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Meu Legado Espiritual

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O Autor retrata o que a palavra de Jesus Cristo trouxe sua vida e seu ministério.

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Meu Legado Espiritual.indd 2 16/10/2008 15:56:33Copyright 2006 por James M. HoustonPublicado originalmente por InterVarsity Press, Illinois, EUA.Editora responsvel: Silvia Justino Superviso editorial: Ester TarroneAssistente editorial: Miriam de AssisReviso:Josemar de Souza PintoCoordenao de produo: Lilian MeloColaborao: Pmela MouraCapa: Douglas LucasImagem: Je MetzgerOstextosdasrefernciasbblicasforamextradosdaversoRevistaeAtualizada(RA), Sociedade Bblica do Brasil, salvo indicao especca.Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/2/1998. expressamente proibida a reproduo total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrnicos, mecnicos, fotogrcos, gravao e outros),sem prvia autorizao, por escrito, da editora.Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Houston, James M.Meu legado espiritual: Uma jornada de f na ps-modernidade / James M. Houston; tradu-zido por Robinson Malkomes.So Paulo: Mundo Cristo, 2008. Ttulo original: Joyful Exiles.Bibliograa.ISBN 978-85-7325-530-01. Espiritualidade2. F3. Vida cristI. Ttulo.08-05296CDD-248.4ndice para catlogo sistemtico:1. Vida crist:Cristianismo248.4Categoria: EspiritualidadePublicado no Brasil com todos os direitos reservados por:Editora Mundo Cristo Rua Antnio Carlos Tacconi, 79, So Paulo, SP, Brasil CEP 04810-020 Telefone: (11) 2127-4147Home page: www.mundocristao.com.br1a edio: novembro de 2008Meu Legado Espiritual.indd 4 16/10/2008 15:56:33DEDICATRIAPara Chris e Jean, alegres companheiros de exlio por meio da orao.Meu Legado Espiritual.indd 5 16/10/2008 15:56:34Meu Legado Espiritual.indd 6 16/10/2008 15:56:35SUMRIOPrefcio edio brasileira9Prefcio13Prlogo: Por que dialtica?17PRIMEIRA PARTE: F crist: um modo de vida e uma nova identidade1.O flego da vida oculta352.Abertos a um viver visionrio diante de Deus61SEGUNDA PARTE: A prioridade do chamado pessoal sobre a vida institucional3.O surrealismo da face visvel da vida crist994.Tornar-se uma pessoa: uma jornada127TERCEIRA PARTE: Amadurecendo na comunidade, transmitindo a f em pessoa5.Vivendo a verdade em amor1556.A transmisso da f numa era de ruptura183Eplogo: A maturidade comunitria em Cristo213Apndice: Por que a retrica da dialtica?229ndice remissivo235Bibliograa245Meu Legado Espiritual.indd 7 16/10/2008 15:56:35Meu Legado Espiritual.indd 8 16/10/2008 15:56:361PREFCIO EDIO BRASILEIRAO dr. Houston, Jim, como ele sempre insistiu que o chamasse, foi umadaspessoasquemaisinuenciouminhavida.Desde1991, quandooconhecipessoalmente,temoscultivadoumaamizade bonita e profunda. Uma razo para isto seu carter amoroso e atenciosoeaformacomoelesemprereconheceuevalorizouo relacionamento pessoal. A base de sua teologia e de sua espiritua-lidade tem sido a natureza trinitria de Deus, que se revela como um Deus em eterna comunho e amizade.Como professor sempre procurou relacionar-se com seus alu-nos,conhec-loseparticipardavidaedaformaopessoalde cadaum.Lembro-medeumaconversaquetivemosassimque chegueiaoRegentCollege,em1991.Faleidosmeusprojetos pastorais,dosinteressesteolgicoseaproveiteiparafazeralgu-mas crticas em relao viso norte-americana da teologia e da misso. Ele me ouviu atentamente e, quando terminei, disse-me: voc sempre viveu por projetos, fez dos seus projetos pastorais e teolgicos sua razo de ser, mas esqueceu que voc o projeto de Deus. E acrescentou: se voc veio aqui para conquistar mais um ttuloerealizarmaisumdosseusprojetos,noserproblema, mas certamente uma perda de tempo; no entanto, se veio para ser transformadoporDeus,queoverdadeirosentidodateologia, ento poderemos caminhar juntos.Meu Legado Espiritual.indd 9 16/10/2008 15:56:36MEU LEGADO ESPIRITUAL10Naquele dia, ao voltar para casa e reetir sobre as palavras do dr. Houston, decidi que teria de abrir mo de meus projetos para considerar minha vida e o que a teologia representava para mim, no em termos acadmicos e prossionais, mas para minha vida e devoo.NosanosemquemoreiemVancouvereestudeinoRegent College, ele mantinha um grupo de orao com estudantes. Todas as sextas, s 10 da manh, nos reunamos numa pequena capela da escola e cada um compartilhava necessidades e dramas pessoais. Depoisdessesmomentosdecompartilhamento,odr.Houston sempreintervinhacomconselhoseorientaesquenosajuda-vam a colocar na perspectiva correta nossas crises e diculdades. S depois orvamos. Geralmente suas intervenes mudavam ra-dicalmente a pauta da orao.Num retiro com um pequeno grupo de pastores, aqui perto de Braslia,umjovempastorochamouparaumaconversapessoal emepediuqueosacompanhasse.Depoisdealgunsminutos emqueopastorexpsaslutaseascrisesporquepassava,o dr.Houston,compoucaspalavras,mascommuitasabedoria ediscernimento,descortinoutudooqueaquelejovempastor gostaria de ter dito, mas no disse. Enquanto caminhvamos para oalmoo,aquelepastorlheperguntou:comoqueosenhor, que nunca me viu antes e com to pouco que lhe falei, conseguiu penetrartoprofundamenteemminhaalma?.Suarespostafoi simples e surpreendente: eu no conheo voc e no sei nada a seu respeito, apenas conheo as minhas dores e as minhas feridas; so elas que me ajudam a compreender as suas.Assim o dr. Houston. Um sbio e um mestre como poucos. Suasaulassoprofundastantoporseuconhecimentocomo por sua sabedoria. No foram poucas as ocasies em que, ndas Meu Legado Espiritual.indd 10 16/10/2008 15:56:3611PREFCIO EDIO BRASILEIRAsuas aulas, sentamos um profundo desejo por Deus. Algumas vezes, muitos alunos permaneciam na sala, imveis, em silncio e orao. Em sua penltima visita a Braslia, numa de suas palestras, o dr. Houston apresentou o que ele mesmo chamou de princpios pelos quais vale a pena viver e morrer. Compartilhou conosco os princpiosquefundamentaramsuavidaeseuministrio.Entre eles est sua relao pessoal com os alunos. Declarou que jamais considerouaformaturaoencerramentodesuaparticipaona vida de seus alunos, mas sempre procurou acompanh-los como mentor e amigo.Partedocontedodestelivroquevoctemagoraemmos foiapresentadanoseminriorealizadoemsualtimavisitaao Brasil. Logo depois ele me enviou um exemplar. Quando o li pela primeira vez fui tomado de muita emoo. A leitura, somada s lembranasdesuaspalestras,melevarammaisumavezareco-nhecer a riqueza de seu legado espiritual. E voc, ao ler este livro, como eu, perceber a beleza de uma f madura integrada vida, deumateologiaquemoldaocarteredeumaespiritualidade profundamente pessoal, comunitria e afetiva.Sou imensamente grato a Deus por esse legado espiritual. Prin-cipalmente porque vivemos num tempo carente de espiritualidade na teologia ou de teologia na espiritualidade. Num tempo de rela-es mais impessoais e prossionais, em que professores e alunos, pastores e ovelhas carecem de maior intimidade. Um tempo em que se acentua o abismo entre a teologia e a espiritualidade, em que se intensica a impessoalidade fruto do prossionalismo de professores e pastores. para ns que vivemos nesse tempo, sujeitos a essas tentaes modernas, que este legado tem grande valor. O dr. Houston no Meu Legado Espiritual.indd 11 16/10/2008 15:56:36MEU LEGADO ESPIRITUAL12 o tipo de professor que se esconde atrs de seus ttulos, que usa o conhecimento para estabelecer e preservar distanciamento dos alunos, que impe limites e fronteiras a seus afetos, que separa a teologia da orao e o conhecimento dos relacionamentos.Ao ler este livro voc entender melhor o que estou armando. Encontrar nele um testemunho de algum que buscou integrar a f vida, que mergulhou na teologia e na losoa no para acu-mular conhecimento e desempenhar um papel na academia, mas para conhecer a Deus e a si mesmo. Neste legado voc ver que a sabedoria a capacidade de integrar o conhecimento vida. Mi-nha sincera orao que este livro inspire muitos de ns a viver com coerncia e paixo e a deixar nosso legado para as prximas geraes.Ricardo Barbosa de SousaIgreja Presbiteriana do Planaldo, Braslia, DF Meu Legado Espiritual.indd 12 16/10/2008 15:56:37PREFCIOOS INTENSOS VENTOS inclusivistas dosecularismo ocidental sopram commpetosobrens,fazendoocristianismosedesviardaf bblica como nunca antes. Esse desvio constitui um dos maiores desaos igreja crist e ocorre no apenas do lado de fora, mas tambm dentro de ns. Portanto, no de admirar que os cristos de hoje estejam terrivelmente confusos, tanto indivduos quanto instituies.Hpessoasqueenxergamissocomclareza.Outras negam a realidade e pioram a situao, caminhando precipitada-mente na direo errada, mesmo que as intenes sejam boas. No meiodessabalbrdia,osquetmvozprofticasovistoscomo arrogantes,aopassoqueasvozespragmticassoconsideradas realistas. O propsito dos ensaios a seguir no apenas fazer alar-de, mas, num nvel mais modesto, dar testemunho do que tenho tentado viver nas ltimas oito dcadas, durante as quais procurei seguir Jesus Cristo. Se esse relato de natureza pessoal expressar e conrmarquaisquerinquietaesquevoctambmsinta,elej ter valido a pena.Escrevi os ensaios sob a forma de dilogos, de modo que o leitor no demore a se envolver com as idias que apresento. Ele desco-brir no apndice meios de explorar melhor o papel da dialtica na comunicao pessoal da f. A renda dos direitos autorais de todos Meu Legado Espiritual.indd 13 16/10/2008 15:56:37MEU LEGADO ESPIRITUAL14os meus livros, incluindo este, doada ao Institute of Religion and Culture,criadocomointuitodeconferirbolsasdeestudopara jovenscristosquevivememsituaesespeciaisqueilustramos princpios descritos neste livro. Se voc quiser entrar em contato comigo,visite,porfavor,owebsitequecrieiparaessem:www.religionandculture.org.Nossavidanotemaspectosapenaspessoais,mastambm pblicos. O aspecto pblico da vida crist deveria alimentar nos-socrescimentoemCristo,mas,emvezdisso,parecemaiscriar confuso. Euvouigreja,mas... Eucreionoministriocris-to, mas... Por que qualicamos nossas expresses de f? Por que, anal, questionamos as estruturas institucionais de toda a nossa sociedade?Estelivrodestina-seaos exilados,pessoasquepre-cisamdecoragemmoralparasairdeumaatmosferafamiliare convencional e entrar em lugares de exposio perigosa, a m de criticar profeticamente nossas normas culturais e posturas insti-tucionais.A delidade s convices bblicas sempre nos convida a viver perigosamentenoodanavalhadenossacultura.Noum chamado ao individualismo e independncia de esprito. um convite a experimentarmais a fundo o que signica ser uma el testemunha de Cristo. um processo que exige que tenhamos co-ragem moral e desprendimento para confrontar os desaos cultu-rais, oferecendo resistncia s presses insidiosas que podem nos levar a depender de tcnicas, e no do amor e do Esprito de Deus. um processo que exige que alimentemos as amizades espirituais epermitamosqueacomunidadecresaespiritualmenteemvez de se organizar de modo articial. um processo que exige que estejamos mais disposio das pessoas para repartir com elas a alegria da salvao de Deus.Meu Legado Espiritual.indd 14 16/10/2008 15:56:3715PREFCIOCercadevinteanosatrs,pergunteiaMalcolm Muggeridge, j perto do m da vida, se havia alguma coisa que ele gostaria de ter feito diferente em sua carreira de escritor. Ele respondeu que gostaria de ter escrito contra o consenso como se no tivesse sido o grande crtico da sociedade como editor da Punch, revista de humor e stiras.Rero-me, continuou ele, ao consenso religioso convencio-nal. Ele se converteu a Cristo no m da vida e no pde levar a cabo essa tarefa. Mas voc pode fazer isso, acrescentou ele. E eu, incrdulo, ri diante daquela misso inconcebvel.possvelquenaquelediaMalcolmtenhalanadoumase-mentedemostardaqueacabousetransformandonumaplanti-nha. Este livro so as consses de uma pessoa que tem vivido de maneira inconseqente; suas pginas tm como objetivo apoiar e incentivaroutrosalegresexiladosquepodemsesentircomoeu emrespostaaMuggeridge:movidosaabraarumamissoim-possvel.Minhaesperanaqueessesalegresexilados,mesmo queocultosdentrodepequenosgruposemdiversassituaes, continuem a crescer, fortalecendo a rede mundial de amizades. a pessoas como essas que estendo minha gratido ao escre-verestelivro.Pormaiorquesejaoriscodefazerdiscriminao quandosetratademencionarnomes,desejoexpressarminha gratido especial pelo apoio editorial de Bob Fryling, publisher da InterVarsityPress,aGaryDeddo,editordegrandecompetncia que trabalhou com meu manuscrito, e sua equipe toda. Pat Cal-vo, Darrell Johnson, Dean Overman, Bill Reimer, Skip Ryan, Paul Helm e, mais recentemente, Sally Voorhies foram de imensa ajuda pelas leituras crticas que zeram de meu manuscrito.Agradeominhafamliaeaosamigosleaisquecontinuam ameencherdenimo.KellyBarbey,CraigGay,ChrisHouston, Meu Legado Espiritual.indd 15 16/10/2008 15:56:37MEU LEGADO ESPIRITUAL16KeithMartineKenStevensonfazempartedadiretoriadoInsti-tute of Religion and Culture, criado para divulgar as anlises aqui apresentadas. Mas os erros de interpretao e fato que porventura se encontrem neste livro so de inteira responsabilidade do autor.Meu Legado Espiritual.indd 16 16/10/2008 15:56:37PRLOGOPor que dialtica?Nosso interesse est no perigoso o da navalha das coisas.RobertBrowning, Bishop Blougrams ApologyPormMoiss lhe disse: [...] Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Esprito!NMEROS 11:29J FAZ ALGUM TEMPO, meu lho pediu-me que escrevesse sobre as con-vices nas quais tenho baseado a vivncia da minha f crist. Este livro a resposta ao pedido dele. Esboo aqui o dilogo interior que tenho experimentado durante muitos anos, expressando-o em seis ensaios organizados dialeticamente em trs partes: A resposta f crist(oculta,mastambmvisvel), Odesaodenossacultura (surreal de uma perspectiva pblica, precisa se tornar real de uma perspectiva pessoal) e A preservao da f crist (tanto na expres-so comunitria quanto na comunicao pessoal). Por sua vez, cada ensaio tem sua prpria dialtica. Por exemplo, a f est oculta, mas no secreta; pessoal, mas no individualista, e assim por diante.Meu Legado Espiritual.indd 17 16/10/2008 15:56:37MEU LEGADO ESPIRITUAL18POR QUE EM FORMA DEDILOGO?Nossa sociedade ps-moderna reage contrariamente ao monlogo, associando-o de forma negativa com ideologias. O desle de is-mos fez que todas as perspectivas e posturas da condio humana fossem niveladas segundo um absoluto social descrito de variadas formas no sculo passado como socialismo, marxismo e fascismo, mas hoje expressado como fundamentalismo, liberalismo e atse-cularismo. A ascenso do indivduo, ao lado da passagem de uma culturadeeliteparaumaculturademassa,defatoumacultura pop, incentiva todo mundo a ter vez e voz, de modo que pode-mos argumentar e responder a todos os demais.Atoautordeumlivronomaisumcomunicadornico. O que a pessoa, como leitora, extrai de um livro pode no ser o que o autor pretendia transmitir, pois a leitura que ela faz passa pelo ltro de suas experincias e relacionamentos. Isso sempre foi assim, mas hoje o individualismo do leitor bem mais sosticado que antes. Todos ns criamos defesas contra a realidade, bloque-ando o que no queremos que tenha acesso a ns e selecionando o que queremos ouvir, ler ou conhecer.Portanto,o dilogoaformapelaqualpodemosexpressar nossaspercepesevalores.Fazemosissocomoutraspessoase emdilogocomnsmesmos.Ofatoque,comoseressociais, nopodemosserpessoaissemconvivercomodilogo. Assim a vida de casado, com toda certeza. Minha esposa Rita est sem-pre se recusando a aceitar as coisas pelo valor que aparentam ter, principalmentemeuspalpites!Dilogoisto:envolver-senuma conversa para fomentar e aprofundar a dimenso pessoal da con-vivncia, mesmo quando h diferenas de opinio.Adialticanosdcondiesdeenxergaraverdadesobml-tiplas faces. semelhana deJ, precisamos muitas vezes recusar Meu Legado Espiritual.indd 18 16/10/2008 15:56:3819PRLOGOas tolas descobertas de sbios seculares que pensam estar falando doscaminhosdeDeus. Apregaonoplpitodenossasigrejas em geral continua cheia de clichs e generalizaes, e as mudan-asradicaisqueocorrememnossaculturatornammaisdifcil aindaparapastoresemestresumacomunicaounilateralfeita com autoridade. por isso que acho fundamental usar a dialtica como forma de troca entre minhas experincias e as dos outros, testando assim sua validade. (Veja no apndice mais informaes sobre dialtica.)A DIALTICA INVERSA DA VIDA CRISTAssim, cada vez mais a f crist precisa ser contracultural. pos-svel que tenhamos de perder empregos, alguns amigos, at nossa liberdade, se quisermos nos manter is s convices crists in-jetadas em ns pelo Esprito de Deus. Por meio da dialtica crist inversa, somos constantemente lembrados de nossa condio de estrangeiros e peregrinos neste mundo, pessoas que esperam ou-tro mundo por vir. numa relao de anttese com o mundo que nosencontramosemsintoniacomocu.porissoquesomos alegres exilados; temos outro lar que melhor, um destino mais glorioso.O que a maioria das pessoas precisa no mais conhecimento da f, mas determinao espiritual para pr em prtica o que j conhece,noimportandoquaissejamasconseqncias.Aver-dade uma questo de vida ou morte por ela morremos, por ela vivemos. Pode alguma coisa expressar a verdade se essa coisa noforvivenciada?Serqueaverdadeutuaporacomoum conceitoabstrato?Segundo SrenKierkegaard,muitacoisaque sedivulgacomocristianismonopassade poesiaoreal que virou imaginrio. O verdadeiro cristianismo transformar o Meu Legado Espiritual.indd 19 16/10/2008 15:56:38MEU LEGADO ESPIRITUAL20possvel em real. este o papel do profeta: desaar-nos a obede-cer palavra do Senhor. por isso que a vida crist uma vida subjuntiva.Nossossentimentosedesejosprecisamsertrocados e, na verdade, redimidos, para que possamos entrar na realidade indicativa ou proftica da vida crist. Faz tempo que as palavras deMoiss esto dentro do meu campo de viso: Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta! (Nm 11:29).Portanto, uma dialtica inversa no nos envolve simplesmente numa discusso uns com os outros. Deus discutindo conosco, comoJ nalmente foi forado a reconhecer. No simplesmente compreender a f, mas vivenci-la dentro das vicissitudes do dia-a-dia de nossas relaes pessoais. Especulao e existncia, com-preenso e ao, poesia e profecia, o temporal e o eterno todas essas tenses desconfortveis expressam o que signica tornar-se cristo num processo contnuo. No basta expressar princpios e convices pessoais. Podemos nos pr numa gaiola de ferro gns-tica ou cartesiana meramente pensando na f e fazendo alegaes cognitivas em favor de nossos princpios.ComobemobservouJonathan Edwards,asverdadeiras afeiesporDeussoafeiesdagraa,poissodivinamente implantadasemnossocoraopeloEspritoSanto.Durante osavivamentosreligiososdosquaisEdwardsparticipou,havia muitosarroubosemocionaisatribudosaDeus,maseramape-nas formas de liberao psicolgica. De modo semelhante, pode-mos nos referir s nossas convices e princpios cristos como graciosamente dados a ns na Palavra de Deus por seu Esprito Santo.Nooscriamos,nemestemnossanaturezadesejarre-ceb-los.Defato,emfrancocontrastecomo platonismo,no podemos pressupor que a verdade nos seja inata, pronta para ser manifestadapelaspalavras.Emvezdisso,podemosexpressara Meu Legado Espiritual.indd 20 16/10/2008 15:56:3921PRLOGOverdadesomentequandoelanosconcedidadeformapessoal pelo Esprito de Deus.Taisconviceseprincpiosnonossooferecidossimples-mente porque nos chamamos cristos. Eles se desenvolvem, me-dida que Deus nos chama pelo nome. O preo desse processo a experincia dasolido, pois diante de Deus estamos basicamen-te sozinhos. Nosso relacionamento com Deus no nos une antes detudoaosnossossemelhantes;elenossepara.Portanto,como cristos,nuncasomostantonossoverdadeiroeuquantoquan-doestamos emCristoJesus.Nesseestado,nossa singularidade pessoalapreendidanarealidadedoamordeDeusporns,e somente ento a vida crist torna-se comunitria. Quanto maior nossaseguranaemCristo,maisdecididosestaremosafazero queaverdadenoschamaafazer.Nossasingularidadeenosso crescimentoem santidadeandamjuntos.Todavia,quantome-nospercepotivermosdenossa identidadesingularemCristo, mais indecisos, transigentes e vazios seremos, e mais aceitaremos oconsensopopular.Ficaremossatisfeitosnamultido,fazendo o que os outros fazem e nos comportando dentro das normas da moralidade convencional.A DDIVA DE SERMOS ALEGRES EXILADOSOs cristos cada vez mais se vem marginalizados pela difuso do humanismo secular. Mas o tema do xodo sempre foi a realidade do povo de Deus. Na verdade, no temos aqui cidade permanen-te, mas buscamos a que h de vir (Hb 13:14). A solido o pro-dutoinevitveldenossasingularidade,maselaabreespaopara a presena de Deus em nossa vida. O cristo tem uma experin-cia singular de alegria, pois, como nos lembra osalmista, na tua presena h plenitude de alegria (Sl 16:11). Esse um benefcio Meu Legado Espiritual.indd 21 16/10/2008 15:56:39MEU LEGADO ESPIRITUAL22queamultidonuncapodernosoferecer,addivadaalegria pela salvao pessoal. s vezes, ser uma alegria que nos alcana atravs do sofrimento. Mas no se trata de mera resignao diante da aio, e sim de sublimar eexpandir a alma profundamente arraigada no amor de Deus, que vai alm do alcance do sofrimen-to. Ela surge medida que nossa participao nos sofrimentos de Cristo torna-se um modo de vida.A verdadeira alegria nunca egosta, pois uma realidade so-cial que se compartilha. como diz Jesus nas parbolas da moeda perdida, da ovelha perdida e do lho prdigo: quando se encontra o que estava perdido, h grande alegria. O estado de alegria exala uma fragrncia que transmite sade e vida aos outros. A diferena entrealegria e felicidade que a alegria uma transcendncia do esprito na experincia do amor de Deus, ao passo que a felicidade uma resposta mais imanente a um ambiente de estmulo. Uma transforma a vida, a outra prossegue varivel.Entretanto,nonaldascontas,semelhanadaspalavras amor e paz, a alegria indenvel, uma presena que no pode ser abstrada numa idia. O grande telogo KarlBarth ressalta:Nosso ponto de partida o fato de que a vida um movimento dentro do tempo o movimento contnuo de ambio e busca demetas,dealvosnovosoudistantes,movimentodirigidopor idiasespeccas,desejos,relacionamentos,obrigaeseespe-ranas. A alegria uma das formas pelas quais esse movimento sustado por um instante ou por alguns instantes, no em seu lado objetivo,massubjetivo,naconscinciapelaqualohomemtem experincia de si mesmo na consumao do movimento.11Church Dogmatics, p. 376.Meu Legado Espiritual.indd 22 16/10/2008 15:56:3923PRLOGOEm outras palavras, aalegria a experincia de voltar para casa, a exemplo do lho prdigo, de cumprir o propsito de nossa cria-oenovageraoparaaglriadeDeus.Juntocomosporcos, o sofrimento est em olhar para ns mesmos; na viagem de volta para casa, a alegria est em tar o amor do Pai. Ser alegre, ento, a expresso da nossa vida realizada segundo Deus determina, vida que,emvriasetapasdenossajornada,deixamosdefruirede ser renovados por ela. A experincia daalegria o teste que diz se estamos caminhando na direo correta do nosso destino nal. A alegria vive a expectativa do amor de Deus. Sem esperar em Deus, fechamo-nos para a alegria.Podemos agir como Scrooge e excluir a alegria de nossa vida glida,atqueoarrependimentoodespertarparaoamor redirecionenossajornadaeaenchadecalor.Podemoscriar oportunidadesparaaalegriapormeiodeatitudeshospitaleiras e atos de bondade, a exemplo do que vemos retratado com tanta belezanolmeAfestadeBabete.Conheoumapessoaqued pratosdeporcelanaacasaiscristos;algumquesecompro-meteuaincentivarahospitalidadeemcidadesgrandes,alevar luzparalugaresescuros.Odiadedescansodoscristosoutra grande oportunidade para celebrar a alegria do Senhor. As festas sempre zeram parte da vida religiosa de Israel, e a alegria festi-va continua a impregnar a verdadeira comunidade de cristos. O fato que a alegria uma realidade socialmente divina. Deve ser compartilhada; seu lema alegrem-se comigo.A verdadeira alegria tambm uma expresso de justia. No pode ser celebrada custa da perda de integridade pessoal. No po-de ser vivida em detrimento da conscincia. Em ltima instncia, ela celebra nosso temor do Senhor, o que a Palavra de Deus de-terminaparanossobem-estareparaobemdonossoprximo. Meu Legado Espiritual.indd 23 16/10/2008 15:56:39MEU LEGADO ESPIRITUAL24Nosso verdadeiro prazer reside naquilo que d prazer a Deus. A verdadeira alegriaestemimitarCristo,poisoPaijdeclarou: Tu s o meu Filho amado, em ti me comprazo (Lc 3:22). O Pai sabiaqueoFilhohaveriadegloric-loemsuaPaixo,eJesus orou para que seus discpulos tivessem o meu gozo completo em si mesmos (Jo 17:13). um pedido inacreditvel se comparado com nossas queixas mesquinhas e com nossa recusa em viver uma vida de sacrifcio. Assim, o fundamento dessa alegria est em to-marmos nossa cruz e seguirmos Jesus em seu amor.Portanto,temosumaexpectativaescatolgicaemrelao alegria. Aqui sobre a terra temos somente pequenas amostras da alegria eterna, e isso faz que tenhamos uma inquietude e uma in-satisfaoemnossacondiodemeroshabitantesdestemundo temos um destino celestial. A alegria um novo modo de ser, de auto-sacrifcio, de levantar nossos olhos na direo do eterno, de olhar alm das coisas deste mundo, de aceitar com alegria nos-sas breves aies por amor a ele. no cumprimento daorao de Jesus que habitamos no Pai e no Filho pelo Esprito, para que o meu gozo esteja em vs, e o vosso gozo seja completo (Jo 15:11). OapstoloPedrodeclaraque,emboravoceeunotenhamos visto Jesus Cristo, cremos nele, e isso constitui motivo de alegria indizvel e cheia de glria (1Pe 1:8).VIVENDO NO FIO DA NAVALHA DAS COISASNo entanto, ainda vivemos neste mundo, no o da navalha das coisas. Logo depois de sua publicao em 1948, o livro The Pres-enceoftheKingdom,deJacques Ellul,ajudou-meaveraviva-cidade com a qual a presena de Deus pode entrar em todos os aspectosdacultura.Fezminhamentalidadesupercialtentar fugir do mundanismo de meia dzia de tabus se transformar Meu Legado Espiritual.indd 24 16/10/2008 15:56:3925PRLOGOnumdesejoporumencontroderedenocomosproblemas do mundo. O Senhor orou no para que o Pai nos retirasse deste mundo,masparaquenospreservassenele.Seoscristosno tiverem contato com o mundo, ento o futuro deste ser deso-lador.Precisamossersbriosevigilantes,semcarbuscando solues, mas vidas transformadas que podem transformar o mundo.Somenteentoseremoscapazesdeincutirumanova conscinciadapresenadeDeus.Ummundomergulhadono pecadoummundotranstornado,cheiodeincoernciasein-certezasquenospassamdespercebidasquandogeneralizamos teoricamentesobrenossacosmovisocrist.Pelocontrrio, vivemos num mundo vivo abrangente, contingente e cheio de contradies ostensivas.QuandoopoetaRobert Browningfaloudo perigosooda navalha das coisas, ele estava se referindo ao medo do paradoxo, a incapacidade de ver mais que um lado de uma pessoa ou situa-o:oladrohonesto,oassassinocarinhoso,oateusupersti-ciosoe,poderamosacrescentar, ocristopopular.Henry Sidgwick, lsofo utilitarista, viveu na mesma poca vitoriana de Browning, e havia uma piada que dizia que ele nunca consegui-ria distinguir entre o tipo de contradio que era s uma contra-dio e o tipo que era um veculo da mais profunda verdade.2 Ele temia os defensores de ideologias, temia que o colapso de qual-quer pensamento tradicional pudesse fazer um buraco no dique e inundar o mundo com idias novas e perigosas. possvel que muitos ismostenhamnascidodopavordarevoluo,poisa RevoluoFrancesaestavafrescanamemriadosqueviveram na era vitoriana.2H. R. MACKINTOSH, Types of Modern Theology, p. 141.Meu Legado Espiritual.indd 25 16/10/2008 15:56:40MEU LEGADO ESPIRITUAL26Pode-se comparar Revoluo Francesa o medo que temos do ps-modernismo, que deu passagem a uma enxurrada de ceticis-mo. O fato que o ps-modernismo est associado a uma revolta contraDeusaindamaisradicalquearevoltadomdosculo XVIII.Entoocristodehojecaminhasobreoodanavalha quedivideumafmuitorgidaelegalistaeumceticismoque beiraoniilismo.Mesmoassim,aculturacontemporneapode nosdesaarademonstrarmossobnovasformasavitalidadedo evangelho. possvel que sempre tenha sido difcil para cristos devotos abraarasverdadescomumatenacidadealiadaexibilidade. Para cristos nominais como Tennyson eBrowning, era fcil3 ofus-car a distino entre santos eheris, olhando para o cristianismo como exemplo de herosmo e sustentando um otimismo ingnuo emrelaoaoseuavano.Hoje,parans,qualquercrticaque sezerculturaserantiptica.Nessesentido,continuamosa viver sobre o perigoso o da navalha quando ousamos criticar o populismo religioso de nossos dias. Pois talvez o irrealismo da religio popular de hoje na Amrica do Norte seja maior que nos dias da Inglaterra vitoriana.Ento, sobre que nos apoiamos quando se vive no perigoso o da navalha das coisas?Dante apoiou-se em Beatriz. Robert Brown-ingapoiou-seemElizabethBarrett.MatthewArnoldapoiou-se em Marguerite, conforme se v em Dover Beach, quando o me-lanclico desaparecimento do mar da f no deixou certezas, nempaz,nemajudaparaosofrimento.Opoetapodiaapenas responder: Ah, amor, sejamos verdadeiros um com o outro!. A idiaque,sevoccaemdvida,oantdotoestemapaixo-3Walter E. HOUGHTON, The Victorian Frame of Mind, 1830-1870, p. 305-339.Meu Legado Espiritual.indd 26 16/10/2008 15:56:4027PRLOGOnar-se.Melhorainda,oamordeumamulherpodeconduzi-lo ao amor de Deus. Falando por mim, esta tem sido minha expe-rinciaabenoadapormaisdecinqentaanosdecasamento com minha querida Rita. Talvez as fronteiras entre o amor divi-no e o amor humano possam servir de ponte entre o ceticismo intelectual e a f.Hoje, diante de questes de sexo e gnero to confusas e com asociedadetoinclinadaaodivrcio,muitoscristosprecisam viverdeformadiferentenoperigosoodanavalhadascoisas. Numa poca em que macho e fmea tornam-se algo homogneo na vida das pessoas em geral, sem que haja um senso bblico de complemento,aexignciadedireitosiguaistorna-setotalitria etransforma-senum montonocadahomem/mulherporsi mesmo/mesma.Quandosomosforadosavivernoodana-valha da autodependncia, acreditando somente no eu isolado e tentando viver conantes em nossa identidade baseada no papel quedesempenhamos,fcilcairemdesespero.Comeamosa descobrircomoo euenganoso.Aexemplodapeade Ib-sen, Peer Gynt, hoje a pergunta que no quer calar : Quem sou eu?Comomeuverdadeiroeu?.Senossafrmulaocultaque nosdizcomoserumapessoaforexpostaeperfuradacomose fosseumbalo,serquecairamosemnossoprprioabismo? Vivemostomadospelotdioaantteseda alegriaeacei-tamosumaexistnciaimponderada,supercialouatmesmo sem sentido? Ou despertamos de nossossonhos para tentar re-formular nossa resposta?DesdeagrandedesagregaocausadapelaSegundaGuerra Mundial, com os temores apocalpticos da guerra fria, muita gente vive numa montagem sem continuidade. Zapeando entre canais, perde-se o senso de continuidade do tempo, e nossa experincia Meu Legado Espiritual.indd 27 16/10/2008 15:56:40MEU LEGADO ESPIRITUAL28passa a ser de fragmentos destrudos e inconseqentes que tornam arcaica a idia de histria. Talvez o atual renascimento literrio dasbiograasehexcelentesbiograassendopublicadas reita uma necessidade cultural de continuidade e de um ambiente coesoquenoestmaisvisvelparans.Ocolapsodepadres econvenesdetodosostiposfazqueinteresseseconmicos setornemnossodestinonatural,emvezdabuscadiligentede carter moral.Nossopassadoimediatoparecesetornarumagrandeciso quenosseparadenossahistriapregressa.OescritorWilliam Golding observa: Belsen, Hiroshima e Dachau no poderiam ser frutosdaimaginao.[...]Essasexperinciassocomoburacos negros no espao. No h nada que possa sair de l para nos dizer como era l dentro. [...] Estamos diante de uma lacuna na hist-ria, de um limite na literatura.4 Novos gneros e experincias com textos parecem necessrios: histrias literrias, histrias pessoais, narrativas histricas, intuies poticas, sentidos, mitos e relatos jornalsticos tudo para nos convencer de que a realidade no se tornou um buraco negro no espao. certo que viver nessas sombras de ameaas e incertezas vi-ver perigosamente no o da navalha, parecendo mais adequado ao heri que ao santo, pois relacionamos o heri com o perigo, mas o santo, com a alegre paz de esprito. Mas os cristos que sabem que so pecadores jamais podero ver a si mesmos como heris! Graham Greene,autorcatlico,tentoufazerisso,apresentando seu fascnio com personagens que tinham defeitos mas tambm eram idealistas em seus escritos. possvel que ele estivesse des-crevendo as lealdades divididas que se desenvolvem em nossa vida 4A Moving Target, p. 102.Meu Legado Espiritual.indd 28 16/10/2008 15:56:4029PRLOGOdesdeainfncia.5Hoje,nossabuscaculturaldeuma liderana cristpoderepresentaroutrainiciativaespriaparafazerdaf crist uma empreitada de herosmo.No entanto, escrever num gnero de consso tambm viver perigosamente. um ato de equilbrio entre o que deve permane-cer oculto em minha alma em conana a Deus e o que pode se tornar pblico para levar nimo s outras pessoas. Podemos ima-ginar nossa vida como uma partitura musical, admirando o que Elgar escreveu no rodap de sua composio O sonho de Gerncio: Foiistoquevieouvi;estesoueu!.Desemelhantemodo,na composio de nossa f precisamos confessar: Foi isto que vivi; na verdade, esta pessoa que agora quero ser.A PERSUASO RETRICA DALITERATURAComovocpercebernosensaiosaseguir,descobriquea boaliteraturapodeexpandirnossoshorizontesnoquetoca condiohumana.ComoressaltouWerner Jaeger,aex-pressoartsticaporsipossuidoiselementosbsicosda inunciaeducacional:importnciauniversaleapeloime-diato.6Temopoderqueosgregoschamavamdepsychagogia, aexpressodosublimeemluminosidade,smboloeclasse superiordeumser.Demodoalgumissodeveofuscaraim-portnciabsicaesingulardasEscrituras.Mascomafami-liaridadedaautoridadebblicapodemsedesenvolveruma estreitezaeumacomplacnciamoralqueprecisamserdesa-adaspelascomplexidadesculturaisdavidahumana.Poe sia, literatura,dramaeartepodemnosajudaraexaminaressas 5Randall STEVENSON, The Last of England?, vol. 12, p. 508.6The Ideals of Greek Culture, vol. 1, p. 36-37.Meu Legado Espiritual.indd 29 16/10/2008 15:56:41MEU LEGADO ESPIRITUAL30complexidades, assim como Jesus falou por parbolas para de-saaracomplacnciamoraleosvalorestradicionaisdeseu tempo.Armaes diretas e declaraes dogmticas podem se trans-formar em mero bl-bl-bl religioso que no tem o poder de nos sacudiredesaardamaneiraqueprecisamos. Kafkaescreveua seu amigo Oskar Plook em 1904: Acho que devemos ler somen-te livros aados e cortantes. Se o livro que estivermos lendo no nossacudircomoselevssemosumsoconoesqueleto,porque haveramos de nos preocupar em l-lo?. Se for s para nos fazer felizes, ento poderamos achar a felicidade mais rapidamente em outros tipos de lazer. No, ele conclui, um livro precisa ser como um machado para o mar congelado que est dentro de ns.7Quandonosvemosnaspersonagensdoslivros,percebemos deformamaisabrangenteasplenasconseqnciasmoraisde nossos atos e escolhas. Elas muitas vezes se expressam em narra-tivas e biograas, coincidindo com nossa situao como indiv-duos. Podemos sentir a necessidade de exorcizar nossos prprios demnios quando os vemos retratados nas personagens da his-tria. Aomesmotempo,afugaliterriaparadentrodoenredo da histria ajuda-nos a ver como difcil olhar diretamente para ns;aabordagemindiretacomodasparbolaspodenos desaar sem que nos agarremos s nossas defesas.Asnarrativasajudam-nosareetirsobreoserrosdasoutras pessoaseadvertem-nosparaquenovenhamosarepeti-los.O escritorturcoOrhanPamukescreveemOcastelobranco:Na vida,veculoemquesedumasvolta,nosepodeembarcar denovoquandoopasseioacaba.Masquandosetemumlivro 7Citado por Alberto MANGUEL, A History of Reading, p. 93.Meu Legado Espiritual.indd 30 16/10/2008 15:56:4131PRLOGOnas mos, mesmo que seja complexo ou complicado entend-lo, quando se termina a leitura, a pessoa pode, caso queira, voltar ao incio, l-lo de novo e, assim, entender o que difcil e, junto com isso, entender tambm a vida.8Se Deus pde usar um jumento para falar com Balao, talvez ele possa usar um livro para nos ensinar a aceitar fatos que mu-dam a vida. Um romance de WilliamGolding ajudou-me a mudar todo o curso do meu ministrio cristo. E nunca me esquecerei da confrontaoprofticaqueviviquandodaleituradeOsirmos Karamazov,deDostoivski.Liolivrovinteanosantesdaqueda do muro de Berlim e obtive a certeza de que a ideologia marxista jamais poderia resistir ao tempo. Mas ele foi escrito uma gerao antes da chegada do socialismo na Rssia.Nolivro,Ivan,oirmomaisvelho,representaofuturolder socialista da sociedade sovitica, que acredita que o cristianismo cruel e terico. Contrapondo-se a ele, Zsima, o piedoso ancio, apresenta um retrato bem diferente da vida crist, retrato tangvel e real para as pessoas.Conforme Dostoivski escreveu ao seu editor:Farei [os socialistas russos] admitirem que um cristo puro e ideal no uma abstrao, mas uma possibilidade real e tangvel que podemos contemplar com nossos olhos, e que somente o cristia-nismo pode salvar a Rssia de todas as suas aies.9Essa mensagem precisa ser ouvida ainda hoje.8Citado por MANGUEL, p. 23. 9Joseph FRANK eDavid I. GOLDSTEIN, eds., Selected Letters of Fyodor Dostoyevsky, p. 469-470.Meu Legado Espiritual.indd 31 16/10/2008 15:56:41Meu Legado Espiritual.indd 32 16/10/2008 15:56:41