103
FCUP Dep. Matem´ atica Pura etodos Matem´ aticos em Termodinˆ amica Cl´ assica Tese de Mestrado Mestrado em Matem´ atica - Fundamentos e Aplica¸c˜oes Ano lectivo de 2000/02 Alexandra Virote Porto, Portugal

Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

FCUPDep. Matematica Pura

Metodos Matematicos em

Termodinamica Classica

Tese de Mestrado

Mestrado em Matematica - Fundamentos e Aplicacoes

Ano lectivo de 2000/02

Alexandra Virote

Porto, Portugal

Page 2: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

1

INDICE

1 Introducao 3

2 Conceitos basicos de Termodinamica 4

2.1 A natureza da Termodinamica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.2 A composicao dos sistemas termodinamicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.3 Energia interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.4 Equilıbrio termodinamico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.5 Paredes e restricoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2.6 Medicao da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2.7 Definicao quantitativa de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2.8 Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2.9 Parametros intensivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2.10 Parametros entropicos intensivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.11 Equilıbrio termico - temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.12 Equilıbrio mecanico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.13 Equilıbrio em relacao ao fluxo de materia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3 Abordagem axiomatica da Termodinamica Classica 16

3.1 A primeira Lei e a energia interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

3.2 A segunda Lei e a entropia empırica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.3 A lei zero e a temperatura empırica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.4 Temperatura absoluta e entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.5 Coordenadas de deformacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

3.6 Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

4 Geometria de Contacto 57

4.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.2 Equacoes de Pfaff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4.3 A classe de uma equacao e de uma forma de Paff . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

4.4 O teorema de Darboux para as equacoes e para as formas de Pfaff . . . . . . . . 63

4.5 Fibrados Principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

4.6 Simplectificacao de uma variedade de contacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

4.7 Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff . . . . . . . . . . . . . . . . 72

4.8 Subvariedades de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

Page 3: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2

4.9 Automorfismos de estruturas de contacto estritas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

4.10 Algumas formulas de geometria de contacto em coordenadas locais . . . . . . . . 84

4.11 Transformadas de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

5 Geometria de Contacto e Termodinamica Classica 89

5.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

5.2 Subvariedades de Legendre e a primeira lei da Termodinamica . . . . . . . . . . . 90

5.3 As transformacoes de contacto e as simetrias termodinamicas . . . . . . . . . . . 92

5.4 Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados . . . . . . . . . . . . . . 94

5.5 Potenciais Termodinamicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Page 4: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Capıtulo 1

Introducao

Este trabalho pretende abordar alguns dos metodos matematicos usados na formalizacao daTermodinamica classica de equilıbrio. Assim, numa primeira abordagem o objectivo e expor asua axiomatizacao, que se deve essencialmente a Caratheodory, enquanto que, numa segundaabordagem, se apresenta uma tentativa de geometrizacao, baseada em conceitos de geometriade contacto e que se deve a R. Hermann, R. Mrugala e outros.

O trabalho esta entao dividido em cinco capıtulos. O segundo capıtulo, intitulado “conceitosbasicos de Termodinamica”, e uma apresentacao dos principais conceitos termodinamicos, deum ponto de vista fısico; com este capıtulo pretende-se que o leitor seja capaz de adquirir umanocao clara e intuitiva desses conceitos, ainda sem o rigor matematico que sera desenvolvido noscapıtulos seguintes. As principais referencias para este capıtulo sao [1] e [8].

No terceiro capıtulo, intitulado “abordagem axiomatica da Termodinamica classica”, ja e feitauma axiomatizacao dos conceitos anteriormente descritos. Um dos principais pontos chave daprimeira parte deste capıtulo e a abordagem de Caratheodory da Termodinamica classica; assim,iremos proceder a uma apresentacao, matematicamente rigorosa, do princıpio de Caratheodorye observaremos o seu caracter local. No entanto vamos tambem notar de que forma e que esseprincıpio determina a existencia de uma funcao chamada entropia, a qual ira servir de base asegunda lei da Termodinamica. As principais referencias para este capıtulo sao [3], [6], [7] e [8].

O quarto e quinto capıtulos ja se referem a abordagem geometrica, acima referida, a Ter-modinamica. O quarto capıtulo constitui simplesmente uma exposicao da teoria de variedadesde contacto. As principais referencias para este capıtulo sao [12], [2], [4], [5] e [19].

Finalmente no quinto capıtulo iremos ver de que forma e que podemos aplicar certos con-ceitos da teoria de variedades de contacto a Termodinamica. Por exemplo a primeira lei daTermodinamica sera agora reformulada em termos geometricos, atraves da representacao davariedade de estados de equilıbrio de um sistema Termodinamico como uma subvariedade deLegendre numa variedade de contacto apropriada. Os campos de vectores tangentes a essassubvariedades representam entao processos termodinamicos. As principais referencias para estecapıtulo sao [10], [14] e [17].

3

Page 5: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Capıtulo 2

Conceitos basicos de Termodinamica

2.1 A natureza da Termodinamica

A Termodinamica e uma das vertentes da Fısica Classica macroscopica, juntamente com aMecanica e o Electromagnetismo. Quando e feita uma descricao macroscopica de um sistema,ao contrario da descricao atomica, que por vezes se torna impossıvel e mesmo sem sentido, saousados apenas um reduzido numero de parametros para descrever esse sistema. Isto prende-secom o facto de o sistema atomicamente se movimentar de uma forma extraordinariamente maisrapida quando comparada com as observacoes macroscopicas. Assim muitos dos parametrosque caracterizam um sistema atomicamente deixam de ter sentido quando se pretende uma des-cricao macroscopica; portanto, com esta simplificacao, apenas vao restar um certo numero decoordenadas, algumas mecanicas e outras electricas, que vao ser objecto de estudo da mecanicae da electricidade respectivamente. Qual sera entao o objecto de estudo da Termodinamica? Se-gundo Callen ([8], pag. 8), ”A Termodinamica pretende estudar as consequencias macroscopicasdo enorme numero de coordenadas atomicas que, em virtude do caracter “grosseiro” das obser-vacoes macroscopicas, nao aparecem explıcitamente na descricao macroscopica de um sistema”.

A Mecanica e o Electromagnetismo sao ciencias em que o conceito de energia desempenha umpapel central. A energia e uma palavra que nao tem uma definicao precisa e que devemos pensarcomo ”uma abstracao matematica que nao tem existencia para alem da sua relacao funcionalcom variaveis ou coordenadas, que tem uma interpretacao fısica e podem ser medidas” (Abbott).

A energia pode ser transferida para um modo mecanico de um sistema - a um tal fluxode energia chama-se trabalho mecanico, tıpicamente representado pelo termo −PdV , ondeP e a pressao e V o volume. Analogamente, a energia pode ser transferida para um modoelectrico de um sistema - ao fluxo correspondente chama-se trabalho electrico e e tıpicamenterepresentado por −EdP, onde E e o campo electrico e P o dipolo electrico, respectivamente. Ofacto de existirem coordenadas atomicas escondidas, que nao tem significado quando observadasmacroscopicamente, leva-nos a admitir que existem outros tipos de transferencias de energiapara outros modos, para alem dos que consideramos atras - quer modos atomicos escondidos,quer modos macroscopicamente observaveis. Surge assim um novo conceito de transferencia deenergia, a que chamamos calor, e que e interpretado como a energia transferida para os modosatomicos escondidos. Os processos de transferencia de calor sao exactamente um dos principaisobjectos de estudo da Termodinamica.

4

Page 6: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.2. A composicao dos sistemas termodinamicos 5

2.2 A composicao dos sistemas termodinamicos

A Termodinamica e uma ciencia muito geral e que pode ser aplicada a sistemas muito di-versos e complexos em termos das suas propriedades mecanicas, electromagneticas e termicas,sendo no entanto as propriedades termicas o seu principal interesse. Sendo assim, tem sen-tido considerar apenas sistemas com propriedades mecanicas e electromagneticas idealmentesimples. Esses sistemas vao chamar-se sistemas simples, e definem-se como “sistemas quesao macroscopicamente homogenios, isotropicos, sem carga, quımicamente inertes, que sao su-ficientemente grandes para que os efeitos a superfıcie possam ser negligenciados, e que nao saoafectados por campos electricos, magneticos ou gravitacionais” (Callen, [8], pag. 9).

No entanto, existem alguns dos parametros anteriores que vao ser mantidos como parametrosrelevantes para a descricao macroscopica do sistema, tais como o volume e o numero demoleculas de cada uma das componentes quımicas puras do sistema, ou alternativamente osnumeros molares Nk

1, que descrevem a composicao quımica do sistema. Quando o sistemae uma mistura de r componentes quımicas, aos quocientes Nk/

(∑rj=1 Nj

), para k = 1, . . . , r,

chamam-se fraccoes molares, enquanto que a V/(∑r

j=1 Nj

), chama-se volume molar.

Estes parametros macroscopicos V, N1, . . . , Nr, que num sistema composto, isto e, num sis-tema formado por varios subsistemas simples, sao a soma dos valores que tem em cada umdesses subsistemas, chamam-se parametros extensivos, e desempenham um papel essencialem toda a teoria.

2.3 Energia interna

O desenvolvimento do princıpio da conservacao da energia e uma das mais importantes conquis-tas da evolucao da Fısica. Apesar de ainda hoje restarem bastantes problemas por resolver, oprincıpio da conservacao da energia e aceite como um dos princıpios mais importantes da Fısicae a sua aplicacao a termodinamica assegura que os sistemas macroscopicos tenham energiasprecisas e definidas, sujeitas a um princıpio de conservacao de energia bem definido. Por outraspalavras, aceita-se que cada sistema termodinamico possui uma energia bem definida, que e umamanifestacao macroscopica de uma lei de conservacao.

No entanto, apenas as diferencas de energia e nao os valores absolutos da mesma, temsignificado fısico, sendo portanto necessario escolher, para cada sistema, um certo estado dereferencia, para o qual a energia toma convencionalmente o valor zero; assim, a energia de umsistema, num qualquer outro estado, resulta sempre de uma relacao de comparacao com esseestado de referencia, e chama-se a energia interna termodinamica do sistema nesse estado, erepresenta-se por U . A energia interna e tambem um parametro extensivo.

2.4 Equilıbrio termodinamico

Ao observarmos um qualquer sistema nao e difıcil identificar estados mais simples e estadosmais complicados. Alem disso, podemos observar experimentalmente que quando um sistemadeixa de ser afectado pelo exterior, ou seja quando esta isolado, as modificacoes que ocorrem nomesmo tendem a cessar e o sistema tende a evoluir espontaneamente para certos estados cujas

1= numero de cada tipo de molecula dividido pelo numero de Avogadro NA = 6.02217× 1023.

Page 7: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.5. Paredes e restricoes 6

propriedades sao determinadas por factores intrınsecos e nao por previas influencias externas.Estes estados simples sao, por definicao, independentes do tempo, e chamam-se estados deequilıbrio termodinamico.

Um criterio apropriado de simplicidade de um estado e evidentemente a possibilidade de opoder descrever em termos de um pequeno numero de variaveis. Concluindo, aceitamos que:

“Existem estados particulares de sistemas simples, a que chamamos estados de equilıbrio,que macroscopicamente sao caracterizados completamente pela energia interna U , volume V , epelos numeros molares N1, . . . , Nr das suas componentes quımicas.”

Assim sendo, um estado de equilıbrio admite uma descricao matematica precisa porque numtal estado o sistema exibe um conjunto de propriedades identificaveis e reproduzıveis.

2.5 Paredes e restricoes

Ao descrevermos um sistema termodinamico e fundamental especificar o tipo de barreiras ouparedes que o separam do exterior, pois sao as variacoes das mesmas que provocam alteracoesdos parametros extensivos, com o consequente ınicio dos processos termodinamicos. Assim, seuma parede condiciona os valores de um determinado parametro extensivo de um sistema diz-seque e restritiva em relacao a esse parametro; caso contrario, se nao tem qualquer influencia nasalteracoes de um parametro extensivo, diz-se que e nao restritiva em relacao a esse parametro.Assim por exemplo, um cilindro e um pistao rigidamente fixo, constituem uma barreira restritivarelativamente ao volume V , enquanto que um cilindro e um pistao movel, constituem umabarreira nao restritiva relativamente a V .

2.6 Medicao da energia

Apesar das consideracoes anteriores terem levado a aceitar a existencia de uma energia que seconserva, resta o problema de a medir. De facto, existem metodos praticos que controlam emedem a energia. E claro que para poder medir a energia de um dado estado de um sistema,e necessario controlar as varias formas de transferencia da mesma; para isso foi decisiva adescoberta experimental de paredes que nao permitem a transferencia de energia sob a formade calor, chamadas paredes adiabaticas, e de paredes que sao permeaveis aos fluxos de calor,chamadas diatermicas. Quando uma parede nao permite qualquer fluxo de energia, nem decalor nem de trabalho, diz-se que e restritiva em relacao a energia. Um sistema isolado (doexterior) por paredes que sao restritivas em relacao a energia, volume e numeros molares diz-seum sistema fechado.

Sendo assim, e passando agora a questao da medicao da energia (ou mais exactamente, dediferencas de energia), podemos recorrer ao uso de paredes adiabaticas impermeaveis, isolandoo sistema simples, de tal modo a que a unica forma possıvel de transferir energia seja atraves detrabalho. Mas o trabalho pode ser perfeitamente medido por metodos mecanicos, o que permiteportanto medir a diferenca de energias entre dois estados, desde que seja garantido que um sejaalcancado a partir do outro, apenas por processos exclusivamente mecanicos, garantindo queentretanto o sistema permaneca em isolamento adiabatico.

Aceitamos entao que ”existem paredes, chamadas adiabaticas, com a propriedade de que otrabalho realizado na transferencia de um sistema, isolado adiabaticamente, entre dois estados,

Page 8: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.7. Definicao quantitativa de calor 7

e determinado exclusivamente por esses estados, independentemente de todas as condicoes ex-ternas. O trabalho realizado e entao igual a diferenca entre as energias internas desses doisestados do sistema.” (Callen [8], pag. 17.) Ou seja, se Ux e Uy representam as energias internasdos estados x e y, respectivamente, entao o sistema, ao passar adiabaticamente de um estadopara o outro, realiza a seguinte quantidade de trabalho:

W = Uy − Ux

Claro que e necessario discutir a possibilidade de idealizar um processo mecanico que per-mita que o sistema, partindo de um certo estado arbitrario, e isolando-o adiabaticamente, sejatransferido para um qualquer outro estado previamente escolhido. Quando e possıvel realizaruma transicao adiabatica num sistema, transferindo-o de um estado x para um estado y, diz-seque y e adiabaticamente acessıvel a partir de x, e representa-se por x → y.

Foi aqui que as experiencias levadas a cabo por Joule se mostraram muito relevantes. Defacto elas demonstraram que, num sistema isolado por uma parede adiabatica impermeavel, doisestados de equilıbrio com os mesmos numeros molares N1, . . . , Nr, podem ser unidos por algumprocesso mecanico. Joule descobriu que se dois estados, digamos x e y, sao especificados, podenao ser possıvel descobrir um processo mecanico (consistente com o isolamento adiabatico) queleve o sistema de x para y mas, no entanto, e sempre possıvel descobrir ou um processo que levao sistema de x para y ou um processo que leva o sistema de y a x. Ou seja, para quaisquer doisestados x e y com os mesmos numeros molares, um dos processos mecanicos adiabaticos x → you y → x existe.

Portanto a experiencia mostra que os metodos mecanicos sempre permitem medir a diferencade energia de dois quaisquer estados com os mesmos numeros molares.

Assim, a unica limitacao a medicao da energia, como diferenca das energias de dois quaisquerestados, e que esses estados tenham o mesmo numeros de moles. No entanto esta restricaopode ser facilmente eliminada pela observacao seguinte. Se considerarmos dois subsistemassimples separados por um parede impermeavel e assumirmos que as suas energias sao conhecidas(relativamente a certos estados de referencia), e se a seguir retirarmos a parede, os subsistemasmisturam-se mas a energia total do sistema composto permanece constante. Logo a energia dosistema composto final vai ser tambem conhecida e e igual a soma das energias dos subsistemasoriginais. Temos entao um forma de medir energia mesmo para sistemas com numeros molaresdiferentes.

2.7 Definicao quantitativa de calor

O facto de ser possıvel medir a diferenca das energias de dois quaisquer estados, conduz direc-tamente a uma definicao quantitativa de calor: “o fluxo de calor libertado ou absorvido por umsistema, num qualquer processo (com numeros molares constantes), e igual a diferenca entre asenergias internas do estado final e inicial, subtraıda do trabalho realizado durante o processo”:

Q = (Uy − Ux)−W

Mais concretamente, consideremos um processo qualquer, que transfere o sistema de umestado inicial x para um estado final y, e suponhamos que se pretende calcular a quantidade deenergia transferida para o sistema, sob a forma de trabalho, e a quantidade de energia transferida

Page 9: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.7. Definicao quantitativa de calor 8

sob a forma de calor. O trabalho e medido atraves de metodos mecanicos, como sabemos. Poroutro lado, a diferenca total de energia Uy − Ux, e medida pelos metodos indicados na seccaoanterior. Finalmente, subtraindo o trabalho desta diferenca total de energia, obtemos o fluxode calor no referido processo.

Notemos ainda que o trabalho associado a processos distintos pode ser diferente, mesmo queos estados inicial e final sejam iguais. O mesmo acontece com o calor. No entanto, a soma dosdois e sempre igual a diferenca total de energia Uy −Ux, que nao depende portanto do processomas apenas dos estados final e inicial. Daı que, quando nos referimos ao fluxo de energia total,apenas seja necessario referir os estados inicial e final, enquanto que, quando falamos dos fluxosde trabalho ou de calor, seja imprescindıvel identificar com detalhe qual o processo considerado.Existe uma excepcao - quando o processo e adiabatico, nao existe transferencia de energia soba forma de calor, e portanto a quantidade de trabalho realizado nao depende obviamente doprocesso mas sim apenas dos estados inicial e final.

O que acabamos de estabelecer nao e mais do que a formulacao e o conteudo da primeiralei da Termodinamica.

Para sistemas simples, o trabalho quasi-estatico (“infinitesimal”) esta associado a umavariacao (“infinitesimal”) do volume e e dado quantitativamente por:

¢dW = −P dV (2.7.1)

onde usamos a notacao tradicional em livros de Termodinamica (nomeadamente em [8], mas queabandonaremos a partir do capıtulo 2), ¢dW para as “diferenciais inexactas (ou imperfeitas)”,ou seja, 1-formas nao exactas, segundo a terminologia que adoptaremos a partir do segundocapıtulo.

Os processos quasi-estaticos caracterizam-se por serem realizados de forma suficientementelenta, de tal modo que cada estado do sistema representa um estado de equilıbrio. Normalmentesao chamados de processos reversıveis, uma vez que, em geral o seu sentido pode ser invertidoem qualquer ponto. Imaginemos por exemplo, um sistema formado por um cilindro e por umembolo que desliza sem atrito dentro do cilindro, quando lhe sao colocados por cima pesos;imaginemos que o sistema se encontra em equilıbrio; quando se adicionam ou removem pesos, oembolo vai descer ou subir e seguramente vai oscilar ate atingir gradualmente uma nova posicaode equilıbrio; se imaginarmos agora que os pesos sao substituıdos por uma porcao de po que esoprada num fluxo muito fino para dentro ou para fora do embolo, este desce ou sobe a umarazao uniforme e o sistema nunca esta afastado do equilıbrio interno. Mais, se o sentido datransferencia do po for invertido, o processo inverte o seu sentido e prossegue para tras sem quehaja qualquer tipo de oscilacoes.

Podemos agora deduzir expressoes para o fluxo de calor de um processo quasi-estatico, comnumeros molares constantes - o fluxo de calor “infinitesimal” ¢dQ, de um tal processo e dado por:

¢dQ = dU − ¢dW, com numeros molares constantes (2.7.2)

ou ainda:¢dQ = dU + P dV, com numeros molares constantes (2.7.3)

Notemos que, apesar de ¢dW + ¢dQ ser uma forma fechada, ja que ¢dW + ¢dQ = dU , cada uma,isoladamente, nao o e.

Page 10: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.8. Entropia 9

2.8 Entropia

Dois ou mais sistemas simples podem ser vistos como um unico sistema, a que chamamossistema composto. O sistema composto diz-se fechado se esta envolto por uma parede quee restritiva em relacao a energia total, ao volume total e aos numeros molares totais de cadacomponente do sistema composto. Isto nao significa que cada sistema simples individual tenhaque ser fechado. As restricoes que impedem fluxos de energia, de volume ou de materia, entre oscomponentes simples do sistema composto, chamam-se constrangimentos internos. Se umsistema composto fechado esta em equilıbrio na presenca de certos constrangimentos internos,e se alguns desses constrangimentos sao removidos, o sistema talvez atinga um outro estado deequilıbrio.

Segundo Callen ([8], pag. 26), “o problema basico da Termodinamica consiste em determinaro estado de equilıbrio que talvez resulta depois de se removerem alguns dos constrangimentosinternos de um sistema composto fechado”. A semelhanca do que acontece noutras teoriasfısicas (por exemplo, na formulacao de Lagrange da Mecanica Classica), podemos conjecturarque um “bom” criterio que permita determinar esse estado de equilıbrio, e um que se baseienum “princıpio variacional”. Assim, o problema de identificar os estados de equilıbrio de umdado sistema, leva-nos naturalmente a conjecturar a existencia de uma funcao que atinja ummaximo (ou um mınimo) (relativo), para os valores dos parametros extensivos que descrevemesse estado de equilıbrio final. Desta forma aceitamos que (Callen [8], pag. 27):

“Existe uma funcao S, chamada entropia, que e funcao dos parametros extensivos de umqualquer sistema composto, definida para todos os estados de equilıbrio, e que tem a propriedadeseguinte - na ausencia de constrangimentos internos, os valores dos parametros extensivos saoos que maximizam a entropia.”

Notemos que estamos apenas a supor que a entropia esta definida para estados de equilıbrio.Na ausencia de constrangimentos, o sistema e livre de escolher um de entre varios estados, cadaum dos quais pode tambem ser realizado na presenca de determinados constrangimentos. Aentropia de cada um desses estados de equilıbrio com constrangimentos esta bem definida, e emaxima em algum estado particular desse conjunto. Na ausencia de constrangimentos, o sistemaevolui para esse estado de entropia maxima.

A relacao que da a entropia como funcao dos parametros extensivos chama-se relacao fun-damental. Portanto admite-se que toda a informacao termodinamica de um determinado sis-tema pode ser deduzida a partir da relacao fundamental desse sistema.

Por outro lado aceita-se ainda que (Callen [8], pag. 28):

“A entropia S de um sistema composto e aditiva relativamente aos subsistemas que o cons-tituem. A entropia e uma funcao contınua, diferenciavel e estritamente crescente como funcao(parcial) da energia interna U .”

Resultam daqui varias consequencias matematicas. O facto da entropia ser aditiva significaque:

S =∑α

S(α)

onde S(α) e a entropia do α-esimo subsistema simples que compoe o sistema composto. CadaS(α) e por sua vez uma funcao dos parametros extensivos do α-subsistema, ou seja:

S(α) = S(α)(U (α), V (α), N(α)1 , . . . , N (α)

r ) (2.8.1)

Page 11: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.9. Parametros intensivos 10

Quando aplicamos esta propriedade da aditividade a subsistemas separados espacialmente,deduzimos que “a entropia de um sistema simples e uma funcao homogenia de primeira ordemdos parametros extensivos”, isto e:

S(λU, λV, λN1, . . . , λNr) = λS(U, V,N1, . . . , Nr) (2.8.2)

Por outro lado, o facto de ser uma funcao estritamente crescente, como funcao (parcial) daenergia interna U , implica que2:

∂S

∂U> 0 (2.8.3)

Veremos mais a frente que a temperatura pode ser definida como o recıproco desta derivadaparcial e como tal vai ser nao negativa.

O facto de S ser contınua, diferenciavel e monotona implica que a funcao:

S = S(U, V,N1, . . . , Nr) (2.8.4)

pode ser resolvida unıvocamente na forma:

U = U(S, V, N1, . . . , Nr) (2.8.5)

onde U e tambem uma funcao contınua e diferenciavel. As equacoes anteriores sao formas alter-nativas da relacao fundamental que, como ja vimos, contem toda a informacao termodinamicado sistema.

Notemos ainda que o caracter extensivo da entropia permite deduzir as propriedades de umsistema com N moles a partir das propriedades de um sistema com 1 mole. De facto, a relacaofundamental pode escrever-se na forma:

S(U, V, N1, . . . , Nr) = N S

(U

N,V

N,N1

N, . . . ,

Nr

N

)(2.8.6)

onde tomamos para factor de escala λ = 1N = 1∑

kNk

; UN e a energia por mole e representa-se

por u, e VN e o volume por mole e representa-se por v. Assim, para um sistema simples com

uma unica componente, temos que a entropia e dada por:

S(U/N, V/N, 1) = S(u, v, 1) def= s(u, v) (2.8.7)

Neste caso, temos em particular que (2.8.6) fica na forma:

S(U, V, N) = N S(U/N, V/N, 1) = N s(u, v) (2.8.8)

2.9 Parametros intensivos

Na seccao anterior vimos que podemos escrever a relacao fundamental na forma:

U = U(S, V, N1, . . . , Nr) (2.9.1)2nao usaremos neste texto a notacao usual em livros de Termodinamica, para as derivadas parciais de uma

funcao - a de indicar explıcitamente quais as variaveis que se consideram fixas. Por exemplo em (2.8.3), ∂S∂U

=(∂S∂U

)V,N1,...,Nr

Page 12: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.9. Parametros intensivos 11

Calculando a respectiva diferencial obtemos:

dU =∂U

∂SdS +

∂U

∂VdV +

r∑

j=1

∂U

∂NjdNj (2.9.2)

As varias derivadas parciais que surgem na equacao anterior sao chamadas parametros inten-sivos, e convencionou-se a seguinte notacao (Callen [8], pag. 35):

∂U

∂Sdef= T, temperatura

−∂U

∂Vdef= P, pressao

∂U

∂Nj

def= µj , potencial electroquımico da j-esima componente

(2.9.3)

Com estas notacoes a equacao (2.9.2) escreve-se na forma:

dU = T dS − P dV + µ1 dN1 + . . . µr dNr (2.9.4)

A temperatura, pressao e potenciais electroquımicos sao pois derivadas parciais de uma funcaodas variaveis S, V, N1, . . . , Nr e, consequentemente, sao tambem funcoes dessas mesmas variaveis.Desta forma obtemos um conjunto de “relacoes funcionais”3:

T = T (S, V,N1, . . . , Nr)P = P (S, V,N1, . . . , Nr)µj = µj(S, V, N1, . . . , Nr) (2.9.5)

onde temos os parametros intensivos expressos em termos dos parametros extensivos indepen-dentes, e a que chamamos equacoes de estado. Conhecer apenas uma das equacoes de estadonao permite um total conhecimento das propriedades termodinamicas de um sistema, mas oconhecimento de todas as equacoes de estado implica o conhecimento da relacao fundamental.

No caso especial em que os numeros molares se mantem constantes (isto e, dNj ≡ 0, ∀j), aequacao (2.9.4) fica na forma:

dU = T dS − P dV (2.9.6)

ou ainda, recordando que ¢dW = −P dV :

T dS = dU − ¢dW (2.9.7)

Comparando (2.9.7) com (2.7.2), isto e, ¢dQ = dU − ¢dW (com numeros molares constantes),vemos que o fluxo de calor “infinitesimal” ¢dQ, de um processo quasi-estatico, com numerosmolares constantes, e dado por:

¢dQ = T dS (2.9.8)

Portanto um fluxo de calor quasi-estatico absorvido por um sistema, esta associado com umaumento da entropia desse sistema.

O facto da relacao fundamental de um sistema ser homogenea de primeira ordem, faz comque as equacoes de estado sejam homogeneas de ordem zero; por exemplo:

3usamos a notacao usual, embora abusiva, de designar a funcao e a variavel dependente pelo mesmo sımbolo.

Page 13: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.10. Parametros entropicos intensivos 12

T (λS, λV, λN1, . . . , λNr) = T (S, V, N1, . . . , Nr)

o que implica que a temperatura de um sistema composto por dois subsistemas identicos e iguala temperatura de cada um dos subsistemas.

2.10 Parametros entropicos intensivos

Representemos os parametros extensivos V, N1, . . . , Nr pelos sımbolos X1, . . . , Xm, de tal formaque a relacao fundamental seja U = U(S,X1, . . . , Xm) e a respectiva diferencial:

dU =∂U

∂SdS +

m∑

j=1

∂U

∂XjdXj

= T dS +m∑

j=1

Pj dXj (2.10.1)

onde pusemos ∂U∂Xj

= Pj , j = 1, . . . , m.

Consideremos agora a relacao fundamental na forma:

S = S(X0, X1, . . . , Xm) (2.10.2)

onde pusemos X0 = U . Calculando a diferencial dS obtemos:

dS =m∑

k=0

∂S

∂XkdXk

=m∑

k=0

Fk dXk (2.10.3)

onde pusemos ∂S∂Xk

= Fk. Resolvendo (2.10.1) em ordem a dS e comparando com (2.10.3),concluımos que:

F0 =1T

, Fk =−Pk

T, k = 1, . . . ,m (2.10.4)

Apesar de uma estreita relacao entre Fk e Pk existe uma grande diferenca pois Pk e obtidopor diferenciacao duma funcao de S, . . . ,Xj , . . . e e considerado como funcao destas variaveis,enquanto que Fk e obtido por diferenciacao duma funcao de U, . . . , Xj , . . . e e considerado comofuncao dessas variaveis. E entao necessario ter muito cuidado e nao esquecer qual das formasesta a ser usada de modo a evitar erros e confusoes.

Se a entropia e considerada dependente e a energia independente, S = S(U, . . . Xk, . . .),dizemos que a analise e feita na representacao de entropia; se por outro lado, a energia edependente e a entropia independente, U = U(S, . . . Xk, . . .), dizemos que a analise e feita narepresentacao de energia.

A relacao S = S(X0 = U, . . . ,Xj , . . .) chama-se a relacao entropica fundamental, oconjunto das variaveis X0 = U, . . . ,Xj , . . . chamam-se parametros extensivos entropicos,e o conjunto das variaveis F0, . . . , Fj , . . . chamam-se parametros intensivos entropicos.De forma analoga, a relacao U = U(S, X1, . . . , Xj , . . .) chama-se relacao energetica fun-damental, o conjunto das variaveis S, X1, . . . , Xj , . . . chamam-se parametros extensivosenergeticos, e o conjunto das variaveis P1, . . . , Pj , . . . chamam-se parametros intensivosenergeticos.

Page 14: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.11. Equilıbrio termico - temperatura 13

2.11 Equilıbrio termico - temperatura

Vejamos agora algumas ilustracoes da teoria atras exposta. Consideremos para isso um sistemafechado composto por dois subsistemas simples separados por uma parede rıgida e impermeavelem relacao a materia mas que permite fluxo de calor. Temos entao que o volume e os numerosmolares de cada um dos subsistemas estao fixos, mas as energias U (1) e U (2) variam livremente,porem sujeitas ao prıncipio de conservacao:

U (1) + U (2) = constante (2.11.1)

Supondo que o sistema atingiu um estado de equilıbrio, pretendemos saber quais os correspon-dentes valores de U (1) e U (2), que, como vimos antes, sao os que maximizam a entropia. Istosignifica que nesse estado de equilıbrio uma transferencia (infinitesimal) virtual de energia entreos dois sistemas nao produz qualquer variacao na entropia total, ou seja:

dS = 0 (2.11.2)

A aditividade da entropia da a relacao:

S = S(1)(U (1), V (1), . . . , N(1)j , . . .) + S(2)(U (2), V (2), . . . , N

(2)j , . . .)

e uma variacao (infinitesimal) de U (1) e U (2), devida a referida transferencia (infinitesimal)virtual de energia, traduz-se na seguinte variacao de entropia:

dS =∂S(1)

∂U (1)dU (1) +

∂S(2)

∂U (2)dU (2) (2.11.3)

ou ainda, utilizando a nocao de temperatura:

dS =1

T (1)dU (1) +

1T (2)

dU (2) (2.11.4)

A condicao de conservacao (2.11.1) implica que

dU (2) = −dU (1) (2.11.5)

e portanto

dS =(

1T (1)

− 1T (2)

)dU (1) (2.11.6)

Finalmente, de acordo com a condicao de equilıbrio, dS tem que se anular para valores arbitrariosde dU (1), e portanto:

1T (1)

=1

T (2)(2.11.7)

que e a condicao de equilıbrio, como alias seria de prever.

Se as equacoes fundamentais de cada um dos subsistemas forem conhecidas, entao 1T (1) e

1T (2) sao tambem funcoes conhecidas, de U (1) e U (2), respectivamente. Logo as duas equacoes(2.11.1) e (2.11.7) permitem determinar completamente os valores de U (1) e U (2).

Suponhamos agora que temos dois subsistemas inicialmente separados por uma paredeadiabatica e que as temperaturas de cada um sao quase mas nao iguais, digamos T (1) > T (2).Suponhamos ainda que o sistema composto esta em equilıbrio com essa restricao interna. Se

Page 15: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.12. Equilıbrio mecanico 14

agora retirarmos a restricao adiabatica, o sistema deixa de estar em equilıbrio, o calor comeca afluir atraves da parede e a entropia do sistema composto aumenta. Se ∆S representar a diferencade entropia entre os estados inicial e final, temos que:

∆S > 0

Mas, como em (2.11.6), temos que:

∆S '(

1T (1)

− 1T (2)

)∆U (1) (2.11.8)

onde T (1) e T (2) sao os valores iniciais das temperaturas. Como T (1) > T (2) vemos que ∆U (1) < 0,o que significa que o calor e transferido do sistema (1) para o sistema (2), ou seja do mais quentepara o mais frio.

2.12 Equilıbrio mecanico

Consideremos agora um sistema fechado formado por dois sistemas simples separados por umaparede diatermica movel mas impermeavel ao fluxo de materia. Os valores dos numeros molaresestao fixos e permanecem constantes, mas os valores de U (1) e U (2) podem variar sujeitos maisuma vez apenas a condicao:

U (1) + U (2) = constante (2.12.1)

Os valores de V (1) e V (2) tambem podem variar sujeitos apenas a condicao:

V (1) + V (2) = constante (2.12.2)

O princıpio variacional garante que nao existe nenhuma variacao na entropia causada porum processo infinitesimal virtual que consista na transferencia de calor ao longo da parede ouem deslocamentos da parede. Assim

dS = 0

onde:

dS =∂S(1)

∂U (1)dU (1) +

∂S(1)

∂V (1)dV (1) +

∂S(2)

∂U (2)dU (2) +

∂S(2)

∂V (2)dV (2) (2.12.3)

Por (2.12.1) e (2.12.2) temos que respectivamente que:

dU (2) = −dU (1)

e:dV (2) = −dV (1)

Portanto:

dS =(

1T (1)

− 1T (2)

)dU (1) +

(P (1)

T (1)− P (2)

T (2)

)dV (1) = 0 (2.12.4)

Como esta expressao tem que se anular para valores arbitrarios e independentes de dU (1) e dV (1)

temos que ter:1

T (1)− 1

T (2)= 0

Page 16: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

2.13. Equilıbrio em relacao ao fluxo de materia 15

e:P (1)

T (1)− P (2)

T (2)= 0

que representam entao as condicoes de equilıbrio e que implicam:

T (1) = T (2)

eP (1) = P (2)

Notemos que a igualdade das temperaturas nao e mais do que o resultado ja obtido anteri-ormente e que a igualdade das pressoes resulta de ter sido introduzida uma parede movel.

2.13 Equilıbrio em relacao ao fluxo de materia

Este sera o ultimo exemplo onde e aplicado o princıpio variacional da entropia maxima. Con-sideremos o estado de equilıbrio de dois sistemas simples ligados por uma parede diatermicarıgida, permeavel a um certo tipo, digamos N1, de materia e impermeavel a todas as restantes,digamos N2, N3, . . . , Nr. Pretendemos encontrar os valores de equilıbrio de U (1) e U (2) e de N

(1)1

e N(2)1 .

A variacao da entropia no processo virtual adequado, e dada por:

dS =1

T (1)dU (1) − µ

(1)1

T (1)dN

(1)1 +

1T (2)

dU (2) − µ(2)1

T (2)dN

(2)1 (2.13.1)

e as condicoes de conservacao implicam que:

dU (2) = −dU (1)

e:dN

(2)1 = −dN

(1)1

Portanto:

dS =(

1T (1)

− 1T (2)

)dU (1) −

(1)1

T (1)− µ

(2)1

T (2)

)dN

(1)1 (2.13.2)

Como dS tem que se anular para valores arbitrarios e independentes de dU (1) e dN(1)1 ,

deduzimos as condicoes de equilıbrio:

1T (1)

=1

T (2)(2.13.3)

e:µ

(1)1

T (1)=

µ(2)1

T (2)(2.13.4)

e portanto tambem µ(1)1 = µ

(2)1 .

Da mesma forma que a temperatura pode ser vista como um “potencial” para o fluxo decalor e a pressao como um “potencial” para as variacoes de volume, tambem os potenciaiselectroquımicos podem ser vistos como “potenciais” para os fluxos de materia. A diferenca depotencial electroquımico fornece uma especie de “forca generalizada” para o fluxo de materia.A materia tende a fluir sempre das regioes de mais alto para as de mais baixo potencial elec-troquımico.

Page 17: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Capıtulo 3

Abordagem axiomatica daTermodinamica Classica

3.1 A primeira Lei e a energia interna

Para sermos mais breves nao vai ser feita nenhuma distincao entre um sistema termodinamicoe o conjunto de todos os seus estados de equılibrio. Ambos vao ser representados pelo mesmosımbolo, digamos M , e um estado x do sistema M e apenas um elemento x do conjunto M .

Definicao 3.1.1 ... Sejam x e y dois estados de um sistema M . Diz-se que y e (adia-baticamente) acessıvel a partir de x, e representa-se por x → y, quando o sistema M e capazde efectuar uma transicao adiabatica do estado x para o estado y. Caso contrario, diz-se que oestado y e inacessıvel a partir do estado x e escreve-se x 6→ y.

Uma vez que a transicao trivial, em que um sistema permanece num dado estado x sem que nadaaconteca, e claramente adiabatica temos que → e reflexiva, ou seja x → x, ∀x ∈ M . Alem disso,como uma transicao constituıda por duas transicoes adiabaticas sucessivas vai ser ela propriaadiabatica, entao a relacao → e transitiva, ou seja, se x, y e z sao estados de M que verificamx → y e y → z entao tambem x → z. Portanto e valido a seguinte:

Proposicao 3.1.1 ... A relacao de acessibilidade (adiabatica) → e uma relacao de pre-ordem em M , isto e, ∀x, y, z ∈ M :

x → x (reflexividade)

x → y e y → z ⇒ x → z (transitividade).

16

Page 18: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.1. A primeira Lei e a energia interna 17

Definicao 3.1.2 ... Sejam x e y estados de um sistema M . Diz-se que x e y saomutuamente acessıveis, e escreve-se x ↔ y, se x → y e y → x.

E claro que a relacao de acessibilidade mutua ↔ e uma relacao de equivalencia.

Definicao 3.1.3 ... Sejam M1,M2, . . . ,Mn uma coleccao finita de sistemas. Ao sis-tema M = M1 × M2 × · · · × Mn =

∏ni=1 Mi chama-se o (sistema) produto dos sistemas

M1,M2, · · · ,Mn.

Fısicamente, M e o sistema composto, constituıdo pelos subsistemas M1,M2, . . . ,Mn, iso-lados termicamente uns dos outros, isto e, separados por paredes adiabaticas. Os subsistemasnao necessitam de ser todos distintos, uma vez que esta contemplada a hipotese de dois ou maisdeles serem replicas exactas. Como a notacao sugere, o conjunto M e o produto cartesiano dosconjuntos M1,M2, . . . , Mn. Um estado x = (x1, x2, . . . , xn) de M e interpretado como sendo oestado do sistema composto M , para o qual cada um dos subsistemas Mi esta no estado xi. Deforma analoga, uma transicao em M nao e mais do que um n-uplo ordenado de transicoes, umapor cada um dos Mi. A quantidade de trabalho realizada por M ao longo de uma transicaoe a soma das quantidades de trabalho realizado por cada um dos Mi separadamente. Umatransicao e adiabatica, se nenhuma quantidade de calor for transferida com o exterior.Portanto,se x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , xn) sao estados de M =

∏ni=1 Mi, que verificam xi → yi em

Mi, para i = 1, . . . , n, entao x → y em M e vice-versa.

Postulado 3.1.1 [A Primeira Lei da Termodinamica] ... Seja M um sistema ter-modinamico. Entao:

1. Dados x e y em M , existe um elemento z em M tal que x → z e y → z. Por outraspalavras, M e um conjunto dirigido relativamente a relacao de pre-ordem →;

2. Esta definida no grafico da relacao →:

G = (x, y) ∈ M ×M : x → y

uma funcao com valores reais W (x, y), chamada funcao trabalho adiabatico do sistemaM , com a propriedade seguinte:

W (x, z) = W (x, y) + W (y, z), sempre que x → y → z (3.1.1)

3. Se M =∏n

i=1 Mi e se x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn) sao estados que satisfazemxi → yi, para i = 1, . . . , n, entao:

W (x, y) =n∑

i=1

Wi(xi, yi) (3.1.2)

onde Wi representa a funcao trabalho adiabatico do sistema Mi.

Page 19: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.1. A primeira Lei e a energia interna 18

O significado fısico do ponto 2. do postulado anterior e que a quantidade de trabalho realizadopor um ou num sistema, ao longo de uma transicao adiabatica, do estado inicial x para o estadofinal y, e sempre a mesma e portanto tem sempre o mesmo valor W (x, y). Esta afirmacao e aque se encontra quase sempre nos livros de Termodinamica como enunciado da primeira lei. Oponto 2., so por si proprio, nao implica a existencia da funcao energia interna, sendo por issonecessario complementa-lo com o ponto 1. do postulado, pois so assim e garantida a existenciade um numero suficiente de pares de estados ligados adiabaticamente. O ponto 3. do postuladogarante a aditividade do trabalho para transicoes adiabaticas de sistemas compostos da formaM =

∏ni=1 Mi, onde cada Mi efectua separadamente uma transicao adiabatica.

Supondo a veracidade da primeira lei da Termodinamica, tal como esta enunciada no pos-tulado anterior, podemos agora provar o seguinte:

Teorema 3.1.1 ... Para cada sistema termodinamico M , existe uma funcao com valoresreais U : M → IR, determinada a menos de uma constante aditiva, e chamada a energiainterna do sistema M , que satisfaz a propriedade seguinte:

W (x, y) = U(x)− U(y), sempre que x → y (3.1.3)

Se M =∏n

i=1 Mi, entao a funcao U do sistema M esta relacionada com as funcoes Ui, de cadasistema Mi, atraves de:

U(x1, . . . , xn) =n∑

i=1

Ui(xi) + constante (3.1.4)

Dem. Fixemos um qualquer elemento x0 de M . Dado x ∈ M vamos escolher y ∈ M tal

que x0 → y e x → y (M e um conjunto dirigido) e definir:

U(x) = W (x, y)−W (x0, y) (3.1.5)

Vamos comecar por mostrar que o membro direito de (3.1.5) nao depende da escolha do y, e queportanto U(x) esta bem definida (a menos da adicao de uma constante). Portanto queremosmostrar que W (x, y)−W (x0, y) = W (x, y′)−W (x0, y

′), para cada y e y′ que satisfacam x0 →y, x → y, x0 → y′, x → y′. Para provarmos isto, comecamos por notar que, sendo M umconjunto dirigido, podemos encontrar y′′ ∈ M satisfazendo y → y′′ e y′ → y′′. Agora

W (x, y′′)−W (x0, y′′) = W (x, y) + W (y, y′′) − W (x0, y) + W (y, y′′)

= W (x, y)−W (x0, y)

Da mesma forma:W (x, y′′)−W (x0, y

′′) = W (x, y′)−W (x0, y′)

e temos o resultado desejado.

Page 20: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.1. A primeira Lei e a energia interna 19

A seguir vamos mostrar que a funcao U(x) definida anteriormente, satisfaz a condicao (3.1.3).Para isso vamos escolher z ∈ M tal que x0 → z e y → z. Entao por transitividade vamos tertambem x → z e portanto:

U(x) = W (x, z)−W (x0, z)= W (x, y) + W (y, z)−W (x0, z)= W (x, y) + U(y)

como se pretendia. E obvio que esta condicao determina U a menos de uma constante aditiva.

Finalmente suponhamos que M =∏n

i=1 Mi, e sejam x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn)estados de M que satisfazem x → y. Vamos escolher para cada i um estado zi de Mi talque xi → zi e yi → zi. Entao x → z e y → z, onde z = (z1, . . . , zn). Assim W (x, z) =W (x, y) + W (y, z), isto e W (x, y) = W (x, z)−W (y, z). Portanto , pelo ponto 3. do postulado3.1.1, temos que:

W (x, y) =n∑

i=1

Wi(xi, zi)−n∑

i=1

Wi(yi, zi)

=n∑

i=1

Ui(xi)− Ui(zi) −n∑

i=1

Ui(yi)− Ui(zi)

=n∑

i=1

Ui(xi)− Ui(yi)

e portanto:

U(x1, . . . , xn) =n∑

i=1

Ui(xi) + constante

.

Quando um sistema realiza uma transicao adiabatica do estado x para o estado y, ele realizaa seguinte quantidade de trabalho sobre o exterior:

W (x, y) = U(x)− U(y) = −∆U

No entanto, para transicoes nao adiabaticas, a quantidade de trabalho realizada pelo sistemanao e, em geral, igual a esse decrescimo da sua energia interna. Isso conduz-nos entao a seguintedefinicao.

Definicao 3.1.4 ... Chama-se Calor absorvido pelo sistema M , ao longo de uma transicaode um estado x para um estado y, a quantidade:

Q = W + ∆U

= W + (U(y)− U(x)) (3.1.6)

onde ∆U = U(y)−U(x) representa o acrescimo de energia interna e W a quantidade de trabalhorealizado pelo sistema M sobre o exterior ao longo dessa transicao.

Page 21: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 20

E claro que Q = 0 para todas as transicoes adiabaticas. Por outro lado, uma transicao para aqual Q = 0 nao e necessariamente adiabatica, uma vez que um ganho de calor numa dada alturada transicao pode ser exactamente compensado por uma perca de calor numa outra altura. Aaditividade do trabalho e da energia interna para sistemas produtos, implicam a aditividade docalor.

3.2 A segunda Lei e a entropia empırica

Seguindo Caratheodory, vamos agora definir a nocao de sistema simples.

Postulado 3.2.1 [Sistemas simples] ... Existe uma classe de sistemas termodinamicos,chamados sistemas simples, com as seguintes propriedades:

1. Dados x, y ∈ M entao ou x → y ou y → x (ou ambos).

2. M tem uma estrutura natural de variedade diferenciavel C∞ conexa (sem bordo).

3. → e uma relacao fechada em M , isto e, o seu grafico e fechado em M ×M .

4. As classes de acessibilidade mutua de M sao subconjuntos conexos de M .

5. Existe um estado z de M tal que a funcao U definida em M por:

U(x) =

W (x, z) se x → z

−W (z, x) caso contrario

e C∞.

6. Existe uma 1-forma diferencial ω ∈ Ω1(M), definida em M , chamada a forma trabalho,tal que as 1-formas diferenciais dU e ω sao linearmente independentes, em cada ponto deM (em particular dimM ≥ 2).

7. x ↔ y se e so se x e y puderem ser unidos por uma curva γ, C∞ por pedacos em M , quee ψ-nula, isto e, ψ(γ) = 0 sempre que γ exista, onde:

ψdef= ω + dU (3.2.1)

e a chamada forma calor.

Para sistemas simples o ponto 1. substitui a condicao mais fraca do ponto 1. do postulado3.1.1. O ponto 3. requer que a relacao de pre-ordem → em M seja compatıvel com a topologiapostulada no ponto 2.. A condicao menos obvia do ponto 4. e necessaria de modo a podermosconstruir uma entropia empırica para M . E claro, pelo teorema 3.1.1, que a funcao U(x) doponto 5. pode ser identificada com a energia interna do sistema simples M . A escolha de zapenas vai afectar a constante aditiva arbitraria inevitavelmente presente na energia interna.

A interpretacao fısica do ponto 7. do postulado anterior e obtida comecando por notar quea curva C∞, γ em M , t → γ(t), definida num intervalo aberto em M , pode ser interpretada

Page 22: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 21

como uma curva que representa uma transicao quasi-estatica de M , ou seja, uma transicaoque decorre de forma suficientemente lenta para que M permaneca sensivelmente sempre emequilıbrio termodinamico, ao passar sucessivamente pelos estados de equilıbrio γ(t), a medidaque o tempo t avanca. A medida que o tempo aumenta de t1 para t2, o sistema simples Mrealiza a seguinte quantidade de trabalho mecanico:

W =∫

γω =

∫ t2

t1ω(γ(t)) dt (3.2.2)

Esta e alias a forma usual de definir a forma de trabalho ω, para a qual se usam muitas vezesos sımbolos ¢dW (Callen) ou δW (Abbott), de diferenciais “inexactas” (para exprimir que ¢dWou δW nao e a diferencial de uma hipotetica funcao W , como ja referimos no capıtulo anterior).Analogamente, a forma calor ψ, usualmente notada tambem por ¢dQ ou δQ, tem a propriedadede que a quantidade de calor absorvida por M ao longo de γ, quando o tempo aumenta de t1para t2, e dada por:

Q =∫

γψ =

∫ t2

t1ψ(γ(t)) dt (3.2.3)

Assim e claro que a transicao quasi-estatica γ de M sera adiabatica (isto e, nao envolvequalquer perda ou ganho de calor, em qualquer instante) se e so se ψ(γ) = 0 em todos ospontos de γ, isto e, sse a curva γ e ψ-nula. Se x = γ(t1) e y = γ(t2), onde γ e uma curvaψ-nula, entao claramente x → y, uma vez que γ representa uma transicao (quasi-estatica)adiabatica do estado x para o estado y. Como esta transicao e reversıvel e a respectiva transicaocontraria e ela propria adiabatica, vemos que y → x e portanto x ↔ y como no ponto 5..

Definicao 3.2.1 ... Um sistema composto e um sistema produto da forma

M =n∏

i=1

Mi (3.2.4)

onde n > 1, e cada um dos Mi sao simples.

Estamos agora em condicoes para enunciar a segunda lei da Termodinamica de uma formaque se aplica quer a sistemas simples, quer a sistemas compostos.

Postulado 3.2.2 [Princıpio de Caratheodory] ...

1. Seja M um sistema simples ou composto, x um qualquer estado de M e V uma qualquervizinhanca de x em M . Entao existe sempre um estado y de M em V tal que x 6→ y.

2. Dado um estado x de um sistema simples M , existe sempre um estado y ∈ M tal quey 6→ x.

3. Se M e um sistema simples com forma calor ψ, entao existe uma curva C∞, γ em M , talque ψ(γ) ≥ 0 para todos os pontos, e existem instantes t1 < t2 tais que γ(t2) 6→ γ(t1).

Page 23: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 22

Na realidade, na sua forma tradicional, o Princıpio de Caratheodory consiste apenas nacondicao 1.. No entanto deve ser suplementado pela condicao 2. de modo a ser possıvel construiruma entropia empırica suave, para cada sistema simples M . A condicao 3. e necessaria paraassegurar que um ganho quase-estatico de calor conduz a um aumento da entropia e portantoque todas as temperaturas absolutas vao ser positivas, como veremos mais a frente.

O uso de condicoes suplementares pode ser evitado se, em vez do postulado 3.2.2, usarmoso postulado seguinte, mais simples embora mais forte.

Postulado 3.2.3 [Princıpio de Kelvin] ... Seja M =∏n

i=1 Mi, n ≥ 1, um sistemacomposto - todos os Mi sao simples - e designemos por πi : M → Mi a projeccao no i-esimofactor. Seja γ uma curva C∞ em M , na qual π∗i ψi(γ) > 0 para todos os i, onde ψi e a formacalor de Mi.

Entao γ(t2) 6→ γ(t1) sempre que t1 < t2.

Nao e difıcil ver que o postulado anterior e apenas uma versao abstracta do Prıncipio deKelvin que nao admite a existencia de maquinas perpetuas do segundo tipo: “E impossıvelconstruir um motor que, operando num ciclo, efectue, sem qualquer outro efeito, extraccao decalor de um reservatorio com producao de uma quantidade de trabalho equivalente”.

De facto, suponhamos que o postulado 3.2.3 nao e valido. Isto significa que existe um sistemaM =

∏ni=1 Mi e uma curva γ, em M , que satisfaz π∗i ψi(γ) > 0 para todo i, e ainda um par de

numeros reais t1 e t2 tais que t1 < t2 e γ(t2) → γ(t1). A medida que t varia de t1 a t2, o pontoγ(t) descreve uma transicao reversıvel de M , do estado γ(t1) ao estado γ(t2). Durante essatransicao cada Mi move-se reversivelmente ao longo dos estados γi(t) = πiγ(t). Uma vez queψi(γi) = π∗i (ψi(γ) > 0, concluımos que cada componente simples de M absorve constantementecalor durante esta transicao reversıvel. Tendo concluıdo esta transicao reversıvel de γ(t1) a γ(t2),o sistema M pode agora retroceder de γ(t2) a γ(t1) atraves de uma transicao adiabatica. Oresultado final e portanto uma transicao de M , ao longo de um ciclo, no qual o calor absorvidodurante a fase quase-estatica e completamente convertido em trabalho mecanico. Por outraspalavras acabamos de construir uma maquina de movimento perpetuo do segundo tipo cujoenunciado de Kelvin para a segunda lei impede que exista.

Uma vez que o postulado 3.2.3 implica claramente o postulado 3.2.2, vamos basear todas asnossas proximas conclusoes no postulado 3.2.3. De facto, como veremos adiante (teorema 3.2.3),estes dois prıncipios sao equivalentes sendo portanto uma questao de gosto pessoal o uso de umou de outro.

O teorema seguinte, acerca da integrabilidade local das formas de Pfaff, e usado na abor-dagem de Caratheodory a termodinamica. A natureza local deste teorema implica que a provade Caratheodory sobre a existencia de uma entropia e de uma temperatura absoluta (globais)esteja incompleta. A demonstracao sera feita no apendice 3.6.

Teorema 3.2.1 ... Seja M uma variedade diferenciavel C∞ (de dimensao finita e sembordo), e ψ ∈ Ω1(M) uma 1-forma diferencial C∞ em M , que nunca se anula. Entao ascondicoes seguintes sao equivalentes:

Page 24: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 23

1. Dado x ∈ M , existe uma vizinhanca aberta V de x, em M , tal que qualquer vizinhancaW de x, em V , contem um ponto y que nao pode ser unido a x por um caminho γ, em V ,C∞ por pedacos, que satisfaz:

ψγ(t) = 0, (3.2.5)

sempre que γ estiver definida.

2.ψ ∧ dψ = 0 (3.2.6)

3. Dado x ∈ M , existe uma vizinhanca aberta V de x, em M , tal que a restricao ψ|V de ψa V e da forma

ψ|V = f dg (3.2.7)

onde f, g ∈ C∞(V ).

Definicao 3.2.2 ... 1. Se M e um sistema simples, entao uma entropia empıricalocal para M , e uma funcao C∞ com valores reais, sV , definida num aberto V ⊆ M com apropriedade de que, para estados x e y em V , sV (x) ≤ sV (y) ⇔ x → y.

2. Se M e um sistema simples, entao uma entropia empırica global para M , e umafuncao C∞ com valores reais, S, definida em M com a propriedade de que S(x) ≤ S(y) ⇔ x → y,∀x, y ∈ M .

O que pretendemos agora mostrar, e que e exactamente o conteudo da segunda lei, e queexistem funcoes C∞, λ e S, definidas em M , tais que:

ψ = λdS (3.2.8)

onde S e uma entropia empırica C∞ para M e λ e sempre positiva. No entanto, de acordocom o teorema 3.2.1, e como ja referimos, apenas podemos garantir a existencia local de taisfuncoes. Nada nos garante que, na ausencia de quaisquer outras informacoes, essa existenciaseja global. Poderıamos pensar que tal iria acontecer se a variedade M fosse topologicamentesuficientemente simples, por exemplo simplesmente conexa. Tal nao acontece como mostra oseguinte exemplo, em que M e contractil.

Exemplo 3.2.1 ... Seja M o plano IR2, e seja ψ a 1-forma diferencial:

ψ = y3(1− y)2 dx + [y3 − 2(1− y)2] dy (3.2.9)

Entao ψ e sempre diferente de zero e satisfaz obviamente a condicao do ponto 2. do teorema3.2.1, isto e, ψ ∧ dψ = 0. No entanto, as funcoes f e g nao existem definidas globalmente emM , mas apenas localmente. Com efeito, suponhamos que ψ = fdg, onde f e g sao funcoes C∞,definidas no plano. Entao para 0 < y < 1, g devera ser da forma:

g(x, y) = h

(x +

1y2

+1

1− y

)

Page 25: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 24

onde h e uma funcao C∞ de uma variavel real. A funcao f e portanto dada, nessa mesma faixa,por:

f(x, y)h′(

x +1y2

+1

1− y

)= y3(1− y)2

Uma vez que f e contınua e sempre diferente de zero, temos que:

f(x, y) → f(x, 0) 6= 0 quando y → 0 por valores superiores

e:f(x, y) → f(x, 1) 6= 0 quando y → 1 por valores inferiores

Consequentemente t3/2h′(t) e t2h

′(t) tem ambos que tender para limites finitos diferentes de

zero, quando t →∞, o que e impossıvel.

O que pretendemos mostrar de seguida e que a existencia de uma entropia empırica contınuae a existencia de factores de integracao locais para ψ implicam a existencia de um factor deintegracao global, convertendo ψ na diferencial de uma entropia empırica (diferenciavel). Oargumento usado nao usa o conceito da temperatura. No entanto, se assumirmos que existeuma escala de temperatura empırica, estes resultados fornecem o ponto de partida necessariopara os argumentos usuais que levam a existencia de uma entropia propria e de uma escalade temperatura absoluta. Uma vantagem desta aproximacao e a de que nao vai ser necessarianenhuma prova separada do prıncipio do crescimento da entropia uma vez que a verdadeiraentropia e uma funcao estritamente crescente da entropia empırica obtida aqui.

Comecemos por ver que, sob determinadas hipoteses adicionais, existe uma entropia empırica(global) contınua.

Ja foi visto que a relacao de acessibilidade mutua e uma relacao de equivalencia em M .Vamos chamar as correspondentes classes de equivalencia classes de acessibilidade mutua,e vamos representar por Σ = M/↔, o conjunto formado por todas essas classes. Consideremosainda a projeccao natural π : M → Σ, que associa a cada estado de M a unica classe deacessibilidade mutua, π(x), a qual pertence x. Entao → passa ao quociente para induzir umarelacao de ordem em Σ, que, para simplificar a notacao, vamos tambem representar por→. Estarelacao fica definida, sem ambiguidade, por:

π(x) → π(y) ⇔ x → y

Vamos agora supor que a relacao de pre-ordem →, em M , satisfaz as seguintes quatrocondicoes:

1. ∀x, y ∈ M entao x → y ou y → x.

2. Se x, y ∈ M e x 6→ y, entao existe uma vizinhanca V de x e uma vizinhanca W de y talque:

x′ ∈ V, e y′ ∈ W ⇒ x′ 6→ y′.

Page 26: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 25

3. ∀x ∈ M existe um y ∈ M tal que x 6→ y.

4. ∀x ∈ M existe um y ∈ M tal que y 6→ x.

A condicao 1, que e bastante razoavel para sistemas do tipo dos considerados, garante que Σe um conjunto totalmente ordenado para a relacao →. A condicao 2 e apenas uma condicao decontinuıdade relacionando a relacao de pre-ordem → com a topologia de M . Traduz o facto deque → e uma relacao fechada em M . As condicoes 3 e 4 indicam-nos respectivamente que naoexiste nem maximo nem mınimo em M e consequentemente Σ nao vai ter nem supremo nemınfimo e portanto, em particular, Σ vai ser um conjunto infinito. Estas duas ultimas condicoestem como consequencia fısica que M nao vai ter nenhum estado com entropia maxima nemnenhum estado com entropia mınima.

Vamos agora mostrar que as condicoes 1,2,3 e 4 implicam a existencia de uma entropiaempırica, global e contınua em M .

Seja τ a topologia de ordem em Σ, isto e a topologia menos fina em Σ para a qual a relacao→ e fechada, e seja τ ′ a topologia quociente em Σ, isto e a topologia mais fina em Σ para a quala projeccao natural π : M → Σ e contınua. Concluımos a partir da condicao 2 que τ e maisfraca que τ ′, ou seja a aplicacao identidade

ι : (Σ, τ ′) → (Σ, τ)

e contınua. Assim (Σ, τ) e a imagem de M , um espaco conexo separavel, pela aplicacao ι π, oque implica que (Σ, τ) e tambem conexo e separavel. Como Σ e um conjunto infinito totalmenteordenado sem supremo nem ınfimo e como τ e uma topologia de ordem, resulta que existe umhomeomorfismo h, que preserva a ordem, de (Σ, τ) num intervalo aberto de IR, que podemossupor ser, por exemplo, o intervalo ]0,∞[. Definindo

σ = h ι π : M →]0,∞[

vemos que σ e uma entropia empırica global contınua em M .

Vamos agora mostrar que, sob as hipoteses atras referidas, M admite tambem uma entropiaempırica global C∞.

Teorema 3.2.2 ... A 1-forma calor ψ de um sistema simples M pode sempre ser escritana forma ψ = λ dS, onde λ ∈ C∞(M) e (estritamente) positiva e S ∈ C∞(M) e uma entropiaempırica C∞ definida em M .

Dem. A demonstracao vai ser subdividida em duas partes: (i). primeiro vamos mostrar

a existencia de entropias empıricas locais C∞ e (ii). finalmente, faremos a construcao de umaentropia empırica global C∞.

(i). Passemos entao a primeira parte da demonstracao. A partir de agora vamos assumirque o espaco separavel conexo M e uma variedade diferenciavel C∞ de dimensao finita sembordo. Nesta parte da demonstracao vamos deduzir, a partir da primeira e segunda lei datermodinamica e de alguns dados suplementares, que existe uma cobertura por abertos V de M ,tal que, em cada elemento V de V, vai estar definida uma entropia empırica local C∞, sV , cujadiferencial nunca se anula. Em particular as classes de acessibilidade mutua sao subvariedadesde M , C∞, de codimensao 1.

Page 27: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 26

Ja vimos anteriormente que uma transicao de um sistema M diz-se reversıvel se se processade forma tao lenta que, em cada momento, o sistema esta em equilıbrio termodinamico. Vimosainda que qualquer transicao reversıvel de um sistema M pode ser representada por uma curvaC∞, γ : [0, 1] → M , e tambem que:

(A). “Existe uma 1-forma diferencial C∞, ψ = dU + ω em Ω1(M), a forma calor, quenunca se anula e que tem a a propriedade seguinte: uma curva C∞ por pedacos, γ em M ,representa uma possıvel transicao adiabatica reversıvel de M se e so se ψ(γ(t)) = 0, sempre queγ exista”.

(B). “Dado um qualquer ponto x ∈ M e uma vizinhanca V de x em M , existe um pontoy ∈ V ⊂ M tal que x 6→ y.”

Esta ultima condicao (B)., que e a versao de Caratheodory da segunda lei, implica que cadaponto x ∈ M satisfaz uma das duas condicoes mutuamente exclusivas:

(C). “Toda a vizinhanca de x contem pontos y tais que x 6→ y e pontos z tais que z 6→ x”.

ou:

(D). “x tem uma vizinhanca que consiste apenas de pontos y que satisfazem y → x”.

Dizemos que os pontos sao do tipo C ou D, consoante verificam (C). ou (D)., respectivamente.Por razoes tecnicas vamos ainda assumir que:

(E). “As classes de acessibilidade mutua sao subconjuntos conexos de M”.

Notemos agora que, como consequencia imediata de (B). e (A)., a 1-forma calor ψ satisfaz acondicao (3.6.1) do teorema 3.2.1. Portanto vai satisfazer a condicao (3.6.3) do mesmo teorema,ou seja, dado x ∈ M , vai existir uma vizinhanca aberta V de x em M tal que

ψ|V = λV dsV

onde λV e sV sao funcoes C∞ em V . Como dsV e sempre nao nula em V , podemos supor, semperda de generalidade, que existe um sistema de coordenadas locais em M , (x1, . . . , xn), definidoem V tal que xn = sV e todos os pontos de V sao representados neste sistema por pontos dabola aberta:

x21 + x2

2 + . . . + x2n ≤ 1

cujo centro correponde ao ponto x.

Se y e z sao pontos de V tais que sV (y) = sV (z) entao e obvio que y e z podem ser unidospor uma curva C∞, γ, em V na qual sV e constante e portanto, como ψ|V = λV dsV , ondeψ(γ) ≡ 0, resulta do ponto (A). que esta curva e a sua inversa correspondem ambas a possıveistransicoes adiabaticas de M . Assim y ↔ z e portanto σ(y) = σ(z), onde σ representa a entropiaempırica contınua atras construıda. Logo σ(y) = fsV (y) para y ∈ V , onde f e uma funcaoreal contınua definida no intervalo aberto ]− 1, 1[ (recordemos que, no sistema de coordenadasescolhido, sV = xn e −1 ≤ xn ≤ 1).

Resulta entao do ponto (B). que a funcao f nao pode ter nenhum mınimo local, ou sejanao existe nenhum ponto s0 ∈] − 1, 1[ tal que f(s) ≥ f(s0) para todo s pertencente a algumavizinhanca ]s0−δ, s0 +δ[ de s0 em ]−1, 1[. De facto, suponhamos que existia um tal s0, e seja x0

um ponto de V para o qual sV (x0) = s0. Entao todo o ponto da vizinhanca s−1V ]s0− δ, s0 + δ[de

x0 e acessıvel a partir de x0 (note-se que σ e uma entropia empırica) o que contradiz o ponto(B)..

Como f nao tem mınimo local, resulta que ou:

Page 28: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 27

(F). “f e estritamente monotona”.

ou:

(G). “f tem um maximo ξ em ]− 1, 1[, e estritamente crescente em ]− 1, ξ] e estritamentedecrescente em [ξ, 1[”.

Suponhamos entao que (F). nao se verifica. Seja 4 o triangulo aberto

4 = (s, t) ∈ IR2 : −1 < s < t < 1.

Consideremos a funcao contınua com valores reais F definida em 4 por:

F (s, t) = f(t)− f(s).

Como f nao e estritamente monotona, a funcao F toma, quer valores positivos quer valoresnegativos. Portanto anula-se em algum ponto do espaco conexo 4, ou seja existem s1 e s2 taisque

−1 < s1 < s2 < 1, f(s1) = f(s2).

Como f nao tem nenhum mınimo local no intervalo aberto ]s1, s2[, concluımos que f atingeo seu supremo no intervalo fechado [s1, s2], num ponto ξ interior a esse intervalo. Entao e claroque f tem um maximo local em ξ. Alem disso, f e estritamente crescente em ] − 1, ξ] porque,caso contrario era possıvel encontrar s′ e s′′ tais que

−1 < s′ < s′′ ≤ ξ, f(s′) ≥ f(s′′).

Assim o ınfimo de f em [s′, ξ] seria atingido num ponto interior, o qual seria entao um mınimolocal de f . Da mesma forma mostramos que f e estritamente decrescente em [ξ,1[, e portantoverifica-se a condicao (G)..

Portanto existe uma cobertura por abertos V, de M , e para cada V ∈ V uma funcao C∞,sV definida em V sem pontos crıticos e tal que:

σ|V = f sV

onde f e uma funcao contınua que satisfaz uma das duas condicoes (F). ou (G)., anteriores.Notamos que se a condicao (F). for valida entao todos os pontos de V sao do tipo C, enquantoque se for valida a condicao (G). todos os pontos y de V , para os quais σ(y) = ξ, sao agora dotipo D e os restantes do tipo C.

O proximo passo consiste entao em provar que nao existem pontos do tipo D e que portantoa condicao (F). e valida para cada V ∈ V. Mudando o sinal de sV , se for necessario, podemossupor que f e uma funcao estritamente crescente e portanto que sV e uma entropia local C∞

definida em V .

Vamos entao mostrar que nao podem existir pontos do tipo D.

Seja x um ponto arbitrario de M , Ax a classe de acessibilidade mutua a que pertence x.Vamos agora mostrar que os pontos de Ax ou sao todos de tipo C ou todos de tipo D. Seja AC

x

o conjunto dos pontos de Ax de tipo C, e ADx o conjunto dos pontos de tipo D em Ax. Entao

Ax e uniao disjunta de ACx e AD

x . Mas ACx e AD

x sao ambos subconjuntos abertos de Ax. Logoa famılia Ax ∩ V de todos os conjuntos da forma Ax ∩ V , para V ∈ V, e uma cobertura de Ax

por abertos, e cada conjunto de Ax ∩ V ou e constituıdo exclusivamente por pontos do tipo C

Page 29: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 28

ou por pontos do tipo D. Como Ax e um conjunto conexo, concluımos que um dos conjuntosAC

x ou ADx , tem que ser vazio.

Suponhamos agora que x e um ponto do tipo D. Entao, como acabamos de ver, Ax e con-stituıdo apenas por pontos do tipo D. Consideremos agora o subconjunto Mx de M , nao vazio,formado por todos os pontos y que verificam y → x. Resulta da condicao 2 que Mx e umsubconjunto fechado de M ; mas e tambem um subconjunto aberto de M . Para mostrarmosisto, suponhamos que y ∈ Mx. Entao ou x 6→ y, caso em que resulta da condio 2 que existeuma vizinhanca de y constituıda apenas por pontos inacessıveis a partir de x, ou y ↔ x, casoem que y e do tipo D e portanto vai existir uma vizinhanca de y constituıda apenas por pontosa partir dos quais y e portanto x sao acessıveis. Como M e conexo resulta que Mx = M , ouseja, y → x, ∀y ∈ M . Mas isto contradiz a condicao 3. Concluımos entao que nao vao existirpontos do tipo D, o que termina a prova da primeira parte da demonstracao.

(ii). Passemos agora a segunda parte da demonstracao, onde iremos construir uma entropiaempırica global diferenciavel.

Em primeiro lugar vamos mostrar que existe em ]0,∞[ uma estrutura C∞ diferenciavel D′,que difere em geral da estrutura usualD, relativamente a qual σ e uma submersao C∞ de M sobrea variedade diferenciavel ]0,∞[,D′. Uma vez que duas quaisquer estruturas diferenciaveis em]0,∞[ sao equivalentes, seremos entao capazes de construir uma entropia global C∞, S definidaem M sem pontos crıticos.

Para qualquer conjunto V de V, o conjunto σ(V ) e um intervalo aberto I, uma vez que ea imagem do intervalo aberto ] − 1, 1[ pela funcao contınua estritamente crescente f , que estaassociada a V . Como V e uma cobertura por abertos de M , segue que o conjunto I formadopor esses intervalos I, constitui uma cobertura por abertos de ]0,∞[. Para cada I ∈ I vamosescolher V ∈ V tal que σ(V ) = I e vamos definir sI como sendo a unica entropia empırica localdefinida em σ−1(I) tal que sI |V = sV . Por definicao sI e C∞ em V . O que iremos agora mostrare que sI e C∞ em σ−1(I).

Seja t um ponto de I, e E o conjunto de todos os pontos x de σ−1(t) tais que sI e C∞ nalgumavizinhaca de x em σ−1(I). Como V ∩ σ−1(t) 6= ∅, E e nao vazio e E e um subconjunto abertode σ−1(t) por definicao. Tambem vai ser um subconjunto fechado de σ−1(t). Para mostrarmosesta ultima afirmacao, consideremos x ∈ E e uma vizinhanca W de x em V. Entao, uma vezque sI e sW sao ambas entropias empıricas locais em W ∩ σ−1, segue que sI(y) = FsW (y)para y ∈ W ∩ σ−1(I), onde F e uma funcao estritamente crescente definida no intervalo abertosW W ∩ σ−1(I). Mas x ∈ E e logo W contem um ponto y de E. Assim sI e C∞ nalgumavizinhaca de y em W ∩ σ−1(I). Segue que F e C∞ num intervalo aberto J que contem ospontos que verificam sW (x) = sW (y). Portanto sI e C∞ na vizinhanca aberta s−1

W (J) de x emσ−1(I) e logo x ∈ E. Portanto concluımos que E e um subconjunto nao vazio aberto e fechadodo subespaco σ−1(t) de M . Mas σ−1(t) e uma classe de acessibilidade mutua e portanto e umconjunto conexo, pela hipotese (E).. Consequentemente E = σ−1(t), ou seja, sI e C∞ numavizinhanca de cada ponto de σ−1(t). Como t era um ponto arbitrario de I, segue que sI e umafuncao C∞ definida em σ−1(I).

Como sI e uma entropia empırica local C∞ definida em σ−1(I), resulta que sI(x) = ϕIσ(x)para x ∈ σ−1(I), onde ϕI e uma funcao contınua estritamente crescente definida em I. Se I e Jpertencerem a I e I∩J 6= ∅, entao sI e sJ sao ambas C∞ em σ−1(I∩J). Consequentemente ϕJ (ϕI |I∩J)−1 e uma funcao contınua estritamente crescente C∞ definida em ϕI(I∩J). Segue entaoque a famılia de cartas locais I, ϕII∈I constituem um atlas para uma estrutura diferenciavel

Page 30: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.2. A segunda Lei e a entropia empırica 29

C∞, D′ em ]0,∞[ e σ e uma aplicacao C∞ de M na variedade diferenciavel ]0,∞[,D′.A seguir vamos construir um difeomorfismo g, que preserva a ordem, de ]0,∞[,D′ em

]0,∞[,D. Seja fαα∈A uma particao C∞ da unidade, na variedade ]0,∞[,D′, subordinadaa cobertura por abertos I de ]0,∞[. Para cada α ∈ A, escolhemos um intervalo Iα de I, contendoo suporte de fα e escrevemos ϕIα = ϕα. Agora ]0,∞[ e uma variedade de dimensao 1 e portantotoda a 1-forma diferencial em ]0,∞[,D′ e fechada. Mais, ]0,∞[ e contractil, e portanto todaa 1-forma fechada em ]0,∞[,D′ e exacta. Assim toda a 1-forma C∞ em ]0,∞[,D′ e exacta.Em particular, vai existir uma funcao g0 em ]0,∞[,D′tal que:

α∈A

fαdϕα = dg0.

Uma vez que cada ϕα e uma funcao estritamente crescente, resulta que g0 e tambem umafuncao estritamente crescente, e claramente g0 e um difeomorfismo de ]0,∞[,D′ num intervaloaberto de numeros reais com a sua estrutura diferenciavel usual. Compondo g0 com qualquerdifeomorfismo que preserve a ordem em ]0,∞[,D′, vamos obter uma funcao estritamentecrescente g, que e um difeomorfismo (C∞) de ]0,∞[,D′ em ]0,∞[,D.

Uma vez que g e uma funcao estritamente crescente resulta que a aplicacao C∞, S = g σ deM em ]0,∞[,D e uma entropia empırica global C∞ em M . Mais, S nao tem pontos crıticos,ou seja dS nunca se anula. De facto, S pode ser expressa em cada conjunto V da coberturade abertos V de M como uma funcao C∞ estritamente crescente da correspondente entropiaempırica local C∞, sV , e dsV nunca se anula em V . Resulta da condicao (A). que ψ = λ dS,onde λ e uma funcao definida em M , C∞, que nunca se anula, cuja inversa e portanto um factorde integracao global de ψ.

Teorema 3.2.3 ... O Princıpio de Caratheodory e de Kelvin sao equivalentes.

Dem. E imediato que o princıpio de de Kelvin 3.2.3 implica o princıpio de Caratheodory

3.2.2.

Suponhamos agora que o princıpio de de Kelvin 3.2.3 nao se verifica. Entao para algumsistema simples ou composto M =

∏ni=1 Mi, e possıvel encontrar uma curva C∞, γ em M , tal

que π∗i ψi(γ) > 0, ∀i, e um par de numeros reais t1 e t2 tais que t1 < t2 e γ(t2) → γ(t1). Entaoψi(γi) > 0 para cada i, onde γi = πi γ e a projeccao da curva γ em em Mi. Mas ψi = λidsi

pelo teorema anterior, onde λi > 0 e si e a entropia empırica para Mi. Portanto temos quedsi(γi) = d

dt [siγi(t)] > 0, logo siγi(t1) < siγi(t2), sempre que t1 < t2. Consequentementeγi(t2) 6→ γi(t1) uma vez que si e uma entropia empırica para Mi. Assim os estados x =(x1, . . . , xn) = γ(t2) e z = (z1, . . . , zn) = γ(t1) de M satisfazem xi 6→ zi, para cada i, apesar dex → z. Seja V = V1 × . . .× Vn onde Vi e uma vizinhanca de xi em Mi que consiste de todos osyi tais que zi → yi. Entao z → y para algum y ∈ V . Como x → z, resulta que x → y para todoo y na vizinhanca V de x em M , o que contradiz o Princıpio de Caratheodory.

Page 31: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 30

3.3 A lei zero e a temperatura empırica

Sejam M e N sistemas simples, x um estado de M e y um estado de N . Entao o par ordenado(x, y) e um estado do sistema produto M × N . Suponhamos agora que o sistema M × N ,inicialmente no estado (x, y), realiza uma transicao adiabatica no decurso da qual a barreiraentre M e N e tornada diatermica, de modo a permitir trocas de calor, e depois e reposta nasua condicao adiabatica original, apos ter deixado de existir fluxo de calor.

Definicao 3.3.1 ... Diz-se que os sistemas simples M e N , relativamente aos seus esta-dos iniciais x e y, estao em equilıbrio termico ou estao a mesma temperatura, e escreve-sex ∼ y, quando, apos uma transicao do tipo atras descrito, o estado final do sistema M × Ncontinua a ser (x, y).

Vemos de imediato que a relacao ∼ e simetrica e a Lei Zero da Termodinamica vai garantirque tambem e reflexiva e transitiva e portanto e uma relacao de equivalencia definida no conjuntodos estados de sistemas simples.

Postulado 3.3.1 (A Lei Zero) ... A relacao ∼ e uma relacao de equivalencia nos es-tados dos sistemas simples.

Definicao 3.3.2 ... As classes de equivalencia de ∼, chamam-se classes de equılibriotermico. Chamam-se isotermicas de M as classes de equivalencia da restricao da relacao ∼aos estados do sistema simples M .

Assim dois estados de M tem a mesma temperatura se e so se pertencem a mesma isotermicade M , enquanto que um estado x de um sistema simples M tem a mesma temperatura que umestado y de um outro sistema simples N , se e so se x e y pertencem a mesma classe de equılibriotermico.

Uma vez que nao estamos a assumir que todo o sistema simples possa atingir todas astemperaturas, ou seja que tenha estados em cada classe de equılibrio termico, nem sempree possıvel, para um dado sistema simples M , estar em equilıbrio termico com outro sistemasimples N .

Definicao 3.3.3 ... Dois sistemas simples M e N dizem-se compatıveis se existir umestado x ∈ M e um estado y ∈ N , tais que x ∼ y. Caso contrario os sistemas dizem-seincompatıveis. Tres ou mais sistemas simples dizem-se mutuamente compatıveis se existiruma classe de equılibrio termico que contenha um estado de cada.

Page 32: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 31

A Lei Zero, tal como esta enunciadada, nao e suficiente para garantir a existencia de umaescala de temperatura empırica, isto e, de uma correspondencia biunıvoca entre as classesde equılibrio termico e o conjunto dos numeros reais. Para tal vamos suplementa-la com algu-mas nocoes auxiliares que envolvem um tipo especial de sistemas simples a que vamos chamartermometros. Quando uma escala de temperatura empırica for finalmente construıda, resul-tara que um termometro M tera a propriedade de que a temperatura (empırica) sera uma funcaosuave definida em M sem pontos crıticos. Em particular as isotermicas de M sao subvariedadesde M de codimensao 1.

De seguida vamos usar frequentemente a nocao de soma M +N , de dois sistemas simplescompatıveis M e N . Trata-se de uma composicao dos sistemas M e N , a semelhanca do queera feito com o produto M ×N , mas difere deste ultimo porque a barreira que separa M e N ediatermica. Assim M e N podem trocar calor livremente e portanto as suas temperaturas saoiguais para todos os estados de equilıbrio do sistema M + N . Mais formalmente, os estados dosistema M + N constituem o subconjunto de M ×N definido por:

M + Ndef= (x, y) ∈ M ×N : x ∼ y (3.3.1)

As transicoes adiabaticas de M + N podem tambem ser identificadas com um subconjuntode transicoes adiabaticas de M × N - a uma dada transicao adiabatica de M + N associamosa transicao adiabatica de M ×N obtida da seguinte forma: primeiro transformamos a barreiraadiabatica de M × N em diatermica, de modo a transformar o sistema em M + N , depoisdeixamos que M + N realize a transicao adiabatica dada, e finalmente, tornamos de novo abarreira adiabatica, de modo a voltarmos de M + N para M ×N .

Como e suposto que a energia necessaria para transformar uma barreira adiabatica emdiatermica, e vice-versa, e negligenciavel, deduzimos a partir da primeira lei, que a energiainterna U de M + N e a restricao a M + N da energia interna de M ×N , isto e:

U(x, y) = UM (x) + UN (y) + constante, (x, y) ∈ M + N (3.3.2)

onde UM e UN sao as energias internas de M e N respectivamente.

A razao porque e necessario introduzir a nocao de termometro e porque, em geral a soma dedois sistemas simples nao e um sistema simples. Um termometro e essencialmente um sistemasimples que, ao ser considerado na soma com outro sistema simples, permite obter ainda umsistema simples.

Postulado 3.3.2 [Termometros] ... Existe uma classe de sistemas simples a que cha-mamos termometros com as seguintes propriedades:

1. Se M e um sistema simples e N e um termometro compatıvel com M , entao

M + N = (x, y) ∈ M ×N : x ∼ y

e uma subvariedade conexa fechada C∞ de M ×N , de codimensao 1, com a propriedadede que a restricao a M + N da projeccao πM : M × N → M , e uma submersao. Emparticular as isotermicas de N sao subvariedades fechadas de N de codimensao 1. A somaM + N e um sistema simples, cuja funcao trabalho adiabatico e forma trabalho sao dadaspor:

WM+N (x1, y1; x2, y2) = WM (x1, x2) + WN (y1, y2),

Page 33: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 32

ωM+N = (π∗MωM + π∗NωN )|M+N

Se M for um termometro tambem o sera M + N .

2. Existe uma famılia finita ou numeravel de termometros tal que cada classe de equilıbriotermico contem um estado de algum elemento desta famılia.

3. Os termometros nao podem ser separados em duas classes disjuntas nao vazias tais quenenhum termometro da primeira classe seja compatıvel com algum dos termometros dasegunda classe.

4. Existe uma famılia infinita de classes de equilıbrio termico tais que, dado um termometroM e um estado x ∈ M , existe uma vizinhanca V de x em M que intersecta quando muitouma das classes de equilıbrio termico da famılia.

5. Para cada termometro M , a forma calor ψ e tal que dψ nunca se nula em M e a restricaode dψ, a uma isotermica qualquer de M , tambem nunca se nula.

A necessidade das condicoes 2, 3 e 4, prende-se com o facto de nao termos assumido queum dado sistema simples pode atingir todas as temperaturas. Apesar de cada termometroindividualmente apenas se restringir a um certo intervalo de temperaturas, parece razoavelimpor, como na condicao 2, a existencia de um numero suficiente de termometros de modo aque seja possıvel cobrir todas as possıveis temperaturas. A condicao 1 e apenas uma reformulacaocuidada da afirmacao usual de que a igualdade de temperaturas entre sistema simples e dada peloanulamento de uma funcao diferenciavel. Quando M e N sao conjuntos abertos de IRm e IRn,respectivamente, M +N pode ser visualizada como uma hipersuperfıcie em IRm+n = IRm× IRn,e a condicao de que (πM )|M+N seja uma submersao significa que cada hiperplano tangente aessa hipersuperfıcie deve projectar-se sobre todo o IRm.

A aditividade da funcao trabalho adiabatico e da forma trabalho sao requesitos fısicos obviose implicam imediatamente a aditividade da energia interna e da forma calor, isto e, que:

UM+N = (UM πM + UN πN )|M+N

ψM+N = (π∗MψM + π∗NψN )|M+N

O nosso objectivo agora e o de demonstrar a existencia de uma escala de temperaturaempırica, o que faremos no teorema 3.3.1. Para ja algumas definicoes previas.

Definicao 3.3.4 ... Se M e um sistema simples e V e um subconjunto aberto de M ,entao uma temperatura empırica local (C∞) em V , e uma funcao real (C∞) θV , definidaem V , tal que:

∀x, y ∈ V, x ∼ y se e so se θV (x) = θV (y)

Uma temperatura empırica local C∞, θV , definida em V ⊂ M , diz-se regular se nao tem pontoscrıticos em V , isto e se dθV (x) 6= 0, ∀x ∈ V .

Page 34: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 33

Definicao 3.3.5 ... Se M e N sao dois sistemas simples, (nao necessariamente distin-tos), entao um subconjunto V de M e um subconjunto W de N dizem-se em equilıbrio termicose todo o x ∈ V verifica x ∼ y, para algum y ∈ W , e todo o y′ ∈ W verifica y′ ∼ x′, para algumx′ ∈ V , isto e, se os dois subconjuntos cobrem o mesmo intervalo de temperaturas.

Definicao 3.3.6 ... Uma temperatura empırica local, θV , definida em V ⊂ M e umatemperatura empırica local, θW , definida em W ⊂ N , dizem-se adaptaveis se os subconjuntosabertos V e W estao em equilıbrio termico e se, alem disso, θV (x) = θW (y) e uma condicaonecessaria e suficiente para que um ponto x ∈ V e um ponto y ∈ W verifiquem x ∼ y:

θV (x) = θW (y) ⇔ x ∼ y, x ∈ V, y ∈ W

.

Lema 3.3.1 ... Sejam M e N termometros compatıveis, x∗ e y∗ estados de M e Nsatisfazendo x∗ ∼ y∗, V ∗ e W ∗ vizinhancas abertas de x∗ e de y∗ em M e N , respectivamente.Entao existem vizinhancas abertas em equilıbrio termico V e W , de x∗ e y∗ em V ∗ e W ∗,respectivamente, e um par adaptavel de temperaturas empıricas locais regulares C∞, θV emV ⊂ M e θW em W ⊂ N .

Dem. Uma vez que M + N e uma subvariedade de M × N , resulta que existe uma

vizinhanca aberta V0 de x∗ em M , uma vizinhanca aberta W0 de y∗ em N e uma funcao C∞, gdefinida em V0 ×W0 tal que:

∀x ∈ V0, ∀y ∈ W0, x ∼ y se e so se, g(x, y) = 0 (3.3.3)

Podemos supor, sem perda de generalidade que V0 e W0 sao vizinhancas contidas em V ∗

e W ∗ respectivamente, nas quais estao definidos sistemas de coordenadas locais (x1, . . . , xm) e(y1, . . . , yn), para M e N respectivamente. Podemos ainda supor que este sistema de coorde-nadas locais esta centrado em x∗ e y∗ respectivamente, isto e, x∗ e representado em termos dascoordenadas locais (x1, . . . , xm) pela origem de IRm e y∗ e representado em termos das coor-denadas locais (y1, . . . , yn) pela origem de IRn. Por abuso de notacao podemos identificar ospontos (x, y) ∈ V0 ×W0 com os pontos (x1, . . . , xm, y1, . . . , yn) ∈ IRm+n que os representam, eusar o mesmo sımbolo funcional g para a funcao g expressa em termos das m +n variaveis reaisx1, . . . , xm, y1, . . . , yn.

Uma vez que M e N sao ambos termometros, as restricoes a M + N das duas projecoesnaturais do produto topologico M × N sao ambas submersoes. Daqui segue que ∂g/∂xi 6= 0,para pelo menos um dos i, e ∂g/∂yj 6= 0, para pelo menos um dos j, no ponto (x∗, y∗), eportanto, por continuidade, numa vizinhanca deste ponto. De facto podemos assumir, semperda de generalidade que ∂g/∂x1 6= 0 e ∂g/∂y1 6= 0 em V0 × W0. O teorema da funcaoimplıcita garante-nos agora que vai existir uma vizinhanca aberta W1 de y∗ em N , contida emW0, tal que para y = (y1, . . . , yn) em W1, a equacao:

g(x1, 0, . . . , 0; y1, . . . , yn) = 0

Page 35: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 34

tem uma unica solucao x1 = θN (y1, . . . , yn), onde θN e uma funcao C∞ definida em W1. Clara-mente θN e uma temperatura empırica local C∞ para N em W1. Como:

∂θN

∂y1= −

(∂g

∂y1

) (∂g

∂x1

)−1

6= 0

deduzimos que θN e regular.

Uma segunda aplicacao do teorema da funcao implıcita garante-nos que vai existir umavizinhanca aberta V de x∗ em M , contida em V0, tal que para x = (x1, . . . , xn) em V , aequacao:

g(x1, . . . , xm; y1, 0, . . . , 0) = 0

tem uma unica solucao y1 ≡ y1(x1, . . . , xm), com (y1, 0, . . . , 0) ∈ W1, onde y1 e uma funcao C∞

definida em V . Pondo:

θV (x1, . . . , xm) = θN (y1(x1, . . . , xm), 0, . . . , 0),

vemos que θV e uma temperatura empırica local C∞ em V com a propriedade de que:

θV (x1, 0, . . . , 0) = x1

para todo x1 tal que (x1, 0, . . . , 0) ∈ V . As condicoes do lema sao agora satisfeitas se tomarmospara W a vizinhanca aberta θ−1

N θV (V ) de y∗ em N , contida em W1 e para θW a restricao de θN

a W .

Corolario 3.3.1 ... Podemos escolher para cada termometro M uma cobertura por aber-tos VM de M e uma famılia de funcoes θV , uma para cada V ∈ VM , de tal modo que θV sejauma temperatura empırica local C∞ de M em V .

Agora precisamos de ”colar” estas temperaturas empıricas locais de modo a produzir uma es-cala de temperatura empırica, isto e, uma correspondencia biunıvoca entre as classes de equilıbriotermico e os numeros reais.

Seja Θ o conjunto de todos os as classes de equilıbrio termico e, para cada sistema simplesM , seja $M : M → Θ a projecao natural que leva cada estado de M na unica classe deequilıbrio termico a que pertence. Pelo ponto 2 do postulado 3.3.2, temos que cada elementode Θ esta no contradomınio de $M , para algum termometro M . Vamos munir Θ da topologiafinal determinada pela famılia de funcoes $M para todos os termometros M , isto e, a topologiamais fina para a qual estas aplicacoes sao todas contınuas.

A existencia de uma escala de temperatura empırica C∞ vai ser entao garantida assim queprovarmos que e possıvel munir Θ de uma estrutura diferenciavel C∞ que o torna difeomorficoa recta real, de tal modo que $M : M → Θ seja uma funcao C∞, para todo o sistema simplesM .

Page 36: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 35

Lema 3.3.2 ... Para cada termometro M , $M e uma aplicacao aberta.

Dem. Seja V um qualquer subconjunto aberto de M . Para mostrarmos que $M (V ) e

um aberto de Θ, temos que mostrar que $−1N $M (V ) e um subconjunto aberto em N , para cada

termometro N .

Seja y∗ um qualquer ponto de $−1N $M (V ) (assumindo que e nao vazio), x∗ um qualquer

ponto de V tal que $M (x∗) = $N (y∗). Como V e um aberto, resulta do lema 3.3.1 quepodemos encontrar vizinhancas abertas em equilıbrio termico, V ′ e W ′, de x∗ e y∗ em M e N ,tais que V ′ ⊂ V . Como:

$N (W ′) = $M (V ′) ⊂ $M (V )

temos que:W ′ ⊂ $−1

N $M (V )

e portanto W ′ e uma vizinhanca aberta de y∗ em N contida em $−1N $M (V ). Uma vez que y∗

e um ponto arbitrario de $−1N $M (V ), segue que $−1

N $M (V ) e um subconjunto aberto de N .

Lema 3.3.3 ... Θ e um espaco Hausdorff.

Dem. Sejam θ1 e θ2 dois pontos distintos de Θ. Pelo ponto 2 do postulado 3.3.2, existem

estados x∗ e y∗ de termometros M e N , respectivamente, tais que θ1 = $M (x∗) e θ2 = $N (y∗).Se M e N forem incompatıveis, entao $M (M) e $N (N) sao conjuntos abertos disjuntos em Θcontendo θ1 e θ2, respectivamente. Se por outro lado M e N forem compatıveis entao o ponto 1do postulado 3.3.2 garante-nos que M + N e um subconjunto fechado de M ×N . Assim, umavez que (x∗, y∗) 6∈ M + N , existem vizinhancas abertas V e W de x∗ e y∗ em M e N tais que:

(V ×W ) ∩ (M + N) = ∅Neste caso $M (V ) e $N (W ) sao vizinhancas abertas disjuntas em Θ de θ1 e θ2, respectivamente.

Lema 3.3.4 ... Θ e uma variedade de dimensao 1, sem bordo, onde pode ser definidauma estrutura diferenciavel C∞, que faz com que $M seja uma aplicacao C∞, para todo otermometro M .

Dem. Para cada termometro M , sejam VM a cobertura por abertos de M e θV a

temperatura empırica regular C∞ para V ∈ VM, escolhidas de acordo com o corolario 3.3.1.Entao e claro que os conjuntos $M (V ) para todos os termometros M e para todos os V ∈ Vconstituem uma cobertura por abertos de Θ. Como a restricao $M |V , de $M a V , e umaaplicacao contınua aberta de V no subespaco aberto $M (V ) de Θ, resulta que $M (V ) transportaa topologia quociente determinada por esta aplicacao. A aplicacao aberta contınua θV de V nosubconjunto aberto θV (V ) de IR passa entao ao quociente, para definir uma outra aplicacaoaberta contınua θV de $M (V ) em θV (V ), nomeadamente a unica aplicacao θV : $M (V ) :→

Page 37: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 36

θV (V ) tal que θV $M |V = θV . Uma vez que θV e uma temperatura empırica local, a aplicacaoθV e biunıvoca. Portanto θV e um homeomorfismo do conjunto aberto $M (V ) ∈ Θ no conjuntoaberto θV (V ) ∈ IR.

Suponhamos agora que M e N sao termometros compatıveis, e consideremos conjuntosV ∈ VM e W ∈ VN , tais que:

$M (V ) ∩$N (W ) 6= ∅

Vamos provar que os homeomorfismos correspondentes θV : $M (V ) :→ θV (V ) e θW :$N (W ) :→ θW (W ) sao tais que θW θ−1

V e um difeomorfismo C∞ de θV ($M (V )∩$N (W )) emθW ($M (V )∩$N (W )), onde θV e θW representam as restricoes de θV e θW a $M (V )∩$N (W ).Por simetria e suficiente provar que θW θ−1

V e uma funcao C∞. Seja θV (x∗) = θV ($N (y∗))um ponto arbitrario de θV ($M (V ) ∩ $N (W )), onde x∗ ∈ V , y∗ ∈ W e x∗ ∼ y∗. Pelo lema3.3.1, podemos encontrar temperaturas empıricas locais C∞, regulares e adaptadas, θM e θN

para M e N em vizinhancas abertas em equilıbrio termico V ′ e W ′ de x∗ e y∗ contidas em V eW , respectivamente. Como θM e θV |V ′ sao ambas temperaturas empıricas locais C∞ regularespara M em V ′ e θN e θW |W ′ sao ambas temperaturas empıricas locais C∞ regulares para N emW ′, podemos escrever:

θM = f θV |V ′ e θW |W ′ = g θN

onde f e g sao funcoes C∞ de uma variavel real. Uma vez que:

θW θ−1V |θV (V ′) = g f,

vemos que θW θ−1V e C∞ na vizinhaca aberta θV (V ′) do ponto arbitrario θV (x∗) de θV ($M (V )∩

$N (W )), isto e θW θ−1V e uma funcao C∞. Podemos entao tomar todos os pares da forma

($M (V ), θV ), onde M e um termometro e V ∈ VM , como cartas locais de um atlas para umaestrutura diferenciavel C∞ de dimensao 1 em Θ, e e claro entao que $M e uma aplicacao C∞

em relacao a esta estrutura diferenciavel, para todo o termometro M .

Lema 3.3.5 ... $M e uma aplicacao C∞, para todo o sistema simples M .

Dem. Seja M um sistema simples e x∗ um qualquer estado de M . Entao existe um

estado y∗ de algum termometro N tal que x∗ ∼ y∗, isto e, $M (x∗) = $N (y∗). Seja W umavizinhanca aberta de y∗ em N pertencente a VN . Para provar este lema, apenas temos deencontrar uma vizinhanca aberta V de x∗ em M , contida em $−1

M $N (W ), tal que θW $M |Vseja uma funcao C∞. Sejam V ′ e W ′ vizinhancas abertas de x∗ e y∗ em M e N com W ′ ⊂ W ,nas quais estao definidos sistemas de coordenadas locais (x1, . . . , xn) e (y1, . . . , yn), centradosem x∗ e y∗, respectivamente. Suponhamos ainda que a condicao x ∼ y e dada para x ∈ V ′ ey ∈ W ′ por g(x, y) = 0, onde g e uma funcao C∞ definida em V ′×W ′. Uma vez que a restricaode πM : M × N → M a M + N e uma submersao, temos que ∂g/∂yi 6= 0, para pelo menosum dos ındices i, no ponto (x∗, y∗), e portanto, por continuidade, numa vizinhanca deste ponto.Podemos entao assumir, sem perda de generalidade, que ∂g/∂y1 6= 0 em V ′ ×W ′. Segue entaodo teorema da funcao implıcita que existe uma vizinhanca aberta V de x∗ em M contida em

Page 38: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.3. A lei zero e a temperatura empırica 37

V ′, tal que para x = (x1, . . . , xn) ∈ V , vai existir um unico y = (y1, 0, . . . , 0) ∈ W ′ satisfazendog(x, y) = 0, sendo y1 uma funcao de x, C∞ em V . Para x ∈ V temos portanto que:

θW $M (x) = θW $N (y1(x1, . . . , xm), 0, . . . , 0)= θW (y1(x1, . . . , xm), 0, . . . , 0) (3.3.4)

e portanto θW $M |V e uma funcao C∞ como se pretendia.

Lema 3.3.6 ... A variedade diferenciavel C∞ de dimensao 1, Θ e difeomorfica a IR.

Dem. Resulta do ponto 2 do postulado 3.3.2 que Θ satisfaz o segundo axioma da

numerabilidade. E portanto paracompacto. Uma vez que tambem e conexo pelo ponto 3 dopostulado 3.3.2, e difeomorfico ou ao cırculo ou a recta real. A primeira possibilidade e excluıdaem virtude do ponto 4 do postulado 3.3.2, que implica que Θ e nao compacto.

Estamos finalmente aptos a demonstrar a existencia de uma escala de temperatura empırica,apos todos estes preliminares.

Teorema 3.3.1 ... Existe uma escala de temperatura empırica C∞, para todos ossistemas simples, isto e, a cada sistema simples M , podemos associar uma funcao real C∞, θM

em M , de tal forma que um estado x de um sistema simples M e um estado y de um sistemasimples N satisfazem:

x ∼ y ⇔ θM (x) = θN (y)

Esta escala de temperatura tem a propriedade de que quando o sistema simples M e um termometro,a escala de temperatura θM nao tem pontos crıticos.

As classes de equilıbrio termico podem portanto ser indexadas por um parametro real θ detal modo que θ varia suavemente com os estados de um sistema simples.

Dem. De acordo com o lema 3.3.6, existe um difeomorfismo C∞, h, de Θ em IR. As

funcoes θM definidas para todos os sistemas simples M por θM = h $M vao satisfazer todasas condicoes do teorema. Estabelecemos entao a existencia para cada sistema simples M deuma temperatura empırica C∞, θM , e ja sabemos do teorema 3.2.2 que M possui uma entropiaempırica C∞, sM , tal que ψM = λMdsM , onde ψM e a forma calor e λM e sempre positiva. Onosso proximo passo e construir uma temperatura absoluta e uma entropia propria.

Se M for um termometro as funcoes C∞, sM e θM , sao ambas regulares, isto e as suasdiferenciais sao sempre diferentes de zero. De facto resulta do ponto 5 do postulado 3.3.2 quedsM e dθM sao sempre linearmente independentes. Podemos portanto envolver cada ponto x∗

de M por uma vizinhanca aberta V na qual esta definido um sistema de coordenadas locais(C∞) (x1, . . . , xn), com x1 = sM e x2 = θM . Esta vizinhanca V pode ser escolhida de modoque o sistema de coordenadas seja rectangular. Um sistema de coordenadas locais deste tipovai ser chamado de sistema de coordenadas standard e a correspondente vizinhaca V de

Page 39: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 38

vizinhanca standard de x∗. Se M e N forem termometros compatıveis e x∗ ∈ M e y∗ ∈ Nsatisfazem x∗ ∼ y∗, entao claramente que encontramos uma vizinhanca standard V de x∗ e umavizinhanca standard W de y∗ tal que V e W estao em equilıbrio termico, isto e θM (V ) = θN (W ).

3.4 Temperatura absoluta e entropia

Ate agora estabelecemos, a partir da primeira e da segunda lei, a existencia de uma entropiaempırica C∞, sM , para cada sistema simples M , e a partir da lei zero, de uma escala detemperatura empırica para a qual a temperatura empırica θM de um sistema simples M e umafuncao C∞ em M . De facto os lemas 3.3.1 a 3.3.6 implicam ja a existencia de uma entropiapropria (entropia metrica) e uma escala de temperatura absoluta, como vamos ver de seguida.

Definicao 3.4.1 ... Seja M um termometro e V um subconjunto aberto conexo de M .Uma temperatura absoluta local para M em V e uma funcao com valores reais (estri-tamente) positiva C∞, TV , definida no intervalo aberto θM (V ) com a propriedade de que a1-forma diferencial (TV θM |V )−1 ψM

∣∣V e exacta.

Notamos que apesar de chamarmos a TV temperatura absoluta local em V , ela nao vai seruma funcao definida em V mas antes uma funcao definida num intervalo aberto de IR.

Proposicao 3.4.1 (Existencia) ... Sejam M e N dois termometros compatıveis, x∗ ey∗ estados de M e N que satisfazem x∗ ∼ y∗, V e W vizinhancas abertas de x∗ e y∗ em Me N respectivamente. Entao existem vizinhancas abertas conexas V ′ e W ′ de x∗ e y∗ em M eN , respectivamente, satisfazendo V ′ ⊂ V , W ′ ⊂ W , θM (V ′) = θN (W ′) = I, e uma funcaoC∞ positiva TI , definida no intervalo aberto I, que e simultaneamente uma temperatura localabsoluta para M em V ′ e uma temperatura local absoluta para N em W ′.

Dem. Sejam V ′ e W ′ vizinhancas standard, em equilıbrio termico, de x∗ e y∗ em M e

N que satisfazem V ′ ⊂ V , W ′ ⊂ W . Uma vez que:

ψM = λMdsM , ψN = λNdsN e ψM+N = λM+NdsM+N ,

pelo teorema 3.2.2, resulta do ponto 1 do postulado 3.3.2 que:

λM+NdsM+N = (λMdsM + λNdsN )|M+N ,

onde as funcoes λM e sM estao a ser identificadas com as correspondentes funcoes λM πM esM πN em M × N e de forma similar para λN e sN . Podemos portanto escrever sM+N =f(sM , sN ) em (M + N) ∩ (V ′ ×W ′), onde f e uma funcao C∞ definida num rectangulo abertono plano (sM , sN ), tal que:

∂f

∂sM=

λM

λM+N,

∂f

∂sN=

λN

λM+N

Page 40: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 39

Escrevendo λM em termos das coordenadas locais standard (sM , θM , x3, . . . , xm) em V ′, eλN em termos das coordenadas locais standard (sN , θN , y3, . . . , yn) em W ′, vemos que:

λM (sM , θM , x3, . . . , xm) =(

∂f(sM , sN )∂sM

) (∂f(sM , sN )

∂sN

)−1

λN (sN , θN , y3, . . . , yn)

Resulta entao que λM e independente de x3, . . . , xm e e uma funcao apenas de sM e θ. Damesma forma, λN e uma funcao apenas de sN e θ. Podemos portanto escrever:

λM (sM , θ)λN (sN , θ)

=(

∂f(sM , sN )∂sM

) (∂f(sM , sN )

∂sN

)−1

Como o membro direito e independente de θ, temos que:

λM (sM , θ)λN (sN , θ)

=λM (sM , θ0)λN (sN , θ0)

,

onde θ0 = θM (x∗) = θN (y∗), isto e:

λM (sM , θ)λM (sM , θ0)

=λN (sN , θ)λN (sN , θ0)

O membro esquerdo desta equacao e independente de sN e o membro direito e independentede sM . O valor comum dos dois membros vai ser portanto uma funcao (positiva C∞) apenas deθ, digamos TI(θ). Entao:

λM (sM , θ) = φM (sM )TI(θ),

λN (sN , θ) = φN (sN )TI(θ),

onde φM (sM ) = λM (sM , θ0) e φN (sN ) = λN (sN , θ0) sao funcoes positivas C∞. Sejam ΦM eΦN primitivas de φM e φN , respectivamente, e definimos funcoes C∞ SM e SN em V ′ e W ′ porSM = ΦM (sM ) e SN = ΦN (sN ). Entao e claro que:

ψM |V ′ = (λMdsM )|V ′ = TI θM |V ′ dSM

e:ψN |W ′ = (λNdsN )|W ′ = TI θN |W ′ dSN ,

isto e TI e uma temperatura local absoluta para M em V ′ e para N em W ′.

Proposicao 3.4.2 (Unicidade) ... Se M e um termometro, V um subconjunto abertoconexo em M , TV e TV temperaturas locais para M em V , entao TV = aTV , onde a e umaconstante positiva.

Page 41: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 40

Dem. Por hipotese:

ψM |V = (TV θM |V ) dSV = (TV θM |V ) dSV ,

onde SV e SV sao funcoes C∞ em V . Seja θ∗ um qualquer ponto do intervalo aberto θM (V ), x∗

um ponto em V tal que θM (x∗) = θ∗ e W uma vizinhanca standard de x∗ contida em V . Umavez que ψM = λM dsM onde λM e uma funcao positiva C∞, podemos escrever SV = f(sM ) eSV = g(sM ) em W , onde f e g sao funcoes C∞ estritamente crescentes definidas no intervaloaberto sM (W ) com:

f ′(sM ) = λM (sM , θM , x3, . . . , xm)TV (θM )−1,

g′(sM ) = λM (sM , θM , x3, . . . , xm)TV (θM )−1.

Portanto:f ′(sM )g′(sM )

=TV (θM )TV (θM )

= constante

Assim a funcao positiva C∞ TV (θ)TV (θ)−1 e constante na vizinhanca θM (W ) do pontoarbitrario θ∗ de θM (V ), isto e , e localmente constante em θM (V ). Mas o intervalo aberto θM (V )e conexo. A funcao TV (θ)TV (θ)−1 e portanto constante no seu domınio de definicao θM (V ).

Tendo estabelecido a existencia e unicidade das temperaturas absolutas locais, vamo-nosagora voltar para o problema de as ”colar” de forma a produzir uma escala de temperaturaabsoluta.

Proposicao 3.4.3 ... Existe uma funcao (estritamente) positiva C∞, T (θ) em IR, coma propriedade de que T (θ) tem, a menos de uma constante multiplicativa, os mesmos valoresque qualquer temperatura absoluta local nos seus domınios de definicao.

Dem. Seja θ um qualquer numero real. Entao, pela proposicao 3.4.1, podemos encontrar

um termometro M , um estado x∗ de M tal que θM (x∗) = θ, e uma vizinhanca aberta conexa Vde x∗ em M na qual esta definida um temperatura absoluta local TV para M . TV e uma funcaoC∞ positiva, definida na vizinhanca aberta θM (V ) de θ. Se N for um segundo termometro, y∗

um estado de N tal que θN (y∗) = θ e W uma vizinhanca aberta conexa de y∗ na qual estadefinida uma temperatura absoluta local TW , entao TW e tambem uma funcao C∞, positiva,definida numa vizinhanca aberta de θ. De facto as duas funcoes TV e TW sao iguais a menosde uma constante multiplicativa positiva num intervalo aberto que contem θ, como vamos agoraprovar. Pela Proposicao 3.4.1, existem vizinhancas abertas conexas V ′ e W ′ de x∗ e y∗ em M eN tais que V ′ ⊂ V , W ′ ⊂ W , θM (V ′) = θN (W ′) = I, e uma funcao positiva C∞, TI , definidano intervalo aberto I que e uma temperatura absoluta local para M em V ′ e para N em W ′.Pela proposicao 3.4.2, TI = aTV |I = bTW |I , onde a e b sao constantes positivas. Isto prova anossa afirmacao.

Page 42: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 41

Teorema 3.4.1 ... Existe uma funcao C∞ estritamente positiva e estritamente monotona,T (θ) de uma variavel real θ, determinada a menos de uma constante multiplicativa positiva, coma propriedade de que ψM = TM dSM para cada sistema simples M , onde ψM e a forma calorem M , TM = T θM , e SM e uma entropia empırica C∞ para M . Se N e um termometrocompatıvel com M , entao:

SM+N = (SM πM + SN πN )|M+N + constante

onde πM e πN sao a primeira e segunda projeccao do espaco topologico producto M ×N .

Dem. Temos que mostrar que para todo o sistema simples M , a funcao TM = T θM

satisfaz ψM = TM dSM , onde SM e uma entropia empırica C∞ para M .

Vamos em primeiro lugar considerar o caso em que M e um termometro. Neste caso umatemperatura local absoluta TV para M , num aberto conexo V , pode ser sempre expressa naforma TV = aT |θM (V ), para uma dada constante positiva a. Consequentemente a 1-formadiferencial:

(T−1M ψM )|V = a(TV θM |V )−1ψM |V

em V e exacta. A 1-forma diferencial T−1M ψM e portanto localmente exacta, ou seja fechada.

Mas ψM = λMdsM pelo teorema 3.2.2, onde λM e positivo e sM e uma entropia empırica C∞

para M . Portanto:

0 = d(T−1M ψM ) = d(λMT−1

M dsM ) = d(λMT−1M ) ∧ dsM

logo:d(λMT−1

M ) = µdsM

para alguma funcao real C∞ µ em M . Mas, de acordo com o ponto 4 da definicao 3.2.1 assuperfıcies de nıvel de sM , isto e, as classes de acessibilidade mutua de M , sao conexas. Afuncao λMT−1

M vai ser portanto constante em cada isentropica de M , isto e λMT−1M e uma

funcao apenas de sM , digamos:λMT−1

M = fM sM

Se FM e uma primitiva da funcao C∞ fM e SM = FMsM , entao claramente ψM = TMdSM .Como fM e sempre positiva, FM e uma funcao estritamente crescente, e portanto a funcao C∞,SM , vai ser uma entropia empırica para M .

Resulta do ponto 4 do postulado 3.3.2 que:

dψM = dTM ∧ dsM = T ′(θM )dθM ∧ dSM

e sempre diferente de zero, e portanto a funcao positiva C∞, T , e estritamente monotona umavez que a sua derivada tem sempre o mesmo sinal - se tal nao se verificasse, T nao daria origema uma escala de temperatura propria.

A seguir vamos provar que ψM = TMdSM , onde SM e uma entropia empırica C∞, mesmoquando o sistema simples M nao e um termometro.

Seja x∗ um qualquer ponto de M . Entao x∗ ∼ y∗ para algum estado y∗ de algum termometroN . Ja estabelecemos que ψN = TNdSN para alguma entropia empırica C∞, SN , em N .

Page 43: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 42

Tambem ψM = λMdsM e ψM+N = λM+NdsM+N , pelo teorema 3.2.2, onde λM e λM+N

sao positivas e sM e sM+N sao entropias empıricas C∞. Portanto, como foi visto na prova daproposicao 3.4.1, temos que:

λM+NdsM+N = (λMdsM + TNdSN )|M+N .

Vamos agora escolher sistemas de coordenadas locais rectangulares (x1, . . . , xm) para M e(y1, . . . , yn) para N , definidas em vizinhacas abertas V e W de x∗ e y∗, respectivamente, ondex1 = sM , y1 = SN , y2 = TN e V e suficientemente pequeno de modo a verificar TM (V ) ⊂TN (W ). Entao podemos tomar (sM , . . . , xm, SN , TN , y3, . . . , yn) como sistema de coordenadaslocais na vizinhanca (V ×W ) ∩ (M + N) de (x∗, y∗) em M + N , onde esta subentendido quepara um conjunto de valores destas coordenadas vai corresponder o ponto (x, y) de V × W ,onde x e o ponto de V de coordenadas (sM , x2, . . . , xm) e y e o ponto de W de coordenadas(SN , TM (sM , x2, . . . , xm), y3, . . . , yn). Nesta vizinhanca vemos que sM+N e uma funcao apenasde sM e sN , com:

∂sM+N

∂sM=

λM (sM , x2, . . . , xm)λM+N (sM , x2, . . . , xm, SN , TM , y3, . . . , yn)

,

∂sM+N

∂SN=

TM (sM , x2, . . . , xm)λM+N (sM , x2, . . . , xm, SN , TM , y3, . . . , yn)

.

Assim,λM (sM , x2, . . . , xm)TM (sM , x2, . . . , xm)

=(

∂sM+N

∂sM

) (∂sM+N

∂SN

)−1

onde o membro direito e uma funcao apenas de sM e SN , e portanto o membro esquerdo vai serapenas uma funcao de sM , digamos:

λMT−1M = φM (sM ).

PortantoψM = TMφM (sM )dsM = TMΦM (sM )

em V , onde ΦM e uma primitiva da funcao C∞, φM . Assim, a 1-forma diferencial T−1M ψM

e exacta numa vizinhanca aberta V de um ponto arbitrario x∗ de M , isto e T−1M ψM e uma

forma fechada. Concluımos entao, como no caso especial em que M era um termometro, queψM = TMdSM , onde SM e uma entropia empırica C∞ para M .

Assim temos que a funcao T (θ) satisfaz todos as condicoes do teorema 3.4.1 A sua unicidadea menos de uma constante multiplicativa e consequencia imediata da proposicao 3.4.2.

Suponhamos finalmente que M e um sistema simples e que N e um termometro compatıvelcom M . Uma vez que:

ψM+N = (π∗MψM + π∗NψN )|M+N

pelo ponto 1 do postulado 3.3.2, temos que:

TM+NdSM+N = (TM πM )d(SM πM ) + (TN πN )d(SN πN )|M+N ,

Page 44: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 43

e portanto:dSM+N = d(SM πM ) + d(SN πN )|M+N ,

logoSM+N = (SM πM + SN πN )|M+N + constante

Definicao 3.4.2 ... A escala de temperaturas baseada nas funcoes TM = T θM paratodos os sistemas simples M e chamada escala de temperatura absoluta e e determinada amenos de uma constante multiplicativa positiva. Se M e um sistema simples e ψM = TMdSM ,entao a funcao SM , determinada a menos de uma constante aditiva, e chamada a entropia(metrica) do sistema M .

As classes de acessibilidade mutua de um sistema simples M , surgem agora como as su-perfıcies de nıvel de uma funcao C∞, nomeadamente a entropia SM . Chamar-se-ao, de agoraem diante, as Isentropicas de M . O facto de que:

SM+N (x, y) = SM (x) + SN (y) + constante

sempre que M e um sistema simples e N e um termometro compatıvel com M , significa muitosimplesmente que a entropia e aditiva. Uma vez que M + N e uma subvariedade de M × N ,isto sugere a seguinte definicao de entropia de um sistema composto:

Definicao 3.4.3 ... Para um sistema da forma:

M =n∏

i=1

Mi

onde os Mi sao sistemas simples, a entropia e a funcao S definida, a menos de uma constanteaditiva, por:

S(x1, . . . , xn) =n∑

i=1

Si(xi) (3.4.1)

onde Si e a entropia de Mi.

Para um sistema simples M , a entropia SM e uma entropia empırica, isto e:

x → y ⇔ SM (x) ≤ SM (y).

Resulta entao que qualquer sistema simples obedece ao princıpio do crescimento da entropia,isto e, a entropia de um qualquer sistema simples cresce sempre (em sentido lato) ao longo deuma transicao adiabatica. No entanto, e um facto que resulta da experiecia, que o princıpio do

Page 45: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 44

crescimento da entropia e universal - permanece valido nao apenas para sistemas simples mastambem para sistemas cuja temperatura e nao uniforme. Por outras palavras:

x → y ⇒ SM (x) ≤ SM (y)

para todos os sistemas onde a entropia SM possa ser definida. A implicacao contraria:

SM (x) ≤ SM (y) ⇒ x → y

e, em geral, falsa a nao ser que M seja um sistema simples, pois num sistema que nao sejasimples podemos ter dois estados x e y para os quais nem x → y nem y → x. Neste caso SM

nao e uma entropia empırica e de facto M nao possui uma entropia empırica.

Vamos agora provar, a partir dos nossos postulados, que o princıpio do crescimento daentropia e valido para sistemas compostos, sujeitos a certas imposicoes. Uma dessas restricoese a de que os sistemas compostos tem que ser da forma:

M =n∏

i=1

Mi

onde os sistemas simples Mi sao mutuamente compatıveis e pelo menos n − 1 dos Mi saotermometros. Para um tal sistema M , a entropia S e dada por (3.4.1), e resulta do teorema3.1.1 que a energia interna U e, de forma analoga, dada por:

U(x1, . . . , xn) =n∑

i=1

Ui(xi) (3.4.2)

A forma trabalho ω e a forma calor ψ de M vao analogamente ser definidas em funcao dasde Mi por:

ω =n∑

i=1

π∗i ωi

ψ =n∑

i=1

π∗i ψi (3.4.3)

onde πi e a i-esima projeccao πi :∏n

k=1 Mk → Mi.

Ao mesmo tempo que consideramos o sistema produto M podemos tambem considerar osistema soma correspondente:

N = M1 + M2 + . . . + Mn =n∑

i=1

Mi

Fısicamente este sistema consiste dos sistemas simples Mi, separados por particoes diatermicas.Matematicamente, N e o subconjunto de M formado pelos pontos (x1, . . . , xn) tais que x1 ∼ x2 ∼. . . ∼ xn. Supondo, sem perda de generalidade, que M2,M3, . . . , Mn sao termometros, vemosque N pode ser obtido a partir de M1 por adiccao sucessiva dos termometros M2,M3, . . . , Mn.Assim N = Nn, onde Nk e definido indutivamente para 1 ≤ k ≤ n por:

N1 = M1, Nk = Nk−1 + Mk, (k > 1).

Page 46: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 45

Resulta do ponto 1 postulado 3.3.2, que N e um sistema simples, correspondente a umasubvariedade conexa C∞ (sem bordo) de M , de codimensao n − 1, e que a energia interna,entropia, forma trabalho e forma calor de N derivam das de M por restricao.

Vamos agora ver que os sistemas compostos M , com as restricoes atras mencionadas, obe-decem a seguinte forma restrita do princıpio do crescimento da entropia:

Lema 3.4.1 ... Sejam x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , xn) estados de M =∏n

i=1 Mi taisque:

1. x → y

2. O produto topologico das isentropicas de yi intersecta N

3. Dado δ > 0, existe um estado z = (z1, . . . , zn) de N tal que

Si(xi)− δ < Si(zi) < Si(xi), ∀i

Entao:S(x) ≤ S(y) (3.4.4)

Dem. Suponhamos contrariamente que S(y) = S(x) − δ onde δ > 0. Pelo ponto 2. vai

existir um estado y′ = (y′1, . . . , y′n) de N tal que Si(y′i) = Si(yi), ∀i. Em particular yi → y′, paracada um dos sistemas simples Mi, e portanto y → y′ em M . Tambem y′i → yi para cada um dossistemas simples Mi e portanto y′ → y em M . Sendo assim tem-se S(y) = S(y′). Pelo ponto 3.vai existir um estado z = (z1, . . . , zn) de N tal que:

Si(xi)− n−1δ < Si(zi) < Si(xi), ∀i.Portanto:

S(z) > S(x)− δ = S(y) = S(y′).

Mas N e um sistema simples e a restricao de S a N e uma entropia empırica para N .Consequentemente y′ → z para N e portanto tambem para M , uma vez que uma transicaoadiabatica para N pode ser considerada como uma transicao adiabatica para M , conforme jafoi visto. Combinando os resultados anteriores com o ponto 1., vemos que existem estadosx, y, y′ e z de M que satisfazem:

x → y → y′ → z.

Resulta entao que se z′ e um qualquer estado de M pertencente a vizinhanca:

n∏

i=1

S−1i [Si(zi),+∞]

de x em M , entao:

x → z → z′

Page 47: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 46

o que contradiz o princıpio de Caratheodory, mais especificamente o ponto 1. do postulado 3.2.2.Concluımos entao que S(x) ≤ S(y).

Vamos agora provar a seguinte versao local do princıpio do crescimento da entropia, para osestados de sistemas compostos cujos componentes simples estao praticamente a mesma temper-atura.

Corolario 3.4.1 ... Seja z = (z1, . . . , zn) um qualquer estado de N . Entao existe, paracada i, uma vizinhanca Vi de zi, em Mi, tal que S(x) ≤ S(y), para todos os estados x e y de Mem V1 × . . .× Vn que satisfazem x → y.

Dem. Uma vez que x e y satisfazem o ponto 1. do lema 3.4.1, e suficiente provar

que tambem satisfazem os pontos 2. e 3.. Ora pelo menos n − 1 dos subsistemas Mi, digamosM2,M3, . . . , Mn, sao termometros. Resulta do ponto 5 do postulado 3.3.2 que podemos construir,para cada i > 1, um sistema de coordenadas locais C∞ para Mi, definido numa vizinhancaaberta Vi de zi, na qual Ti e Si sao duas das coordenadas locais. Podemos assumir, sem perdade generalidade, que a vizinhanca aberta Vi e rectangular, isto e, que e representada em termosdas suas proprias coordenadas locais por um subconjunto aberto de um espaco Euclideano, quepode ser expresso como o produto topologico de intervalos abertos, um para cada coordenadalocal. Definindo:

V1 = T−11 T2(V2) ∩ T3(V3) ∩ . . . ∩ Tn(Vn)

vemos de imediato que qualquer ponto de V1 × . . . × Vn satisfaz o ponto 3. e qualquer ponto yde V1 × . . .× Vn satisfaz o ponto 2..

Ate agora apenas conseguimos provar o princıpio do crescimento da entropia sujeito a certasrestricoes dos estados iniciais e finais x e y. Para retirar estas restricoes e necessario impor umaoutra restricao ao sistema M .

Definicao 3.4.4 ... Um sistema simples M diz-se completo se, dados quaisquer doisestados x e y em M , existe um terceiro estado z tal que x ∼ z e y ↔ z.

Teorema 3.4.2 ... Seja M =∏n

i=1 Mi, onde os Mi sao sistemas simples completos,mutuamente compatıveis, e pelo menos n− 1 sao termometros. Entao M obedece ao princıpiodo crescimento da entropia, isto e:

x → y ⇒ S(x) ≤ S(y)

Page 48: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.4. Temperatura absoluta e entropia 47

Dem. Primeiro observamos que um sistema simples completo e tal que atinge todas

as temperaturas em cada isentropica. Sejam x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn) estados deM que satisfazem x → y, e seja T ∗ uma qualquer temperatura absoluta atingida por todos ossistemas simples mutuamente compatıveis Mi. Entao y satisfaz o ponto 2. do lema 3.4.1, umavez que Mi pode atingir a temperatura T ∗ na isentropica que passa por yi. Tambem x vaisatisfazer o ponto 3. de 3.4.1. Isto porque podemos encontrar para cada i um estado z′i de Mi

que satisfaz Si(xi)−δ < Si(z′i) < Si(xi) e um estado zi de Mi em cada isentropica que passa porz′i satisfazendo Ti(zi) = T ∗. Assim x e y satisfazem todas as condicoes do lema 3.4.1 e portantoS(x) ≤ S(y).

Lembremos mais uma vez que a implicacao contraria:

S(x) ≤ S(y) ⇒ x → y

do resultado anterior e, de um modo geral, falsa, uma vez que a entropia de um sistema compostonao e uma entropia empırica. Notemos tambem que a entropia de um sistema composto podeaumentar estritamente, mesmo ao longo de uma transicao adiabatica quasi-estatica, de modoque a transicao inversa nao seja ela propria adiabatica. Isto contrasta com a situacao obtidapara sistemas simples, em que a entropia permanece sempre constante ao longo de uma transicaoadiabatica reversıvel e a inversa de tal transicao e sempre adiabatica. Para compreender estecomportamento e necessario lembrar que a forma calor de um sistema simples tem um factorintegrante enquanto que a de um sistema composto nao tem.

Corolario 3.4.2 ... Ao longo de uma transicao adiabatica de um sistema composto daforma M ×N , onde M e N sao sistemas simples completos compatıveis e pelo menos um delese um termometro, o calor e sempre transferido do sistema que esta a uma temperatura absolutamais elevada para o sistema que esta a uma temperatura absoluta mais baixa.

Dem. Suponhamos que a transicao reversıvel e representada por uma curva C∞ γ em

M ×N . Uma vez que e adiabatica, temos que:

0 = ψM×N (γ) = ψM (γM ) + ψN (γN )

onde γM = πM γ e γN = πN γ sao as projeccoes da curva γ em M e N respectivamente. Peloteorema 3.4.2, a entropia de M × N tem que aumentar constantemente durante a transicao, eportanto:

0 ≤ dSM×N (γ) = dSM (γM ) + dSN (γN )= T−1

M ψM (γM ) + T−1N ψN (γN )

=(T−1

M − T−1N

)ψM (γM )

Assim, sempre que TM < TN , temos que:

ψM (γM ) ≥ 0ψN (γN ) = −ψM (γM ) ≤ 0

Page 49: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.5. Coordenadas de deformacao 48

ou seja o calor passa de N para M .

O corolario anterior mostra que um corpo com uma temperatura absoluta mais elevada erealmente mais ”quente” do que outro com uma temperatura absoluta mais baixa.

3.5 Coordenadas de deformacao

Ate agora adoptamos uma aproximacao invariante a variedade C∞, M , de um sistema simples,na qual nao foi atribuıdo nenhum significado especial a qualquer dos sistemas de coordenadaslocais. Contudo, e muitas vezes conveniente introduzir um sistema especial de coordenadaslocais, no qual uma das coordenadas e termodinamica enquanto que as restantes, chamadascoordenadas de deformacao, sao puramente mecanicas. A existencia de tais sistemas decoordenadas pode ficar garantida pelo seguinte pressuposto.

Postulado 3.5.1 ... A cada um dos sistemas simples M esta associada uma variedadeC∞ (sem bordo) M de dimensao igual a dimM − 1, chamada a variedade mecanica, e umasubmersao C∞, π : M → M , chamada projeccao mecanica, com as seguintes propriedades:

1. Para cada x em M , a restricao ω|π−1(x), da forma trabalho ω, a subvariedade fechadade dimensao 1, π−1(x) de M , e identicamente zero, enquanto que a restricao dU |π−1(x) esempre nao nula, sendo ω e U definidos conforme os pontos 5., 6. e 7. do postulado 3.2.1.

2. Se N e um termometro compatıvel com M , com variedade mecanica associada N , entao avariedade mecanica de M+N e um subconjunto aberto de M×N e as projeccoes mecanicasestao relacionadas por:

πM+N (x, y) = (πM (x), πN (y))

3. Se M e um termometro e x um qualquer ponto da sua variedade mecanica M , entao π−1(x)e transversal a cada isotermica de M que intersecta.

A interpretacao fısica deste postulado e que π(x) descreve o estado mecanico do sistema,enquanto este esta no estado termodinamico x. O ponto 1. consiste de duas afirmacoes, umaacerca da forma trabalho ω e outra acerca da energia interna U . A primeira apenas afirmaque nenhum trabalho pode ser feito quasi-estaticamente pelo ou no sistema, enquanto as suascoordenadas mecanicas permanecerem inalteradas. A ultima torna possıvel cobrir M por umsistema de coordenadas locais C∞ da forma (U, x1, . . . , xm−1), onde x1, . . . , xm−1 sao coorde-nadas locais (coordenadas de deformacao) para M (ou mais exactamente, a composicao destascom a projeccao mecanica). Em termos destas coordenadas locais, a afirmacao anterior acercada forma trabalho significa que esta tem que ser localmente da forma:

m−1∑

i=1

Xidxi

Page 50: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.5. Coordenadas de deformacao 49

portanto sem qualquer termo em dU .

Todas as funcoes de estado de M podem ser expressas localmente em termos das coordenadasdo tipo anterior e podem portanto ser parcialmente derivaveis relativamente a U . Uma vez que:

dU |π−1(x) = ψ|π−1(x) = TdS|π−1(x)

para cada x ∈ M , resulta que:

∂S/∂U = T−1

onde T e a temperatura absoluta. Tambem e claro que M pode ser coberto por sistemas decoordenadas locais da forma (S, x1, . . . , xm−1), com a entropia em vez da energia interna U ,como coordenada termodinamica. Uma terceira possibilidade, apenas para o caso especial de Mser um termometro, e em virtude do ponto 3., e a de tomar como coordenada termodinamica atemperatura absoluta T . O significado geometrico do ponto 3. torna-se mais claro se consider-armos o caso especial em que M e um conjunto aberto num espaco Euclideano. As isotermicaspodem ser visualizadas como hipersuperfıcies nesse espaco Euclideano e o conjunto π−1(x) comouma reuniao de arcos. O ponto 3. afirma que nenhum destes arcos pode ser tangente a qualquerdessas hipersuperfıcies.

E um facto experimental bem conhecido que:

∂T/∂U ≥ 0

Por outras palavras, aquecer um sistema simples quase-estaticamente, mantendo fixas as suascoordenadas de deformacao, traduz-se num aumento da sua temperatura absoluta. Isto estamuito relacionado com o corolario 3.4.2 da seccao anterior. Para prova-lo e precisamos de maisuma condicao:

Postulado 3.5.2 ... Seja M um sistema simples, N um termometro compatıvel com M ,UM e UN as energias internas de cada um dos dois sistemas, e πM e πN as suas projeccoesmecanicas. Entao, dado um estado x∗ ∈ M e um estado y∗ ∈ N , satisfazendo x∗ ∼ y∗, existemvizinhancas V , de x∗ em M , e W , de y∗ em N , tais que, se:

x ∈ V, y ∈ W, πM (x) = πM (x∗), πN (y) = πN (y∗)

e:UM (x) + UN (y) = UM (x∗) + UN (y∗)

entao os estados (x, y) e (x∗, y∗) de M ×N satisfazem:

(x, y) → (x∗, y∗)

.

Este postulado representa uma exigencia bastante fraca de que qualquer estado de M ×N , no qual M e N estejam a mesma temperatura, pode ser atingido a partir de um outroestado proximo, no qual M e N nao estao bem a mesma temperatura, permitindo que M eN troquem calor adiabaticamente sem qualquer interferencia mecanica. Com a ajuda destepostulado podemos entao provar o seguinte:

Page 51: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.5. Coordenadas de deformacao 50

Lema 3.5.1 ... Seja M um sistema simples, N um termometro compatıvel com M , x∗ ey∗ estados de M e N , respectivamente, que satisfazem x∗ ∼ y∗. Entao

∂TM

∂UM(x∗) +

∂TN

∂UN(y∗) ≥ 0.

Dem. Resulta do corolario 3.4.1 que existem vizinhancas V e W , de x∗ e y∗ em M e N ,

respectivamente, tais que:SM×N (x, y) ≤ SM×N (x∗, y∗),

sempre que (x, y) em V ×W satisfizerem (x, y) → (x∗, y∗). Podemos supor, sem perda de general-idade, que V e W sao vizinhancas nas quais estao definidas coordenadas locais (UM , x1, . . . , xm−1)e (UN , y1, . . . , yn−1), onde (x1, . . . , xm−1) e (y1, . . . , yn−1) sao sistemas de coordenadas locais paraas variedades mecanicas M e N de M e N , respectivamente. Resulta agora do postulado 3.5.2que, se u e um numero real suficientemente perto do zero, entao os pontos x e y de V e W , cujascoordenadas locais sao:

(UM (x∗) + u, x1, . . . , xm−1) e (UN (y∗)− u, y1, . . . , yn−1)

respectivamente, satisfazem:

(x, y) → (x∗, y∗)

e portanto:

SM×N (x, y) ≤ SM×N (x∗, y∗).

Assim:

f(u) ≤ f(0)

para todos os valores suficientemente pequenos de u, onde:

f(u) = SM (UM (x∗) + u, x∗1, . . . , x∗m−1) + SN (UN (y∗)− u, y∗1, . . . , y

∗n−1).

Uma vez que f(u) e uma funcao C∞, concluımos que f ′(0) = 0 e:

0 ≥ f ′′(0) =∂2SM

∂U2M

(x∗) +∂2SN

∂U2N

(y∗)

=∂(T−1

M )∂UM

(x∗) +∂(T−1

N )∂UN

(y∗)

= −(T ∗)−2

∂TM

∂UM(x∗) +

∂TN

∂UN(y∗)

onde T ∗ = TM (x∗) = TN (y∗).

Page 52: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 51

Teorema 3.5.1 ... Para cada sistema simples M , ∂TM/∂UM ≥ 0. Se M e um termometroentao ∂TM/∂UM > 0.

Dem. Seja x∗ um qualquer estado de um sistema simples M e y∗ um estado de algum

termometro N , tal que x∗ ∼ y∗. De acordo com o ponto 1 do postulado 3.3.2, o sistema N + Ne tambem um termometro e e claro que o estado (y∗, y∗) de N + N satisfaz x∗ ∼ (y∗, y∗).Procedendo indutivamente vemos que, para qualquer inteiro k, a soma de k-termos:

kN = N + . . . + N

de N com ele proprio e tambem um termometro, e o estado (y∗, y∗, . . . , y∗) de kN satisfaz:

x∗ ∼ (y∗, y∗, . . . , y∗).

Aplicando o lema 3.5.1 aos sistemas M e kN , deduzimos que:

∂TM

∂UM(x∗) +

∂TkN

∂UkN(y∗, y∗, . . . , y∗) ≥ 0

para qualquer inteiro positivo k. Mas o sistema kN satisfaz:

TkN (y, y, . . . , y) = TN (y)UkN (y, y, . . . , y) = kUN (y)

para qualquer estado y de N . Portanto:

∂TkN

∂UM(y∗, y∗, . . . , y∗) =

1k

∂TN

∂UN(y∗).

Concluımos pois que:

∂TM

∂UM(x∗) +

1k

∂TN

∂UN(y∗) ≥ 0

para qualquer inteiro positivo k e portanto:

∂TM

∂UM(x∗) ≥ 0.

Se M e um termometro, entao ∂TM/∂UM nao pode anular-se uma vez que π−1π(x∗) temque ser transversal a cada isotermica de M que passa por x∗.

3.6 Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1

Recordemos o enunciado do referido Teorema:

Teorema 3.2.1 ... Seja M uma variedade diferenciavel C∞ (de dimensao finita esem bordo), e ψ ∈ Ω1(M) uma 1-forma diferencial C∞ em M , que nunca se anula. Entao ascondicoes seguintes sao equivalentes:

Page 53: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 52

1. Dado x ∈ M , existe uma vizinhanca aberta V de x, em M , tal que qualquer vizinhancaW de x, em V , contem um ponto y que nao pode ser unido a x por um caminho γ, em V ,C∞ por pedacos, que satisfaz:

ψγ(t) = 0, (3.6.1)

sempre que γ estiver definida.

2.ψ ∧ dψ = 0 (3.6.2)

3. Dado x ∈ M , existe uma vizinhanca aberta V de x, em M , tal que a restricao ψ|V de ψa V e da forma

ψ|V = f dg (3.6.3)

onde f, g ∈ C∞(V )

Dem. Como e obvio que 3. ⇒ 1., e suficiente provar que 1. ⇒ 2. e que 2. ⇒ 3..

1. ⇒ 2. ... Vamos antes provar o resultado equivalente, ∼ 2. ⇒∼ 1.. Suponhamos entao que2. nao e valido, e seja x0 um ponto no qual ψ∧dψ 6= 0. Seja V uma qualquer vizinhanca abertade x0 em M . Vamos mostrar que x0 tem uma vizinhanca W contida em V tal que cada pontode W pode ser unido a x0 por uma caminho γ em V , C∞ por pedacos, que satisfaz a condicao:

ψγ(t) = 0 (3.6.4)

sempre que γ estiver definida.

Como ψ nunca se anula, podemos supor, sem perda de generalidade, que existe um sistemade coordenadas (x1, . . . , xn) em V no qual x0 e representado pela origem (0, . . . , 0) de IRn e ψtem a forma:

ψ =n∑

i=1

ai(x1, . . . , xn)dxi (3.6.5)

em V onde:

ai(0, . . . , 0) = 0, para i < n

an(0, . . . , 0) = 1

e an(x1, . . . , xn) e (estritamente) positiva em todo o seu domınio de definicao, de tal modo quepodemos definir funcoes C∞, bi(x1, . . . , xn), para i < n, por:

bi(x1, . . . , xn) = − ai(x1, . . . , xn)an(x1, . . . , xn)

(3.6.6)

Este sistema de coordenadas locais em V vai ser usado ao longo desta parte da demonstracao,e em geral identificamos os pontos de V com as suas representacoes em IRn, de acordo com estesistema de coordenadas.

Sejam ϕ1(t), . . . , ϕn−1(t), funcoes reais arbitrarias C∞, definidas no intervalo 0 ≤ t ≤ 1 taisque:

ϕi(0) = ϕi(1) = 0, para i = 1, . . . , n− 1 (3.6.7)

Page 54: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 53

Entao, podemos encontrar numeros reais positivos η, δ e C, satisfazendo η C ≤ δ, de tal modoque a funcao C∞:

f(λ, t, u) =∑

i<n

bi (λϕ1(t), . . . , λϕn−1(t), u) ϕi(t) (3.6.8)

de tres variaveis reais λ, t e u, esta bem definida e e limitada superiormente, em valor absoluto,por C sempre que | λ |≤ η, 0 ≤ t ≤ 1 e | u |≤ δ. Como f e diferenciavel, vai existir umaconstante positiva K tal que f satisfaz a condicao de Lipschitz:

| f(λ, t, u1)− f(λ, t, u2) |≤ K | u1 − u2 | (3.6.9)

para:| λ |≤ η, 0 ≤ t ≤ 1, | u1 |≤ δ, | u2 |≤ δ (3.6.10)

Seja Y o espaco real de Banach de todas as funcoes reais y, definidas no espaco compacto[−η, η]× [0, 1], com a norma do supremo:

‖ y ‖= sup| y(λ, t) | ; | λ |≤ η, 0 ≤ t ≤ 1 (3.6.11)

e seja Bδ a bola fechada em Y de centro 0 e raio δ. Entao Bδ e um espaco metrico completocom respeito a metrica

d(y1, y2) =‖ y1 − y2 ‖ (3.6.12)

Seja T a funcao de Bδ em Bδ definida por:

(Ty)(λ, t) = λ

∫ t

0fλ, τ, y(λ, τ)dτ. (3.6.13)

Entao, como f satisfaz a condicao de Lipschitz (3.6.9), segue que para quaisquer duas funcoesy1 e y2 em Bδ vamos ter:

| (Ty1)(λ, t)− (Ty2)(λ, t) |≤ ηKt ‖ y1 − y2 ‖ (3.6.14)

para | λ |≤ η, 0 ≤ t ≤ 1.

Procedendo de forma indutiva concluımos que:

‖ Tmy1 − Tmy2 ‖≤ (ηK)m

m!‖ y1 − y2 ‖

Assim, se m for suficientemente grande de modo a que:

(ηK)m

m!< 1

entao Tm e uma contraccao do espaco metrico completo Bδ nele proprio, e portanto T tem umunico ponto fixo y ∈ Bδ. A funcao y satisfaz entao a seguinte equacao integral:

y(λ, t) = λ

∫ t

0fλ, τ, y(λ, τ)dτ. (3.6.15)

Portanto depende diferenciavelmente de t e satisfaz a equacao diferencial:

∂y(λ, t)∂t

= λfλ, t, y(λ, t)

Page 55: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 54

com a condicao inicial:y(λ, 0) = 0

Recordando as definicoes (3.6.6) e (3.6.8), vemos que o caminho C∞, γ ∈ V , representadono sistema de coordenadas locais dado, pelas n funcoes C∞:

x1(t) = λϕ1(t)...

xn−1(t) = λϕn−1(t)xn(t) = y(λ, t)

definidas no intervalo unitario, satisfazem a condicao (3.6.4). O seu ponto inicial γ(0) e x0 e oseu ponto final e γ(1) com coordenadas 0, . . . , 0, y(λ, 1).

O passo seguinte e mostrar que atraves de uma escolha apropriada das funcoes ϕi e doparametro real λ, nos podemos atribuir a y(λ, 1) qualquer valor real numa dada vizinhanca dezero.

Segue de (3.6.15) que y(0, t) = 0 e que λ−1y(λ, t) → 0, uniformemente para 0 ≤ t ≤ 1,quando λ → 0. Substituindo a definicao (3.6.8) em (3.6.15) e notando que as funcoes bi saodiferenciaveis, temos que:

λ−2y(λ, 1) →∑

i,j<n

bi,j(0, . . . , 0)∫ 1

0ϕi(t)ϕj(t)dt , quando λ → 0 (3.6.16)

onde:bi,j(x1, . . . , xn) =

∂bi(x1, . . . , xn)∂xj

Integrando parcialmente e usando (3.6.7) podemos reescrever isto na forma seguinte:

limλ→0

λ−2y(λ, 1) =∑

1≤i<j≤n−1

bi,j(0, . . . , 0)− bj,i(0, . . . , 0)∫ 1

0ϕi(t)ϕj(t)dt. (3.6.17)

No ponto x0 vamos ter:

ψ ∧ dψ = dxn ∧∑

i,j<n

bi,j(0, . . . , 0)dxi ∧ dxj 6= 0

Portanto, pelo menos uma das quantidades bi,j(0, . . . , 0)−bj,i(0, . . . , 0) para 1 ≤ i < j ≤ n−1tem que ser diferente de zero. Atraves de uma escolha adequada das funcoes arbitrarias ϕi

podemos garantir que o membro direito da equacao (3.6.17) e (estritamente) positivo. Quandofor esse o caso, a funcao y(λ, 1) tem que tomar um valor positivo ε1 para algum valor positivoλ1 de λ. Por continuidade, os valores tomados por esta funcao para λ no intervalo 0 ≤ λ ≤ λ1

tem que incluir todos os numeros reais entre 0 e ε1. De forma analoga, atraves de uma escolhadiferente das funcoes ϕi podemos obter um valor negativo para o lado direito da equacao. Nestecaso podemos encontrar um numero positivo ε2 de modo que y(λ, 1) possa tomar qualquer valorentre −ε2 e 0 para um certo λ. Assim para cada valor de xn no intervalo fechado [−ε2, ε1], oponto (0, . . . , 0, xn) pode ser ligado a x0 por um caminho C∞ ∈ V satisfazendo (3.6.4).

Agora segue do teorema de existencia e unicidade de solucoes de equacoes diferenciais or-dinarias, que existem numeros positivos µ e σ, tais que, para todos os valores das constantesreais x1, . . . , xn, que satisfazem x2

1 + . . . + x2n < µ2, a equacao diferencial:

Page 56: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 55

dy

ds=

i<n

xi bi(sx1, . . . , sxn−1, y) (3.6.18)

tem uma unica solucao para 0 ≤ s ≤ σ que satisfaz a condicao inicial:

y = xn, quando s = 0. (3.6.19)

Mais, esta solucao y(s, x1, . . . , xn) e uma funcao C∞ de s e de n parametros reais x1, . . . , xn.

Consideremos agora a aplicacao C∞, f definida na bola aberta x21 + . . . + x2

n < µ2 em IRn

com valores em V , definida por:

f(x1, . . . , xn) = σx1, . . . , σxn−1, y(σ, x1, . . . , xn)

Como y(σ, 0, . . . , 0, xn) = xn, vemos que o Jacobiano de f toma o valor positivo σn−1 na origem.Portanto vai existir um numero % satisfazendo

0 < % ≤ min(ε1, ε2) (3.6.20)

de tal modo que f e um difeomorfismo da bola aberta x21 + . . . + x2

n < %2 ∈ IRn na vizinhancaaberta W de x0 em V . Consideremos agora um ponto arbitrario f(x1, . . . , xn) de W . Entao ocaminho C∞ em V definido por t → tσx1, . . . , tσxn−1, y(tσ, x1, . . . , xn) para 0 ≤ t ≤ 1 temf(x1, . . . , xn) como ponto final. Como a funcao y e solucao da equacao diferencial (3.6.18) comcondicao inicial (3.6.19), segue que este caminho satisfaz a condicao (3.6.4) e tem como pontoinicial (0, . . . , 0, xn). Mas | xn |< % e portanto tendo em conta (3.6.20) este ponto inicial podeser ligado a x0 por um caminho C∞ em V satisfazendo (3.6.4). Assim cada ponto de W podeser ligado a x0 por um caminho C∞ por pedacos em V satisfazendo (3.6.4).

2. ⇒ 3. ... A prova vai ser feita por inducao na dimensao n da variedade M . O resultadoe trivial para variedades de dimensao 1. Vamos supor o resultado valido para variedades dedimensao n − 1, com n > 1. Seja M de dimensao n e suponhamos que ψ satisfaz o ponto 2.e seja x0 um ponto arbitrario de M . Entao podemos definir um sistema local de coordenadas(x1, . . . , xn) numa vizinhanca de x0 tal que x0 e representado pela origem de IRn e ψ tem aforma ψ =

∑ni=1 ai(xi, . . . , xn)dxi onde an−1(0, . . . , 0) 6= 0. Por continuidade an−1 e diferente de

zero numa vizinhanca da origem, e, para valores suficientemente pequenos das costantes reais(y1, . . . , yn−1), a equacao diferencial

dxn−1

dyn= −an(y1, . . . , yn−2, xn−1, yn)an−1(y1, . . . , yn−2, xn−1, yn)−1 (3.6.21)

com condicao inicial xn−1 = yn−1 quando yn = 0, tem uma unica solucao:

xn−1 = F (y1, . . . , yn−2, yn−1, yn)

para yn numa certa vizinhanca de zero. Alem disso F (y1, . . . , yn) e uma funcao C∞ numavizinhaca da origem em IRn na qual esta definida. Consideremos a aplicacao C∞, (y1, . . . , yn) →y1, . . . , yn−2, F (y1, . . . , yn), yn dessa vizinhanca em IRn. Esta aplicacao leva a origem nelapropria e o seu Jacobiano tem valor 1 na origem. Portanto transforma difeomorficamente umavizinhanca aberta Uy da origem em IRn numa outra vizinhanca aberta Ux da origem em IRn.Na vizinhanca aberta U de x0 representada no sistema de coordenadas (x1, . . . , xn) por Ux,

Page 57: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

3.6. Apendice: demonstracao do teorema 3.2.1 56

nos podemos portanto definir um novo sistema de coordenadas (y1, . . . , yn) que toma em Uy osvalores xi = yi para i 6= n− 1 e xn−1 = F (y1, . . . , yn).

Em termos destas coordenadas em U , ψ tem a forma ψ =∑n−1

i=1 bi(y1, . . . , yn)dyi. Agoraψ satisfaz a condicao do ponto 2. por hipotese. No novo sistema de coordenadas em U , estacondicao tem a forma

ψ ∧ dψ = −∑

1≤i<j≤n−1

(bidbj − bjdbi) ∧ dyi ∧ dyj = 0 (3.6.22)

Como consequencia de (3.6.22) temos que

bi∂bj

∂yn− bj

∂bi

∂yn= 0 (3.6.23)

Como pelo menos um dos bi e diferente de zero na origem e portanto numa vizinhanca da origemconcluımos a partir de (3.6.23) que estas funcoes tem que ser da forma:

bi(y1, . . . , yn) = h(y1, . . . , yn)ci(y1, . . . , yn−1) (3.6.24)

para todos os valores suficientemente pequenos de y1, . . . , yn, onde a funcao y nunca se anula.Substituindo (3.6.24) em (3.6.22), vemos que a 1−forma diferencial ω =

∑n−1i=1 ci(y1, . . . , yn−1)dyi

definida num intervalo aberto de IRn−1 satisfaz ω ∧ dω = 0.

Como ω nunca se anula segue por hipotese de inducao que ω e da forma:

ω = λ dg (3.6.25)

numa certa vizinhanca aberta de IRn−1. Portanto ψ = fdg numa dada vizinhanca aberta Vde x0 em M , onde g e a funcao de coordenadas locais y1, . . . , yn−1 que surge em (3.6.25), ef(y1, . . . , yn) = h(y1, . . . , yn)λ(y1, . . . , yn−1).

Page 58: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Capıtulo 4

Geometria de Contacto

4.1 Introducao

O conceito de transformacao de contacto foi primitivamente usado para designar as aplicacoesque transformam um elemento de contacto num outro elemento de contacto, ambos em IR3. Oque entao se chamava elemento de contacto em IR3 era a um par formado por um ponto deIR3 e por um plano que passa por esse ponto. As transformacoes de contacto foram primeirousadas em geometria; mais tarde foram estendidas a analise, devido ao trabalho de Legendre,que inventou as transformacoes que tem hoje o seu nome. As transformacoes de contacto eramentao caracterizadas pela propriedade de deixarem a forma diferencial (dita de contacto):

dz − pdx− qdy

invariante, a menos de um factor multiplicativo.

Foi Sophus Lie, por volta dos finais do seculo dezanove, quem primeiro introduziu uma teoriageral sobre as transformacoes de contacto no seu estudo sobre simetrias das equacoes diferenciais.Neste contexto, uma transformacao de contacto e uma aplicacao:

(z, x1, . . . , xn, p1, . . . , pn) 7−→ (Z, X1, . . . , Xn, P1, . . . , Pn)

tal que:

dZ −n∑

i=1

PidXi = f ·(

dz −n∑

i=1

pidxi

)(4.1.1)

onde f e uma funcao que nunca se anula.

Esta teoria foi mais tarde desenvolvida por varios matematicos, especialmente Frobenius,Darboux, Goursat e E. Cartan. Estes desenvolvimentos, em especial o teorema de Darboux,levaram a nocao geral de estrutura de contacto numa variedade diferenciavel.

Neste capıtulo M representara uma variedade diferenciavel, conexa, de classe C∞ e de di-mensao m. Para cada fibrado vectorial E de base M , o complementar da imagem da seccao nula,vai ser representado por E0. Em particular, se E = TM (resp. T ∗M), escrevemos E0 = T0M(resp. E0 = T ∗0 M). Vamos usar a mesma letra π para representar as projeccoes E → M eE0 → M , e, em particular, as restricoes das projeccoes π : TM → M e π : T ∗M → M a T0M eT ∗0 M .

57

Page 59: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.2. Equacoes de Pfaff 58

Definicao 4.1.1 ... Um Sistema de Pfaff de rank r em M e um subfibrado vectorialE, de T ∗M , de rank r.

Especificar o subfibrado E e equivalente a especificar C def= ker E , que e um subfibrado derank m − r de TM . Este subfibrado C e chamado a distribuicao de (m − r)-planos ou de(m− r)-elementos de contacto, associado ao sistema de Pfaff E , quando identificamos C coma distribuicao x → Cx ⊂ TxM , para cada x ∈ M .

Ainda uma ultima convencao - se M = M1 ×M2 com as projeccoes π1 : M1 ×M2 → M1 eπ2 : M1 ×M2 → M2, e se ω1 e ω2 sao formas diferenciais, respectivamente em M1 e M2, entaoescrevemos:

ω = ω1 + ω2 em vez de ω = π∗1ω1 + π∗2ω2

4.2 Equacoes de Pfaff

No que se segue vamos estudar essencialmente sistemas de Pfaff de rank 1, numa variedade Mde dimensao m, isto e, equacoes de Pfaff ou, de forma equivalente, um fibrado linha.

Vamos comecar por algumas indicacoes de caracter local, considerando uma forma de Pfaffθ ∈ Ω1U , definida e que nunca se anula, num subconjunto aberto U ⊆ M . Tradicionalmentediz-se que esta forma determina a equacao de Pfaff:

θ = 0

o que significa que, em U , a forma θ define uma distribuicao de hiperplanos x → Cx, ondeCx = kerθ(x); por outras palavras, Cx e o subespaco vectorial de codimensao 1 de TxM definidopor:

Cx = v ∈ TxM | 〈θ(x), v〉 = 0

Se f ∈ C∞(U) for uma funcao real definida e que nunca se anula em U , a forma fθ definea mesma equacao de Pfaff. O anulador Co de C e o subfibrado E de T ∗U que e gerado por θ ecuja fibra Ex, por cima de cada ponto x ∈ U , e λθ(x)|λ ∈ IR.

Daı que, quando pretendemos globalizar a nocao de equacao de Pfaff, somos conduzidos adefinicao que ja adoptamos, isto e, uma equacao de Pfaff como um subfibrado vectorial E derank 1 de T ∗M .

A proposicao seguinte mostra que e sempre possıvel obter a situacao local acima considerada.

Proposicao 4.2.1 ... Especificar uma equacao de Pfaff E numa variedade M , e equiva-lente a especificar uma famılia (Ui, θi)i∈I que satisfaz as seguintes condicoes:

1. (Ui)i∈I e uma cobertura por abertos de M ;

2. para cada i ∈ I, θi e uma forma que nunca se anula em Ui;

Page 60: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.2. Equacoes de Pfaff 59

3. para cada par (i, j) ∈ I2 tal que Ui ∩ Uj 6= ∅, existe uma funcao real diferenciavel fji,definida e que nunca se anula em Ui ∩ Uj, tal que:

θi = fjiθj (4.2.1)

Dem. Vamos supor que E e um subfibrado vectorial de rank 1 de T ∗M . Como E e

localmente trivial (como o e qualquer fibrado vectorial), podemos encontrar uma cobertura deM , por abertos (Ui)i∈I , tal que para cada i ∈ I, E admite uma seccao local θi, sobre Ui, que nuncase anula. A essa seccao θi corresponde entao uma trivializacao local ϕi : π−1(Ui) → Ui× IR, talque:

ϕ−1i (x, λ) = λθi(x), λ ∈ IR

Obtemos desta forma um atlas de E , onde as mudancas de carta podem ser escritas na forma:

ϕj ϕ−1i (x, λ) = (x, fji(x)λ),

e portanto θi = fjiθj , onde as funcoes fij sao diferenciaveis e nunca se anulam.

Recıprocamente, seja (Ui, θi)i∈I uma famılia que satisfaz as condicoes de teorema. Para cadai ∈ I, vamos associar ao par (Ui, θi) a aplicacao injectiva diferenciavel ψi de Ui × IR em T ∗M ,definida por:

ψi(x, λ) = λθi(x)

Por outro lado, da condicao 4.2.1 deduzimos que:

ψj(x, λ) = λθj(x) = fijλθi(x)

o que mostra que a imagem Ex de x × IR atraves de ψi e independente do indıce i ∈ I tal quex ∈ Ui.

Seja E =⋃

x Ex; para cada i ∈ I, a aplicacao ψi e uma bijeccao de Ui × IR em E|Ui . Sepusermos ϕi = ψ−1

i deduzimos de 4.2.1 que:

ϕj ϕ−1i (x, λ) = (x, fji(x)λ)

o que mostra que E e um fibrado vectorial cujas funcoes de transicao sao as fji′s. Uma vez

que a injeccao canonica de E em T ∗M e um morfismo injectivo de fibrados vectoriais, E e umsubfibrado vectorial de T ∗M de rank 1.

Somos entao conduzidos a seguinte definicao:

Definicao 4.2.1 ... Seja E uma equacao de Pfaff numa variedade M . Diz-se que umaforma de Pfaff θ ∈ Ω1(U), definida num aberto U de M , determina E localmente em U , seθ e uma seccao local de E sem zeros sobre U .

Definicao 4.2.2 ... Um automorfismo da equacao E (com nucleo C = ker E) e umdifeomorfismo F : M → M que satisfaz as seguintes propriedades equivalentes:

Page 61: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.2. Equacoes de Pfaff 60

1. O levantamento F ∗ : T ∗M → T ∗M de F deixa o subfibrado vectorial E invariante: θx ∈Ex ⇒ F ∗θx ∈ EF−1(x), ∀x ∈ M .

2. O levantamento F∗ : TM → TM de F deixa o subfibrado vectorial C invariante: F∗x(Cx) =CF (x), ∀x ∈ M .

Analogamente, um difeomorfismo local ϕ : U → ϕ(U), onde U e um aberto de M , e umautomorfismo local da equacao E se:

ϕ∗(E|ϕ(U)) = E|UA partir da proposicao 4.2.1, podemos deduzir a seguinte proposicao, que tambem e valida

para automorfismos locais.

Proposicao 4.2.2 ... Seja (Ui)i∈I uma cobertura por abertos de M tais que ∀i ∈ I,o fibrado E admite uma seccao θi sem zeros sobre Ui. O difeomorfismo F : M → M e umautomorfismo de E se e so se, para cada i ∈ I, a forma F ∗θi e uma seccao de E sobre F−1(Ui)

.

Definicao 4.2.3 ... Um automorfismo infinitesimal da equacao E e um campo devectores X ∈ X(M) cujo fluxo gera um grupo local a um parametro de automorfismos de E.

Vamos agora ver a nocao de integral de uma equacao de Pfaff ou da distribuicao de hiper-planos correspondente.

Definicao 4.2.4 ... Um integral de uma equacao de Pfaff E (com nucleo C = ker E),e um par (N, f) onde f e uma imersao de uma variedade conexa N em M , que satisfaz asseguintes duas propriedades equivalentes:

1. a imagem f∗(TN) do fibrado tangente TN esta contida em C: f∗y(TyN) ⊂ Cf(y), ∀y ∈ N .

2. o pull-back f∗θ de qualquer forma de Pfaff θ ∈ Ω1(U), que determina E localmente, eigual a zero.

Em particular, uma subvariedade conexa N de M e uma variedade integral de E se (N, i),onde i : N → M e a inclusao canonica, for um integral de E .

Diz-se que a subvariedade N de M e um integral de E se cada uma das suas componentesconexas e uma variedade integral de E .

Um automorfismo F de E transforma variedades integrais em variedades integrais.

Mais geralmente, seja η ∈ Ωk(M) uma k-forma diferencial numa variedade M ; uma subvari-edade Q de M tal que j∗η = 0 (onde j e a inclusao j : Q → M) chama-se uma subvariedadeintegral de η.

Page 62: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.3. A classe de uma equacao e de uma forma de Paff 61

4.3 A classe de uma equacao e de uma forma de Paff

Nesta seccao e na proxima vamos trabalhar com as propriedades locais das equacoes e das formasde Pfaff numa variedade.

Seja E uma equacao de Pfaff numa variedade M . Em cada ponto x de M , vamos associar aE um inteiro ımpar, a que chamamos a classe da equacao E nesse ponto. Analogamente, sejaθ ∈ Ω1(M) uma forma de Pfaff numa variedade M . Em cada ponto x de M , vamos associar aθ um inteiro (par ou ımpar,) a que chamamos a classe da forma θ nesse ponto.

Quando a classe de E for igual a dimensao da variedade, diremos que E define uma estruturade contacto em M .

Seja E uma equacao de Pfaff numa variedade M , e sejam θ e θ′ duas formas de Pfaff quedeterminam E em vizinhancas U e U ′ de x ∈ M . Em U ∩U ′, as formas θ e θ′ estao relacionadaspor:

θ′ = fθ

onde f e uma funcao real que nunca se anula. Temos entao que:

dθ′ = df ∧ θ + fdθ

e consequentemente:θ′ ∧ (dθ′)q = f q+1 θ ∧ (dθ)q

para todos os inteiros q estritamente positivos. Assim as formas θ′ ∧ (dθ′)q e θ ∧ (dθ)q saosimultaneamente zero ou diferentes de zero em cada ponto de U ∩ U ′. Deduzimos daqui aseguinte:

Proposicao 4.3.1 ... Seja E uma equacao de Pfaff numa variedade M de dimensao m.Para cada ponto x ∈ M , existe um inteiro s, tal que 2s + 1 ≤ m = dimM , com a seguintepropriedade: qualquer que seja a forma θ que define a equacao E numa vizinhanca de x, θsatisfaz as relacoes:

θ ∧ (dθ)s(x) 6= 0θ ∧ (dθ)s+1(x) = 0 (4.3.1)

Ao inteiro ımpar 2s + 1 chama-se a classe de E em x.

Proposicao 4.3.2 ... Seja E uma equacao de Pfaff de classe 2s + 1 em x. Qualquerforma θ, que defina E numa vizinhanca de x, satisfaz a relacao:

(dθ)s+2(x) = 0 (4.3.2)

.

A demonstracao desta proposicao pode ser vista em [12]. No entanto, quando E e de classeconstante (que e o caso que nos interessa), a relacao (4.3.2) pode ser imediatamente obtidaderivando (4.3.1).

Page 63: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.3. A classe de uma equacao e de uma forma de Paff 62

Definicao 4.3.1 ...

1. Uma forma de Pfaff θ ∈ Ω1(U), definida num aberto U de M , diz-se que tem classeımpar 2s + 1 em x ∈ U , se θ determina uma equacao de Pfaff de classe 2s + 1 em x ese (dθ)s+1(x) = 0. Por outras palavras, θ e de classe 2s + 1 em x se satisfaz as relacoes:

θ ∧ (dθ)s(x) 6= 0, e (dθ)s+1(x) = 0 (4.3.3)

2. Uma forma de Pfaff θ ∈ Ω1(U), definida num aberto U de M , diz-se que tem classepar 2s + 2 em x ∈ U , se θ determina uma equacao de Pfaff de classe 2s + 1 em x e se(dθ)s+1(x) 6= 0. Por outras palavras, θ e de classe 2s + 2 em x se satisfaz as relacoes:

θ ∧ (dθ)s(x) 6= 0, (dθ)s+1(x) 6= 0, e θ ∧ (dθ)s+1(x) = 0 (4.3.4)

3. Uma forma de Pfaff θ ∈ Ω1(U), definida em U , diz-se que tem classe 0 em x se θ(x) = 0

.

Se uma equacao de Pfaff E e de classe constante igual a 1, isto e s = 0, entao, para qualquerforma θ que define E localmente, temos que:

θ ∧ dθ = 0

e portanto, pelo teorema de Frobenius, o nucleo C de E e uma distribuicao de hiperplanoscompletamente integravel.

Se a equacao de Pfaff E tem classe igual a dimensao m de M , m e necessariamente ımpar.Se pusermos m = 2n+1, entao (dθ)n+1 = 0 e qualquer forma que defina E e de classe ımpar m.

Definicao 4.3.2 ... Seja M uma variedade de dimensao ımpar m = 2n + 1.

1. Uma estrutura de contacto em M fica definida especificando uma equacao de Pfaff Ede classe 2n + 1 em todo o ponto de M . Quando a variedade M esta equipada com umatal estrutura chama-se uma variedade de contacto e e representada por (M, E).

2. Uma forma de contacto num subconjunto aberto U de M e uma forma de Pfaff de classe2n + 1, isto e:

θ ∧ (dθ)n(x) 6= 0

3. Uma variedade de contacto (M, E) diz-se uma variedade de contacto estrita, se existiruma forma de contacto θ ∈ Ω1(M), definida em M , que determina E globalmente.

4. Uma transformacao de contacto numa variedade de contacto (M, E) e um automor-fismo da equacao E.

Page 64: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.4. O teorema de Darboux para as equacoes e para as formas de Pfaff 63

Exemplo 4.3.1 (Variedade dos elementos de contacto de uma variedade W .)

Seja W uma variedade de dimensao n + 1. Um elemento de contacto de W , num pontow ∈ W e, por definicao, um hiperplano (de dimensao n) cw ⊂ TwW . O conjunto de todosos elementos de contacto de W , que notamos por Cont(W ), tem uma estrutura de variedadediferenciavel de dimensao 2n + 1. Alias, e facil ver que Cont(W ) tem uma estrutura de fibradosobre W , que nao e mais do que o projectivizado PT ∗W , do fibrado cotangente T ∗W , istoe, o fibrado cuja fibra sobre um ponto w ∈ W e o espaco projectivo IP(T ∗wW ). De facto,um elemento de contacto de W , num ponto w ∈ W , pode ser definido por uma forma linearnao nula αw ∈ T ∗W , tal que cw = kerαw. Claro que esta forma esta determinada por cw amenos da multiplicacao por um escalar nao nulo, isto e, cw determina unıvocamente um ponto[αw] ∈ IP(T ∗wW ). Portanto:

Cont(W ) = PT ∗W

e representamos por π a projeccao de fibrado π : PT ∗W - W , definida por π : [αw] ≈ cw =kerαw 7−→ w ∈ W .

A variedade dos elementos de contacto PT ∗W tem uma estrutura de contacto naturaldefinida por uma distribuicao C, de hiperplanos de contacto (de dimensao 2n):

C : cw 7−→ Ccw ⊂ TcwPT ∗W (4.3.5)

onde:Ccw

def= ξ ∈ TcwPT ∗W | π∗ξ ∈ cw = (π∗)−1(cw) (4.3.6)

A demonstracao sera feita no corolario 4.6.1.

4.4 O teorema de Darboux para as equacoes e para as formasde Pfaff

Nesta seccao vamos trabalhar apenas com equacoes e formas de classe constante. Vamos mostrarque existe um sistema de coordenadas locais, adaptadas as equacoes ou formas de Pfaff, numavizinhanca de cada ponto da variedade, a que chamamos coordenadas de Darboux.

Teorema 4.4.1 (Teorema de Darboux para equacoes de Pfaff) ... Seja E uma e-quacao de Pfaff de classe constante 2s + 1 numa variedade M de dimensao m. Para cada pontox de M existe uma vizinhanca V na qual a equacao de Pfaff e determinada por uma forma dePfaff θ de classe 2s + 1.

Se 2s + 1 = m (que e o caso de uma estrutura de contacto), ou se s = 0 (no caso de umaequacao completamente integravel), o teorema resulta facilmente de algumas observacoes feitasna seccao anterior. Para 1 < 2s + 1 < m a demonstracao necessita do seguinte lema.

Lema 4.4.1 ... Se a classe (constante) 2s + 1 da equacao E satisfaz a condicao 1 <2s+1 < m, entao para cada forma $ que determina a equacao E numa vizinhanca de um pontox ∈ M , a forma:

Θ = $ ∧ (d$)s (4.4.1)

Page 65: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.4. O teorema de Darboux para as equacoes e para as formas de Pfaff 64

e localmente decomponıvel, e a forma dΘ e localmente divisıvel por Θ. Isto significa que existemformas de Pfaff θ1, . . . , θ2s, ϕ ∈ Ω1(U), definidas numa vizinhaca U de x, tais que:

Θ = $ ∧ θ1 ∧ . . . ∧ θ2s (4.4.2)

e:dΘ = ϕ ∧Θ (4.4.3)

Dem. Uma vez que $ 6= 0 podemos encontrar uma base η1 = $, η2, . . . , ηm ∈ Ω1(V ),

numa vizinhanca V de x, para o modulo de seccoes de T ∗M sobre V , isto e, qualquer θ ∈ Ω1(V )escreve-se na forma unica θ =

∑i fiη

i, onde fi ∈ C∞(V ). Podemos entao escrever:

d$ = $ ∧ µ + π

com µ =∑m

i=2 aiηi, π =

∑2≤i<j≤m bijη

i∧ηj , e ai, bij ∈ C∞(V ). Para cada inteiro r temos entaoque:

$ ∧ (d$)r = $ ∧ πr

e consequentemente sao validas as seguintes relacoes em V , uma vez que a classe da equacao Ee 2s + 1 (constante):

$ ∧ πs 6= 0, e $ ∧ πs+1 = 0

A forma π nao tem zeros e nao pertence ao ideal gerado por $; portanto a condicao $∧πs+1 =0 implica que πs+1 e zero. Uma vez que πs nao tem zeros, a forma π e de rank constante 2s.Pelo teorema de Darboux para este tipo de formas (ver [12], seccoes 12.6 e 12.7 do capıtulo I),numa vizinhanca U de x, contida em V , π pode ser escrita na forma:

π = θ1 ∧ θ2 + . . . + θ2s−1 ∧ θ2s

onde as formas θi sao linearmente independentes. Portanto:

Θ = $ ∧ πs = $ ∧ θ1 ∧ . . . ∧ θ2s

Por outro lado:dΘ = (d$)s+1 = ($ ∧ µ + π)s+1 = −µ ∧$ ∧ πs

isto e,dΘ = ϕ ∧Θ

com ϕ = −µ.

Demonstracao do Teorema de Darboux para equacoes de Pfaff ...

Uma vez que dΘ = ϕ ∧Θ, o sistema de Pfaff PU de rank 2s + 1 gerado, no aberto U , pelas1-formas $, θ1, . . . , θ2s e completamente integravel. Pelo teorema de Frobenius, este sistema e

Page 66: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.4. O teorema de Darboux para as equacoes e para as formas de Pfaff 65

tambem gerado, num aberto V ⊆ U , pelas formas dy1, . . . , dy2s+1, onde os yi′s sao integraisprimeiros da folheacao definida por PU . Portanto:

Θ = $ ∧ θ1 ∧ . . . ∧ θ2s

= µ dy1 ∧ . . . ∧ dy2s+1 (4.4.4)

onde a funcao µ nao tem zeros em V . Podemos assumir que µ > 0 (se necessario podemossubstituir y1 por −y1).

A forma θ = λ$, vai corresponder a forma

Ω = θ ∧ (dθ)s = λs+1 Θ

Se escolhermos λ = µ1

s+1 , entao Ω = dy1 ∧ . . . ∧ dy2s+1, portanto dΩ = 0, isto e, (dθ)s+1 = 0, eθ e de classe 2s + 1.

Corolario 4.4.1 ... Uma equacao de Pfaff E de classe contante 2s + 1 numa variedadeM de dimensao m > 2s + 1 pode ser determinada numa vizinhanca de cada ponto de M poruma forma η de classe constante 2s + 2.

Dem. A equacao E e definida num aberto V por uma forma de Pfaff θ de classe 2s + 1.

Se η = λθ, com λ 6= 0, temos dη = dλ ∧ θ + λdθ e portanto:

(dη)s+1 = λs+1dλ ∧ θ ∧ (dθ)s

Podemos agora encontrar uma funcao λ em V ′ ⊆ V que e independente das funcoes y1, . . . , y2s+1

definidas em (4.4.4), logo (dη)s+1 6= 0.

Teorema 4.4.2 (Teorema de Darboux para formas de Pfaff de classe constante)

1. Seja θ uma forma de Pfaff de classe constante 2s + 1, num subconjunto aberto U de umavariedade M . Para cada x ∈ M , existe uma famılia (x0, x1, · · · , xs, p1, · · · , ps) de funcoesindependentes, numa vizinhanca V desse ponto, que satisfazem a relacao:

θ|V = dx0 − p1dx1 − p2dx2 − · · · − psdxs

= dx0 −s∑

i=1

pidxi (4.4.5)

2. Seja η uma forma de Pfaff de classe constante 2s + 2, num subconjunto aberto U ′ de umavariedade M . Para cada x ∈ M existe uma famılia (x0, x1, · · · , xs, q0, q1, · · · , qs) de funcoesindependentes, numa vizinhanca V ′ desse ponto, que satisfazem a relacao:

η|V ′ = q0dx0 − q1dx1 − q2dx2 − · · · − qsdxs

= q0dx0 −s∑

i=1

qidxi (4.4.6)

onde q0 e uma funcao que nunca se anula.

Page 67: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.5. Fibrados Principais 66

Em particular, se a dimensao de M for 2s + 2, as funcoes (−x0, x1, · · · , xs, p0, p1, · · · , ps) saocoordenadas canonicas para a forma simpletica dη.

Dem.

1. Se s = 0, temos, pelo teorema de Frobenius, θ|V = dx0. Se s > 0, pela definicao de classede uma forma de Pfaff, dada na seccao anterior, a forma dθ e de classe constante 2s, logopelo teorema de Darboux para 2-formas fechadas podemos escrever:

dθ|V =s∑

i=1

dxi ∧ dpi

numa vizinhaca contractil V de x. Consequentemente a forma θ +∑s

i=1 pidxi e fechada,portanto exacta, e obtemos a formula (4.4.5), na qual dx0 e linearmente independente dedx1, . . . , dps, uma vez que θ ∧ (dθ)s 6= 0.

2. A forma η determina uma equacao de Pfaff de classe 2s + 1. Pelo corolario 4.4.1 obtemosa formula (4.4.6) tomando p0 = λ, e, se s > 0, qk = λpk.

Corolario 4.4.2 ...

1. Dadas duas formas de Pfaff θ e θ′ com a mesma classe constante em variedades M e M ′,com a mesma dimensao m, para qualquer par (x, x′) ∈ M ×M ′ existe um difeomorfismoϕ de uma vizinhanca aberta V de x numa vizinhanca aberta V ′ de x′, tal que ϕ∗θ′ = θ.

2. Dadas duas equacoes de Pfaff E e E ′ da mesma classe em variedades M e M ′, de dimensoesiguais, para qualquer par (x, x′) ∈ M ×M ′, existe um difeomorfismo ϕ de uma vizinhancaaberta V de x numa vizinhanca aberta V ′ de x′, que transforma a equacao E|V em E ′|V ′.

Em particular, se a equacao E em M define uma estrutura de contacto, para cada pontox ∈ M existe uma transformacao de contacto que transforma a estrutura de contacto em V , naestrutura de contacto natural de um aberto de IR2n+1.

Pelas proposicoes anteriores, uma transformacao de contacto ϕ numa variedade de contacto(M, E) pode ser expressa localmente como um difeomorfismo ϕ que transforma a forma dx0 −∑s

i=1 pidxi na forma dX0 −∑si=1 PidXi = ρ(dx0 −∑s

i=1 pidxi).

4.5 Fibrados Principais

Estes fibrados sao casos particulares de fibrados diferenciais. Nesta seccao nao pretendemosdesenvolver com detalhe uma teoria de fibrados principais - vamos limitarmo-nos apenas aalguns aspectos necessarios ao resto do capıtulo.

Page 68: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.5. Fibrados Principais 67

Consideremos uma accao regular e livre de um grupo de Lie G numa variedade diferenciavelP , de tal forma que o espaco M das orbitas e uma variedade diferenciavel e a projeccao π :P → M e uma submersao. Assim cada orbita, o pull-back por π de um ponto de M , e umasubvariedade fechada de P difeomorfa a G. Portanto:

dimP = dim M + dimG

Definicao 4.5.1 ... Um fibrado principal com espaco total P , grupo de estrutura G ebase M e um quadruplo (P, π, M, G) onde P e uma variedade diferenciavel, G um grupo de Lieactuando a direita em P livre e regularmente, M a variedade das orbitas de G, e π a projeccaode P em M . Mais abreviadamente diz-se que P e um fibrado principal com base M e grupode estrutura G.

De seguida vamos restringir a nossa discussao apenas ao caso em que G e o grupo multiplica-tivo IR0 dos numeros reais nao nulos (um grupo de Lie de dimensao 1). Assim, a nao ser queseja dito o contrario, os fibrados principais considerados admitem IR0 como grupo de estrutura.Nao vai ser necessario distinguir as accoes do grupo a esquerda ou a direita de P .

Vamos representar a accao de IR0 em P por r : P × IR0 → P , e por rλ o difeomorfismo de Pem P definido por:

rλ(p) = r(p, λ) def= p · λ

Definicao 4.5.2 ... Dados dois fibrados principais (P, π, M) e (P ′, π′,M ′), um mor-fismo de fibrados principais e uma aplicacao Φ : P → P ′ que satisfaz:

Φ rλ = r′λ Φ, ∀λ ∈ IR0

onde r e r′ sao as accoes de IR0 em P e P ′, respectivamente.

Neste caso a aplicacao Φ leva cada orbita da accao r numa orbita da accao r′, pelo que deduzimosa seguinte:

Proposicao 4.5.1 ... O morfismo Φ : P → P ′ e compatıvel com as projeccoes π e π′, eportanto induz uma aplicacao diferenciavel φ : M → M ′ tal que:

π′ Φ = φ π

Vamos agora caracterizar os fibrados principais atraves das funcoes de transicao com valoresem IR0.

Page 69: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.5. Fibrados Principais 68

Proposicao 4.5.2 ... Seja (P, π,M) um fibrado principal (com grupo de estrutura IR0).A cada seccao s de π, sobre um subconjunto aberto U de M , esta associado um difeomorfismoψ de U × IR0 em π−1(U) definido por:

ψ(x, λ) = rλ(s(x)) = s(x) · λa que chamamos trivializacao local do fibrado principal, associada a seccao s.

A cada par (si, sj) de seccoes sobre subconjuntos abertos Ui e Uj de M , tais que Ui∩Uj 6= ∅,esta associado uma aplicacao diferenciavel:

rji : Ui ∩ Uj → IR0

chamada funcao de transicao, tal que a aplicacao:

ψ−1j ψi : (Ui ∩ Uj)× IR0 → (Ui ∩ Uj)× IR0

e expressa por:

ψ−1j ψi(x, λ) = (x, rji(x)λ) (4.5.1)

Dem. A aplicacao ψ e uma bijeccao de U × IR0 em π−1(U), uma vez que a accao r

e livre, a restricao de r a cada orbita e simplesmente transitiva. A aplicacao ψ e diferenciavelporque r e s o sao. Verificamos que, para cada (x, λ) ∈ U × IR0, a diferencial dψ(x,λ) e umisomorfismo uma vez que ψ|U×λ e uma seccao de π e x × IR0 e difeomorfo a π−1(x). Umavez que a accao r e livre, dadas duas seccoes si e sj , para cada x ∈ Ui ∩Uj vai existir um unicorji(x) ∈ IR0 tal que:

si(x) = sj(x) · rji(x)

e portanto:

ψi(x, λ) = (sj(x) · rji(x)) · λ = sj(x) · (rji(x)λ) = ψj(x, rji(x)λ)

Deduzimos entao a relacao 4.5.1, onde a aplicacao rji admite a imagem da restricao a (Ui ∩Uj)× 1 do difeomorfismo ψ−1

j ψi como seu grafico. A aplicacao rji e portanto diferenciavel.

Recıprocamente, se forem dadas as funcoes de transicao podemos obter o fibrado principal.Na pratica, esta e alias a forma usual como os fibrados principais sao apresentados.

Proposicao 4.5.3 ... Seja π : P → M uma submersao sobrejectiva que possui a seguintepropriedade: a variedade M admite uma cobertura por abertos (Ui)i∈I tal que para cada i ∈ I,existe um difeomorfismo ψi de Ui × IR0 em π−1(Ui), com a famılia (Ui, ψi)i∈I a satisfazer acondicao de compatibilidade:

ψ−1j ψi(x, λ) = (x, rji(x)λ) (4.5.2)

Page 70: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.5. Fibrados Principais 69

Entao (P, π, M) e um fibrado principal. Dizemos que cada (Ui, ϕi = ψ−1i ) e uma trivializacao

local de (P, π,M), e o conjunto de todos os (Ui, ϕi)i∈I constituem um atlas trivializador destefibrado.

Dem. Vamos definir uma accao r de IR0 em P da seguinte forma:

rλ(p) = ψi jλ ψ−1i (p)

∀p ∈ P e ∀λ ∈ IR0, onde i ∈ I e tal que p ∈ π−1(Ui), e onde jλ e o difeomorfismo de Ui × IR0

nele proprio definido por:

jλ(x, µ) = (x, λµ), x ∈ Ui, µ ∈ IR0

Em virtude de 4.5.2, rλ e independente da escolha de i ∈ I desde que p ∈ π−1(Ui), e a accaoassim definida e diferenciavel, livre e regular uma vez que o espaco das orbitas e M .

Quando a submersao π associada a um fibrado principal (P, π,M) admite uma seccao global,entao a variedade P e difeomorfa a M × IR0. Dizemos entao que o fibrado principal e trivial.

Vejamos agora a relacao entre fibrados principais com grupo de estrutura IR0 e fibradosvectoriais de rank 1.

Para evitar confusoes, vamos adoptar momentaneamente convencoes diferentes das anteri-ores: para cada fibrado vectorial (E, π, M) de rank 1, a restricao de π a E0 vai ser representadapor π.

Proposicao 4.5.4 ... Seja (E, π, M) um fibrado vectorial de rank 1 com base M , eseja E0 o complementar em E da imagem da seccao nula. Entao (E0, π, M) e um fibradoprincipal cujo grupo de estrutura e IR0, ao qual chamamos o fibrado principal associado aE. Recıprocamente, a cada fibrado principal (P, π,M, IR0) esta associado um fibrado vectorial(E, π, M) tal que P = E0.

Dem.

1. Seja (E, π,M) um fibrado vectorial definido pela famılia (Ui, ϕi)i∈I de trivializacoes locaisque formam um atlas. Para cada i ∈ I, a restricao ϕi de ϕi a π−1(Ui) ∩E0 e um difeomorfismoem Ui × IR0, e as funcoes de transicao sao definidas pela expressao:

ψ−1j ψi(x, λ) = (x, rji(x)λ)

2. Consideremos (P, π, M). Seja E = (P × IR)/ ∼, onde ∼ e a relacao de equivalencia:

(p, µ) ∼(

p · λ,µ

λ

)para p ∈ P, µ ∈ IR e λ ∈ IR0

P pode ser identificado com (P × IR0)/ ∼, portanto P esta incluıdo em E, e a projeccaoπ : P → M pode ser extendida a π : E → M . Existe entao uma bijeccao representada por x → 0x

Page 71: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.6. Simplectificacao de uma variedade de contacto 70

de M em (P × 0)/ρ, porque (p, 0) ≡ (rλp, 0). Cada difeomorfismo ψi : Ui × IR0 → π−1(Ui)pode portanto ser extendido a uma bijeccao, representada por ψi : Ui × IR → π−1(Ui), tal queψi(x, 0) = 0x, e ψ−1

j ψi pode ser extendido a ψ−1j ψi : (Ui∩Uj)× IR → (Ui∩Uj)× IR), definida

por:

ψ−1j ψi(x, λ) = (x, rji(x)λ), x ∈ Ui ∩ Uj , λ ∈ IR

Uma vez que as funcoes de transicao sao diferenciaveis, o mesmo e verdade para as ψ−1j ψ′is.

Assim provamos a existencia de uma estrutura diferenciavel em E que extende a de P ; portanto(E, π, M) e um fibrado vectorial.

4.6 Simplectificacao de uma variedade de contacto

Seja (M, E) uma variedade de contacto de dimensao 2n + 1 e seja C = ker E a respectiva dis-tribuicao de hiperplanos de contacto. Fixemos um qualquer ponto x ∈ M . Cx e portanto umhiperplano em TxM . Uma forma linear nao nula αx ∈ Ex ⊂ T ∗xM , tal que kerαx = Cx, diz-seuma forma de contacto em x.

Definicao 4.6.1 ... A simplectificacao de uma variedade de contacto (M, E) eo conjunto M de todas as formas de contacto em M , munido da estrutura simplectica que sedefinira de seguida.

E obvio que a simplectificacao da variedade de contacto (M, E) nao e mais do que o fibradoprincipal M = E0, associado ao fibrado vectorial E de rank 1. A projeccao de fibrado π : M =E0

- M define-se por π : αx 7−→ x, e a accao do grupo multiplicativo IR0, dos reais nao nulos,em M define-se por (αx, λ) 7−→ λαx. E claro que dim M = 2n + 2.

Vamos agora definir uma 1-forma cononica α ∈ Ω1(M), na simplectificacao M da variedadede contacto (M, E), atraves de:

αp(ξ)def= p(π∗ξ), ∀ξ ∈ TpM, p ∈ M (4.6.1)

Teorema 4.6.1 (Arnold) ... ω = dα e uma forma simplectica em M . Portanto asimplectificacao M de uma variedade de contacto M tem uma estrutura natural de variedadesimplectica (exacta) que esta canonicamente associada a estrutura de contacto da variedade decontacto.

Dem. Como o resultado e local, basta prova-lo numa vizinhanca de um ponto de M .

Localmente, numa vizinhanca U de x ∈ M , a estrutura de contacto da variedade M pode serdefinida por uma 1-forma de contacto θ.

Page 72: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.6. Simplectificacao de uma variedade de contacto 71

Da mesma forma M e localmente um produto U × IRo - ao par (x, λ) ∈ U × IRo associamosa forma de contacto λθ. Assim fica definida uma funcao local λ, em M , que nunca se anula. A1-forma cononica α ∈ Ω1(M), na simplectificacao M , pode entao ser escrita na forma:

α = λπ∗θ

e nao depende da escolha de θ. Calculando a derivada exterior dα, obtemos:

dα = dλ ∧ π∗θ + λπ∗dθ

Resta mostar que dα e nao degenerada, isto e, que, para cada ∀ξ ∈ TpM , podemos encontrar∀η ∈ TpM tal que dα(ξ, η) 6= 0.

Um vector ξ ∈ TpM diz-se vertival se π∗ξ = 0, horizontal se e tangente a uma superfıciede nıvel da funcao λ, isto e, se dλ(ξ) = 0, e, finalmente, diz-se de contacto se a sua projeccaopertence ao hiperplano de contacto em M , isto e, se θ(π∗ξ) = 0 (ou equivalentemente α(ξ) = 0).Calculemos o valor de dα num par de vectores ξ, η):

dα(ξ, η) = (dλ ∧ π∗θ)(ξ, η) + (λπ∗dθ)(ξ, η)

Suponhamos que ξ nao e um vector de contacto. Para η tomemos um vector vertical nao nulo,de tal forma que π∗η = 0. Entao o segundo termo e igual a zero enquanto que o primeiro termoe igual a:

−dλ(η) θ(π∗ξ)

que nao se anula ja que η e um vector vertical nao nulo e ξ nao e um vector de contacto. Portantose ξ nao e um vector de contacto encontramos η tal que dα(ξ, η) 6= 0.

Suponhamos agora que ξ e um vector de contacto mas nao vertical. Entao para η podemostomar qualquer vector de contacto. O primeiro termo e zero e o segundo termo reduz-se aλdθ(π∗ξ, π∗η). Como ξ nao e vertical, o vector π∗ξ e um vector nao nulo do hiperplano decontacto. Mas a 2-forma dθ e nao degenerada quando restrita a esse hiperplano de contacto.portanto existe um vector de contacto η tal que dθ(π∗ξ, π∗η) 6= 0. Como λ 6= 0, encontramos denovo η tal que dα(ξ, η) 6= 0.

Finalmente, se ξ e nao nulo e vertical, entao tomamos para η qualquer vector que nao sejade contacto.

Consideremos de novo uma variedade W , de dimensao n + 1 e a respectiva variedade doselementos de contacto Cont(W ) = PT ∗W (ver o exemplo 4.3.1), com a estrutura de contactonatural definida pela distribuicao C, de hiperplanos de contacto (de dimensao 2n):

C : cw 7−→ Ccw ⊂ TcwPT ∗W

onde:Ccw

def= ξ ∈ TcwPT ∗W | π∗ξ ∈ cw = (π∗)−1(cw)

Como resultado da simplectificacao de M = Cont(W ) = PT ∗W , obtemos uma variedade M dedimensao 2n+2. E claro que M = T ∗0 W - o complementar da seccao nula do fibrado cotangenteT ∗W .

Page 73: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 72

Corolario 4.6.1 ... A distribuicao C, de hiperplanos de contacto, define uma estru-tura de contacto natural na variedade dos elementos de contacto, Cont(W ) = PT ∗W , de umaqualquer variedade W .

4.7 Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff

Ja vimos que uma estrutura de contacto numa variedade M de dimensao 2n + 1 se define es-pecificando uma equacao de Pfaff E de classe constante 2n + 1. A estrutura diz-se estruturade contacto estrita se, alem disso, E e determinada globalmente por uma 1-forma de contactodefinida em M , isto e, se o fibrado principal associado E0 admite uma seccao global θ. Obser-vamos que nesse caso E0 e difeomorfo a M × IR0. Se a forma θ determina E globalmente, omesmo e verdade para qualquer forma fθ, onde f e uma funcao diferenciavel sem zeros em M ;isto leva-nos a definicao seguinte:

Definicao 4.7.1 ... Uma estrutura de Pfaff numa variedade de contacto estrita(M, E) e uma estrutura definida pela escolha de uma 1-forma θ ∈ Ω1(M) que determina Eglobalmente.

Para alguns autores, em particular para G. Reeb e C. Godbillon, uma estrutura de contactosignifica o mesmo do que chamamos de estrutura de Pfaff.

De modo a estudar sob que condicoes uma estrutura de contacto e uma estrutura de contactoestrita vamos provar as seguintes proposicoes:

Proposicao 4.7.1 ... Seja (F, π, M) um fibrado vectorial real de rank 1. As seguintesduas propriedades sao equivalentes:

1. Existe uma seccao global de F sem zeros, isto e, uma seccao global do fibrado principalassociado F0;

2. Existe uma cobertura por abertos (Ui)i∈I de M , e para cada i ∈ I uma seccao si de F0

sobre Ui, tal que para cada par (i, j) ∈ I2, com Ui ∩Uj 6= 0, a funcao de transicao definidapor:

sj = fjisi

toma valores estritamente positivos.

Dem. E obvio que 1 implica 2. Recıprocamente vamos supor que a condicao 2 e satisfeita.

Seja (ϕi)i∈I uma particao da unidade em M que e subordinada a cobertura por abertos (Ui)i∈I

e com o mesmo ındice. Seja:s =

i∈I

ϕisi

Page 74: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 73

s e uma seccao diferenciavel de F sobre M porque todo o ponto de M tem uma vizinhanca Vna qual apenas um numero finito das funcoes ϕi sao nao nulas. Alem disso s nunca se anula; defacto, em V :

s = (ϕi1 + ϕi2fi2i1 + . . . + ϕikfiki1)si1

onde ϕi1 , . . . , ϕik sao as funcoes ϕi nao nulas em V . Os coeficientes de si1 sao estritamentepositivos porque os f ′jis sao estritamente positivos, assim como pelo menos uma das funcoes ϕip

(1 ≤ p ≤ k), uma vez que∑

ϕip = 1.

Definicao 4.7.2 ...

1. Um fibrado vectorial de rank 1 diz-se orientavel se satisfaz uma qualquer das duas pro-priedades da proposicao anterior.

2. Uma equacao de Pfaff E diz-se transversalmente orientavel se o fibrado E e orientavel.

3. Uma variedade M de dimensao m diz-se orientavel se o fibrado∧m T ∗M e orientavel.

Com estas definicoes podemos enunciar a proposicao seguinte:

Proposicao 4.7.2 ... Uma estrutura de contacto e uma estrutura de contacto estrita see so se for transversalmente orientavel.

Uma variedade M e orientavel se admite uma forma volume ν, isto e, uma m-forma dife-rencial que nunca se anula, ou equivalentemente, se existe um atlas tal que os Jacobianos dasmudancas de cartas locais tomam sempre valores positivos. A escolha de ν define uma orientacaoem M , enquanto que as formas fν, quando f > 0 definem a mesma orientacao. As formas gνcom g < 0 definem a orientacao contraria.

Proposicao 4.7.3 ... Se uma variedade M de dimensao 2n + 1 admite uma estruturade contacto estrita E, entao M e orientavel.

Dem. Se θ define E , entao ν = θ ∧ (dθ)n e uma forma volume.

Proposicao 4.7.4 ... Seja M uma variedade de dimensao 2n+1 que admite uma estru-tura de contacto E. Entao:

1. Se n e ımpar, M e orientavel.

2. Se n e par, M e orientavel se e so se E e uma estrutura de contacto estrita.

Page 75: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 74

Dem. Seja (Ui, θi)i∈I uma famılia que define E . Entao:

θj = fjiθi

onde fji nao tem zeros em Ui ∩ Uj . Se definirmos, para cada i ∈ I,

ηi = θi ∧ (dθi)n

deduzimos que:ηj = (fji)n+1ηi

Portanto:

1. Se n e ımpar, as funcoes (fji)n+1 tomam valores estritamente positivos e M e orientavelpela definicao 4.7.2.

2. Se n e par, (fji)n+1 e fji tem o mesmo sinal. Assim os fibrados E e∧2n+1 T ∗M sao

simultaneamente orientaveis ou nao orientaveis.

O final desta seccao e dedicado a estruturas de Pfaff. M representa uma variedade decontacto estrita de dimensao 2n + 1, e vamos supor que escolhemos uma forma de contacto θsem zeros em M .

Proposicao 4.7.5 (G. Reeb) ... Seja θ uma forma de contacto em M . Existe entaoum unico campo de vectores ξ ∈ X(M) que satisfaz as seguintes condicoes equivalentes:

iξθ = θ(ξ) = 1iξdθ = 0

(4.7.1)

e:iξ (θ ∧ (dθ)n) = (dθ)n (4.7.2)

Este campo de vectores, que necessariamente nunca se anula, e chamado o campo de Reebassociado a θ.

Dem. A forma volume ν = θ ∧ (dθ)n define um isomorfismo entre campos de vectores e

2n-formas:X(M)

∼=- Ω2n(M)X 7−→ iXν

e daı se deduz a existencia e unicidade do campo de vectores ξ que satisfaz a condicao (4.7.2),isto e, iξν = (dθ)n.

Por outro lado, das propriedades do producto interior, deduzimos que a condicao (4.7.1)implica a condicao (4.7.2). Falta entao provar que o campo de vectores definido por (4.7.2)satisfaz (4.7.1). A relacao iξiξ = 0, aplicada a (4.7.2), implica iξ(dθ)n = 0. Consequentemente:

iξ(θ ∧ (dθ)n) = (iξθ)(dθ)n = (dθ)n

Page 76: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 75

logo iξθ = 1. Por outro lado,

iξ(dθ)n = iξdθ ∧ (dθ)n−1 = 0

A condicao (dθ)n−1 6= 0 implica finalmente que iξdθ = 0.

Sejam (x0, xi, pi)i=1,···,n coordenadas locais de Darboux, relativamente as quais θ se escreve,de acordo com o teorema de Darboux, na forma:

θ = dx0 −n∑

i=1

pidxi

entao, nessas coordenadas, o campo de Reeb e expresso por:

ξ =∂

∂x0(4.7.3)

A discussao anterior mostra que kerθ e ker dθ sao subfibrados complementares e portanto:

Proposicao 4.7.6 ...

1. O fibrado tangente TM pode ser decomposto na soma directa:

TM = ker dθ ⊕ kerθ (4.7.4)

onde ker dθ, chamado fibrado vertical, e de rank 1 e e gerado pelo campo de Reeb ξ, eonde kerθ, chamado fibrado horizontal, e de rank 2n.

2. Todo o campo de vectores X ∈ X(M) pode ser decomposto de forma unica como:

X = (iXθ)ξ + (X − (iXθ)ξ)= θ(X) ξ + (X − θ(X) ξ) (4.7.5)

onde Xv = θ(X) ξ e vertical e Xh = X − θ(X) ξ e horizontal; Xv e Xh dizem-se res-pectivamente as componentes vertical e horizontal de X, relativamente a forma decontacto θ.

Por dualidade obtemos:

Proposicao 4.7.7 ...

Page 77: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 76

1. O fibrado cotagente T ∗M pode ser decomposto na soma directa:

T ∗M = E ⊕ F (4.7.6)

onde E e o subfibrado de rank 1 gerado por θ, isto e, E define a estrutura de contacto, e Fe o anulador do ker dθ. F e o subfibrado vectorial de rank 2n constituıdo pelas 1-formassemi-basicas, isto e, pelas 1-formas ϕ ∈ Ω1(M) que satisfazem a condicao:

iξϕ = 0

2. Toda a forma de Pfaff γ ∈ Ω1(M) pode ser decomposta de forma unica como:

γ = (iξγ)θ + (γ − (iξγ)θ)

= γ(ξ) θ + (γ − γ(ξ) θ) (4.7.7)

onde γ − γ(ξ) θ e semi-basica.

Como a forma dθ e de rank 2n, ela nao define um isomorfismo entre campos de vectores eformas de Pfaff; no entanto, temos a seguinte proposicao.

Proposicao 4.7.8 ... A aplicacao:

θ[ : X(M) - Ω1(M)X 7−→ θ[(X) = −iXdθ

(4.7.8)

transforma qualquer campo de vectores X ∈ X(M) numa 1-forma semi-basica. Alem disso, arestricao de θ[ ao espaco vectorial dos campos de vectores horizontais e um isomorfismo desteespaco vectorial no espaco vectorial das formas de Pfaff semi-basicas.

Dem. Para cada campo de vectores X em M , a forma iXdθ e semi-basica uma vez que:

iξiXdθ = −iXiξdθ = 0

Por outro lado a restricao da forma dθ ao subfibrado C = kerθ e nao degenerada e portantotemos o isomorfismo referido.

Vamos representar o isomorfismo inverso de θ[ por θ]. Quando nao existir risco de confusaoescrevemos θ[(X) = [X ∈ Ω1(M) e θ](γ) = ]γ ∈ X(M).

A proposicao seguinte, cuja demonstracao pode ser vista em [12], mostra que, quando as tra-jectorias do campo de Reeb definem um folheacao simples, a variedade quociente esta equipadacom uma estrutura simplectica.

Page 78: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.7. Estruturas de contacto estritas e estruturas de Pfaff 77

Proposicao 4.7.9 ... Quando as trajectorias do campo de Reeb ξ, de uma estrutura dePfaff (M, θ), definem uma folheacao simples, existe uma forma simplectica ΩP , na variedade Pdas trajectorias, tal que:

π∗ΩP = dθ (4.7.9)

onde π e a submersao M → P .

Vejamos agora alguns exemplos de variedades de Pfaff.

Exemplo 4.7.1 ... Seja (P1, dα) uma variedade simplectica exacta de dimensao 2n.Entao o produto:

M = IR× P1

admite uma estrutura de Pfaff definida pela forma:

θ = dt− α (4.7.10)

onde t e a coordenada canonica em IR e onde as formas dt e α estao identificadas com os seuspull-backs π∗1dt e π∗2α pelas projecoes π1 e π2 de M em IR e P1, respectivamente. De facto temosque:

θ ∧ (dθ)n = (−1)ndt ∧ (dα)n

e esta forma nao tem zeros em M . O campo de vectores de Reeb e o campo de vectores:

ξ =∂

∂t

A variedade das trajectorias pode ser identificada com P1 e a forma simplectica em P1, definidapela proposicao anterior, e ΩP = −dα.

Exemplo 4.7.2 (Variedade de 1-jactos J1(N, IR)) ... Um caso especial muito impor-tante do exemplo anterior e quando P1 e o fibrado cotangente a uma variedade N de dimensaon e α e a sua forma de Liouville. A variedade:

M = IR× T ∗N

pode ser identificada com a variedade:J1(N, IR)

dos 1-jactos de funcoes de N em IR. Para cada funcao f , com valores reais, definida numavizinhanca de x ∈ N , o jacto j1

xf pode ser identificado com o triplo (x, f(x), df(x)).

Podemos considerar M = IR × T ∗N como sendo um fibrado vectorial com base N ; a fibrapor cima de cada ponto x ∈ N e IR × T ∗xN , e a projecao canonica de M em N e a aplicacaoj1xf → x. Seja f uma funcao diferenciavel, com valores reais, definida num aberto U de N .

A aplicacao j1f : x 7−→ j1xf e uma seccao de J1(N, IR) sobre U , chamada a extensao de f a

J1(N, IR). Recıprocamente, cada seccao s de J1(N, IR) sobre U pode ser expressa como:

s = (f, γ)

Page 79: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.8. Subvariedades de Legendre 78

onde f e uma funcao com valores reais e γ e uma 1-forma. A seccao s pode ser escrita s = j1fse e so se:

df = γ

isto e, usando a propriedade fundamental da forma de Liouville, se e so se:

s∗θ = s∗(dt− α) = 0

Isto pode ser visto usando coordenadas locais (x1, . . . , xn, p1, . . . , pn) em π−1(U), onde π ea projecao T ∗N → N . De facto, temos que α =

∑ni=1 pidxi, e portanto a forma θ pode ser

expressa como:

θ = dt−n∑

i=1

pidxi

Uma seccao s de J1(N, IR) = IR× T ∗N - N pode ser escrita, nessas coordenadas, na forma:

(xi) 7−→(t = f(x1, . . . , xn), xi, pi = γi(x1, . . . , xn)

)

Como s∗θ = df −∑ni=1 γidxi, a condicao s∗θ = 0 e equivalente a:

γi =∂f

∂xi, i = 1, . . . , n

como se pretendia.

4.8 Subvariedades de Legendre

Definicao 4.8.1 ... Uma subvariedade de Legendre, numa variedade de contacto(M, E) de dimensao 2n + 1, e uma subvariedade de M de dimensao n que e uma variedadeintegral de E. Uma imersao de Legendre e uma imersao j de uma variedade conexa N , dedimensao n, em M tal que (N, j) e uma variedade integral de E (ver a definicao 4.2.4).

Exemplos 4.8.1 (Exemplos de subvariedades de Legendre) ...

1. Seja N uma variedade de dimensao n, e seja J1(N, IR) a variedade dos 1-jactos de funcoesde N em IR, que pode ser identificada, como ja vimos, com IR×T ∗N . Vimos tambem queuma seccao local s do fibrado J1(N, IR) - N , sobre um aberto U de N , e da forma j1f(onde f e uma funcao com valores reais definida em U) se e so se s∗θ = 0, onde θ = dt−αe a forma de contacto natural em J1(N, IR).

Portanto a imagem Lf = j1f(U) e uma subvariedade de Legendre de J1(N, IR). Esta ima-gem chama-se o 1-grafico da funcao f . Em particular, se N = IRn, a variedade J1(IRn, IR)pode ser identificada com IR2n+1, e a forma θ pode ser escrita:

θ = dt−n∑

i=1

pidxi

Page 80: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.8. Subvariedades de Legendre 79

onde (t, xi, pi) sao as coordenadas naturais em IR2n+1. Para qualquer funcao diferenciavelf em IRn, o conjunto:

Lf =

f(x), x1, . . . , xn, p1 =∂f

∂x1, · · · , pn =

∂f

∂xn

e uma subvariedade de Legendre de IR2n+1.

2. Seja S uma subvariedade de dimensao s numa variedade W de dimensao n + 1, onde0 ≤ s ≤ n.

Um n-elemento de contacto tangente a S em x ∈ S e, por definicao, um subespacovectorial de dimensao n de TxW que contem TxS. O conjunto LS constituıdo por todosos n-elementos de contacto tangentes a S e uma subvariedade de Legendre da variedadePT ∗W dos n-elementos de contacto de W (ver o exemplo (4.3.1)).

Para provar esta propriedade e suficiente mostrar que o levantamento π−1(LS) de LS emT ∗0 W e uma subvariedade Lagrangiana de T ∗0 W . De facto, π−1(LS) e o conjunto de todosos ξ ∈ T ∗0 W tais que π(ξ) pertence a S, e ξ anula-se em Tπ(ξ)S. Por outras palavras:

π−1(LS) = T ∗0 W ∩N ∗S = (N ∗S)0 (4.8.1)

N ∗S e o fibrado conormal a S, isto e, o anulador no fibrado vectorial T ∗SW (restricao aS do fibrado cotangente a W ), do fibrado TS tangente a S que, como e sabido (ver [12])e uma subvariedade Lagrangiana de T ∗W .

Por exemplo, para s = 0, S e um ponto de W , e LS e uma fibra de PT ∗W - W .Para s = n, S e uma hipersuperfıcie em W e LS e constituıdo por todos os hiperplanostangentes a S, que por vezes e referido como a representacao tangencial de S.

Teorema 4.8.1 ... Seja (M, E) uma variedade de contacto de dimensao 2n + 1. Adimensao maxima das subvariedades integrais de E, e igual a n.

Dem. O resultado e local. Por isso fixemos um ponto m ∈ M e um aberto que contenha

m, no qual E seja gerada por uma forma de contacto θ, e onde estao definidas coordenadas deDarboux (z, xi, pi), i = 1, . . . , n, tais que:

θ = dz −n∑

i=1

pidxi

Se m tem coordenadas de Darboux (z0, xi0, p

0i ), entao as equacoes z = z0, x

i = xi0 definem uma

subvariedade integral de dimesao n de θ.

Suponhamos agora que N = N r e uma subvariedade integral de θ de dimensao r > n.Sejam Xi, i = 1, . . . , r, r campos locais de vectores linearmente independentes e tangentes aN . Juntemos a estes r campos, outros 2n + 1 − r campos locais Xr+1, . . . , X2n, X2n+1 = ξ, detal forma que os 2n + 1 campos assim obtidos forma uma base local de X(M). Entao, comoθ(Xi) = 0, i = 1, . . . , r, temos que:

dθ(Xi, Xj) = Xiθ(Xj)−Xjθ(Xi)− θ([Xi, Xj ])) = 0

Page 81: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.9. Automorfismos de estruturas de contacto estritas 80

Portanto, como r > n, (θ ∧ (dθ)n)(X1, . . . , X2n+1) = 0, o que e uma contradicao.

O seguinte teorema da-nos uma descricao local das subvariedades de Legendre, em termosde uma funcao geradora S.

Teorema 4.8.2 ... Para qualquer particao I ∪ J do conjunto de ındices 1, . . . , n emdois subconjuntos disjuntos I e J , e para uma funcao C∞ qualquer S(xI , pJ) das n variaveisxi, i ∈ I e pj , j ∈ J , as n + 1 equacoes:

x0 = S(xI , pJ)−∑i∈I pi

∂S∂pi

xj = ∂S∂pj

j ∈ J

pi = − ∂S∂xi i ∈ I

(4.8.2)

definem localmente uma subvariedade de Legendre L em M2n+1. Recıprocamente, toda a sub-variedade de Legendre de (M, E), na vizinhanca de um qualquer dos seus pontos, e definida porestas equacoes, para pelo menos uma das 2n escolhas possıveis do subconjunto I.

A demonstracao e baseada no facto de numa variedade de Legendre se verificar 0 = dx0 +∑nk=1 pkdxk = dx0 +

∑i∈I pidxi +

∑j∈J pjdxj , pelo que

d(x0 +∑

i∈I

xipi) = dx0 +∑

i∈I

pidxi +∑

i∈I

xidpi

=∑

i∈I

xidpi −∑

j∈J

pjdxj . (4.8.3)

Note-se que S e uma funcao de apenas n variaveis e que essas variaveis nao podem pertencerao mesmo par de variaveis conjugadas (xi, pi).

4.9 Automorfismos de estruturas de contacto estritas

Suponhamos que a variedade (M, E) esta equipada com uma estrutura de contacto estrita.Vamos escolher uma forma de contacto θ que determina globalmente a equacao de Pfaff E ; assimobtemos uma estrutura de Pfaff e um campo de Reeb ξ. Um campo de vectores X ∈ X(M) eum automorfismo infinitesimal da estrutura de contacto se LXθ e uma seccao de E , logo:

Proposicao 4.9.1 ... Um campo de vectores X ∈ X(M) e um automorfismo de contactoinfinitesimal se e so se existe uma funcao diferenciavel ρ ∈ C∞(M) tal que:

LXθ = ρ θ (4.9.1)

Quando ρ = 0 diz-se que X e um automorfismo infinitesimal da estrutura de Pfaff.

Page 82: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.9. Automorfismos de estruturas de contacto estritas 81

Usando a proposicao 4.7.6, nomeadamente a decomposicao (4.7.5), podemos escrever X naforma:

X = fξ + Xh (4.9.2)

onde fξ, com f = iXθ = θ(X), e a componente vertical e Xh a componente horizontal (ver aproposicao 4.7.6). A relacao LXθ = ρθ pode entao ser escrita na forma (usando a formula deCartan LX = diX + iXd):

LXθ = d(iXθ) + iXdθ

= df + iXdθ = ρ θ (4.9.3)

Tomando o produto interior dos dois ultimos termos por ξ, obtemos:

iξ(df + iXdθ) = iξdf + iXiξdθ = iξdf = ρiξθ = ρ

uma vez que iξdθ = 0 e iξθ = 1. Portanto:

ρ = iξdf = df(ξ) = ξf (4.9.4)

e substituindo em (4.9.3), obtemos:

iXdθ = iXhdθ = −df + (ξf) θ (4.9.5)

Recordemos agora a aplicacao (4.7.8):

θ[ : X(M) - Ω1(M)X 7−→ −iXdθ

e a proposicao (4.7.8). Esta aplicacao θ[ transforma a componente horizontal Xh de X nacomponente semi-basica da forma df , que e igual a df − (ξf) θ (ver (4.7.7)). Recıprocamente,se f e dada, podemos verificar que o campo de vectores:

Xf = θ] (df − (ξf)θ) + fξ (4.9.6)

onde θ] e o isomorfismo inverso de θ[, e um automorfismo de contacto infinitesimal.

A condicao ρ = 0 e equivalente a iξdf = ξf = 0, e expressa o facto de f ser um integralprimeiro do campo de vectores ξ. Concluindo toda esta discussao, podemos finalmente enunciaro seguinte teorema.

Teorema 4.9.1 ... Seja (M, E) uma variedade de contacto estrita; a escolha de umaforma de contacto θ em M (isto e, uma seccao de E sem zeros) define um isomorfismo Φdo espaco vectorial Aut(E), dos automorfismos de contacto infinitesimais, no espaco vectorialC∞(M) das funcoes diferenciaveis em M com valores reais; Φ transforma o subespaco vecto-rial dos automorfismos infinitesimais da forma θ no subespaco vectorial dos integrais primeirosglobais de ξ. O isomorfismo Φ e definido por:

Φ : Aut(E) - C∞(M)X 7−→ fX = iXθ = θ(X)

(4.9.7)

e o seu inverso Φ−1 e definido por:

Φ−1 : C∞(M) - Aut(E)f 7−→ Xf = fξ + θ] (df − (ξf)θ)

(4.9.8)

Page 83: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.9. Automorfismos de estruturas de contacto estritas 82

A funcao f e chamada o Hamiltoniano de contacto associado ao campo de vectores Xf =Φ−1(f).

A funcao ρ tal que LXθ = ρθ (com X = Φ−1(f)), e igual a ρ = iξdf = ξf , isto e:

LXfθ = (ξf) θ (4.9.9)

Em particular, o campo de Reeb ξ = Φ−1(1) e um automorfismo infinitesimal da forma θ.

Proposicao 4.9.2 ... Aut(E) e uma subalgebra de Lie da algebra de Lie X(M).

Dem.

L[Xf ,Xg ]θ = [LXf,LXg ]θ = LXf

((ξg)θ)− LXg((ξf)θ) = (LXf(ξg)− LXg(ξf))θ ∼ τθ

Podemos definir uma estrutura de algebra de Lie em C∞(M), transportando a estrutura dealgebra de Lie de Aut(E), atraves do isomorfismo Φ; o parentesis de Lie de duas funcoes comvalores reais e entao definido por:

f, g def= Φ([

Φ−1(f), Φ−1(g)])

(4.9.10)

ou numa notacao mais simples, pondo, como em (4.9.8), Φ−1(f) = Xf , e atendendo a (4.9.7):

f, g def= i[Xf ,Xg ]θ

= θ([Xf , Xg]) (4.9.11)

Por outro lado, como i[X,Y ] = [LX , iY ], vem que:

f, g = i[Xf ,Xg ]θ = LXfiXgθ − iXgLXf

θ

e, uma vez que LXfθ = (iξdf)θ (ver (4.9.9)), e iXgθ = Φ(Xg) = ΦΦ−1(g) = g, temos que

LXfiXgθ = LXf

g = iXfdg e portanto:

f, g = iXfdg − (iξdf)iXgθ

= iXfdg − g iξdf

= Xfg − g (ξf) (4.9.12)

Como f, g = −g, f, tambem obtemos:

f, g = −iXgdf + f iξdg

= −Xgf + f (ξg) (4.9.13)

Por fim, usando (4.9.5), temos que:

dg = (ξg)θ − iXgdθ

Page 84: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.9. Automorfismos de estruturas de contacto estritas 83

donde resulta que:

f, g = −i(Xf )i(Xg)dθ + fiξdg − giξdf

= dθ(Xf , Xg) + f (ξg)− g (ξf) (4.9.14)

Resumindo toda esta discussao, temos a seguinte:

Proposicao 4.9.3 ... A estrutura de algebra de Lie no espaco C∞(M), induzida peloisomorfismo Φ, e definida pelo seguinte parentesis, chamado parentesis de Jacobi:

f, g def= θ([Xf , Xg]) (4.9.15)

onde Xf = Φ−1(f) e Xg = Φ−1(g). Este parentesis satisfaz as relacoes seguintes:

f, g = Xfg − g (ξf)= −Xgf + f (ξg)= dθ(Xf , Xg) + f (ξg)− g (ξf) (4.9.16)

Quando f e g sao integrais primeiros do campo de Reeb, temos que ξg = 0 = ξf e portanto:

f, g = dθ(Xf , Xg) (4.9.17)

Isto e interessante no caso em que as trajectorias de ξ definem uma folheacao simples porquea variedade quociente P esta entao equipada com uma estrutura simplectica. Esta estrutura edefinida pela forma ΩP tal que π∗ΩP = dθ (onde π e a projecao M → P ). As funcoes f e g saopull-backs de funcoes fP e gP em P , e temos que:

f, g = π∗fP , gP P (4.9.18)

onde fP , gP P e o parentesis de Poisson de fP e gP definido por ΩP .

A definicao do isomorfismo Φ, e portanto do campo de Reeb, nao esta intrınsecamenterelacionada com a estrutura de contacto mas depende da forma de contacto θ que for escolhida.A proposicao seguinte torna esplıcita essa dependencia.

Proposicao 4.9.4 ... Seja a uma funcao com valores reais sem zeros numa variedadeM , e seja ξa o campo de Reeb que esta associado a forma de contacto θa = 1

aθ, ou seja, o campode vectores tal que:

θa(ξa) = 1, e iξadθa = 0 (4.9.19)

Entao o isomorfismo Φa de Aut(E) em C∞(M), associado a θa, satisfaz:

Φ−1a (f) = Φ−1(af) (4.9.20)

Em particular:ξa = Φ−1

a (1) = Φ−1(a) (4.9.21)

Finalmente, o parentesis de Jacobi de f e g associado a Φa e igual a:

f, ga =1aaf, ag (4.9.22)

Page 85: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.10. Algumas formulas de geometria de contacto em coordenadas locais 84

Dem. Temos que:

f = iΦ−1a (f)θa =

1aiΦ−1

a (f)θ = iΦ−1(f)θ

Analogamente:

f, ga = i[Φ−1a (f),Φ−1

a (g)]θa =1a[Φ−1(af), Φ−1(ag)]

.

A proposicao anterior da-nos uma interpretacao do isomorfismo Φ : Aut(E) → C∞(M). Seo campo de vectores X pertence a Aut(E) e e transversal ao campo de elementos de contactoC = kerθ, em cada ponto de M , entao a funcao f = Φ(X) = θ(X) nao tem zeros e X pode serconsiderado como o campo de Reeb associado a forma θf = θ

f .

4.10 Algumas formulas de geometria de contacto em coorde-nadas locais

Numa variedade de contacto (M, E) de dimensao 2n + 1, de acordo com o teorema de Darboux,cada ponto x ∈ M admite uma vizinhanca U na qual a equacao E e determinada pela forma:

θ = dx0 −n∑

i=1

pidxi (4.10.1)

onde (x0, x1, . . . , xn, p1, . . . , pn) constituem um sistema adaptado de coordenadas locais de Dar-boux em U . As cartas locais assim definidas podem ser expresssas como difeomorfismos decontacto de U num subconjunto aberto de T ∗IRn × IR, equipado com a forma de contactodx0 − β onde β =

∑ni=1 pidxi. Identificamos U com esse tal subconjunto aberto.

O campo de Reeb da estrutura de Pfaff definida por θ e o campo de vectores ∂∂x0 .

Atraves da forma θ definimos o campo de vectores Xf = Φ(f) e os parentesis f, g. Deforma analoga, considerando f como uma funcao, definida num aberto U em T ∗IRn, que dependede um parametro x0 definimos o parentesis de Poisson como:

f, gdθ =n∑

i=1

(∂f

∂xi

∂g

∂pi− ∂f

∂pi

∂g

∂xi

)(4.10.2)

Tambem pomos:

(dθ)](df) =n∑

i=1

(∂f

∂xi

∂pi− ∂f

∂pi

∂xi

)(4.10.3)

para o campo Hamiltoniano (simplectico), determindo por f , em T ∗IRn.

Proposicao 4.10.1 ... Seja (M, E) uma variedade de contacto, em que a equacao E edeterminada em coordenadas de Darboux, numa vizinhanca U de um ponto x ∈ M , pela forma:

θ = dx0 −n∑

i=1

pidxi

Page 86: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.11. Transformadas de Legendre 85

Entao, relativamente a estrutura de Pfaff determinada em U pela forma θ, o campo de contactoXf = Φ−1(f), que tem f como Hamiltoniano de contacto, pode ser expresso por:

Xf = Φ−1(f)

=

(f −

n∑

i=1

pi∂f

∂pi

)∂

∂x0+

∂f

∂x0

(n∑

i=1

pi∂

∂pi

)−

n∑

i=1

(∂f

∂xi

∂pi− ∂f

∂pi

∂xi

)

=(

f − pi∂f

∂pi

)∂

∂x0+

∂f

∂pi

∂xi+

(pi

∂f

∂x0− ∂f

∂xi

)∂

∂pi(4.10.4)

(com a convencao usual de soma). Portanto o fluxo de Xf e definido pelo sistema seguinte deequacoes diferenciais:

x0 = f − pi∂f∂pi

xi = ∂f∂pi

pi = pi∂f∂x0 − ∂f

∂xi

(4.10.5)

O parentesis de Jacobi de f e g pode ser expresso como:

f, g =

(f −

n∑

i=1

pi∂f

∂xi

)∂g

∂x0−

(g −

n∑

i=1

pi∂g

∂xi

)∂f

∂x0+

n∑

i=1

(∂f

∂xi

∂g

∂pi− ∂g

∂xi

∂f

∂pi

)(4.10.6)

Dem.

Temos que:Φ(f) = fξ + θ] (df − (ξf)θ)

e:

df − (ξf)θ =n∑

i=1

(∂f

∂xi+ pi

∂f

∂x0

)dxi +

∂f

∂pidpi

Usando a definicao de θ] e o facto de θ](df − (ξf)θ) pertencer ao nucleo de θ, obtemos poridentificacao a expressao para Φ−1(f) afirmada neste teorema. Calculamos ainda f, g =i(Φ−1(f))dg − g ξf .

4.11 Transformadas de Legendre

A transformada de Legendre de uma funcao f : IRn → IR e, grosso modo, a equacao da famıliade hiperplanos tangentes ao grafico de f . Em geral este processo nao associa uma variedade atoda a funcao - poderao surgir certas singularidades que nao serao consideradas aqui.

Definicao 4.11.1 ... Chama-se transformada de Legendre de uma funcao de classeC∞, f : IRn → IR, ao conjunto Lf ⊂ IRn

pi× IRu, formado pelos pontos (pi, u) tais que existe

x = (xi) ∈ IRn satisfazendo:

pi = ∂f∂xi (x), i = 1, . . . , n

u = f(x)−∑i xi ∂f

∂xi (x)(4.11.1)

.

Page 87: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.11. Transformadas de Legendre 86

Por exemplo, para n = 2, f e uma funcao de 2 variaveis e o seu grafico e a superfıcie de IR3:

gr f = (x1, x2, z) : z = f(x1, x2)

A superfıcie gr f , em IR3x1,x2,z, pode ser descrita por dois processos duais - ou como o conjunto

de pontos determinada por z = f(x1, x2), ou como a envolvente dos seus planos tangentes.Vejamos qual a equacao a que deve satisfazer um plano em IR3 para que seja tangente a gr f .Se (X1, X2, Z) sao as coordenadas correntes de um ponto do plano de equacao:

Z − p1X1 − p2X

2 − u = 0

chamamos a (p1, p2, u) as coordenadas desse plano, que e pois o plano perpendicular ao vector(p1, p2,−1) e que intersecta o eixo dos zz no ponto (0, 0, u).

Como o plano tangente a gr f , no ponto (x1, x2, z = f(x1, x2)) ∈ gr f , e o plano de equacao[(X1, X2, Z)− (x1, x2, f(x))] ·

(∂f∂x1 (x), ∂f

∂x2 (x),−1)

= 0, isto e:

Z − f(x)− ∂f

∂x1(x)(X1 − x1)− ∂f

∂x2(x)(X2 − x2) = 0, x = (x1, x2)

as coordenadas desse plano sao portanto:

p1 =∂f

∂x1

p2 =∂f

∂x2

u = f(x)− x1 ∂f

∂x1− x2 ∂f

∂x2(4.11.2)

que se dizem as coordenadas tangenciais de superfıcie gr f (sao as relacoes (4.11.1), quandon = 2). A superfıcie fica tambem determinada se conhecermos u como funcao de p1 e p2, isto e, seconhecermos a famılia a dois parametros de planos tangentes ao gr f . Esta relacao u = ϕ(p1, p2),que se diz a equacao tangencial do gr f , pode ser deduzida a partir de u = f(x1, x2), calculandoos valores de x1 e x2, como funcao de p1 e p2, a partir das equacoes:

p1 =∂f

∂x1(x), p2 =

∂f

∂x2(x)

e substituindo esses valores em:

u = f(x)− x1 ∂f

∂x1(x)− x2 ∂f

∂x2(x)

= f(x1(p1, p2), x2(p1, p2))− p1 x1(p1, p2)− p2 x2(p1, p2)= ϕ(p1, p2) (4.11.3)

Recıprocamente, para determinar as coordenadas pontuais a partir das coordenadas tangenciais,calculamos as derivadas parciais de ϕ(p1, p2) e, como p1 = ∂f

∂x1 (x) e p2 = ∂f∂x2 (x), obtemos:

∂ϕ

∂p1=

∂f

∂x1

∂x1

∂p1+

∂f

∂x2

∂x2

∂p1− x1 − p1

∂x1

∂p1− p2

∂x2

∂p1= −x1

e analogamente:∂ϕ

∂p2= −x2

Page 88: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.11. Transformadas de Legendre 87

Concluindo, obtemos o conjunto de formulas:

−ϕ(p1, p2) + f(x1, x2) = p1x1 + p2x

2

p1 =∂f

∂x1p2 =

∂f

∂x2

−x1 =∂ϕ

∂p1−x2 =

∂ϕ

∂p2(4.11.4)

que ilustra o caracter dual da passagem das coordenadas pontuais para as coordenadas tangen-ciais.

As formulas anteriores podem ser vistas como uma transformacao que associa a cada elementode contacto

(x1, x2, z = f(x1, x2), p1 = ∂f

∂x1 , p2 = ∂f∂x2

)∈ J1(IR2), o elemento de contacto:

(p1, p2, u = ϕ(p1, p2),

∂ϕ

∂p1,

∂ϕ

∂p2

)∈ J1(IR2)

A transformada de Legendre de uma funcao f : IR2 → IR pode ser sempre calculada se asduas equacoes p1 = ∂f

∂x1 , p2 = ∂f∂x2 puderem ser resolvidas em ordem a x1, x2, o que e possıvel se:

∂2f

∂(x1)2∂2f

∂(x2)2−

(∂2f

∂x1∂x1

)2

6= 0

Regressando a definicao 4.11.1, uma questao que se poe naturalmente e saber quando eque Lf e (localmente) o grafico de uma funcao do tipo u = ϕ(pi). Nestas condicoes podemosconsiderar a transformada de Legendre da funcao f como uma funcao (pelo menos localmente).

Consideremos o conjunto Lf ⊂ IRnpi× IRn

xi × IRu, constituıdo pelos pontos (pi,−xi, u) queverificam o sistema de equacoes (4.11.1). Lf e uma subvariedade de Legendre em IR2n+1, munidada forma θ = du− pidxi, parametrizada por xi:

xi 7−→ (pi = ∂f/∂xi,−xi, u = f(xi)− xi∂f/∂xi)

e Lf = π(Lf ), onde π representa a projeccao (pi, xi, u) 7→ (pi, u).

Proposicao 4.11.1 ... Existe uma vizinhanca V de x ∈ IRn tal que Lf |V e uma subvar-iedade de dimensao n em IRn × IR se e so se a matriz Hessiana de f em x e nao degenerada.Nesse caso, Lf |V e o grafico de uma funcao (local) de IRn em IR, de classe C∞.

Dem. o espaco tangente a Lf num ponto (p,−x, u) ∈ Lf e gerado pelos vectores:

∂2f

∂x1∂xk(x), · · · , ∂2f

∂xn∂xk(x), δk

1 , · · · , δkn,−

i

xi ∂2f

∂xi∂xk(x)

para k = 1, 2, . . . , n. Pela projeccao π estes vectores transformam-se em:

∂2f

∂x1∂xk(x), · · · , ∂2f

∂xn∂xk(x),−

i

xi ∂2f

∂xi∂xk(x)

A ultima componente e uma combinacao linear das outras e portanto π|Lf tem caracterısticamaxima n sse a matriz dos ∂2f

∂xi∂xj (x) e nao degenerada.

Page 89: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

4.11. Transformadas de Legendre 88

Proposicao 4.11.2 ... Suponhamos que a matriz Hessiana Hf (x), de f em x, e naodegenerada. Entao Lf e localmente o grafico de uma funcao (local) u = ϕ(pi), de classe C∞,tal que:

(∂f

∂x1(x), · · · , ∂f

∂xn(x)

)= −[Hf (x)]−1

Dem. Sob as condicoes da proposicao o sistema:

pi =∂f

∂xi(x)

e localmete inversıvel e portanto equivalente a:

xi = gi(p)

Tem-se que:Jac g(p) = [Hf (x)]−1

e de (4.11.1) obtemos:

u = f(x)−∑

i

xi ∂f

∂xi(x)

= f(g(p))−∑

i

pigi(p)

= ϕ(p) (4.11.5)

donde se deduz que:∂ϕ

∂pj(p) = −gj(p)

e:∂2ϕ

∂pi∂pj(p) = −∂gj

∂pi(p) = −xj(p)

A definicao 4.11.1 pode ser generalizada da seguinte forma:

Definicao 4.11.2 ... Dada uma particao I ∪J do conjunto de ındices 1, . . . , n em doissubconjuntos disjuntos I e J , chama-se transformada de Legendre I-parcial de uma funcaode classe C∞, f : IRn

xi → IR, ao conjunto LIf ⊂ IRnpi× IRu, formado pelos pontos (pi, u) tais que

existe (xI) ∈ IR|I| satisfazendo:

pi = ∂f∂xi (x) i ∈ I

pj = xj j ∈ J

u = f(x)−∑i∈I xi ∂f

∂xi (x)

(4.11.6)

.

Page 90: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Capıtulo 5

Geometria de Contacto eTermodinamica Classica

5.1 Introducao

Quando se pretende desenvolver uma qualquer teoria fısica e necessario atender-se a dois aspectosessenciais: encontrar um conjunto adequado M , de todos os estados, o chamado espaco deestados e encontrar uma estrutura para esse espaco. Normalmente essa estrutura e definidapor um tensor, um campo de vectores ou covectores, ou por uma conexao; o grupo que preservaa estrutura geometrica de M e considerado como o grupo de simetrias da teoria. Grosso modo,podemos pois dizer que, em sentido lato, qualquer teoria fısica pode em princıpio ser tratadacomo um ramo da geometria. Apesar deste tipo de abordagem ser bem sucedido em muitosramos da Fısica, como por exemplo, mecanica classica, gravitacao, teorias de gauge, e outras,nao e tao linear que tambem o seja em termodinamica. Isto deve-se por um lado, ao factode existirem dois tipos de aproximacoes aos fenomenos termodinamicos, uma fenomenologicae outra estatıstica, e por outro lado, a necessidade de ter que lidar com um grande numerode variaveis macroscopicas de varios tipos, quando se trabalha com sistemas que nao estao emequilıbrio.

O objectivo deste capıtulo e o de estudar, de um ponto de vista geometrico, alguns aspectosgerais da termodinamica classica, mostrando como a geometria de contacto pode ser associadaa primeira lei da termodinamica1. Esta estrutura pode ser definida naquilo a que se chama oespaco de fases termodinamico (EFT). O que pretendemos e que o EFT equipado comuma estrutura de contacto seja a base geometrica para a teoria classica da termodinamica.

Para um sistema termodinamico com n graus de liberdade (macroscopicos), o EFT e umavariedade M de dimensao 2n + 1. A sua estrutura de contacto pode ser dada por uma forma dePfaff nao degenerada θ, por exemplo, θ = dU−TdS +PdV −νdN para n = 3, na representacaode energia.

Este formalismo geometrico, baseado em geometria de contacto, tem muitos aspectos seme-lhantes ao formalismo simplectico (ou Hamiltoniano) usado em mecanica classica, com o EFTe a sua forma de contacto desempenhando um papel analogo ao que aı e desempenhado peloespaco das fases com a respectiva forma simplectica.

1tambem a geometria metrica pode ser associada a segunda lei da termodinamica (ver [11] ou [16], por exemplo).No entanto este assunto nao sera tratado neste trabalho.

89

Page 91: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.2. Subvariedades de Legendre e a primeira lei da Termodinamica 90

Um exemplo importante desta semelhanca e o facto de que a cada funcao f , no EFT, pode-mos associar um campo de contacto Xf que gera um grupo a um parametro de transformacoesde contacto, isto e, Xf ∈ Aut(E) e um automorfismo infinitesimal de contacto. A analogia naoe porem completa ja que, sob certas condicoes, tais transformacoes podem ser vistas como pro-cessos termodinamicos, enquanto que noutros casos apenas como deformacoes a um parametrode certas subvariedades de Legendre S ⊂ M , que representam estados termodinamicos.

5.2 Subvariedades de Legendre e a primeira lei da Termodinamica

O objectivo desta seccao e mostrar como a termodinamica pode ser tratada em termos de geome-tria de contacto, nomeadamente como podemos descrever dessa forma os estados de equilıbriode sistemas termodinamicos.

Em Termodinamica o EFT e uma variedade de contacto M que, em geral e um aberto deIR2n+1 munido de coordenadas de Darboux (xi, pi, u), nas quais a forma de contacto e dada por:

θ = du−∑

i

pidxi (5.2.1)

As correspondencias mais usuais sao:

• na representacao de energia:

(u; x1, x2, x3, · · · ; p1, p2, p3, · · ·) ↔ (U ; S, V, N1, · · · ;−T, P,−µ1, · · ·)e:

θU = dU − TdS + PdV −∑

k

µkdNk

• na representacao de entropia:

(u; x1, x2, x3, · · · ; p1, p2, p3, · · ·) ↔ (S;U, V, N1, · · · ;−1/T,−P/P, µ1/T, · · ·)e:

θS = dS − 1T

dU − P

TdV +

k

µk

TdNk

A primeira lei da Termodinamica tem, neste contexto, a seguinte formulacao: “Qualquer sistematermodinamico em equilıbrio pode ser representado, num EFT apropriado (M, θ), atraves deuma certa subvariedade de Legendre em M”. Assim por exemplo:

Definicao 5.2.1 ... Seja M o espaco euclideano de IR5. Vamos designar as coordenadasde M = IR5 pelas letras (U, S, V,−T, P ). A forma seguinte e chamada de 1- forma de Gibbs:

θ = dU − TdS + PdV (5.2.2)

Um sistema termodinamico simples em equilıbrio e por definicao uma subvariedadede Legendre φ : IR2 → IR5, tal que:

φ∗(θ) = 0 (5.2.3)

Page 92: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.2. Subvariedades de Legendre e a primeira lei da Termodinamica 91

As coordenadas anteriores, foram adoptadas por razoes fısicas e representam respectivamentea energia interna, a a entropia, o volume, a temperatura, e a pressao. As duas variaveis deIR2 representam o estado do sistema fısico e podem ser escolhidas entre as cinco coordenadasanteriores. Por exemplo, a escolha mais obvia e que sejam (P, V ), desde que φ∗(P ) e φ∗(V )definam um sistema de coordenadas em IR2. Assim podemos reparametrizar a subvariedade φde tal modo que seja dada por:

(P, V ) → (U(P, V ), S(P, V ), V, T (P, V ), P ) (5.2.4)

As condicoes (5.2.2) e (5.2.3), conduzem-nos a:

0 = φ∗(θ)= φ∗(dU − TdS + PdV )= dU(P, V )− T (P, V ) dS(P, V ) + PdV

=∂U

∂PdP +

∂U

∂VdV − T (P, V )

(∂S

∂PdP +

∂S

∂VdV

)+ PdV

=(

∂U

∂P− T (P, V )

∂S

∂P

)dP +

(∂U

∂V− T (P, V )

∂S

∂V+ P

)dV (5.2.5)

donde se deduzem as seguintes equacoes:

∂U

∂P= T

∂S

∂P∂U

∂V= T

∂S

∂V− P (5.2.6)

Tambem vao existir equacoes de integrabilidade, conhecidas como as relacoes de Maxwell,que sao a forma explıcita da condicao de que:

φ∗(θ) = 0 ⇒ dφ∗(θ) = φ∗(dθ) = 0 (5.2.7)

Vejamos agora como podemos descrever um gas ideal recorrendo a estas notacoes.

Exemplo 5.2.1 (Gas Ideal) ... Um gas ideal vai ser um sistema termodinamico simplesem equilıbrio definido pela aplicacao φ : IR2 → IR5 de tal modo que existe uma constante c euma funcao f de uma variavel que verifica:

φ∗(PV − cT ) = 0 (5.2.8)

φ∗(U − f(T )) = 0 (5.2.9)

As equacoes PV = cT e U = f(T ) sao chamadas de equacoes de estado.

Acabamos de ver, que os sistemas termodinamicos simples podem ser descritos em termos degeometria de contacto. Agora pretendemos generalizar de modo a poder considerar sistemas queinvolvam nao so variaveis do tipo (P, V, S, T, U) mas tambem as variaveis potenciais quımicos.

A estrutura matematica base e a de variedade de contacto, ja vista no capıtulo anterior. Javimos tambem que a forma de contacto, na representacao de energia, θ = θU = dU − TdS +PdV −∑

k µkdNk, define uma estrutura de contacto.

Page 93: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.3. As transformacoes de contacto e as simetrias termodinamicas 92

Definicao 5.2.2 ... Seja M uma variedade de contacto . Seja S uma subvariedade dedimensao n e φ : S → M a aplicacao de inclusao. Entao, φ define um sistema termodinamicoem equilıbrio se φ e uma subvariedade de Legendre de M .

A variedade M e muitas vezes chamada de espaco de estados de Gibbs do sistema ter-modinamico. Qualquer 1-forma θ que defina localmente a estrutura de contacto e chamada umaforma de Gibbs. A subvariedade integral S e entao uma subvariedade integral de dimensaomaxima, ou seja uma subvariedade de Legendre - a subvariedade de Legendre dos estados deequilıbrio do sistema M .

Ja foi visto no capıtulo anterior que a estrutura de contacto define uma distribuicao dehiperplanos de contacto, ou por outras palavras um subfibrado C do fibrado tangente, os quaissao, em coordenadas de Darboux, localmente gerados pelos 2n campos de vectores:

Pi =∂

∂pi, e Xi =

∂xi− pi

∂x0, i = 1, . . . , n (5.2.10)

Como tambem ja foi visto, associado a forma de contacto θ, existe o campo de vectores deReeb, definido em coordenadas canonicas por:

ξ =∂

∂x0(5.2.11)

As curvas integrais deste campo de vectores permitem introduzir uma estrutura de fibradoem M2n+1, isto e, dois pontos pertencem a mesma fibra se e so se pertencerem a mesma curvaintegral.

Os campos Pi, Xi e ξ satisfazem as seguintes relacoes de comutacao

[Xi,Xj ] = [Pi,Pj ] = [Xi, ξ] = [Pi, ξ] = 0, [Xi,Pj ] = δijξ.

O ultimo comutador mostra que a distribuicao nao e involutiva. Geometricamente significaque a distribuicao de contacto e nao integravel, como ja referimos.

5.3 As transformacoes de contacto e as simetrias termodinamicas

De aqui em diante vamos supor que temos uma estrutura de contacto (M, E) estrita, ou sejadefinida por uma forma de contacto θ que determina E globalmente. Ja vimos no capıtuloanterior que um difeomorfismo ϕ : M → M diz-se um difeomorfismo de contacto se preserva adistribuicao de contacto de M , ou seja, se ϕ e tal que:

ϕ∗θ = ρθ

onde ρ e uma funcao definida em M que nunca se anula.

Relembramos ainda da proposicao 4.9.1 do capıtulo anterior, que um campo de vectores Xem M diz-se um campo de contacto se preserva a estrutura de contacto de M , ou, de formaequivalente, se:

LXθ = τθ mboxouseja LXθ ∧ θ = 0 mboxonde τ = ξf = ξθ(X)

Page 94: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.3. As transformacoes de contacto e as simetrias termodinamicas 93

A distribuicao de contacto gerada por Pi e Xi, e a distribuicao caracterıstica gerada pelocampo de Reeb ξ podem ser chamadas de distribuicoes horizontal e vertical respectivamente.Assim, se considerarmos estes 2n+1 campos de vectores como base, qualquer campo de vectoresX de M pode ser decomposto numa componente horizontal, Xh, e numa componente vertial,Xv:

X = Xh + Xv, onde Xv = θ(X)ξ e Xh = X −Xv

de acordo com a proposicao 4.7.6 do capıtulo anterior.

Notemos que θ(Xh) = 0, e portanto Xh pertence ao hiperplano de contacto, enquanto queXv e tangente as fibras.

Considerando a forma geral de campos de contacto em M :

X = xi ∂

∂xi+ pi

∂pi+ x0 ∂

∂x0

as componentes de Xf definem um fluxo em M , tal como foi visto na proposicao 4.10.1 docapıtulo anterior, e dado por:

x0 = f − pi∂f∂pi

xi = ∂f∂pi

pi = pi∂f∂x0 − ∂f

∂xi

(5.3.1)

Para uma dada funcao f podemos olhar para as equacoes anteriores como um sistema de2n + 1 equacoes diferenciais para as curvas integrais deste fluxo. Uma vez que Xff ≡ df(Xf ) =f(ξf), temos que em geral Xf e tangente apenas as superfıcies de nıvel para as quais f = 0.Alias podemos provar o seguinte teorema:

Teorema 5.3.1 ... Seja S uma subvariedade de Legendre. Entao Xf e tangente a S see so se f se anular em S, ou seja S ⊂ f−1(0).

No caso em que a subvariedade de Legendre S esteja contida na superfıcie de nıvel zero, istoe S ⊂ f−1(0), entao Xf e tangente a S. Neste caso as equacoes de contacto anteriores (5.3.1)podem ser interpretadas como processos termodinamicos, como veremos na proxima seccao.

Concluindo, a cada funcao f definida no espaco de contacto, associamos um campo de vec-tores Xf que e o gerador infinitesimal de um grupo a um parametro de transformacoes decontacto. Em geral, uma transformacao de contacto leva uma subvariedade de Legendre doespaco de contacto, ou seja a variedade dos estados de equilıbrio do sistema, noutra. Vimosainda em que condicoes o fluxo associado a Xf preserva a subvariedade de Legendre S, ou seja,Xf e tangente a S; um fluxo associado a um campo Xf que preserve S pode ser interpretadocomo um processo termodinamico do sistema representado por S. No caso em que Xf nao etangente a S, podemos mergulhar S numa famılia a um parametro de variedades de LegendreSt. Neste caso, vamos obter um novo sistema St como deformacao do sistema S. Assim, apartir de um dado sistema termodinamico vamos obter uma famılia a um parametro de sis-temas termodinamicos e, atraves da transformacao de contacto contınua gerada por f , todas as

Page 95: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.4. Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados 94

informacoes termodinamicas de St, podem ser obtidas explıcitamente em termos de f a partirdas informacoes termodinamicas de S. Iremos agora ilustrar estas construcoes com exemplos deX′fs e dos seus fluxos associados.

5.4 Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados

Para podermos aplicar os conceitos anteriores a termodinamica, e necessario identificar todasas variaveis x0, pi, x

i, i = 1, . . . , n com parametros termodinamicos de tal modo que a equacaoθ = dx0 + pidxi = 0 represente a primeira lei da termodinamica. Por exemplo, na representacaode energia temos a seguinte correspondencia, como alias ja tinha sido visto,

(x0;x1, x2, x3, . . . ; p1, p2, p3, . . .) ⇔ (U ; S, V, N1, . . . ;−T, P,−µ1, . . .),

e:

θ = θU = dU − TdS + PdV −∑

i

µidNi, i = 1, . . . , n− 2

E, no entanto, importante referir que o valor destas variaveis tem significado fısico apenasnuma subvariedade de Legendre de θ e portanto, a nao ser que as 2n+1 variaveis sejam restritasa uma subvariedade de Legendre, elas sao tratadas como independentes.

O que agora vamos ver sao alguns exemplos de Xf , as equacoes diferenciais associadas aocampo, as chamadas equacoes de contacto de Hamilton, e a partir dessas equacoes as curvasintegrais. Relembremos que algumas delas descrevem processos termodinamicos, enquanto queoutras levam subvariedades de Legendre que representam um tipo de sistemas em subvariedadesde Legendre que representam outro tipo de sistemas.

Exemplo 5.4.1 ... Para f = U − TS + RNT − µN , temos que:

Xf = (S −RN)∂

∂S+ N

∂N+ P

∂P+ RT

∂µ+ U

∂U

e portanto as equacoes de contacto Hamiltonianas, definidas a partir das componentes de Xf

tem a forma:

T = V = 0, P = P, µ = RT, S = S −RN, N = N, U = U

As respectivas curvas integrais sao dadas por:

T = T0, P = P0et, µ = RT0t + µ0, S = (S0 −RN0t)et, V = V0, N = N0e

t, U = U0et.

Uma vez que para um gas ideal f = 0, Xf vai ser tangente a subvariedade de Legendre quecorresponde aos estados de equilıbrio do gas ideal e descreve um processo termodinamico comvolume e temperatura constantes, respectivamente V0 e T0. Uma vez que Xf e tangente a Stodas as relacoes entre os parametros termodinamicos para o gas ideal sao preservadas ao longodas curvas integrais. Assim, por exemplo:

PV = NRT, U =32NRT, ou U = TS − PV + µN. (5.4.1)

Page 96: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.4. Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados 95

Exemplo 5.4.2 ... Para f = NRT − 25TS − 2

5µN vamos obter:

Xf =(

25S −RN

)∂

∂S+

25N

∂N− 2

5T

∂T+

(RT − 2

)∂

∂µ

e portanto as curvas integrais de Xf tem a forma:

S = (s0 −RN0t)e2t/5, V = V0, N = N0e2t/5, T = T0e

−2t/5

P = P0, µ = (µ0 + RT0t)e−2t/5, U = U0

Mais uma vez e facil provar que as equacoes (5.4.1) sao preservadas.

Nestes dois exemplos ambas as funcoes f foram escolhidas de modo que a subvariedadede Legendre S do gas ideal estivesse contida na hipersuperfıcie de nıvel f−1(0). Assim, Xf etangente a S e pode ser tratado como um processo termodinamico. A situacao e completamentediferente se S nao esta contido em f−1(0). Nos exemplos seguintes Xf nao vai ser tangente aS e portanto nao pode ser tratado como um gerador de um processo termodinamico, mas simcomo gerador de uma famılia a 1-parametro de sistemas termodinamicos.

Exemplo 5.4.3 ... Seja f uma funcao afim apenas dos parametros intensivos, f =a + bipi. Entao as componentes de Xf tem a forma:

xi = bi, pi = 0, x0 = a

e consequentemente:

xi = xi0 + bit, pi = pi0, x0 = x0

0 + at

Assim os parametros intensivos sao mantidos constantes, enquanto que os extensivos saofuncoes lineares de t. Nenhuma das equacoes (5.4.1) sao preservadas neste caso. Pelo contrarioXf produz uma famılia contınua a 1-parametro de sistemas termodinamicos (isto e, uma famıliaa 1-parametro de subvariedades de Legendre St). Uma situacao interessante ocorre quando f sereduz a f = bP . Entao V = V0 + bT enquanto que todos os outros parametros sao fixos. Paraum valor fixo de b, St representa uma famılia a 1-parametro de gases de esferas pesadas.

Exemplo 5.4.4 ... Se f = a+ bixi for uma funcao afim dos parameros extensivos, entao

as curvas integrais de Xf assumem agora a forma:

xi = xi0, pi = pi0 − bit, x0 = x0

0 + (a + bixi0)t

e nao representam um processo termodinamico. O significado de Xf nao e, neste caso, claro.

Page 97: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.4. Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados 96

Exemplo 5.4.5 ... Seja agora f = x0 − φ(x1, . . . , xn). Entao:

xi = 0, pi = pi +∂φ

∂xi, x0 = x0 − φ

Mais uma vez Xf produz uma famılia a 1-parametro de subvariedades de Legendre St apartir de uma dada S. Contudo se x0 = φ(x1, . . . , xn) representa a relacao fundamental dosistema, ou seja se φ representa uma funcao geradora da subvariedade de Legendre S, entaoXf |S = 0 e S e obviamente preservada.

Exemplo 5.4.6 ... Se tomarmos f1 = bP , onde b e uma constante nao negativa, ascurvas integrais de Xf1 = b ∂

∂V sao tais que todos os parametros sao preservados com excepcaodo volume que obedece a V = V0 + bt. Assim, Xf1 leva um gas ideal num gas de esferas pesadasque nao interagem.

Se, por outro lado, f2 = −aV −1, a > 0, Xf2 = (−a/V )∂/∂U − (a/V 2)∂/∂P e tal que:

U = U0 − a

V0τ, P = P0 − a

V 20

τ

enquanto que todos os outros parametros sao preservados. Agora podemos dizer que Xf2 levaum gas ideal num gas de partıculas pontuais em interaccao.

Tomemos agora f = f1 + f2 = bP − aV −1. As curvas integrais de Xf sao tais que T , S, Ne ν nao variam enquanto que:

V = V0 + bt, U = U0 − a

bln

V0 + bt

V0, P = P0 − at

V0(v0 + bt)

A equacao de estado do gas ideal ja nao e preservada e e levada noutra equacao de estado:

(P +

at

V (V − bt)

)(V − bt) = NRT

que, para t = 1, se assemelha as equacoes de estado de van der Waals. De facto, para valoresfixos de a e b obtemos uma famılia a 1-parametro de gases van der Waals.

Exemplo 5.4.7 ... Duas outras modificacoes do gas de van der Waals podem ser obtidasse, em vez da transformacao induzida por Xf1+f2 , considerarmos duas transformacoes consec-utivas: a que esta associada a Xf1 seguida pela que esta associada a Xf2 e vice versa. Vamosobter duas transformacoes a 2-parametros diferentes uma vez que as transformacoes induzidaspor f1 e f2 nao comutam, o que pode ser visto calculando os parentesis de Lie:

[Xf1 , Xf2 ] =[b

∂V,− a

V

∂U− a

V 2

∂P

]=

ab

V 2

∂U+

2ab

V 3

∂P6= 0

Quando Xf1 e seguido por Xf2 , vamos obter uma famılia a 2-parametros de equacoes deestado

Page 98: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.4. Exemplos de Xf e dos seus fluxos de contacto associados 97

(P +

a

V 2τ

)(V − bt) = NRT

O resultado vai ser diferente quando Xf2 e seguido por Xf1 :

(P +

a

(Vbt)2τ

)(V − bt) = NRT

Na realidade a penultima equacao reproduz a equacao standard de van der Waals.

Como ultimo exemplo vamos demonstrar como podemos determinar a funcao f tal que Xf

descreva um processo de equilıbrio quase-estatico na subvariedade de Legendre S que representaum sistema fısico com potencial x0 = φ(x1 . . . , xn).

Primeiro vamos descrever o caminho do processo em IRn atraves de coordenadas x1, . . . , xn.Este caminho vai ser levado na subvariedade de Legendre atraves das equacoes (ver o teorema4.8.2):

xi =∂φ

∂pi, pj =

∂φ

∂xj, x0 = φ− pi

∂φ

∂pi

A seguir determinamos um campo de vectores:

X(x1, . . . , xn) =n∑

i=1

ai(x1, . . . , xn)∂

∂xi

cujas curvas integrais sao o caminho desejado em IRn. Agora observemos que se tomarmos:

fi = pi +∂φ

∂xi(x1, . . . , xn)

Xfivai ser tangente a S e reduz-se a Xfi

= ∂∂xi , pela projeccao em IRn parametrizada por

x1, . . . , xn. Como, por construcao, fi = 0 na subvariedade de Legendre, podemos usar o factodos campos de vectores Xf formarem uma algebra de Lie para deduzirmos que o campo Xf

pretendido e dado por:

f =n∑

i=1

aifi

Exemplo 5.4.8 ... Pretendemos descrever um processo de equilıbrio que segue um arcocircular centrado na origem no plano (S, V ), restingindo-nos ao caso n = 2. Usando a construcaoanterior, vemos que a desejada funcao f e dada por:

f = S(P − P (S, V ))− V (−T + T (S, V ))

Portanto,

P (S, V ) = −∂U

∂V(S, V )

Page 99: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.5. Potenciais Termodinamicos 98

e:

−T (S, V ) = −∂U

∂S(S, V )

5.5 Potenciais Termodinamicos

Em ambas as representacao de energia e de entropia os parametros extensivos tem o papel devariaveis matematicas independentes. Na pratica, no entanto, reparamos que e bem mais facilmedir e controlar os parametros intensivos e portanto encara-los como variaveis independentes.

Por exemplo, uma relacao fundamental para um sistema PVT fechado, tal como foi visto noprimeiro capıtulo, pode ser representada por:

dU = TdS − PdV (5.5.1)

Nesta equacao U e uma funcao das variaveis S e V . No entanto, a escolha de S e V comovariaveis independentes nem sempre e conveniente - frequentemente usam-se com vantagensoutros pares de variaveis. Por exemplo, em termodinamica, define-se a entalpia como:

H ≡ U + PV (5.5.2)

A diferencial de H e:dH = dU + PdV + V dP

e combinando com a equacao 5.5.1 obtemos

dH = TdS + V dP

sendo agora H funcao das variaveis S e P , uma vez que estamos a trabalhar num sistema PV Tfechado. Contudo, em geral, nao se podem definir novas funcoes termodinamicas por combinacaoaleatoria de variaveis.

Um outro bom exemplo desta situacao e-nos dado pelas variaveis conjugadas entropia etemperatura; na pratica nao existe nenhum instrumento para medir e controlar a entropia,enquanto que os termometros e termostatos sao instrumentos basicos para medir a temperatura.

A questao consiste portanto em aplicar o formalismo matematico das transformadas de Le-gendre, desenvolvido na ultima seccao do capıtulo anterior, de tal modo que os parametros in-tensivos possam substituir os parametros extensivos como variaveis matematicas independentes.

O fim desta seccao consta de exemplos de aplicacao do formalismo das transformadas deLegendre a Termodinamica.

A relacao fundamental u = f(x1, . . . , xn) pode ser interpretada na representacao da ener-gia por U = U(S, V,N1, . . . , Nn). As derivadas p1, . . . , pn correspondem aos parametros in-tensivos T,−P, µ1, . . . , µn. As transformadas de Legendre vao ser chamadas potenciais ter-modinamicos.

Page 100: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.5. Potenciais Termodinamicos 99

Exemplo 5.5.1 ... O potencial de Helmholtz ou a energia livre de Helmholtz,notada por F , e a transformada de Legendre parcial de U que substitui a entropia pela tem-peratura como variavel independente. As variaveis naturais do potencial de Helmholtz saoT, V, N1, . . . , Nn, ou seja, a relacao funcional F = F (T, V, N1, . . . , Nn) constitui uma relacaofundamental e, de acordo com as notacoes do capıtulo anterior u = ϕ(x1) = U(T ) = F .

Obtemos assim o seguinte conjunto de relacoes entre as representacoes de energia e deHelmholtz:

U = U(S, V, N1, . . . , Nn) F = F (T, V, N1, . . . , Nn)T = ∂U/∂S −S = ∂F/∂T

F = U − TS U = F + TS

a eliminacao de U e S conduz a a eliminacao de F e T conduz aF = F (T, V,N1, . . . , Nn) U = U(S, V, N1, . . . , Nn)

O diferencial dF e dado por:

dF = −SdT − PdV +n∑

i=1

µidN i

Exemplo 5.5.2 ... Como ja vimos, a entalpia, notada por H, e a transformada deLegendre parcial de U que substitui o volume pela pressao como variavel independente. Asvariaveis naturais deste potencial sao S, P, N1, . . . , Nn e de acordo com as notacoes do capıtuloanterior u = ϕ(x1) = U(P ) = H. Obtemos entao o seguinte conjunto de relacoes entre asrepresentacoes de energia e a entalpia:

U = U(S, V, N1, . . . , Nn) H = H(S, P,N1, . . . , Nn)−P = ∂U/∂V V = ∂H/∂P

H = U + PV U = H − PV

a eliminacao de U e V conduz a a eliminacao de H e P conduz aH = H(S, P, N1, . . . , Nn) U = U(S, V, N1, . . . , Nn)

O diferencial dH e dado por:

dH = TdS + V dP +n∑

i=1

µidN i

Exemplo 5.5.3 ... Um ultimo exemplo das transformadas de Legendre da energia maiscomuns e a funcao de Gibbs ou a energia livre de Gibbs. Este potencial e a transformadade Legendre parcial que substitui simultaneamente a entropia pela temperatura e o volume pelapressao como variaveis independentes. A notacao utilizada usualmente e G, as variaveis naturaissao T, P, N1, . . . , Nn e de acordo com as notacoes do capıtulo anterior u = ϕ(x1, x2) = U(T, P ) =G. Obtemos assim o seguinte conjunto de relacoes:

Page 101: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

5.5. Potenciais Termodinamicos 100

U = U(S, V, N1, . . . , Nn) G = G(T, P, N1, . . . , Nn)T = ∂U/∂S −S = ∂G/∂T

−P = ∂U/∂V V = ∂G/∂P

G = U − TS + PV U = G + TS − PV

a eliminacao de U , S e V conduz a a eliminacao de G, T e P conduz aG = G(T, P, N1, . . . , Nn) U = U(S, V,N1, . . . , Nn)

O diferencial dG e dado por:

dG = −SdT + V dP +n∑

i=1

µidN i

************************** FIM **************************

Page 102: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

Bibliography

[1] M.M. Abbott and H.C. Van Ness, “Schaum’s Outline of Theory and Problems of Thermo-dynamics”, 2nd ed., McGraw-Hill, New York, 1989.

[2] Arnold V., “Mathematical Methods of Classical Mechanics”, GTM 60, Springer-Verlag,1980.

[3] Bamberg P. and Sternberg S., “A Course in Mathematical Physics”, Vol. 2, Capıtulo 22,Cambridge Univ. Press, 1990.

[4] Blair D.E., “Contact Manifolds in Riemannian Geometry”. LNM 509, Springer-Verlag,1976.

[5] Blair D.E., “Riemannian Geometry of Contact and Symplectic Manifolds”. Birkhauser,2002.

[6] Boyling J. B., “Caratheodory’s Principle and the Existence of Global Integrating Factors”,Comm. Math. Physics 10, 52-68, 1968.

[7] Boyling J. B., “An axiomatic approach to classical thermodynamics”, Proc. R. Soc. LondonA. 329, 35-70, 1972.

[8] Callen H.B., “Thermodynamics and an Introduction to thermostatistics”. John Wiley andSons, 1985.

[9] Dubois J. and Dufour J., “La theorie des catastrophes. V: Transformees de Legendre etthermodynamique.” Ann. Inst. Henri Poincare, n. Sr., Sect. A 29, 1-50 (1978).

[10] Hermann R., “Geometry, Physics and Systems”. Marcel Dekker, Inc. 1973.

[11] Hernandez G. and Lacomba E. A., “Contact Riemannian geometry and thermodynamics.”Differ. Geom. Appl. 8, No.3, 205-216 (1998).

[12] Libermann P. and Marle C.M., “Symplectic Geometry and Analytical Mechanics”, D. ReidelPublishing Company, 1987.

[13] Lieb E.H. and Yngvason J., “The Physics and Mathematics of the Second Law of Thermo-dynamics”. Physics Reports 310, 1-105, 1999.

101

Page 103: Métodos Matemáticos em Termodinâmica Clássica

BIBLIOGRAPHY 102

[14] Mrugala R., Nulton J.D., Schon J.C., Salamon P., “Contact Structure in ThermodynamicTheory.” Rep. Math. Phys. 29, 109-121 (1991).

[15] Mrugala R., “Continuous contact transformations in thermodynamics.” Rep. Math. Phys.33, No.1-2, 149-154 (1993).

[16] Mrugala R., “On a Riemannian metric on contact thermodynamic spaces.” Rep. Math.Phys. 38, No.3, 339-348 (1996).

[17] Mrugala R., “On contact and metric structures on thermodynamic spaces.” RIMSKokyuroku 1142, 167-181 (2000).

[18] Sternberg S., “Lectures on Differential Geometry”. AMS Chelsea Publishing, 1999.

[19] Tavares J.N., “Geometria e Simetrias das Equacoes Diferenciais”. Curso de Mestrado, anolectivo de 2000/01, Dep. Matematica Pura, FCUP, 2001.