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Migração, Saúde e Diversidade Cultural Elsa Lechner (organizadora) Proposta de publicação à Imprensa de Ciências Sociais Abril 2007 Migração, Saúde e Diversidade Cultural

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Migração, Saúde e Diversidade Cultural

Elsa Lechner (organizadora)

Proposta de publicação à Imprensa de Ciências Sociais

Abril 2007

Migração, Saúde e Diversidade Cultural

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Elsa Lechner (organizadora)

Índice

Introdução Elsa Lechner Capítulo 1 Elsa Lechner: O sofrimento dos migrantes e o trabalho de biografização. Uma alternativa à medicalização da experiência migratória. Capítulo 2 Cristiana Bastos: O medo dos imigrantes. Capítulo 3 Roberto Beneduce: Etnopsiquiatria e migração: a produção histórica e cultural do sofrimento. Capítulo 4 Laurence Kirmayer: Corpos, cérebros e pessoas em movimento: A psiquiatria cultural e as ironias da globalização. Capítulo 5 Chiara Pussetti: Psicologias indígenas: da antropologia das emoções à etnopsiquiatria. Capítulo 6 Paulo Granjo: Saúde, doença e cura em Moçambique. Capítulo 7 Sushrut Jadhav: Círculos do desejo: Alianças eróticas na mitologia indiana e implicações na prática clínica. Capítulo 8 Marie-Rose Moro: Por uma clínica transcultural ao serviço de uma política de acolhimento e cuidados de saúde. Reflexões a partir da experiência francesa. Capítulo 9 Inês Silva Dias: Dar face a um projecto.

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Chiara Gemma Pussetti Capítulo 5

Psicologias Indígenas: da antropologia das emoções à etnopsiquiatria

O propósito deste texto é propor uma reflexão crítica sobre o domínio que se define

habitualmente como sendo “psicológico”, bem como sobre o que nós chamaríamos de

“psicopatológico”, analisando em profundidade o conceito de emoção1. Este itinerário

teórico interdisciplinar levar-nos-á a individualizar os pressupostos de base da

etnopsiquiatria. Como veremos, e como muitos autores pertencentes às perspectivas

teóricas da antropologia médica e da etnopsiquiatria já sublinharam2 as pesquisas em

psiquiatria transcultural tenderam a abordar o tema do estudo do Homem e das suas

manifestações disfuncionais a partir de uma imagem definida como sujeito, cujas

características teriam sido estabelecidas e fixadas irrevogávelmente em categorias chave da

medicina ocidental.

Trata-se de definições que são próprias a um sector profissional que tem uma

representação precisa do indivíduo, considerada uma expressão científica de

demarcações naturais, único conhecedor de uma suposta “verdade biológica”, mas que

na realidade constitui uma forma particular de representação cultural, entre outras.

Nesta visão, o ser humano é considerado como composto por níveis sobrepostos: na

base encontrar-se-ia um sólido e uniforme substrato fisiológico e psicológico universal,

“núcleo duro” comum a todos os seres humanos; sobre esta base teria lugar a mudança,

a variabilidade, a multiplicidade de costumes. Nesta óptica, biologia e psicologia são

indisociáveis, consideradas subjacentes aos e determinantes de os aspectos sócio-

culturais. Todos os processos cognitivos, as emoções, as experiências de carácter

“psíquico” seriam assim invariantes naturais cujo carácter universal deixa pouco espaço

para uma contextualização socio-cultural. As emoções, nesta perspectiva, são

consideradas como algo que se situa no íntimo dos indivíduos, algo de pré-cultural,

ligado mais à memória filogenética do que à aprendizagem individual. Seriam

fenómenos naturais e biológicos de carácter não cognitivo, universais e inatos. Neste

sentido, as ciências da psique ocidentais - por definição construídas em torno de

1 Este artigo resultou de uma discussão com o amigo e colega Francesco Vacchiano, que me permitiu estabelecer uma relação entre o meu mais amplo trabalho sobre antropologia das emoções e as perspectivas teóricas da etnopsiquiatria. Fonte preciosa de inspiração foram também as contribuições de Good e Kleinman (1985), Despret (2002), Beneduce (1997, 1998), Beneduce e Collignon (1995). 2 Eentre outros, Devereux 1973; Kleinman 1980, 1987, Good e Kleinman 1985; Good1994; Coppo 1996; Beneduce 1998, 2002; Vacchiano 1999.

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presumíveis universais - admitem com dificuldade que haja dinâmicas de mudança,

múltiplos significados potencialmente discordantes, ou outras teorias do indivíduo, das

emoções e da cura. Propondo-se como científicas, elas relegam os outros saberes e

técnicas que tratam de emoções, desvios, aflição ou loucura para a categoria de “etno-

medicinas”, psicologias folk, psicologias indígenas, etnopsicologias, psicologias

culture-bound.

Este paradigma, que considera a emoção como um fenómeno universal, enquanto pré-

cultural e inato, e que vê na doença um evento absoluto, de objectiva naturalidade,

encontra-se subvertido pelos dados e pelas reflexões antropológicas, que o colocam num

âmbito de pertinência mais limitado, confinando-o à esfera de influência dos nossos

códigos e das nossas categorias (mesmo admitindo que estas também possam ser pensadas

como uniformemente "ocidentais"). Nesta perspectiva, seria preciso considerarmos a

psicologia e a psiquiatria ocidentais, também, como etno-psy ou psicologias locais,

indígenas, na medida em que se organizaram e instituiram no interior de um determinado

contexto histórico-cultural. Esta observação obriga-nos a efectuar uma rápida reflexão

sobre a utilização acrítica das categorias e dos quadros interpretativos da psiquiatria mesmo

com pretensões de transculturalidade. Podemos partir de uma afirmação de Tobie Nathan,

que contrapõe a etnopsiquiatria, no sentido de George Devereux, à psiquiatria transcultural:

Car si, conformément aux indications de G. Devereux, j’ai conservé le terme " ethnopsychiatrie " (quoique n’étant pas psychiatre), c’était pour préserver l’originalité du domaine, notamment par rapport à la psychiatrie transculturelle, surtout américaine. La psychiatrie transculturelle est, du point de vue méthodologique, en quelque sorte le symétrique de l’ethnopsychiatrie. Elle se veut une psychiatrie que l’on pourrait dire " culturellement éclairée " — mais une psychiatrie avant tout! Elle utilise les apports anthropologiques pour rendre la psychiatrie possible avec des populations que peu de choses dans leurs traditions prédisposaient à ce genre de pratiques. En vérité, cette psychiatrie consacre un lien entre anthropologie et conquête puisqu’elle demande à l’anthropologie de lui fournir les savoirs qui lui permettront de percer les défenses que ces populations opposent aux pratiques psychiatriques (Nathan 2000)

De facto, se analisarmos melhor esta afirmação muito forte de Nathan, o termo

“etnopsiquiatria” significa quase o contrário de “psiquiatria transcultural”. Por esta última,

entende-se uma psiquiatria adaptada de forma a “atravessar” as culturas, demonstrando

eficácia também em sociedades diferentes, sem no entanto pôr em causa o conjunto de

saberes e certezas da psiquiatria ocidental – e principalmente a hipótese de um presumível

núcleo biopsíquico universal. Dado este pressuposto, o terapeuta limita-se a traduzir os

comportamentos, as palavras e os sintomas dos pacientes nos seus próprios códigos

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nosográficos. Nestes termos a psiquiatria, enquanto disciplina “ciêntífica”, baseada no

pressuposto da unidade biopsíquica dos seres humanos, parece exercer a pretensão de

poder impôr a sua hegemonia a qualquer latitude, reproduzindo imperturbavelmente os

seus desígnios, através da autoridade dos seus manuais, das suas categorias diagnósticas,

dos seus modelos terapêuticos (Beneduce 2000). A cultura segundo esta visão só pode

influenciar, atenuar ou regulamentar a expressão das experiências emotivas universais

através de regras de exibição locais. Ou condicionar a interpretação destas mesmas

experiências universais através dos “óculos opacos” das crenças locais.

No decorrer deste ensaio veremos de facto como em princípio cada sociedade tem as

suas próprias emoções e as suas doenças, que, nesta perspectiva, não podem mais ser

consideradas formas puras, universalmente definidas e imutáveis, objectos naturais, como

pretenderia o paradigma biomédico hegemónico. Representações diferentes das emoções,

da pessoa, do corpo, estão na base de horizontes nosológicos diversos, de experiências

diferentes da aflição, do mal-estar e da cura. Torna-se assim necessário abandonar

pretensões de universalidade e aceitar a presença simultânea de outros saberes baseados

em diferentes definições do indivíduo, da normalidade e da anomalia, e em interpretações

e representações alternativas da saúde, do sintoma, da doença e da cura. Como veremos,

analisando o discurso científico ocidental sobre a emoção que se encontra na base da

“nossa” etnopsicologia, os enunciados da cura baseiam-se sempre - não apenas para serem

eficazes, mas mais especificamente para poderem subsistir - numa prévia concepção

específica do homem e das suas relações com o contexto de definição (numa antropologia

ou psicologia implícita ou indígena)1.

Seguindo a pergunta que Kleinman (1980) coloca a si mesmo: “como poderia um

médico tradicional chinês curar sem ter em conta a teoria dos desequilíbrios entre

elementos yin e yang, da desarmonia das cinco fases evolutivas (fogo, água, madeira, metal,

terra), do bloqueio da circulação da essência vital ki?”, podemos-nos perguntar também:

como conseguiria um djambacusse guineense tratar um paciente sem se apoiar numa

representação da pessoa como ser aberto totalmente permeável às influências e às

emoções dos outros, ou se não tivesse presente a complexidade das relações entre os

homens e os espíritos e as vias que estes espíritos percorrem para se introduzirem num

corpo e o possuírem? Como poderia a sua cura surtir efeito se não fosse suportada por

1 Kleinman pôs o acento, através do conceito de explanatory model, na conexão entre modelos da doença e representações do homem numa certa sociedade, enfatizando assim o papel da cultura ao plasmar, ao mesmo tempo, o indivíduo e as formas do seu mal-estar (Kleinman, 1980).

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uma teoria que conjuga psicologia com fisiologia humana incluindo como aspectos do seu

processo pensamentos, sentimentos, desejos, e consequentes efeitos sobre o corpo?

A partir destas premissas conceptuais, centraremos a nossa atenção na “depressão”,

como caso exemplar de uma “patologia” estreitamente relacionada, no léxico

psicológico ocidental, com as emoções. Entre as assim chamadas “patologias do

humor”, trataremos da depressão como categoria emblemática das nossas disciplinas da

psique: o que importa aqui, onde a depressão é considerada uma epidemia e uma das

doenças que tem o major custo social; aqui, onde nasceu, na cultura judaico-cristã, a

mais articulada e elaborada concepção da dor moral e onde os produtores de

antidepressivos contribuem para a formação dos clínicos, colocar seriamente o

problema do que é a depressão? Pode ou não ser considerada uma síndrome universal,

bem sabendo que até aos anos cinquenta a depressão também no Ocidente não era

considerada uma doença? A antropologia das emoções ofereceu neste sentido um

importante contributo, analisando os discursos sobre emoção, subjectividade, self e

doença ao longo do tempo2. A questão da tristeza e da depressão foi objecto de

diferentes estudos históricos. Jackson (1986), como também Harré e Finlay-Jones

(1986), concentraram-se na difícil tarefa de acompanhar o desaparecimento da emoção

chamada acídia e o significado da “obsoleta” melancolia, dois conceitos precursores de

“depressão” fundamentais na época medieval. Sontag (1978) afirmou que o movimento

romântico do século dezanove chegou a celebrar a individualidade também através de

uma visão da tristeza como sinal de requinte, como uma qualidade que torna a pessoa

que sofre “interessante”. O surgir do individualismo trouxe consigo a celebração da

diferença; uma das maneiras através das quais os novos indivíduos podiam distinguir-se

dos outros através da concentração de sentimentos definidos como aspectos de

personalidade. Radden (1987) estendeu esta argumentação ao ponto de afirmar que a 2 Entre outros, Cancian 1987; Gardiner, Metcalf, Beebe-Center 1970; MacFarlane 1987; Stearns, Stearns 1986).

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melancolia era vivida principalmente pelos homens, e era um sentimento bastante

valorizado socialmente. A autora afirma que o correspondente discurso moderno sobre a

depressão difere no facto de individuar as mulheres como as que sofrem, bem como no

representar a síndrome de forma mais inequivocavelmente desviante, inadequada, e

médica na sua natureza3.

Estas reflexões podem-nos levar à perturbadora afirmação de Kleinman: “a síndrome

depressiva é uma categoria cultural construída pelos psiquiatras ocidentais para adaptar às

suas próprias exigências um grupo homogéneo de pacientes” (Kleinman, 1977:3).

Este percurso tortuoso entre a antropologia das emoções e as premissas teóricas da

etnopsiquiatria mostra como cada definição patológica, e por maioria de razão psico-

patológica, tem que ser considerada como culturalmente específica (e portanto culture-

bound). O olhar antropológico sobre as emoções e sobre a doença revela a natureza política

e social do nosso saber mais certo, bem como de aspectos que podem ser considerados

íntimos e naturais, como as emoções, a doença, os sintomas, as sensações corpóreas. Pôr

em prática estas reflexões na clínica etnopsiquiatrica é epistemologicamente revolucionário.

O estabelecimento de um quadro interpretativo específico - depressão e não feitiçaria,

alucinação e não possessão - não tem que ver com o desvelamento de uma verdade

objectiva biológica, mas evidencia a intervenção de uma hegemonia na definição de

critérios universais para decidir o que é doença e o que não é.

O que é uma emoção? What is an emotion? A pergunta que William James colocava a si

próprio há mais de cem anos atrás na revista filosófica Mind (1884), parece não ter ainda

encontrado uma resposta satisfatória. Apesar da grande florescência, em diferentes campos

do saber, de respostas sobre a natureza, os elementos constitutivos, os factores envolvidos

e a classificação das emoções, ainda não foi alcançado um acordo sobre a sua definição e

não é demasiado ousado afirmar que existem tantas definições quantos os estudiosos que 3 Esta mudança poderia ter uma ligação com o geral processo de medicalização e normalização que caracteriza, na análise de Foucault (1978), a idade moderna.

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se ocuparam deste argumento. Parece que todos sabem o que é uma emoção, até ao

momento em que é pedida uma definição certa4.

Um dos elementos distintivos das emoções é o facto delas serem um conjunto de

estados psicofísicos com características diferentes, difíceis assim de individuar e definir ao

nível conceptual.

A própria ideia de emoção poderia revelar-se inútil como categoria científica, uma vez

que não constitui o que os filósofos da ciência chamam uma classe natural, “a natural kind”

(Rorty 1980: 104-105; de Sousa 1986: 19, 185), ou seja um conjunto homogéneo de

elementos através dos quais se podam avançar generalizações explicativas e de previsão.

A literatura disponível sobre as emoções mostra como este termo é utilizado para

designar uma ampla constelação de fenómenos que torna o objectivo de estabelecer uma

definição unívoca difícil de conseguir. Em vez do conceito de “classe natural” parece assim

preferível a noção wittgensteiniana de “semelhança de família”. À falta de um quid

substancial definido, diria Wittgenstein, somos nós que traçamos os limites (Wittgenstein

[1953] 1980: 48).

Apesar da maior parte dos psicólogos considerar como certa a existência de um

equivalente, em todas as línguas, de “emoção” considerando-a assim uma experiência

universal, em algumas culturas este conceito não corresponde a uma categoria autónoma.

Antes traduz outras formas de experiência relacionadas com outros aspectos da realidade5.

Diferentes definições do conceito de pessoa revelam como frequentemente as distinções

“ocidentais” entre corpo e mente, pensamento e sentimento, privado e público, se revelam

pouco apropriadas6. Do mesmo modo, outras culturas podem englobar numa mesma

4 As definições propostas no campo filosófico-psicológico parra definir o conceito de “emoção” são numerosas, mais de cem. A variedade e o número de definições é um dado que reflecte uma incerteza teórica, que acaba por ter efeitos negativos na pesquisa empirica. 5 A palavra “emoção” não tem equivalente nas línguas dos Papua da Nova Guine (Hallpike 1979; Poole 1985), dos Aborigenes australianos (Hiatt 1978), dos Ifaluk da Micronésia (Lutz 1986), dos Chewong da Malesia (Howell 1981) e, também, dos Bijagós da Guiné Bissau (Pussetti 2005). 6 É o caso dos Giriama (Parkin 1985: 143-46) e dos Maori (Salomond 1985: 246-47).

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categoria aquilo que nós consideramos como emoções distintas7, ou podem ainda

identificar emoções particulares e originais que não encontram uma correspondência na

nossa classificação emocional. Este é, por exemplo, o caso da palavra japonesa amae, que

pode ser explicada como uma dependência agradável, um abandono passivo às atenções de

uma outra pessoa, pela qual se sente ao mesmo tempo medo e admiração; do termo javanês

sungkan, que se refere a um sentimento de gentileza respeitosa perante uma pessoa de classe

superior, uma atitude de controlo, de repressão dos próprios impulsos e desejos, de modo a

que não seja perturbado o equilíbrio emocional da pessoa espiritualmente mais elevada.

Também a relação entre corpo e emoção, que pode parecer evidente ao nível da

experiência, não é um universal: muitas culturas, de facto, colocam o locus das emoções

longe da experiência individual, dissociando-o dos sujeitos humanos e localizando-o em

agentes externos8.

Os antropólogos contam-nos como outros povos sentem emoções que nós não

experimentamos e como algumas das emoções que conhecemos, e que tínhamos julgado

universais, são desconhecidas noutros lugares, por exemplo a ira entre os Esquimós Utku.

As nossas próprias interrogaçõe sobre as definições, não têm qualquer sentido para

membros de outras culturas. as nossas emoções, que para nós são tão intimas, evidentes,

naturais, biológicas, irreprimíveis, autênticas, constituem-se para outros de forma

absolutamente diferente. À luz deste efeito de contraste, começamos a perceber que na

realidade estas características constituem a maneira pela qual nós construímos as emoções: a

natureza torna-se o que, para nós, se cultiva; a autenticidade o que se constrói; a

universalidade o que nos distingue. O confronto com diferentes sistemas de conhecimento e

7 Muitas línguas africanas assimilam num único termo “tristeza” e “raiva” (Leff 1973: 301); em chinês é utilizada a mesma palavra para indicar “preocupação”, “tensão” e “ansiedade” (Leff 1977: 322); “raiva”, “ira” e “fúria do combate” são assimilados no mesmo termo marah na língua malaia (Boucher 1979: 171); a expressão ilongot liget significa ao simultaneamente “raiva” e “inveja” (Rosaldo M. 1980: 44-47). 8 Segundo Hallpike, «os estados mentais e os sentimentos são muitas vezes considerados noutras culturas como externos à pessoa e como entidades cuja existência é independente do facto de ser vivenciado fisicamente ou pensado» (1979: 402). Exemplos desta externalização das emoções são reportados nas pesquisas de Simon e Weiner sobre a Grecia homérica (1966: 307) e de Lienhardt sobre os Dinka (1961:149).

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maneiras de conceber a relação entre emoção, pensamento, corpo e sociedade, sublinha

assim que cada conceito de emoção é uma construção ideológica, específica e não

universalizável, conexa a teorias locais e a uma epistemologia própria a um específico

panorama histórico-cultural.

Tentemos, assim, reflectir sobre o “nosso” conceito de emoção. Encontramos as raízes

etimológicas do termo “emoção” no latino e-movere, que originariamente significa “fazer

sair”, “deslocar-se”, mas também (em sentido figurado) “perturbar”, “chocar” (mens emota,

“mente perturbada”). A utilização desta palavra, com o significado que nós lhe atribuimos,

remonta todavia a pouco mais de trezentos anos atrás: as primeiras referências encontram-

se na primeira metade do século XVI (o francês émotion, de émouvoir, “pôr em movimento,

excitar”) e são utilizadas para designar turbulências atmosféricas. No século seguinte este

vocábulo é, pelo contrário, utilizado para designar estados de “agitação popular”. É só mais

ou menos na metade do século XIX que, num sentido metafórico, é empregue para

descrever um estado de perturbação psicológica, assumindo então o significado actual. O

termo utilizado antes do século dezoito para referir movimentos do espírito, era o de

paixão, do grego Aάθος (Aάσχω subir, tolerar, sofrer, estar influenciado por) do qual deriva o

latino patior (suportar, penar, ser passivo). Na base deste conceito há, assim, uma ideia das

paixões como forças pelas quais os seres humanos são dominados, de uma maneira

relativamente independente da sua vontade. Uma coisa, por outras palavras, que nos

acontece, que explode dentro de nós, paralisando-nos ou ameaçando fazer-nos perder o

controlo.

Daí a longa tradição de pensamento que coloca as emoções no interior dos corpos, na

esfera privada e incognoscível das pessoas, em contraposição com o reino público da

Razão. Desde a época dos Estóicos, passando pela Escolástica e até Descartes, muitos

teóricos sublinharam o facto de existir uma estreita ligação entre necessidades do corpo,

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instintos e emoções. Estas seriam portanto consideradas como uma ameaça à liberdade e à

serenidade das actividades racionais mais propriamente humanas.

Catherine Lutz (1990), figura central da antropologia das emoções, mostrou como as

teorias académicas ocidentais sobre as emoções se baseiam numa série de dicotomias, no

interior de um sistema de valores que considera a razão como sendo superior (objectiva,

ordenada, mental, cultural) e as emoções como inferiores (subjectivas, caóticas, corpóreas,

naturais). A emoção é concebida de facto por contraposição à razão, assim como o coração

à cabeça, o irracional ao racional, o impulso à intenção, a vulnerabilidade ao controlo, o

caos à ordem, o natural ao cultural, o privado ao público, o moralmente ambíguo ao

eticamente responsável, a criança ao adulto, o feminino ao masculino e assim

sucessivamente. Estas dicotomias banalizam a natureza complexa das emoções e,

contrapondo conhecimento objectivo à esfera privada subjectiva, deram origem a uma série

de problemas metodológicos que excluiram as emoções do campo das ciências sociais. Esta

marginalização das emoções pode ser reconduzida também a uma concepção filosófica que

as considera como sobrevivências do animal no humano, ou, de qualquer maneira,

fenómenos naturais e biológicos de carácter não cognitivo, universais, inatos e assim não

interessantes nem acessíveis aos métodos da análise cultural.

Somente no decurso do século dezanove, as emoções parecem deslocar-se do âmbito

das especulações filosóficas sobre o espírito humano para campo da biologia, tornando-se

um argumento digno de ser estudado cientificamente. Estes estudos partilhavam todavia

uma concepção da emoção como fenómeno não cognitivo e involuntário, que apesar de

susceptível à influência da inteligência, da linguagem e da cultura, não era dependente

destes factores complexos e historicamente condicionados. Entre os pensadores que

inauguraram a concepção científica das emoções, encontram-se Charles Darwin, William

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James, Walter Cannon e Sigmund Freud9. O que em síntese une a posição destes teóricos é

uma visão das emoções como algo de interno aos indivíduos e conexo a uma base genética

hereditária e universal.

Alguns teóricos contemporâneos, tornando própria esta visão, continuam a defender a

tese da existência de um conjunto de emoções fundamentais, inatas e transmitidas

geneticamente, definidas por expressões faciais universais. Estas emoções, definidas como

básicas ou primárias, seriam o resultado de um processo evolutivo, que seleccionou

sistemas comportamentais aptos a mobilizar de maneira veloz e eficaz os recursos do

organismo face às solicitações do ambiente. Características principais das emoções

primárias seriam a rapidez com que surgem, a duração relativamente breve de cada

episódio, a continuidade - em linha filogenética - entre o comportamento expressivo animal

e humano, e a associação com expressões faciais inatas e universais, apesar de serem

susceptíveis de regulação cultural. Paradoxalmente, os estudiosos que defendem a

existência de emoções primárias imediatamente manifestas ao nível fisiológico não

conseguem chegar a um acordo, nem sobre quantas e quais são, nem sobre os critérios

utilizáveis para as definir10.

Estas teorias, geralmente definidas como universalistas ou inatistas, caracterizadas por

influências de tipo etológico e neurobiológico, dominaram por muitos anos o campo das

pesquisas psicológicas e são representadas de maneira emblemática pelos clássicos estudos

neuroculturais de Paul Ekman sobre os movimentos faciais (Ekman 1980a, 1980b, 1984).

Nestes trabalhos Ekman tentou identificar a correlação entre um grupo limitado de

expressões faciais universais e um conjunto definido de “emoções básicas”. Os

antropólogos criticaram duramente a metodologia utilizada por Ekman e pelos

9 Plutchik 1980a, [1994] 1995; Plutchik e Kellerman 1980, 1983, 1986; Ekman e Scherer 1984; Jenkins e Oatley 1996; Strongman 1996; Galati 2002. 10 Tomkins (1962) e Ekman (1992) indicam seis emoções de base (ira, medo, tristeza, felicidade, desgosto e surpresa); Plutchik (1980b) oito (aceitação, ira, antecipação, desgosto, felicidade, medo, tristeza, surpresa); Schaver, Schwarz e outros (1987) cinco (medo, surpresa, felicidade, ira, tristeza). Kemper (1987) afirma que são (medo, ira, depressão e satisfação; Izard (1977) onze (felicidade, surpresa, ira, medo, tristeza, interesse, culpa, vergonha, amor, solidão, indiferença) e Frijda (1986) chega a propôr dezassete emoções básicas.

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pesquisadores que partilharam da sua orientação teórica, censurando-os por terem

seleccionado artificialmente algumas emoções “purificadas”, segundo critérios apriorísticos;

de terem submetido desenhos estilizados ou fotografias de caras, abstraídas de qualquer

contexto, a conjunto restrito de pessoas, sem terem em conta as eventuais diferenças de

género, idade e posição social; de se terem baseado numa identificação mecanicista entre

movimento muscular e emoção propriamente dita, descuidando o ponto de vista dos locais,

o contexto e as circunstâncias da experiência emotiva; e, por fim, de terem fornecido uma

tradução não crítica dos termos emocionais ingleses noutras línguas.

Embora ainda não sejamos capazes de formular uma teoria exaustiva sobre os

processos fundamentais envolvidos na geração das emoções, nos últimos decénios as

neurociências contribuíram para uma melhor compreensão dos mecanismos de base e dos

circuitos neuronais que controlam as respostas emocionais. Estudos recentes de

neurobiologia confirmam que o cérebro humano não é um órgão definitivamente formado

no momento do nascimento, mas pelo contrario uma entidade dinâmica, modelada pelo

ambiente e pela experiência individual e capaz de criar continuamente novas conexões

entre as suas células. Esta característica é geralmente denominada “plasticidade”, noção que

ocupa hoje um lugar central no âmbito das neurociências11.

Já nos anos setenta Clifford Geertz se referia à opinião de antropólogos físicos e paleo-

antropólogos, segundo os quais a cultura não era só um ornamento da existência humana,

mas uma condição essencial, ao ponto de o cérebro e em geral o sistema nervoso humano

precisarem de um ambiente sócio-cultural para poderem funcionar (Geertz [1973] 1987: 89,

113). Esta perspectiva encontra-se ligada à teoria do Homem como ser “incompleto”12 que

precisa, no decurso da sua vida, aprender capacidades e conhecimentos que não são

fornecidos pelo seu aparelho instintivo. Contrariamente aos outros animais, que são

11 Gollin 1981; Changeux 1983; Edelman 1987; Mascie-Taylor e Barry 1995; Gazzaniga, Ivry e Mangun 1998; Olivero 1998; Favole e Allovio 1999: 169-208; Robertson 1999; Perry 2000. 12 A tese do carácter incompleto ontológico do ser humano encontra entre os seus precursores pensadores como Montaigne, Herder, Nietzsche, Gehlen.

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geneticamente munidos dos instintos necessários à sua sobrevivência e à sua adaptação, o

ser humano, nos primeiros meses ou anos de vida, é um organismo prematuro, aberto,

disponível, maleável, indefeso, incompleto física e psicologicamente. Justamente em virtude

desta sua indeterminação, o horizonte do recém-nascido é imenso, aberto a qualquer

solicitação. Será a educação, suprindo a falta de orientações genéticas precisas, a desbastar

este imenso campo de possibilidades a favor de uma relação particular com o mundo que

ele tornará própria de uma maneira completamente pessoal.

De facto, o cérebro humano desenvolve-se também depois do nascimento e o

crescimento neuronal irá continuar durante os primeiros anos de vida; só depois começará

a apresentar os primeiros sinas de decréscimo. O isolamento natural do córtex cerebral e as

conexões de mielina que crescem entre os cilindro-eixos, permitindo uma condução

eficiente de impulsos eléctricos, não se formam totalmente antes dos seis anos de vida.

Somente na altura da puberdade se poderá dizer que a maturação física do cérebro humano

é completa, mesmo se o desenvolvimento neuronal irá continuar por toda a vida. Esta

combinação de nascimento prematuro e desenvolvimento retardado significa que pelo

menos três quartos do cérebro humano se desenvolvem fora do útero, em relação directa

com o ambiente externo. Pode-se falar assim de um “cérebro ecológico ou cultural”,

dependente ao longo de toda a vida da relação com o ambiente (Shore 1996: 3, 5). O nosso

cérebro e os nossos sentidos ressentem-se fortemente da interacção com a sociedade,

tendo de se adaptar às suas possibilidades e limites. Tal como os músculos das pernas e o

sentido do equilíbrio dum bebé que aprende a dar os primeiros passos têm que se equilibrar

para sustentar o corpo da maneira apropriada sobre um terreno complexo e mutável, assim

os sentidos humanos têm que apreender a “ler” o ambiente físico e cultural.

Esta interacção opera uma selecção entre possibilidades originais e causa uma redução

da plasticidade, em favor da aquisição e da estabilização de determinadas conexões em

detrimento de outras. Neste processo, o ambiente, a cultura e as experiências individuais

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desempenham um papel determinante. Durante o processo de crescimento, enquanto o ser

humano aprende a gerir o mundo à sua roda e a conservar relações sociais, algumas

conexões serão mantidas e outras eliminadas. A aculturação desempenha um trabalho

sistemático de selecção: o bebé adquire linguagem, gestualidade, percepções sensoriais e

sentimentos próprios da cultura corporal e afectiva específica do seu grupo13.

Um exemplo da acção incisiva e selectiva da cultura na formação das sinapses e das

redes neuronais encontra-se no estudo da aprendizagem da linguagem. Como se sabe, o

bebé produz e reconhece uma superabundância de sons, dos quais só alguns se encontram

no adulto. Patricia Kuhl (1998, 1999), retomando uma teoria avançada por Lévi-Strauss

([1949] 1967: 109-110), afirma que os recém-nascidos são universalmente capazes de

reconhecer com precisão sons que os adultos já não distinguem, mas começam a perder

esta capacidade à medida que vão adquirindo uma língua particular. Quando o bebé supera

o momento de porosidade muito especial, muitas vezes definido “período crítico” e que se

situa entre os dezoito meses e os três anos de vida, o cérebro ficará cada vez menos

plástico e não lhe será mais possível aprender uma língua com a mesma facilidade. Os

centros cerebrais ligados à linguagem parecem não poder atingir plena maturidade sem um

estímulo adequado durante o período apropriado. Se um bebé não for inserido neste

período num ambiente onde uma dada língua é utilizada, no futuro não poderá, nem se

solicitado por uma educação intensiva, adquirir e utilizar uma língua com competência.

Pode-se conjecturar um processo de aprendizagem semelhante também para o

desenvolvimento ontogénico de uma configuração afectiva específica. Muitos trabalhos

demonstraram que, apesar de existirem potencialidades emocionais em todos os seres

humanos desde o nascimento, estas permanecem como tal enquanto não forem

organizadas pela experiência que as transforma em comportamentos emotivos efectivos.

13 Este modelamento manifesta-se nas áreas do cérebro mais “humanas”, as duas grandes expansões do lobo frontal e da parte anterior do lobo temporal, que são provavelmente as estruturas neurológicas mais plásticas existentes, capazes de assumir formas diversas (Damásio 1997: 111).

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Por outras palavras, o comportamento emocional não é mais determinado por elementos

inatos do que a linguagem. Já Hildred Geertz, antecipando de uns decénios estas reflexões,

afirmava que na socialização se assiste a um processo de especialização emocional através o

qual o bebé aprende «certos estados afectivos que constituem uma selecção entre toda a

gama de potenciais experiências interpessoais e emocionais» (1959: 225). Do mesmo modo

Clayton Robarchek (1979) afirmou a existência nos nasciturnos, de uma «generalized arousal

reaction», ou seja de um estado genérico e indiferenciado de excitação fisiológica, que

constitui a matéria bruta ou o fundo biológico universal sobre o qual operam as

experiências de socialização emocional. Outros pesquisadores (Fridlund 1994; Fogel 1993,

2001) sublinharam que também para as expressões emocionais, os aspectos inatos

consistem somente em disposições ou facilidades de aprendizagem de sinais expressivos,

cuja verdadeira estruturação ocorre através do contacto com os care givers. A estrutura

muscular da cara de um bebé oferece-lhe a possibilidade de um número altíssimo de

combinações motoras, entre as quais são seleccionadas alguns grupos de combinações que

adquirem um significado comunicativo.

Segundo estudos recentes de neurobiólogos e psiquiatras, também as emoções que

parecem ser naturais e inatas, precisam de um ambiente humano para se desenvolverem

correctamente (Lazarus, Coyne e Folkman 1984: 230). Ao nível orgânico, as áreas do

cérebro que são importantes para a experiência e a expressão das emoções são as áreas

associadas ao comportamento social (Emde 1984; Pribram 1984; Jenkins e Oatley 1996:

135). A relação do córtex prefrontal com a gestão das relações sociais e com o

desenvolvimento dos comportamentos emocionais resulta também de pesquisas de tipo

filogenético. O crescimento surpreendente do cérebro humano, em particular do córtex

cerebral nos últimos cinco milhões de anos, e em particular o aumento dos lóbulos frontais

em proporção ao resto do cérebro, derivam não tanto do desenvolvimento de habilidades

técnicas (como a construção de instrumentos), mas das numerosas e complexas relações

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sociais tecidas ao longo do tempo. As relações das quais falam os neurobiólogos são

claramente de tipo emocional. Em termos evolutivos a nossa capacidade de experiência e

de expressão emocional é de facto associada ao desenvolvimento de formas sempre mais

complexas de relação social: o nosso sistema afectivo não pode ser considerado assim

como um resíduo primitivo do nosso passado “animal”, suplantado depois pela “razão” no

decurso da evolução humana. Pelo contrário, as emoções desenvolveram-se e

especializaram-se com o aumentar das redes de relações sociais e da sua complexidade. De

acordo com esta perspectiva, compreendemos porque a evolução humana não deixou cair

em desuso, a favor da razão, a componente afectiva e emocional. Ou melhor, modalidades

afectivas e racional-cognitivas evoluíram em simultâneo, numa conexão funcional de tipo

não hierárquico: esta concepção da relação entre razão e emoção como sendo de integração

mais do que de subordinação, é uma das descobertas mais libertadoras da ciência etológica.

Uma teoria que se situa em marcada oposição justamente à principal dicotomia do

pensamento ocidental entre razão e emoção.

O comportamento social e emocional é controlado pelas mesmas áreas da parte

anterior do cérebro (prefrontal, anterotemporal e córtex órbitofrontal), dotadas de

grande plasticidade, e se amputadas impossibilitariam o comportamento, a expressão

facial e a vocalização14. É particularmente interessante o facto de ser o córtex prefrontal

que gere o comportamento social, afectivo e as “funções cognitivas elevadas”. Ele

preside assim à relação entre emoções, motivações e comportamento intencional. A área

prefrontal do córtex desenvolve-se por muitos anos até à adolescência (Laughlin 1989,

1991).

14 Exemplar o caso de Phineas Gage, o operário ao qual uma barra de ferro entrou entre os lobos frontais a seguir a uma exploção. Este incidente foi causa de uma dramatica diminuição das suas renspostas emocionais, duma grande dificuldade na gestão dos empenhos e das relações sociais quotidianas (Jenkins e Oatley 1996: 122).

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Segundo esta teoria, as emoções dos recém-nascidos não são controladas e definidas

enquanto o córtex não se desenvolve em contacto com o ambiente.15 Tucker e Frederick

(1989) descobriram que o lado direito do córtex tem conexões estreitas com a amígdala,

definida como «o computador emocional central do cérebro», ou «a principal entrada

sensorial para as as emoções» (Jenkins e Oatley 1996: 151; Plutchik [1994] 1995: 265). A

amígdala desenvolve-se durante a infância e precisa de estímulos sociais para se activar. De

facto, esta plasticidade pode mesmo ser uma arma de dois gumes: por um lado oferece a

possibilidade ao organismo que está a crescer de se adaptar da melhor forma possível ao

ambiente, por outro consente que condições negativas experienciadas nos primeiros anos

de vida podem ter consequências permanentes sobre o desenvolvimento emocional. Neste

período, de facto, as crianças não estão só biologicamente prontas a aprender e a ser

construídas pelos estímulos do ambiente social e pelas interacções com outras pessoas. O

desenvolvimento do cérebro das crianças precisa destes estímulos. O sistema limbico, por

exemplo, pelo menos nos três primeiros anos de vida é absolutamente dependente da

experiência. Na falta de estímulos sociais, o crescimento sináptico acabará, os circuitos

neuronais não se desenvolverão de forma adequada, não se estabelecerão conexões

adequadas entre as áreas diferentes do cérebro e a sobrevivência mesma dos neuronios será

posta em risco. Em particular, será gravemente coprometido o desenvolvimento das áreas

ligadas ao comportamento social e emotivo: a amígdala, o hipocampo, os núcleos sectal e

cingolato.

A criança, e o seu sistema límbico, necessitam de um contínuo estímulo social e

afectivo: esta necessidade é tão imperativa que nos primeiros anos de vida as crianças

procuram contacto social e afectivo também com mães que os recusam, maltratam ou

abusam fisicamente. Os estudos conduzidos pelo neuropsiquiatra infantil René Arped

15 As primeiras áreas que se desenvolvem são o tronco cerebral e o mesencefalo, que se ocupam de funções corpóreas essenciais à sobrevivência (respiração, digestão, excreção, termo-regulação), as assim chamadas “funções autónomas”. Todas as actividades de um bebé são controladas pela parte inferior do tronco encefálico e pelo miolo espinal. O córtex cerebral tem um papel insignificante na vida de um bebé.

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Spitz sobre os efeitos da separação em órfãos nos primeiros anos de vida, mesmo que em

orfanatos com boas condições higiénicas e alimentares, mas com estímulos afectivos

insuficientes, demonstram que a falta de proximidade pode causar consequências

emocionais sérias (Spitz 1945, 1949). Entre as quais, a clivagem da comunicação, atraso

motor, incapacidade de expressão e reacção emocional, letargia. Nas crianças privadas de

contactos emocionais no primeiro ano de vida, a situação é ainda pior: a mortalidade chega

aos 40% sem patologias em curso. Depois de dois anos, bloqueia o processo de

desenvolvimento, ao ponto que com quatro anos não conseguem andar, ficar de pé,

responder a estímulos afectivos nem falar. As pesquisas de John Bowlby nos anos setenta

testemunham que os bebés privados de contactos sociais e afectivos no primeiro ano de

vida apresentam uma deficiência permanente semelhante à causada por amigdelectomia

(amputação cirúrgica da amígdala) (Bowlby 1953, 1977; Rhawn 1999, 2000). Estas

constatações foram recentemente confirmadas por neuropsiquiatras que trabalham sobre o

desenvolvimento emocional de crianças crescidas em orfanatos em contextos limite, como

na China, na Colômbia e na Romenia.16 Como afirmou o antropólogo Clifford Geertz há

trinta anos atrás, poderíamos dizer que o nosso cérebro seria incapaz de dirigir o

comportamento sem a orientação fornecida pelos sistemas de símbolos significantes

([1973] 1987: 93).

Mas em que medida podemos dizer que a aculturação pode influir sobre o

desenvolvimento de uma plena maturidade emocional nos seres humanos? A esta pergunta

respondem a antropologia e a psicologia cognitivísta. O desenvolvimento emotivo resulta

da aquisição de “esquemas interpretativos” do significado das situações, culturalmente

específicos: são estes processos de avaliação (appraisal) que, atribuindo valor a um estímulo,

o tornam significativo para o indivíduo, e assim gerador de emoções. Ao mesmo tempo,

16 Gardner 1971, Skuse 1984, Thompson 1986, Fujinaga et al. 1990, Perry 2002, Johnson e Groze 1993, Kaler e Freeman 1994, Thurston 1996, Carlson e Earls 1997, Rutter et al. 1999, Rhawn 1999, Chugani et al. 2001, Browne, Johnson, Hamilton-Giachritsis 2006.

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tornam o indivíduo “emotivo”. A emoção é assim concebida como uma forma de resposta

não inata, mas dependente de processos de atribuição de significado que são influenciados

pela aprendizagem e pelas experiências individuais.

Se na perspectiva evolutivo-funcionalista dos universalistas, era reconhecida uma maior

eficácia causal aos antecedentes situacionais, entendidos como categorias universais de

eventos capazes de activar o processo emocional, na perspectiva cognitivista o papel causal

é atribuído aos processos cognitivos (perspectiva interpretativa). O significado e a

relevância dos estímulos activadores não são considerados como dados apriori nem como

características intrínsecas dos estímulos, mas como atribuídos a esses mesmos estímulos por

processos cognitivos de avaliação, profundamente influenciados pela cultura e mediados

pela actividade das estruturas neocorticais. Desta forma, os aspectos biológicos das

emoções não são negados, mas o desenvolvimento emocional é considerado como um

efeito da aprendizagem individual e da aquisição de modelos de comportamento

socialmente partilhados. Um dos maiores teóricos do appraisal é o psicólogo Richard

Lazarus (1982; 1984; 1991) que, a partir dos anos setenta, afirmou que o estudo das

emoções tem que considerar a cognição, motivação, adaptação e actividade fisiológica: a

sua teoria foi assim definida como «sistema explicativo cognitivo-motivacional-relacional».

Este autor afirma que a emoção depende da avaliação de um estímulo, ou seja, de um

processo cognitivo de atribuição de significado que considera os danos e os benefícios

pessoais existentes em cada interacção pessoa-ambiente. As emoções, na perspectiva de

Lazarus, não são simples respostas às solicitações do ambiente programadas geneticamente

e assim inatas, mas implicam uma elaboração complexa, mediada por actividades cognitivas

controladas pelos centros corticais superiores.

Nesta teoria, desenvolvida a partir do final dos anos oitenta por Ortony, Clore e Collins

(1988), as emoções são portanto explicadas segundo um princípio psico-cultural-biológico,

pelo o qual é biologicamente determinada a conexão entre o resultado de uma avaliação e a

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sua consequência emocional. Mas não o é o tipo de avaliação de uma certa situação, que

depende da personalidade individual, da aprendizagem e da cultura. Cada emoção deriva da

combinação de um grande número de formas de avaliação. Estas últimas são limitadas, mas

as combinações possíveis são numerosíssimas, tais como – consequentemente – as

emoções que podem causar. A universalidade das emoções, nesta perspectiva, é uma

hipótese insustentável: diferentes grupos humanos de diversas culturas podem de facto

reagir às situações e às solicitações do ambiente de uma maneira diferente, e podem sentir

diversas tipologias de emoções.

A recusa da noção de emoções primárias ou básicas não comporta também

necessariamente a recusa da ideia de que possam existir elementos de base que

constituem as diferentes emoções. Não existem todavia motivações para acreditar que

estes elementos sejam, por si só, emoções: provavelmente trata-se de elementos de

cognição, sensações e configurações de avaliação emotivamente significantes. Esta

perspectiva foi retomada e exposta com nitidez por Ortony e Turner (1990), com o

objectivo de deconstruir a ideia da existência de emoções primárias. Citando os autores:

“a melhor analogia que podemos fazer é entre emoções e línguas. Existem centenas de

línguas humanas e muitas outras seriam possíveis. Todavia, os linguistas não procuram

uma explicação, avançando a hipótese de um pequeno conjunto de línguas de base das

quais derivariam todas as outras línguas. Ao mesmo tempo, os linguistas reconhecem

que existem limites nas línguas possíveis e que existem elementos de base nas línguas,

assim, cada língua compreende subgrupos específicos de número limitado de elementos

constitutivos de base (por exemplo propriedades sintácticas e fonológicas). Ainda,

alguns dos limites encontram a sua raiz na natureza biológica dos indivíduos. Em

síntese, o que é básico são os elementos constitutivos das línguas, que não são

evidentemente línguas eles mesmos. Da mesma maneira temos que pensar as emoções”

(Ortony e Turner 1990: 329).

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As conclusões destes teóricos servem de base à perspectiva do construcionismo social

das emoções, que directamente ligada a Berger e Luckman (1966). As principais teses desta

teoria são enunciadas num livro organizado por Rom Harré, significativamente intitulado

The Social Construction of Emotions ([1986] 1992). Como para os cognitivístas, também para os

construtivistas sociais, a emoção resulta da interpretação e da avaliação de um estímulo, ou

seja de um processo de atribuição de sentido e valor. A emoção, contudo, segundo esta

tese, é considerada e explicada como um fenómeno social consistente numa série de

respostas aprendidas, que são necessárias para regular a interacção social entre os

indivíduos, e não tanto para salvaguardar a sua sobrevivência biológica. As emoções são,

então, consideradas como modelos de experiência adquiridos, constituídos por prescrições

e aprendizagens socioculturais, historicamente situadas e estruturadas na base de sistemas

de crença, da ordem moral, das normas sociais e da linguagem, próprias de uma

comunidade particular. Neste sentido as emoções são construções sociais, variáveis como

qualquer outro fenómeno cultural: por um lado, assim, não faz sentido falar de emoções

inatas e universais, idênticas através das culturas e através do tempo; por outro, não é

possível compreender as emoções dirigindo o olhar exclusivamente para o organismo físico

ou o indivíduo particular decontextualizado.

Também nesta perspectiva, as nossas emoções, enquanto resultado de uma avaliação

cognitiva de situações vividas, são formadas por estruturas interpretativas e directivas de

acção (modelos culturais ou linhas de conduta incorporadas) próprias de cada cultura. Estes

modelos ou esquemas culturais, que partilhamos com «pessoas que tiveram algumas

experiências como as nossas» (Strauss e Quinn 1997: 49), adquirem-se não através de

generalizações explícitas, mas através de experiências e participações repetidas. Como as

experiências de vida podem ser similares, mas nunca idênticas, e o ambiente ideológico e

cultural não é internamente coerente, mas apresenta mensagens em conflito, ambiguidades

e mudanças, o processo de “interiorização” é complexo. A ordem social de facto não é um

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master programmer, como a cultura não é “loaded in”, instalada em nós, como se fosse um

computador. A aquisição destes modelos portanto não é nunca uma pura réplica, que se

desenrola como a transmissão de um fax. O conceito de “interiorização” de Strauss (1997),

que evoca noções análogas como “embodiment” ou “incorporação”, pretende demonstrar,

por um lado, a importância do corpo, e por outro, da cultura.

Segundo as neurociências, estes modelos ou esquemas seriam compatíveis com a

estrutura neuronal, ou seja com a organização em conexões reticulares das células nervosas:

«a maior parte da estrutura dos nossos sistemas conceptuais depende em igual medida dos

nossos corpos e dos nossos cérebros, como do mundo que se encontra fora dos nossos

corpos» (Lakoff 1998: 118). A teoria das emoções do António Damásio insere-se neste

debate, apresentando-se explicitamente como anti-cartesiana, ou seja, não fundada sobre o

dualismo entre mente e corpo. O erro de Descartes, título do seu livro mais conhecido (1994),

consiste de facto em ter separado o corpo da mente, ou melhor, em ter “desmaterializado”

a mente e “desmentalizado” o corpo. Na opinião de Damásio, a emoção não pode ser

reduzida à actividade do cérebro: o autor apresenta portanto um modelo integrado da

actividade sinérgica do corpo e do cérebro, considerando as emoções como uma

combinação de actos de avaliação - baseados sobre uma competência social, que ele define,

com uma terminologia tradicional, “razão prática” - e de consequências somáticas. A

hipótese de Damásio é a de uma “mente incorporada” e de uma profunda continuidade

entre processos fisiológicos, emocionais e cognitivos: o objectivo é o de fornecer uma

explicação unitária do organismo através de uma “mentalização do corpo” e de uma

“somatização da mente” (Damásio 1994).

A teoria das emoções de Damásio fornece um suporte neurobiológico ao conceito de

mindful body, proposto pelas antropólogas Lock e Scheper-Hughes (1987). Esta noção,

juntamente com a de embodiment elaborada poucos anos depois por Csordas (1990), foi

introduzida nas ciências sociais para superar a espinhosa questão da relação entre corpo e

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mente. O termo embodiment indica de facto o estado ou o processo que resulta da interacção

contínua entre corpo e mente, ou, ainda melhor, da conceptualização destes elementos

como constituindo uma unidade mais ampla, definida body/mind manifold (Samuel 1990).

Através deste amplo percurso teórico podemos agora considerar as emoções como

“modos de ser no mundo”, ou seja, maneiras de fornecer um sentido e agir no mundo.

Michelle Rosaldo ofereceu um contributo importante para esta perspectiva, sintetizando o

sentido da complexidade e da ambivalência constitutivas das emoções, com a sua definição

feliz de “pensamentos incorporados”. Nas suas palavras, que inauguraram a corrente

teórica que Lutz e White (1986) definiram antropologia das emoções, é necessário considerar

este importante âmbito da experiência humana «não como uma coisa que se contrapõe ao

pensamento, mas como conhecimentos que interessam a um Eu corpóreo, como

pensamentos incorporados (embodied)» (Rosaldo M. [1984] 1997: 162), situando-o naquela

zona de fronteira onde indivíduo, corpo e sociedade se encontram e se fundem.

Também a antropologia das emoções propõe portanto uma concepção da emoção

como intimamente ligada à maneira como as pessoas interpretam ou avaliam o que

acontece, segundo códigos morais e referências semânticas locais. As emoções, nesta

perspectiva, são consideradas como constituídas em parte pelos significados locais que lhe

são atribuídos. A cultura influência a avaliação de um estímulo e a vivência emotiva com ela

correlacionada.

O podermos pensar a emoção como um evento contextual específico, nos seus

significados e nas suas manifestações comportamentais, e não como um universal inerente

a uma dada “natureza humana”, é nos útil para enfrentar de uma maneira diferente a análise

das manifestações disfuncionais que a nosologia ocidental define como ‘depressivas’. A

partir destes pressupostos, torna-se de facto muito mais difícil imaginar a existência de

perturbações universais do comportamento emocional, definíveis em termos objectivos e

quantificáveis, supostamente resultantes de um núcleo bio-psíquico comum a todos os seres

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humanos, independentemente da dimensão de significado. Igualmente se torna muito mais

difícil pensar em formas de humor “doentes” num sentido absoluto, ou cuja “patologia”

esteja escrita em códigos biológicos universais, independentes da dimensão de significado.

Se estamos dispostos a admitir que a cultura influencia a avaliação de um estímulo e a

vivência emotiva a ela associada, também temos que reconhecer que a percepção de um

evento como cansativo ou triste, por exemplo, não poderá ser considerada universal.

Muitos estudos transculturais sobre a depressão foram movidos, como afirma Bibeau

(1995), por uma espécie de: «realismo ingénuo segundo o qual o amor, a chuva, o casamento, os cultos,

as árvores, a morte, a comida e mil outras formas de realidade têm o mesmo significado para todos os seres

humanos. Os “realistas ingénuos” admitem que as línguas diferem entre os povos, mas atrás desta

diversidade de palavras todos falariam das mesmas coisas e confeririam a estas um sentido análogo.»

(Bibeau, 1995, 41-42). Este é o pressuposto a partir do qual se iniciaram pesquisas

psiquiátricas transculturais, a partir dos anos cinquenta, que concluíram o carácter universal

da depressão, sem ter em consideração as incongruências metodológicas e conceptuais que

emergiam da não sobreposição do léxico psiquiátrico às línguas e às categorias indígenas.

Às primeiras pesquisas conduzidas exclusivamente nos asilos psiquiátricos coloniais e

baseadas em diagnósticos de admissão feitos por médicos europeus, seguiram-se tentativas

mais articuladas. Todavia, todos encontraram as mesmas dificuldades: a tradução dos

termos ocidentais para definir os sintomas, as experiências da dor e as percepções

interpessoais locais. Uma vez saídos dos manicómios os estudiosos tiveram que tomar em

consideração as etiologias locais, com os seus critérios de referência significativos, que

muitas vezes excluíam as noções típicas da psiquiatria ocidental. Os pesquisadores estavam

assim obrigados a utilizar perífrases, que fizeram diminuir a validade dos testes psicológicos

estandardizados, ou a servir-se de estratégias narrativas, que no entanto tornavam muito

problemática uma extrapolação dos seus conceitos cardinais.

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Muitas investigações tiveram que enfrentar estas dificuldades, mas, no entanto, os

resultados foram geralmente considerados satisfatórios e desprovidos de ambiguidade.

Também na análise de Leff (1999), que fez uma resenha destes estudos, prevalece o

optimismo, na medida em que considera evidente que expressões como «tenho a sensação

que formigas fervilham no meu cérebro, às vezes sinto a cabeça que queima, sinto bichos a

andar no interior do meu corpo, sinto uma forte sensação de comichão em todo o corpo»

(Leff, 1992, 38), exprimem pontualmente a experiência da depressão em contextos

“tradicionais”. Nestes contextos, a depressão se manifestaria como uma perturbação

somática graças à presumida incapacidade dos pacientes para exprimir a sua aflição

segundo um código psicológico, tendo em conta fundamentalmente o seu nível de atraso

material e intelectual. A ideia de base, ainda hoje não totalmente superada, é a de que os

pacientes de outras culturas muitas vezes não utilizam, na expressão do seu sofrimento,

termos “abstractos” comparáveis aos do léxico psicológico-psiquiátrico ocidental. Falta-

lhes a capacidade de distinguir diferentes estados emocionais, ou seja, não psicologizam,

mas pelo contrário somatizam, exprimindo a sua aflição emocional através do corpo. Nesta

perspectiva, a somatização é indicativa de um arcaísmo na elaboração do próprio mal-estar,

bem como de uma dificuldade de discernimento dos próprios estados interiores. Em

contrapartida, a verbalização seria expressão de uma maior autoconsciência e capacidade

introspectiva. Esta bipartição, como é evidente, reafirma o antigo preconceito do

“selvagem” como estando ligado a um pensamento exclusivamente concreto e incapaz de

utilizar os conceitos abstractos do pensamento racional.

Comentando estas ideias, Bibeau observa que «não é certo que todas as línguas

separem, no conjunto do registo da patologia, um domínio separado que corresponda ao

que no Ocidente chamamos ‘depressão’» (Bibeau, 1995, 43). A tentativa de exportar para

outras realidades categorias não pertinentes tem causado a reiteração daqueles erros de

conceptualização que Kleinman, já em 1977, chamava «category fallacies»: o emprego de

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esquemas ou classificações típicas de um contexto numa realidade onde estes não são

pertinentes e onde, por conseguinte, não têm validade. Reflectindo sobre o mesmo

conceito na introdução de Writing at the Margins (1995), Kleinman não deixa de sublinhar

como a imposição de categorias impróprias pode criar consequências dramáticas no plano

pragmático e político, que define «falácias experiênciais», ou seja a imposição de maneiras

de viver e de perceber o mundo a membros de sociedades outras. Num contexto diferente

qual é o sentido de utilizar um “significado” estrangeiro como o que é veiculado pela

categoria médico-psiquiátrica de depressão, derivado de outros saberes, de outros modelos

psicológicos e de outros conjuntos nosológicos? Porque não sustentar que o psiquismo em

tradições culturais diversas possa ter diferentes modalidades de funcionamento, de realização, de

organização? E que cada definição patológica é de facto culturalmente específica.

Regressando, só por um instante, ao domínio da antropologia das emoções, muitos

estudos monstraram como a depressão não pode ser considerada uma categoria válida

transculturalmente (entre outros, Jadhav e Littlewood 1994; Kleinman e Good 1985). Na sua

recensão sobre depressão e cultura, Marsella conclui que "a depressão não assume uma

forma universal " (1980: 260), e que "a representação psicológica da depressão no mundo

ocidental é geralmente ausente nas sociedades não ocidentais” (1980: 201). Jadhav (1995)

questionou também a legitimidade de utilizar o termo “depressão” na designação de

sintomas que têm uma semelhança mínima com a depressão ocidental, ao mesmo tempo

que afirma que não temos motivações suficientes para considerar a depressão como uma

entidade objectiva que possa ser transportada de um lugar para outro.

Ainda, comportamentos que podem ser considerados segundo os quadros diagnósticos

da psiquiatria ocidental como indicadores de psicopatologia, neste caso de depressão,

podem ter conotações positivas noutros contextos. Estar triste pode ser também uma

maneira de exprimir o conhecimento da gravidade da condição humana, da intensidade da

perda histórica, social, familiar e pessoal. A análise de Susan Sontag sobre a utilização

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metafórica de doenças como a tuberculose e o cancro, desloca ao nível histórico o

significado do que chamamos depressão. Já na metade do século dezoito no ocidente,

explica Sontag, começa a existir uma interessante associação entre o facto de sofrer, de

estar triste, melancólico e descontente, com sintomas tais como a falta de sono e de apetite,

fraqueza, perca de vitalidade, de força, de iniciativa, e a imagem de pessoa romântica,

requintada, sensível, interessante. Ter uma excessiva saúde e boa-disposição, uma atitude

positiva cheia de espírito de iniciativa, um bom apetite e um corpo bem constituído,

significava ser uma pessoa vulgar e pouco elegante (Sontag 1978). Do mesmo modo, entre

os nativos americanos Hopi (O'Nell, 1993:461), ter uma existência cheia de lágrimas, ter

dificuldades de sono, falta de energia e apetite, significa ser sábio, maduro e consciente dos

segredos profundos da existência humana.

Através de alguns exemplos etnográficos que deslocam culturalmente o significado dos

eventos “depressivos”, evidenciando a sua relatividade e a necessidade da dimensão do

sentido, torna-se-nos possível reduzir, às suas justas proporções, a visão hipostática da

depressão como “humor doente”, no significado naturalista que o termo doença possui no

léxico das nossas ciências. Citamos só alguns exemplos, reenviando quem quiser

aprofundar a questão ao célebre texto de Kleinman e Good “Culture and Depression” de

1985. Em muitos contextos culturais da Ásia Meridional, é posta uma ênfase particular

sobre o valor do esperma na definição do bem-estar e da força de um indivíduo, quer

masculino quer feminino. Na Índia, por exemplo, o esperma representa a energia vital do

sujeito, concebida como potência, energia, beleza e força de vontade, mas também como

profundeza espiritual e capacidade de concentração. O indivíduo saudável e moralmente

digno saberá conservar o seu sémen sem “desperdícios” em masturbação, relações ilícitas

ou pouco apropriadas, enquanto o brahmacharya, aquele que quer ‘chegar a Deus’, terá que

se conformar a uma conduta orientada à absoluta abstinência. Deste pressuposto

importante, que oferece ao mesmo tempo uma representação do indivíduo e uma série de

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normas comportamentais, deriva uma importante categoria da medicina ayurvedica: a

‘perda do sémen’ ou, em Hindi, dhat. A espermatorréia por polução nocturna ou emissão

involuntária na urina é considerada responsável por numerosas afecções ligadas à perda de

energia e vitalidade: cansaço, astenia prolongada, fraqueza, apatia, preguiça, falta de

entusiasmo e de iniciativa, até ao desespero sem causas aparentes. Todas as manifestações

que foram associadas ao registo diagnóstico de depressão (Chadda & Ahuja, 1990). Se

quiséssemos aplicar rigorosamente as normas classificadoras implícitas nos manuais

diagnostico-estatísticos, como argumentou o antropólogo Gananath Obeyesekere, teríamos

que concluir que a perda do sémen, de facto, é uma “doença” universal, na medida em que

os seus sinais distintivos, as suas manifestações “patológicas” (como poluções nocturnas,

emissões involuntárias, etc.), se podem relevar universalmente. E poderíamos deduzir isto

graças ao menosprezo do significado que estes sinais possuem nos lugares onde se

manifestam, através de uma fractura entre sintoma e contexto característica de muitas

pesquisas transculturais. Na opinião de Obeyesekere (1985) é o que acontece onde se queira

encontrar provas da universalidade da depressão por detrás do comportamento

aparentemente disfórico do fiel budista, empenhado por vocação religiosa, na procura e na

meditação sobre a dor da existência, sobre o desespero e o desgosto do corpo na sua

fisicidade. As suas expressões comportamentais poderiam portanto testemunhar menos a

presença de um estado depressivo do que o comportamento de um bom budista.

Outro exemplo muito menos célebre, recolhido no meu trabalho de campo sobre as

emoções entre os Bijagós da Guiné Bissau (Pussetti 2005), encontra-se na ideia de perda do

orebok, a sombra ou energia vital, resultante geralmente do excesso de uma particular

emoção, ou da embriaguez, da possessão, do furto do mesmo por um feiticeiro obané. A

perda do orebok comporta a perda da vontade de viver, das forças, da fome, do sono, um

grande cansaço e apatia: «é como perder-se a si mesmo, ficar sem forças e não encontrar

descanso, não poder comer, mexer os braços sem controlo ao redor da cabeça como para

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abanar as moscas, o olhar é fica sem expressão e os olhos ficam opacos», afirma uma

informadora, reconstruindo um quadro no qual podem ser localizadas perturbações

parecidas às de depressão. A única cura possível neste caso é pedir a um odiák, uma pessoa

com poder, que vê com a cabeça (n’ojón ta bú), de ir buscar o orebok perdido na floresta.

Um último caso, ainda da minha pesquisa de campo, é o n’unummi konó, expressão que

engloba muitas tonalidades de significado: apesar de literalmente podermos traduzir esta

frase como “coração queimado”, o seu significado muda em função dos contextos: pode

indicar quer o desconforto, a pobreza e a desolação pessoais, quer, de forma mais geral, a

infelicidade, a má sorte e a miséria próprias da condição humana. Quem sente n’unummi

konó não tem vontade de falar, do comer e dormir, chora por nada, sente-se sempre muito

cansado, tem imensas pequenas doenças, sente-se sem esperança e sem vontade de fazer

qualquer coisa para se sentir melhor. Esta sintomatologia – comum a muitas outras

condições reconduzíveis à feitiçaria e possessão, por exemplo – tem uma semelhança de

família com o que nós colocamos sob a etiqueta de depressão. No entanto, neste caso, os

sintomas que nós rotularíamos com o termo “depressão” são interpretados localmente

como consequências naturais das vicissitudes da vida. Nada de patológico, portanto, nem

que requeira uma cura.

Alguns investigadores repararam que a maneira de manifestar o sofrimento muda

radicalmente em contextos onde, por exemplo, este sentimento vivido como sendo

perigoso para a saúde pessoal e a sociedade inteira, ou onde é sinal de um pedido de apoio

e de reciprocidade, como entre os Kaluli da Nova Guine (Schieffelin 1985). Ainda a tristeza

pode ser considerada esteticamente adequada só para um grupo limitado de pessoas: as

mulheres no caso dos Paxtun do Afganistaão e do Paquistão (Grima 1992), os cantores do

“coração queimado” entre os Bijagós da Guiné-Bissau (Pussetti 2005). Estar triste pode ser

sinal de uma personalidade fraca, infantil e dependente, como entre os Beduínos Awlad ‘Ali

(Abu-Lughod 1985), ou de uma doença que necessita de uma cura (Pandolfi 1991;

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Desjarlais 1992). A definição do evento e as modalidades diferentes nas quais este se

declina põem seriamente em questão, do nosso ponto de vista, a possibilidade de definir o

mesmo comportamento uniformemente em cada uma destas situações.

Os exemplos citados são relevantes para situar a experiência da dor e do sofrimento

num plano que leva radicalmente em linha de conta a dimensão do significado: parece

difícil, baseando-nos nas sugestões da pesquisa etnográfica sobre as emoções, poder

afirmar com desenvoltura que aquela dor, aquela tristeza, aquela perda, aquele sofrimento,

sejam exactamente os mesmos em cada lugar, independentemente das maneiras através das

quais as pessoas os avaliam intelectualmente, os vivem somaticamente e emotivamente.

Embora seja de facto possível, com certeza, encontrar aqui uma qualquer semelhança de

família, estes conteúdos emotivos perderiam sem dúvida as suas particularidades, as suas

características únicas, se abstraídos dos seus contextos e situações específicos. Tal não

resulta só porque sintomas, emoções, comportamentos e cultura estão entrelaçados, mas

sobretudo porque seria uma conclusão arriscada assimilar a um domínio único e universal,

experiências e perturbações que - apesar de parcialmente sobreponíveis às que nós

identificamos como “típicas” da depressão - são interpretadas com referência a uma

constelação de causas e significados radicalmente diversos.

E se outros sintomas, outros problemas, são referidos em lugar dos que nos são mais

familiares (perda do sémen, perda do orebok, coração queimado, feitiçaria, possessão em vez

de depressão), será legitimo interpretá-los como a expressão de uma depressão mascarada? É

lícito falar de depressão como se fosse uma substância, ou uma lesão dum órgão, da qual só

é preciso demonstrar a existência ou medir a dimensão noutros corpos? Se as doenças

participam da reprodução das culturas, assim como, de forma especular, as culturas participam

da “construção” das doenças, não seria mais correcto analisar uma condição como a

depressão só em íntima relação com os contextos nos quais ela é nomeada, experimentada,

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comunicada, e com as dinâmicas sociais e as hegemonias culturais que mudam a sua forma

e a sua pertinência? (Beneduce 1999).

Uma etnopsiquiatria da depressão não é possível sem uma reflexão paralela sobre as

emoções, o sentido da vida e da morte, os códigos de comunicação. Apesar deste facto,

quando as pessoas que manifestam as características supra-citadas, se dirigem aos serviços

médico-psicológicos ocidentais, são diagnosticadas com uma depressão. A questão não é a

da existência ou não de uma patologia efectiva, “a depressão”, que só a psiquiatria

“científica” conseguiu individuar e definir, mas a da produção de novas hegemonias

discursivas que se sobrepõem a outras que se modificam ou desaparecem. O estudo

antropológico da doença revela uma contradição cujo alcance é espantoso: não é um dado

de facto nem uma hipotética “verdade biológica”, mas uma teoria hegemónica, e portanto

um poder, que define que um critério de referência mais do que outro (depressão, mais do

que perda do esperma ou do orebok) tenha que ser aplicado universalmente para decidir da

saúde ou da doença.

Os modelos dominantes, e não apenas os inspirados pela psiquiatria biológica, parecem

hoje pouco interessados em esclarecer as mudanças na utilização das categorias

psiquiátricas ou na expressão dos sintomas. Ainda menos, parecem interessados em

problematizar o papel que a cultura e a sociedade desempenham na definição de todo o

processo de perturbação psíquica: da sua materialização em formas que são reconhecidas,

rotuladas e tratadas como doenças, à maneira pela qual estas são vividas, comunicadas e

reproduzidas. Um risco que os investigadores na área da psiquiatria transcultural correm é

traduzir, adaptar, e transportar a metodologia de testes psicológicos, com o objectivo de

descobrir verdades universais entre grupos de culturas diferentes (Moggadam & Studer,

1997). Trata-se de uma questão séria e questionável por subestimar o valor do papel da

cultura na constituição do comportamento, das emoções, bem como na definição de saúde

e doença mental. Em lugar de considerar também a cultura como campo não só de

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significados, mas também de forças, de poderes e ideologias, a cultura, nesta perspectiva

acaba por ser reduzida a uma simples variável independente que não requer nenhum

pensamento sobre o seu significado, perpetuando assim uma situação de desigualdade e

injustiça social (Fox & Prilleltensky, 1997). Quando nós propomos que o conceito de

cultura seja entendido como um componente fundamental da definição de saúde e doença

mental, é importante não só recuperar a definição antropológica deste conceito avançada

por Kleinman e Good (1985), ou seja, cultura como intersecção de significados e

experiência. É igualmente importante incorporar no conceito os aspectos políticos, os

interesses económicos, os factores históricos e sociais inerentes, que muitas vezes são

intencionalmente ignorados, dissimulados ou ofuscados (Sashidharan, 1986).

O que deve caracterizar um etnopsiquiatria clínica que se proponha como “crítica” é

precisamente a consciência da atenção a prestar aos contextos sociais e políticos como

aspecto imprescindível para que a dimensão do “cultural” tenha sentido no interior do

trabalho psiquiátrico. As interpretações da doença implicam sempre a história do discurso

que forma a sua interpretação e o seu contexto é sempre o das relações de poder locais: o

primeiro passo na direcção de uma etnopsiquiatria crítica é portanto, na minha opinião,

considerar sempre as práticas e as estratégias terapêuticas no interior das relações de força

que as geram e sustentam, avaliando a posição dos interlocutores e a ideologia veiculada

pelas categorias diagnósticas. O modelo de etnopsiquiatria que defendo, propõe a

necessidade de repensar os “espaços clínicos” e as “culturas” como lugares de conflito e de

mudança, de relações de força para além do sentido, espaços onde se encontram actores

sociais portadores de significados e valores em conflito. A etnopsiquiatria situa-se, de facto,

no espaço dinâmico de conflito e de transformação gerado pelo encontro entre culturas e

sociedades, especialmente no caso dos processos migratórios, chegando através de

múltiplas estradas (as da clínica como as da pesquisa antropológica) a definir modalidades

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mais eficazes para intervir sobre a aflição dos indivíduos, tal como sobre as dificuldades

dos grupos e das comunidades que têm que enfrentar as dores das próprias memórias.

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