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MÃESSOROPOSITIVAS:ANÁLISECOMPREENSIVADOTRAJETODEVIDAPÓS-TRANSMISSÃOVERTICALÀLUZDAPSICOLOGIA

FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

MaríliaMacielLaray

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FichaCatalográficaelaboradaporSuelyO.Moraes-CRB11/365L318m

Laray,MaríliaMacielMãessoropositivas:análisecompreensivadotrajetodevidapós-transmissãoverticalàluzdaPsicologiaFenomenológico-

existencial./MaríliaMacielLaray.

–Manaus:EDUA,2017.78p.ISBN978-85-7401-XXX-X

1.PsicologiadaSaúde.2.Psicologia-Qualidadedevida–HIV/Aids.3.Fenomenologiaexistencial.I.Título.

CDU159.938.363.6

FichaCatalográfica

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Aomeuesposoeaosmeuspais.

AGRADECIMENTOS

EmprimeirolugaraDeuspeloseugrandeamorepelasvitóriasquetemmeproporcionado.Semseucuidarnadaseriaamimpossível.Atodasasmãesquegentilmentecompartilharamsuasvivências.

Meu respeito e agradecimento pela confiança e disponibilidade. Com vocêstiveapossibilidadedeolharparamimeparaomundocomnovoolhar.Vocêssão mulheres guerreiras. Ao meu esposo tão sonhado, Ivan Laray, que meconheceu quando eu estava ainda na seleção para ingressar no curso demestrado.

Nesse meio tempo namoramos, noivamos e casamos. Agora ele fecha esseciclocomigo.Obrigadapor todaajuda,amor,consolo, forçaeestímuloquemedeste.

Whatevercomesourway,ahwe'llseeitthroughAndyouknowthat'swhatourlovecando.MichaelBubléAosmeuspais–GercinadaRochaMacielePauloSergioMaciel-portodoapoio,dedicaçãoecompreensãopresentesemtodososmomentosdaminhavida.Atitudesessas,combasenoamor,possibilitaram-metrilharestemaravilhosocaminhodapós-graduação.Decerto,continuarãopermitindoquemeapoderedeoutrasconquistas.

AosprofessoresdoProgramadePós-graduaçãoemPsicologiadaUFAM,porcompartilharemumdosseusmaioresbens,oconhecimento.

Com agradecimento especial ao meu orientador Professor Doutor EwertonHelderBentesdeCastro,quemeacolheu,ajudou,acompanhoumeuspassosdemaneira inspiradora.Grande professor e pessoa.Aosmembros da banca dequalificação,queampliaramminhavisão.

Àminha amiga-irmãDébora dosSantosEsposto por sempre ter se doado àconstrução e ao alicerce desta nossa grande amizade. Sempre ter estado aomeu lado nos ótimos e maus momentos, presenteando-me com suas sábiaspalavrasecomseucompanheirismo.

Aomeu grupo familiar da Igreja Presbiteriana de Manaus por todo apoio,

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amizade, ensinamentos e orações.Aos profissionais das instituições quemeguiaram,ajudaramepossibilitaramomeuacessoeodesenvolvimentodestetrabalho.Aoscolegase amigos daminha turma domestrado. Pela amizade,descontração e pelo convívio nos estudos. À FAPEAM, pela concessão dabolsadepós-graduação.

Porque tive fome,edestes-medecomer; tivesede,edestes-me de beber; eraestrangeiro,ehospedastes-me;Estavanu,evestistes-me;adoeci,evisitastes-me;estivenaprisão,e fostemever[...]E,respondendooRei, lhesdirá: Emverdadevosdigoquequandoofizestesaumdestesmeuspequeninosirmãos,amimofizestes.BíbliaSagrada,Mateus25:35-40

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LISTADEABREVIATURASESIGLAS

ABS–AtençãoBásicadeSaúdeAids–SíndromedaImunodeficiênciaAdquiridaAZT–ZidovudinaCD4–Grupamentodediferenciação4CNS–ConselhoNacionaldeSaúdeCONEP–ComissãoNacionaldeÉticaemPesquisaCTA–CentrosdeTestagemAconselhamentoSorológicoDST–DoençaSexualmenteTransmissívelELISA–EnzymeLinkedImmunoSorbentAssayFAPEAM–FundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodoAmazonasFMT/HVD–FundaçãodeMedicinaTropicalDoutorHeitorVieiraDouradoFP-UFAM–FaculdadedePsicologiadaUniversidadeFederaldoAmazonasHIV–VírusdaImunodeficiênciaHumanaIFI–ImunofluorescênciaMn–MilímetrosMS/SVS–MinistériodaSaúde/SistemadeVigilânciadeSaúdeOMS–OrganizaçãoMundialdeSaúdeONGs–OrganizaçõesnãoGovernamentaisSAE–ServiçosAmbulatoriaisEspecializadosSinan–SistemadeInformaçãodeAgravosdeNotificaçãoSUS–SistemaÚnicodeSaúdeTARV–TerapiaAntiretroviralUDI–UsuáriosdeDrogasInjetáveisUNAIDS–ProgramaConjuntodasNaçõesUnidasUNICEF–UnitedNationsChildren'sFund

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CAPÍTULO1:PRÉ-REFLEXIVOOssereshumanospensam,percebem,interagemefazemescolhas.Parafalarsobrehistóriasenarrativas,nãopossodeixardecontarumpoucosobreasminhasescolhaseidentificaçõesparachegaràconclusãodestetrabalho.OdesejoevontadedecompreenderofenômenodavivênciademãessoropositivasemrelaçãoàfacticidadedatransferênciaverticaldovírusHIVlevaram-meaodesenvolvimentodestapesquisa.Paraapreenderomeutempovividoemdireçãoàrealizaçãodestadissertação,faz-senecessárioretomaropercursoapartirde2010,penúltimoanodaminhagraduaçãoemPsicologiapelaFP-UFAM,amesmaquemeacolheagoranesteprocessodeMestrado.Afimderealizaralgumprojetodeiniciaçãocientífica,procureioProfessorEwertonquenaépocaofertavaaoportunidadedetrabalharemumprojetoquecompreendesseavivênciademãesqueperderamseusfilhosparaocâncer.Sendopesquisadoravoluntárianessapesquisa,comeceiaadentrarnomundodafenomenologiaexistencial.Ashistóriasdevidadasmãeseramintensas.Nuncaantestivecontatocomatemáticadocânceretãopoucocomamorte.Contudo,amaneiracomoafenomenologiapermitianarrativastãolivresedesprendidaschamouminhaatenção.Maisdoqueisso,analisá-lasatravésdafenomenologiaexistencialeratrabalhargenuinamentecomaessênciadoquediziam,nãodistribuindomeramenteasfalasemcategoriasprontas,maspermitindocriarcategoriasoriginaisenovasapartirdoqueessasmãesmecontavam.Eralibertarasfalasparaproduziroquequisessem,paraseroquefossem.Paralelamente,nomesmoano,emrazãodeumaalunadamesmagraduaçãotersaídodeumestágioextracurriculardosetordePsicologiadaFMT/HVD,euasubstitui.Nuncahaviapensandoemrealizarestágioemumhospital.Masaverdadeéqueabolsadeestágioatraiu-me.Queriapoderreceberpagamentoapartirdomeuprópriotrabalho.Contudo,apaixonei-mepelaPsicologiaHospitalar.Nocomeçofoiimpactanteeamedrontador.Eratímida(maisqueatualmente)eenfrentarasidasatéosleitosondeospacientesencontravam-separaatendê-losemsuasnecessidadeseradifícil.Impactanteaindapelopúblicodepacientesatendidosnainstituição.Pacientescomdoençasraras,doençasprolongadas,doençasdegenerativas,doençastabuse/oudoençasincuráveis.AprimeiravezquecompreendioqueeraHIVeAidsfiqueideslumbrada.Comonãosabiaqueovíruspodiasercontroladoeaspessoasdiagnosticadaspodemterqualidadedevidaousimplesmente...vida?Averdadeéquelevantarcincoemeiadamanhãparairaohospitalnãoeraatormentador,eramuitoempolgante.Doar-medaquelejeitoqueestavafazendoeradignificante.Minhaescuta,minhaatenção,meutoque,meuapoio,minhasajudasetentativasdeajudas.Pessoasemtodavoltaprecisandosercuidadas,acalentadas,ouvidas,vistas.Tantas

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demandasetãomaisaserfeito!Ahistórianuncafoiapenasalegre,noentanto.Tiverammomentoschocantes.Depessoas/pacientessumindocorporalmentediantedosmeusolhos,criançasmorrendo,jovenssozinhosnumleitodurantemesesefamíliassendodrasticamentesacudidas.Talvezpeladorqueeuviesenti,talvezpelaalegriadeterumfeedbackpositivo,talvezpelomeuímpetoemcolaborarcomalgumaaçãominha,euquisecontinuoquerendohonraracadapessoaqueconheci.Querendodescobrircomocompreendermaisemelhoraexperiênciadesersoropositivoouaexperiênciadeconvivercomadoença.Muitasforamasindagaçõesquesurgiramdiantedesseestágioemrelaçãoaodiagnóstico,aotratamento,massobretudoaoserhumanoquevivecomHIV/Aids.FoientãomepropusrealizarcommeuprofessoreorientadorEwertonHelder,otrabalhodeconclusãodocursointituladoCasaissorodiscordantes:análisecompreensivadotrajetodevidapós-diagnósticoàluzdaFenomenologia-Existencial.AoadentrarnocursodeMestrado,minhasindagaçõespairaramsobrearelaçãodeumamãesoropositivacomseufilho(a)tambémsoropositivo(a)eossentimentosdaquelaarespeitodessaexperiência.Quaisossentimentosquepermeiamocotidiano?Comolidarcomopossívelpreconceitoepressõesdasociedade?Existedificuldadenocontatocomparentes?Comoadinâmicafamiliaréafetadaapartirdodiagnóstico?Assim,viseicompreenderopercursodevidapercorridopormãesportadorasdoHIVapóstransmissãoverticaldovírusàluzdaPsicologiaFenomenológico-Existencial.SeiqueconvivercomovírusHIVaindacausacomoção,estranhamentoe,principalmente,omedo.Aliadoaoquadrodesofrimentoqueseinstaura,aindaépercebidoumaltograudeignorânciaacercadadoença.Alémdisso,existeaestigmatização:temAids,vaimorrer.ApossibilidadedetrabalharcomsujeitosdiagnosticadoscomHIVpermitereconheceradimensãoqueaPsicologiaadquireenquantoáreadosaberhumanoquemilitanainterfaceentresaúdeeciênciashumanas.AcompanharessaspessoaspossibilitaressignificaraatuaçãodoprofissionaledodiscentedePsicologia,eperceberaimportânciadestaáreadaciênciajuntoapessoasquevivenciamacomunicaçãomédicadediagnósticodeHIVdo(a)filho(a).ReconheceraamplitudedefatoresqueseinstalapermiteredimensionaropapeldaPsicologianaáreadasaúde,umavezque,instaladooquadronosológico,aesferapsíquicasofremodificaçõeseocorremsituaçõesdeextremaansiedadeeangústia,porsimesmo,pelooutro,pelosfamiliaresdeumaformageral.Acreditoqueesteestudotemsuaimportâncianoquepodecontribuirapartirdeseusresultadoscomaçõesquepromovamasaúdedamulhersoropositivadopontodevistadesuasaúdepsicológicaesuarelaçãocomasaúdeintegral,apartirdeaçõesprofissionaisoupolíticasquepensem

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nestaquestão.FaltandopoucotempoparaotérminodoMestrado,qualfoiminhasurpresa:realizeiumaseleçãopararesidênciamultiprofissionalcomopsicóloganasaudosaFundaçãodeMedicinaTropicaldoAmazonasefuiselecionada.Agoratenhoaoportunidade,maisdoquenunca,deaplicartodososconhecimentosqueopercursoeresultadodestadissertaçãoproporcionaram-me.

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CAPÍTULO2:COMPREENDENDOAMANIFESTAÇÃODOHIVPERSPECTIVASDATEMPORALIDADEDOHIVNOMUNDO

No início da década de 80, surgiram os primeiros casos de infecção peloVírusdaImunodeficiênciaHumana-HIV-noBrasil(MS/SVS,02/2014).

O HIV ataca o sistema imunológico, responsável por defender o corpo deorganismos invasores (MS/SVS, 02/2014). Esse vírus é o causador daSíndromeda ImunodeficiênciaAdquirida-Aids,que consiste em seu estadoavançado,tornandooorganismohumanomaisvulnerávelaoutrasdoenças–chamadasdeoportunistas.

Pela característica de suas transmissões, que combina transmissão sexual;transmissão sanguínea, através do uso de drogas injetáveis e transfusão desangue contaminado; e transmissão vertical - demãe infectada para o filhodurante a gestação, o parto ou a amamentação - culminou para seu rápidoavanço, transformando-se em uma das maiores epidemias do mundo.Denominada de “câncer gay” por acometer homossexuais masculinos,principalmente nos guetos gays da cidade de São Francisco, nos EUA, asíndrometomoucaracterísticasdeepidemia.

O desconhecimento sobre o fenômeno preocupava os estudosepidemiológicos, de acordo com Reis (2004), em estabelecer os fatores deriscodadoença, surgindooconceitode“grupode risco”.AAids,de1981-1984, destacam Schaurich, Medeiros e Motta (2007), esteve presentesignificativamente em homossexuais masculinos, usuários de drogasinjetáveis, indivíduos portadores de hemofilia e negros. Contudo, emdecorrência da desinformação inicial, uma vez que o meio científico nãopossuíagrandeconhecimentoacercadomecanismodeaçãodovírus,aliadasao desinteresse da população surgem os primeiros casos emmulheres. Peladisseminação do HIV ter acometido outros segmentos, não pertencentes ao“grupo de risco”, este conceito foi alterado para o de “comportamento derisco” (MS/SVS, 02/2014), que constava os indivíduos pertencentes aosgrupos, mas que adicionava indivíduos com comportamento suscetível àinfecçãopelovírus.

A proporção, atualmente, de portadores homossexuais e heterossexuaismodificou sensivelmente, haja vista que o número de mulheres e homenscasadosteveaincidênciabastanteacentuada(VIEIRAetal,2009).Oconceito

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de“grupoderisco”ede“comportamentoderisco”,entretanto, explica Reis(2004, p. 25) “[...] bastante difundidos, marcaram irreversivelmente aconstruçãosocialehistóricadaAids,imprimindoatravésdaculpabilidade,oestigma e a discriminação do indivíduo portador do vírus”. Além de tercontribuído para a formação de crenças equivocadas, contribuiu para avulnerabilidadeindividualdessesegmentopopulacional.SegundoCzeresniaeFreitas(2003)vulnerabilidadeindividualestárelacionada,ainda,aoníveleàqualidadedainformaçãodisponíveisaosindivíduosacercadoproblema,bemcomoàcapacidadedosmesmosparaelaborartaisinformaçõeseintegrá-lasàsua vivência cotidiana.Emdecorrência desses resultados demarginalização,atualmente, desponta o conceito de vulnerabilidade (CZERESNIA; FREITAS,2003).

AepidemiadaAids/HIVteveseuinícioemumperíodoemqueasautoridadessanitárias globais criam que as doenças infecciosas estavam de certa formacontroladas pelo avanço da tecnologia e pelo saber médico moderno. Amesma suscitou diversas respostas e comportamentos coletivos,transformando-seemestratégiasdepolíticasdesaúde(MARQUES,2002).Adescoberta e identificação, em 1982, da Aids tornaram-se um marco nahistória da humanidade, vitimando grande número de pessoas pelo mundointeiro.Do ano de sua descoberta ao ano de 1985, com os primeiros casossendonotificados,houveumamobilizaçãomuitogradualnas áreas afetadas,comoacidadedeSãoPaulo.

Nesta época, também (MARQUES, 2002; BASTOS, 2006) houvenegação/omissãoapartirdasliderançasgovernamentaiseexperiênciasmoraisde temor, estigma e discriminação. Pelo fato da informação ter chegadoprimeiroqueadoençanoBrasil foideclaradaporCarraraeMoraes (1985)como“maldefolhetim”.

A mídia forneceu grupos taxativos de risco ou promiscuidade (RAMOS,2004), proporcionando o surgimento dessa onda moral, constituindomomento importante para compreender o estigma que nos dias de hoje ossoropositivos ainda sofrem. Entre 1986 a 1990, a taxa de transmissãoaumentourapidamenteeProgramasNacionaisdeAids,ONGs-OrganizaçõesnãoGovernamentais-epolíticasforamsurgindoeseestabelecendonopaíseno mundo (PARKER; GALVÃO, 1999). Foram criadas, em 1993, diversasmodalidades de atenção especializada como Hospitais-Dia, ServiçosAmbulatoriaisEspecializados-SAEeCentrosde TestagemAconselhamento

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Sorológico-CTA1(TOLEDO,2008).EmrelaçãoaostestessorológicosparaHIV/Aids, tem-se a confirmação do diagnóstico de HIV baseando-se napresençadeanticorposcontraovírusnosorosanguíneohumano.

Primeiramentefaz-seotesteEnzymeLinkedImmunoSorbentAssay-ELISA-paraHIV-1/2.Quandopormeiodessedetectam-seanticorposcontraoHIVnosoro,háanecessidadederealizarem-setestesconfirmatórios,quepodemsero de IFI – Imunofluorescência, Imunoblot ou o de Western Blot (MS/SVS,02/2014).Em1994,oacordocomoBancoMundialdá impulsoàsaçõesdecontroleeprevençãoàsdoençassexualmentetransmissíveis–DST-eàAidsprevistas pelo Ministério da Saúde e melhoras continuam a surgir a partirdesteano,comoosurgimentodosantiretrovirais.

Apartirde1996,oBrasilpassouaforneceracessogratuitoaosmedicamentosno SUS constituindo-se um dos primeiros países a garantir este acessouniversal (DOURADO et al, 2006) melhorando a expectativa de vida dossoropositivos.Ao longo do tempo, noBrasil, a infecção pelo vírus daAidspassouportransformaçõesnoseuperfilepidemiológico,alterandoahistóriaatualdadoença.Deacordocomo InformeEpidemiológico,de fevereirode2013,doGovernodoEstadodoCeará, essa alteração tem principal ligaçãocoma introduçãoda terapiaantiretroviral -TARViniciadanopaísem1996.Por consequência, constata-se o aumento da expectativa e melhora daqualidadedevidadospacientesemtratamento.

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Aadesãoaotratamentoantiretroviral

A adesão ao tratamento medicamentoso pode ser compreendida como oseguimento adequado das instruções indicadas ao paciente e/ou ao cuidadorsobre a terapia em questão, por exemplo, frequentar as consultasmarcadas,1FuncionamcomoreferênciaparaaofertadeinformaçõessobreprevençãodeDST/Aids e uso indevido de drogas, além de disponibilizarem a testagemrápidaparadetectarovírus.

fazer uso dos medicamentos diariamente, ter regimes alimentarescompatíveiseadequados,entreoutros(LOPES,2012).AautoraLopes(2012)comenta que a adesão adequada dosmedicamentos antiretroviraismantém asupressãodas réplicasvirais.Poroutro lado, asuafalha pode comprometertodaaterapia,deixandoovírusmaisresistentee,assim,reduzirasopçõesdetratamento.Aepidemianocontextoatual

O Brasil é considerado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobreHIV/Aids (UNAIDS, 2014), atualmente, líder mundial no combate à Aids,especialmentenoquedizrespeitoao tratamentooferecidoaosportadoresdovírusHIV,relataumanotícianositedoGovernoFederal(BRASIL,2013).Onovo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da InfecçãopeloHIVemAdultosfoiassinadoemdezembrode2013eporessainiciativaoBrasiltemsidoelogiadopelaUNAIDS2.

Umdosavançosnonovoprotocoloéainiciaçãodotratamentonomomentoemquesedetectaeseconfirmaamanifestaçãodovírusnoorganismo.OquecostumaserrecomendadopelaOMSéaofertadetratamentoapacientescomAids que apresentassem contagem de linfócitos CD4 abaixo de 500células/mm³, taxa como referência para avaliação do sistema imunológico(BRASIL,2013).

AediçãodaUNAIDS,Reporton theglobalAidsepidemic,de2013,declarouquehouve52porcentodereduçãodenovasinfecçõespeloHIVentrecriançaseumcombinadode33porcentodereduçãoentreosadultosecriançasdesde2001.Noanode2012,foramnotificados39.185casosdeAidsnoBrasil,valorestequesemantémestávelnosúltimos5anos,afirmaoMinistériodaSaúdeatravésdoBoletimEpidemiológico-AidseDSTde2013.

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Aproximadamente718milpessoasvivemcomHIV/AidsnoBrasil, segundo2UNAIDS-JointUnitedNationsProgrammeonHIV/AIDSéumProgramadasNaçõesUnidascriadoem1996,quetemafunçãodecriarsoluçõeseajudasnocombate a Aids. Tem o objetivo de prevenir o avanço do HIV, prestartratamentoeassistênciaàspessoasafetadaspeladoença,alémdedesenvolverestratégiaparaareduçãodoimpactosocioeconômicodaepidemia.estimativasrealizadas pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Dentre asUnidadesdaFederação,destacam-seasmaiorestaxasdedetecçãodecasosdeAidsnoRioGrandedosul (41,4),SantaCatarina(33,5),Amazonas(29,2)eRiodeJaneiro(28,7).

AtaxadedetecçãodecasosdeAidsemmenoresdecincoanoséoindicadorutilizadonoBrasilparaomonitoramentodatransmissãoverticaldoHIV.Essafoide3,4/100.000habitantesem2012,oquecorrespondeaumareduçãode35,8%emrelaçãoa2003.Jánafaixade5a9anos,ataxafoide0,7/100.000(71% de redução em relação a 2003), e na faixa de 10 a 14 anos foi de0,9/100.000(BRASIL,2013).EntreoscasosdeAidsnotificadospeloSistemadeInformaçãodeAgravosdeNotificação-Sinan,cujacategoriadeexposiçãofoiportransmissãoverticalverifica-seque,em2012,41,8%doscasosforamidentificadosemmenoresde5anos.

Observou-seumaquedanaproporção de casos por transmissão vertical namesmafaixanosúltimos10anos;em2003,essamesmafaixacorrespondiaa63,8% desses casos. No entanto, analisado o mesmo período, aumentou aproporção de casos por transmissão vertical com14 anos oumais de idade(BRASIL,2013).

AtaxadedetecçãodecasosdeAidsnoBrasilnoanode2012emhomensde15 a 24 anos foi de 15,1/100.000 habitantes e de 8,6 em mulheres,apresentandoumareduçãoentrearazãodesexosnamesmafaixaetáriadesdeoiníciode2005.Desde2008,onúmerodecasosdeAidsemhomensjovensvem aumentando mais rapidamente que entre as mulheres, influenciando arazãodesexos,chegandoem2012a1,9casosemhomensparacadacasoemmulheres(BRASIL,2013).Destacandoqueem10anos,noBrasil,ocorreuoaumento de 67,8%na taxa dedetecçãodecasos deAids em jovens do sexomasculino e uma redução de 12,2% entre as jovens do sexo feminino(BRASIL,2013).

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Do totalde8.622casosdeAidsnosexo femininonotificadosnoSistemadeInformação de Agravos de Notificação - Sinan - no ano de 2012, 91,2%possuem a informação da categoria de exposição. Dessas, 96,6% são emheterossexuais,2,5%emusuáriosdedrogasinjetáveis-UDI,0,8%ocorrerampor transmissão vertical e 0,1% por transfusão (BRASIL, 2013). Com oadvento do tratamento antiretroviral houve mudanças em relação àmortalidade,aoprognóstico,àexpectativadevidaeàmanifestaçãodedoençasoportunistas.

Diferentementedoiníciodaepidemia,emqueadoençapunhalimitesdiversosno seu portador, atualmente, o acesso aos tratamentos, aos centros deassistência, etc., permitem a construção de sonhos e a possibilidade deconcretizá-los.Exemplodissosãoosvínculos afetivos e a vivência plenadasexualidade,bemcomoodesejodeterfilhos(GONÇALVESetal,2009).

Maternidade:omomentoeovalordoser-mãe

Paraasociedade,deacordocomMauxeDutra(2009),amulherexerceumapersonagem maternal de forma sacramentada, tida como natural. Quandocrianças, as meninas são incentivadas a ter papéis ditos femininos, e naconstrução de sua subjetividade, elas internalizam tal identidade, tornando amaternidadeumobjetivoaseratingido.

Amaternidade em nossa cultura é muito valorizada.Muitas mulheres só seencontramrealizadasefetivamenteaoseremmães.Váriassonhameplanejamessemomentoantecipadamente.Atrajetóriasocioculturaléhistóricaparacadaserhumano.GranatoeAiello-Vaisberg(2003) recordam que a gravidez e amaternidade são acontecimentos da vida de uma mulher que repercutem etransformamsuasvidas,docasaledaredefamiliaresocial.Éatravésdestesacontecimentos, também,queo serhumano tema capacidadede continuar asua espécie, fazendo com que o vínculo mãe-filho seja fundamental naconstituiçãodeserdecadapessoa.ComoafirmamAlmeidaetal(2010,p.20),“[...]amaternidadeéumcomponentemuitovalorizadodafeminilidade[...]”;enisso se aplica discutir as relações de gênero, identidades e atribuições depapéis. Para Louro (1997, p. 77), gênero refere-se “[...] ao modo como asdiferençassexuaissãocompreendidasnumadadasociedade,numdeterminadogrupo,emdeterminadocontexto”.

OquedizerdeConfortin(2003,p.109):Oconceitodegênerotemoobjetivo

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dechamaraatençãosobreaconstruçãosocialdossexos,sobreaproduçãodofeminino e do masculino, não como algo dado e pronto no momento donascimento,mascomoumprocessoquesedáao longode todaavidaevaifazendo com que as pessoas, os sujeitos, se tornem homens e mulheres deformasmuitodiversificadas, sempredeacordocomoqueaquelasociedade,aquelemomentohistórico, a suacultura, as suas relaçõesétnicas, religiosas,declasseconsideram,permitemepossibilitam.Diferentementedasrelaçõesdegênero,ospapéisdegênerosãoasformasdemanifestaçãoourepresentaçãosocialdesermachooufêmea,conformeGrossi(1998).Sendoaculturafatorextremamente importante para que determinado papel semanifeste em certopontodeperspectiva.SegundoSarbin(1986),opapeléprovenientedaposiçãoocupadanocamposocial,podendoassumirumanovaposiçãonestelugaraoexercerumpapelnovo.Paracadapapeldesenvolvidoexisteumaexpectativa,sejadosmembrosdogrupoaoredor,sejaprópriadosujeito.

Amaternidadeéummomentoderedefiniçãodepapéis,poisamulherumavezfilha,passaagoratambémaexerceropapeldemãe.Estasituaçãomodificarádamesmaformaa relaçãoquepossuicomsuaprópriamãe,segundoDiaseLopes(2003).Opensamentodequeoamordemãeé instintivoe inatopodeserquestionadoquandoanalisadaahistóriadamaternidadeaolongodosanos,tendo em vista que esse papel tem sofrido modificações. Pensando em umcomportamentosocialajustadoacontextossócio-históricos, transcendendo aquestãobiológica(BADINTER,1985),percebe-sequeemcadaépocasurgiuummodelodematernidade(NOVELINO,1988).NaFrançadoséculoXVIII,começaramaocorrerasprimeirastransformaçõesnaimagemdamaternidade.Asmulheresqueriamnovosespaçosenovoshorizontes.Osfilhospoderiamservistoscomoameaçasàssuasliberdades.

Tambémnestaépocaascriançastiveramlugarmaiscentralizadonafamília,eestasestavammais distantes da sociedade, buscando uma vidamais privada.No último terço deste século, houve uma mudança de mentalidade, ondecolocaram a imagem da mãe relativizando o poder paterno comrecomendaçõesqueessascuidassempessoalmentedeseusfilhos,sendomãesantesdequalquercoisa(DIAS;LOPES,2003).

Logomais tarde, obteve-se a concepção de amor-amizade entre os casais,tornandoamulherdoce, sensata, amamentando seu filhoporpessoalprazer.Passou– a partir daí - a possuirmaior responsabilidade no que concerne afelicidadeouinfelicidadedeseusfilhos.ApartirdoséculoXIX,amãepassou

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arestringircadavezmaisasualiberdadeemfavordadeseusfilhos,passandoa ter mais tempo para eles (BADINTER, 1985). Já no século XX, essaresponsabilidadeaumentoueevitaropapelmaternopoderiaterconsequênciasrelacionadas à condenação moral pela sociedade. O sentimento de culpatornou-se também forma de condenação a quem não exercesse ou nãosoubesseexerceropapelmaternocomperfeição.

Olugarsocialdamulhernosdiasdehojecontinuasendoafamília.Éláquedeve encontrar satisfação pessoal (NOVELINO, 1988). Nossa cultura, deacordocomNovelino(1988),destacaaspectosdesermãecomoa gravidez,parto, amamentação, vínculo mãe-filho como um objetivo inevitável natrajetóriadevidadeumamulher.

Amãetorna-seumapeçachaveparaafamília.Novelino(1988)continuaseucomentáriodizendoquepesquisasmostramqueamãedeveproporcionaraosmembrosumafamíliaperfeita,ondeodesenvolvimentodofilhosejasaudávele adequado. O perfil esperado de boa mãe pela sociedade é que esta tenharesponsabilidade integral, amor incondicional, disponibilidade, devotamento,equilíbrio,bomsensoeovínculoqueempregacomseufilhoéimprescindívelparaofuturodeste.

Falhasnestevínculoirãoacarretarconsequênciasnegativasaolongodavida.Dauster(1983)jáanalisavaaculpabilidadequerecaisobreumamulhercasadaesemfilhos,sofrendooestigmadeserconsiderado“afigueirado inferno”,um símbolo da esterilidade em referência a imagens bíblicas retratadas nosdiscursos dos populares. Desta forma, mostra-se o valor simbólico que amaternidadepossuidentrodaconstruçãodaidentidadefeminina.Amulherquenãopodesermãeocupaumaáreananãolegitimidadenomundofeminino.

Elaboram-sedestamaneirafronteiras,cativeiros.Nãoseremparecidascomasmães das propagandas de saúde acarreta, a todas que são diferenciadas,sentimentodemenosvalia,ampliando,assim,adiscussãosobreaconstruçãodasidentidadesecomoaPsicologiacolaboraparaofortalecimentodessetipode sentimento. Os cuidados que se destinam aos filhos, tanto à educação eprevençãocomasaúde,éconsideradoaindaassuntodasmulheres,danaturezadofeminino,comentamPaivaetal(2002).

Afirmamainda,queoshomensnãosãoincorporadoscomofuturospais.Viversubjetivamenteopapeldetornar-semãeéfazercomqueamulhersedepare

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comnovas realidades e a formaçãode umanovapessoadentro de si.Deve,assim, construir sentimentos em relação à gravidez, colocando-se nessaposiçãodetornar-semãe,procurandoesboçaroespaçoqueacriançaocuparánafamíliaeemsuarelaçãocomela.DeacordocomAlmeidaetal (2010,p.20), a gravidez, que é umadas etapas do sermãe, “[...]é um fenômeno querepresenta uma mudança de papéis para a mulher na sociedade, gerandosentimentos dúbios e contraditórios.”, muito relacionados a aspectos darealidadesociocultural, as suas relações interpessoaise suasexperiênciasoufaltadelas,dentreoutrospossíveisfatores.

Os sentimentos podem ir desde alegria, satisfação à tristeza, medo einsegurança,chegandoàvulnerabilidadeemocional,comentamosautores.Deacordo com a autora D’abreu e Frota (2012), as relações de gênero sãoconstruídas. Em nossa sociedade e cultura, a experiência domasculino e dofeminino refere-se a significados bem particulares, encontrandorepresentaçõesnaspráticasdebrincadeirasebrinquedos infantis, tambémnamídia,namoda,dentreoutros.

Aautora colocaqueaprópria ciência,nela inclui aPsicologia, aodiscursaressasquestões,legitimaedácredibilidadeaoqueé“natural”dohomemversuso “natural” da mulher. Pode-se perceber, então, algumas concepções quepermeiamocamposocialcomoaideiade“privilégiobiológico”dohomem,eopartoematernidadecomo“destinobiológico”damulher.

Diante de processos sociais evidentes e de expectativas de papéis sociaisdistintos para cada gênero, D’abreu e Frota (2012) comenta que homens emulheresacabamdesenvolvendoexpressõesdiferenciadasconformeopadrãosocialque recebem.Basear-se no ideal feminino e no idealmasculino podetrazerprejuízossociaisnaspráticasdegêneronemsempredeformaevidenteouintencional.

Amamentaçãoesuasnuances

Neste contexto, cabe ressaltar outro grande aspecto da maternidade que seinicialogoapósonascimentodobebê,aamamentação.Pelosmovimentosdeolhar,tocar,beijar,acariciar,colocarobebêpróximodocorpomaterno,essafasepodeserconsideradadegrandeimportânciaparaaconstruçãodovínculoentremãee filho (CUNHA;SANTOS;GONÇALVES,2012).Alguns estudosmostram que a amamentação, assim como todo o processo de maternidade,

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não é meramente instintiva, mas um fenômeno complexo e altamenteinfluenciadopelocontextocultural,socialehistórico,daondeamulher-mãe-nutrizfazparte.

Aproximadamente,logoapósoséculoXVIII,naEuropa,edoséculoXIX,noBrasil,inicia-seumatransformaçãonamaneiradeconceberopapeldamãeeasuaimportânciaparaafamíliaesociedade(MARQUES;COTTAR;PRIORE,2011).De acordo com os autores anteriormente citados, muitas publicaçõesdaquela época recomendavam às mães que desenvolvessem cuidados eamamentassempessoalmenteseusfilhos.Destaforma,construiu-seacrençadeinstintomaterno,doamorincondicionaleoferecidoespontaneamente.

Comacolaboraçãodessasafirmativasedessasconcepções,doquevenhaaseramamentação e o papel da mãe neste processo, foi provocada a influêncianegativa à mulher-mãe-nutriz a respeito do significado da prática deamamentar, devido à pressão que tais afirmativas exerceram sobre ela e daresponsabilidadeimposta.

Surgeassimomito:mãeboaéaqueamamenta(SILVIA,1997).Oqueamãepercebe a respeito do que seja a amamentação vai além das limitaçõesbiológicasedosabercientífico.Alactaçãotemparticipaçãoemumcontextosociocultural, histórico e psicológico,mostrando ser umprocesso que podeadquirirdiferentessignificadosparacertasociedadeeparacadamulher.

Os valores que esta possui sobre lactação são provenientes de crençaspresentes em seu meio doméstico ou do serviço de saúde utilizado(CARRASCOZA et al, 2005). O que é dito e divulgado na mídia pró-aleitamento materno também influencia nas concepções que as mulheresconstroemsobreaamamentação(PRIMO;CAETANO,1999).

EmsuadissertaçãointituladaOssignificadosdaamamentaçãonaperspectivadasmães,Gusman(2005)mostraresultadosimportantesemrelaçãoaomododepercepçãoqueasmãespossuemsobreaassertividadequedevemternestafasedamaternidade.

Acobrançaporacertarnesteprocessoeaobrigaçãoporamamentarprovocamcrenças de que não podem falhar e a culpa surge na maioria das falasmaternas.Gusman(2005)afirmaquetantosociedade,quantoafamília,quantoos profissionais de saúde e a própria mulher-mãe cobram que esta tenha

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responsabilidadepeloaleitamentocorreto.

Destemodo,ovalorsocioculturalqueéadquiridoàamamentaçãopermeiaocampo da mulher lactante, fazendo com que esta se sinta pressionada adesenvolver este processo perfeitamente, e caso não seja possível, osentimento de culpa é uma consequência por não ter exercido seu papel demãe,deacordocomoquelheédemandado(MARQUES;COTTAR;PRIORE,2011).

Mãeesoropositiva:maisdesafios

Em 29 de julho de 2005, foi publicada a Portaria Nº 34/SVS/MS queregulamentaousodostestesrápidosparaodiagnósticodainfecçãopeloHIV(BRASIL, 2006). O teste rápido, de acordo com o Portal da Secretaria dePolíticas para as Mulheres (2013), tem sido o maior investimento doMinistério da Saúde para obtenção do diagnóstico durante o pré-natal naAtenção Básica de Saúde - ABS. A cobertura de testagem anti-HIV emgestantes(2010/2011)éde84%.

Ameta do governo é oferecer o teste para 100% das gestantes até 2015.OMinistériodaSaúderesolveuatravésdaPortarianº2.415,de12dedezembrode 1996, que para a prevenção da contaminação pelo HIV o aleitamentomaternocruzado,quandoumanutrizamamentao filhodeoutramulher,nãodeveserrealizado,assimcomoasmulheresinfectadaspelovírusnãodevemamam

Mãe e soropositiva: mais desafiosentar seus próprios filhos - somente seadequadamente pasteurizado e como fator de sobrevivência. É sabido que oriscodetransmissãopeloleiteéde7%a22%(BRASIL,2002/2003).AsmãesconsideradasemsituaçõesderiscoparaoHIV,antes

Mãe e soropositiva: mais desafiosdeMãe e soropositiva: mais desafiosamamentarem, devem submeter-se ao teste sorológico através deaconselhamento pré e pós-teste. Situação de risco caracteriza-se por uso dedrogas injetáveis com compartilhamento de seringas/agulhas, transfusão desangue, relações sexuais sem proteção, histórico de DST – doençasexualmentetransmissível-desde1980.

Asparturientesquenãopassarampelatestagemduranteopré-nataldevemser

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submetidasao teste rápido,cujoresultadoéobtido em até 30minutos. Casoseja positivo, deverá o Recém-Nascido ser encaminhado paraacompanhamentoclínicoelaboratorialemserviçoespecializadodepediatriaparaacompanhamentodecriançasexpostasaoHIV,deacordocomaPortarianº 2104, de 19 de novembrode 2002.A taxa de transmissão vertical doHIV,sem qualquer intervenção, situa-se em torno de 20% e com o devido usocombinado de determinadas intervenções passa a ser reduzida para cifrasmenoresque1%.

Cercade65%doscasosde transmissãomaternaaconteceduranteo trabalhodepartoe35%ocorremduranteavidaintrauterina,emaltograunasúltimassemanasegestação.Ousodeprofilaxiacomazidotimidina-AZT-oraldeveseriniciadoapartirda14ªsemanadegestaçãoecontinuarduranteotrabalhodeparto e parto até o clampeamento(selar)docordão umbilical, de acordocomasRecomendaçõesp

Mãeesoropositiva:maisdesafiosaraProfilaxiadaTransmissãoVertical doHIV e Terapia Antiretroviral em Gestantes, elaborado pelo Ministério daSaúde(2002-2003).

ComaintroduçãodoAZT,mesmoquetardiamentenagravidezouapenasnorecém-nascido, até 48 horas após o parto a transmissão vertical é reduzida,comentaoProtocolodeTerapêuticaantiretroviral(BRASIL,2004).Em2007,o governo brasileiro apresentou um plano para a redução da taxa detransmissão do vírus em mulheres chamado de Plano Integrado deEnfrentamentoàFeminizaçãodaAidseoutrasDSTemcomemoraçãoaoDiadaMulher.

Para a prática do plano foi instaurado umGrupo de Trabalho Intersetorialformados por representantes do Ministério da Saúde com o objetivo dedesenvolver estratégias para o combate, acompanhar as ações do Planonacionalmente e apoiar os Estados nas implantações das ações (MS/SVS,2012). Para enfrentar a transmissão vertical no Brasil, o United NationsChildren'sFund-UNICEF-tambémtemempreendidodiversasações.

Mãeesoropositiva:maisdesafios

entreelas,ossemináriosdePrevençãodaTransmissãoVerticaledaSífilisem14EstadosdoNorteedoNordestebrasileiroeotreinamentodemais750mil

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profissionaisdessaregiãonarealizaçãodatestagemrápidadoHIVesífilis.Écerto que, tanto no aspecto biológico quanto no social, houve avançossignificativosnessasúltimastrêsdécadaseevoluçãopositivadotratamento.Ovírus, antes se espalhando descontrolado no indivíduo portador, hoje comoamplo tratamentomedicamentosoeassistencial, écapazde sercontroladoe,consequentemente, o portador pode desenvolver uma vida saudável(FERREIRA,2003).

No aspecto social, pelo pouco conhecimento anterior, segmentos dapopulação eram discriminados e alvo de grande preconceito. A poucainformação sobre o assunto ou os equívocos constantes nela acarretavamcrueldades às pessoas infectadas pelo vírus. O avanço em relação àmelhorcompreensão dos tipos de transmissão e do conceito de vulnerabilidade aovírus,porém,nãofoio bastante para extinguir o sofrimento psicológico demuitos soropositivos diante do medo, da culpa e da perda. Pelo caráterpredominantemente sexual da transmissão do vírus e o assunto sobre asexualidadeserconsideradoaténosdiasdehojecomotabu;pelosprimeiroscasos da doença terem sido notificados em grupos marginalizados dasociedade - como usuários de drogas, homossexuais e prostitutas; em ummundoquenãorespeitaosdesiguais,tercontraídoHIVépassaporteparaumapossível exclusão (FERREIRA, 2003). Entende-se como estigma, de acordocom Goffmann (1980), um atributo social de desvio, onde uma identidadedeterioradaé relacionadaáum indivíduoemumarelaçãoemque consiste adesvalorização.Ditodeformamaisconcreta,“[...]oestigmaéempregadoporatoressociaisreaiseidentificáveisquebuscamlegitimaroseuprópriostatusdominantedentrodeestruturasdedesigualdadessociaisexistentes."(PARKER;AGGLETON,2001,p.16).

No caso das mães soropositivas, além de toda cobrança e posição que aspessoas em geral esperam de uma mãe, a possibilidade de transmissão dovírus ao filho pode acarretar momentos de ansiedade ao processo dematernidade,comentaRigonietal(2008).Inicia-seamaternidadenagestaçãoe sentimentos ambivalentes são encontrados pela necessidade de adaptaçõespsíquicas diante das transformações e do novo. De acordo com osmesmosautores, com amaternidade surgem novos arranjos psicossociais,mudançasdepapéis,mudançassocioeconômicas,erelacionais.

ParamulheresnãoportadorasdovírusHIV,amaternidadeévistacomoalgosocialmente desejado e estimulado. Em contrapartida, comenta Gonçalves e

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Piccinini (2007), para as soropositivas o direito ao desejo de ser mãe énegado, e as que engravidam, são consideradas inconsequentes e cruéis pelapossibilidadedetransmissãodovírus.ParaKwalombota(2002)mulheresqueforam identificadas soropositivas na gestação apresentaram sinais dedepressão maior e desordens somáticas, diferentes das que possuíamconhecimentoprévioda condiçãode sorologia, reportandomaior ansiedadedecontaminaçãodobebê.

Percebe-se, assim, omomento de conflitos psicológicos e reorganização devidaqueasmulherespassamlogoemsuasgestações.Alémdessesfatores,deacordo com Santos e Júnior (2010), o desejo de maternidade entre ossoropositivos pode ser reprimido pelo ato de estigmatização da epidemia epelasociedadeemrazãodacondiçãodeinfectado.SegundoSilvaetal(2006,p.479)“[...]odesejodeterfilhosnãoseresumeaumavontadepessoalouauma decisão individual, mas é modelado por normas sociais mais amplas”.Outrofatorparaumapossívelrepressãododesejoéapreocupaçãodealgunsprofissionaisdesaúdecomocontroletécnicodaepidemiaqueignoramessedesejoexpressopelasmulheres.

Ayres (2004) comenta quemuitas vezes, as falas dos profissionais de saúdesãonormativaseprescritivas,nãoindoemdireçãoaosprojetosdefelicidadedaspessoas.Asfalasdessespermeadasdecrençasesignificadosconstituídosao longo de suas vidas interferem na abordagem sobre reprodutividade ematernidadedosseuspacientes.

ÉesperadoqueasvulnerabilidadescontextuaisdiantedainfecçãopeloHIVemassociação ao gênero feminino exercem importante papel para apreender aformacomoamulher-mãeinfectadaadapta-seàmaternidadedemodogeral.Aoobservar osignificado da não amamentaçãopara asmães soropositivas,encontrouqueestefatoconstituirazãodeconflitosinternosparaamãeerecaidiretamentenareestruturaçãodovínculomãe-filho.

Destaforma,aidentidadedamulher-mãesoropositivasofreabalopelosignodaAids,tornando-lhemaisvisívelofatodeestardoente(SANTOS;JÚNIOR,2010)Éimportanteenecessárioconhecerecompreenderossignificadosqueasmulheres soropositivas emães atribuem àmaternidade e as repercussõesdestaemsuasvivências,alémdomodocomoissoéinseridonadinâmicadesuas relações. Sabe-se que falar sobre qualquer questão da existência podesuscitarumnovosentidoaosujeito,edessaforma,paraelas.

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Afenomenologia-existencialeométodofenomenológico

Parapodercompreenderopercursodessasmães, faremosusodoparadigmadafenomenologia.Iremoscaminharsobreos fundamentosdafenomenologiaaplicados à pesquisa qualitativa, que nos ajudarão a apreender o fenômenotrabalhadonesteestudo.Édefundamentalimportânciacomeçarporconceituarafenomenologia.Comooprópriofundadordamesmadisse,éumavoltaaomundo vivido, ao mundo da experiência, o ponto de partida de todas asciências(HUSSERL,1986).

Essa definição nos oferece o entendimento que a fenomenologia buscacompreender os significados da experiência vivida, e nesse caminho, opesquisador é direcionado para o fenômeno investigado. Enquanto métodocientífico,afenomenologiatevesuaorigememHusserl,esegundoAmatuzzi(2009,p. 97), “[...] volta-separaumaexperiência específica e situadaque serecebepormeiodeumdepoimentoexperimentaldepoistrabalhadodeformasistemáticanosmoldescomosecostumafazeremprocedimentoscientíficos”.Voltandoum pouco na história, observamos que a palavra fenomenologia jáhavia sido proferida por filósofos anteriores a Husserl, como por FranzBrentano3 (1838-1917), mas foi Edmund Gustav Husserl (1859-1938) queestabeleceuopensamentoquelevariaonomedeFenomenologia.

ParaEstepropunhaumnovométododeconhecimentodopsiquismohumano,diferenciando os fenômenos psíquicos, que possuem intencionalidade, dosfenômenosfísicos(IEZZI,2013).

este, a ciência positivista da época reduziam-se ao empirismo. Realizavamdescriçõesdeexperiênciassucessivassemquestionarasuasessências.Sentia-setestemunhandoumafaltaderigordafilosofiacomociência.Nestecaminho,elepropôsumavoltaàscoisasmesmas, retornaràquiloque se apresenta, talcomoeleseapresenta4(COLPO,2013;IEZZI,2013).

Nointeriordomovimentofenomenológico,Váriosoutrosaspectosousetoresda experiência foram sendo abordados. Heidegger (1995) voltou-se para oesclarecimento do ser e da existência; Scheler (1994) abordou os valores;Merleau-Ponty (1942/1972),o comportamentohumano; Jaspers (1913/1979)inovouavisãodapsicopatologia;Buber(1977),emboranãofizessepartedogrupo original, descreveu fenomenologicamente o encontro humano.

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(AMATUZZI,2009,p.96).

Em"SereTempo",Heidegger(2013)chamaaatençãodopontodepartidaemque a abordagem fenomenológica centra-se na questão do Ser. Através doprópriohomem,ofilósofoapontaqueesseéocaminhopeloqualoSersedáaconhecer.Paraqueohomemrevele-seasimesmo,eleprecisacolocar-seemsolidão,cujoobjetivoé interrogar-se, surgindoà reflexãosobreelemesmo.Desvendaroseremsimesmo,partindodaexistênciahumana(DaseinouSer-aí)éoobjetivodareflexãofilosóficadesteautor.

Dessaforma,naobracitada,Heideggerpropõeaanalisardequemaneiraoserhumanovivenciaaexperiêncianomomentoque tomaconsciênciadoseuestar-lançado-no-mundo. O conceito de mundo abrange tudo que existe nanaturezaassimcomotodaequalquerformadeproduçãoartísticaoucientífica.Estamossemprejuntoaomundoeexistimossempreemummundo.

Ser, para Heidegger, significa o modo como algo se torna manifesto ecompreendido, sendodesignado como ser-aí ou ser-no-mundo, e tendo suascaracterísticas fundamentais denominadas de ontológicas ou existenciais.Ainda,tudooqueohomempercebedeimediatoéônticoedizemrespeitoaoente–tudooquecompreendemos,comoqueouquemnosrelacionamos.

Somososprópriosentes,ser-no-mundo,Ser-aí(SALES,2008).4AssumindoosentidoetimológicodapalavrafenômenoressaltadaporHeideggeremSeretempo(2009)indicandofenômenocomo:oqueserevela,oquesemostraporsi mesmo. Ser-no-mundo, para Heidegger (2013), significa uma unidadeindissociável.Ohomemélançadonomundoeestabelececomeleumarelaçãodepertencimento.

Nãohá,portanto,dissociaçãoentrehomemeomundo.AnalíticadoSer-aí (Dasein)éumaanálisedosexistenciais,ouseja,dasestruturasontológicasdeserdoSer-aí.Heideggerdebruçasobreosexistenciais,ouseja,estruturasdepossibilidades, que formam o Ser-aí como: a compreensão; as disposiçõesafetivas; a queda (impropriedade); a angústia; a temporalidade; a finitude, acura, entre outros (COLPO, 2013). A existência do ser abre-se ao mundo,sendoumserdepossibilidades,quepodetornar-seoquedeseja.Essaaberturamanifesta-se através de uma afetividade ou disposição; como umacompreensão;ecomolinguagem.

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São suas características existenciais, tendo a última – a linguagem – comocaracterísticaprimordial,ondetodososoutrosmodosdeserestãoconectados.Entende-se,portanto,queépossível compreenderomodode serdo homematravés do seu discurso (HEIDEGGER, 2002; SALES, 2008). Assim, odiscurso permite transmitir vivências, sentidos e informações do âmago dosujeito.Énaaberturaqueseencontraasemoções,olazer,otrabalho,crençase outros aspectos da existência. Pensando como método científico, aabordagem fenomenológica não pretende verificar, mas construir umacompreensãodealgumacoisa(IEZZI,2013).Silva(2009,p.139)concluiquea fenomenologia“[...] trata-se,pois,deumaciênciaquesecentra na relaçãoindissociávelentresujeito(umaconsciênciaquesevoltaa)eoobjetovisadopelaconsciência(oqueserevelaaesta)”.

EntendertodoequalquerfenômenoéoquepressupõeaFenomenologia,masdaí possibilitar a percepção de um significado dos mesmos ao sujeito é ograndedesafio.Nestesentidoométodofenomenológicofornecesubsídiosquecontribuem para que o homem torne-se um ser-no- mundo5 em toda suaplenitude (FORGHIERI, 2011).A Fenomenologia 5Expressão utilizada nesteestudo para traduzir Dasein (ser- aí), termo cunhado por Heidegger paracompreenderohomemcomoumenteabertoaoser.Oser-no-mundo,oqualsempre vive em relação com alguém ou algo, de acordo com Forghieri(2012).enquantométodo procura, de acordo comCastro (2009, p. 65) “[...]investigarocaráterdaconsciência(oconhecimento),comointencionalidade,comodireçãoaquiloquenãoéaprópriaconsciência [...]”,oqueécolocadocomo“darsentido”.

Dessaforma,ométodofenomenológicotemsuapráxiscientíficaorientadaàanálise compreensiva do fenômeno, tendo que a expressão compreenderimplicatornarexplícitooquesemostraoculto(IEZZI,2013).Destamaneira,há a preocupação se trabalhar com a natureza do fenômeno comosignificativamenteexperienciado.Ohomemprocuracompreendersuaprópriavida e em algumas situações não consegue, pois se coloca alheio ao seupróprio existir. Em contraponto, Forghieri (2011, p. 35) afirma “[...] minhavida, entretanto, é minha e não posso passar ao lado como se ela não medissesse respeito”. E é este comprometimento consigomesmo e com o queestáemvoltaqueéumdospontosdepartidadaFenomenologia,umavezquetoda sua vida só é autenticamente humana quando ele próprio vive. Cadapessoaéúnica,singular,carregadasdeexperiênciassignificativasquepodemserdesveladasreflexivamente(IEZZI,2013).

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Comointuitodecompreenderasrespostasparanossasindagaçõesemrelaçãoaosaspectosquepermeiamocotidianodessasmãessoropositivasénecessáriodeacordo comViana (2004) perceber os significados que se encontram noconjunto de sentido da dimensão humana.A compreensão não está arroladaapenasànoçãoquetenhodaexperiênciadooutro,masemapreenderquecadavivênciaéatribuídadesignificadoúnicoeparticular.

O método costumeiro de investigação da fenomenologia é a reduçãofenomenológica ou epoqué. Sendo o fenômeno aquilo que segundo semanifestaimediatamentenaconsciência,alcançadoporumaintuiçãoantesdetoda reflexão ou juízo, o recurso utilizado para se chegar à essência destepropriamente dito denomina-se redução fenomenológica, que “[...] pode sersintetizadaemdoisprincípiosumnegativo,querejeitatudoaquiloquenãoéapodicticamenteverificado;outropositivoqueapelaparaaintuiçãoorigináriado fenômeno, na imediatez da vivência.” (FORGHIERI, 2011, p. 15). Oexercíciodafenomenologiaimplicanumaexperiênciasingular,poucousual:asuspensãodetodoequalquerjuízoarespeitodofenômenoparaoqualanossaconsciência sevolta.Deixarde lado todoconhecimentooucrençaa respeitodo fenômeno pesquisado, como se dele nada soubesse, como se nuncativéssemospassado

Afenomenologia-existencialeométodofenomenológicopelaexperiênciadeamar, de nos envergonharmos, de ter sofrido alguma violência ou ter sidoviolento,porexemplo.Comosefosseaprimeiravezqueentramosemcontatocom o fenômeno sobre o qual nos debruçamos. (SILVA, 2009, p. 139). Oexistir humano deve ser apreendido considerando os três aspectos do“mundo”:ocircundante,englobandoaadaptaçãoeoajustamento;ohumano,que se concretiza nas relações e influências mútuas entre as pessoas; e opróprio, que é o pensamento e transcendência da situação imediata(FORGHIERI,2011).

Assim,paracompreenderovividoénecessáriaaimersãonaquiloqueooutrofala, pois é a partir daí que poderemos na condição de pesquisadores,percebermosadimensãodoqueestásendoditoe,dessaforma,apropriarmo-nosdainterpretaçãoqueooutro,enquantoser-no-mundofazdesimesmoedasituação vivenciada. Embora não desconsideremos o aspecto objetivo, adescrição fenomenológica se centraliza na experiência vivida pelo sujeito.Umadastécnicasbásicasadotadasempesquisafenomenológicaéaentrevista

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abertacomperguntanorteadoraoudisparadora.Estaproposta originalmenteporAmatuzzi(2009)eseuobjetivoécolocarosujeitoemcontatocomsuasexperiências, favorecendo a descrição delas e facilitando ao pesquisadoralcançar os significados do vivido para o sujeito (MACEDO; CALDAS,2011).

Sob o ponto de vista fenomenológico, a entrevista procura compreender osentidodo comportamento, efetuando a leitura da verdade, na qualOobjetodeveserdescritocomoseodescritornãosoubesseabsolutamentenadaaseurespeito,deixandodeladosuaspreferências,memóriassugeridaspeloobjetoem descrição, desejos, imaginações e valores. Também não estariapreocupado em descobrir as causas do objeto ou as justificativas de suaexistência.(GOMES,1997,p.3).

SegundoCastro(2009,p.71),atravésdaentrevistafenomenológica,Háquesechegar à compreensão do problema fundamental do cliente, projetando suavida para um mundo que não é soma de gestos e sons e multiplicação depalavras,masengajamentocontínuoeininterruptoàssolicitaçõeseexigênciasda vida cotidiana pelo gesto linguístico, uma necessidade permanente deinstituiçãodoespaçohumanoesocial,umestarpresentenomundo,nascoisas,nooutro,navidafamiliaredetrabalho,emtodasastarefasnecessáriasaumahistóriavivida,emtodososmovimentosegestosnecessáriosà instituiçãodoespaço.

A entrevista sob o olhar da fenomenologia procura perceber o sentido docomportamento,efetuandoaleituradaverdade,queculminaemterumavisãode unidade e totalidade, visão de ultrapassagem do pensamento objetivosituando os comportamentos para além de conteúdos particularesmotores evisuais, é a “[...] mostração de sua totalidade e não de seus fragmentos.”(CASTRO,2009).

Outra técnica, de acordo com Macedo e Caldas (2011), é a narrativa dopesquisador, que se revela como comunicação da experiência. Traduzir aexperiênciaemprimeirapessoapermiteaopesquisadoracessoàexperiênciaintersubjetivavividana relaçãodele como sujeito dapesquisa, favorecendorecuperar o sentido da experiência A fenomenologia tenta captar, então, oacontecerexperiencialtalcomoosujeitoomanifestaporsuaexpressãoverbalou escrita, objetiva ou subjetiva. Pela fenomenologia tentamos indagar osmodos de manifestação de um determinado fenômeno, examinando em

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seguidaosignificadoesentidoqueessefenômenopossacomportar,talcomoeleéapreendidopelaanálisereflexiva(TENÓRIO,2003).

A Psicologia em seu processo de desenvolvimento enquanto ciência temenveredadoporvárioscaminhosparaserconsideradaciência.Assim,vemosdesdeacriaçãodoprimeirolaboratóriodePsicologiaàsatuaisvertentesumabuscacontínuaporcientificidadeereconhecimentodesuaprodução.Contudo,“[...]temsemantidopresaaestudosquenãopossibilitaramoconhecimentodohomem.”(CASTRO,2009,p.74).

Na tentativadesuprira lacuna existente Castro (2009) ressalta que surge aproposição de uma psicologia de base fenomenológica, que focaliza ofenômeno como único e isolado, desvendando-o tal como se mostra edesapropriando-odequalquerteoriaaseurespeito.Ofenômenopassa,então,aintegraraconsciênciaeoobjeto,unidosnopróprioatodesignificação,emconjunto com a intencionalidade, que é, basicamente, o ato de atribuir umsentido,sendoesteoresponsávelpelaunificaçãodaconsciênciaeoobjeto,osujeito e omundo. Por essemotivo opto pelométodo fenomenológico quepossibilita investigar a vivência das pessoas nas diferentes situações e assimchegaràcompreensãodessapessoa.

De acordo com Amatuzzi (2009), uma pesquisa psicológica efenomenológica deve seguir os seguintes passos para ser bem conduzida: 1.delimita-seoobjeto (campodaexperiência)aserestudadoeo tipodeolharquesepretendelançarsobreomesmo;2.encontroconcretocomofenômeno:imersãoeconvívio.Pensa-senoacessoàexperiênciaenaescolhadoregistrodesseencontro;3.análisedoconteúdo.

No primeiro momento procura-se obter uma visão global do material; nosegundo momento há uma busca dos eixos de significado (unidades designificado)detodoomaterialcoletadoouproduzidoesuasarticulaçõesemcategoriasdeanálisejuntocomumtextounificadoeconsistente(resultadodapesquisa),masaindanãoéaconclusão;4.comoresultadoanterior, inicia-seuma construção de interpretação mais abrangente do fenômeno. É umapossibilidade de compreensão, é a teoria, a conclusão; 5. comunicação dapesquisa-encontrocomacomunidadecientíficaououtros.

A pesquisa foi realizada sob o viés qualitativo e foram consideradasparticipantes mães soropositivas cujo diagnóstico de transmissão vertical

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tenha sido comunicado há pelo menos 12 meses, permitindo a participanteexternarsuafalacommaioramadurecimentodesuaexperiência.Realizamosentrevistasabertascomseismães,possibilitandoqueasmesmasrelatassemdeformaricasuavivência.

Aentrevistacontoucomaseguintequestãonorteadora:“Gostariaquevocêmedissesseoquesentiuepensouaosercomunicadadodiagnósticodetransmissãovertical”.

Ocorreram, então, alguns desdobramentos que permitiram às participantesnarrar significativamente suas experiências. Isto possibilitou colocar-me nacondição de ouvinte, intervindo quando necessário, com o objetivo deesclarecer, informar ou facilitar as expressões oriundas das participantes dapesquisa.Asentrevistasforamrealizadasindividualmentecomcadamãe,semlimitedetempopré-estabelecidoparaqueestaspudessemsentir-selivrespararelataroseumundovivido.

Todas as entrevistas foram audiogravadas e transcritas na íntegra com opropósitodepreservaraformacomoosujeitoexpôssuavivência.

De acordo com Valle (1997), a descrição fenomenológica deve retratar eexpressaraexperiênciaconscientedosujeitoe,portanto,deveserconsideradarigorosamente na sua forma original, na linguagem espontânea do sujeito,comoformaderesguardarasidentidades.

As entrevistas foram transcritas na íntegra com o propósito de preservar aformacomoasmãesexpuseramsuavivência.DeacordocomCastro(2009),adescrição fenomenológicadeve retratar e expressar a experiência conscientedo sujeito e, portanto, deve ser considerada rigorosamente na sua formaoriginal,na linguagemespontâneado sujeito.Como formade resguardar asidentidades.

Utilizamos para leitura dos dados a análise compreensiva e seguimos asorientaçõesdeMartinseBicudo(2005)quepreconizam:transcriçãoliteraldetodasasentrevistas; leiturapreliminardecadaentrevistacomo intuitodesealcançarumacompreensãoglobal e intuitivade seumododeexistir durantesuasexperiências,ouseja,trata-sedeumaleituraatentadosdepoimentossembuscar ainda qualquer interpretação ou identificar qualquer atributo ouelemento, a fim de chegar ao sentido geral do que está descrito; releitura

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reflexiva de cada uma das entrevistas com o objetivo de apreendersignificadosnadescrição,dentrodeumaperspectiva,focalizandoofenômenoque está sendo pesquisado, envolvendo-se e distanciando-se quantas vezesforem necessárias, encontrando as Unidades de Significado; e buscar aconvergência das unidades significativas para se chegar a uma descrição davivência do sujeito que englobasse a todos, constituindo desta forma ascategoriastemáticas.

Apósaanáliseindividualdecadatranscrição,sãobuscadasasconvergênciasouinvariantes,oaspectocomumquepermaneceuemtodasastranscriçõesdasentrevistas, construindo as categorias de análise. Devem-se levar emconsideraçãoasdivergências–aspectoincomumnasfalasdasparticipantes-eas idiossincrasias -maneiradever, sentir, reagirpeculiaracadapessoa -demodoaapreenderofenômenoemtodaasuacomplexidade.Considerandooobjetivo da pesquisa, a compreensão do vivido a partir do discurso dasparticipantes e o método a ser utilizado – o fenomenológico, a análise dosdadosfoiefetivadaapartirdospressupostosdaPsicologiaFenomenológico-Existencial.

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CAPÍTULO3NOÂMBITODACOMPREENSÃO

Partimos para a análise fenomenológica dos relatos dasmães em direção àcompreensão do fenômeno: o percurso de vida percorrido por mãesportadoras do HIV após transmissão vertical do HIV. Embasados nametodologia fenomenológica, como mencionado no capítulo anterior, apóstermos passado por todas as etapas da análise, chegamos às categoriasrefletidasàluzdafenomenologia-existencial.

Apresentandoasmães:mulheresguerreiras

Seismães,seismulheres e seis crianças. Seis circunstâncias que convergempara experiências semelhantes. Seis histórias de vida que, apesar de suasparticularidades, idiossincrasias registram uma vivência em comum: atransmissãoverticaldovírusHIV.Todasconvivemcomatransmissão,apesarda temporalidade distinta. A fim de preservar a identidade de todos osenvolvidosecitadosnestetrabalho,seusnomesverdadeirossãomantidosemsigilo e substituídos por outros fictícios. Podendo a escolha ser aleatória,preferi adotar nomes relacionados às histórias narradas por elas e aoentendimentoqueadquiriaoouvi-las:dequeessassãoverdadeirasguerreiras.Escolhi, desta forma, nomes de mulheres guerreiras da história do mundo:Tamara,Budica,Fu-Hao,Ah-HotepI,ZenóbiaeArtemísiaI.

Categoriasqueemergiramdosrelatosdasmães

1)DiantedafacticidadeOHIVeaAids,alémdedoençascrônicas,ameaçamavida, revelando a finitude do ser-aí-com-HIV. Conviver com a doençasimboliza sofrimento, dor, ansiedade, morte, perigo para aqueles que nãoconvivememuitasvezesparaosqueconvivem.

1.1)A origemdo contágio São diversas as circunstâncias de descoberta dacondiçãodesersoropositivaemrelaçãoàsmulheresentrevistadas.Entretanto,a infecção pelo vírus ocorreu, invariavelmente, na grande maioria dasentrevistadaspormeiodatransmissãosexual.

Tamara – seu contágio deu-se através de relacionamento sexual com oprimeiro homem de sua vida. Este não revelou sua condição sorológicapositiva, engravidando-a. Tamara conta não ter feito o pré-natal da formacorreta.Apósamortedeseumarido,acreditandoqueeletinhacâncer–pois

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foi o que a família do marido informou. Tamara voltou ao interior doAmazonas,onde nasceu, e relacionou-se comoutra pessoa.Teve dois filhosquemorreram nos primeirosmeses de vida, porém já na segunda gravidezdescobriusuacondiçãodesoropositiva.

Realizou o teste de HIV na primeira filha e confirmou- se a transmissãovertical.Tevemaisumamenina,quepelotratamentoantiretroviral,nãonasceucom o vírus. Atualmente, sua primeira filha, também soropositiva, é umaadolescentedetrezeanos,quemoracomosavósmaternosno interior.JuditemoracomseunovocompanheiroesuafilhamaisnovaemManaus.Zenóbia–seucontágio,assimcomoJudite,deu-seatravésderelacionamentosexualcomo primeiro homem de sua vida. Mas diferente desta, realizou o pré-natal,submetendo-seaotestedeHIVduasvezes,porémovírusnãofoiconstatado.

Teve seu filho, amamentou-o e este adoeceu por pneumonia. Desta forma,tendo a criança sido internada, a mãe foi submetida a um novo teste e oresultado acusou sorologia positiva para o HIV. Foi na gravidez que eudescobri,nasegundagravidez.Quandoeutivemeuprimeiromarido,porquefoimeuprimeirohomem,né.Eletinhatrêsfilhos.AíelenuncamefalouquetinhaHIV[...]Aídepoisqueelefaleceu,elessófalavamisso,né,queeletinhacâncer.Aíeufuimorarnointerior,eno interioreuconhecioutrapessoa.Aíeuengravideidele.Aíeufuifazeropré-nataleeufiz(oteste)nostrêsbebês.Umdeleséameninade trêsanos (comovírus) eosoutrosdoismorreram(informaçãoverbal)6.

Fizpré-natal.FizdoistestesdeHIVenãodeu.Aíeuvimpracasaeamamentei.Aipassouumtempoeele(filho)foiinternadocompneumonia.Foiquandoeudescobri...(informaçãoverbal)7.

Artemísia I – seu contágio deu-se por transmissão via sexual. Teve trêsparceiros sexuais. Com o primeiro companheiro, gerou dois filhos. Com osegundo,gerouumfilho.

Comoúltimocompanheiroeatualmaridogerouumafilha.Nosegundofilhogerado, realizou pré-natal normalmente, porém o resultado demorou a serentregue, tomando consciência apenas quando já estava amamentando acriança.Funcionáriosdohospitalrealizaramvisitaasuacasaepediramparaelaparardeamamentar,poisoresultadoderapositivoparaHIV.Realizandooteste no menino, não se confirmou transmissão vertical, ele não havia

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adquiridoovírus.Realizado testesnosprimeirosdois filhos, tambémderamresultadonegativo.Atualmente,afilhamaisnovatemseisanosdeidade.

Suaconcepçãofoiumacidente,dizArtemísiaI.Apesardetodososcuidadoscom o parto e a amamentação, o diagnóstico de transmissão vertical foiconfirmado.SuacaçulaéportadoradovírusHIV.Aípassouotempoeconheciopaidela,comele já toseisanos.Agora,agravidezdaL. (filhacomvírus),foiumacidente,porqueeumeprevenipranãoter,porqueeuseioqueeusofri(informação verbal) 8.Ah-Hotep I - seu contágio também ocorreu por viasexual.Acreditatersidoinfectadapelomarido.

Temtrêsfilhoscomomesmo,masapenasomeninodetrêsanos,ofilhodomeio, é quem convive com o vírus. O filho caçula passou pelo tratamentoaindaantesdenascerenãofoiinfectado.QuandoeudescobriqueoM.(filho)tinha,elejáestavacomquasetrêsanos.Faziatrêsanosqueeutinha.Fizopré-nataltodinhodeleenãodeunada.Achoquepegueidepoisqueelenasceu.

Porque ate então, quando eu descobri, ele ainda mamava. Então pode terpassado pela amamentação. Foi ele (marido) quem passou pramim. Pra eleachoquefoimaiscomplicado.Porqueeletrouxeissopracasa.Eelequeficoudoente com o bebê. Ficou muito tempo internado (informação verbal) 9.6EntrevistaconcedidaporTamara.7EntrevistaconcedidaporZenóbia.

EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.FuHao–seucontágioocorreuporviasexual.Temdois filhosmaisvelhos,quenãoconvivemcomovírus.Ésolteiraevivecomostrêsfilhos.Afilhacaçulade nove anos é soropositiva. Tem contato frequente com o pai, e este nãorealizouo teste até omomento.FuHao acredita quepor resistência.Eu nãosabiaqueeutinhaaieupegueiefiqueigrávidadela.Aíeutiveela,tudinho.Deimamapraela.Eu já tinha,mas não sabia.Depois, quando eu sube.Aminhamãedissequeerapraeufazer(oteste)nosoutros.Praversetinhamtambém.Aíagentefoifazer.GraçasaDeusquenosoutrosnãotinham.Sóela[...]Achoqueeupegueiessacoisa,porqueeufaziaprogramalánocentro.Eeuachoquefoiumapessoaláque...(informaçãoverbal)10.

Budica–nãosabecomoaconteceuocontágio.Seumaridoépaidosseusdoisfilhos, sendo que um convive com o vírus há 13 anos. Seu marido não éportador do vírus. Na questão, omeu filho, na realidade, ele adoeceu, masnessemomentonãoconseguiramdiagnosticarele.Aíeutivequeadoecer,cair.

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Eatravésdemimsouberamqueeueraportadoradovírus,eaí,então,elessecertificaramcomosdois(informaçãoverbal)11.

1.2)Re-agindo:aimpactantecomunicaçãododiagnósticoQuestionadassobreomomentodadescobertado diagnóstico de transmissão vertical doHIV, asentrevistadas foramlançadasemumatemporalidadedistinta.Período divisordeáguasemseuspercursosexistenciais.Relembramaocasiãoondesentiramadoença fazerpartede suasvidas,dadinâmica familiar,dos seusmundos–afacticidadedoadoecimento.

As reações misturam-se em nervosismo, desorientação, tristeza, desespero,pavor. Imediatamente, após a surpresa inicial ocorre o pensamento sobre afinitude, o limite humano, a morte. E isso incomoda, aterroriza, traz apossibilidade de perda. O mundo idealizado sofre mudanças. 10Entrevistaconcedida por Fu Hao. 11Entrevista concedida por Budica. Eu fiquei triste.Mas... Eu não podia fazer nada, né. Já tinha acontecido... Quando eu subeassim... Dá aquelas loucuras na gente... Se matar... Eu não queria não(informaçãoverbal)12.

O recebimento da noticia de soropositividade bem como a assimilação detransmissão vertical, dessa nova condição, trata-se de uma aquisição de umnovosabersobresimesma.Afacticidade lançaasmulheres-mãesnomundoindependentementedesuasvontades,condiçãoexistencialessaqueasexpõeasituaçõesnãoplanejadas,nãoesperadas,asquaisasfazemexistirpormeiodeideias e sentimentos acabados, como um ser exilado em si mesmo(HEIDEGGER,2002),ondeàsvezes,amortepareceseramelhoropção.

Dessa maneira encontrava-se Fu Hao no relato acima. Impotente, tendo quevivernoseunovouniverso,nasuanovacondição.Fiquearrasada,semchãomesmo.Porquenaminhafamília,minhamãenuncaconversousobrenadaenaescolanuncafalaramsobrecamisinha.Aprendicomavidamesmo.Ninguémmeexplicouqueerapossívelperderavirgindadeepegarovírus,foihorrível.Eupenseiemtirar.Nãoqueriamais issopramimdenovo.Porquepormaisqueégrandeaschancesdela(filha)nascersemovírus,vocêficapensando...Quepodepassarpraela(informaçãoverbal)13.

Eusentiacoisamaistristedomundo.Comosetivesseperdidoumpedaçodemimmesmo,quefoiummomentoqueeununcavouesquecer [...].Equandosoube que tava grávida eu ficava preocupada, ‘será que vai nascer com o

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vírus?’(informaçãoverbal)14.

Forghieri(2011)revelaqueaangústiaéomodomaisoriginárioeprofundode nosso existir cotidiano, caracterizando o que denomina como a maneirapreocupadadeexistir.Estaconsisteemsentimentoglobaldepreocupação,quevaria desde uma vaga sensação de intranquilidade, por termos de cuidar dealgo, até uma profunda sensação de angústia, que chega a nos dominar porcompleto, conforme se pode perceber nos discursos dessas mulheres. Amaneira preocupada de existir é temporal, ocorre tanto em fatos presentes,comoatravésdeumalembrançadealgoquejápassou,ouporreceiodoquehá de vir. Sentimentos de frustração e contrariedade advindas de umadepressão ou raiva são também manifestações preocupadas do ser-aí.EntrevistaconcedidaporFuHao.EntrevistaconcedidaporZenóbia.

Entrevista concedidaporArtemísia I.Zenóbia, desinformada a respeitos doscuidados da vida sexual, observa sua vida vulnerável. Todas as fantasias deumajovemdemenosde20anos,vindadointerioresuacompreensãosobresuaprimeiraexperiênciasexual, tornam-sevazias.Zenóbia temumfilhoquetambém convive com a doença, e agora se encontra grávida novamente.Depois de tanto sofrimento, não imaginava passar pela mesma experiência.Pensouemabortar.

Apesar da grande probabilidade do tratamento antiretroviral impedir atransmissão, o mínimo de chance a deixava angustiada. Nessas vivênciascotidianasestápresenteofechamento,queéavivênciadeumasituaçãodaqualnão se pode fugir, onde inclusive está presente o auto-esquecimento,caracterizandoa inautenticidade,ocairdoser-no-mundona impessoalidade(HEIDEGGER,2013).

De certa forma semelhante à Zenóbia, Artemísia I nomomento em que sedescobriugrávida,amaiorpartedesuaspreocupaçõesrelacionava-seaovíruspresenteemseucorpoenachancedetransmiti-loaoseufilho.

Talvezpensandonapossibilidade infelizde transmitiraoutroseradorquetambémsentiu,poisjáficarasemumapartedelamesmanotempoemquesedescobriu soropositiva. Já para algumas entrevistadas, a informação dodiagnósticodecontágiopessoalveiojuntamentecomadetransmissãoverticaldo vírus para o (a) filho (a).Nas narrações dasmesmas, foi verificado queestassesubmeteramaopré-natal,realizandoassimotestedeHIV,masestenão

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acusoudiagnósticopositivo.

Sabe-se que o vírus é capaz de ficar encubado, chamando este período dejanela imunológica, ou seja, não podendo ser detectado pelo exame,apresentandoumresultadofalsonegativo.

DeacordocomoMinistériodaSaúde (2014),operíodode identificaçãodocontágio é constatado entre 30 a 60 após exposição ao vírus. Sendo essa apossível explicação para a não detecção. Sendo ainda mais impactante, operíodo de gravidez e recebimento da criança ao mundo é associado àfelicidade,àextensãodavida.Osimplesfatodesaber-sesoropositivaporsisó já poderia significar a conformaçãode si como sujeito diferente, temidosocialmente(MAKSUD,2007),contudo juntamentecoma informaçãodesersoropositiva atrelou-se ao de transmissora, e com pesar, ao (a) próprio (a)filho(a).

Algoesperado,sonhado,desejadocomomínimopossívelde intercorrência,comoonascimentodeumfilho,torna-sedifícildeacreditar.Asfalasabaixomostram que ao se perceber um Ser-para-a-morte, o Ser-aí mergulha nelepróprioeéforçadoaevocaroseuestar-lançado-no-mundo,expressãoquedeacordocomHeidegger (2013)querdemonstrara facticidadedoqueée temque ser. Assim pode-se despertar a sua consciência para a possibilidadeoncológicadeumSerautênticoemvistadesipróprio.

Comisso,Salesconfirma(2003,p.105)que“[...]énaangústiaqueserevelaoabandono do homem a simesmo. Encontrando face a face com sua terrívelliberdade de ser ou não ser, de permanecer na inautenticidade ou lutar pelaposse de simesmo”.Eu fiquei desesperada, né... O exame dela deu positivotambém.Eeufiqueidesesperada,queriatomarremédiopratirarobebê...Eela[médica]nãodeixou.Falouque se eu fizesseo tratamentodireitinho e falouqueeupoderiavivercomessadoençaepoderiavivernormal.Sófalouqueeuiacomeçaratomarremédioenãoiapoderpararmais[...]Maseufiqueimuitodesesperada.

Nãoqueriasaberdenada.Sóqueriasaberdemorrer,assim.Eeufalavaqueseopaidaminha filhavivessedenovoeumatavaele,porqueeleescondeudemim.Passamos trêsanos juntoseele escondeu demim (informação verbal)15.Écomplicado,né.Desesperador.Nãosabiacomoeraadoença.Agentevêapenasoque sepassana televisão.Queopessoalvaimorrer, não sei o que

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[risos].Sócoisasnegativas.

E eu tento fazer o melhor por ele [filho] (informação verbal) 16. Aquiobservamosfalasdemãesquedescobriamodiagnósticojuntocomosdos(as)filhos (as).Tamara, emseudesespero, assimcomoFuHao,viu-sediantedadecisão de suicídio ou da realização de um aborto. Enganada pelo seu ex-companheiroepaidesuafilha,vêsuaesperançadevidaressurgircomaajudadesuamédica,atravésdeinformaçõescorretaseencorajadoras.OdesesperoadvindodafaltadeinformaçãosobreadoençafazAh-HotepIrir,atualmente.Possivelmenteentendendoquenãosãobemassim,“sócoisasnegativas”.

Naépocadadescoberta,noentanto,foramessascoisasquepovoaramseusereadeixaramdesesperada.ParaArtemísiaI,omomentodainformaçãodoseudiagnósticopositivoparaHIVéumfatoquenuncavaiesquecer-impactanteememoriável.15EntrevistaconcedidaporTamara.16Entrevista concedidaporAh-HotepI.1.3)Avivênciadanegação.Faseinicial?Asreaçõesaquimostramnegaçãoao resultadododiagnóstico.Castro (2009,p.54) traz que “existemsituações,queHeideggerdenominafacticidades,quesãoassituaçõesquenãoescolhemos, mas que precisamos aceitar”. A negação que sofreram nomomento do diagnóstico desaparece?Eu falava: faça outro exame em mim,faça outro exame em mim, porque eu não acredito (informação verbal) 17.Sabia que às vezes eu boto as coisas na cabeça de que eu não tenho essenegocio... Eu acho que não tá em mim. A mesma coisa a minha filha...(informaçãoverbal)18.“Porqueatéhojeeunãoaceitoisso.

Àsvezeseupensoassim:issonãoaconteceucomigo(informaçãoverbal)19.Deacordo com as narrativas acima, até o presentemomento, e não somente nafase inicial, o diagnóstico para essas mães ainda é dolorido, passível dedúvidas, de erros clínicos. Heidegger (2013) revela que o ser-no- mundocontinuamenteemseuprocessodeexistirvê-seassaltadodeformaabrupta.Anarrativa dessas mães indica uma clara afetação das mesmas frente aocomunicado que lhe foi feito pelas autoridades médicas. Embora hajainicialmente uma tentativa de apreender o que esta sendo proferido, algoconduzoprocessoparaoutradireção.

Ainda que o discursomédico tenha sido claro emrelação ao diagnóstico, épossívelperceberqueessecontato desperta relações de incredulidade, comoumadefesadiantedeumarealidadeinsuportáveldeseadmitir.Valedizerqueser-no-mundo nessa condição é pertencer ao mundo, sem, contudo se

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reconhecer pertencendo. É não se sentir em casa como diz o próprioHeidegger(2013),quandoserefereàestranhezanaangústia.Na17Entrevistaconcedida porArtemísia I. 18Entrevista concedida por FuHao. 19EntrevistaconcedidaporTamara.angústiaseestáestranho.Eessaangústiaévivenciadaquandoasmãessãoconfrontadascomessanovasituação.Éosurgimentodesituaçõesdesurpresa,causadorasdecomoçõesfortesque,diantedoocorrido,podem levar ao questionamento e superação – abertura -, ou a manter-sefechado,ensimesmadoemsimesmo.

Oser-emtranscendeanoçãoônticadainclusãonoespaço;quedizrespeitoaumestarjunto,lançadoemummundoquesehabita,semquesepossatertidoapossibilidadedaescolha,eesteestar-lançadodapre-sençaemummundoquenão foi escolhido e que, por sua vez, pode revelar-se inóspito ou não,Heidegger (2013)nomeiacomo facticidade.Sãoassim, situaçõescomoadecomunicaçãododiagnósticodeHIVquevemaoencontrodohomememseucotidiano, desestruturando-o.A angústia decorre do paradoxo vida emorte,gestaçãoecontaminação.Alémdosaspectosobjetivos importantes, como oscuidadosduranteagestação,préepós-partoestáonovosignificadoqueessasmãespodemdarasuasvivênciasnãoesperadaseoimpactoquepodegerarnodecorrerdesuasvidas.

O que sugere a negação de se existir-no-mundo com HIV e ter seu filhosoropositivo? Percebo nas linguagens dessasmães que o seu ser-no-mundoemconvíviocomovírusfazemergirsentimentosdepreocupaçãoedesespero.Acomunicaçãododiagnósticocausaessacomoçãoe impeleapossibilidadedafinitude,dolimitedohomem.ParaPompéiaeSapienza(2011,p.80):“[...]fantasiamos que teremosmuito tempo e oportunidades para tudo aquilo quequeremos fazer, e ficamos angustiadosquandonosdamos contadeque essetempo pode nos ser dado ou pode não nos ser dado”. Além disso, todo oenfrentamento de uma doença crônica – medicações regulares, visitasperiódicas aomédico,melhor controle da alimentação e do exercício físicocausamimpacto,medodonovoviver.2)Sentir-seseguradiantedafacticidade:osváriosapoiosHeidegger(2013)revelaqueomundonoqualvivenciamosocotidianoimediatotemtriplacaracterização.

Omundocircundante,omundohumanooudasrelaçõeseomundopróprio.Énotávelperceber,atravésdasfalasdasentrevistadas,comoestamosimplicadosna relação EU-TU em que o olharmigra em direção ao outro que está emsituaçãodedoresofrimento.

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Éocuidadorecebidonarelaçãocomooutroquesepresentificanodiscursodas mães. As vivências relatadas configuram um ser-de-relações o quecaracterizaomundohumanoqueForghieri(2011,p.31)explicitacomosendo“[...]aquelequedizrespeitoaoencontroeconvivênciadapessoacomosseussemelhantes”.Desta forma, asmães soropositivasnecessitamdooutro–doscompanheiros, dos filhos, dos amigos e profissionais - e “[...] nessaconvivência cotidiana como ser-no-mundo, percebe-se o modo de ser dasolicitude de um para com os outros, como um poder-ser originário.”(RIBEIRO, 2011, p. 74). Pela abertura da co-presença desses sujeitos, há apossibilidadedeconcretizaçãodeumarelaçãogenuína,fornecendobem-estaràsmães. (RIBEIRO,2011).Um dos sentidos para Cuidado é o da Solicitudequeexpressanasrelaçõesinterpessoais,aestimadooutroenquantodistintodenós(CESAR,2011).

A solicitude enquanto Cuidado consigo e com o outro está vinculada àSimilitude entre si e o outro, fruto entre a estima de si e a solicitude emrelaçãoaooutro.

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2.1)Família,oapoiofundamental

A família em relação à convivência com a doença tem a possibilidade deerguer-secomoumaunidadedecuidadoecomoumafontedeajuda,suporte,apoioparaossoropositivos,contribuindoparaoequilíbriofísicoementaldosmesmos.Todossabem.Algumascoisaseunãoconversodireitocomaoutra,porqueelatem10anos.

Alguma coisa dá pra falar, outras não. Pra minha mãe, ela chorou que só,depoissenteipraconversarcomela,quenãoeradaquelejeito.Quetinhacomoter uma vida normal como qualquer pessoa. Aí ela passou a ficar normal(informaçãoverbal)20.Amaioriadasmãesentrevistadasoptouporcontarecomunicarasprópriasfamíliasquantoàsoropositividade.Observa-seabuscadeapoio,conforto,20EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.compreensão.

Ah-Hotep I procura a mãe, esta chora, mas conforma-se pelo fato dasinformaçõesseremdebomprognóstico.Porqueeles temquemeentender.Agentenuncasabeodiadeamanhã.Seacontecedeeu falecer, eles (filhos) jáestão cientes. Se ela (filha com o vírus) cai, eles vão ter que cuidar dela.Porqueeuconversoabertocomeles(informaçãoverbal)21.PerceboemsuaslinguagensquedescobrirodiagnósticodeHIVfezemergirumsentimentodepreocupação.

EsseestadodepreocupaçãosuscitadodiantedafacticidadedeserumapessoacomHIVeterumfilhocomHIVatravésdetransmissãoverticalsensibilizaopróprio ser-aí ao preocupar-se também com o ser de outros entes em seumundo circundante. Por mundo circundante entende-se por toda relação dapessoa com o ambiente: pessoas, coisas, animais e por seu próprio corpo.Observamosopreocupar-sedasmãescomsuas famílias eo cuidadocomofilho soropositivo. Apesar da preocupação, Artemísia I encontra disposiçãoparaaplicarformasadequadasderesolverseusproblemasemedosemcasa.

De acordo com Almeida (2005), toda experiência no mundo é apoiada narelação que o ser-aí estabelece com os outros, sejam estes presentes ouoriundos do passado, com os quais convive. O eu, mantendo estreitaconvivênciacomosoutrosseres,essespassamafazerpartedeseuser.Essaideia remete a compreensão de que o vir a ser somente concretiza-se naconjunçãocomosoutros.Heidegger(2013)chamaessacondiçãodeser-com,coexistencial.O ser-aí não nasce pronto. Ele adquire a forma de ser do seu

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mundo e dos com quem convive. Ou seja, sãomoldados na relação com ooutro,“[...]aexistênciadessesedáemconcomitânciaenãoemisolamento.”(ALMEIDA,p.93,2005).Dessamaneira,sersó torna-seuma deficiência deser-comenãoumaalternativa.Relaciona-seaumaprivação,limitaçãodeumacondiçãonaturalebásica.ArtemísiaI,norelatoacima,preocupa-seemcontaraosfilhosmaisvelhosasituaçãodairmãmenor.Prepara-osparaaspossíveisfacticidadesdavida.Estabeleceumtratodecuidado,casoalgoaconteçacomela. Preocupação, cuidado, apoio. 21 Entrevista concedida por Artemísia I.Abaixo, as mães também procuram divulgar a informação no seu núcleofamiliar.Mostrandoa importânciadovínculo,a importânciadeseestarcomoutros,decom-partilhar.Revelamdamesmaforma,aalegriaeoalíviopor,mesmoapósarevelação,osseusentesqueridoscontinuamaacolhê-las.Minhamãe,meupadrasto,minhairmãemeuirmão.Elesagemnormais(informaçãoverbal)22.Aíeufaleipraele[atualcompanheiro]eelepassouunstempossemfalarcomigo,semmeligar,umasduassemanas.Aídepoiselefalouquequeriamorarcomigo,queerasóagentesecuidareíamosviveratéDeuspermitir.Eatéhojeeutôcomele.

Graças a Deus ele me trata bem, gosta muita da minha filha também(informaçãoverbal) 23.Aí ele disse que não iame deixar.E eu disse que aúnicapessoaqueeupodiacontar eraele.Eéverdade.Só soueu, ele eoN.[filho].Só(informaçãoverbal)24.ParaHeidegger(2013),oser-compodesertidocomoumestadodepreocupaçãocomooutro.

Porém, muitos vivenciam um estar-com-o-outro através da indiferença edesconsideração.Vivemdeformainautênticaemrelaçãoaoseuser-no-mundopela falta de afeto de outros Seres-aí. Casaes (2007, p. 38) salienta: [...]enquanto reprodutora da ideologia vigente, a família também tenderá aperpetuaravisãosocialacercadaqueladoençagraveexemplificada.Assim,aomesmotempoemquesofrejuntocomodoentereproduz,quandosetratadeuma doença estigmatizada, a visão preconceituosa da sociedade, sendo,portanto, fontedeajudaedeestresseparaoportador.As reaçõesda famíliadas mães decorrem da percepção sobre a doença e assim comporta-seinfluenciada por significados estigmatizantes construídos socialmente.Entendoqueo con-viver com aAIDS compartilhadamente transmitiria certaharmoniainteriorparaasentrevistadas.DeacordocomTunala (2002,p.29),[...]atosdediscriminaçãoabertaediscussõesfamiliares,deve-semuitasvezesàfaltadeconhecimentosobreadoençaporpartedos22EntrevistaconcedidaporFu-Hao.

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23Entrevista concedida por Tamara. 24Entrevista concedida por Zenóbia.familiares, bem como pela sobrecarga emocional gerada pelo medo doadoeceroupelomedodaperdadofamiliarHIV-positivo.Omeuesposo,nahora, a gente conversou. Eu disse que se era uma cruz que ele quisessecarregar,carregava.Sevocênãoquiser...Porqueeusentiacomosetivessequedaropçãopraele.Eledissequeagenteviviaumavida,eerarealmenteumavidaconstruída.Euachoquede tudode tudo ficamos20anos.Medeumaisforçaainda,comoapoiodele[...]eunãotiveajudadaminhafamília.Entãofoimuitosobrecarregadopraele.Jáafamíliadelefoitotalmentediferente.

Eraumacoisanova,masoqueimportavapraeleseradarosuportedoamor(informaçãoverbal)25.SegundoForghieri(2011),nossoelopodenãoserumlugar,porémalguémqueamamos.Asuaperda,devidoàsuamorte,ouàfaltadesuacompreensão,doseuafetopodenosdeixaraflitos,semtermosacertezade que somos quem imaginávamos ser. Budica, em seu relato acima,considerava sua situação clínica um fardo, comparando esta com uma cruzpesada. Cruz que uma vez foi carregada nas histórias da bíblia sagrada porJesus Cristo para que existisse um sacrifício. A entrevistada acreditava querelacionar-se com ela seria, a partir do diagnóstico, um sacrifício para omarido.Nãoqueriacolocá-loemumasituaçãodesofrimento.Pedeparaqueeleescolhaoseudestino.Ficarcomelaoudeixá-la?Nãoqueriaprendê-lo.Jáse sentia presa. Budica, em seguida, sente-se possivelmente aliviada. Foifortalecidaaoseralvodacompreensãodeseumaridoedafamíliadeste,queresolveram estar com ela, também, nos maus momentos. Para Heidegger(2013),ser-compodeservividocomumestadodepreocupaçãocomooutro,no entanto, observo no relato da Budica um estar- com-o-outro através deindiferença enegligência apartir de suaprópria família.Sousa,Kantorski eBielemannapudCasaes(2007)reforçamqueosignificadoqueaculturadáadoençaeaosportadoresdovírus,podeminfluenciar diretamente à família aexcluí-losdogrupofamiliar.

NocasodeBudica,apesardafamíliadeseumaridoapoiá-laeincluí-laemseumeio,asuaprópriafamílianãotemomesmocuidado.25EntrevistaconcedidaporBudica.

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2.2)Oapoiosocial,acompreensãodooutro

Além do contexto primário de relações, as marcas deixadas pelosprofissionais de saúde e o entorno social nesse contexto de descoberta emanutençãodapatologiasãodestacadaspelasmãesentrevistadas.Osuportedoprofissional de saúde em particular é atribuído muita importância,principalmente nomomento onde o diagnóstico é inesperado. Logo após orecebimentodo resultado de sorologia positiva paraHIV, as reações são depreocupaçãoenervosismocarregadosdedúvidasquantoaoquehádevir.

Nestemomento,consideramas informaçõeseoapoio dos profissionais dohospitalessenciais,sobretudoquandoosmesmossecolocamàdisposiçãonosentidodeexplicareesclareceroscuidadoseprocedimentosnecessáriosparaumanovarotinadevida.ParaBudica,procurarumaprofissionaldapsicologianohospitalfoifundamentalparamanterseusfamiliareseelamesma“empé”.Praeupoderfalarpraele[filho],eutivequeprocuraropsicólogopraajudar.Euachavaqueeuiadesabarnafrentedele.Eelejátavamuitoquestionador...Eeuprecisavaprepararomeuesposotambém.Porqueumdia,ele[pai]desabounafrentedele[filho](informaçãoverbal)26.

Diantedasensaçãodeincapacidadeparatransmitirinformaçõesaofilhosobreadoença,Budicaprecisavadeapoio,dealguémquesoubesseexplicarparaoseufilhoquaisasmudançase limitaçõesqueeleestava tendoecontinuariaater. Sem forças para se fazer compreender por ele, procurou ajuda com apsicólogadohospital.Jáestavafazendoopossívelparaserforteporela,peloseumaridoepeloseufilho,masviu-se limitadanessanovaempreitada.Édesuma importância ser sensível ao outro. De acordo com Castro (2009) acapacidade de aceitar a doença está vinculada à maneira pelo qual odiagnósticoreveladoàpessoaeàfamília,demonstrandoseroprofissionaldesaúde fundamental para o acolhimento destes no que for possível.Continuando, o autor ainda afirma que o profissional de saúde deve não26Entrevista concedida por Budica. apenas curar, mas ainda demonstrar umcuidado autêntico sendo ser-com-o- outro implicando no acolhimento porcompleto.Forghieri(2011,p.31)concluique“[...]oexistiréoriginariamenteser - com o outro, embora o compartilhar humano nem sempre sejavivenciadodefato”.

Abuscado estabelecimentodevínculo afetivo comoprofissional permite acompreensãodanecessidadequeopacientepossuiemcompartilharreceiose

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questionamentos.[...]adiretoraeaprofessoradele.Eletinhaumproblemadecomportamento. Fui chamada. Quase toda semana tinha que ir lá. Ele nãoqueriarespeitaraprofessora.Elefazacompanhamentonopsicólogoatehoje.Ateporissoeuconverseicomelas(informaçãoverbal)27.

Acima,Ah-Hotep I vê-se em uma situação comum, cotidiana, que qualquermãepodepassar.Aidaàescolaéapenasmaisumadasatividadesdascrianças.Por si só é ummomento de descobertas e aprendizado, tanto para as mãesquantoparaosfilhos.Pelaorientaçãodesuamédica,Ah-HotepI informouàdiretora e à professora da escola sobre a condição clínica de seu filho. Épreciso que ele tome medicação ou saia para consultas, ou caso aconteçaalgumferimento,elaspossamestarcientesdocuidado.Oapoiooferecidodoentorno social das mães torna-se essencial. Eu tenho que conversar com adiretora e professora dela. Até porque ela tomamedicação [...] (informaçãoverbal)28.Eutivequefalar,eletánocolégioparticular...(informaçãoverbal)29. Além dos profissionais de saúde e da família das mães, elas relatampessoas amigas, queestenderamamãoquandoomomento édedor e exigeajuda,apoio.ArtemísiaIcontousersoropositivaparaapatroa,estaaacolheu,acompanhoueaapoiou.Equandofoiumbelodiaeufaleipraela.Eelameabraçouemeajudoumuito.

Eelaeradaigreja.Aielaveioprohospitaleomédicoconversoucomela.Aiela me apoiou [...] (informação verbal) 30. 27Entrevista concedida por Ah-Hotep I. 28Entrevista concedida porArtemísia I. 29Entrevista concedida porBudica.30EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.Abaixo,Zenóbiarelatasobresuaamigaeafamíliadestaquesurgemcomosuportenomomentodaangústia.Nafaltadasuaprópriafamília,seumaridoesuaamigasãoaspessoasaquemrecorreparadesabafarechorar.Sente-sesegura,livrepararevelarsuasdoresesofrimentos.

A fala implica a experiência tida de preconceito. Aparentemente, Zenóbiavivenciapreconceitosapartirdeseusprópriosfamiliares.Tenhoumaamigatambém.Quequandonãoéomeumaridoéela.Euligopraelaechoro,choro,choro.Aíelameliga.Perguntaseeutôbem...Afamíliadelanãometratacompreconceitos.Aocontrario.Eles falaramque eu entrei pra família deles poralgumpropósitodeDeus(informaçãoverbal)31.

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2.3)Vivenciandoareligiosidade:umportoseguro

EmboraparticipantedoaspectoconstituintedoserhumanopelaOrganizaçãoMundialdaSaúde–OMS,adimensãodaespiritualidadepossuiumahistóriade banimento e afastamento no espaço acadêmico (AMATUZZI, 2009).Mudanças, nas últimas décadas, podem ser verificadas, entretanto. Amatuzzi(2009)ePaiva(2002)acreditamqueareligiosidadeéavivênciadaligaçãodosujeito com o sagrado/ transcendente, reconhecendo que há alguém que sepercebecomomaiordoqueasimesmoatravésdeumacrençaedaadesãoapráticasdentrodeumainstituiçãoreligiosaorganizada.

Para além dos aspectos que as distinguem, religiosidade e espiritualidade,encontram-senovalordecuidadoparacomooutro, atravessadoemambas.Situaçõesdeangústia,solidão,desespero,preocupaçãolevamoserhumanoaquestionar a razão de sua existência e omotivo de seus sofrimentos. Nessahora,muitosbuscamo transcendental, que é inerente à condição humana deexistência.

Algunspontos relatadosmostramosmeiospelosquais asparticipantes, emsua maioria, fazem uso para diminuir as diversas sensações e sentimentosnegativosque surgemem razãodadoença estar presentena jornadade suasvidas.Alémdoapoiosociale familiar,a fé servedeportoseguroparasuas31Entrevista concedida por Zenóbia. vivências. Desta necessidade, surgemfortesnarrativasde envolvimento coma figuradeDeus.Só ter fé emDeus.Queagenteconseguesim(informaçãoverbal)32.

Prafalaraverdade,omeuladoespiritual.Euficavaperguntando:meuDeus,oquetáacontecendo?(informaçãoverbal)33.

AfédeTamaraemDeusamoveparafrente,aimpulsionaparaavida,paraosucessodecontinuaraviver.JáBudicausousuafé,seuladoespiritualcomocoloca, para questionar a facticidade da vida. Buscando respostas para suasaflições,querendoencontrarmotivoserazõesparaasmudançasdesuavida,abre um espaço de diálogo com ela e com Deus. A religiosidade aqui semostra crucial para a vida dessas mães. A maioria, em alguma parte dajornada, busca na fé uma forma de alívio e força para a sua vivência. “Eudisse:não,Deustámedandomaisumaoportunidade(informaçãoverbal)34.

Artemísia I, mergulhada em suas preocupações, conversa consigo mesma

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sobreorumodesuavida.ConcluiqueDeusadeuumpresente,umbem,umaoportunidade.Essadeclaraçãonosremeteaumachancedequealgopossaserfeitodeoutraforma,deumamelhormaneira.ParaArtemísiaI,talvez,suavidaaté o ponto de se encontrar soropositiva não tinha sido constituída de boasescolhasecaminhosbenéficos.Seria,então,um recomeçar a vida.A fé, nasvariadascrenças,versasobrealgomisteriosoenãopalpável,comoamorte,mas que trás, em seu bojo, o conforto àqueles que procuram entender algoalémdoconhecido,pelasviasdarazão.

Certamente,creemquehárazõesacimadeseusconhecimentosquejustifiquemoseusofrimento.Nasfalasabaixotambémsepodeverificaraprovaçãodivinaagindo.Osentido atribuído àexperiênciadapatologia está reservado a umafigura transcendental, que rege os acontecimentos humanos. 32Entrevistaconcedida por Tamara. 33Entrevista concedida por Budica. 34Entrevistaconcedida por Artemísia I. Acho que foi a vontade de Deus, porque talveztenhasidoumtestepramim(informaçãoverbal)35.

Comcerteza.Euteriafeitobesteira[riso].Essaéqueéaverdade.EssascoisasnãosãodavontadedeDeus,masépragenteaprendercertascoisas...AprendiatermaisféemDeus(informaçãoverbal)36.

Comose todasasdificuldades pela qual estão a passar fossem um plano deDeus,umapermissãodesteparatestarsuafé,suaconfiançanele,Ah-HotepIeZenóbia, neste caso, alémda procura de força, relatam ainda uma provaçãodivina.ComumpropósitotraçadoporDeus,atribuemparaaprópriavivênciaumsentidoquetranscendeaconcretudedocotidiano.Ah-HotepIafirmaquesenãofosseessaforçadivinaetranscendenteteriacometidoumabesteira,algopassíveldearrependimento.

Seu riso nervoso e aliviadomostra que conseguiu submeter-se a vontadedeDeus. De acordo com Junqueira (2008, p. 37), “[...] frequentemente,encontram-se relatos de pacientes de diversas religiões mencionando ascausalidades religiosas de suas doenças, assim como a cura de seusmales”.Paulino-Pereira (2006, p. 124) afirma que [...] é o poder divino que resgataessehomemdofundodo‘poço’elhepossibilitaatranscendência,ainserçãoouodesvelardeumavidaautêntica[...]afénesseDeusonipotenteéquedáaohomemosentimentodealívio.

Nodiscursoexistencialheideggeriano,seexisteumhomemquerelacionao

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medo a um “malum futurum”, existe um que visualiza na esperança odesenvolverdeum“bonumfuturum”,poisaesperança trazaoSer-aía forçan2.2)Oapoiosocial,acompreensãodooutroecessáriaparavislumbrarnovaspossibilidades. A fé é uma das manifestações dessa esperança. Não teresperançasignificarianão terhorizonte,não ter futuro,não terperspectivas,eliminando assim suas possibilidades de ser.Amatuzzi (2007) ao fazer umaaproximaçãofenomenológicaà experiência religiosa, afirma que seu objetodebuscapeloserhumanoéodivino,otranscendente.Oautorcomentaqueoencontro com o divino pode trazer mudançasmais oumenos profundas navida da pessoa, sendo que umas interiores como alegria ou leveza na vida.35EntrevistaconcedidaporZenóbia.36EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.

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3)Con-vivendocomapatologia:característicasdavivência

3.1)Con-viveréressignificaraexperiência

Passadoo impacto inicial coma facticidadedo adoecimento, asmães agorapodemobterumaaproximaçãoe familiarizaçãocomarealidadedovírus.Aexperiênciadoadoecer,antesdesconhecida,passaaserpercebida,nomeadaeconceituada.Asmães,dodiagnósticoparaavidaatual,passaramaadentraremumuniversonovosemo teremescolhido,semhaverconsentimento.Tomamconsciência de que se trata de uma doença incurável, crônica, irreversível,passíveldediscriminação;ereorganizam-seemdireçãoaumanovarotinadevida,pautadaporcuidadosterapêuticosqueasacompanharãoaolongodesuasvidaseasdeseusfilhos.

Em seu pensamentoHeidegger considera que o Ser-aí, transcendentemente,podevirateratitudesdistintasparaapossar-sedomundoemseuderredor.Nocontexto abaixo, apesar da circunstância de se estar-aí doente, este tentarealizarantesdotempoassuaspossibilidades,agarrando-seaaoseuestadonãocomdesânimo,mascomodesejodecontinuaraserumapessoasaudável.Ao vivenciar o adoecimento como uma facticidade, esta lhe exige oposicionamento:Curvar-se à fatalidade ou investir na vida?Eu creio que euaprendiaconvivermelhor.Jánãoédesesperadora(informaçãoverbal)37.

Ehojeeuenxergodeoutramaneiraavida(informaçãoverbal)38.

Asmãesencontram-se lançadas-no-mundoevivemafacticidadedeconvivercom a patologia, apesar disso possuem a possibilidade de viver demaneirainautêntica ou autêntica. Segundo Heidegger (2013), a inautenticidadecontribui para o estado de queda do ser humano, sendo o existir umaexperiênciaconstantedenão-compromisso,vivendonotempoquepassa.Para37EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.38EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.ofilósofo,possibilidadedeangústiapodereconduziroseràsuatotalidade,saindo,assim,daindiferença.

Nos relatos anteriores, Ah-Hotep I e Artemísia I, depararam-se com afacticidadedodiagnóstico,sofreramoimpactoemergulharamnosentimentode angústia. Porém a partir dessa situação encontram forças para visualizaruma nova possibilidade: a de superar a própria angústia, transcendendo omundoe a elasmesmas.Ser-no-mundonãoé somentevítimado acaso,mas

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agentedetransformação.

Apessoaqueseencontradoente,nãopossuidisponível livreenormalmentede todasaspossibilidadesderelaçõesquepoderia tercomomundo,poisseencontram restringidas. Porém esse fato não é suficiente para que ela sejaexistencialmente doente. Tal circunstância só acontece quando ela nãoreconhece e enfrenta suas limitações e conflitos. Assim, todo aquele queatribui um sentido para sua existência adquire forças para sobreviver aosinfortúniosencontradosao longodesuahistória.DeacordocomAngerami-Camon (2004), o homem é um contínuo vir-a-ser, e a própria dinâmicapropulsora da existência é a renovação damotivação inerente ao sentido davida. Junto da familiaridade como HIV, surge o entendimento da gravidadedessa condição. Para Budica, a maneira preocupada de existir encontra-sepresente na sua vida cotidiana, fundamentada no próprio ser-no-mundo dohomem(FORGHIERI,2011;HEIDEGGER,2013).

O receio, a aflição, o amedrontar, a raiva e a frustração se embasam nocuidadooupreocupaçãoporalgooualguém.Atéhojedóibastante,porqueelesofre muito, né. E a gente sofre junto, porque a gente é mãe... Aí é muitocomplicado(informaçãoverbal)39.

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3.2)Meufilhoquestiona:umaexperiênciadifícil

Paraasmãesdaentrevista,convivercomsuaprópriacondiçãoclínicajáédifícil.Vimosqueénecessáriosuperarmedos,insegurança,negações,falta39EntrevistaconcedidaporBudica.deapoios.Éprecisoreaprenderaviver,éprecisosereconhecerumSerdepossibilidades.Nestemomentocategorial,surgemsituaçõesqueemergemdaconvivênciacomovírusedaconvivênciacomofilho.Comatomadadeconsciênciadascrianças,apartirocrescimentoeamadurecimento,buscaminformaçõessobresuasrotinasdevida.Hojeele[filho]tem13anos.Eelequestionouné.Aíquandoelecomeçoualer,começouaquestionarascoisas...Depoisdesse,eutivemaisumfilho.Aíjásabiané...ElefoibemassistidoegraçasaDeuselenãotem[ovírus].Entãoelequestionava:‘porqueeutomotodosessesmedicamentosemeuirmãonãotoma?’(informaçãoverbal)40.

Budica,aqui,experienciaacuriosidadedofilhoatravésdequestionamentossobreousodasmedicações.Oiníciodosquestionamentos,relembraBudica,veioemumtempoemqueeleobteveacessoàleituraecompreensãodamesma.Começaaindagar-se,aobservarsuarotinaeacabaporcompararsuavidaaodeseuirmão.EraomomentoesperadoportodasasmãesentrevistadasacontecendodiantedosolhosdeBudica:arevelaçãotemida.VimosanteriormentecomoBudicaresolveuessasituação.Atravésdaajudadeumapsicólogadohospitaledoacompanhamentodesta,odiagnósticofoiinformado,tendoessaajudacontribuídograndementeparaacompreensãomaispacíficadofilhodeBudica.Noentanto,Budicaagoraenfrentaumasituaçãoestressora,daqualnãoconseguiuaindacontrolar.

Seusdoisfilhosbrigamporatenção,eelapercebequeomaisnovo,quenãoconvivecomovírus,sente-seenciumadopelocuidadoamaisqueeladáaomaisvelho,ondeaqueleusaovíruscomoarmaparaferiresteemdiscussõescotidianas.Situaçãodelicada,quedeixaamãepreocupada.OsenfrentamentosdavivênciadoHIV.Deumaformasemelhante,Zenóbiadepara-secomasdúvidasdofilho,agoratambémmaiscrescido,sobreamedicaçãotomadaeasconstantesvisitasaosmédicos.Agoraqueele[filho]játámaior,ficaperguntandoporquetemquetomarremédio...Porquetemqirpraláepracá...Émuitoconfusona40EntrevistaconcedidaporBudica.cabeçadele.Émuitodifícilnacabeçadele,masémuitodifícilpramimcontarissopraele,porqueelenãoentende[...]Eudigoqueeletemquetomarremédio,porqueeletemumadoençaquenãotemcura.Temquetomarremédiopraficarbem.Mas

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elenãoentendeàsvezes.Pergunta:‘porquetemqueirpraCasaVhida?’.‘Porqueomedicopediu’[Zenóbiaresponde].‘Porquetemquefazerexame?’(informaçãoverbal)41.

Norelatoacima,Zenóbiasentedificuldadedeexplicaraofilhotodososprocedimentosqueestãoacontecendocomele.Pormaisqueseesforce,sentequenãoconseguesercompreendida.Elatentacompassadamenteexplicaraelecaracterísticasdesuadoença:crônica,semcura.Mostraqueosmedicamentossãofeitosparamelhoraravidadaspessoaseque,assim,eledevetomar.Tãopequeno,masdefatopercebesuasexperiênciasetentavincularsentidoatudooquevivencia,éatentativadeintencionalidadedoser-aí.

Anoçãodeintencionalidade,ondeafenomenologiaseapoia,éumacorrespondênciaqueumafiguradeconsciênciapossuicomofenômenoqueseencontracorrelato,porémapenasseconstituiemmeioàintencionalidade(HEIDEGGER,2002).Todaexperiênciaparaoautoréconsciência.Consciência,paraHusserl,émarcadaporintencionalidade.Aconsciênciaintencionalindicaoorientar-separaointeriordoscamposdefenômenosqueoferecemsignificação.Portanto,nãoéaconsciênciaqueconstituiosfenômenos,porémeleseseuscamposqueaorientam–elaabreapossibilidadeparaqueosfenômenosapareçamatravésdeatosintencionais(INAGUEJUNIOR,2013).Aintencionalidade,portanto,devesercompreendidasegundoasinterpretaçõesqueoentefazdesuasexperiênciasedeseumundo.SegundoHeidegger(2013),osseresvivoseascoisassóexistemmedianteaintencionalidadedaconsciênciadohomemaosquaissemanifestam.Àmedidaqueossereshumanospercebemosobjetos,osseuscuidados,assimcomosuasdoenças,elesatribuemsentidosacadaumdeles.Issosignificadizerquepassamaadquirirsignificadonoexistirhumano.

Essaéabuscaqueobservamosnascriançaseadolescentesdasmãesdaentrevista.Nessaatribuiçãodesignificadosnarelaçãoentreecomascoisas,inclui-seacompreensão,quevemjuntocomainterpretação.Compreendere41EntrevistaconcedidaporZenóbia.interpretarsãoumestadobásicodoexistirdoDasein.Aidentidadedohomemestáimplicadanosacontecimentosvivenciadosnomundoporele.Assituaçõesquevivencia–arelaçãocomomundocircundanteecomosoutros–possibilitaaoser-no-mundo,aosfilhosdasmãesentrevistadas,aatualizaçãodesuaspotencialidades,dando-lhesascondiçõesparasedescobriremesereconhecerem.Assimcomoamaneirapreocupadadeexistir,daqualtemoscompreensãopré-reflexivaemnossa

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vivênciacotidiana,amaneiraracionaldeexistircostumasercolocadaàreflexãoeanáliseparachegaraumconhecimentoracional(FORGHIERI,2011).

Seresracionaisquesomos,temosnecessidadederefletirsobrenossavidacotidianaimediataparaestabelecerrelaçãoe,assim,formarconceitosatravésderazõeseprincípioscoerentesafimdeexplicá-las.Dessamaneira,podemosentenderqueoser-no-mundoimplicadarsentidoesignificadoatudoqueocerca.Tantoasmãesquantoosfilhosbuscaminterpretareconceituarsuasvivências.Buscamrespostasparaoporquêdascoisas,buscamsentidoparacadaatitude,situaçãoereação.Mashojeela[filha]entende,porqueelaprecisatomaroremédiodelaeelaperguntava:‘mãe,porqueeutenhoquetomaresseremédio?’Aíeufalavaqueissoeraavidadela(informaçãoverbal)42.

ArtemísiaI,contasuaexperiênciatambémrelacionadaaoquestionamentodamedicaçãodesuafilha.Despertandooconceitodedoençacrônica–amedicaçãoeraavidadela–ArtemísiaIvêasituaçãoevoluirparaacompreensãodafilhaemrelaçãoaomotivodesuarotinamedicamentosa.Verificamosquenodecorrerdavidadessesfilhosefilhas,comoamadurecimentoeatomadadeconsciência,buscamrespostasarespeitodesuasobrigações,responsabilidadesecuidados.

Refletindosobretudoissoenãoencontrandoexplicações,corremparaasmães.Asexplicaçõesdessasadicionamelementosconstitutivosparaformar“teorias”parasuasvidas.42EntrevistaconcedidaporArtemisiaI.

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3.3)Amedicação,umavivênciadediálogoedor

Alémdo questionamento, que se caracteriza como parte de conviver com ovírus,outrasituaçãoestá relacionadaàmedicação.Arotinamedicamentosaéconceituadacomoumaexperiênciadifícilpelasparticipantes.

O coquetel antiretroviral costuma ser pesado, cheio de efeitos colaterais,porém uns mais que outros. O remédio Kaletra foi mencionado entre amaioria das mães como o que mais incomoda, o que mais contém efeitosnegativos adversos. De acordo com a bula elaborada pelo o LaboratórioAbbott,ondeédesenvolvidoomedicamento,eleéumaformulaçãocombinadadeLopinavireRitonavir.

OsmecanismosdeaçãodoKaletraéinibiramultiplicaçãodoHIVdentrodenossascélulas, impedindoaaçãodaenzimaprotease.A inibiçãodaproteaselevaàformaçãodeumvírusimaturo,nãoinfeccioso,ouseja,quenãoécapazdeentraremoutracélulaparasemultiplicar.Aaçãomáximadomedicamentoocorre4horasapóstersidotomado,porémelecontinuaagindopor12horas.

Porissoointervaloentreumatomadaeoutraéde12em12horas,ouseja,eledeveser tomadoduasvezespordia.Aíagente fala: ‘filha,você temquetomarremédio,senãovocênãovaisarar ’.Aíelatomaoremédio.Elatomatrêsremédios.Temumqueéhorrível,oKaletra.Esseéopiordomundo.Nãoexiste pior. Aí assim, eu converso com ela. E quando ela crescer vouexplicandopraela.Assim,queelanãoéumapessoaigualàsoutras.Queelatemque termaior cuidadopranão se cortar, porqueoqueeupassei eunãoqueroneeempromeupiorinimigopasse(informaçãoverbal)43.

Ele[filho]sótomacomprimidoagora.Outradificuldade.Oscomprimidossãomuitograndes,masefeitoscolaterais(informaçãoverbal)44.Masela [filha]sofreu muito pra tomar o remédio dela. Que era um líquido ainda, aí elasofreumuito.Elasentiamuitadordeestômago,muitasreações[...]Porqueporelamesmanãotomariaoremédiodireitinho(informaçãoverbal)45.

Asmãesacimapassampelamesmadificuldade.Muitasvezespassandopelasmesmas sensações causadas pelos antiretrovirais, devem ver seus filhossofrendotambémcomautilizaçãodeles.Sejapelotamanho,pelonúmerode43EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.

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44Entrevista concedida por Budica. 45Entrevista concedida por Tamara.dosagens, pelas formas de ingestão, aqui as mães comunicam que convivercomoHIVesuaslimitaçõeséumabatalhadiária.Acadaetapavencida,surgeumaoutra:comnovasaprendizagens,novasadaptações.AopassoqueparecesoarcomoomododeserdaprópriavidasemHIV,elasenfrentamavidaeoHIV.Osinstrumentosqueasmãesutilizamparaamenizaradordeseusfilhos,nessasituação,éodiálogo.Aaberturaaosseusfilhosémaiorqueadorqueadoençalhesprovocououprovoca.Osolhareslançadosporelasnelessãodequemlevaemconsideraçãooprópriotrajetodesofrimento.

Elassepossibilitamestar-juntocomeles,seremfortesparaeleseporeles.Adordeles é tambémasdelas.Ser solidárias, para essasmães, significa ir aoencontro do filho que sofre e não deixá-lo só em sua dor. É ir além dopensamento de que eles tem omesmo problema que elas. É acalentá-los emsuas dificuldades, sentir a dor deles como se fossem suas, é encorajá-los atomar a medicação regularmente, é lembrá-los dos cuidados necessários, équererqueelessejamfelizes,éesperare torcerpelomelhor.Essasmães,aoadentrar no mundo de convívio com o HIV, buscam cuidar de seus filhos.Heidegger(2013,p.95)ressaltacomosendoumconceitoquepodedesignar“[...]oserdeumpossívelser-no-mundo[...]oserdapre-sençasedevetornarvisívelemsimesmocomocura(cuidado)”.

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3.4)Falardadoença:acomunicaçãonecessária

Após o recebimento do diagnóstico da transmissão vertical, as mães optamporirrepassandoessasituaçãoaosfilhosdemaneiradevagar.Osilênciododiagnóstico justifica-separaelaspelapouca idadeeentendimentodosfilhos.Poucoapoucoelasvão tendooportunidadesecoragemparacontarpedaçosdo que vai configurar o diagnóstico completo no futuro dessas crianças eadolescentes.Comunicarapatologia,compartilhar informações, relevarumadoençatãograve–apesardecontrole–torna-sedifícil,masnecessário.

Para Fu Hao, a comunicação da patologia só será realizada perto daadolescênciadafilha,aconselhadapelamãe.Dealgumaforma,elatentasuprira curiosidade da filha sobre a medicação e as idas aos médicos semnecessariamentecontaraverdade.Ela[filha]nãosabedenada.Sóquandoelafizer11,12anosquevamoscontarpraela...Eufaleipraelaqueela temumchoronopulmão...Por issoqueela toma remédio.Ela secontrolacom issoassim [riso]... A minha mãe disse: ‘deixa pra contar pra eles quando elestiveremmais,né?’(informaçãoverbal)46.

Quandoele[filho]tiveruns8,9anos,quandoeleentenderoqueéisso,aíeuvouexplicarpraelequeaconteceuporacaso.Eu tenhoumvírusqueeunãoquis[...]Tenhoatéumcertomedoeleentenderrealmenteoqueéovírus,ficarcomraivademim,né.Maseunãotiveculpaporqueeunãosabia,opaidelenão contou. Só fui saber, porque ele tava doente... E eu tenho medo deacontecer isso comigo, né. De contar pra ele e ele me negar quando tivermaior.Eutenhomedo.Poresseladoécomplicadodeexplicarpraele.Porquetudonavidaagentevaiterqueexplicaralgumacoisa.Quandotivernamorada,comoqueelepegouovírus...Dáumcertotemor(informaçãoverbal)47.

Assim como Fu Hao, citada acima, Zenóbia planeja esperar peloamadurecimento do filho para comunicar seu diagnóstico. Percebemos apreocupaçãodamesmaparafazerofilhoentenderqueoHIVsurgiuemsuasvidassemplanejamento,semquehajaculpados.

Possivelmentepelopeso,medoeimpactoqueacompreensãopelofilhosobreoHIVpoderáacarretarparaelemesmoeparasuarelaçãocomZenóbia.Elasofreantecipadamentepelaideiadessemomentoderevelação, futuroecerto.Zenóbiasofrepelahipótesedeseralvodeacusaçãooudeexclusãopeloseufilho.Abaixo,afilhadeTamara,umaadolescente,jácompreendesuasituação

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sorológicaetemtodasasinformaçõescorretassobreseucaso.

Tamara sofre atualmente o que as mães acima temem. Sente-se excluída,sente-se alvo de vergonha, sente-se rejeitada pela filha. Não houvedemonstração direta sobre o motivo, mas sua intuição lhe indica que é emrazãodovírus.Diantedarevelação,Tamarachora.46EntrevistaconcedidaporFu Hao. 47Entrevista concedida por Zenóbia. E nunca me deu trabalho naescola.Sóessetrabalhoassim,àsvezeseusintoqueela[filha]merejeitasabe.Tem vergonha de mim. Ela fala que não tem, mas às vezes eu sinto isso.Porqueelatácomascoleguinhasdela,elanãoquerficarpertodemim...Elanãoligapramim[chora](informaçãoverbal)48.

Para Heidegger, a linguagem não é apenas um meio de comunicação ouexpressão ou ummeio do ser humano semanifestar.O autor acredita que alinguageméamoradadoser,poisemsuarelaçãocomaessênciadoser,elaéapartedecisivadesseencontro.No iníciodaobraAcaminhodaLinguagem,Heidegger(2003,p.7)diz:Ohomemfala.

Falamos quando acordados e em sonho. Falamos continuamente. Falamosmesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Falamos quandoouvimoselemos.Falamosigualmentequandonãoouvimosenãolemose,aoinvés,realizamosumtrabalhoouficamosàtoa.Falamossempredeumjeitoou de outro. Heidegger (2003) acredita que é na linguagem que podemosinterpretarohomemequealinguageméacasadoser.

É nessa morada que habita o homem. É no discurso que podem serevidenciado a temporalidade e as experiências do seu ser-no-mundo. É nalinguagem que podemos ser diferenciados dos outros seres do mundo esermos homens. E é através desse instrumento que as mães hão de revelarsegredosaosfilhoseéatravésdelaquevãomanifestarassuashistóriaseoscaminhos percorridos até a transmissão, fazendo com que os filhos seencontremnessesprocessos.

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3.5)AsidiossincrasiasdovivercomAids

DentrealgumasmaneirasdeseconvivercomoHIVdeformapeculiar,estãoos relatos abaixo.Algumasmães fizeram referências à casadeapoioqueasacolheu no momento mais crítico de suas experiências com o vírus, odiagnóstico. Asmães entraram em estado de pânico e depressão, desistindoporalgumperíododesuasprópriasvidas.48EntrevistaconcedidaporTamara.Nãoencontrando,naquelaépoca, forçaspara reerguerem-se,nessesentido,ocuidado com os filhos recém-nascidos ficou comprometido. Era necessáriointervenção.Acasadeapoio,então,entrouemcena,acolhendoascriançasemsuadependênciafísica.Oferecendomoradia,alimentação,educaçãoecuidadomultidisciplinar.

Porquenocomeçoeunãoqueriasaber...Eele[filho]começouaficardoente,eu não levava ele pras consultas... E a médica pediu pra eu levar pra CasaVhida[...]Táaquihásetemeses.Ojuiznaúltimaaudiênciafalouqueelevaivoltarpracasajá.Ésópassaressetempodeférias...Vouprocurarumaescolapraelepertodecasa.Eusintofaltadele.Elevaimefazercompanhia,porqueeu só fico dentro de casa...Quando eu tô em casa ,eu fico chorando.Querosaber se ele comeu, se ele tá bem, se tá pensando em mim... (informaçãoverbal)49.

Ela[filha]ficoucommuitaraiva,né,masajuízafaloupraela[queteriaquevoltar a ficar permanentemente com a mãe], chega doeu no meu coraçãoassim.Ela ficoucomraiva,atequeriaqueeucomprasseumquartoaquiporperto,né.Masaquisó temquartocaroe tambémeunãoqueriacomprarporaqui, porque qualquer coisa ela poderia querer vir pra cá, entendeu?(informaçãoverbal)50.

Aomesmo tempo em que a casa de apoio à criança comHIV torna-se umlugaracolhedorefamiliar,ouseja,umespaçonoqualépossívelnãoapenasestabelecer moradia para a criança, mas oferecer a esta, às mães e aosfamiliares laços de cuidado e pares com os quais é possível dividir dores,prazeres,informaçõeseexperiências,torna-setambémgeradoradesentidoesignificadocomocasaatravésdaconvivência,dotempoedapermanência.

Tomando como referência este delicado panorama materno, percebemos aidiossincrasia causada pela permanência da criança na casa de apoio.Possivelmente durante muito tempo esta se ergueu como lugar, espaço de

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soluçõesparaassituaçõesemqueestavapassando.Agora,oespaçomostra-seumproblemapara seuvínculocoma filha.AfenomenologiaHeideggerianatambémpriorizaaimportânciadoespaçoedeseureconhecimentopeloente.

ComodizCoutinho(2012),ohomemestá“emalgumlugar”,porqueoquer,osente,ovive,ohabita.Aoseacostumaresefamiliarizarcomesselugar,eleo reconhece enquanto homem. Espacializar consiste na maneira como ohomem vivencia o espaço em sua 49Entrevista concedida por Zenóbia.50Entrevista concedida por Tamara. existência. Viver o espaço consiste nãoapenas no momento atual, mas aos que já foram vividos e aqueles quequeremosviver.

Percebemos que esse conceito de viver o espaço relaciona-se com asvivênciasdasmãesevisivelmentenadosfilhosacima.Arelaçãocomoespaçofísicoe a relaçãocomaspessoasdesseespaçocontribuindo tantopositivaenegativamenteparaainteraçãomãe-filho.Oespacializardasmãesedosfilhosmostra-se a ida aos hospitais, a casa de apoio, seus lares e a volta aos seuslares.

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4)Eastransformaçõesacontecem

4.1)Narelaçãoeconsigomesma

Percebemosatéomomentoqueomundopessoaldasmãesvaimodificando-see, bem possivelmente, continuará a modificar-se em suas trajetórias para ofuturo.As transformaçõesquesofreramapartirdodiagnóstico são visíveis,mesmoparaelas.Algumasexpuseramtransformaçõespositivasemsuasvidasem razão do convívio com o vírus. Olhando de maneira rasa, talvez, nãopoderíamos compreender como uma doença crônica pode contribuir para amelhoria de vida ou de algumas parcelas dela, porém aqui as mães nosmostram que é possível relacionar-se melhor consigo mesmas e com osoutrosapartirdodiagnósticode transmissãovertical.Depoisomeumaridomelhoroumuito.Passouaver avidadeoutramaneira.Erauma pessoa tipoassim... Jogada [riso] em outras palavras... Ele bebia muito (informaçãoverbal)51.

Ai eu disse: ‘Agora vou cuidar dosmeus filhos, dosmeus filhos’.Eu tenhoficado mais perto dos meus filhos, eu e o meu marido conversamos mais(informaçãoverbal)52.

Porqueeumeaquietei.Vireiumapessoamaiscaseira,né(informaçãoverbal)53.

51EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.52EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.53Entrevista concedidaporArtemísia I.Antigamente eu tinhameus filhos,era toda doida, ficava bebendo, ficava três dias fora de casa... Fiquei maisresponsável, cuidadosa. Procurei saber mais, como era o perigo... Essascoisas...(informaçãoverbal)54.

Percebemos, através dos relatos acima apresentados, que o comportamentodelasmudoudeformapositiva.Foiapartirdemomentosdedoredoençaqueas mães e outros relacionados ao HIV, como o marido de Ah-Hotep I,obtiveram a percepção de possibilidade de crescer, lutar, serem capazes deseguiremfrente,adquirirbonshábitos,derelacionarmelhorconsigoecomomundo.ArtemísiaIvê-sediantedapossibilidadedecuidarmelhordosfilhosedomarido.FuHaodiz-semaiscuidadosaeresponsável.Con-vivercomHIVsignificaCuidar.E nesse conceito,Heidegger (2013) nos traz a distinçãodedois tipos básicos de cuidado.O primeiro é a essência relacional do existir

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humano:aocupação.

Nessecaso,éocuidadoqueserevelaatravésdautilidadeinstrumental,comonocasodeummédicoeseusaparatosdetrabalho.Osegundoéapreocupação,queéocuidadocomoutrossereshumanos,nossomodoeprocedercomosoutros.Ocuidadoémanifestadoaquicomoatenção,bomtrato,zelo,tornar-sepresente,estaremcasa,cuidardasaúde,mostrandocorresponsabilidadepelofuturodooutro,deseusfilhosedeseuscompanheiros.Aodarem-secontadequepodem-ser, deque avida continua edeque seus filhosdependemdelas,elas percebem que devem preocupar-se em ser melhores, em seremcuidadosas,equeissoestásobresponsabilidadedelas.

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4.2)Énecessárioseguiremfrente:enfrentar

A experiência da comunicação de um diagnóstico de HIV resulta em dor,sofrimento, sensação de desamparo, medo, angústia. Passada a comoçãoinicial, essas mulheres-mães da entrevista foram impulsionadas a enfrentaressa condição. Encontraram pedras e continuam encontrando em seuscaminhos, mas anunciam: é necessário seguir em frente, é necessárioenfrentar. 54Entrevista concedida por Fu Hao. Ao serem questionadas arespeito do que diriam a mães vivenciando, atualmente, a experiência dadescobertade transmissãoverticaldoHIV, todasasmãespreservamsentidospositivos. Utilizando as ferramentas e mecanismos de que dispõesingularmente, os relatos transmitemmensagensmotivadoras, de esperança,degarra,deluta,decrençanapossibilidadedevida.NocasodaAh-HotepI,elatransmiteumamensagemdefé,danecessidadedeseconfiaremDeus.

Revela assim, a maneira como realizou o percurso que a fez chegar até opresente momento: acreditar naquele que a torna um ser vivente, a tornaalguém; sendo o primeiro passo de sua receita de sucesso. Em seguida,informaàsmãesdaqualidadedevidaqueaspessoasqueconvivemcomoHIVpodem possuir e da importância de reservar o diagnóstico somente parapessoasdeconfiança.Ah-HotepIfinalizaseuconselhoestimulandoasmãesateremumcuidadomoderadoquedeveserdestinadoaofilho,alémdemanterocuidado como tratamento. Em algumas situações, para ela é possível que ocuidadoexcessivocomofilhoosimpossibiliteafazeresforçosesejamvistoscomopessoasfrágeis,semcapacidades.

A isso,Heidegger (2013,p.174) comenta: “[...] nessapreocupação,o outropode tornar-se dependente e dominado mesmo que esse domínio sejasilenciosoepermaneçaencobertoparaodominado”.Primeiro lugar,confiaremDeus.Porquesemelenãosomosnada.Dápraterumavidanormal?Dá...Dá pra estudar, trabalhar. E mesmo que haja preconceito, você não precisafalar da sua vida pra todo mundo. Quanto menos você falar melhor. E secuidar.Comomeumédicodiz,emprimeirolugaréanossavida,né.Apessoadeve tratar o filho normal, a doença não empata em nada. E não vaisuperproteger a criança demais, senão dá problema. Tem que ser tudomoderado(informaçãoverbal)55.

Deixarossentimentosnegativosparatraz,mantendooorgulho,acorageméoque aconselhaArtemísia I àsmães afora.Explica, no entanto, com realismo

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que o caminho é pedregoso, independente dos desdobramentos dele deve-secaminhá-lo. Tem que levantar a cabeça e andar com a cabeça erguida. Eenfrentar o problema, porque vão ter muitos problemas. E que não55EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.aconteçamais,né.Porqueéruimficarinfectandoosfilhos(informaçãoverbal)56.

Para Heidegger (2013) o ser humano pode viver de maneira autêntica ouinautêntica.Aautenticidadeéreveladaquandoessasmulheressãolançadasnomundodadoençaepercebemquenadasabiam,pornão teremseapropriadode simesmas.Com a comunicação do diagnóstico e a vida que se seguiu apartirdaí,todasasexperiênciaseaprendizadoscolaboraramparaadquiriremconsciênciadesimesmasedosoutros.Oqueeutenhopradizer...Assim...Queelas são novas... Assim... Se elas descobriram agora tem que ter bastantecuidadocomasuafilhaefilho,fazerdetudopradarapoioecarinho,numahora dessa. É isso que eu dou pra minha filha também. Ela não sabe, masquandoelasouber,elavaimeperdoar,procurarsabermais.Estarsempreali,sendoamigaassim.Epraquelaspessoasque...Porquetemmuitaspessoasqueprocuram...Nãousampreventivo,essascoisas...Temquesecuidar...TácertoqueaAidséumacoisaeHIVéoutra...HIV transformaagente (informaçãoverbal)57.

ObservamosqueFuHaovalorizaocuidadoeapreocupaçãoqueforneceasuafilha.Nessesentido,oconselhoquedispõeparaoutrasmãesquepassampelassituações que passou é esse, de apoio, carinho, cuidado, estar-junto-com ooutro.Outravez,FuHaodeterminaqueocuidadoé importanteemtodososcontextosaofalarsobreousodepreservativonarelaçãosexual.Aindamostraquesuacompreensãosobreovírusevoluiueconcluiqueesteécolaboradorparasuatransformação.QueelatenhaféemDeus,porqueeleacimadetudo.Agente vence qualquer barreira. Fé em Deus que isso é só uma fase deadolescência...Que a gente consegue sim. Eu achei que eu não ia conseguircriarminhas filhas. E eu luto pra que nada falte pra elas e ficomuito felizquandoelasestãocomigo.Eterforça,coragem.Édifícil,àsvezesnãoéfácil,masnãoéimpossível(informaçãoverbal)58.

TamararevelaquenocomeçodasuajornadacomHIVelanãoacreditavaquepudesseconseguircuidardesuasfilhasenemvencerbarreiras.Daestranhezainicialdodiagnóstico,da faltadeconhecimentoedo impactooriginal, elae56Entrevista concedida porArtemísia I. 57Entrevista concedida por FuHao.58EntrevistaconcedidaporTamara.

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outrasmãespuderamfamiliarizar-seprogressivamentecomonovomundo.Tamararevelasuacrença,suaféeconfiançanoseuDeus,quecolaboraparacontinuarseutrajeto.Seelasdescobrirem,nãofaçamabesteiraqueeufizdenãose tratar.Porqueémuitodifícil.Nãoéverdadequevocêvaimorrer.Eunão tive culpa. Eu fiz o pré-natal. Tem que ter consciência. Eu não tiveconsciênciaquandodescobri,nãoiapramédico.Nãoqueriasaberdenada.Eapessoa vive 10, 15,mil anos. Porque só vai quandoDeus leva. Tem que setratar, se a gente não se tratar, ninguém vai cuidar da gente (informaçãoverbal)59.

ZenóbiafazumalertaàsoutrasmãesqueestãoadentrandonomundocomHIV.Recomendaquefaçamotratamentoantiretroviralequenãodesistam,afinal,amortenãoéiminente.Relembraasimesmaquesecuidoueovírusfoicomoum acidente em sua vida. Finaliza apossando-se de seu ser, chamando aresponsabilidadedesuasescolhasparasimesma.Aautenticidade,dasmãesdapesquisa, então, remete-se no fato de que lançadas no mundo do HIV e datransmissão percebem que nada sabiam, mas agora, apropriando-se dosignificadoedarotina,abrem-se,dispõe-seaenfrentarosproblemasdavidaedoconvíviocomadoençaetransmissão.

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4.3)Ser-mãe:amanutençãodeumdesejo

AlgumasmãescomoTamaraeArtemísiaIrevelaramnaentrevistaqueemumdeterminadomomentodasuacaminhadapós-diagnóstico tiveramaopçãodedoarsuasoudeixaremumainstituição, ideiasorigináriasdeoutraspessoas.Queriam que eu deixasse na casa Vhida, por ela [filha] ser uma pessoadoentinha... Não deixo. Porque eu acho que a gente tem que arcar com asconsequênciasdagente(informaçãoverbal)60.

E a enfermeira até perguntou se eu queria ter ela. E eu falei que eu queria(informaçãoverbal)61.

59EntrevistaconcedidaporZenóbia.60EntrevistaconcedidaporArtemísia I.61Entrevista concedida por Tamara.Diante da possibilidade de adoção e dedesistirdeser-mãe,elasescolheramporcontinuardesenvolvendoopapeldemãe presente, de manter e sustentar seus desejos femininos. Após tantosofrimento,reestruturaçãoeenfrentamentosteraopçãodeoptarporsermãeounãofoipraticamenteumaofensa.

Elasdemonstraramincredulidadeaocontaressassituaçõesemseustrajetos.Anãogarantiadeconcretizarsuasescolhasedeterfeitoasmelhoresescolhaséqueconfereàsdecisõesdasescolhasocaráterdeliberdadeeresponsabilidade(FORGHIERI,2011).Asmães, aqui, assumem a responsabilidade diante dosriscosdaimprevisibilidade.Escolhas,também,remetemarenúncias,poisnãopodemosescolhertudoaomesmotempo.Asmãesgarantemresponsabilizar-sepelaescolhadecontinuar sendomães.Elasvivenciamnapossibilidadedeescolhaumaagradáveltranquilidade,arealizaçãodeumsonho,deser-mãe.

5)Enfrentandoarejeiçãoeopreconceito

Umdosfenômenosqueasmãesrelataramestarpresenteemsuasvidasapartirdo diagnóstico deHIV e/ou da transmissão vertical foi o enfrentamento darejeição e do preconceito existente tanto pela desinformação quanto pelaignorânciaoumaldade.Oestigmarelacionadoaosoropositivoédequeeleirálogomorrer, que é promiscuo, queo contágiodovírus acontece atravésdosimplestoque,doabraço;dentrediversosfatores.Foimeiodifícilassim.Ela[afamília]praticamentenãoquerteisolar,mastambémnãoquerteentrosar.Eunãotiveajudadaminhafamília[...]Falavampromeumarido:‘porquevocêvaipagarumafaculdadepraelasedaquiapoucoelamorre?’Eeunão tava

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mal...Tavanormal...Maselesachavamqueeuiamorreraqualquermomento...Eeufizminhafaculdade,fizminhapós...(informaçãoverbal)62.

A concepção de que o HIV não possui controle, dada a desinformação dafamília de Budica, fez com que eles acreditassem que ela fosse morrerinstantaneamente,nãodandoaelaoportunidadedeterminaralgumcursocom62EntrevistaconcedidaporBudica.sucesso.

Ela relata que foram dias difíceis, onde não se sentia pertencente, sentia-seisolada, rejeitada.No entanto, escolheu por viver e concretizar seus sonhos.Falacomorgulhodosucessoqueteveem,alémde terminaragraduação, terfeitoespecialização.SegundoHeidegger(2013),pelaexistencialidade,oser-aípodeserlivre,umavezque,escolhendoomododeser,quedesejaser,define-seoseuter-que-seratravésdasescolhas.Aexistênciapropõeumaaberturaaoentendimentodetudoaonossoredor.Umavezqueaaberturaéumacondiçãohumana de liberdade (FORGHIERi, 2011), ela proporciona múltiplaspossibilidades de escolhas. Quando essa abertura está coerente com arealidade, no caso, como Budica possuía uma compreensão que estava deacordocomasinformaçõesmédicas,elapodesonharerealizarsuasescolhas.DeacordocomForghieri(2011),paraqueaescolhanãosejailusória,eladeveserfundamentada.Porqueelaligatodotempo.Seela(sogra)descobrirqueeutenhoovírusécapazelamematar(informaçãoverbal)63.

Sofrimuitopreconceitodepoisqueeufui fazer um exame num hospital e apessoaquefezoexameficouespalhandooresultado(informaçãoverbal)64.

A gentemorava numa instância e o cara pediu para eume retirar de lá.Eledissequeessaspessoasdeveriamviverisoladassócomessaspessoas.Entãoaíqueeumesentimaisbaixamesmo,masderrotadaainda(informaçãoverbal)65.

Acima as mães de variadas formas, em situações singulares, enfrentarampreconceitoediscriminação.Elascontamesseaspectocomtristezanosolhos.Zenóbia guarda o vírus em segredo da sua sogra. Acredita que esta nãoentenderiasuasituação,queinfluenciariaomaridodeZenóbiaaseparar.

Omarido de Zenóbia tem consciência da situação dela e a apoia. Tamara eArtemísia I foram também alvo de discriminação. Tamara conta da situaçãoem que seu conhecido e também profissional de saúde espalhou para sua

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vizinhança sua condição sorológica. Artemísia I revela seu sentimento dederrota,dehumilhaçãoquesentiuemsuacidadenatal.63EntrevistaconcedidaporZenobia.64EntrevistaconcedidaporTamara.65EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.

6)Presente,passadoefuturo:temporalizandoafacticidade

Nas vivências das mães, percebemos ao longo dos relatos elementos quecongregam o passado, o presente e o futuro. Recordar como foi algumasituação antes do vírus e depois, leva-as a refletir sobre a condição em quevivem atualmente. Por outro lado, percebemos a apropriação dessas deprojetosfuturosoupreocupaçõesarespeitodopovir.Temporalizarquerdizerexperienciar o tempo.De acordo comHeidegger (2002), temporalidade é ofundamento básico da existência humana, constitui o sentido originário doexistir. Forghieri (2011) comenta que podemos vivenciar o tempo comoumoceano, sem começo e sem fim, cheio demistérios. Por hora nos sentimostranquiloseconfiantes,emoutromomento,ameaçadoseentediados.

Aintensidadeea“velocidade”dofluxodotempodependemdanossamaneirade vivenciar as situações. Racionalizar, portanto, surge como um debruçarsobreopassado, refletindonoque aconteceueprevir oquepode acontecer.Tenho. Eu não sei quando ele [filho] tiver namorando. Então, adolescente éuma benção. Todo cuidado é pouco. Tem que ter bastante conversa praprevenir.Nãoéqualquerpessoapraconfiar.Sefosseporisso,tenhoseteanoscommeumaridoepegueiisso(informaçãoverbal)66.

FicopensandoquandoaL.forpraaula.Seráqueelavai terrejeição?Comovaiseraadolescênciadela?Porquepormaisquevocêexpliquedireitinho,acriança e a adolescente não é que nem a gente, a consciência. E eu mepreocupocomisso(informaçãoverbal)67.Eufalo:filha,nodiaquetiverumnamorado, não me esconda, tá? Você tem esse negocio aí, tem que usarpreservativo, temque se cuidar, você temque serminha amiga.Quando elativernamorando,queelamedigapraeuajudarela(informaçãoverbal)68.

Se pra mim é um sufoco... imagine quando ele começar a namorar... E aprimeira vez? Ele pode usar camisinha, mas como ele vai contar isso prafutura namorada dele? Vai ser difícil. Pode correr muitos riscos e ele serrejeitado.Eupensopor esse lado.Tododia antesdedormir eu penso nisso.Quando ele crescer, como que vai ser... Porque como tem só eu e o meu

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marido,elesótemamim.Aítudoelevaivirpramim.Podesermomentodealegriaetristezaeelevai66EntrevistaconcedidaporAh-HotepI.67EntrevistaconcedidaporArtemísiaI.68EntrevistaconcedidaporTamara.virmecontareeunãovousaberoquefazer...Agentetemovírusenãopodetirar.Aíeuficomeiosemrumonessahora(informaçãoverbal)69.

Asmães passeiamno tempo, uma vez que, a comunicação do diagnóstico évivenciada novamente através da recordação, para algumas com a mesmaintensidade. Dessa forma, trazem para o presente algo que aconteceu a umtempo,tornandoavivênciaumfluxocontínuo.Oatodechorareemocionar-semostram que os acontecimentos do passado parecem ser vivenciadosnovamente no presente, mesmo fatos que antecederam o diagnóstico. Elasatribuem significados às experiências passadas a partir da vivência atual eprojetam-seexistencialmenteparaofuturo.

Natemporalidade,asmãesprojetam-seemdireçãoaopossível,aoqueaindanão é,mas pode ser.O cuidado, não acontece para trás, pois nada pode serfeito,mas seu alvo está no futuro. Ao terem cuidado dirigido ao futuro, asmãesrevelamseuspreocupaçõesarespeitodotrajetoqueseusfilhostrilharãoe o que enfrentarão nesse caminho. Por terem experimentado rejeições,preconceitos, discriminações... Por terem sido enganadas, descuidadas emrelação à prevenção e proteção do vírus, elas projetam essas situaçõespassadasevividasnofuturodeseusfilhos,ostornandopossibilidadesaseremevitadas,ou,melhorenfrentadas.69EntrevistaconcedidaporZenobia.

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CONSIDERAÇÕESFINAIS

Minhas reflexões a respeito do trajeto de vida das mães soropositivas pós-diagnósticodetransmissãoverticalcontribuíramparaproporcionarumanovamaneiradecompreenderessasmãesparaalémdeseusdiagnósticos.Asmãesrevelaram-seatravésdesuasprópriaspercepçõessobreafacticidadepeloqualforam surpreendidas. Sei que o fenômeno aqui apresentado é tão complexoque o leitor que me acompanha pode visualizar outras possibilidades deleituras além das quais realizei. Como bem vimos através de Heidegger, aintencionalidade que ponderamos na relação com omundo existe de formamuitasvezesparticular.Porémaminha intencionalidade gerada neste estudonão invalida a compreensão que obtive, ela tem a proposta de ampliar ohorizontedascompreensõesdasvivênciasdasmães.

Pelo fundamento do método fenomenológico trilhei um caminho que mepossibilitoualcançarosobjetivosaprioripropostosporesteestudo,ouseja,nos aproximar da vivência dessas mulheres onde se encontra a presençamarcante do HIV. Nesse pensar, ao adentrar-me no mundo do Ser-aíconvivendocomovírus,busqueinãosomenteobservarcadaparticipante,mascompreender o Ser em sua existencialidade. Dos relatos analisados pudeentenderque,nomomentoemqueoSer-aísedescobriunomundocomoHIV– doença crônica e incurável, ele passa a viver em outro mundo, onde aangústiadamorteedanovarotinarevela-sedeformainevitáveleameaçadora.Deformaampla,adoençaconsegueultrapassaroespaçofísicoeemocional,afetandotambémrelaçõesinterpessoaisdaqualpossuieasquepossavirater.

Oser-aícomHIVtendodecuidardoseucorpoparanãoadoecer–trabalhoameu ver árduo, mas necessário - anseiam da mesma forma dos ditos“saudáveis”ouaté commais relevânciapelasmanifestaçõesde solicitudedeuma relação de estar-com-o-outro – parceiros (as), familiares etc. – demaneiraautêntica.Paramelhorauxiliaressasmãesnoprimeirocontatocomovírus e com a transmissão, é necessário que elas sejam vistas de maneiraampla, holística, pois só dessa maneira poderemos proporcionar cuidado,atençãoeatendimentoadequado.Naprocurapormãesparaexpressaremsuasvozesnestapesquisa,percebireaçõesdereceioemparticipar.

Entendo como resguardo por suscitar etapas da vida tão sofridas. Para amaioria, relataroconvívio com oHIV, depois de anos do primeiro contatocom o resultado do diagnóstico, ainda é difícil. Os resultados aqui

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apresentadosnos trazemalgunspontos relevantesquantoàsnecessidadesdasmães, comopor exemplo, oprimeiro contato comoHIVe como contágiodeve ser entendido como uma experiência impactante, que desafia ahomeostasepsíquicadasmães.Elasatravessama temporalidadedavidaparadescobrirerefletirsobreaspossibilidadesdecontágioechegaramotivosquea fizessem estar com o vírus. Encontrando motivos e justificativas para talfacticidadeecomeçandoarelacionar-secomadinâmicadeconvivênciacomovírus,aquestãodoapoiodaequipedesaúde,dafamíliaedepessoasexternasaestaévistadesumaimportância.

Éapartirdessesapoiosquesesentemmaisconfiantes,mas seguras emaiscapazes. Percebe-se que por ser um tratamento sem interrupções, o contatocom os profissionais também será permanente, o que consequentemente fazcom que o vínculo entre estes deva ser de qualidade e respeito. Em muitassituações percebemos ainda alguns fatores que as desafiam como opreconceitosofridopelasociedadeemesmodosprópriosfamiliares.Emsuamundaniedadeelastrazememsiomedodoisolamento,temendoodesrespeitoeahumilhação.

A responsabilidade que a doença traz e a dificuldade no cuidado com elasmesmasecomosfilhosimpulsionamnovasrotinasdevidae tentativasdeseadequaraelas,gerandotambémdesequilíbrionoconvívioe/ouoreequilíbrio.Para conviver com o vírus e com a transmissão é necessários, de acordocomasmães,ressignificaradoença;lidarcomosquestionamentosdosfilhosàmedidaqueestescrescem;decidiremquemomentoconversarsobreadoençacomeles,aomesmotempopreocupar-seemproporcionarcuidadoaeles.

Noentanto,avidadessasmãesnãoéapenasdor,aspectospositivossurgemnafaladasparticipantescomoosentimentodecompaixãoquecuida,ampara,sedoapelooutro.Eaindanos revelamsuas formasde superar,deconvivercomafacticidadedadoença.Sendoapontadossentimentoseatostãopreciosospara o relacionamento humano e para a relação consigo mesmo como ocuidado, o apoio e a fé. Existem transformações durante todo o percurso,aprendizadoseenfrentamentos.Dessamaneira,ométodofenomenológicodefato revelou-se exploratório, visto que permitiu que as mães conseguissemlivrementepermitirquesuasconsciênciasdirigiremsuasintenções,revelandooquerealmentenecessitava-seabordarnomomentodesuasvivências.

O número crescente de indivíduos soropositivos tem nos evidenciado a

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necessidade de maior quantidade de trabalhos voltados a esta problemática.Sob o olhar da psicologia, pode-se chegar à apreensão do fenômeno darelaçãomãe-filhonaprofundidadedeseucotidiano,relatandoasnecessidadesemqueseencontrameasefetivassuperações,vistascomoinspiraçãoaoserhumano. Como serão vivenciadas de fato todas as situações que essasmãespreocupam-se desde agora? Os receios e medos que essas mães suportamatualmente serão concretizados no futuro ou só será observado que não eranecessáriotemer?Namedidaemqueotempopassar,elasprecisamcontinuarrecebendo apoio, principalmente dos profissionais que as assistem a fim dequeocaminhosejamaisautêntico.

Estecaminhocontinuarásendotrilhadoporelasmesmocomaconclusãodesteestudo.Noshorizontesdavida,elasqueremmaiscuidado,maisliberdade,masrespeito,maisapoio,maissensibilidade,maissaúde...Alémdacompreensãoedoamor,emparticular,vindosdosprópriosfilhos.

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