edd. Th. Würtenberger, W. Maihofer, A. Hollerbach. Frankfurt am Main, 1962, pp. 357 ss.

Kaufmann, A. (II) Analogie und ‘Natur der Sache’. Zugleich ein Beitrag zur Lehre vom Typus. Karlsruhe, 1965.

Keller, A. Die Kritik, Korrektur und Interpretation des Gesetzes- wortlautes. Winterthur, 1960.

Kelsen, H. (I) Reine Rechtslehre, mit einem Anhang: Das Problem der Gerechtigkeit. 2a ed. Viena, 1960.

Kelsen, H. (II) Was ist juristischer Positivismus? in: Juristenzeitung1965, pp. 465 ss.

Klug, U. Juristische Logik. 3a ed. Berlim; Heidelberg; Nova Iorque,1966.

112

Page 134: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Kriele, M. Theorie der Rechtsgewinnung, entwickelt am Problem der Verfassungsinterpretation. Berlim, 1967.

Krüger, H. (I) Verfassungsauslegung aus dem Willen des Verfas- sungsgebers. in: Deutsches Verwaltungsblatt 1961, pp. 685 ss.

Krüger, H. (II) Allgemeine Staatslehre. 2a ed. Stuttgart; Berlim; Colônia; Mogúncia, 1966.

Laband' P. Das Staatsrecht des Deutschen Reiches. 5a ed. Tübingen, 1911-1914.

Lang, E. Staat und Kybemetik. Prolegomena zu einer Lehre vom Staat ais Regelkreis. Salzburg; Munique, 1966.

Larenz, K. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 2a ed. Berlim; Heidelberg; Nova Iorque, 1969.

Lautmann, R. Rolle und Entscheidung des Richters. in: Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtstheorie 1 (1970), pp. 381 ss.

Leibholz, G. Strukturprobleme der modemen Demokratie. Karlsru­he, 1958.

Leisner, W. Betrachtungen zur Verfassungsauslegung. in: Die õffent- liche Verwaltung 1961, pp. 641 ss.

Lerche, P. (I) obermass und Verfassungsrecht. Zur Bindung des Gesetzgebers an die Grundsàtze der Verhãltnismàssigkeit und der Erforderlichkeit. Colônia; Berlim; Munique, Bonn, 1961.

Lerche, P. (II) Stil, Methode, Ansicht. Polemische Bemerkungen zum Methodenproblem. in: Deutsches Verwaltungsblatt 1961, pp. 690 ss.

Luhmann, N. (I) Grundrechte ais Institution. Ein Beitrag zurpoli- tischen Soziologie. Berlim, 1965.

Luhmann, N. (II) Recht und Automation in der õffentlichen Verwal­tung. Eine verwaltungswissenschaftliche Untersuchung. Berlim,1966.

Luhmann, N. (III) Funktionale Methode und juristische Entschei­dung. in: Archiv des õffentlichen Rechts 94 (1969), pp. 1 ss.

Luhmann, N. (IV) Positivitàt des Rechts ais Voraussetzung einer modemen Gesellschaft. in: Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtstheorie 1 (1970), pp. 175 ss.

Maihofer, W. Die Natur der Sache. in: Archiv für Rechts- und So- zialphilosophie, 1958, pp 145 ss.

113

Page 135: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Müller, F. (I) Normstruktur und Normativitãt. Zum Verhàltnis von Recht und Wirklichkeit in der juristischen Hermeneutik, ent- wickelt an Fragen der Verfassungsinterpretation. Berlim, 1966.

Müller, F. (II) Normbereiche von Einzelgrundrechten in derRechts- prechung des Bundesverfassungsgerichts. Berlim, 1968.

Müller, F. (III) Die Positivitàt der Grundrechte. Fragen einerprak- tischen Grundrechtsdogmatik. Berlim, 1969.

Müller, F. (IV) Freiheit der Kunst ais Problem der Grundrechtsdog­matik. Berlim, 1969.

Müller F. (V) Fragen einer Theorie der Praxis. in: Archiv des õffent- lichen Rechts 95 (1970), pp. 154 ss.

Müller, F. (VI)\ Juristische Methodik. Berlim, 1971.Münch, I. v. Ubungen zum Staatsrecht, Verwaltungsrecht und Võl-

kerrecht. 3a ed. Bad Homburg, 1969.Naucke, W., & Trappe, P. (edd.) Rechtssoziologie und Rechtspraxis.

Neuwied, 1970.Ossenbühl, F. Probleme und Wege der Verfassungsauslegung. in:

Die õffentliche Verwaltung 1965, pp. 649 ss.Otto, H. Methode und System in der Rechtswissenschaft. in: Archiv

fur Rechts- und Sozialphilosophie 1969, pp. 493 ss.Pestalozza, Chr. Graf v. Kritische Bemerkungen zu Methoden und

Prinzipien der Grundrechtsauslegung in der BRD. in: Der Staat2 (1963), pp. 425 ss.

Podlech, A. Wertungen und Werte im Recht. in: Archiv des õffentli- chen Rechts 95 (1970), pp. 185 ss.

Popper, K. R. (I) Was ist Dialektik? in: Logik der Sozialwissen- schaften, ed. E. Topitsch. Colônia; Berlim, 1965, pp. 262 ss.

Popper, K. R. (II) Die Logik der Forschung. 2a ed. Tübingen, 1966.Radbruch, G. Rechtsphilosophie, ed. E. Wolf. 5a ed. Stuttgart, 1956Raisch, P. Überlegungen zur Verwendung von Datenverarbeitungs-

anlagen in der Gesetzgebung und im Rechtsfindungsprozess. in: Juristenzeitung 1970, pp. 433 ss.

Raiser, L. Die Rechtswissenschaft im Gründungsplan für Konstanz. in: Juristenzeitung 1966, pp. 86 ss.

Rinck, H.J. Gleichheitssatz, WillkürverbotundNaturderSache. in: Juristenzeitung 1963, pp. 521 ss.

114

Page 136: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Rittner, F. Verstehen und Auslegen ais Probleme der Rechtswissen- schaft. in: Freiburger Dies Universitatis 14 (1967), pp. 43 ss.

Savigny, F. K. v. (I) System des heutigen Rómischen Rechts, vol. I. Berlim, 1840.

Savigny, F. K. v. (II) Juristische Methodenlehre, ed. G. Wesenberg. Stuttgart, 1951.

Schaok, F. & Michel, H. Die verfassungskonforme Gesetzesausle- gung. in: Juristische Schulung 1961, pp. 269 ss.

Scheuner, U. Das Wesen des Staates und der Begriff des Politischen in der neueren Staatslehre. in: Staatsverfassung und Kirche- nordnung. Festgabe für R. Smend. edd. K. Hesse, S. Reicke, U. Scheuner. Tübingen, 1962, pp. 225 ss.

Schindler, D. Verfassungsrecht und soziale Struktur. 3a ed. Zuri­que, 1950.

Schmitt, C. (I) Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Souverãnitàt. 2a ed. Berlim, 1934.

Schmitt, C. (II) über die drei Arten des rechtswissenschaftlichen Denkens. Hamburg, 1934.

Schmitt, C. (ItQ Verfassungslehre. 4a ed. Berlim, 1965.Schneider, H. P. Richterrecht, Gesetzesrecht und Verfassungsrecht.

Frankfurt/Main, 1969.Schneider, P. Prinzipien der Verfassungsinterpretation. in: Verõf-

fentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtsleh- rer 20 (1963), pp. 1 ss., 133 ss.

Simitis, S. (I) Rechtliche Anwendungsmõglichkeiten kybemetischer Systeme. Tübingen, 1966.

Simitis, S. (II) Automation in der Rechtsordnung — Mõglichkeiten und Grenzen. Karlsruhe, 1967.

Smend, R. Staatsrechtliche Abhandlungen und andere Aufsàtze. 2a ed. Berlim, 1968.

Spanner, H. Die verfassungskonforme Auslegung in der Rechtspre- chung des Bundesverfassungsgerichts. in: Archiv des õffentli­chen Rechts 91 (1966), pp. 503 ss.

Stern, K. Interpretation — eine existentielle Aufgabe der Jurispru- denz. in: Neue Juristische Wochenschrift 1958, pp. 695 ss.

Strache, K.-H. Das Denken in Standards, zugleich ein Beitrag zur Typologie. Berlim, 1968.

115

Page 137: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Stratenwerth, G. Das rechtstheoretische Problem der 'Natur der Sache'. Tübingen, 1957.

Suhr, D. Ansàtze zur kybernetischen Betrachung von Recht und Staat. in: Der Staat 6 (1967), pp. 197 ss.

Topitsch, E. (I) Sachgehalte und Normsetzungen. in: Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie 1958, pp. 189 ss.

Topitsch, E. (II) Die Menschenrechte. Ein Beitrag zur Ideologiekri- tik. in: Juristenzeitung 1963, pp. 1 ss.

Viehweg, Th. Topik und Jurisprudenz. 3a ed. Munique, 1965.Vogel, K. Der Verwaltungsrechtsfall. 6a ed. Berlim; Frankfurt a.

Main, 1969.Vogel, Th. Zur Praxis und Theorie der richterlichen Bindung an das

Gesetz im gewaltenteilenden Staat. Berlim, 1969.Wagner, H. Die Vorstellung der Eigenstàndigkeit in der Rechtswis-

senschaft. Ein Beitrag zur juristischen Systematik und Termino- logie. Berlim, 1967.

Weber, M. Der Sinn der ‘Wertfreiheit'. in: Gesammelte Aufsãtze zur Wissenschaftslehre, ed. J. Winckelmann. 2a ed. Tübingen, 1951.

Weldon, T.D. Kritik der politischen Sprache. Vom Sinn politischer Begriffe. Neuwied, 1962.

Werner, F. Zum Verhãltnis von gesetzlichen Generalklauseln und Richterrecht. Karlsruhe, 1966.

Wieacker, F. (I) Zur rechtstheoretischen Pràzisierung des § 242 BGB. Tübingen, 1956.

Wieacker, F. (II) Gesetz und Richterkunst. Karlsruhe, 1958.Wieacker, F. (III) Recht und Automation. in: Festschrift für E. Bõt-

ticher, edd. K. A. Bettermann, A. Zeuner. Berlim, 1969, pp. 383 ss.

Wilhelm, W. Zur juristischen Methodenlehre im 19. Jahrhundert. Die Herkunft der Methode Paul Labands aus der Privatrechts- wissenschaft. Frankfurt/Main, 1958.

Wittgenstein, L. Logisch-philosophische Abhandlung. in: Schriften 1. Frankfurt/Main, 1960.

Zeidler, K. Über die Technisierung der Verwaltung. Karlsruhe, 1959.

116

Page 138: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

APÊNDICE(abril de 1999)

(sobre o desenvolvimento e o estado atual da metódica do direito [constitucional] na obra do autor)

O presente livro foi desenvolvido e aperfeiçoado in:Friedrich Müller (doravante citado como F.M.). Juri-

stische Methodik [Metódica Jurídica]. Berlim, Duncker & Humblot, 1971. Edição mais recente dessa obra constante­mente atualizada: 8a ed., Berlim, Duncker & Humblot, 2002.

A demonstração prática com base em casos foi e.g. ela­borada in F.M. Fallanalysen zur juristischen Methodik [Análises de casos com vistas à metódica jurídica]. 2a ed., Berlim, Duncker & Humblot, 1989.

As duas obras não foram traduzidas ao português até agora. Há três anos, é conhecida e pode ser encontrada sem maiores dificuldades a tradução francesa da 5a ed. da Juri- stische Methodik [v. supra], feita por Olivier Jouanjan e publicada em 1995 em Paris pela Presses Universitaires de France sob o título Discours de la méthode juridique.

117

Page 139: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

São ainda acessíveis no Brasil os seguintes escritos de Friedrich Müller, que pertencem ao âmbito do tema do presente livro:

Entsprechungen zwischen Rechtstheorie und Sprachtheo- rie: Strukturierende Rechtslehre und praktische Semantik. in: Conferência do 3o Congresso Brasileiro de Filosofia Ju­rídica e Social. Paraíba, 1988, pp. 181 ss.

Tesis acerca de la estructura de las normas jurídicas. In: Revista Espanola de Derecho Constitucional (1989), 111 ss. (tradução de Luis Villacorta Mancebo).

Interpretação e concepções atuais dos Direitos do Ho­mem. Traduzido por Peter Naumann. In: Anais da 15a Con­ferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1994, pp. 535 ss.

Direito — Linguagem — Violência. Elementos de uma Teoria Constitucional I. Traduzido por Peter Naumann. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1995.

Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Traduzido por Peter Naumann. Com uma apresentação de Fábio Konder Comparato e um prefácio de Ralph Chri- stensen. 3a ed., revista e ampliada. São Paulo, Editora Max Limonad, 2002.

Legitimidade como litígio concreto do direito positivo — uma comparação atual entre as constituições alemã e brasi­leira. In: Cadernos da Escola do Legislativo. Belo Horizon­te, 1999 (em preparo).

Constitucionalidade — Legalidade — Legitimidade. A Constituição de 1988 em comparação analítica com a Lei Fundamental alemã. São Paulo, Editora Max Limonad, 1999 (em preparo).

O novo paradigma do direito. Introdução à Teoria e à Metódica Estruturantes do Direito. São Paulo, Editora Max Limonad, 1999 (em preparo).

Com ênfase na teoria constitucional:

118

Page 140: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Fundamentos atuais da democracia: cidadania e parti­cipação. In: Anais da 16a Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1996, pp. 57 ss.

Sobre a metódica jurídica no conjunto da constituição positiva, cf. as seguintes publicações em língua alemã:

Jjiristische Methodik und Politisches System. Elemente einer Verfassungstheorie II [Metódica Jurídica e Sistema Político. Elementos de uma Teoria Constitucional, II]. Berlim, Duncker & Humblot, 1975.

Die Einheit der Verfassung. Elemente einer Verfas­sungstheorie III [A unidade da constituição. Elementos de uma Teoria Constitucional, III]. Berlim, Duncker & Hum­blot, 1979.

Strukturierende Rechtslehre [Teoria Estruturante do Direito]. 2a ed. Berlim, Duncker & Humblot, 1994. Tradu­ção brasileira de Peter Naumann (em preparo).

F.M. (e d j Untersuchungen zur Rechtslinguistik [Análi­ses sobre Lingüística Jurídica]. Berlim, Duncker & Hum­blot, 1989.

Essais zur Theorie von Recht und Verfassung [Ensaios sobre a teoria do direito e da constituição]. Berlim, Dunc­ker & Humblot, 1990.

Methodik, Theorie, Linguistik des Rechts [Metódica, Teoria e Lingüística do Direito], ed. Ralph Christensen. Berlim, Duncker & Humblot, 1987 (nesta publicação, e.g. Verfassungskonkretisierung [Concretização da constitui­ção], pp. 20 ss.)

Rechtstext und Textarbeit [Texto do direito e trabalho do texto] (escrito em parceria com Ralph Christensen e Michael Sokolowski). Berlim, Duncker & Humblot, 1997.

Demokratie und Juristische Methodik [Democracia e Metódica Jurídica], In: H. Brunkhorst & P. Niesen (edd.). Das Recht derRepublik. Frankfurt am Main, 1999, pp. 191 ss.

119

Page 141: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Juristische Methodik (Metódica Jurídica), vol. II: Euro- parecht (Direito Europeu). Berlim, Duncker & Humblot, 2003 (em parceria com Ralph Christensen).

Neue Studien zur Rechtslinguistik (Novos Estudos de Lingüística Jurídica), ed. em parceria com Rainer Wim- mer. Berlim, Duncker & Humblot, 2001.

(em parceria com Ralph Christensen) Rechtslinguistik des Europarechts (Lingüística Jurídica do Direito Euro­peu). Berlim, Duncker & Humblot, 2003 (em preparo).

Page 142: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO1

O que deve significar aqui “constituição”? Não se trata de nenhuma pergunta preliminar; ela já diz respeito ao cer­ne do que “concretização” deve significar. No termo “cons­tituição"*, primeiro elemento do substantivo composto "Verfassungskonkretisierung” se decide preliminarmente o que o segundo, "concretização”** , haverá de significar e, por conseguinte e simultaneamente, como a constituição efetiva será efetivamente tratada — não importa se deno­minamos isso “concretizar” ou diferentemente.

Mas com isso se pressupõe novamente o que queremos entender por “constituição efetiva”.

1 Versão mais extensa da conferência proferida em 22 de agosto de 1996 na abertura do “Congresso Internacional de Direito Constitucional, Tributário e Administrativo” no Centro de Convenções da UFPE (Recife). Publicado in Müller, Friedrich. Methodik, Theorie, Linguistik des Rechts: NeueAufsàtze (1995-1997). Berlim, Duncker & Humblot, 1997, pp. 20-35.* Verfassung.** Konkretisierung.

121

Page 143: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Assumi a palestra sobre questões de princípio. Insiro- me no programa global, que deverá conter posicionamen­tos sobre várias questões individuais. Devo respeitar esse programa e faço-o limitando-me aqui aos problemas funda­mentais.

O que nós juristas denominamos "constituição" é — não importa como formulamos esse conceito — um dado lingüístico; e o que “concretização” pode significar em dife­rentes variantes é sempre um processo lingüístico. Há al­gum tempo esse fato é enunciado e trabalhado na frente avançada da teoria e metodologia do direito: o caráter ine- ludível de linguagem, a textualidade que perpassa toda a concretização (da constituição).

1 .1 .0 conceito de constituição não está definido; e não existe um único conceito de constituição reconhecido se­quer pela maioria dos juristas. Nos países de língua alemã encontramos uma dúzia de conceitos de constituição: ao lado do conceito formal, os materiais; ao lado do conceito “absoluto”, o “relativo"; em Carl Schmitt ainda mais rigo­rosamente "a constituição" contra “a lei constitucional”; quer dizer, criações conceituais políticas versus criações conceituais jurídicas ou criações conceituais das Ciências Sociais versus criações conceituais da Ciência Jurídica. No cotidiano da política — conseqüentemente: não inteira­mente sem segundas intenções — “a realidade constitucio­nal” se vê sempre de novo assestada contra “a constituição” (aparentemente no mesmo nível hierárquico). As acepções de conteúdo oscilam e.g. entre a constituição enquanto "ordenamento jurídico básico do Estado*”, o ordenamento jurídico do processo de integração pelo Estado, o processo de atuação conjunta consciente, planejada e organizada, a “projeção do comportamento segundo a idéia do que é

* Gemeinwesen.

122

Page 144: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

‘correto’”, com função estabilizadora, ou ainda, a restrição e racionalização do poder e garantia de um processo políti­co livre2. Para um cientista político [W. Hennis) a consti­tuição não é o “livro de base” tematicamente rico da nação, mas um mero “instrument of government”. E um positivis­ta à antiga como E. Forsthoff nos ensina3 que a constituição seria '(no sentido schmittiano) apenas uma lei constitucio­nal, embora de natureza "política”: por isso ela não poderia ser interpretada “como uma lei sobre termômetros de me­dição da febre”. No entanto, a confissão de que os "proble­mas propriamente ditos” apenas começariam com esse en­tendimento, não é seguida por nenhuma indicação constru­tiva de como eles deveriam ser solucionados.

No Brasil a “concepção formal” é contraposta à “con­cepção material”, que na seqüência é elaborada expressa­mente4; ou a constituição é apresentada como o “conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Es­tado”5. V

1.2. Que fazer diante dessa pletora de conceitos? Deve­ríamos dar a preferência a um dos conceitos defendidos? Se sim, com que fundamentação? Ou deveríamos acrescentar um conceito adicional — com que razões?

2 Na seqüência das menções: K. Hesse. Grundzüge des Verfassungs­rechts der Bundesrepublik DeutscMand. 20a ed. 1995, pp. 10 ss.; R. Smend. Verfassung und Verfassungsrecht. Staatsrechtliche Abhandlun- gen. 2a ed. 1968, p. 189; H. Heller. Staatslehre. 1934, pp. 228 ss.; R. Bãumlin. Staat, Recht und Geschichte. 1961, e.g. pp. 17, 24; H. Ehmke. Grenzen der Verfassungsãnderung. 1953, pp. 88 s.3 In: Zur Problematik der Verfassungsauslegung. 1961, pp. 35 ss., 37.4 Em Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 6a ed. 1996, pp. 63 ss.5 In: José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10a ed. 1995, pp. 40 s.; p. 41: "a constitição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos de Estado”.

123

Page 145: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Todos os conceitos são vagos, longe de serem tão niti­damente distintivos como gostariam de alegar. Todos eles apresentam-se como definições; quer dizer, autoritaria­mente e sem esconder um pendor para induzir conspirati- vamente a deduções. Por fim, todos eles — à exceção da “constituição” de Carl Schmitt, que na sua condição de mito não pertence ao tema da constituição jurídica — pres­supõem o que deve ser explicado como conjunto de nor­mas.

1 .3 .0 que foi dito por fim parece ser evidente; e isso a tal ponto, que não parece mais merecer qualquer pergunta. Assim opinava ao menos o paradigma positivista, segundo o qual dever-se-ia definir aqui primeiramente a “constitui­ção”, depois a "concretização”; em seguida ambos pode­riam ser justapostos por meio da adição, com ganhos para o nosso entendimento. Contrariamente ao paradigma positi­vista, a constituição e a sua concretização são aqui vincula­das integrativamente a limine. Na realidade do universo jurídico as seqüências de trabalho estão integradas, for­mam um ciclo informal. Quando se institui uma codifica­ção, “pensa-se” necessariamente na sua concretização pos­terior, também nos seus aspectos individuais — pois a fun­ção da construção de um corpo de leis tem precisamente isso em mente. E argumentos do tipo quão satisfatório ou insatisfatório o texto da norma se afigura diante do caso jurídico imiscuem-se necessariamente na atividade concre- tizadora. Nenhuma prescrição está subtraída ao debate da política (jurídica); ela é revista, anulada, modificada — e isso novamente com vistas à futura atividade concretiza- dora.

A tradicional fissura do conceito de constituição deriva da situação precária* do paradigma superado, do seu con­

* Schieflage.

124

Page 146: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ceito inteiramente insuficiente de lei. Há mais de três dé­cadas as investigações da teoria do direito pós-positivista mostraram6 que a normatividade não é nenhuma qualidade (estática, dada, “substancial”) de textos de normas. Ela é um processo baseado no trabalho comprometido com o Es­tado de Direito e a democracia. Esse processo parte dos textos das normas (e dos casos jurídicos) e encontra neles os seus limites, de modo a ser discutido mais além.

O conceito de lei (e também de constituição) fracassa diante das incongruências do enfoque positivista. Não im­porta o que as variantes atomizadas em opiniões desta ou daquela escola procurem enfatizar como a sua diferença específica, a “constituição” é de qualquer modo o texto, posto corretamente em vigor e ainda não invalidado legal­mente, do diploma que se apresenta como codificação hie­rarquicamente suprema no plano intra-estatal.

Assim o cqnceito é utilizado aqui, sem que rastreemos liminarmente outras definições. Nesse procedimento se pode reconhecer uma conseqüência adicional da virada wittgensteiniana, segundo a qual “o significado de uma pa­lavra” é quase sempre “o seu uso na linguagem”7.

Isso nos levaria aqui a redondamente uma dúzia de sig­nificados. Ora, a idéia fundamental da teoria dos atos de

6 Desde F. Müller. Normstruktur und Normativitãt. 1966; Id. Ju­ristische Methodik, 1971 (6a ed. 1995); Id. Strukturierende Rechtsleh- re. 1984, 2a ed. 1994.7 L. Wittgenstein. Philosophische Untersuchungen. 1971, parágrafo 43: “Man kann für eine grosse Klasse von Fallen der Benützung des Wortes ‘Bedeutung’ — wenn auch nicht für alie Fãlle seiner Benützung — dieses Wort so erklâren: Die Bedeutung eines Wortes ist sein Ge- brauch in der Sprache. ” [“Para uma grande classe de casos da utilização da palavra ‘significado’ — ainda que não para todos os casos da sua utilização — pode-se explicar essa palavra da seguinte maneira: o signi­ficado de uma palavra é o seu uso na linguagem.”]

125

Page 147: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

fala (desde Austin e Searle) e da subseqüente pragmática lingüística afirma que cada enunciado pode ser descrito como uma ação segundo regras — e isso na esteira de Witt- genstein e da sua teoria do uso do significado. Conhecer o sentido do signo lingüístico “constituição” significa, por conseguinte, saber quais regras vigem para o seu uso e saber como se pode agir com esse signo.

Aqui vamos avançar mais um passo: a “constituição” não é introduzida como definição nem como significado efetivamente usado (pois nesse caso teríamos mais de dez definições e significados ao mesmo tempo), mas como ele­mento de trabalho, como mera explicitação. E isso para observar num primeiro momento que experiências faze­mos com ela, para descobrir como se pode agir com ela. E esse enfoque indutivo que, entre outros elementos, interli­ga a Teoria Estruturante do Direito e uma vertente da Lin­güística contemporânea, denominada Semântica Prática.

1.4. Ao operar indutivamente e não dedutivamente, a Teoria Estruturante do Direito opta pela teoria da ação. O sujeito da decisão jurídica não é “a lei”, "a norma”, mas o jurista efetivamente atuante. Ele é responsável pela sua de­liberação vinculante, está além disso comprometido com o Estado de Direito e a democracia, no tocante à metódica do seu trabalho. Nesse sentido exigente se deve entender a expressão “operador jurídico”. A linguagem não é aqui ins­trumento passivo dessa atuação jurídica, mas meio, melhor ainda, espaço de atuação. Na sua condição de língua natural especializada, ela é submetida, do ponto de vista categorial, a exigências excessivas pelas concepções tradicionais do "silogismo”, da “subsunção” lógica ou de um “significado” inerente aos textos, supostamente propriedade dos concei­tos referentes às circunstâncias de fato.

E assim como desde Wittgenstein a linguagem é vista no nexo de jogos de linguagem e formas de vida, o jogo de

126

Page 148: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

linguagem específico do “direito” (instituição do direito, implementação do direito, concretização do direito, nova instituição do direito) está sempre inserido no seu entorno efetivo das condições sociais, políticas e econômicas, e no entorno normatizado das instituições estatais envolvidas.

Djto em outras palavras: o trabalho jurídico transcende a “compreensão” (no sentido da Hermenêutica) e a “inter­pretação” (no sentido do paradigma positivista e das posi­ções antipositivistas). O trabalho jurídico é trabalho com textos nas instituições estatais ou (enquanto preparação ou comentário) com vistas a elas.

1.5. Tradicionalmente estava em jogo a “aplicação” de leis. Estas deviam ter um conteúdo, determinado pela von­tade do seu autor (legislante). E, portanto, o legislador (pela boca do juiz) que fala — decide, assume a responsa­bilidade, não o juiz. Quem fala não é um sujeito humano, mas um textç: o juiz como “bouche de la loi”. Como se sabe, o modelo remonta a Montesquieu.

Esse paradigma familiar opera com pressupostos tos­cos: a possibilidade de uma única interpretação correta em cada caso, de um centro de sentido de conteúdo claro, de uma unidade do sentido objetivo dos textos jurídicos. Pres­supor tais coisas parece ilusório diante do foro da filosofia da linguagem mais recente, entrementes explicitada há três décadas, e diante do foro da atual teoria lingüística dos textos8.

8 Sobre a recepção e discussão desses novos impulsos na Ciência Jurídica cf. a documentação e apresentação e.g. em D. Busse. Juristis­che Semantik. 1993; Id. Recht ais Text, 1992; Id. Zum Regel-Charakter von Normtextbedeutungen und Rechtsnormen, in: Rechtstheorie 19 (1988), pp. 305 ss.; Id. Semantische Regeln und Rechtsnormen, in: Mel- linghoff/Trute (edd.). Die Leistungsfàhigkeit des Rechts. 1988, pp. 23 ss.; B. Jeand’Heur. Sprachliches Referenzverhalten bei der juristischen Entscheidungstãtigkeit. 1989; Id. Gemeinsame Probleme der Sprach-

127

Page 149: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

O juiz ou o outro jurista que decide, “subsume” de acordo com o paradigma de Montesquieu. Ele faz isso à maneira “silogística”, subsumindo o caso jurídico aos con­ceitos de uma norma jurídica previamente dada, que justa­mente deve ser idêntica ao texto contido no código legal. A lei é lex ante casum, “devendo ser aplicada” por meio do silogismo judicial. Ressalte-se que o ordenamento jurídico é suposto aqui como sistema manuseável sem dificuldades fundamentais: "Trata-se [...] das três suposições funda­mentais de coerência*, ao menos da possibilidade de inferir por via lógica: do ordenamento jurídico enquanto totalida­de das normas positivas, da norma jurídica individual en­quanto continuum unitário formado exclusivamente por dados lingüísticos, da solução do caso individual como pro­cesso dominável por meio do silogismo e primacialmente lingüístico do começo ao fim”9. Do ponto de vista da Lin­güística Jurídica o mito consiste na suposição de que para cada caso jurídico a solução una, i. é, correta, já está dispo­nível nas leis, que são textos.

Em oposição a esse mito a Teoria Estruturante do Di­reito desenvolveu desde meados dos anos 60 uma concep­

und Rechtswissenschaft aus der Sicht der Strukturierenden Rechtsleh- re, in: F. Müller (ed.). Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, Christensen. Was heisst Gesetzesbindung? 1989; Id. Gesetzesbindung oder Bindung an das esetzbuch der praktischen Vemunft, in: Melling- hoff/Trute (edd.). Die Leistungsfáhigkeit des Rechts. 1988, pp. 95 ss.; R. Wimmer/R. Christensen. Praktisch-semantische Probleme zwischen Linguistik und Rechtstheorie, in: F. Müller (ed.) Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, pp. 27 ss.; F. Müller. Strukturierende Rechtsleh- re. 2a ed. 1994, sobretudo pp. 374 ss.; Id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995; bem como Id. (ed.) Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, do começo ao fim.9 F. Müller. Strukturierende Rechtslehre. 2a ed. 1994, p. 438.* Geschlossenheit.

128

Page 150: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ção nova, pós-positivista da teoria do direito: a norma jurí­dica não está já contida no código legal. Este contém ape­nas formas preliminares, os textos das normas. Estes, por sua vez, se diferenciam sistematicamente da norma jurídi­ca, a ser primeiramente produzida, i. é, ‘trazida para fora’ em çada processo individual de decisão jurídica. Além dis­so, o âmbito da norma pertence constitutivamente a ela. A “norma jurídica” se transforma assim em conceito comple­xo, composto por programa da norma e âmbito da norma. E “atividade concretizante” não é mais sinônimo de tornar mais concreta uma norma jurídica genérica que já estaria contida no código legal; ao contrário, significa, a partir de uma ótica e reflexão realistas, construção da norma jurídica no caso individual a ser decidido, sendo que os elementos do trabalho textual se tornam crescentemente “mais con­cretos" de uma fase a outra. Isso dinamiza ao mesmo tem­po o trabalhç> dos juristas no eixo norma — caso, apreende esse trabalho de modo realista como um processo também temporal: texto da narrativa do caso, texto do “conjunto de fatos”* profissionalmente reformulado, e textos das nor­mas na codificação, textos do programa da norma e do âm­bito da norma, texto da norma jurídica e da norma de deci­são (a parte dispositiva da decisão). Mas a dinamização pró­xima à realidade apreende também o eixo norma — reali­dade: o âmbito da norma co-constitui a norma jurídica. Ele é desenvolvido a partir do âmbito material e do âmbito do caso, i. é, diferenciado e operacionalizado. Além disso, os elementos de trabalho são hierarquizados: no caso de con­flito entre eles, impõem-se por razões de democracia ou Estado de Direito os dados lingüísticos; não deve existir nenhuma “força normativa do fático” (G. Jellinek). Em ca­sos de conflito metodológico entre os elementos indivi­

* “Sachverhalt”.

129

Page 151: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

duais da concretização temos à disposição um catálogo de regras de preferência. O primado cabe aqui grosso modo aos respectivos argumentos mais próximos do texto da nor­ma.

Compreendida paradigmaticamente em novos termos, a norma jurídica não é apenas o texto lingüístico primacial, mas um modelo ordenador materialmente definido*. E a normatividade não é nenhuma propriedade substancial dos textos no código legal, mas um processo efetivo, temporal- mente estendido, cientificamente estruturável: a saber, o efeito dinâmico da norma jurídica, que influi na realidade que lhe deve ser atribuída (normatividade concreta) e que é influenciada por essa mesma realidade (normatividade materialmente determinada).

1.6. Mas será que se essa concepção aparentemente “material” aqui defendida não conduz a um conceito for­mal de constituição? Será que isso não significa aqui sim­plesmente o que Carl Schmitt denominou (depreciativa­mente) “lei constitucional”? Schmitt chegou a essa expres­são pejorativa apenas por ter permanecido como cientista sob o encanto mágico do conceito positivista da norma — contrariamente à sua intenção declarada10. Fracassou na sua tentativa de superar esse conceito em termos jurídicos. Viu-se obrigado a desviar para a “Teologia Política”, para uma mitologia da história, precariamente fundamentada na construção ideológica “amigo e inimigo”. Tal mistificação é inaceitável para a Ciência Jurídica — e não esqueçamos que na “concretização da constituição” a Ciência Jurídica está em jogo. Só não cai nessa mistificação quem começa a inquirir mais fundamentalmente e transpõe o paradigma

10 Cf. a propósito ibid., pp. 28 ss. etpassim.* sachgeprãgtes Ordnungsmodell.

130

Page 152: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

positivista (já pressentido nos tempos de Schmitt como indefensável).

Aqui não foi proclamado nenhum “conceito” de consti­tuição, mas proposto um elemento inicial de trabalho por meio de uma explicitação. De forma igualmente indutiva, i. é, a partir de muitas centenas de análises da jurisprudên­cia da corte suprema, a mencionada concepção pós-positi- vista tinha sido desenvolvida “de baixo para cima”, a partir das dificuldades cotidianas do trabalho jurídico. Já por essa razão não estamos aqui diante do velho "conceito formal de constituição”. Ademais, a explicitação seria apenas “for­mal” se permanecêssemos na concepção positivista supera­da da "norma jurídica” enquanto fenômeno textual apenas primacialmente lingüístico no código legal, pois o que foi perifraseado por meio da explicitação não significa e.g. “conjunto total de normas no nível mais elevado da hierar­quia de norm&s”, mas “totalidade dos textos da codificação que se apresenta no plano intra-estatal como a fonte hierar­quicamente suprema do direito". Essa explicação refere-se a um determinado conjunto parcial de signos: ela é semió­tica, não (pseudo) "normativa” à maneira positivista. Não se toma nenhuma decisão prévia acerca de “formal” ou “ma­terial”.

1.7. “Concretizar” não significa aqui, portanto, à ma­neira do positivismo antigo, interpretar, aplicar, subsumir silogisticamente e inferir. E também não, como no positi­vismo sistematizado da última fase de Kelsen, "individuali­zar” uma norma jurídica genérica codificada na direção do caso individual “mais restrito”. Muito pelo contrário, “con­cretizar” significa: produzir, diante da provocação pelo caso de conflito social, que exige uma solução jurídica, a norma jurídica defensável para esse caso no quadro de uma demo­cracia e de um Estado de Direito. Para tal fim existem

131

Page 153: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dados de entrada* — o caso e os “pertinentes” textos de norma — e meios de trabalho, sobre os quais ainda havere­mos de falar.

Acrescentemos ainda algumas breves reflexões: os ju­ristas práticos sempre trabalharam assim - inevitavelmente —, mas a metodologia e a teoria jurídica tradicionais não refletiram essa realidade de maneira adequada. O modelo seqüencial estruturante não vale apenas para o caso clássico do juiz, mas para todos os funcionários do sistema jurídico, aos quais foi delegada a competência decisória segundo prescrições jurídicas — no caso em exame: segundo as prescrições da constituição. Ele vale estruturalmente tam­bém para o autor de um parecer jurídico, que deve, com base nos textos das normas, avaliar um problema jurídico num grau de maturidade que possibilite a sua decisão. As concepções tradicionais costumam esconder globalmente os argumentos materiais co-constitutivos atrás das conheci­das fórmulas ‘em branco’ como “finalidade”, “razoabilida- de”, “adequação”. Não obstante, os dados reais são efica­zes. Na concepção pós-positivista eles são nomeados aber­tamente, correlacionados aos outros elementos, processa­dos abertamente. Uma das conseqüências desse procedi­mento — certamente não a última em importância — está no fato de que ele dificulta — e efetivamente também reduz— o arbítrio, de forma profissional. Os fatos não podem co-sustentar "de maneira qualquer” a decisão, também não segundo a oportunidade ou o assim chamado sentimento pessoal do que é direito ("juízo”). Devem poder identifi- car-se para tal fim, por meio de um trabalho de fundamen­tação segundo o critério do programa da norma, sendo que esse trabalho deve ser apresentado abertamente. E o pro­grama da norma é obtido pela interpretação integral e ra­

* Eingangsdaten.

132

Page 154: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cionalmente recapitulável de todos os elementos, prima­cialmente lingüísticos, da concretização (da constituição).

2.1. Como em outras áreas do direito, o jurista que precisa solucionar um caso do Direito Constitucional parte do conjunto de fatos que ele formula profissionalmente. Corp esses traços distintivos ele constrói, a partir do con­junto de textos da constituição, hipóteses sobre o texto da norma que ele pode considerar "provavelmente pertinen­tes” segundo o seu conhecimento especializado. Dessas hi­póteses ele procede aos fatos genéricos empiricamente vin­culados a elas (ao lado dos fatos individuais do caso). Em regra ele reduz*, por razões de economia de trabalho, o conjunto desses fatos genéricos, o âmbito material, ao âm­bito do caso. Com ajuda de todos os elementos de trabalho primacialmente lingüísticos, os dados de linguagem, ele elabora o programa da norma. A medida que os dados reais do âmbito material ou do âmbito do caso (ainda) são rele­vantes diante do programa da norma e compatíveis com ele, eles constituem o âmbito da norma. O jurista interliga então o programa da norma e o âmbito da norma na norma jurídica formulada genericamente (“em um caso como este...” — expressa normalmente em assim chamados su­mários dos princípios diretivos da sentença** nos conside­randos da sentença). Num último passo, ele individualiza essa norma jurídica na direção da norma de decisão (a parte dispositiva da sentença: e.g. “A lei é inconstitucional”; “A medida não viola o direito fundamental ‘x ’”; “O recurso é inadmissível”)11.

11 Sobre o transcurso da concretização cf. F. Müller. Strukturierende Rechíslehre. 2a ed. 1994, pp. 433 ss.; Id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 166 ss., 170 ss.* verengt.* * Leitsátze.

133

Page 155: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

2.2. Os elementos primacialmente lingüísticos refe­rem-se à interpretação do texto da norma. Fazem parte deles os elementos “metodológicos” no sentido mais estri­to: as interpretações gramatical, genética, histórica e siste­mática; outrossim, as figuras específicas da interpretação, características do Direito Constitucional; e também a argu­mentação “teleológica”, que no entanto suscita problemas. Em sentido mais amplo fazem parte dos dados lingüísticos os elementos dogmáticos, os referentes à técnica de solu­ção, os referentes à política constitucional e os elementos teóricos12. Em perspectiva sistemática, opõem-se a todos eles os já mencionados elementos do âmbito da norma.

Não podem basear-se em textos de normas parte dos elementos dogmáticos e dos elementos teóricos, bem como os elementos da técnica de solução de juristas com formação profissional e os elementos de política constitu­cional. Tais elementos estão restritos a funções auxiliares no transcurso da concretização. Enquanto não colidem com os fatores mais fortes, referidos aos textos das normas, eles podem aportar pontos de vista valiosos e fundamentar a decisão com maior riqueza de argumentos. No caso do con­flito metodológico, porém, eles recuam para um segundo plano. Como já foi dito, o mesmo vale para os fatos do âmbito material e do âmbito do caso; eles devem ceder a um programa de norma que se lhes oponha. Permito-me discutir aqui um exemplo atual: pode o presidente brasilei­ro recandidatar-se imediatamente após o término do seu mandato? O art. 82 da Constituição de 1988 (na redação da revisão EC-5/94) proíbe isso claramente de acordo com a interpretação gramatical. O argumento histórico — com­

12 Sobre a totalidade dos elementos de concretização v. as explana­ções detalhadas em F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 183 ss., 270 ss.

134

Page 156: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

paração com precursores de normas — confirma isso com base no texto de 1988 e das constituições anteriores13. Como uma candidatura e uma reeleição para períodos de mandato posteriores são lícitas, a proibição para o período imediatamente subseqüente deve ser compreendida no seu sentido estrito (ponto de vista da sistemática interna); ou­tras exceções ao próprio texto constitucional, por meio de extrapolação, estão excluídas — argumentum e contrario. Elemento genético, i. é, de história da origem: durante a revisão de 1994 — no caso, do art. 82 da Constituição Brasileira com a redução do mandato de 5 a 4 anos — a possibilidade da reeleição direta foi discutida; mas a pro­posta de revisão nesse sentido acabou por não se impor14. Isso também confirma os resultados obtidos até agora. Com isso se coaduna o fato de que estamos, no tocante ao art. 82 da Constituição Brasileira, diante de uma prescrição de forma ejnum sentido mais amplo) de prazo: de um enunciado sobre o suporte fático numericamente determi­nado, expresso em anos e na seqüência no tempo; tais tex­tos de normas devem ser interpretados de modo especial­mente estrito. Chega-se, outrossim, ao mesmo resultado a partir do fato de que se trata de uma questão de organiza­ção, da extensão do mandato de um órgão supremo do Estado e das condições quantificáveis da sua renovação — quer dizer, de um ‘hard case’ com rigorosa vinculação ao texto, que não pode ser questionado por nenhum "simbo­lismo” ou “nominalismo constitucional”. Além disso, um forte elemento externo ao sistema é providenciado pelo fato de que também a constituição de 1988 não prevê um

13 Todas as constituições brasileiras desde 1891 concordam com re­lação a esse ponto.14 Cf. J. A. da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10a ed. 1995, pp. 513.

135

Page 157: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

controle parlamentar do governo por meio do voto de des­confiança ou de outra modalidade de destituição do cargo por procedimento eletivo [Abwahl]; pelo fato, portanto, de que a função limitadora do poder, própria do art. 82, deve ser fortalecida. Finalmente o fracasso bem recente de uma revisão desse ponto (1994) mostra que, em termos de política constitucional, essa foi a questão a ser decidida então; que, em outras palavras, uma retomada dessa ques­tão representaria exatamente a configuração de uma emen­da constitucional ad hoc na forma de uma (encoberta) lei feita para uma só pessoa. Nota bene: isso não é proibido, por isso trata-se, como já foi dito, apenas de um elemento de política constitucional.

Opõem-se a isso outros argumentos de política consti­tucional: a possibilidade da reeleição imediata seria agora um “imperativo democrático” — embora tal imperativo não possa ser derivado das prescrições de democracia da constituição positiva; a democracia na versão dessa lei fun­damental de 1988 é uma democracia com o art. 82 da Constituição Brasileira. Ou ainda: o impedimento do po­der autoritário do cargo seria um anacronismo de política constitucional — embora o mencionado argumento siste­mático da falta de controle parlamentar do governo contra­diga essa tese. Ou ainda: a continuidade do trabalho exito- so do governo deveria ser assegurada. Ora, é justamente esse o objeto da discórdia — um argumento apenas de po­lítica do direito. Mas suponhamos por razões de clareza metodológica, como experimento mental, a existência de fatos de natureza econômica, social e de política exterior, que são amplamente reconhecidos por todos e indiciam um êxito incontestável do mandato em curso. Trata-se então de dados reais, mais especificamente de dados reais do âm­bito material (do caso). Como já afirmei, eles devem agora ser duplamente mensurados com referência ao programa

136

Page 158: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

da norma: será que eles são relevantes para ele? Não, pois o art. 82 não abre nenhum espaço para tal fim, nem de forma interpretada. E será que esses dados reais são compatíveis com o programa da norma, que desenvolvi acima? Não, pois ele proíbe a reeleição imediatamente posterior ao tér­mino do mandato. Os argumentos e os contra-argumentos ensaiados resultaram apenas entre os argumentos de políti­ca constitucional; e estes são geralmente mais fracos do que os escorados no texto da norma, sobretudo mais fracos do que os gramaticais e os sistemáticos. Ao mesmo tempo resultou um exemplo da diferença entre âmbito material e âmbito da norma. No Estado Democrático de Direito não existe nenhuma força normativa do fático — também não para uma concepção cientificamente inovadora. Só fatos relevantes para e fatos conformes ao programa da norma podem co-determinar o conteúdo da decisão.

As senhoras e os senhores compreenderão que não pos­so discutir mais extensamente os detalhes; isso demandaria outra conferência, sobre questões metodológicas, em vez de um texto sobre os fundamentos da concretização da constituição. Faço apenas duas observações: os elementos individuais não são “métodos” independentes entre si, ob­jetivos por assim dizer à maneira das ciências naturais, mas eles são realmente elementos, multiplamente entrelaçados enquanto elementos textuais e reciprocamente remissivos. F. K. von Savigny já viu isso com clareza há um século e meio, mas a posterior tradição positivista obscureceu esse fato. Em segundo lugar, e igualmente em concordância com Savigny e contra a tradição predominante desde en­tão: o argumento "teleológico" não é independente15. So­mente é lícito introduzir aspectos de “sentido e finalidade”

15 Cf. a propósito F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, e.g. pp. 204 ss., 208.

137

Page 159: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

da prescrição a ser trabalhada à medida que eles são docu- mentáveis com ajuda dos outros elementos. Do contrário, eles são juízos de valor de política (constitucional), desco­lados do texto da norma e nesse sentido não-fundamentá- veis, que por um lado aportam aspectos auxiliares de con­teúdo, por outro lado não logram impor-se diante dos ele­mentos mais fortes correlacionáveis aos textos das normas.

3.1. Com a brevidade aqui inevitável, menciono ainda algumas peculiaridades que distinguem a concretização da constituição do trabalho jurídico concretizador em outras áreas — em princípio dimensionado de modo igual.

O que mais chama a atenção aqui é o que se costuma denominar “princípios da interpretação da constituição”; do sistema jurídico dos EUA conhecemos, para citar um exemplo, as figuras do “judicial self-restraint”, da doutrina da “political question" ou da doutrina dos "preferred free- doms". Quero introduzir esses princípios aqui na forma na qual eles são discutidos nos países de língua alemã, cujos sistemas de codificação são estruturalmente mais aparenta­dos ao sistema brasileiro de codificação. Na sua maior par­te, também eles são apenas subcasos de outros elementos da concretização. O primeiro princípio autônomo é o man­damento da interpretação conforme a constituição, desen­volvido pelo Tribunal Constitucional Federal da RFA16. De acordo com ele, uma prescrição legal sempre deve ser in­terpretada de modo a ser compatível com os princípios da constituição. Na ocorrência de várias possibilidades inter- pretativas defensáveis deve-se decidir pela possibilidade na qual a regulamentação da lei estiver em conformidade com a constituição; o princípio combina dessarte a interpreta­

16 Cf. a propósito ibid. pp. 86 ss. et passim, com documentação. Acerca dos limites funcional-jurídicos da interpretação da lei conforme a constituição cf. e.g. BVerfGE 32, 165 ss., 199 s.

138

Page 160: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

ção do texto da norma com o controle da norma. O segun­do princípio autônomo é o da “correção funcional”17; se­gundo ele a instância decisória não deve alterar a distribui­ção constitucionalmente normatizada das funções nem por intermédio do modo de concretização nem por intermédio do resultado dela. Isso segue diretamente do direito (cons­titucional) vigente, mas oferece um exemplo importante de que a concretização (da constituição) é afetada integral­mente por prescrições democráticas e sobretudo por pres­crições relativas ao Estado de Direito, que são relevantes com vistas ao método, tais como deveres decisórios, deve- res de fundamentação, vinculação à lei, mandamentos de clareza de métodos e integralidade do direito vigente a ser consultado18. Contra esses dois princípios autônomos os assim chamados princípios da praticabilidade, da interpre­tação a partir do contexto da história das idéias*, do efeito integrador, da unidade da constituição, do quadro geral pré-constitucional, do nexo entre normas de direitos fun­damentais e normas de competência, da concordância prá­tica e da força normativa da constituição19 não têm nenhu­ma capacidade autônoma de concretização. Analisados ob­jetivamente, eles são apenas outras denominações de ele­mentos do âmbito material e do âmbito da norma, de fato­res de concretização: históricos e sistemáticos, genéticos e de política constitucional.

Deve-se acrescentar a isso que o direito constitucional apresenta tipicamente âmbitos materiais — ou âmbitos de

17 Cf. a propósito ibid. pp. 214 e sobretudo 89 ss., 92 ss.18 Sobre esse ponto de vista importante cf. ibid. e.g. pp. 79, 112, 138, 186, 261, 305 ss., 310 ss.19 A respeito desse tópico, considerado em termos gerais, cf. ibid. pp. 214 ss.* geistesgeschichtlicher Zusammenhang.

139

Page 161: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

normas, dependendo do programa da norma — especial­mente amplos e ricos. Isso decorre da sua função enquanto codificação hierarquicamente suprema do sistema jurídico intra-estatal, que disponibiliza mandamentos e proibições, impulsos, limites e medidas vinculantes não apenas para todo o aparelho de Estado e a sua atuação, mas também para a totalidade do ordenamento jurídico. Isso se torna especialmente claro nas contribuições intensas dos ele­mentos do âmbito material e do âmbito da norma na con­cretização de prescrições referentes a direitos fundamen­tais e competências. A Metódica Estruturante dispõe aqui— e.g. para uma dogmática racional do âmbito dos direitos fundamentais ou para uma tipologia de estruturas de nor­mas — de um campo fértil para o trabalho diferenciado20, que pode ser exemplar para a concretização também fora da constituição.

3.2. O direito constitucional deve normatizar o proces­so político. Por isso a concretização se vê sob a pressão potenciada de interesses, do poder e da violência. Isso tor­na especialmente delicada a pergunta pelos limites ainda permitidos de tal concretização. A democracia exige que sejam respeitados os textos das normas direta ou indireta­mente redutíveis a decisões do povo (eleitor), sobretudo por parte dos órgãos do Estado e dos próprios poderes de Estado. E as medidas e os mandamentos do Estado de Di­

20 Sobre os âmbitos materiais/da norma de prescrições de competên­cia cf. F. Müller. Strukturierende Rechtslehre. 2a ed. 1994, e.g. pp. 205 ss., 402 s.; id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 46 ss., 60 ss. sobre âmbitos de normas de direitos fundamentais bem como sobre esse tópico id. Strukturierende Rechtslehre. pp. 210 ss., 403 ss. et passim.- Sobre a tipologia de estruturas de normas v. Juristische Methodik. pp. 85, 150, 152, 201 s.; sobre a evolução da dogmática do âmbito dos direitos fundamentais cf. id. Freiheit der Kunst ais Problem der Grund- rechtsdogmatik. 1969; Die Positivitàt der Grundrechte. 2a ed. 1990.

140

Page 162: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

reito são o meio imprescindível para fazer com que essa legitimação democrática seja algo distinto do que uma sim­ples quimera. Por ambas razões a pergunta acerca do que a concretização da constituição ainda pode fazer e o que ela já não mais deve fazer coloca-se com urgência ainda maior do que em outras áreas do direito. A metodologia tradicio­nal procura responder a essa pergunta com a idéia de um “limite do teor literal”, que deveria estar transposto no mo­mento no qual a interpretação transcendesse o “sentido literal possível”. Mas a lingüística atual mostra — e eu su­geri isso — que tais fixações de semântica da palavra são ilusórias. Se, para citar um exemplo, o Tribunal Constitu­cional Federal da República Federal da Alemanha formula como “limite máximo da interpretação judicial admissível” algo "em primeira linha” que ela designa com a expressão “teor literal reconhecível e compreensível pelo destinatá­rio”21, entãOk.ele apenas confunde, em vez de esclarecer. Nem o "teor literal” nem os termos “reconhecível” e “com­preensível” são dados dos quais se poderia partir e com cuja ajuda se poderia traçar um limite. Como “sentido literal possível”22, o limite está localizado erroneamente. Ne­nhum texto de norma ‘enquanto tal’ pode arcar com tama­nho ônus de fundamentação, nenhuma semântica da pala­vra pode fornecer razões suficientes para tal. Essa função não poderia ser assumida por um “sentido literal possível”, formulável com autoridade lexicográfica e extraível do di­

21 BVerfGE 85, 69 ss., 73; BVerfGE 87, 209 ss., 224;- Sobre o problema: F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, e.g. pp. 187, 192 ss., 296; sobre o limite do programa da norma: ibid. pp. 188, 257 s., 273, 293 ss., 296 s.22 Assim a Corte Constitucional Federal em E 85, 69 ss., 73 ss., 77 ss. (de resto com uma controvérsia entre a opinião majoritária e a opinião desviante).

141

Page 163: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cionário com vistas ao caso jurídico concreto, mas tão-so­mente pelo programa da norma integralmente elaborado. Nenhum limite semântico pode ser pressuposto objetual- mente*. Muito pelo contrário, a fundamentação da concre­tização ainda admissível no quadro de uma democracia ou de um Estado de Direito situa-se em todo o processo de trabalho apresentado na íntegra e com honestidade e deno­minado "concretização". Foi possível mostrar isso também no supracitado exemplo de uma reeleição do presidente brasileiro para o mandato imediatamente subseqüente ao seu mandato atual. Embora o art. 82 da Constituição Brasi­leira esteja formulado de forma especialmente nítida como prescrição de organização e de forma e embora pudésse­mos cair na tentação de satisfazer-nos aqui com o teor lite­ral sem mediações, só o conjunto dos elementos de concre­tização — que além disso devem ser ponderados entre si no tocante ao seu estatuto metodológico —, quer dizer, só o limite do programa da norma pode sustentar um resultado convincente. Isso vale até para os textos de norma relativa­mente mais simples, os numericamente determinados23.

4.1. O que acontece efetivamente quando os juristas concretizam? O credo do velho paradigma foi: extrai-se inferências lógicas sobre o fundamento em pontos arqui- médicos*.

Esses pontos arquimédicos seriam: a norma, a normati­vidade da lei (constitucional), os cânones, que aprendemos e usamos profissionalmente como “métodos” confiáveis, o significado, o cerne do conceito, o centro de sentido dos termos legais, o limite do teor literal, a decisão transitada

23 V. a propósito, com exemplos, F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 183 s., 201 s. etpassim.* gegenstándlich.* * feste Haltepunkte.

142

Page 164: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

em julgado; no conjunto, toda a linguagem natural técnica, "a ferramenta do jurista", que dominamos na certeza dos nossos objetivos.

Nada disso resistiu a um olhar realista. Na melhor das hipóteses o texto da norma, que ainda não pode ser a nor­ma jjirídica, é um instantâneo ‘intencionado’ seriamente na guerra político-jurídica de posições da sociedade. Ele não é nenhuma “origem” confiável, apenas um dado de entrada do processo produtivo da geração da norma no caso, da concretização.

A normatividade não é inerente à lei (ao texto da nor­ma); é de natureza processual, deve ser produzida por meio do trabalho jurídico.

Os cânones não são métodos distintos, aspectos parciais apenas reciprocamente remissivos. São elementos do nosso trabalho, integralmente dependentes de nós na sua consti­tuição e no^seu manuseio, sendo que também devemos responsabilizar-nos por eles. Não podemos esconder-nos atrás deles, assim como também não podemos esconder- nos atrás “da lei” ou “do significado da lei”.

Isso se deve ao fato de que o significado, o cerne do conceito, o centro de sentido são ilusões, são desideratos piedosos24, pois já do ponto de vista da semântica da pala­vra e da semântica dos traços distintivos "o” significado (como significado uno, correto) do texto da norma (consti­tucional) exige demais da língua natural — e a linguagem jurídica é uma língua natural impregnada de elementos de linguagem técnica. Isso vale ainda mais do ponto de vista da semântica da frase e do contexto. Conforme Derrida mos­trou de forma mais penetrante, não se pode atribuir falsa­mente ao texto escrito nenhuma unidade de sentido nem qualquer centro de sentido (e menos ainda seu próprio sen­

24 Cf. aqui, fundamentalmente, ibid. pp. 287 ss. et passim.

143

Page 165: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

tido). Ele é arrastado por outros textos (escritos) para den­tro de processos inevitáveis, de semantização, que não po­dem ser interrompidos: para combates práticos de lingua­gem, que não podem ser encerrados por via discursiva. No discurso jurídico isso fica ainda mais claro do que nas ou­tras áreas, devido ao seu significado de primeira grandeza para o poder: essa é a realidade do trabalho jurídico.

O limite do teor literal é impotente*, não é nenhum dado; também ele, liminarmente não-assegurado e sempre carente de responsabilização, deve ser produzido pelo tra­balho jurídico como limite do programa da norma.

E a decisão vinculante? Já que ela não pode ser a decisão “correta”, necessariamente derivável da lei, será que ela não pode ser a decisão vinculante sem outro recurso jurídi­co? Mas os discursos também continuam além dela, como mostram a crítica, o debate, os empreendimentos da polí­tica jurídica, o “infinito pulular dos comentários” (Fou- cault), a alteração dos textos das normas e às vezes também da própria jurisprudência da corte suprema. Por meio da sua decisão fundamentada no poder e na violência** o Es­tado pode, quando muito, manter a dominação sobre as relações sociais, mas nunca a dominação sobre o discurso.

Na condição dos três pilares básicos da fé positivista, a origem (lei enquanto “ratio scripta”), o meio (“o” pertinen­te “sentido da norma") e o objetivo (decisão “singular cor­reta”) transformaram-se em lembrança cultivada pela his­tória da ciência.

Isso vale tanto mais ainda diante do fato da língua não estar entregue a nós, mas de nós estarmos entregues à lín­gua, conforme constatam a filosofia da linguagem e a lin­güística avançadas da atualidade. O texto da norma e o

* hilflos (literalmente: está no desamparo).* * Gewalt.

144

Page 166: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

limite do “teor literal” podem ser vistos como pilares na correnteza do discurso; são, porém, formados pela mesma água.

No entanto, podemos e - como juristas no Estado De­mocrático de Direito — devemos trabalhar com esses ele­mentos frágeis de forma aberta, integral e consistente e assumir a responsabilidade pelos nossos resultados.

4.2. O que, portanto, acontece efetivamente no traba­lho jurídico? Não o procedimento da inferência lógica, que asseguraria a objetividade, mas — “em meio ao caos" — o trabalho estruturável, comunicável e com isso controlável de semantização. Não há pontos fixos, mas processos: do trabalho jurídico em geral, da normatividade a ser produzi­da nele, os atos de fixação do significado e da referência, do trabalho de delimitação. Por isso só existem resultados in­termediários nas estações parcialmente marcadas por pres­crições proeessualistas: das primeiras hipóteses sobre o texto da norma e sobre o âmbito material até a decisão final transitada em julgado, que então já não estará mais abando­nada ao Direito Processual, mas, isso sim, ao discurso con­tinuado.

Dito em outros termos: só existem textos, textos e tex­tos; e, como obrigação dos juristas, o trabalho com tex­tos*25. Em primeiro lugar, os textos que recepcionamos: a

25 Assim também O. Jouanjan. Présentation du traducteur. in: F. Müller. Discours de la méthode juridique. 1996, pp. 5 ss., 20: a Metó­dica Estruturante seria um "trabalho com textos” (travail avec les tex- tes), portanto não apenas sobre textos (travail sur des textes), mas também trabalho direto de textos [travail de textes).- Ibid. p. 21 o autor fala de um tournant pragmatique, operado por essa concepção da metódica paralelamente à "virada pragmática” operada pela Lingüística moderna depois de Wittgenstein.* Textarbeit.

145

Page 167: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

narrativa do caso, os textos das normas, os textos sobre os âmbitos materiais (que tipicamente acompanham tais tex­tos das normas hipoteticamente aduzidos), textos genéti­cos (textos oriundos da história da formação), textos de normas jurídicas e de normas de decisão anteriores. Em segundo lugar, os textos, com os quais (“nos” quais) delibe­ramos oralmente e /ou por escrito sobre o trabalho no caso, com os quais discutimos, projetamos e testamos argumen­tos e preparamos a norma jurídica e a norma da decisão. Por fim os textos, por meio dos quais representamos o re­sultado do nosso trabalho de concretização (norma jurídi­ca, norma da decisão, considerandos da sentença), i. é, os textos que produzimos.

Isso atesta uma textualidade radical onipresente* no universo jurídico e, no seu âmbito, na atuação dos juristas. “Onipresente” tem aqui também o seguinte sentido: a tex­tualidade (mais precisamente: as cadeias de significantes, por um lado na acepção de Saussure, por outro lado na de Lacan) passam também “através de” nós, os juristas que trabalhamos sobre os casos jurídicos.

A hermenêutica já foi insuficiente no seu enfoque ini­cial; não se trata essencialmente de “compreender" — isso só vem ao caso no primeiríssimo estágio inicial, por ocasião da reformulação da narrativa do caso no conjunto de fatos e na formulação das hipóteses sobre o texto da norma e, na sua esteira, das primeiras hipóteses sobre o âmbito mate­rial. Textos de normas não são promulgados para serem "compreendidos”, mas para serem utilizados, trabalhados por juristas encarregados para tal fim. E também não se trata apenas de “interpretar", quer dizer, tornar compreen­sível, sobretudo na formulação das razões da decisão ‘para

* durchgehend.

146

Page 168: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

o público externo’. Pelo contrário, trata-se sempre do tra­balho com textos no âmbito de instituições normatizadas do Estado e de procedimentos normatizados26, trata-se de uma semantização integradora ativa, de trabalho potencia- damente complexo com textos. Desde que os Estados se atribuem legitimidade e procuram angariar seu reconheci­mento, eles são liminarmente sempre instalações gigantes­cas para a reelaboração* de textualidade ou, dito de forma empírica, de textos. Mas nos Estados constitucionais mo­dernos isso se estrutura de forma mais específica: como estrutura textual da democracia e do Estado de Direito27. E no âmbito dessa massa textual estruturada a “constituição” é distinguida “em nível supremo” do mesmo modo no qual a "concretização da constituição” é relevante para a práxis “em nível supremo”.

Essa perspectiva — dada pela pergunta “O que aconte­ce efetivamente?” e pela resposta a essa pergunta — se afigura como a única realista no quadro da Ciência Jurídi­ca: em primeiro lugar por causa do seu enfoque em termos de teoria da ação, para explicar o trabalho jurídico no ciclo completo das funções jurídicas — de um enfoque, que su­blinha a relação entre os signos e os seus usuários; em se­gundo lugar ainda no sentido de que de certo modo o único

26 Ou dos preparativos resp. da elaboração posterior de procedimen­tos formais, de natureza científica ou por via de pareceres jurídicos; só num sentido mais amplo os textos didáticos, na sua função de assegurar a formação de futuros peritos do trabalho jurídico, também pertencem a esse campo, ao lado dos textos de pesquisa, de comentários e de pareceres.27 Sobre a estrutura textual do ordenamento jurídico v. F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 136 ss., 156, 289 ss., 295 s., com a respectiva documentação comprobatória. Sobre a estrutura de legiti­mação v. ibid. p. 178 com a respectiva documentação comprobatória.* Umwãlzanlagen.

147

Page 169: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

material indubitavelmente diante de nós é formado por enunciados* 28.

Podemos objetar a isso: por que justamente "enuncia­dos”? Mais ainda: será que a Ciência Jurídica não é uma ciência de normas? Certamente se pode dizer também isso da Ciência Jurídica — só que se deve esclarecer então o que devemos entender por “norma”. Já ficou plausível que essa “norma” não é apenas o texto codificado da norma, que, muito pelo contrário, entra em cena como dado de entrada do processo denominado “concretização”, que por sua vez está sujeito à pressão da decisão e deve ser realizado a serviço de uma decisão jurídica exigida. A Ciência Jurídi­ca pode ser caracterizada de forma ao menos igualmente pertinente como “ciência da decisão”29. E como essa ciên­cia da decisão deve trabalhar? Com os recursos de uma ciência do texto — de natureza bem específica.

No contexto dessa conferência, na qual não pretende­mos dar uma contribuição à teoria do conhecimento, pode­mos chegar a um consenso de que o único dado existente para operadores jurídicos consiste de qualquer modo em enunciados: começando com a narrativa do caso pelo leigo, que os operadores jurídicos reformulam no “conjunto de fatos”, com os textos das normas e com os fatos do âmbito material no início da concretização, que devem ser secun­dariamente reformulados em linguagem30. Os dados de lin­guagem são os elementos de trabalho primacialmente fun­

28 Cf. aqui, em argumentação a partir de uma outra direção, J.-F. Lyotard. Der Widerstreit. 1987.29 Cf. aqui F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, sobretudo pp. 123 ss., 313 ss.30 Sobre dados reais/dados de linguagem cf. ibid. pp. 30, 75, 142 s., 304 ss. e mais freqüentemente.* Sátze.

148

Page 170: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

damentados na linguagem; os dados reais são os elementos de trabalho primacialmente empíricos, não-lingüísticos, que, no entanto, devem ser secundariamente mediados em linguagem para que possamos operar juridicamente com eles. Os dados semióticos do trabalho jurídico poderiam também ser denominados "expressões”, “palavras", "(ca­deias de) significados”. Mas diante da imensa complexida­de da concretização (da constituição), uma semântica da palavra baseada nos seus traços semânticos distintivos bas­ta tão pouco para a concretização como uma semântica da palavra nos termos do Positivismo Lógico; precisa-se da semântica do contexto, da semântica da frase e da semân­tica do texto31. “Significado" é a eficácia atual de uma ex­pressão lingüística, na “ação" enquanto processo de comu­nicação efetivamente ocorrente. Em oposição à tradicional semântica da palavra na Ciência Jurídica (que ainda conti­nua colando^às palavras os “traços distintivos", embora não lhes atribua mais “substâncias”), esse significado “depende sempre essencialmente do entorno lingüístico bem como de numerosos fatores contextuais e situacionais [...] que desde sempre se encontram incluídos no processo de pro­dução e compreensão de enunciados".

Mas por que o trabalho com textos, desenvolvido pelos juristas práticos, e a estrutura do texto no quadro da demo­cracia ou do Estado de Direito seriam tão complexos? Em primeiro lugar em virtude da sua quantidade e estrutura: em virtude do número delirante de prescrições na atual

31 Cf. D. Busse. Textinterpretation. Sprachtheoretische Grundlagen einer explikativen Semantik. 1992, especialmente pp. 62 ss., 78 ss., 107 ss., 167 ss.; e id. Juristische Semantik. Grundfragen der juristi- schen Interpretationstheorie in sprachwissenschaftlicher Sicht. 1993, es­pecialmente pp. 189 ss., 228 ss., 253 ss., 282 ss.- A citação que segue no corpo do texto é de id. (1992), p. 50.

149

Page 171: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

sociedade industrial desenvolvida, incluindo-se aqui — com referência ao Brasil e à Alemanha — as complicações advindas da natureza do estado federativo e - com referên­cia à União Européia — as interferências supranacionais. Talvez não existam tantas ramificações e sobreposições nos corpos de textos de outras ciências, embora as coisas em princípio não sejam diferentes. A complexidade da textua- lidade jurídica se torna única no eixo de problemas forma­do pelos termos “(texto da) norma” e "realidade", i. é, pelo signo e pelo segmento “referido" da realidade, porque a concretização do direito cumpre, juntamente com outras etapas do ciclo jurídico, a tarefa de constituir a sociedade global (e, em tentativas iniciais, a própria sociedade mun­dial em vias de paulatina globalização, inclusive jurídica) por meio de textos e do trabalho com textos e mantê-la em funcionamento (da forma mais pacífica possível e até de forma “justa”). E uma potenciação adicional da complexi­dade, também única, segue do fato da concretização en­quanto trabalho com textos, i. é, enquanto trabalho sem mediações com textos estar inserida em instituições: em cargos, competências, deveres de ofício, metacódigos (Di­reito do Servidor Público, Direito Disciplinar etc.), Direito Processual, instâncias, imperativos constitucionais relevan­tes quanto ao método; e na vinculação normatizada à equi­pe de implementação coativa, cuja atividade inicia quando a equipe de decisão [Entscheidungsstab] atuou “com trân­sito em julgado” ou, para dizê-lo em termos mais precisos, quando ela não pode mais ser contestada com recursos ju­rídicos. Isso nos leva a uma última razão da complexidade específica da textualidade jurídica: às conseqüências previ­síveis da decisão, integralmente pertencentes ao trabalho jurídico (enquanto elementos de concretização referentes à política jurídica ou à política constitucional) — conse­

150

Page 172: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

qüências para os indivíduos, os grupos sociais e em parte também para o que estamos acostumados a denominar de forma algo canhestra “a sociedade na sua totalidade”, que são de responsabilidade daquele que decide.

4 .3 .0 que foi dito vale certamente para todo o ordena­mento jurídico e toda e qualquer função do trabalho jurídi­co, mas não vale para cada área parcial de forma tão agudi- zada como para a constituição e a sua concretização prática. Tudo isso faz com que a concretização não seja uma tarefa propriamente fácil — não tanto porque as descobertas da ciência da linguagem da atualidade conduzissem ao caos. A língua, enquanto língua em comunicação, não é arbitrária; e os pressupostos, as tarefas e os recursos do trabalho jurídi­co podem ser estruturados. A dificuldade da concretização se deve antes ao fato da língua não ser inocente e da fala ser uma forma da ação. A língua sempre apresenta marcas pré­vias da violehcia social e dos seus vestígios, a língua do direito está endurecida, calcificada adicionalmente pelo poder-violência* do Estado e deformada pela pressão e pe­los conflitos dos grupos envolvidos. Não há como escapar ao combate semântico, muito menos na concretização.

A explicação inicialmente proposta do que se pretende dizer com “constituição” não foi portanto “formal”, não diz respeito à "mera lei constitucional”. O texto constitucional assim percebido como dado de entrada de um conjunto de pre-scrições* * hierarquicamente supremas a ser concreti­zado de tal modo — incluídos os âmbitos de normas con­troláveis no Estado de Direito — é a constituição nesse sentido operacional, que a ciência fundamenta e elabora e do qual o trabalho jurídico efetivo necessita.

* Gewalt.* * Vor-schriften.

151

Page 173: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Não foi possível descobrir ilhas rochosas em meio a esse tema oceânico; foi, porém, possível localizar fachos de luz nitidamente visíveis, emitidos por faróis, que possibilitam uma orientação do trabalho jurídico — e com isso também uma comunicação democrática sobre ele.

Friedrich Müller

152

Page 174: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

POSITIVISMO1

A. Sobre o conceito

A expressão “positivismo” foi cunhada por Auguste Comte, cujo "Cours de la philosophie positive” foi publica­do entre 183fte 1842. Tendo como pano de fundo o avanço das ciências naturais, o positivismo pretendeu resumir todo o conhecimento humano por meio da metódica empí­rica exata, liberta de toda e qualquer interpretação metafí­sica. A ciência deve partir apenas dos fenômenos reais. A filosofia investiga apenas as relações entre as ciências indi­viduais e os seus métodos e faria aparecer* as leis (assim a lei comteana dos “três estágios”). Os fatos da experiência não são mais obrigados a justificar-se perante a instância da razão. A última instância é o meramente dado, cuja crítica científica fica assim simultaneamente bloqueada.

Com isso, os positivistas do séc. XIX (ao lado de Com­te e.g. Hippolyte Taine, John Stuart Mill, Herbert Spen-

1 Primeira publicação em: Ergánzbares Lexikon des Rechts, 2/400 (1986). Neuwied, Editora Luchterhand.* herausarbeiten.

153

Page 175: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

cer, Ernst Mach, Richard Avenarius) retomaram teses im­portantes dos enciclopedistas franceses (d’Alembert, Tur- got, Condorcet) e dos empiristas ingleses dos séculos XVII e XVIII (Locke, Hume). Modelos em parte formalistas, em parte sensualistas já aparecem na Antigüidade (e.g. Pro- tágoras). Mas o recurso à Sofistica grega é ambivalente na medida em que essa tradição tinha simultaneamente intro­duzido a idéia não-empirista, metafísica do Direito Natu­ral.

O neopositivismo do séc. X X tem as suas origens no empiriocriticismo e se fortalece com a influência do assim chamado Círculo de Viena (Schlick, Carnap, Reichenbach e outros), que se dedicou sobretudo à crítica dos conceitos e da ciência.

Visto na perspectiva específica da Ciência Jurídica e ao mesmo tempo estreitamente vinculado ao positivismo filo­sófico, esse positivismo da postura científica, filosófico no seu cerne, é uma atitude* que pode ser denominada "posi­tivismo da vigência do direito". Ela também principia na Antigüidade (sofistas gregos), nunca desaparece de todo da discussão (nominalismo) e começa por igual a impor-se amplamente em meados do séc. XIX num surto histórico. Também aqui se parte de algo incontestavelmente factual, do que é “positivamente dado”. A pergunta é: em que deve consistir a positividade do direito? Distingue-se nesse to­cante entre o positivismo psicológico (e.g. Bierling, Mer- kel, Jellinek, Beling), o positivismo sociológico (Ehrlich, Weber, Geiger) e o positivismo legalista de inspiração esta- tista. Este último identifica a positividade do direito no fato dele ter sido instituído e coercitivamente garantido por uma instância estatal de poder. O direito é idêntico às leis provenientes do Estado, elaboradas de modo correto.

* Einstellung.

154

Page 176: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

Questões de conteúdo não podem desempenhar nenhum papel para esse conceito de direito positivo, normas natu­rais ou éticas não têm nenhum interesse para ele. Esse adeus rigoroso ao Direito Natural foi formulado pelo Tri­bunal do Reich* em 1928 nos seguintes termos: “O legisla­dor é senhor de si mesmo** e não está vinculado a nenhu­ma Barreira exceto às que ele mesmo erigiu para si na cons­tituição ou em outras leis” (RGZ 118, 327). A “Teoria Pura do Direito” de Kelsen também elimina da Ciência Jurídica toda e qualquer valoração e toda e qualquer concepção acerca do que é correto, enquanto destituídas de sentido do ponto de vista científico. Segundo Kelsen, a Ciência Jurídica só pode tornar-se uma ciência enquanto teoria das “formas puras” do direito; por isso "qualquer conteúdo pode ser direito”. O desaparecimento da axiomática jusna- turalista e, conseqüentemente, de toda e qualquer dignida­de supra-empírica do direito positivo ensejou ao mesmo tempo a potenciação global, sobretudo no círculo dos prá­ticos do Direito, d’“a sujeição fática à violência, agora valo­rada em termos meramente utilitaristas, dos respectivos poderes, que se comportam como legítimos” (Max We- ber).

O positivismo filosófico deve ser discutido pela episte- mologia*** e pela história da ciência. O positivismo da vi­gência do Direito continuou sendo a atitude básica predo­minante entre os juristas; o alegado “eterno retorno do di­reito natural” permaneceu restrito aos anos depois do fim da 2a Guerra Mundial e a um fugaz lampejo, que não dei­xou nenhuma impressão digna de menção. Em contraparti­da, o positivismo jurídico no tocante ao método, o “positi­

* Reichsgericht.* * selbstherrlich.* * * Wissenschaftstheorie.

155

Page 177: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

vismo do tratamento da norma", continua sendo um pro­blema a ser trabalhado pela ciência jurídica. Só ele será designado a seguir como “positivismo”.

B. Discussão do positivismo jurídico no tocante ao método

Como o direito racional, contra o qual ele se volta si­multaneamente na pergunta pelo fundamento da vigência do direito, o positivismo pensa axiomaticamente e quer conceber as codificações como sistema fechado, ao qual devem caber unidade bem como coerência*, entendida no sentido de completude bem como no de ausência de con­tradições. Procede pela dedução lógica a partir da totalida­de sem lacunas do sistema legal. A aplicação do direito não deve consistir de nada mais. Ao direito racional todo e qualquer comportamento humano em sociedade se afigu­rara normatizável e antecipável. A ciência das Pandectas, o positivismo e a jurisprudência de conceitos não mais com­preenderam ingenuamente o direito positivo, mas o seu próprio sistema conceituai enquanto fechado em si mes­mo, derivável e isento de contradições. Todos os casos jurí­dicos pareciam solucionáveis pela subsunção silogística, os conceitos jurídicos deviam colocar à disposição um número fixo de axiomas. Já a genealogia dos conceitos de Puchta e a sua “Pirâmide dos Conceitos" anteciparam a idéia do sis­tema no sentido de uma possibilidade de complementar as normas existentes por meio de princípios e conceitos cien­tíficos. Tanto eles como também as prescrições positivas são confundidas com dados imediatos no sentido de coisas da natureza. O que só pode ser o resultado do pensamento

* Geschlossenheit.

156

Page 178: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

abstrator transmuda-se involuntariamente em ontologia problemática*, em suposição pseudo-jusnaturalista. O sis­tema jurídico alegadamente fechado, sem lacunas, harmô­nico, abstratamente coisificado, pode ser manuseado de modo autosuficientemente formalista quando se negligen­cia as suas premissas e funções históricas e políticas. A fun­ção legitimista do positivismo em favor da restauração polí­tica e de reação antiliberal depois de 1848/1849 mostrou- se de forma especialmente nítida no Direito do Estado**. Von Gerber denominou com suficiente clareza a prestação segura da garantia do status quo político como finalidade do modo positivista-construtivo de tratamento do Direito Público. Também em autores como Zachariá, Mohl e Bluntschli o “método jurídico” é tanto expressão quanto instrumento de uma determinada posição no tocante a con­teúdos. Depois de 1870 essa posição consistiu sobretudo em blindar-axoncepção monárquico-conservadora do Esta­do, a política antiliberal e, genericamente, as relações polí­ticas e sociais existentes contra críticas possíveis. Assim, para citar um exemplo, questões jurídicas em aberto não podem surgir nem na opinião de um Laband. Cada proble­ma novo já está solucionado, por força da necessidade ine­rente ao próprio pensamento; lacunas na regulamentação expressa — ou, mais exatamente: lacunas nos textos das normas — devem ser preenchidas com a necessidade de leis pseudo-naturais pela construção jurídica a partir de enunciados fundamentais*** e princípios orientadores. Os nexos sociais não são negados, mas postos de lado por não interessarem a ciência jurídica. A dogmática deve ser escoi- mada da história, da filosofia, da política e da economia,

* schiefe Ontologie.* * Staatsrecht.* * * Grundsátze.

157

Page 179: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

quer dizer, de todos os elementos "não-jurídicos”. Esse re­sultado responde à pergunta inicial do positivismo: como a Ciência Jurídica pode ser uma ciência autônoma? Segundo ele, as normas jurídicas não devem ser tratadas como cone­xas a dados sociais. Reprime-se tudo aquilo, com base no qual o fazer dos juristas é genericamente demandado e usa­do e com base no qual ele funciona. A “autonomia científi­ca” da Ciência Jurídica deveria comprovar-se na sua quali­dade de constituir “o fundamento da dedução jurídica se­gura” (von Gerber). Passou desapercebido que tal procedi­mento só permitia a apreensão de textos de normas, de dados de linguagem, mas não de normas. A insistência do positivismo na matéria jurídica positiva já fracassa liminar­mente na sua falta de referência à realidade, quando só a forma lingüística de normas, mas não as próprias normas enquanto configurações estruturadas complexas são acessí­veis como “matéria jurídica positiva”. O que partiu do en­foque científico antijusnaturalista do positivismo filosófico transmuda-se debaixo do pano novamente em direito natu­ral burguês de duvidosa qualidade; pois o feixe dos postu­lados positivistas (unidade, sistema, ausência de lacunas, ausência de contradições no direito) “está acima do direito instituído e do legislador” (Burckhardt).

A crítica tradicional por parte da Escola do Direito Li­vre e da Jurisprudência dos Interesses não se referiu à aporia fundamental do positivismo, mas restringiu-se a questões individuais. Contra o dogma da coerência do sistema jurí­dico ela remeteu à sua lacunosidade, aos "contornos flu­tuantes”, ao “halo conceituai” (Heck) dos conceitos jurídi­cos. Atestava-se aos juizes a competência de preencher as lacunas por decisões valorativas. Mas a tese do direito judi­cial* só atinge superficialmente o positivismo. Ela se liga

* Richterrecht.

158

Page 180: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

antes ao fato de que a “situação do autômato jurídico, vin­culado à mera interpretação de artigos e contratos, no qual se joga em cima o suporte fático* ao lado das custas, para que ele ejete em baixo a sentença ao lado das razões” se afigura “subalterna” (Max Weber), pois a reclamação da “atividade jurídica criadora” para o juiz se enreda de ime­diato nas mesmas contradições da compreensão da norma, que já tinham condenado o positivismo ao fracasso. Insis­tindo na “positividade” depurada da realidade, o positivis­mo aceitou o preço da perda da normatividade jurídica. O ideal de método de uma ciência natural, que ainda não perdera a certeza de si mesma, foi transferido acriticamen- te ao direito; o próprio direito foi compreendido equivoca- damente como um ser centrado em si**, a norma jurídica foi compreendida equivocadamente como ordem, como juízo hipotético, como vontade materialmente vazia e como premissa maior do silogismo, formalizada nos termos da Lógica Formal. O direito e a realidade, a norma e o segmento normatizado da realidade estão “em si” justapos­tos sem nenhuma relação, são contrapostos reciprocamen­te com o rigorismo da separação neokantiana de “ser” e “dever ser”, devem encontrar-se somente por via da sub- sunção do conjunto de fatos*** a uma premissa maior de natureza normativa. Subjaz a essa concepção a confusão das normas com os seus textos, ainda predominante. Conse­qüentemente, a metódica ainda é vista apenas como metó­dica da interpretação de fórmulas lingüísticas. Considera- se metajurídico o que deveria ser elaborado fora do texto da norma. Só o exame de palavras deve conduzir a informa­ções sobre a “essência jurídica”, e.g. de um instituto jurídi­

* Tatbestand.* * in sich ruhendes Sein.* * * Sachverhalt.

159

Page 181: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

co. Mas a pergunta pelo papel da realidade no direito não pode ser solucionada mediante a sua eliminação. Contra tal acepção, a norma jurídica apresenta-se ao olhar realista como uma estrutura composta pelo resultado da interpre­tação de dados lingüísticos {programa da norma) e do con­junto dos dados reais conformes ao programa da norma [âmbito da norma). Nessa estrutura a instância ordenante e a instância a ser ordenada devem ser relacionadas por razões inerentes à materialidade da questão*. O texto da norma não é aqui nenhum elemento conceituai da norma jurídica, mas o dado de entrada mais importante do proces­so de concretização, ao lado do caso juridicamente deci- dendo.

C. Tarefas

Hoje o positivismo clássico praticamente não é mais defendido como posição programática, mas ele continua atuando inexpressamente com alguns erros fundamentais e numerosos fatores individuais na práxis em grande medida irrefletida, bem como nas aporias carregadas como peso morto pela teoria da norma e do método. A Escola do Di­reito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e a Ciência Ju­rídica de orientação sociológica, a Tópica, a Hermenêutica, a Teoria Integracionista e outros antipositivismos esforça­ram-se debalde em “superar” o positivismo. Parece mais correto não regredir nesse esforço para aquém do positivis­mo, não deixar de atingir o seu padrão de tecnicidade. Tra- ta-se de retomar o que foi reprimido por ele e elaborar o assim retomado de forma generalizável na Dogmática, Me­tódica e Teoria. Os objetivos do positivismo de cientificizar

* sachlich zusammengehõren.

160

Page 182: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

na medida do possível a Ciência Jurídica e de elaborar uma dogmática racional não merecem ser esquecidos em bene­fício de exigências menores de racionalidade e honestidade em questões de método. A “superação" do positivismo não é de modo nenhum um fim legítimo em si mesmo. Enquan­to concepção sistematicamente pós-positivista, a Teoria Es­truturante do Direito não aposentou apenas a redução da norma ao seu texto; do ordenamento jurídico a uma ficção artificial, da solução do caso a um processo logicamente inferível por meio do silogismo, mas desenvolveu, partindo da estruturação de normas jurídicas, a proposta de um mo­delo de teoria e práxis que abrange a Dogmática, a Metódi­ca, a Teoria do Direito e a Teoria Constitucional e não continua devendo a resposta ao positivismo.

Bibliografia^

Adorno; Albert; Dahrendorf; Habermas; Pilot; Popper. Der Positivismusstreit in der deutschen Soziologie, 1969; R. Avenarius. Kritik der reinen Erfahrung, vols. I e II, 1888- 1890; Beling. Vom Positivismus zum Naturrecht und zu- rück, 1931; Bergbohm. Jurisprudenz und Rechtsphiloso- phie, Kritische Abhandlung, vol. I: Das Naturrecht der Ge- genwart, 1892; Bierling. Juristische Prinzipienlehre, vols. I-V, 1894-1917; Blühdorn; Ritter (edd.). Positivismus im 19. Jahrhundert, 1971; Bobbio.Giusnaturalismo e positi­vismo giuridico, 1972 (2a ed.); W. Burckhardt. Die Lücken des Gesetzes und die Gesetzesauslegung, 1925; Id. Methode und System des Rechts, 1936; Comte. Cours de la philoso- phie positive, 1830-1842; Id. Système de la politique positi­ve, 1851-1854; Ehrlich. Über Lücken imRechte, in: E. Ehr- lich. Recht und Leben, 1967; Fikentscher. Methoden des Rechts in vergleichender Darstellung, vol. II, 1975; vol. III,

161

Page 183: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

1976; Geiger. Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts, 1964; von Gerber. Grundzüge des Deutschen Staatsrechts, 1880 (3a ed.); Hart. Der Begriff des Rechts (trad. do inglês por A. v. Baeyer), 1973; Ph. Heck. Begriffsbildung und In- teressenjurisprudenz, 1932; Juhos. Fonnen des Positivis- mus, in: Ztschr. für allgemeine Wissenschaftstheorie 1971, vol. II, 27 ss.; Kelsen. Reine Rechtslehre, 1960 (reimpres­são em Viena em 1967); Id. Was ist juristischer Positivis- mus? in: JZ 1965, 465 ss.; V. Kraft. Der Wiener Kreis. Der Ursprung des Neopositivismus, 1950; Laband. Das Staats- recht des Deutschen Reiches, vol. I, 1911 (5a ed.); Larenz. Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1983 (5a ed.); E. Mach. Erkenntnis und Irrtum, 1905; Marcuse. Vernunft und Revolution, 1979 (5a ed.); F. Müller. Recht — Sprache— Gewalt. Elemente einer Verfassungstheorie I, 1975 (D i­reito — Linguagem — Violência. Elementos de teoria cons­titucional, I. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1995); Id. Juristische Methodik und politisches System. Elemente einer Verfassungstheorie II, 1976; Id. Juristische Methodik, 1976 (2a ed.; 6a ed. 1995. A 5a ed. foi publicada em 1996 em Paris pela editora Presses Universitaires de France sob o título Discours de la méthode juridique); Id. Die Einheit der Verfassung. Elemente einer Verfassungstheorie III, 1979; Id. Strukturierende Rechtslehre, 1984 (2a ed. 1994; a ser publicado proximamente em tradução para o portu­guês); Id. 'Richterrecht'. Elemente einer Verfassungstheorie IV, 1986; von Oertzen. Die soziale Funktion des staatsrecht- lichen Positivismus, 1974; W. Ott. Der Rechtspositivismus— Kritische Würdigung auf der Grundlage eines juristis­chen Pragmatismus, 1976; Puchta. Das Gewohnheitsrecht, vols. I-II, 1828/1837; Cursus der Institutionen, 1881 (9a ed.); Reichenbach. Der Aufstieg der wissenschaftlichen Phi- losophie, 1968 (2a ed.); Schlick. Allgemeine Erkenntnisleh- re, 1918; Schnãdelbach. Erfahrung, BegründungundRefle-

162

Page 184: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

xion. Versuch über den Positivismus, 1971; Max Weber. GesammelteAufsàtzezurWissenschaftslehre, 1951 (2a ed., ed. Johannes Winckelmann); Id. Rechtssoziologie, 1967 (2a ed., ed. Johannes Winckelmann); Wellmer. Kritische Ge- sellschaftstheorie und Positivismus, 1969.

163

Page 185: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
Page 186: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO1

A. Sobre o conceitov

Compreende-se por “unidade” do ordenamento jurídi­co e.g. uma qualidade do sistema científico referido ao di­reito positivo, mas também uma qualidade da abordagem analítica e da sua referência, i. é, uma unidade do conheci­mento científico. A “unidade” do direito pode ser introdu­zida como axioma bem como postulado do trabalho jurídi­co. Mas ela se transmuda não apenas em função da localiza­ção, mas também de uma disciplina para outra, assim entre o Direito Público, o Direito das Gentes, o Direito Interna­cional Privado, o Direito Penal e o Direito Civil. Na sua mistura com outras variantes de significado o argumento evidencia um uso muito inseguro.

1 Primeira publicação em: Ergãnzbares Lexikon des Rechts, 2/80 (1986). Neuwied, Editora Luchterhand.

165

Page 187: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

B. Origem histórica

I. Direito racional

A expressão multívoca da unidade do ordenamento ju­rídico é filha do direito racional da tradição racionalista e foi posteriormente adotada pelo positivismo. O jusnatura- lismo de data mais recente bem como o positivismo proce­dem axiomaticamente, querem construir um sistema rigo­roso do conhecimento exato e carecem do raciocínio codi­ficador: o legislador regulamentou em abordagem autoritá­ria tudo o que merece ser regulamentado; fora dos seus mandamentos só se pode conceber o “vácuo jurídico”. Considera-se “coerente”* o direito sistematizado e forma­lizado, monopolizado e burocratizado pelo Estado burguês sistematicamente organizado da Europa continental mo­derna. Todo o comportamento humano deverá ser norma- tizável, antecipável por meio de normas. Ao ordenamento jurídico enquanto engrenagem jurídica** corresponde a imagem da “unidade” do estoque de normas. Enquanto in- tegralidade bem como isenção de contradições internas, a coerência foi o pressuposto ingênuo da idéia da legislação abrangente, do otimismo social da época do direito racio­nal, sem com isso chegar a ser um programa da Ciência Jurídica.

II. Positivismo

Somente a ciência das Pandectas e o positivismo lega­lista radicalizaram esse enfoque na direção da pretensão de poder operar a Ciência Jurídica como sistema conceituai

* “geschlossen” (literalmente: fechado, cerrado).** Rechtsbetrieb.

166

Page 188: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

coerente, de poder derivar decisões por via da lógica a par­tir do sistema, do conceito e do enunciado doutrinário* e de poder solucionar casos jurídicos por meio da subsunção silogística. Os conceitos jurídicos parecem oferecer um nu- merus clausus de axiomas. Não mais o próprio ordenamen­to jurídico, mas o sistema conceituai de uma Ciência Jurí­dica purista deve estar definido necessariamente por “uni­dade”. A realidade é reprimida da área de atuação do traba­lho jurídico. O positivismo pergunta como a Ciência Jurídi­ca se poderia tornar autônoma, como ela poderia proceder "de modo puramente jurídico”. O fato dessa orientação prévia constituir um fator político já foi percebido pelo positivismo dos Gründerjahre** (von Gerber). A aparente coerência e não-contraditoriedade do direito dogmatica­mente formalizado, a sua “força de expansão lógica” (Berg- bohm), a capacidade dos conceitos jurídicos de "copular” e "gerar novos [conceitos]” (assim o jovem Ihering) não traem apenaS- a fé na inimpugnabilidade da lógica jurídica, mas também uma política científica bem definida.

III. Crítica histórica

Por volta da última virada do século essa doutrina do­minante foi contestada. Falava-se então do “dogma errôneo da coerência do sistema jurídico” (Georg Jellinek, similar­mente Erich Jung). A doutrina da Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e o debate em torno das

* Lehrsatz.* * Gründerjahre, literalmente anos dos fundadores, é o termo que designa a época imediatamente posterior à constituição do Império Alemão depois da Guerra Franco-Prussiana. Foi uma época marcada por um rápido crescimento econômico e pela difusão do nacionalismo chauvinista alemão. [N. do T.)

167

Page 189: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

escolas juspublicistas na década de 1920 tornou patente o fracasso da tese cripto-jusnaturalista da unidade. Em fren­te ampla, os autores de obras doutrinárias bandearam-se para o campo das metáforas de “sistemas” jurídicos, aber­tos, fragmentários, não-axiomáticos, não-dedutíveis, dos assim chamados “sistemas” móveis. Os problemas reco­nhecíveis na práxis cotidiana do trabalho jurídico assumi­ram a liderança, relegando a um segundo plano a fé no sistema e na unidade.

C. Nexo com a proibição da negação do direito

Para o positivismo o direito deve, para poder ser “apli­cável” logicamente, ser pressuposto não apenas como isen­to de contradições, mas também como isento de lacunas. Tal estado de coisas, que fora a meta das codificações do direito racional; está abandonado há muito tempo. A ciên­cia das Pandectas e o positivismo fizeram o postulado se deslocar para a ausência de lacunas, não do sistema de nor­mas, mas do de conceitos. Essa metafísica suspeita de um jusnaturalismo burguês dos Gründerjahre desempenhava igualmente uma função política de primeira ordem. O de­bate em torno do assim chamado Direito Judicial* procu­rou aqui a sua localização, desde a Escola do Direito Livre. Deve-se registrar aqui que a proibição da negação do direi­to das sociedades modernas não necessita da ausência de lacunas enquanto correlato, conforme foi afirmado, pois deve-se distinguir, por um lado, entre o estoque de normas e as necessidades efetivas da práxis e, por outro lado, entre o direito material e o direito processual. Medidos pela de­manda social de normatização, todos os ordenamentos jurí­

* Richterrecht.

168

Page 190: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dicos até os nossos dias evidenciaram ser incompletos. No Estado de Direito uma parte litigante recebe mesmo em uma decisão de indeferimento no conteúdo, que no entan­to é processualmente correta, a resposta do direito vigente, que lhe cabe de direito. A proibição da negação do direito não força a suposição de uma unidade coerente.

D. Crítica da unidade do ordenamento jurídico como crítica do positivismo

A objeção tradicional aos dogmas unitaristas afirma desde a Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Inte­resses e a Ciência Jurídica de orientação sociológica que a integralidade do ordenamento jurídico seria apenas um postulado, pois o juiz sempre se veria diante da necessida­de de “preencher lacunas da lei por meio de um ato de criação do direito” (Arthur Kaufmann). Tal crítica não é suficientemente ampla. Ela aponta para a experiência jurí­dica cotidiana da insuficiência lógica, para o fracasso dos ideais do “silogismo" e da “subsunção”. Ocorre que aqui o conceito da norma e as qualidades do que ele designa não são pensadas até as suas últimas conseqüências. Na sua imagem do direito como unidade, na sua compreensão da decisão como subsunção lógica, na sua eliminação de todos os elementos da ordem social que não foram dogmatizados no texto da norma, o positivismo com efeito seguiu e con­tinua seguindo uma ficção. Mas as doutrinas do direito li­vre, do direito determinado por interesses, do direito judi­cial, a tópica, a hermenêutica oriunda das ciências huma­nas*, o decisionismo, a doutrina integracionista e os antipo- sitivismos restantes preferiram formular críticas no plano

* geisteswissenschaftliche Hermeneutik.

169

Page 191: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dos detalhes em vez de questionar a norma e o conceito de norma.

Se, no entanto, tanto a norma jurídica e o texto da norma quanto a norma jurídica e a norma de decisão forem distinguidas sistematicamente (por parte da Teoria Estru­turante do Direito), a idéia do "direito vigente” se esclare­ce: costuma-se designar por esse termo o conjunto dos tex­tos das normas, que devem ser desenvolvidos apenas no caso na direção de normas jurídicas, de acordo com regras de método, sendo que essas normas jurídicas por sua vez devem ser desenvolvidas na direção de normas de decisão. Esclarece-se, outrossim, que “unidade”, “integralidade” e “coerência” foram confundidas com a positividade e equi­valência hierárquica das normas de uma codificação bem como com a identidade do estoque de normas consigo mes­ma.

E. Unidade da constituição

I. Sobre o conceito

Esse enfoque também permite descrever mais precisa­mente os modos de utilização da expressão "unidade da constituição". A teoria estruturante da constituição definiu com base nesse exemplo o perfil de alguns tipos de concep­ções de unidade formal (ausência de lacunas — não-contra- dição; unidade do texto, unidade do nível hierárquico de fontes do direito — unidade da estrutura da constituição) e de várias teorias da unidade em termos de conteúdo, a saber modalidades ideológicas, de história da constituição, legitimadoras, funcionais e metodológicas do recurso a uma unidade da constituição.

170

Page 192: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

II. Origem histórica

As origens da expressão “unidade da constituição” es­tão na República de Weimar. Para Smend uma constituição é a normatização de aspectos individuais do processo no qual o Estado produz constantemente o seu processo vital; por isso ela não deve visar particularidades, mas “a totalida­de do Estado e a totalidade do seu processo de integração”. Estamos aqui não apenas diante de um pensamento que visa a totalidade, mas diante de um pensamento a partir da totalidade e da sua unidade. Kelsen registrou o aspecto problemático desse holismo. Para ele a unidade do Estado somente pode ser fundamentada normativamente, o orde­namento jurídico constitui uma unidade apenas enquanto ordenamento lógico: com a qualidade de poder ser descrito em normas jurídicas que não se contradigam reciproca­mente. A grandeza formal “norma fundamental” constitui a unidade em meio à multiplicidade das normas. Diante disso, Carl Schmitt chamou a atenção às insuficiências de uma acepção que se restringe ao imperativo isolado pelo positivismo e, conforme devemos acrescentar, sobretudo à forma lingüística da norma, ao texto da norma. Mas a von­tade existente por força do decisionismo, que só quer a si mesma, atropela toda e qualquer normatividade material­mente vinculada: "a totalidade da unidade política” (Schmitt) oferece um exemplo extremado de holismo não- estruturado. A totalidade enquanto fonte de argumentos tende ao poder e à sua manipulação imperturbada. A essa tendência o Estado de Direito contrapõe os imperativos da vinculação ao direito e à constituição, da determinidade do suporte fático, da clareza dos métodos e da fundamentação racional suficiente. Inferências a partir da totalidade e da sua unidade não atendem suficientemente às exigências de

171

Page 193: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

métodos democraticamente vinculados e configurados con­forme o Estado de Direito.

III. Práxis dos tribunais

Na práxis, o Tribunal Constitucional Federal procura impor, desde a sentença sobre o Estado do Sudoeste (BVerfGE 1,14 ss.), a visão da Lei Fundamental como uma unidade. O Superior Tribunal Federal segue essa linha oca­sionalmente com fórmulas do tipo “unidade indivisível” ou “totalidade da ordem de valores”. A jurisprudência gerou um caos de modos de utilização desse argumento. Assim a 2a Turma do Tribunal Constitucional Federal afirma na sua tese sobre a unidade a existência de diferenças hierárquicas genéricas no direito constitucional positivo; contrariamen­te, infere-se na acepção da Ia Turma do mesmo tribunal, desde a sentença sobre a igualdade de direitos (BVerfGE 3, 225 ss.), justamente da unidade da constituição que as nor­mas da Lei Fundamental devem em princípio ter a mesma dignidade hierárquica. Do ponto de vista do Estado de Di­reito, a interpretação da 2a Turma, em conformidade com o princípio, se revela insustentável.

IV. Crítica pela Teoria Estruturante do Direito

Um exame sob perspectivas formais, conteudísticas e metodológicas conduz a resultados claros: a Lei Fundamen­tal nem é necessariamente destituída de lacunas nem ea ipsa isenta de contradições. Mas ela ordena a integralidade do texto e o rigor do texto, nesse sentido uma unidade do documento constitucional em nível formal. Ela não revela graus hierárquicos distintos nem dissocia grupos indivi­duais de normas juridicamente dos outros grupos. Por isso

172

Page 194: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

a Lei Fundamental conhece uma unidade do grau hierár­quico das fontes do direito e, desconsideradas as prescri­ções sobre o estado de emergência, uma unidade da sua estrutura normativa. Para esses casos a expressão "unidade da constituição” poderia ser utilizada, embora seja supér­flua. O que ela diz resulta das qualidades genéricas da cons­tituição escrita ou das normas constitucionais individuais. De qualquer modo, para a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha todas as perguntas por uma unidade da constituição são respondidas pelas qualidades da sua po- sitividade. A positividade da constituição resolve tanto os casos nos quais o discurso da unidade da constituição fra­cassa diante da própria constituição (ausência de lacunas, isenção de contradições, unidade ideológica), como tam­bém os casos nos quais a tese da unidade já se vê fundamen­tada pelo direito positivo (unidade legitimadora, unidade funcional, ítnidade enquanto meio da interpretação siste­mática e harmonizadora da constituição). O mesmo vale para os tipos já mencionados supra (unidade do documen­to, unidade do grau hierárquico das fontes do direito bem como da estrutura normativa da constituição).

F. Conclusões

A expressão “unidade da constituição" pode ser aban­donada também onde ela poderia ser utilizada com senti­do. Ela não pode continuar servindo a tentativas de apagar a linha de fronteira entre argumentos orientados segundo as normas e argumentos de política jurídica desvinculados das normas. A tentativa de salvação apreciada desde os es­critos de Smend, de considerar a unidade não como um

173

Page 195: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

dado* mas como uma tarefa** também não leva mais lon­ge, conforme a práxis do tribunal supremo mostra involun­tariamente. Se a unidade não existe enquanto dado nem pode ser tornada plausível, ela também não existe como meta a ser atingida na práxis. Do contrário só substituire­mos uma ilusão por outra, a ilusão positivista pela ilusão antipositivista. O que conduz mais longe, porém, é uma estruturação pós-positivista do campo de problemas.

Os argumentos cambiantes*** da "unidade”, seja do ordenamento jurídico na sua totalidade, seja da constitui­ção, levaram a caminhos errados. Constituem exemplos de um holismo irracional do trabalho jurídico, que pode ser abandonado sem prejuízo desse mesmo trabalho, que deve­ria ser abandonado no interesse de uma atuação dos juristas em conformidade com o Estado de Direito.

Bibliografia especializada

Bergbohm, Jurisprudenz und Rechtsphilosophie, 1892, vol. 1; W. Burckhardt, Die Lücken des Gesetzes und der Gesetzesauslegung, 1925; Engisch, Die Einheit der Rechts- ordnung, 1935; Id. Der rechtsfreie Raum, in: ZStW 108 (1952), 385 ss.; von Gerber, Grundzüge des Deutschen Staatsrechts, 3a ed. 1880; G. Jellinek, Allgemeine Staats- lehre, 3a ed. 1960; E. Jung, Von der “logischen Geschlosse- nheit” des Rechts, 1900; Arthur Kaufmann, Gedanken zu einer ontologischen Grundlegung der juristischen Herme-

* Gegeben.** Aufgegeben (literalmente: como tarefa dada. O jogo de palavras ‘gegeben/aufgegeben’ não pode ser reproduzido adequadamente em português).* * * schillernd.

174

Page 196: Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional

neutik, in: N. Horn (ed.) Europáisches Rechtsdenken in Geschichte und Gegenwart, FS für H. Coing, 1982, vol. 1 537 ss.; Kelsen, Reine Rechtslehre, 2a ed. 1960; Laband, Das Staatsrecht des Deutschen Reiches, 5a ed. 1911, vol. 1; Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 5 a ed. 1983; Luhmann, Die Einheit des Rechtssystems, in: Rechts­theorie 14 (1983), 129 ss.; F. Müller, Juristische Methodik, 7a ed. 1997; Id. Die Einheit der Verfassung. Elemente einer Verfassungstheorie III, 1979; Id. Strukturierende Rechts­lehre, 2a ed. 1994; C. Schmitt, Verfassungslehre, 4a ed. 1965; Smend, Verfassung und Verfassungsrecht, 1928.

175