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Experimentação animal: o direito, a moral e a ética Caroline Bresolin Maia Cadore (1), Daniela Gomes(2) (1) Bacharelanda em Direito pela Faculdade Meridional, IMED. Email: [email protected] (2) Doutoranda em Direito pela Estácio de Sá, UNESA. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC. Bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo, UPF. Docente da Graduação em Direito da Faculdade Meridional, IMED. Advogada. Contato: [email protected]

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Experimentação animal: o direito, a moral e a ética

 

Caroline  Bresolin  Maia  Cadore  (1),  Daniela  Gomes(2)  

(1)  Bacharelanda  em  Direito  pela  Faculdade  Meridional,  IMED.  E-­‐mail:  [email protected]  

(2)  Doutoranda  em  Direito  pela  Estácio  de  Sá,  UNESA.  Mestre  em  Direito  pela  Universidade  de  Santa  Cruz  do  Sul,  UNISC.  Bacharel  em  Direito  pela  Universidade  de  Passo  Fundo,  UPF.  Docente  da  

Graduação  em  Direito  da  Faculdade  Meridional,  IMED.  Advogada.  Contato:  [email protected]  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Experimentação animal: o direito, a moral e a ética

 

Resumo: Através deste artigo busca-se elucidar um tema ainda novo na esfera jurídica, de grande relevância no campo da moral e da ética e a cada dia mais latente na sociedade contemporânea: a utilização de animais em experimentos científicos. De tal modo, o objetivo geral da presente investigação permeia a avaliação das consequências jurídicas da experimentação animal no que tange a tutela jurídica dos animais. Ademais, nas últimas décadas filósofos, pesquisadores e juristas vem colocando o tema em evidência, questionando o fato de a história da humanidade contar com métodos de utilização de animais para fins de estudo desde a antiguidade e ainda hoje haver pouco questionamento acerca dos direitos de tais animais. Para enfrentar tal questão adota-se o método de abordagem dedutivo e o procedimento de pesquisa empregado é o levantamento bibliográfico do assunto por meio de doutrinas, leis e artigos científicos, imprescindíveis à pesquisa jurídica. Por fim, cumpre ressaltar que o ordenamento jurídico de diversos países já reconhece os animais como sujeitos de direito, assim, apoiado nesse entendimento, a experimentação animal torna-se uma técnica passível de questionamentos, haja vista que a ciência já dispõe de opções de experimentos seguros que não envolvem a necessidade de experimentação animal.

Palavras-chave: Direito; Ética; Experimentação Animal; Moral.

Abstract: Through this article we seek to elucidate even new theme in the legal sphere, of great relevance in the field of morals and ethics, and every day more latent in contemporary society: the use of animals in scientific experiments. So, the overall goal of this research cuts assessing the legal consequences of animal experimentation regarding the legal protection of animals. Moreover, in recent decades philosophers, jurists and researchers are putting the theme in evidence, questioning the fact that the history of humanity rely on methods of using animals for study purposes since ancient times and even today there is little question about the rights of such animals. To address this question we adopt the method of deductive approach and the procedure of employee research is the literature survey of the subject by means of doctrines, laws and science, essential to legal research articles. Finally, it should be noted that the legal system of many countries already recognizes animals as subjects of law, thus supported this understanding, animal experimentation becomes a feasible technique of questioning, given that science already has experiments options insurance that does not involve the need for animal testing.

Keywords: Law; Ethics; Animal Experimentation; Moral.

1. INTRODUÇÃO

As consequências jurídicas da divergência entre os princípios morais, éticos e legais acerca dos testes desenvolvidos em animais encontra fundamento na democracia e na sustentabilidade, bem como, trata de uma demanda nova e relevante quando considerada a aplicação do direito ambiental de modo amplo e irrestrito, da aplicação das normas constitucionais e da interpretação dos valores éticos e morais. Assim, no que tange ao direito dos animais utilizados em experimentação, uma vez que são seres senscientes, devem ser considerados sujeitos de direito. Nesse sentido, o conflito gerado entre ética, moral e direito, no âmbito da experimentação animal, reflete diretamente na realidade jurídica atual e, por conseguinte na atuação do Estado perante a sociedade civil, uma vez que a problemática envolvendo a experimentação animal não está mais adstrita aos frios laboratórios de pesquisa, passando, nos últimos anos a estar latente na vivência de uma sociedade imbuída dos ideais de fraternidade e solidariedade para com outras formas de vida.

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Desta forma, busca-se evidenciar neste artigo os desafios que se apresentam na problemática dos animais utilizados em experimentações cientificas e o embate teórico, metodológico, moral e ético que isso gera. Assim, na primeira parte deste artigo são feitos apontamentos quanto aos aspectos históricos da tutela dos animais e do surgimento dos direitos dos animais, propiciando uma revisão das teorias que envolvem os direitos dos homens e dos animais. Isto posto, pro conseguinte, busca-se contextualizar na esfera da ética, da moral e do direito a relação entre homens e animais.

2. A EVOLUÇÃO OU INVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO E DOS DIREITOS DOS ANIMAIS

A história da proteção animal é recente, entretanto a utilização de animais em experiências cientificas para obtenção de resultados relevantes ou não, remonta aos primórdios da civilização grega com pesquisadores como Alcmaeon e Aristóteles. Romanos também se utilizaram desta prática, contudo a vivissecção ganhou notoriedade e apoio cientifico após o século XV e foi impulsionada pelas ideias racionalistas altamente difundidas por René Descartes. A ideia da utilização de animais em pesquisas cientificas cria uma polêmica entre o antropocentrismo e o biocentrismo e apóia-se em argumentos desenvolvidos e difundidos pelo direito ambiental e a bioética. 2.1. A origem e a história da utilização de animais em pesquisa As primeiras informações de análise anatômica apareceram na Grécia Antiga com Hipócrates (por volta de 550 a.C) que já executava dissecações com função didática, pois associava a aparência de órgãos humanos com os de animais. Nesta mesma época fisiologistas como Alcmaeon (550 a.C), Erasistratus (350 – 240 a.C) e Herophilus (300 – 250 a.C) também realizavam o procedimento com finalidade educativa. No entanto, considera-se que o primeiro a executar vivissecação1 com o objetivo de testar variáveis através da submissão de animais à mudanças foi Galeno (130 – 200 d.C), em Roma (LEVAI, 2001, p. 25). As pinturas rupestres demostram que desde a pré-história o homem detém a capacidade de observação dos animais e mesmo com parcos conhecimentos conseguiu utilizar isso em seu beneficio. Os homens pré-históricos demonstravam através desses desenhos que já reconheciam os órgão vitais a serem atacados para que o abate tivesse sucesso (CLARK, 1977, p.13-14). Aproximadamente em 500 a.C, o grego Alcmaeon realizou os registros mais antigos de que se tem evidências ao expor seus conhecimentos sobre anatomia adquiridos em virtude da dissecação de animais. Esta prática formou o alicerce da medicina atual e possibilitou a observação anatômica dos animais. Em meados de 440 a.C, em tratado intitulado “Sobre a doença Sagrada”, foram expostos vários estudos nos quais foram utilizados animais, e a afirmação equivocada de que as artérias contém ar, comprovam que as análises eram feitas em animais mortos. (SINGER, 1996, p. 20-29). Élio Galeno (129-199dC), além de ser considerado o “príncipe dos médicos” foi também o primeiro a executar a vivissecção em público e para isso utilizava porcos, macacos e outras espécies. Após sua morte os experimentos vivisseccionistas foram esquecidos e retornaram apenas entre os séculos XV e XVI, quando o médico belga Andreas Vesalius (1514-1564) publica em 1543 o atlas de anatomia “De Humani Corporis Fabrica”, após a vivissecção em animais e a dissecação de cadáveres humanos (SINGER, 1996, p.136). Os questionamentos acerca da anatomia e da medicina foram ficando cada vez mais complexos, o uso de animais em pesquisas cientificas cresceu vertiginosamente e ganhou força com as ideias que afloraram a partir das afirmações e estudos do filósofo, matemático e fisiologista francês René Descartes.                                                                                                                1 O termo “vivissecção” literalmente significa “cortar (um animal) vivo”, mas é aplicado genericamente a qualquer forma de experimentação animal que implique em intervenção com vistas a observar um fenômeno, alteração fisiológica ou estudo anatômico (GREIF; THALES, 2000, p. 2).

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Por volta do século XVII Descartes concluiu que os corpos, tanto de animais quanto humanos, eram apenas máquinas e os sentimentos relacionados a dor e prazer estavam presentes unicamente na alma, que só os humanos possuíam. Logo, animais não sentiam dor e os gritos de cães que eram viviseccionados por ele e seus alunos eram relacionados ao simples barulho de uma máquina (FERRARI, 2004, p. 53). Já no século XX a vivissecação tornou-se prática corriqueira, uma vez que apenas um terço dos animais empregados aplicavam-se à pesquisa na área médica enquanto dois terços eram utilizados apenas para pesquisas industriais diretamente ligadas à alimentação, cosméticos, tabaco, armas e podutos de limpeza (LEVAI, 2001, p. 26). Pode-se observar que o homem tem interesse pela utilização de animais desde a pré-história, idéia que foi consolidada por gregos, romanos e a partir do século XV por fisiologistas que embasaram cientificamente suas descobertas. Essa relação de superioridade do homem perante outro ser sensciente encontra base e também oposição em teorias que serão expostas no decorrer do trabalho. 2.2. A Teoria Antropocêntrica e a Teoria Biocêntrica

A proteção ao meio ambiente sempre esteve presente em inúmeros escritos desde os primórdios da civilização, entretanto apresentava-se sem ferramentas jurídicas capazes de assegurar sua aplicabilidade. Inclusive, a concepção de proteger a natureza sempre esteve relacionada às necessidades humanas (FAZOLLI, 2009, p. 40). Segundo a teoria antropocêntrica, o que não for vivo, material ou imaterial, assim como uma vida não humana, será tutelado pelo direito ambiental conforme sua importância para a garantia da qualidade de vida do ser humano, uma vez que este é o único ser racional e em virtude disto, o único destinatário das normas jurídicas (FIORILLO, 2006, p.16). De acordo com o antropocentrismo, somente o ser humano é capaz de realizar atos morais. Assim, a ação moral em relação à natureza deve levar em consideração as necessidades e interesses do ser humano, uma vez que este tem capacidade de detectar valoração moral no comportamento de outro e adaptar o próprio comportamento. Nesta teoria não existe a “vontade da natureza”, pois a natureza não detém razão. Atribui-se qualidade de objeto à natureza na exata medida em que o ser humano é considerado livre para firmar suas vontades (KÄSSMAYER, 2008, p. 142). Neste sentido cabe analisar a diferenciação exposta por Carlos Naconecy quando cita Hayward e Chadwick, que o antropocentrismo moral não deve ser confundido com o antropocentrismo epistêmico, ou seja, com a concepção de que ao atribuir status moral ao restante da natureza, os seres humanos analisam a partir de uma ótica exclusivamente humana. Essa tese que pode ser chamada de antropocentrismo perspectivo ou antropogenia cognitiva corresponde à valorização do ser não-humano por si próprio. Com o início da Idade Moderna e o fim da Idade Média nasce o movimento Renascentista que espalha a ideia do antropocentrismo ao mudar o pensamento medieval teocêntrico, que considera Deus o centro do universo. Segundo este pensamento tudo que existe foi criado por Deus e seria inconcebível não submeter-se à razão divina, crença altamente pregada pela igreja católica que afirmava que a única vontade que deveria prevalecer é a de Deus. O teocentrismo assemelha-se muito às crenças greco-romana, uma vez que personifica no Papa o que gregos e romanos reconheciam em seu Imperador, “um representante de Deus na Terra” (MILARÉ, 2009, p. 52). Nesse sentido Descartes, citado anteriormente, tentou difundir a perspectiva cartesiana de que os animais não dominam nenhuma linguagem, que em virtude disso não existe pensamento, e na ausência de linguagem não se pode presumir consciência. A perspectiva cartesiana compara superficialmente o animal à uma máquina, livrando o ser humano de qualquer preocupação de sofrimento inflingidas a eles (GALVÃO, 2010, p. 12). Apesar de existirem algumas reservas quanto à possibilidade de o ser humano saber como é estar na pele de outros animais, a grande maioria dos filósofos corrobora com o que Regan difundiu. No campo da ciência pode-se levar em conta a semelhança entre o sistema nervoso humano e o de diversas outras espécies para afirmar que os animais tem consciência. Inclusive se a

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consciência se restringisse apenas aos humanos seria impossível aceitar o ponto de vista darwinista de que a humanidade foi evoluindo de forma lenta e gradativa a partir de mentes mais simples de outras espécies (GALVÃO, 2010, p. 13). Em inúmeras situações será errado maltratar animais, mas exclusivamente por nutrir um comportamento ofensivo em relação aos seres humanos. Kant não confronta o uso cruel de animais em pesquisas científicas, pois para ele os animais devem ser encarados como instrumentos do homem, e neste caso para um fim notável (GALVÃO, 2010, p. 14). Para sustentar esta ideia, Immanuel Kant apóia-se no imperativo categórico, também conhecido como lei fundamental da moralidade: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio (KANT, 1785, p. 77). No século XVIII , surge a perspectiva utilitarista2 de Jeremy Bentham, segundo a qual, nem a razão nem a linguagem são pressupostos para a existência de um estatuto moral. Para que um ser exista no campo da ética, basta que seja senscientes, ou seja, que seja capaz de sentir dor ou prazer. Segundo Bentham a forma como despreza-se o padecimento dos animais não-humanos pode ser equiparada ao desprezo de alguns pelos seres humanos de raças diferentes da sua. O autor configura como um dos precursores da ideia de uma analogia entre o racismo e um comportamento que viria a ser denominado muito mais adiante como especismo: discriminação baseada na espécie (BENTHAM apud GALVÃO, 2010, p. 15). Em contrapartida a esta visão antropocêntrica existe o Biocentrismo que é uma subdivisão do Ecocentrismo3. O enfoque do Biocentrismo considera o bem próprio o valor mais elevado a ser preservado. Considera-se bem próprio a totalidade da expressão da vida orgânica e animal mesmo que não sejam capacitados de razão ou sensibilidade – no sentido fisiológico, ou seja, dotado de sistema nervoso (FELIPE, 2009, p. 16). A ética biocêntrica de Paul W. Taylor, exposta na obra Respect for Nature, pode ser um viés de estudo referente ao direito dos animais submetidos à experimentação. A proposta apresentada no livro é que decisões e ações, relativamente ao meio ambiente, sejam elaborados baseados em quatro regras obrigatórias: não-maleficência, não-interferência, fidelidade e justiça restitutiva (TAYLOR, 1986, p. 172). A regra da não-maleficência ordena um dever negativo de o agente moral não cometer qualquer ação que possa causar dano ao paciente moral. Dentre os males que podem ser inflingidos ao paciente moral, os essenciais são: ter qualquer atitude que prive o que está vivo de suas condições básicas e necessárias para preservar àquela espécie, destruir uma comunidade biótica e ceifar a vida de um organismo ou espécie (FELIPE, 2009, p. 17). O caráter racional possibilita aos gentes morais a percepção de estar ou não fazendo mal a outros ao agir em busca de seu interesse. Esses agentes, por serem capazes de identificar o que resulta em vantagens e benefícios, têm a capacidade de privar-se de fazer o mal, e de furtar-se de realizar o mal a um ser incapaz de fazer mal e de conceber o mal a qual é submetido. Logo, através da ética biocêntrica, os agentes morais são os únicos capazes de fazer mal e plantas e animais não possuem essa característica. Através de suas normativas, a ética biocêntrica busca pautar as atitudes humanas para que os agentes morais não realizem o mal (FELIPE, 2009, p. 17). A não-interferência estipula dois deveres de não fazer: primeiramente, evitar atitudes que ocasionem em bloqueio à vida animal ou vegetal. Para isso deve-se procurar implantar políticas públicas a fim de monitorar e fiscalizar este dever de não-interferência nos ecossistemas, comunidades bióticas e nos animais (FELIPE, 2009, p. 18).                                                                                                                2 “[...] o que se chama habitualmente utilitarismo, sustenta a posição segundo a qual o fim o último é o maior bem geral - que um ato ou regra de ação é correto se, e somente se, conduz ou provavelmente conduzirá a conseguir-se, no universo como um todo [...]” (FRANKENA, 1969, p. 30-31). 3 Defende o valor não instrumental dos ecossistemas e da própria ecosfera, cujo equilíbrio pode obrigar a limitar determinadas atividades humanas. E perante a condição biológica e ecológica da espécie humana, considera-a parte integrante da natureza, ao contrário da afirmação dual típica do antropocentrismo. Inspira-se nas ideias de Aldo Leopold (1886-1948), autor da land ethic, que propôs o alargamento ético à comunidade de forma a incluir solos, água, plantas e animais, e em que a terra (land) é um sistema vivo merecedor de consideração moral. As teorizações de Baird Callicott (1989), Holmes Rolston III (1994) e Arne Naess (1989) são, independentemente das suas especificidades, inseridas nessa perspectiva (ALMEIDA, 2008).

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Em segundo lugar: permitir que as criaturas selvagens usufruam sua liberdade. Os animais devem estar livres de: limitações externas positivas (gaiolas, jaulas, correntes, etc.), de limitações externas negativas (sem alimento, água, abrigo), limitações internas positivas (doenças, envenenamento, etc.) e por fim de limitações internas negativas (debilitação ou incapacidade de tecidos e órgãos) (FELIPE, 2009, p. 18). Além disso devem ter a possibilidade de alcançar seu bem próprio conforme sua espécie, o que consequentemente obriga o ser humano a não aprisionar ou retirar os animais de seu ambiente natural, independentemente de como serão tratados (FELIPE, 2009, p. 18). A regra da não-interferência admite que os animais sofram danos através de causas naturais. Todavia, não permite que o ser humano interfira a fim de evitar a extinção de determinada espécie ou de reparar desequilíbrios ambientais naturais. De maneira geral a regra orienta a não-interferência na evolução natural e no curso natural dos eventos (NACONECY, 2006, p. 198). Intrometer-se no estado natural dos animais e das plantas em função de interesses humanos, é impedir que os mesmos tenham liberdade para desenvolver-se conforme sua natureza. Os universos naturais devem cumprir suas trajetórias de vida sem a interferência humana (FELIPE, 2009, p. 19). Existe ainda a regra da fidelidade, segundo a qual o agente moral que seguir uma perspectiva biocêntrica não pode trair a confiança despendida por um animal selvagem nas relações com os seres humanos. Mesmo que acordos entre seres humanos e animais selvagens não devam ser firmados na esfera antropomórfica, é plausível aos seres humanos evocarem a confiança essencial para a paz entre as duas espécies. Obviamente os sinais de confiança diferem conforme a espécie, pois seus hábitos, mentes e a forma como compreendem os seres humanos são diferentes. Justamente por estabelecer esta tão importante relação de confiança com os animais os humanos não tem o direito de traí-los (FELIPE, 2009, p. 20). A percepção da igualdade biocêntrica é a de que o direito de viver, de se desenvolver, de atingir suas próprias formas de desenvolvimento e auto-realização é estendida a todos. A idéia principal é de tudo que faz parte da ecosfera, como integrantes do mundo interligado, são idênticos em termo de valor intrínseco (SINGER, 1993, p. 189). Segundo VanDeVeer, se todos os seres vivos possuem valor intrínseco, também é necessário considerar a variação desse valor. Em algumas situações importa preservar o que tiver maior valor se outras considerações não estiverem presentes. Ao posicionar-se dessa forma, VanDeVeer busca ampliar o status moral, objetivando um igualitarismo biocêntrico em diferentes escalas, com base em três formas de consideração moral: ser vivo, ser sensciente e ser autônomo. O que o autor propõe não é “simplesmente” uma ética animal, mas também uma ética ambiental (VANDEVEER, 1995). 2.3. A contribuição do Direito Ambiental na tutela da fauna

O direito do ambiente, ou ainda, o direito do meio ambiente é um domínio de regulação do entorno, ou seja, de regularização e de emancipação dos seres humanos que estabelecem convivência harmoniosa ou não entre si. As margens do espaço de convivência não precisam ser necessariamente ligadas e tampouco as relações que se desenvolvem são estritamente mediatas (MOLINARO, 2007, p. 45). Não existe um entendimento teórico acerca dos princípios do Direito Ambiental, entretanto Antunes, discorre sobre três principais que seriam: o princípio da dignidade da pessoa humana, o principio democrático e o principio da precaução. Essa irregularidade acerca da concepção princípiológica dificulta a aplicação eficaz do Direito Ambiental na sociedade. Os princípios do Direito Ambiental subordinam-se aos da Constituição Federal, e podem ser implícitos ou explícitos. Os princípios implícitos não estão escritos em qualquer lei, porém decorrem de sua interpretação, já os princípios explícitos estão claramente transcritos nos textos legais.

Primeiramente, seguindo a concepção de princípios de Antunes, existe o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo qual o direito ao uso de um ambiente saudável é uma premissa para o real exercício da dignidade humana como tratado na Constituição Federal

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(ANTUNES, 2012, p. 21). Importante questão surge ao referenciar tal artigo, uma vez que o uso do vocábulo “todos” necessita de maior esclarecimento quanto à sua abrangência. De maneira geral, mostra-se como melhor entendimento o benefício de tal direito a qualquer pessoa, residente ou não no país. Contudo outro questionamento mais aprofundado surge ao refletir sobre a extensão de fato de tal direito: “todos” seriam todos os seres vivos, humanos ou não? (CANOTILHO; LEITE, 2011, p. 125-126). Como referido por Marcelo Abelha Rodrigues em seu livro “Intituições de Direito Ambiental”, a titularidade deste direito demanda uma percepção mais profunda do que simplesmente a análise do vocábulo “todos”, uma vez que é na definição do bem ambiental em questão que poderá ser atribuída uma visão biocêntrica da ideia pretendida pelo legislador constitucional. Desta forma, ao se falar sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado, são grandes as chances de incluir todas as formas de vida como seus titulares (CANOTILHO; LEITE, 2011, p. 127). Como desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se o princípio democrático que assegura o pleno direito à participação na elaboração das leis e das políticas públicas ambientais (ANTUNES, 2012, p. 24). Por fim, segundo a classificação de Antunes, apresenta-se o princípio da precaução, que vem sendo extremamente debatido no judiciário brasileiro. O inteiro teor deste princípio está no 15º princípio da Declaração do Rio: Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Importa ressaltar que este princípio não indica a interrupção da atividade, e sim que seja executada com as devidas precauções, inclusive para que o estudo avance e as dúvidas sejam esclarecidas. Contudo, já existe decisão no Tribunal pátrio de que: “Em sede de direito ambiental há a prevalência do Princípio da Precaução frente ao da Livre Iniciativa.” – Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida (ANTUNES, 2012, p. 27). O advento do direito ao meio ambiente e os demais direitos de terceira geração são expostos por Bobbio, como um decurso da consideração do individuo humano singular, que foi o primeiro sujeito ao qual foi concedido direitos naturais (ou morais) para sujeitos diferentes do individuo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, da humanidade como um todo; e além do homem considerado singularmente ou nas diversas comunidades que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais (VARELLA; BORGES apud BOBBIO, 1998, p.18-19). A consolidação do direito ambiental como matéria de alta importância no círculo acadêmico e a nova maneira de pautar os direitos da fauna levantam um embate teórico acerca do alcance da tutela jurídica em relação aos animais submetidos às pesquisas. 3. O DIREITO, A MORAL E A ÉTICA NA TUTELA DOS ANIMAIS 3.1 A Filosofia da moral e a ética aplicada à tutela dos animais

A ideia de viver conforme padrões éticos está relacionada a noção de proteção da maneira como se vive, de atribuir um valor, de fundamentar. É indispensável comprovar que aquilo que se faz quando motivado por interesse pessoal é compatível com ideias éticas4 de maior amplitude, pois a perspectiva de

                                                                                                               4 Os termos “Moral” (ref. a códigos de conduta concretos) de um lado e “Ética” (Filosofia Moral), de outro, corresponderiam a dois níveis distintos de pensamento e linguagem: “Assim, chamamos de ‘moral’ esse conjunto de princípios, normas e valores que cada geração transmite à geração seguinte na confiança de que se trata de um bom legado de orientações sobre o modo de se comportar para viver uma vida boa e justa. E chamamos de ‘Ética’ essa disciplina filosófica que constitui uma reflexão de segunda ordem sobre os problemas morais. A pergunta básica da moral seria então: ‘O que devemos fazer?’, ao passo que a questão central da Ética seria antes: ‘Por que devemos?’, ou seja, ‘Que argumentos corroboram e sustentam o código moral que estamos aceitando como guia de conduta?”

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ética carrega em si uma noção maior do que o individual. Se o ser humano quer defender seu comportamento através de fundamentos éticos, não pode demarcar os benefícios que determinado comportamento traz a si, deve preocupar-se com algo mais vasto (SINGER, 1993, p.11-12). A ética prática tem um ponto de vista universal, ou seja, evidencia que os juízos éticos devem ser feitos sem levar em consideração preferências ou aversões. Os princípios éticos impõem a neutralidade, o juízo universal que deve ser observado de maneira imparcial (SINGER, 1993, p. 13-14). Ao considerar tal concepção de ética aproxima-se de uma forma ideal de resolução dos conflitos que se expõem quando se fala em animais submetidos à experimentação científica. Pode-se observar que Singer propõe uma extensão total do conceito de ética a todos os seres e principalmente em relação aos animais. Segundo Singer a justificativa para estender o princípio da igualdade para outras espécies é simples e deve levar em conta a igualdade na consideração de interesses. O ser humano não tem o direito de explorar outros seres apenas pelo fato de não pertencerem à sua espécie, e nesse sentido, não se pode desconsiderar os interesses dos animais apenas por serem menos inteligentes. Embora o princípio fundamental da igualdade possibilite um apoio apropriado para a igualdade entre os homens, essa base não pode restringir-se apenas aos seres humanos. Ao aceitar o principio da igualdade como uma base moral concreta da ligação com os outros exemplares da espécie humana, deve-se reconhecer também como alicerce da convivência com os animais não humanos (SINGER, 1993, p. 42). Esta extensão parece exagerada em um primeiro momento, mas ao recapitular a necessidade da luta pela ampliação dos direitos dos negros e mais recentemente das mulheres, percebe-se que uma ideia antes de tornar-se óbvia é falseada e muitas vezes posta em descrédito por importantes eruditos. Na realidade o que se pretende ao levar em consideração tais propostas é que se deve aplicar o princípio da igualdade na consideração de interesses (SINGER, 1993, p. 44) Pode-se sustentar a defesa de uma visão ética relacionada aos animais com base no papel da emotividade e das relações socioafetivas que existem no âmbito da moral. Grande parte da vida ética tem além de uma perspectiva racional, uma importante perspectiva emocional. A moral envolve sentimentos que ultrapassam a cognição. A ideia de justiça, nessa dimensão, é deficiente, uma vez que pode ir de encontro com a ideia de compaixão e generosidade. O principal é estender aos animais a empatia e principalmente a simpatia. Simpatia e empatia permitem ao homem compreender a condição animal (NACONECY, 2006, p. 191). A corrente filosófica que estende a igual consideração de interesses a seres não humanos ainda não é majoritaria, sendo um dos expoentes da ética utilitarista e pai do utilitarismo moderno, o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham um dos primeiros defensores desta ideia. Bentham afirmava que a primeira lei da natureza baseava-se na busca do prazer e na fuga da dor, e para conseguir esse ápice era essencial que a felicidade individual fosse atingida pela felicidade alheia (FREITAS, 1986, p. 44). Todo esse processo de mudanças de paradigmas e de uma nova maneira de encarar a ética e a moral exigiram um desdobramento para o campo científico e acadêmico. A grande questão que surge disso é de que forma poderia se aplicar dentro do âmbito da pesquisa e do estudo uma visão que utilizasse na sua forma de ensino a necessidade de pautar novos conhecimentos com base além de científicas, éticas e morais. Para suprir essa lacuna a bioética apresenta-se como uma alternativa de importante alcance. Inúmeros acontecimentos contribuíram para o surgimento da bioética, porém, simbolicamente é reconhecida a obra de Van Rensselaer Potter, Bioética: uma Ponte para o Futuro, publicada em 1971, como um dos primeiros e principais registros acerca do tema (DINIZ; GUILHEM, 2008, p.10). Cabe avaliar as transformações ocorridas nos anos 1960 que contribuíram para o surgimento da bioética, tanto no campo social, político e tecnológico. Juntamente com um grande desenvolvimento científico a década de sessenta foi responsável também por inéditas conquistas civis que fortaleceram movimentos sociais organizados, além disso ocorreram mudanças nas instituições tradicionais e o surgimento de tecnologias que contribuíram para o aumento da qualidade de vida das pessoas. Logo, o surgimento da bioética pode ser encarado como uma resposta ética a essas grandes mudanças (DINIZ; GUILHEM, 2008, p. 15-17).

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 20).

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No período inicial de surgimento da bioética as denúncias acerca das pesquisas científicas realizadas em seres humanos, iniciadas na Segunda Guerra Mundial, e a abertura da medicina que passou a interagir com filósofos, teólogos, advogados, psicólogos e outros profissionais, que começaram a opinar na medicina sob a ótica de suas especialidades, contribuíram para a consolidação da bioética como um novo campo disciplinar (DINIZ; GUILHEM, 2008, p. 17). Uma passagem importante da história da bioética ocorreu quando Henry Beecher, em 1966, publicou um artigo em que relatava descrições de pesquisas cientificas divulgadas em periódicos internacionais que envolviam seres humanos em condições precárias. De cinquenta artigos iniciais, Beecher publicou apenas vinte e dois, nos quais são mostradas pesquisas desenvolvidas com recursos de instituições governamentais e de empresas de medicamentos, nos chamados “cidadãos de segunda classe”: deficientes mentais, internos em instituições de caridade, idosos, recém-nascidos, presidiários, pacientes psiquiátricos e toda a sorte de pessoas que não tivessem capacidade de apresentar uma postura moralmente ativa perante o pesquisador e à pesquisa (DINIZ; GUILHEM, 2008, p. 17). Beecher observou ainda que 25% das pesquisas que envolviam seres humanos e foram publicadas no ano de 1964 em uma conceituada revista cientifica, continham maus tratos ou violação ética tanto em relação aos pacientes quanto em relação aos protocolos. Após a Guerra manteve-se a visão ética utilitarista para justificar os experimentos científicos em humanos. De certa forma, isso se justificava pois os possíveis benefícios eram considerados muito maiores que os óbvios prejuízos, e também porque não existiam argumentos sociais contrários a tais práticas éticas na pesquisa científica (DINIZ; GUILHEM, 2008, p. 22). Além de todas as falhas apontadas, Beecher apresentou outra informação relevante: dos cinquenta artigos selecionados inicialmente para estudo, apenas dois demonstravam terem cumprido o protocolo de pesquisa, juntamente com o termo de consentimento dos participantes. Frente a isso Beecher, sugeriu que todas as experiências científicas que envolvessem seres humanos deveriam conter o termo de consentimento e o compromisso do pesquisador de agira de forma responsável. Esse levantamento mostrou que a imoralidade não estava apenas nos campos de concentração nazistas (DINIZ; GUILHEM, 2008, p. 23). No ano de 1926, o prefeito de Londres, Charles Hume, criou a University os London Animal Welfare Society (ULAWS), que mais tarde viria a ser chamada de Universities Federation for Animal Welfare (UFAW), baseado no princípio de que o “problema animal deve ser resolvido com uma base científica com o máximo de simpatia mas um mínimo de sentimentalismo” (FEIJÓ, 2011, p. 27). Com o desenvolvimento desses acontecimentos surgiu a teoria do bem-estar animal, que concebe que os animais possuem interesses contudo, aceita também que este bem-estar pode ser suprimido em favor de pesquisas com metas definidas que vise o bem dos homens e até mesmo dos animais. Esta teoria possui diversas vertentes, mas no geral todas concordam que a exploração animal deve ser feita humanitariamente e que os animais não podem ser submetidos ao sofrimento desnecessário (FEIJÓ, 2011, p. 27). A exigência da aplicação de uma conduta ética e moral no trato com os animais utilizados em pesquisas cientificas torna essencial a aplicação de uma prática que respeite os princípios bioéticos e também observe uma conduta mais “humana” na manipulação e na intervenção nos animais sujeitos a esses procedimentos. 3.2. Teoria dos 3 “erres” No ano de 1959, surgiu na Inglaterra o conceito dos Três Rs – reduce, refine, replace, advindo de um livro publicado pelo zoólogo William Russell e o microbiologista Rex Burch, chamado The Principles of Humane Experimental Tecnique. Russell e Burch foram influenciados diretamente por Charles Hume, fundador da Universities Federation for Animal Welfare (UFAW) que tinha como propósito a busca de técnicas mais humanas nas experiências envolvendo animais (GREIF; TRÉZ, 2000, p. 66). Esta teoria é seguida até os dias atuais e aponta recomendações práticas para uma correta “utilização” de animais pelo homem. O primeiro “R” corresponde a redução

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(reduce no inglês), e propõe uma redução do número de animais nas pesquisas, que torna-se possível com uma boa performance técnica antecedente, colônias de animais geneticamente similares, além da implementação de biotérios com controle sanitário e genético. Outro “R” é o refinamento (refine), reporta-se às técnicas utilizadas para aliviar dor, desconforto, stress e distress dos animais, que demanda domínio da analgesia, da sedação e da eutanásia e um manejo correto dos animais por parte do pesquisador. E finalmente o terceiro “R” que refere-se ã palavra inglesa replace, que significa substituição, que aponta para a utilização de métodos alternativos na pesquisa no lugar de animais senscientes (FEIJÓ, 2011, p. 29).

Os argumentos que apresentam-se em favor da prática da utilização de animais em pesquisa são baseados supostamente na objetividade e racionalidade: a ciência precisa dos animais para progredir e encontrar cura para as doenças. Os posicionamentos que defendem as pesquisas com animais apoiam-se em ideologias que se afastam do contexto histórico e não levam em consideração o conteúdo não objetivo que existem nas escolhas não metodológicas realizadas na ciência. Parte-se de uma ideia de que a ciência avança tendo como características a neutralidade e um valor intrínseco e naturalmente superior às outras formas de conhecimento (MAGALHÃES; DARÓ, 2008, p. 231). Apesar do livro de Burch e Russel ter sido considerado genuíno e erudita e inúmeros pesquisadores e cientistas terem aprofundado a discussão, quando lançado o impacto foi pequeno. De fato os autores ficaram trinta anos sem se comunicar, até que passou a ser de interesse dos cientistas utilizarem seus ensinamentos, provavelmente pressionados pela opinião pública que passou a criticar de maneira severa a vivissecção (GREIF;TRÉZ, 2000, p. 67). Na década de setenta eventos importantes ocorreram, entre eles a queda significativa na Grã-Bretanha da utilização de animais em pesquisas laboratoriais, o que foi diretamente atribuído pela forte oposição publica à prática. A teoria dos Três Rs, serviu apenas para abrandar os ânimos sem cessar o lucro das indústrias, em especial da indústria farmacêutica (GREIF;TRÉZ, 2000, p. 68). A União Europeia já apresenta resultados práticos em virtude da adoção da Teoria dos Três Rs, o que de maneira nenhuma freou o avanço cientifico ou delegou para segundo plano a proteção à saúde do homem e do meio ambiente. As leis baseadas na Teoria definem que todos os projetos que utilizem animais devem ser sujeitos à revisão, afim de definir se a sua proposição é ética e cientificamente justificável. Contudo, aceita-se que em apenas alguns casos as alternativas podem dispensar por completo o uso de animais. A regra dos comitês pressupõe que se não pode ser justificada a necessidade da utilização de animais em determinada pesquisa, em nível cientifico e ético, a proposta do projeto deve ser rejeitada (GREIF;TRÉZ, 2000, p.72). Contudo a aplicação da Teoria dos Três Rs é ainda muito discutida uma vez que para alguns pesquisadores antivivisseccionistas ela é apenas uma forma de institucionalizar e revestir como correta a utilização de animais em pesquisas cientificas. Todavia alguns pesquisadores atestam que esta Teoria embasa as maiores evoluções no que se refere a novas politicas, à implementação de novas diretrizes e à definição de novos parâmetros que envolvam o desenvolvimento cientifico sem a necessidade da submissão de animais à experimentação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Com este artigo buscou-se elucidar de que forma o direito deve pautar as relações que envolvem animais utilizados em experimentação. Não existe a pretensão de dar respostas definitivas acerca do tema, mas levantar indagações que estimulem a fuga da inércia do pensamento. Assim sendo, várias são as conclusões possíveis deste trabalho. Ao tratar do aspecto histórico do uso de animais em pesquisas, percebeu-se uma demanda crescente na reflexão da relação homem-animal. Ainda, constatou-se uma tendência ao afastamento da ideia exclusivamente antropocêntrica, afim de reconhecer nos animais sujeitos passíveis de sentimentos e sentidos e, portanto, de tutela jurídica na condição de sujeito de direito. No que diz respeito ao campo da moral e da ética, constatou-se uma profunda reflexão acerca da posição do homem perante o animal submetido a experimentação e, a

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partir de tal perspectiva, observou-se que o direito contempla aparato normativo apto a contemplar direitos a outros seres que não sejam somente seres humanos senscientes.

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