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FONTES PERIÓDICAS: A MOVIMENTAÇÃO DE CRIANÇAS NO CONTEXTO
DA GUERRA DA TRIPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI 1860-1870.
Michel Gomes do Carmo
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História - UFGD
E-mail: [email protected]
Adriana Aparecida Pinto
Pós doutoranda em História - UNESP/Assis
Professora Adjunto do curso de Graduação e Pós-Graduação em História/ UFGD
E-mail: [email protected]
A discussão a seguir é fruto dos interesses de pesquisas que tem na imprensa
periódica sua fonte principal para promover estudos históricos (LUCA, 2005; PINTO,
2013, 2017, 2018). Em levantamento preliminar identificamos que o tema sobre o qual
versam estes estudos tem atraído interesse dos historiadores e ampliando o campo de
estudos da história da educação. Assim, o presente resumo apresenta elementos para a
investigação que busca conhecer as formas de representação da infância,
especificamente àquelas relacionadas às crianças que estavam envolvidas no contexto
da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (GTACP 1) ocorrida entre 1864 a 1870.
A historiografia que foi selecionada para explicar a contenda parte inicialmente
de uma visão brasileira sobre o evento, no entanto, podemos notar que se trata de nomes
considerados no âmbito acadêmico sendo citados em artigos, teses e dissertações.
Sendo assim, podemos apreciar de inicio o que se tem verificado no trabalho de
André Toral com o título de: Imagens em desordem: a iconografia da Guerra do
Paraguai (2001), sendo originalmente apresentada como tese de Doutorado para o
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, (1997), como o título: Adiós, xamigo brasilero: um estudo
sobre a iconografia da Guerra da Tríplice Aliança com o Paraguai (1864-1870).
Essa obra é esclarecedora para explicar algumas questões referentes aos
motivos que levaram os países a contenda, primeiramente, analisou-se a situação dos
países envolvidos, notou-se que o século XIX na Argentina e no Uruguai, foi marcado
por uma dualidade política. No Uruguai, por exemplo, essa dualidade se dava entre os
1 Guerra da Tríplice Aliança contra do Paraguai.
Blancos e Colorados; os blancos eram estancieiros liderados por Manuel Oribe e
tinham apoio argentino de Juan Manuel Rosas, nota-se que os blancos, possuíam
simpatizantes no país vizinho, neste caso o Paraguai; os colorados por sua vez, eram
comerciantes em Montevidéu liderados por Frutuoso Rivera e apoiados pelo Brasil
contra Rosas (TORAL, 2001). O que se consta por meio da pesquisa de Toral, é a
presença de dois grupos políticos divergentes, apoiados por países diferentes,
pretendendo influenciar na politica e no comercio uruguaio.
Os criadores de gado brasileiros instalados no território uruguaio se sentiram
desfavorecidos quando o governo blanco começou a dificultar o tráfico de gado o
Uruguai e o Rio Grande do Sul, como se vê a seguir, onde:
[...] stancieiros gaúchos, os quais se queixavam que Oribe prejudicara o
contrabando de gado uruguaio para o Rio Grande do Sul. Os mesmos
estancieiros passaram a invadir o Uruguai, para se apoderar de gado
(TORAL, 2001, P. 46).
O que acontecia era um enorme jogo de interesses no solo uruguaio, tanto por
parte do Brasil quanto pelo lado argentino.
A situação do Paraguai neste momento é sinalizada como a de um país com
uma politica centralizada, e assim vemos que o Paraguai combateu as oligarquias e em
especial as que apoiavam Buenos Aires, pois se caracterizavam como interessados em
anexar territórios (TORAL, 2001), neste sentido entende-se que o Paraguai possuía
algum tipo de simpatia com o Governo blanco. Apesar do “isolamento” em relação a
seus vizinhos, o governo de Solano Lopez estava atento aos movimentos no Uruguai,
pois, sua politica expansionista em relação ao rio da Prata que continha a sua única
saída navegável para a Europa e dependia desse jogo politico, no qual decidiu intervir
após o Império brasileiro ocupar o território uruguaio e depor representantes do governo
blanco , e foi não como resultado somente disso, mas é o marco para o inicio da
GTACP (TORAL, 2001). Sendo assim no dia 11 de Novembro de 1864 começaram as
primeiras manifestações de hostilidade da parte do Paraguai, com o aprisionamento do
navio Marquês de Olinda que transportava o então Presidente da Província de Mato
Grosso e o ataque ao forte Coimbra em 27 de Dezembro de 1864.
Apesar de esta guerra ter sido considerada por Toral como: “a mais longa, a
que envolveu mais países e a que fez mais vítimas”; se aprofundar nas questões bélicas
e estratégicas da guerra não foi objetivo desta comunicação, que buscou na verdade
analisar questões pertinentes às crianças que se inseriam naquele contexto.
É importante comentar que este um estudo tem sua base de reflexão inicial
assentada nas narrativas construídas sobre a batalha que aconteceu já no final do
conflito, após a Dezembrada2 em 1868, trata-se do combate de 16 de Agosto de 1869
que ficou conhecido no Paraguai como a batalha de Acosta Ñu e no Brasil como a
Batalha de Campo Grande, este conflito tem, como se pode ver pela mídia digital, uma
construção simbólica, na qual as crianças que participaram do combate são
reinterpretadas hoje como heróis por meio principalmente das instituições de ensino3.
A obra Maldita Guerra de Francisco Doratiotto (2002) é referência para vários
interessados no tema da guerra. No tocante a proposta de estudo, o autor leva a pensar
na situação de algumas crianças que surgem em sua narrativa acompanhando suas
famílias, algo que segundo o autor era comum, outras que se perderam da família,
morreram em combate, outras que, juntamente com suas mães se movimentavam nas
aglomerações, como é o caso de Piraju onde “‘milhares e milhares’ de mulheres e
crianças, esfomeadas, se apresentaram aos aliados e ficaram ‘amontadas’ na igreja do
povoado” (DORATIOTTO, 2002, p. 404).
A obra Epopeya de los Siglos do professor Andres Aguirre (1979) que nos traz
indícios mais precisos da participação de crianças nas movimentações bélicas, segundo
ele, é possível confirmar a presença de crianças no contexto da guerra, desde
participações em desfiles de demonstração de patriotismo, até mesmo em combates
diretos, a questão da educação surge quando se percebe a informação contida na obra
sobre uma convocatória enviada para o diretor da escola do povoado de Mbocayaty, a
qual Clemente Medina, nos primeiros dias de Agosto de 1869 recebeu ordem para se
apresentar com seus alunos em Azcurra para, tomarem aulas de patriotismo e
2 Trata-se de uma sério de combates entre a Tríplice Aliança e o Paraguai em Dezembro de 1868, o mês
foi decisivo para a guerra e acabou com as forças militares de Solano Lopez 3 Afirmo isso com base em imagens de desfile onde crianças estão representando os “meninos mártires”,
também é possível constar, material audiovisual, que permite ver a representação atual sobre o
entendimento paraguaio a respeito do tema. Neste caso ver o vídeo intitulado Batalla de Acosta Ñu –
Homenaje, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=U3upgwAgBAE&t=629s , acessado em:
29/10/18.
militarismo (AGUIRRE, 1979). Apesar de termos usado dois autores brasileiros para
explicar alguns momentos da guerra caros a essa pesquisa, essa visão paraguaia nos
oferece interessante objeto de reflexão capaz de suscitar diversas novas questões
pertinentes a esta pesquisa no que se refere às crianças.
Entende-se que, como a proposta de trabalho se dá por meio de questões sobre
a criança na condição de agente histórico na guerra, é importante pensar, o que era ser
criança na época que a guerra acontecia, sendo assim, tornou-se importante
compreender o que se entendia por Infância durante o século XIX.
Assim, busca-se compreender estudos históricos pertinentes à infância,
buscando compreendê-la como uma construção social, ou uma abstração construída
pelos homens ao longo dos tempos (KUHLMANN, 1998).
Não é pertinente estudar a infância sem acesso ao trabalho inaugural de
Philippe Ariès (1981), autor que se tornou referência para tratar o assunto. Sua obra
História social da criança e da família, baseada em imagens a partir da idade média,
nos leva a pensar as transformações na compreensão do termo Infância e suas relações
com a família e o meio social, apontando as fragilidades das crianças num contexto em
que eram tratadas com certa inferioridade pelos adultos e a ideia de que a preocupação
com o registro da idade se deu pela imposição religiosa nos documentos, nos levando a
crer que antes disso não havia motivações para se contar os anos de vida dos indivíduos,
essa pratica foi importante para haver a divisão entre as categorias criança e adulto
(ARIÉS, 1981).
Apesar de ser considerado por outros escritores da história da infância como
um “historiador de final de semana”4, sua obra tem importante papel nos estudos sobre a
infância e percebe-se que, o autor possui trabalhos importantes sobre a família como
podemos ver pela sua participação juntamente com Georges Duby na direção da coleção
História da Vida Privada (1989), nesta coleção existem trabalho de autores importantes
para o campo histórico como, Roger Chartier, Paul Veyne e Michelle Perrot.
Sua obra sobre a história da infância, possui sua relevância em mostrar o
momento em que a percepção sobre as preocupações relacionadas a infância por meio
das instituições de controle, em especial a eclesiástica, surge por meio de uma
4 Ver as obras de Colin Heywood Uma história da infância 2004 e Neil Postamn O desaparecimento da
Infancia 1999.
necessidade cria a necessidade de por exemplo se contar a idade das pessoas, de
registrar nomes (ARIÉS, 1981).
Um dos críticos da obra de Ariès é Colin Heywood, professor de História
social e econômica na universidade de Nottingham, que por meio de sua obra intitulada
Uma História da Infância (2004), realiza uma crítica sobre algumas fragilidades
contidas na obra clássica sobre a infância criada por Philippe Ariès, como as
deficiências na questão do uso das metodologias adotadas por ele ao se propor em,
analisar a infância por meio de obras de arte durante o século XII, não levando em
consideração todas as possíveis intenções dos que registraram aqueles indivíduos
(HEYWOOD, 2004).
Heywood trabalha sinalizando outras obras que, fazem referência ao período
medieval, pensando as crianças com intelecto tão desenvolvido quanto o de um adulto
maduro, essa ideia é trazida pensando nas representações contidas nos registros
artísticos que a exemplo se tornaram fonte para estudos sobre a infância durante o
período medieval (HEYWOOD, 2004).
O autor deixa claro que há equívocos de análise das fontes na obra Ariès, umas
das preocupações metodológicas que o autor trás a luz, diz respeito conclusão que se
obteve por meio das fontes imagéticas naquele trabalho, pode-se dizer que faltou um
capital cultural, no sentido de entender quais as ideias dos artistas, o que queriam
retratar e por que; Ariès pensou que, o que se representava nas obras era a miniatura de
um adulto, logo afirmou que não existia a percepção da infância nos autores pelo fato
das obras retratarem a criança com aspectos de adultos, no entanto, a crítica a esse
movimento de análise, se baseia no argumento de que, antes de expressar a aparência
real do individuo, os artistas pensavam em ressaltar o status dos indivíduos como se
pode notar no trecho a seguir:
Mesmo ao retratarem adultos no inicio da época medieval, os artistas
estavam mais preocupados em transmitir os status e a posição de seus
retratados do que com a aparência individual (HEYWOOD, 2004, P.
25).
Assim pode-se supor segundo o autor, que a criança poderia ser interpretada
até mesmo como alguém com a mentalidade já formada, uma pessoa já madura e
decidida, acrescentando uma questão da sabedoria divina baseada na pureza da infância
pois, o autor comenta: “Ariès parece pensar que ‘o artista pinta aquilo que todos vêem’
ignorando todas as questões complexas relacionadas à forma como a realidade é
mediada na arte” (HEYWOOD, 2004, P, 25).
A criança da Idade Media era tida por alguns como o Papa Leão, o Grande5,
como inocente e pura, pois, “a inocência das crianças significava que elas poderiam ter
visões celestiais, denunciar criminosos e servir como intermediários entre o Céu e a
Terra” (HEYWOOD, 2004, P, 28). Adiante os séculos XII, a exaltação da presença das
crianças se dava por meio do culto do menino Jesus e também pela memoria do
episódio conhecido como Massacre dos Inocentes, onde o tirano Heródes mandou matar
todos os recém-nascidos do sexo masculino no dia do nascimento de Cristo.
(HEYWOOD, 2004).
Para Heywood a infância não passou despercebida na Idade Média como
afirma a obra de Ariès, mas, foi antes compreendida e percebida de maneira distinta da
qual imaginamos hoje, a hipótese do autor sobre a presença das crianças diz que:
Havia um óbvio nivelamento de responsabilidades que as de menos
idade podiam assumir: desde trabalhos menores na casa até o
pastoreio e, eventualmente, um aprendizado de oficio ou um trabalho
formal no campo. Elas também tinham seus jogos, ao invés de
participar das competições adultas (HEYWOOD, 2004, P. 30).
Além disso, completa dizendo que Ariès é importante com sua obra, no
entanto, não é tão feliz ao dizer que a sociedade não percebia a diferença nas etapas do
desenvolvimento humano, tanto que sinaliza responsabilidades e atividades particulares
de jovens e crianças.
Levando em consideração o fato de que a obra de Ariès e até mesmo a de
Heywood sinalizam para crianças que se inseriam onde hoje é a Europa, tem-se como
importante, que devemos entender as crianças brasileiras e um estudo acerca delas
encontra-se na obra História social da infância no Brasil organizada por Marcos Cezar
de Freitas (2006) que nos mostra, por exemplo, como se desenvolveu o termo
“moleque”, buscando sua base referencial no Brasil colônia, além de comentar também
sobre como a criança passa a ganhar visibilidade a partir do momento em que se integra
5 Leão I, dito o Grande ou Magno, foi papa entre 29 de setembro de 440 e sua morte em 10 de novembro
de 461.
com o mundo exterior a sua família que, quando isso ocorre, já não consegue mais
administrar o desenvolvimento de seus pequenos (FREITAS, 2006).
O abandono da criança também é tema da história da infância, e de outro
capítulo desta obra sobre a Roda dos Expostos, uma instituição criada para acolher
crianças que fossem rejeitadas (FREITAS, 2006), essa instituição é importante para o
contexto do nosso trabalho, pois saiam dela as crianças que iam trabalhar nos portos e
consequentemente acabavam ingressando na Marinha imperial (FREITAS, 2006).
No mesmo sentido, a obra História das crianças no Brasil de Mary Del Priore
(2006) mostra que, é possível constar o envio de crianças brasileiras para navios
mercantes e arsenais de guerra desde antes do conflito, informando que não existia de
inicio nenhum tipo de formação ou treinamento para os jovens marujos, sendo que só
após a independência o Império começou a copiar o modelo das Companhias de
Aprendizes europeias, sendo que durante o século XIX a instituição passou a ser uma
das formas de ascensão social para filhos de forros e negros livres (DEL PRIORE,
2006), no tocante ao envolvimento das crianças no conflito, é possível entender que a
Marinha também possuía seus aprendizes mirins.
Ana Paula Squinelo é pesquisadora de Mato Grosso do Sul que há décadas vem
se dedicando ao estudo sobre a GTACP por meio de várias vertentes participou em uma
obra coletiva intitulada, A guerra do Paraguai: entreolhares do Brasil, Paraguai,
Argentina e Uruguai (SQUINELO, 2016), registra-se a contribuição de Adler Castro,
com seu texto baseado nas crianças nos arsenais de guerra, buscou-se criar um diálogo
entre o texto de Adler e a já comentado obra de Marcos Cesar Freitas e por meio dele
notamos que, as crianças que ingressavam na marinha, também foram recrutadas para
participarem da guerra, Castro buscou esclarecer que a participação efetiva das crianças
se dava por meio de ajuda nos navios e comenta que, não era estranho, por exemplo,
crianças se casarem muito cedo além de que e a restrição de crianças ao trabalho só
surgiu no final do século XIX com a convenção de Berlim, (CASTRO, 2016), como
vimos anteriormente, trata-se de um mais um momento distinto do processo de
construção da Infância. Pensando por essa ótica devemos levar em consideração que o
próprio imperador do Brasil assumiu o trono com quatorze anos de idade em 1841.
Após a reflexão ainda inacabada sobre Infância, podemos perceber como em
diferentes épocas e lugares as crianças eram vistas com diferentes olhares e
perspectivas, por exemplo, um bebe recém-nascido poderia ser um pecador condenado
durante meados do século IV, um ser inocente que provavelmente será corrompido pela
sociedade pela perspectiva de Rousseau no século XVIII, ou como no século XIX
capazes de manusear armas de fogo e combater contra indivíduos adultos.
Tendo realizado essa explicação sobre um ponto de vista sobre o inicio da
guerra e sobre o que se tem entendido pelo termo Infância podemos apresentar ao leitor
algumas propostas do que se pretende realizar por meio desta pesquisa.
O objetivo é compreender o discurso criado sobre as crianças através dos textos
imagéticos que circularam na imprensa, em especial nas revistas ilustradas tendo como plano de
fundo a guerra da Tríplice Aliança contra do Paraguai.
Assim, é necessário um estudo sobre impressos de natureza periódica da época
imperial, para tal empreitada, temos a obra História da Imprensa no Brasil de Nelson
Werneck Sodré (1983), que permite entender como existiu uma variedade de artefatos
produzidos durante o século XIX na imprensa do Império e em especial as que se
utilizavam de caricaturas, sobre tudo a partir dos anos de 1830, onde se pode constar
segundo este autor a primeira publicação ilustrada do Império em 1837 (SODRÉ, 1983).
As imagens na imprensa brasileira são datadas de 1837 de maneira avulsa, já
no ano de 1840, alguns periódicos começam a trabalhar com caricaturas e na Capital do
Império, 1845 foi o primeiro ano em que se viu publicar caricaturas impressas, no
entanto foi entre 1860 e 1870 que as revistas ilustradas ganharam força (SODRÉ, 1983).
Como informa a obra de Sodré no dia 4 de Janeiro de 1853 sinalizava as novas
tecnologias de imprensa brasileira adquiridas no ano anterior, semelhantes às utilizadas
na Europa, com o advento da gravura e litografia que desde então começaram a ilustrar
periódicos de moda de noticias (SODRÉ, 1983).
Desta obra vale também ressaltar noção da importância da compreensão do
termo “opinião publica” que a meu ver, possuía certa influência em algumas questões da
época, além de ser entendida como, a opinião das camadas sociais que ficavam a par das
noticias gerais do Império e se expressavam na sociedade (SODRÉ, 1983). Esse assunto
torna-se relevante, pois, entendo que a opinião publica se compunha em parte pelos
consumidores diretos daqueles periódicos, expressando por meio dos diálogos em
sociedade o que entendiam dos conteúdos impressos, dessa forma, imagino que os
editores adaptavam até certo ponto as noticias conforme os interesses da classe
dominante sobre as classes subalternas.
No que tange as revistas ilustradas, destacamos dois nomes importantes para a
época e para nosso trabalho, o primeiro é Angelo Agostini que chegou de Paris em São
Paulo no ano de 1859, alguns anos depois, deu inicio a seus trabalhos como cartunista
fundando juntamente com seus companheiros Luís Gama e Sizenato Nabuco O Diabo
Coxo (1864-1865), após este trabalho, os mesmo nomes o ajudaram em outro projeto
desta vez intitulado O Cabrião (1866-1867), após sua mudança para o Rio de Janeiro
onde acabou fundando o periódico intitulado Vida Fluminense (1868-1869), pode-se
ressaltar o teor crítico que caracterizava as obras criadas por Agostini, devido a seu
posicionamento político contrário a diversas posturas adotadas pelo Império, sobretudo
em relação a escravidão, expresso por meio de sua principal arma de combate, o lápis de
desenho (SODRÉ, 1983).
Outro nome importante é o de Henrique Fleiuss, alemão que veio para o Brasil
em 1858, como desenhista de uma expedição cientifica, foi fundador da primeira escola
de xilogravuras do país, dessa oficina saiu em Dezembro de 1860 o periódico ilustrado
chamado Semana Ilustrada (1860-1875), no qual, importantes nomes passaram tais
como, Machado de Assis e Quintino Bocaiuva, ele possuía seus correspondentes na
guerra contra o Paraguai, que eram Joaquim José Inácio, Antonio Luís Von Hoonholtz e
Alfredo de Scragnole Taunay, vale ressaltar que Fleiuss não era humorista e nem crítico
do Império, aponta-se também a informação de que se instalou no Brasil para trabalhar
na Imprensa imperial (SODRÉ, 1983).
Pela obra organizada por Ana Luiza Martins e Tania de Luca História da
Imprensa no Brasil (2011) as autoras consideram a imprensa do século XIX como parte
do crescente processo civilizatório do segundo reinado iniciado em 1841, quando sobe
ao trono um imperador menino por meio da questão da Maioridade6, a partir deste
6 Diz respeito a um momento em que as condições políticas fizeram com que o D. Pedro I precisasse
retornar a Portugal para não perder seu poder na península Ibérica, no entanto o Império brasileiro ficaria
sem um imperador, visto que seu filho e sucessor do trono era demasiado jovem para o cargo, além disso,
a constituição recém promulgada estabelecia uma idade mínima para assumir o cargo, diante desses fatos
e de diversas revoltas a elite preocupada com a manutenção do seus privilégios decide criar uma maneira
de fazer com que D. Pedro II assumisse ainda com 14 anos de idade em 1841 o título de Imperador do
Brasil, essa medida ficou conhecida por alguns historiadores como o “Golpe da Maioridade”.
período, pretendeu-se introduzir um processo aos moldes culturais franceses e ingleses
considerados pela classe dominante do Brasil como sendo os países inspiradores de uma
sociedade de corte (MARTINS & LUCA, 2011), assim sendo, seria interessante para a
elite daquele momento, realizar essa etapa de um processo desenvolvimento cultural.
A dissertação de mestrado de Marcos Túlio Borowiski Lavarda intitulada A
iconografia da guerra do Paraguai e o periódico Semana Ilustrada – 1865-1870: Um
discurso visual. (2009) defendida no Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal da Grande Dourados, demonstra interessante exercício de análise
de imagens da guerra em revistas ilustradas, evidenciando aspectos que possibilitam
perceber uma “competição” entre ambas as revistas ilustradas acima mencionadas, e
nesse sentido, justifica-se a liberdade crítica de Agostini, por não possuir vínculos
políticos com o governo imperial, podemos imaginar por que seu periódico durou cerca
de um ano assim como outras duas revistas anteriores em que atuou, provavelmente sem
incentivos do governo (LAVARDA, 2009).
A pesquisa de Lavarda resultou da análise iconográfica sobre imagens da
guerra contra o Paraguai, através das fontes elencadas a partir da revista ilustrada criada
por Henrique Fleiuss, a qual serve de referencia para os estudos que vimos realizando.
A imprensa teria, em primeira análise, papel de dar a conhecer informações em
que pesem as dificuldades de acesso à informação e deslocamento da mesma pelo
território. No entanto considerando os apontamentos de Marc Bloch (2002), sobre a
ampliação das novas possibilidades de fontes históricas, problemáticas e objetos de
estudo, a imprensa configura-se como importante tipologia documental que traz à luz
temas e objetos ofuscados em outro tipo de documentação.
Por esse motivo busca-se, compreender a visão criada pelos editores das
revistas sobre a infância naquele momento da história por meio das imagens de crianças
que existem em algumas edições dessas revistas, o intuito é o de buscar respostas sobre
o que se pensava sobre a participação de crianças em embates militares naquele
momento da história.
Também ressalto que, inicialmente a proposta de trabalho com essa
documentação surgiu após reflexões teóricas que nos apoiam na perspectiva de trabalho
baseada na ampliação do sentido de fontes históricas e, sobretudo nas ultimas décadas,
tendo estreita relação com os documentos e fontes digitalizados, visto que, todas as
imagens até aqui analisadas, encontram-se disponíveis no site da Biblioteca Nacional
Digital7 (BND), no site da biblioteca digital é possível encontrar, diversos periódicos de
diversas épocas que podem ser considerados como fonte, assim, a escolha das revistas
também envolve o seu lugar de produção e circulação sendo que neste caso se trata da
capital do Império brasileiro situada no Rio de Janeiro, local de relativa circulação de
ideias e de produção de artefatos impressos, como as duas revistas já sinalizadas, as
revistas chamaram atenção por investirem sobre a temática da guerra.
A metodologia adotada consiste, inicialmente, na organização de um banco
digital de imagens, que foram selecionadas a partir de visitas e análises das publicações
selecionadas no site da BND, para garantir a viabilidade das fontes, foram realizados
downloads das publicações das duas revistas para um HD (hard disk) externo, no
entanto há uma profusa documentação para ser analisada e assim, foi pensado um filtro
para as imagens que entraram para um banco de imagens, a quantidade de imagens
produzidas com referencia à guerra que acontecia é farta e se apresenta mostrando desde
mapas, cenas de recrutamento brasileiro e paraguaio, combates navais, vistas das
paisagens paraguaias e até algumas que sugerem relações entre homens e mulheres no
contexto em questão, bem como a noção, ainda que de modo irônico, de uma mensagem
sobre o patriotismo brasileiro, sendo assim, estabeleceu-se que seriam selecionadas as
imagens que possuem fragmentos que evidenciam a presença de crianças brasileiras
e/ou paraguaias no período entre os anos em que acontecia a contenda.
Para analisarmos essas imagens, pensamos em aplicar as técnicas descritas por
Erwin Panofsky em sua obra Significados nas artes visuais (1955), descritas como
Iconografia e Iconologia, sendo que a iconografia a grosso modo seria o que a imagem
diz a partir das linhas do desenho, das cores e do material em que se produz a obra e a
iconologia por sua vez, o conjunto de significados expressos nas entrelinhas das cores e
formas apresentadas ao leitor das imagens, que só podem ser decodificados de maneira
eficaz pelo leitor, mediante conhecimento sobre os temas expressos pelo artista.
Assim podemos apresentar alguns resultados de análises sobre algumas dessas
imagens ao leitor deste material. A análise aqui apresentada foi trabalhada num
7 http://bndigital.bn.gov.br/
movimento iconográfico paralelo ao iconológico de forma que a imagem seja analisada
em sua totalidade.
A primeira imagem apresentada na edição Nº 69 da revista ilustrada intitulada
A Vida Fluminense publicada no dia 24/04/1869 com o título de “O negocio do paquete
inglez La Plata”.
(Fig. 1) A Vida Fluminense. O negocio do paquete inglez La Plata.
24/04/1869. N. 69. p, 826.
Após uma primeira vista sobre a imagem podemos aplicar os processos
iconográfico e iconológico à imagem. O que se vê pelas formas e linhas é a figura de
uma criança usando uma vestimenta e um adorno na cabeça escrito “Brazil” que fazem
forte referência à sociedades indígenas, a criança está posicionada sobre uma base
construída com blocos, podemos imaginar que seja um forte militar, comum em regiões
litorâneas, o que reforça a ideia de se tratar de um forte é o outro elemento que compõe
a imagem, trata-se de um canhão que é disparado pela criança, percebe-se o disparo
pelas linhas que a frente do canhão nos dão a ideia de fumaça, a direito da composição
da imagem, podemos notar um possível alvo para a crianças, é evidente a presença de
uma embarcação navegando nas águas calmas do mar, o navio é composto em suas
linhas por dois mastros, um chaminé e grandes rodas nas laterais, também é possível
perceber uma bandeira que não diz respeito a nenhum dos países envolvidos no conflito
que se desenrolava no Prata. É possível notar além do paquete um grande morro, que
levando em consideração, o lugar de produção do periódico, pode vir a ser entendido
como uma paisagem característica do Rio de Janeiro. Vale destacar a Letra “A” no
canto inferior direito da imagem, indicando o autor da imagem, possivelmente Angelo
Agostini.
Sobre infância, é possível crer que se trata de uma crítica às Companhias de
Aprendizes, bem como alguma outra instituição de ensino que não fica clara se for o
caso, pois como já sinalizado, o autor desta obra possuía forte senso crítico. Pensando
na perspectiva de que o Brasil enquanto país possuía uma personificação nas páginas
ilustradas representada de forma expressiva por meio da figura de um índio adulto, com
cocar escrito “Brasil”, podemos presumir que esse índio infante representaria a infância
brasileira que como já foi comentado por meio dos trabalhos de Castro (2016) e
Venancio (2007), apresentaram seus trabalhos com a ideia da participação das crianças
na GTACP.
Além dessas reflexões, observar as imagens nos trás diversas indagações que
podem ser exploradas em outro momento, tais como: em quem a criança atira? Depois,
por que estaria atirando? Percebe-se que a bandeira do paquete não é a do país inimigo
do Império, assim sendo, seria outro o inimigo? Estaria a criança se equivocando e
atirando na embarcação errada?
Para Roland Barthes, a legenda das imagens é fundamental para complementar
o sentido da mesma e neste podemos obter novos questionamentos e reflexões sobre
esta. Sobretudo no sentido da critica sobre a ocupação da criança. Neste sentido
justificaria a legenda em especial a parte “só te obrigam a fazer asneiras”.
Podemos então, acolher esta imagem como fonte relevante no sentido de
demonstrar a acidez crítica de A Vida Fluminense sobre o tema que nos propomos a
investigar, pois na legenda se lê: “Pobre criança, tão intelligente e com tantas
disposições para tudo o que é nobre e elevado! Os teus mentores longe de aproveitarem
a tua boa vontade, só te obrigam a fazer asneiras!”. Esta afirmação nos leva a crer que
Agostini possivelmente não via com bons olhos o fato de crianças serem usadas como
combatentes.
Outra imagem interessante a ser analisada está na edição Nº 247 de 1865 da
revista Semana Ilustrada, intitulada “A liberdade e a oppressão”. Vejamos a seguir.
(Fig. 2) Semana Illustrada. A liberdade e a opressão. 03/09/1865, N. 247, p.
1972.
O que se vê pelas linhas, traços e formas que compõem esta imagem, é ao
canto esquerdo a figura de um homem rechonchudo, com uniforme militar, um chapéu e
bigode, segurando uma espada na mão direita e apontando para a frente com a mão
esquerda, devido ao contexto da guerra presume-se que este individuo desenhado nesta
imagem se trate de Solano Lopez, ao fundo as linhas trazem a visão, onze indivíduos
que ao que parece, seguem a direção sinalizada pelo braço esquerdo de Lopez na
imagem, no canto superior esquerdo, podemos ler a palavra Humaitá, segundo as
referencias bibliográficas, Humaitá foi uma importante base e motivo de combates pela
sua dominação, também é possível ver em meio a esse grupo de pessoas, uma criança,
percebe-se isso pelo tamanho que o individuo foi retratado, pelo menos uma mulher,
alguns idosos e homens, também é interessante reparar, na face de alguns dos que ali
estão representados, alguns com uma clara feição de descontentamento e a criança, foco
principal de nossos estudos, parece estar marchando surpresa com a situação sem saber
direito por que realiza este ato.
Além disso, é possível perceber a discrepância entre Lopez e as pessoas que
com ele compõem a imagem, Lopez foi representado gordo, possivelmente como sinal
da fartura que gozavam lideres nacionais em contraponto a sua população, que, como se
sabe foi seriamente castigada pela fome, inanição e miséria ao longo da guerra.
Essa imagem é interessante no que diz respeito a expressão bibliográfica sobre
as crianças que se envolveram diretamente nos conflitos entre os países beligerantes, as
obras que se tem lido trazem a luz as crianças paraguaias já no final do conflito, como
possível solução de Lopez para uma falta de contingente militar, no entanto, como se
anunciasse a tragédia de 16 de Agosto de 1869, Henrique Fleiuss lança com suas
iniciais “H.F” inscritas esse desenho em 1865.
A ideia que é apresentada pelo autor diz respeito a uma analogia entre o
alistamento brasileiro, realizado como forma de “amor à pátria”, espontâneo, em
contraste com o recrutamento paraguaio, que segundo Fleuiss já era sinalizado como
necessidade do exército guarani, segundo ele Lopez não quis saber se seus recrutas
poderiam ou não morrer na guerra enquanto, os recrutas brasileiros para ele, teriam uma
missão nobre a cumprir no front de batalha.
Assim sendo, podemos notar como dois representantes da imprensa ilustradas
do Rio de Janeiro do século XIX viam a questão da participação da infância na guerra,
neste caso podemos através dos artefatos criados nesse período, elaborar novas visões e
problemáticas sobre o conflito, bem como reafirmar, acrescentar detalhes ou contestar
ideias expressas por uma bibliografia que mais tem causado confusão aos historiadores
do século XXI visto que já existem pelo menos três revisões sobre a Guerra do
Paraguai.
FONTES
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Rensburg, Rua de S. Antonio, 29., 1868 – 1869. Semanal. Pesquisados os n. 18, 53, 69,
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