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Fronteiras: Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.23, p.58-84, 2014. 58 Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico Migrations and local development: a biographic study Soeli Regina Lima 1 Resumo: Este trabalho analisa a trajetória de imigrantes como precursores do desenvolvimento local. Realizamos o estudo biográfico de Luís Szczerbowski, que se instalou em Três Barras-SC, no início do século XX. Ele trabalhou como apontador de terras da serraria Southem Brazil Lumber and Colonization Company, sendo ainda apicultor, agricultor, comerciante, proprietário de fábrica de cigarros e fotógrafo. Pautamo- nos em fontes orais e escritas somada as referências bibliográficas. Elucidamos aspectos da relação entre os imigrantes poloneses entrelaçadas ao poder econômico da serraria. Palavras-chave: imigração, biografia histórica, desenvolvimento local, colonização. Abstract: This work analyses the immigrants’ trajectory as precursors of the local development. We made the biographic study of Luís Szczerbowski who settled down in Três Barras-SC at the beginning of the 20th century. He worked as a land dealer in the sawmill Southern Brazil Lumber and Colonization Company, being also an apiarist, an agricultor, a trader, a cigarettes factory’s owner and a photographer. We have based ourselves in oral and written sources added to bibliographic references. We elucidated aspects from the relation among the Polish immigrants interwoven to that sawmill economical power. Key-words: immigration, historical biography, local development, colonization Introdução Diferentes são os estudos 2 de imigração e sua relação de ocupação espacial e desenvolvimento local. O que pretendemos identificar neste 1 Mestre em Geografia, pela UFPR e Especialista e Graduada em História, pela FAFIUV. Atualmente é Docente da Universidade do Contestado UnC. Email: [email protected]

Migrations and local development: a biographic study front 23 vers fin/f23-artdoss4-soeli_regina... · O estudo biográfico é uma possibilidade de identificar, a partir das experiências

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Fronteiras: Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.23, p.58-84, 2014.

58

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

Migrations and local development: a biographic study

Soeli Regina Lima1

Resumo: Este trabalho analisa a

trajetória de imigrantes como precursores

do desenvolvimento local. Realizamos o

estudo biográfico de Luís Szczerbowski,

que se instalou em Três Barras-SC, no

início do século XX. Ele trabalhou como

apontador de terras da serraria Southem

Brazil Lumber and Colonization

Company, sendo ainda apicultor,

agricultor, comerciante, proprietário de

fábrica de cigarros e fotógrafo. Pautamo-

nos em fontes orais e escritas somada as

referências bibliográficas. Elucidamos

aspectos da relação entre os imigrantes

poloneses entrelaçadas ao poder

econômico da serraria.

Palavras-chave: imigração, biografia

histórica, desenvolvimento local,

colonização.

Abstract: This work analyses the

immigrants’ trajectory as precursors of

the local development. We made the

biographic study of Luís Szczerbowski

who settled down in Três Barras-SC at

the beginning of the 20th century. He

worked as a land dealer in the sawmill

Southern Brazil Lumber and

Colonization Company, being also an

apiarist, an agricultor, a trader, a

cigarettes factory’s owner and a

photographer. We have based ourselves

in oral and written sources added to

bibliographic references. We elucidated

aspects from the relation among the

Polish immigrants interwoven to that

sawmill economical power.

Key-words: immigration, historical

biography, local development,

colonization

Introdução

Diferentes são os estudos2 de imigração e sua relação de ocupação

espacial e desenvolvimento local. O que pretendemos identificar neste

1 Mestre em Geografia, pela UFPR e Especialista e Graduada em História, pela FAFIUV. Atualmente é Docente da Universidade do Contestado – UnC. Email: [email protected]

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

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trabalho é a relação do sistema produtivo da Southern Brazil Lumber and

Colonization Company com os imigrantes poloneses e consequente

desenvolvimento local.

Colônias de imigrantes prosperaram no Brasil, ora por iniciativa dos

colonos na organização entre famílias, ora pelas experiências trazidas da

Europa. Em nosso caso de estudo, o desenvolvimento local estava pautado no

capital transnacional, implantado no interior brasileiro, pela serraria Lumber

que acabou por atrair mão-de-obra de imigrantes. Partimos da biografia

histórica de Luís Szczerbowsk o qual teve a capacidade de, em poucos anos,

diversificar suas atividades econômicas acompanhando o desenvolvimento

local.

O imigrante polonês iniciou suas atividades como apontador de terras

da Lumber, quando das primeiras “entradas” da serraria, para retiradas das

árvores nativas. Desvinculou-se profissionalmente, comprou seu espaço de

terra da serraria, já explorado, com cortes e trilhos, construiu sua morada,

dando início a Colônia Tigre, passando a trabalhar de forma autônoma. Nesta

fase prosperou, pois teve grande capacidade de inovação. Buscou o diferente.

Além do comércio e da agricultura trabalhou com apicultura, pomares de

hortaliças e flores. Instalou, ainda, uma fábrica de cigarros, importando fumo

da Turquia. Sua capacidade inventiva era alimentada por leituras. Leitor

assíduo estudava minuciosamente os detalhes para novos investimentos. Sua

biografia histórica se entrecruza com a de muitos poloneses que trabalharam

na Lumber. Dedicando-se a arte da fotografia, deixou valiosos registros sobre

o período.

Biografia histórica

2 FAUSTO, Boris. Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo:

EDUSP, 1999; NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do território, população e

migrações. Curitiba: SEED, 2001; SOUZA, Celso de Oliveira; ZWIEREWICZ, Marlene. Da

“Polska” à terra prometida: o legado polonês em Santa Catarina e um tributo à comunidade

do Chapadão/Orleans. Florianópolis: Insular, 2009; PETRONE, Maria Teresa Schorer.

Imigração. In: FAUSTO, Boris. História Geral da civilização brasileira. O Brasil

Republicano. v.2. Sociedade e Instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997;

LAROCCA JÚNIOR, Joel; LIMA, LUIGI, Pier; Clarissa de Almeida. Casa eslavo-

paranaense: arquitetura de madeira dos colonos poloneses e ucranianos do Sul do PR. Ponta

Grossa: Editora Larocca Associados S/S Ltda., 2008.

Soeli Regina Lima

60

O estudo biográfico é uma possibilidade de identificar, a partir das

experiências individuais, a realidade vivida coletivamente. O ser humano age

de acordo com a realidade sociocultural em que está inserido, criando e

recriando dialeticamente novas experiências de vida, os estudos

pormenorizados de determinados sujeitos sociais podem elucidar o passado

histórico num contexto amplo. A construção da narrativa histórica, por parte

do historiador, situando o sujeito biografado com a conjuntura e a estrutura

econômica e social da época são formas de revelar características de

determinados realidades espaciais e temporais.

O estudo biográfico passou por fases distintas no campo

historiográfico. “O século XIX, século da História, não foi propício ao

desenvolvimento pleno das biografias eruditas. Gênero inferior e desprezado,

a escrita biográfica fica relegada aos amadores. No início do XX, a situação

continua a mesma, se é que não se agrava”3. “Em 1903, na Revue de

Synthése historique, o sociólogo durkheimiano François Simiand instava os

historiadores contemporâneos, de maneira polemica, a quebrar seus três

ídolos, a cronologia, a política e a biografia”4.

A princípio, na fase da História Magistra vitae5, o individual

prevalecia sobre o coletivo. “Ela orientou, ao longo dos séculos, a maneira

como os historiadores compreenderam o seu objeto, ou até mesmo a sua

produção”6. Nesta perspectiva podemos citar o caso das biografias produzidas

na História política, onde a figura central do governante era imortalizada Ela

era produzida com os feitos épicos, de valentia, poder ou mesmo em oposição,

de fracassos, narrados de forma linear, subjetivista, factual, o que levou a

tornar este tipo de história obsoleta.

Anedótica, individualista, essa história incorria ainda no

erro de cair no idealismo. Por desconhecer as forças

profundas e as causas ocultas, e ignorar as necessidades e

3DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de

Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 196. 4 Idem. 5 KOSELLECK (2006) afirma que Historia do presentismo vem em substituição à história

magistra, expressão, esta usada no contexto da oralidade, onde o orador é capaz de emprestar o

sentido de imortalidade à história como instrução para a vida, ou ainda, como coleção de

exemplos, para que pudessem reconhecer no futuro casos semelhantes. 6 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.

Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-RJ, 2006. p. 42.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

61

os mecanismos, ela imaginava que as vontades pessoais

dirigem o curso das coisas, e às vezes levava mesmo a

cegueira até ao ponto de acreditar que as ideias conduzem

o mundo7.

Ao privilegiar o particular, em contraponto ao nacional, essa história

acaba por privar diferentes possibilidades de comparações no espaço e no

tempo, das generalizações e sínteses.

O retorno da biografia histórica se dá com a nova história política,

onde a partir do indivíduo as relações do Estado são investigadas. Neste

sentido, a produção de biografias políticas teve grande aceitação. Os

bastidores da ideologia dominante, do período histórico descrito, passaram a

ser reveladores de culturas e sociabilidades. Dito de outra forma:

Mas a história política- e esta não é a menor das

contribuições que ela extraiu da convivência com outras

disciplinas- aprendeu que se o político tem características

próprias que tornam inoperante toda análise reducionista,

ele também tem relações com os outros domínios; liga-se

por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os

outros aspectos da vida coletiva8.

Observa-se que as biografias políticas ao descobrir o cotidiano, os

prós e contras de grandes nomes passaram a vender e a despertar curiosidade.

“A intrusão do biográfico e do autobiográfico nas ciências sociais sacode

alguns postulados “científicos” em nome dos quais essa dimensão fora até a

época expelida das pesquisas eruditas, pois os relatos se situam num espaço

entre escrita e leitura literárias ou entre a escrita e leituras científicas”9. Este

fato leva a reflexão sobre ficção e história e de como construir o relato. Neste

sentido: “A biografia se torna, pois, o ensejo da adesão de ambas as

7 RÉMOND, René. Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p.18. 8 Ibidem, p.29. 9 DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de

Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 242

Soeli Regina Lima

62

disciplinas a uma epistemologia do entremeio, que Certeau define com seu

paradoxo de ficção científica”10.

Por parte da Nova História, na história descrita como vista de baixo,

ou micro história11, a biografia retorna com ênfase. As biografias realizadas pela

micro-história tratam de personagens comuns, diferentemente das biografias

prosopográficas, ou biografias coletivas. Giovani Levi, citado por Vainfas (2002)12

propõe certa tipologia da perspectiva biográfica dividindo-a em:

a) prosopografia ou biografia modal; se presta menos aos estudos

microanalíticos, nesse campo não há, propriamente “biografias

verídicas”, mas a utilização de dados biográficos para fins

prosopográficos. b) Biografia e contexto: a biografia individualizada conserva sua

especificidade, sem ser exclusiva ou concentrar o foco do historiador. A

época, o meio e a ambiência também são muito valorizados como

fatores capazes de caracterizar uma atmosfera que explicaria a

singularidade das trajetórias. c) Biografia e casos extremos: os contextos históricos são alcançados pelas

margens do campo social, por intermédio da biografia de personagens

singulares. d) Biografia e hermenêutica: gênero mais típico da antropologia e da

história oral, baseado em arquivos orais e nele o material biográfico

torna-se intrinsecamente discursivo. Resta-se menos a micro-história. As obras de Carlos Ginszurg “O queijo e os vermes”, (1971), em

edição italiana e “O retorno de Martin Guerre” (1983), de Natalie Davis, são

exemplos destes casos. “Os temas mais aptos a uma investigação

microanalítica são aqueles ligados a comunidades específicas- referidos

geográfica ou sociologicamente, às situações-limite e às biografias”13.

No que concerne à temporalidade:

10 Idem. 11 “Mas é certo que a micro-história tem seus temas preferenciais ou tipos de temas mais

passíveis de serem estudados em escala reduzida. Grandes episódios e personagens célebres

são, assim menos usuais e menos bem-vindos à microanálise que, por sinal, desde o início se

animou com a possibilidade de inverter a história e reconstruí-la ´a partir de baixo`. Assim,

pode-se dizer que os temas mais aptos a uma investigação microanalítica são aqueles ligados a

comunidades específicas –referidos geográfica ou sociologicamente-, às situações-limite e às

biografias.”. (VAINFAS, 2002, p 136) 12 VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: micro-história. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.140 13 Ibidem, p 136.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

63

O tempo da micro-história, considerada sua inspiração

antropológica e sua preocupação etnográfica, é o tempo

das estruturas; mas é também, simultaneamente,

considerado seu propósito fundamental de resgatar

personagens anônimos, imbróglios aparentemente banais

ou situações-limite de determinada época, o tempo do

acontecimento. É nesse sentido que, ao meu ver, a micro-

história é capaz de operar nessa ambivalência temporal

que combina o fato específico, explícito na narrativa, e o

sistema geral dos códigos e normas, quase sempre

implícito14.

Para o historiador adentrar no campo da biografia histórica é fazer a

história do tempo presente15, ou seja, trabalhar com os regimes de

historicidades, aquele em que passado, presente e futuro se entrecruzam. Na

dialética temporal os acontecimentos vão sendo decifrados, onde podemos

analisar a sociedade, entre outras formas, através da biografia histórica. O

mundo vivido por determinado sujeito pode revelar muito mais que uma

experiência pessoal, ela vai além, apontando as articulações entre público e

privado, do particular para o coletivo, das dependências, das consequências

dos sistemas econômicos, sociais e culturais das sociedades.

Imigração polonesa e Southern Brazil Lumber and Colonization Company

A imigração, no caso brasileiro, fez parte da política de ocupação

espacial dos vazios demográficos. Desta forma, o governo acabou por criar

políticas imigratórias, já no período imperial. A urbanização, a

industrialização gerou o movimento demográfico na Europa, conduzindo as

grandes migrações transoceânicas, no século XIX e XX.

14 Ibidem, p. 134 15 Sobre a história do tempo presente ver: HARTOG, François. Regimes de historicidade:

presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. KOSELLECK,

Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Ed.PUC-RJ, 2006. VARELLA, Flávia F. et al. (Org.). Tempo presente & usos

do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2012.

Soeli Regina Lima

64

No estado catarinense a colonização ocorreu na grande maioria com

iniciativas de companhias particulares. Os imigrantes poloneses chegaram

com o navio Victoria em 1869, no porto de Itajaí, com destino à Colônia

Brusque. Foi mais ou menos nessa época, em agosto de 1869, que veio ao

porto de Itajaí, a bordo do navio “Vitória”, o primeiro grupo de emigrantes da

Alta Silésia. “Era um grupo de 64 pessoas”16. Nos anos subsequentes, até

próximo a 1914, mais de cem mil poloneses ingressaram no país, sendo

estabelecido em 91 colônias, na região Sul. Destes, quase 50% foram

assentados no Paraná.

No caso paranaense foi em 1867 que desembarcou Edmundo

Sebastião Wos Saporski, considerado o “pai’ da imigração polonesa no

estado. Após passar um ano em Montevidéu, estabeleceu-e na colônia

Blumenau, observou a estrutura da colônia e retornando ao Paraná procurou

convencer a administração, da cidade de Curitiba, de trazer imigrantes. Em

julho de 1871 a Câmara de Curitiba ofereceu terrenos aos colonos na

localidade de Pilarzinho. Estabeleceram-se ali famílias polonesas, transferidas

com a permissão do Imperador, da colônia de Brusque.

Baseados em relatórios oficiais brasileiros, bem como em

dados de conhecedores particulares, como por exemplo,

do Sr. S. Saporski, em anotações de diversos líderes,

publicações polonesas e trabalhos nesse campo, no

primeiro período da emigração polonesa ao Brasil, até

1889, vieram 8.080 almas, das quais 7.030 ao Paraná, 750

a Santa Catarina, 300 ao Rio Grande do Sul e cerca de

500 a outros estados. O segundo período, que abrange a

“grande emigração”, deu ao Paraná 14.286 almas,

arredondando 15.000 almas, a Santa Catarina 5.000

almas, ao Rio Grande do sul 25.000 almas, a São Paulo

13.500 almas, a outros Estados 5.000 almas. Ao todo,

arredondando, 63.000 almas. No terceiro período, até o

ano de 1900, vieram ao Paraná 6.000 almas, a outros

Estados- 500 almas polonesas17.

16 GLUCHOWSKI, Kazimierz. Os poloneses no Brasil: subsídios para o problema da

colonização polonesa no Brasil. Trad. Mariano Kawka. Porto Alegre: Rodycz & Ordakowski,

2005. p. 29.

17 Ibidem, p. 39.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

65

Em se tratando da imigração via Brazil Development and

Colonization Company18, no relatório de 1910, Farquhar19 informou aos

sócios da Brazil Railway, que havia criado 13 colônias agrícolas, num total de

315 mil hectares ao longo da EFSPRG- Estrada de Ferro São Paulo Rio

Grande, no Vale do Rio do Peixe. Em 1911, começaram as previsões para o

Vale do Iguaçu, com um plano de assentar dez colônias em cerca de 510 mil

hectares. A propaganda na Europa foi realizada pela companhia. Na Galícia o

agente dela era o conde Le Hon. Em 1912, um visitante britânico viu apenas

quatro colônias realmente importantes nos mais de 2,4 milhões de hectares

cedidos à EFSPRG.

Os imigrantes poloneses e austríacos foram os primeiros a se instalar

nas colônias de Farquhar, seguidos, em 1911, pelos holandeses. No início

recebiam ajuda do departamento de colonização. Eram instalados armazéns

para gêneros alimentícios. Com o alto grau de endividamento dos colonos as

regras foram alteradas. Os colonos deveriam deslocar-se até as colônias com

recursos próprios. A companhia demarcava os lotes, fornecendo sementes,

utensílios agrários e orientações técnicas, criando ainda, mercado para os

produtos nas estações ao longo da ferrovia.

Passaram, então a selecionar candidatos mais experientes para suas

colônias em Santa Catarina. Houve progresso nas colônias. Muitos assentados

conseguiram quitar a compra de suas terras em apenas três anos.

Além de poloneses, ucranianos posteriormente, no Vale do Rio do

Peixe, chegaram italianos, alemães entre outros grupos étnicos menores.

Em 1912 foi aberta a Colônia no Rio das Antas, em Santa Catarina,

para teuto-brasileiros oriundos de colônias do Rio Grande do Sul, que estavam

18 Percival Farquhar, empreendedor norte-americano, além de inúmeros outros investimentos

realizados nas Américas, criou em 12 de novembro de 1906, nos Estados Unidos, a Brazil

Rawail Company, assumindo a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande. Sendo ele

um visionário econômico, ampliou seus investimentos criando duas subsidiárias a Brazil Development and Colonization Company, para povoar as terras devolutas recebidas na

construção da estrada de ferro e a Southem Brazil Lumber and Colonization Company, que

obteve autorização para instalar serrarias. 19 Sobre Percival Farquhar e seus investimentos ver: GAULD, Charles. FARQUHAR – o

último titã - um empreendedor americano na América Latina. São Paulo: Editora de Cultura,

2006.

Soeli Regina Lima

66

lotadas ou exauridas pela pressão de famílias grandes sobre pequenos sítios de

20 hectares.

Valentini (2009)20 ao analisar um mapa antigo de Campos Novos,

relata a existência de colônias na grande faixa de terra ao longo das margens

do Rio do Peixe, local onde foram estendidos os trilhos da EFSPRG. Em áreas

já demarcadas, observam-se a Colônia do Rio do Peixe, Capinzal, Bom Retiro

e Colônia do Rio das Antas.

Para Três Barras21, município localizado no planalto norte

catarinense, os imigrantes instaram-se nas colônias Três Barras e Rio Tigre,

deslocando-se de colônias proximais22, na procura de melhores condições de

vida, decorrente da presença da Lumber.

No ano de 1920, nos registros de Santa Catarina aparecem 250

famílias residindo em colônias, 200 espalhadas pela região e 50 nas cidades.

Em comparação com as demais colônias Três Barras ocupava o terceiro lugar

no número de famílias, em segundo lugar no número de poloneses dispersos

na região e em primeiro lugar no número de poloneses que viviam na cidade.

20 VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no sul do Brasil: a instalação da Lumber e a guerra na região do Contestado (1906-1916). Tese (Doutorado em

História) – PUC do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. 21 Três Barras localizava-se em terras contestadas que eram administradas pelo Paraná e que,

com o Acordo de Limites de 1916, passaram à administração catarinense. 22 O movimento interno ocorreu em outras regiões do estado: “[...] entraram no vale do Itajaí,

entre 1903 e 1914, cerca de 1.600 imigrantes, na maioria alemã e 500 colonos vindos de zonas

de antiga colonização. De 1915 a 1918 foram introduzidos 1.100 colonos de procedência

interna; de 1919 a 1922 um total de 783 imigrantes e 1.118 colonos internos; de 1923 a 1926, 2.781 imigrantes e 2.226 colonos de procedência interna; de 1927 a 1930 chegaram a essa área

de Santa Catarina 1.663 imigrantes contra 560 colonos internos”. (PETRONE, 1997, p. 126).

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

67

Nome Nº de

Famílias

Nas velhas

Colônias

Dispersos

pela região

Nas

cidades

Rio Vermelho 50 50 -- --

Rio Natal 85 50 35 --

Dispersos além de Rio Natal até

Massaranduba na Colônia Hansa

100 -- 100 --

Bateias, Avenquinha e dispersos

em São Bento, Campo Alegre e

São José

400 -- 400 --

Massaranduba 200 200 -- --

Indaial, Pinheiro e dispersos em

Blumenau e Brusque

150 50 100 --

Florianópolis 20 -- -- 20

Grão-Pará, Órleans e arredores 100 80 20 --

Esteves Júnior, Anitápolis e

região

100 100 -- --

Cocal, Criciúma e região 150 100 50 --

Mafra e colônia vizinha Augusta

Vitória

50 40 -- 10

Itaiópolis (Lucena e região) 1.200 900 300 --

Três Barras, Rio Tigre e região 250 -- 200 50

Dispersos no município de

Canoinhas

100 -- 100 --

Porto União da Vitória, Ant.

Cândido, Barreiros

30 20 -- 10

Legru 40 40 -- --

Nova Galícia 60 60 -- --

Dispersos no estado 50 -- 50 --

Total 3.135 1.690 1.355 90

Quadro 01 – Total de poloneses em Santa Catarina: 3.135 famílias X 6 almas

= 18.810 almas

Fonte: GLUCHOWSKI, 2005, p.116.

Os poloneses haviam criado, no Brasil, associações pertencentes à

União “Cultura” que atuavam em diferentes campos como educação, cultura,

esportes, escoteiros. Três Barras, no ano de 1915, teve a única associação do

estado catarinense, registrada com o nome de Biblioteca Polonesa. No total,

Soeli Regina Lima

68

pertenciam à Cultura “União” 65 sociedades, contando com 1.583 sócios, cujo

patrimônio esteve estimado em 503 contos.

Estado

Nº de

Associações

Nº de

Sócios

Patrimônio

Contos

Paraná 42 872 255

Santa Catarina- Três Barras 01 60 11

Rio Grande do Sul 21 620 234

Rio de Janeiro 01 31 03

Total 65 1.583 503

Quadro 02 – Relação de associações pertencentes à União “Cultura”

Fonte: GLUCHOWSKI, 2005, p.152-155.

É interessante observar que das 65 associações, quanto ao número de

sócios, Três Barras ficava em terceiro lugar, com 60 associados, atrás de duas

associações do Rio Grande do Sul, com 107 e 75 sócios filados

respectivamente. No estado do Paraná a associação com o maior número de

filiados possuía 36 registros. Já no que concerne ao número de contos, no

Paraná, três associações possuíam um registro de patrimônio superior ao de

Três Barras, a de Marechal Mallet, com 80 contos, a de Ponta Grossa com 20

contos e a de Araucária com 20 contos; no Rio Grande do Sul, também três

associações apresentavam número superior, duas de Porto Alegre com 100 e

50 contos e outra da localidade Rio Grande com 40 contos.

Havia ainda a União Polonesa de Professores Profissionais das

Escolas Particulares com sede em Curitiba, congregando 56 sócios, com um

patrimônio de 3 contos fundada em 1921 e a União dos Professores das

Escolas Polonesas Cristãs, fundada em 1923, também em Curitiba, com 52

sócios, sendo 37 irmãs religiosas. Destas sociedades em Santa Catarina havia

10 filiais, sendo 02 em Paraguaçu, 01 em Itaiópolis e 01 em Porto União.

No que tange as escolas polonesas no Brasil estas estavam divididas

em escolas de Cultura; da “Oswiata” (Educação) e isoladas. Em Três Barras,

no início de 1924 a escola contava com 56 alunos poloneses, sendo 35

masculinos, 21 femininos e 36 alunos de outras nacionalidades, perfazendo 92

alunos matriculados. Ministrava aulas a professora S. Slonina. A mensalidade

por aluno era de 4,5 (mil-réis) e seu patrimônio pertencia a Sociedade União

“Cultura”. Cabe ressaltar que no Brasil, neste mesmo ano havia 60 escolas de

Cultura, com 59 professores, 1.910 alunos poloneses e 62 de outras

nacionalidades. Já a escola de Canoinhas foi fundada em 1920, ligada as

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

69

escolas Oswiata (educação) e no início de 1924, contando com 29 alunos

poloneses matriculados.

Tokarski (2000)23 em seus estudos sobre os poloneses, na região do

Contestado, ressalta que estes, entre outras áreas, atuaram nos serviços

técnicos da Lumber. Das centenas de operários, várias dezenas eram de

imigrantes poloneses, que a partir dali ampliaram a presença polônica na

região. Na lista dos empregados da Lumber, entre outros, aparecem os nomes

dos maquinistas ferroviários José Wodowski, José Olcha, Francisco Beck e

Pedro Schotka; do foguista Jacó Pawloski; do operador de guinchos Basílio

Kubickek; do comerciário Antônio Sokolowski; do jornaleiro Nicolau

Koslawski; do carpinteiro Carlos Kzyzanovski e dos operários Estefano

Blaziak, Ladislau Gembra, Teodoro Kasnoch, Pedro Pelech, João Melnick,

Tadeu Domainski, Antônio Novak, Pedro Mazur, Francisco Urbainski,

Estanislau Padegurski, Francisco Maieski, João Setuika e Inácio Chimanski.

Produzindo o desenvolvimento local, a Lumber além de explorar as

terras recebidas na concessão adquiriu outras, “apenas a família Pacheco

vendeu mais de 16 mil hectares de terras à Lumber em Três Barras”24. Desta

forma ela “chegou a somar ali 180 mil hectares, responsáveis pela

constituição, em Três Barras, da então maior serraria da América do Sul”25.

Com sua company town26 implantada nas proximidades da estação ferroviária,

com toda a infraestrutura necessária. Foram projetados, tanto os espaços

internos da serraria, como: casa das máquinas, almoxarifado, campo de

futebol, escritório, armazém, cinema, hospital, casas residenciais, como os

externos: cemitério, campo de aviação e traçado de ruas de Três Barras. Ela

acabou por dar base para a atual configuração espacial urbana da cidade e

atraiu mão de obra da região.

23 TOKARSKI, Fernando. Saga polonesa na região do Contestado. Disponível em:

http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:nycOP2zm5ycJ:www1.an.com.br/200

0/jan/16/0ane.htm+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 12 jun. 2013. 24 MACHADO, Paulo Pinheiro Machado. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação

das chefias caboclas (1912-1916). Campinas-SP: UNICAMP, 2004. p. 143 25 AURAS, Marli. A guerra sertaneja do Contestado: organização da irmandade cabocla.

Florianópolis: Cortez, 1995. p. 100. 26 Sobre a company town da Lumber ver: LIMA, Soeli Regina. Capital transnacional na

indústria da madeira: company town e a produção do espaço urbano em Três Barras (SC).

(Dissertação de Mestrado). Curitiba: UFPR, 2007.

Soeli Regina Lima

70

Em análise da lista de empregados substituíveis, no prazo de 60 dias,

da Southern Brazil Lumber & Colonization Company, de 11 de maio de 1943,

são registrados os seguintes trabalhadores com nacionalidade polonesa.

Nº Nome Função atual Data de

Nascimento

Estado

civil

Nacional

idade

Nº de

filhos

01 Ladislau

Gemra

Feitor de

empilhação

07.01.1899 casado Polonesa 03

02 Miguel

Horski

Maquinista

oficina

11.09.1898 casado Polonesa 03

03 José

Dzidzitski

Serv.

Oficina

18.08.1894 casado Polonesa 05

04 Bohdan

Horski

Ajud.

mecânico

17.07.1923 solteiro Polonesa ----

05 João

Budney

Serv.

Caldeador

16.07.1926 solteiro Polonesa ----

06 Miguel

Pikarski

Feitor de

cascas

27.08.1891 casado Polonesa 06

07 Alberto

Janchionka

Cabo

foguista

23.04.1904 casado Polonesa 08

08 Constante

Walcoff

Maquinista 19.03.1896 casado Polonesa 04

09 Miran

Muzyka

Cabo

foguista

17.08.1904 casado Polonesa 05

10 Paulo

Jancoski

Foguista 03.01.1881 casado Polonesa 01

11 Francisco

Koslowski

Foguista 24.09.1902 casado Polonesa 02

12 Francisco

Piskorski

Foguista 17.10.1902 casado Polonesa 02

13 Nicolau

Ry

Servente de

cascas

08.06.1924 solteiro Polonesa ---

14 Vicente

Trela

Servente de

cascas

17.05.1905 casado Polonesa 03

15 José Olcha Servente de

cascas

17.02.1890 casado Polonesa 05

16 Boleslau

Olcha

Ajud.

Encanador

18.12.1910 casado Polonesa 05

17 Francisco

Jenzura

Enc.

Guardiões

25.03.1900 casado Polonesa 07

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

71

18 Bruno

Kaspczak

Serv. Mesa 10.10.1901 casado Polonesa 08

19 Miguel

Haydutski

Serv. Mesa 04.09.1906 casado Polonesa 03

20 Estanislau

Kot

Serv.

Empilhação

02.02.1892 Viúvo Polonesa ---

21 Antonio

Danieluk

Serv.

Empilhação

25.11.1889 Viúvo Polonesa 02

22 Miguel

Bulezyn

Serv.

Empilhação

10.11.1905 casado Polonesa 02

23 Estanislau

Fioleck

Serv.

Empilhação

11.11.1902 casado Polonesa 01

24 João

kaspczak

Serv.

Empilhação

26.02.1902 casado Polonesa 04

25 Francisco

Boava

Serv.

Empilhação

04.10.1902 casado Polonesa 04

26 Alberto

Jablonski

Serv.

Empilhação

15.03.1887 casado Polonesa 06

27 Miguel

Ruski

Serv.

Empilhação

14.04.1897 casado Polonesa 06

28 Elias Pruss Serv.

Empilhação

01.08.1896 casado Polonesa 03

29 Lourenço

Puzio

Carpinteiro 13.09.1887 casado Polonesa 02

30 Carlos

Rodachins

ki

Serv.

Empilhação

27.12.1900 casado polonesa 06

31 Antonio

Grabczak

Serv.

Capilhadeira

10.05.1887 casado polonesa 04

32 Miguel

Botfins

Serv.

Capilhadeira

20.09.1882 casado polonesa 01

33 José

Douba

Carpinteiro 14.03.1894 casado polonesa 04

34 Ladislau

Draczynski

Carpinteiro 20.03.1895 casado polonesa 05

35 Estefano

Draczynski

Ajud.

Carpinteiro

04.02.1925 solteiro polonesa ---

36 Miguel

Olzolnski

Carpinteiro 25.11.1896 casado polonesa 03

Soeli Regina Lima

72

37 Waldomiro

Switck

Servente 22.07.1906 casado polonesa 02

38 Tadeu

Domanski

Mecânico 16.08.1896 casado polonesa 02

39 Paulo

Wigladala

Serrador 14.01.1893 casado polonesa 06

40 Gregório

Kozak

Circuleiro 20.02.1907 casado polonesa 03

41 Valdomiro

Matiwiki

Servente 01.06.1921 casado polonesa 01

41 Pedro

Kislek

Servente 01.01.1887 casado polonesa 03

42 Victorino

Zapotoczn

y

Ajud.

Ferreiro

15.12.1909 casado polonesa 03

43 Leonardo

Boreicko

Servente

matas

12.02.1910 casado polonesa 02

44 Thomaz

Rubczak

Servente

matas

15.02.1908 solteiro polonesa --

45 Antonio

Farion

Servente

matas

21.08.1903 casado polonesa --

46 Estanislau

Ganloski

Servente

matas

05.06.1908 casado polonesa 03

47 Stanislau

Viateck

Servente

matas

11.11.1911 solteiro polonesa --

48 João

Puchinski

Servente

matas

16.02.1911 solteiro polonesa --

49 Miguel

Jatva

Servente

matas

23.03.1907 casado polonesa 03

50 José

Puchinski

Servente

matas

16.02.1910 casado polonesa 01

51 João Zator Servente

matas

14.08.1891 casado polonesa 02

52 Francisco

Repchinski

c

Servente

matas

12.04.1923 solteiro polonesa --

52 Ladislau

Tadra

Servente

matas

25.03.1904 casado polonesa 06

53 Thomaz

Vozniak

Servente

conserva

15.12.1908 casado polonesa 06

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

73

54 Miguel

Niconczuk

Feitor toras 21.11.1904 casado polonesa --

55 João

Kozow

Toreiro 12.08.1924 solteiro polonesa --

56 João

Rapchinski

Toreiro 04.10.1918 casado polonesa --

57 Izidoro

Vozniak

Toreiro 10.09.1916 solteiro polonesa --

58 Francisco

Majewski

Enc. Serraria 22.02.1891 casado polonesa --

59 José

Majeski

Afiador

serras

31.12.1894 casado polonesa 02

60 Stefano

Stipurski

Mecânico

encanador

15.08.1883 casado polonesa --

61 Ceslau

Sapals

Enc.

Almoxarifad

o

10.11.1899 casado polonesa 02

61 Alberto

Gura Filho

Afiador

serras

30.12.1900 casado polonesa 04

62 Carlos

Sczck

Contra

mestre

28.01.1889 casado polonesa 02

63 Theodoro

Senkiw

Caldeador 21.04.1892 casado polonesa 03

64 Romão

Latoch

Bitoleiro 28.02.1893 casado polonesa 02

65 Ladislau

Majcoski

Mecânico 02.02.1907 casado polonesa 01

66 Jacob

Sozotka

Chefe de

locomoção

10.01.1898 casado polonesa 06

67 Jacob

Paulovicz

Manobreiro

locom.

05.05.1911 solteiro polonesa --

68 Pedro

Sezotka

Maquinista 28.08.1900 casado polonesa 06

69 José

Gawron

Maquinista 05.01.1909 casado polonesa 05

70 Mariano

Puchinski

Foguista 18.07.1907 casado polonesa 01

71 Antonio

Cepuch

Foguista 25.04.1908 solteiro polonesa --

Soeli Regina Lima

74

72 José

Blasks

Feitor de

guincho

02.01.1895 solteiro polonesa --

73 Alberto

Chonatka

Maquinista 15.01.1908 casado polonesa 03

74 Elias

Skulski

Foguista 16.07.1914 solteiro polonesa --

75 Francisco

Rodachins

ki

Foguista 15.09.1910 solteiro polonesa --

76 João

Xlapeuch

Agrimensor 06.11.1908 casado polonesa 03

77 Miguel

Oleynik

Modeleiro 04.04.1896 casado polonesa --

78 José

Kussen

Maquinista 25.04.1896 casado polonesa 05

79 João

Farian

Carpinteiro 07.08.1900 casado polonesa 03

80 Paulo

Hozuff

Toreiro 05.07.1922 solteiro polonesa --

Quadro 03 – Trabalhadores poloneses

Fonte: Relação de empregados substituíveis no prazo de 60 dias

Southern Brazil Lumber & Colonization Company (Incorporada), 1943.

Num comparativo com outros imigrantes que trabalhavam na Lumber

no mesmo período, temos os seguintes dados: 637 brasileiros, 80 poloneses,

09 ucranianos, 03 americanos, 08 alemães, 10 austríacos, 06 portugueses, 01

lituano, 03 russos, 01 holandês, 01 francês, totalizando 759 trabalhadores em

1943. No gráfico abaixo é possível comparar a participação polonesa na

serraria.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

75

Gráfico 01 – Trabalhadores quanto à nacionalidade.

Fonte: Relação de empregados substituíveis no prazo de 60 dias

Southern Brazil Lumber & Colonization Company (Incorporada), 1943.

A história de vida do polonês Luis Szczerbowski entrecruza-se com a

dos demais imigrantes poloneses que se instalaram nas colônias Três Barras e

Tigre, na procura de melhores condições de vida decorrente da presença da

Lumber. É o que veremos a seguir.

Do polonês Luis Szczerbowski

O comerciante, jornalista, açougueiro, apicultor, professor, fotógrafo,

agricultor e apontador de madeiras nasceu no condado de Wadowice, na

região da Pequena Polônia, aos 17 agosto de 1883, filho de Walentin

Szczerbowski e de Marja. Consta que veio ao Brasil por volta de 1900, ainda

solteiro, instalando-se em Curitiba (PR). Estabelecido em Curitiba, casou-se

Soeli Regina Lima

76

com a imigrante polonesa Marja Wojtowicz. Foi editor do jornal Naród (O

povo), com 600 exemplares de tiragem, de 01 de janeiro de 1908 até o final de

1909. Era um jornal de caráter popular, onde o redator (ele próprio) posava de

camponês.

Segundo a neta Domicela Brehmer27, Szczerbowski, o avô,

transcreveu um artigo, denunciando que o governo brasileiro ganhava certa

quantia para cada polaco imigrado ao país. Sabe-se que Szczerbowski foi

censurado por autoridades governamentais e que “estranhamente”, de acordo

com Domicela, recebeu um emprego na indústria madeireira Southern Brazil

Lumber & Colonization Co., em Três Barras.

A chegada de Szczerbowski em Três Barras, de acordo com o neto

Alvino Szczerbowski28, seguiu o seguinte itinerário:

Ele desembarcou no Porto Amazonas, no rio Iguaçu.

Desceu São Mateus, toda essa região do rio Iguaçu, daí

subiram pelo rio Negro e daí desembarcaram ali onde

hoje é o Clube do Bolinha, que era o Porto da Lumber,

daí vieram para a Colônia Tigre29.

Ele tornou-se o primeiro fotógrafo da região. Poliglota, falava e

escrevia nos idiomas polaco, russo, alemão, inglês e português.

Na Lumber era apontador e comprador de madeiras no início da

colonização da empresa americana e por falar o inglês “...era muito

chegado...” aos diretores da companhia30. Aos 25 de janeiro de 1922 obteve o

título eleitoral 1.91[?]31.

27 BREHMER, Domicela Szczerbowski. Entrevista concedida a Fernando Tokarski.

Canoinhas, 24 nov. 2000. 28 Neto do fotógrafo Luis Szczerbowski, Alvino, nasceu em 1938, é um dos herdeiros

proprietários de terras adquiridas pelo avô no início do século XX. Seu pai nasceu em 22 de

março de 1912, em Curitiba. Tinha em torno de 3 meses de idade quando o avô mudou

residência para Três Barras. Ele concedeu uma série de entrevistas sobre a família e o sistema

produtivo da Lumber. 29 SZCZERBOWSKI, Alvino. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Fevereiro, 2014. 30 SZCZERBOWSKI, Luiza Schellenberger. A saga da família Szczerbowski. A Gazeta, Três

Barras, p. 12, ago. 2004. 31 CANOINHAS. Superintendencia de Canoinhas. Termos de inclusão no allistamento

eleitoral de Canoinhas – Livro II, f. 73.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

77

Em 1923, no lugar denominado Cruz ou Passo da Cruz iniciou as

atividades de um moinho de cereais movido com força hidráulica fornecendo

ainda energia elétrica à sua residência32. Também foi professor da escola

“Biblioteka Polska”, da vila de Três Barras. Ali, aos 06 de abril de 1918 casou

oficialmente, unindo-se à polaca Marja Wojtowicz, nascida em 1º fev. 1883,

filha de Andrzej Wojtowicz e de Aniela.

Em Três Barras instalou um ponto comercial- Casa Central, na rua

com o mesmo nome, que por alguns anos movimentou o comercio

tresbarrense. Os seus primeiros implementos agrícolas foram trazidos da

Eslováquia. Formou um pomar com sementes importadas produzindo frutas e

verduras de excelente qualidade. Foi um autêntico empreendedor. Instalou na

Colônia Tigre um gerador elétrico e um moinho colonial movido com força

hidráulica para moer trigo, centeio, milho, tafona de farinha de mandioca e

polvilho, descascador de arroz, picador de palha. Teve ainda um apiário.

O casal teve os filhos Boleslau (*Paraná, 15 de junho de 1905 †05 de

março de 1999; casado com Catharina *14 de novembro de 1909 †17 de julho

de 1967)33, Luiz (*1915), Marianno (*1916) e Alexandre (*09 de novembro

de 1920 †17 de janeiro de 2008)34.

No ramo do fumo foi proprietário de uma fábrica de cigarros. A

produção de cigarros de papel tinha as marcas “Três Barras” e “Rio Tigre”,

utilizando um filtro denominado “Salvesol”, composto de algodão químico

que não permitia a passagem do narcótico para os pulmões, como citado nas

propagandas das embalagens. Do cigarro RIO TIGRE:

Mistura especial: cigarros sem colia. Cigarros com

preparo Salvesol”; “Papel extra especial de primeira

qualidade CHIC e ELEGANCIA”; “Cigarros modernos

com piteiras, feitos de excellentes fumos, escolhidos

entre as melhores qualidades existentes no Brazil”;

“Medalhas nas diversas exposições.

32 CANOINHAS. Superintendência de Canoinhas. Distrito de Três Barras. Commercio,

industria e profissão – 1923. f. 5-13. 33 Boleslau Szczerbowski. *15/6/1905 †5/3/1999; Catarina Szczerbowski. 14/11/1909 †17/7/1967. 2 placas em granitina. Localização: Cemitério de Três Barras (SC). 34 ÓBITOS. Correio do Norte, Canoinhas, ed. 2.819, p. 25, 25 jan. 2008.

Soeli Regina Lima

78

Nas embalagens dos “Cigarros Três Barras” está registrado:

Papel especial de primeira qualidade. Mistura de fumos

Turco e Goyano”; Cigarros modernos com piteiras, feitos

de excellentes fumos, escolhidos entre as melhores

qualidades existentes no Brazil”; “Mistura excellente-

Cigarros com preparo Salvesol”;“SALUBRES-GOSTOS-

CHIC-ELEGANCIA”; “ATTENÇÃO o preparo

*Salvesol* é introducção chimica de algodão e possue as

qualidades de no fumar absorver o narcótico e ficar

indissoluvel, não permitindo assim sua passagem para a

bocca e perdendo com isto a prejudicial acção para a

saúde. Os nossos cigarros são feitos sem a colla, de

melhor papel até agora existente. A fumaça destes

cigarros é mora e leviana e não muda o gosto do fumo”;

“Premiado nas diversas exposições”.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

79

Embalagens de cigarros produzidos por Luis Szczerbowski.

Fonte: Alvino Szczerbowski

Soeli Regina Lima

80

Como fotógrafo deixou registros de datas e localização espacial,

oferecendo a possibilidade de reconstituição dos acontecimentos históricos.

Comemorações da Independência dos EUA

Fonte: Luis Szczerbowski

Acervo: Leonardo Szczerbowski

Fotografia histórica de 4 de julho de 1913, quando das comemorações

da independência dos Estados Unidos da América, realizada em Três Barras

(PR). O registro fotográfico demonstra o conhecimento por parte do fotógrafo

do idioma inglês. No canto inferior direito é possível identificar a assinatura

do fotógrafo.

Observa-se um grupo em cavalgada formado por duas mulheres e dez

homens. Este grupo encontra-se com o chapéu disposto em posição de

respeito, o que sugere um momento cívico. À frente do grupo, do lado

esquerdo da foto, um homem em pé dá a entender que discursa para o grupo,

comandando o ato. No fundo do cenário as edificações do local se referem ao

acampamento da Lumber, como era chamado.

De acordo com relato do neto do fotógrafo, esta cena foi retratada no

local onde foi a primeira “entrada da Lumber”. Seu pai contava como o avô

preparava o local, limpando-o para a festa ali realizada, onde participaram os

“chefes” da Lumber.

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

81

O meu pai me contava, que aqui onde é o potreiro,

passava a estrada de ferro, lá onde não foi mexido, dá pra

ver o corte, porque onde foi feito lavoura já desapareceu.

Onde era aterro desmontaram onde era corte também.

Tem lugar que tem o corte, essas coisas onde tem lavoura

já sumiu, mas aonde não foi mexido existe sinal da

Lumber, era estrada de ferro. Pena que foi fechado o

buraco (mostrando o lugar) quando enterraram cabeça de

gado. Esse buraco servia para consertar o vagão de trem

pela parte de baixo. Os homens ficavam embaixo do

trem. Ficava bem perto do lugar onde tinha os tanques de

água que abasteciam as maquinas. Tinha uma caldeira

que bombava a água do rio35.

Além deste depoimento, outros relatos foram apresentados do local

como de onde se havia os tanques de água que abastecia as locomotivas a

vapor. Pela presença do rio nas proximidades, água não era problema para a

Lumber.

Acampamento da Lumber

Fonte: Luis Szczerbowski

Acervo: Leonardo Szczerbowski

35 SZCZERBOWSKI, Alvino. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Fevereiro, 2014.

Soeli Regina Lima

82

A fotografia apresenta o cotidiano da Colônia Rio Tigre, no período

em que Três Barras pertenceu ao Paraná. Observa-se que houve a

preocupação de dispor estrategicamente três homens, que se encontram em pé,

numa improvisada plataforma de trem. Os três sorriem para o momento do

registro. As quantidades de madeira no barranco de lado direito somadas ao

empilhamento de toras no fundo da imagem demonstram o papel estratégico

da exploração madeireira na comunidade local. A construção das casas

obedecia a certa uniformidade quanto ao material, cor e tamanho. Os bancos

localizados nas pequenas varandas mostram o nível de produção dos

marceneiros.

Próximo a eles, uma mulher de costas caminha. Outra mulher está

localizada no canto superior direito da foto acompanhada de três crianças,

numa cena familiar, o que comprova a presença de famílias nos

acampamentos da Lumber. Esses acampamentos trocavam de lugar de acordo

com a exploração madeireira; quando se esgotava a matéria-prima era

transferido. As terras eram então comercializadas. Segundo informações de

Alvino Szczerbowski (2014) na Colônia Tigre muitos imigrantes compraram

o seu lote de terras pagando com trabalho para a companhia.

Na propriedade herdada da família Szczerbowski, atualmente, reside

aos 99 anos de idade, uma das noras de Luis Szczerbowski. Nascida no dia 01

de abril de 1915, com disposição e saúde ela recebe muito bem aqueles que

desejam ouvir sobre o passado tresbarrense e em especial fala sobre o dia a

dia das famílias, com histórias de casamento, doenças e festas locais. A sua

casa foi construída, por volta de 1936. Caminhando pelo local, é possível

identificar o traçado da ferrovia que passava bem em frente à atual casa, onde

há vestígios dos “cortes”, ou seja, dos aterramentos criados para os trilhos de

trem.

Dona Martha Hoinaski Paiter Paiter36 registra alguns aspectos da

Colônia Tigre.

No Tigre cada qual tinha o seu lote, um terreno. Aquilo lá

foi loteado, um lote de 10 em 10 alqueires. Daí ali tinha

de vizinho o Setenike, o Ladaninski, o Zabloski, parente

do falecido Zé. Depois era nós. Era tudo lote cortado,

assim, de 10 alqueires cada um. Era pra lá dos

36 Martha Hoinaski Paiter, nascida em 24/01/1939, filha de Luiz Hoinaski e de Anástacia

Sawinsky Hoinaski, foi moradora da Colônia Tigre

Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico

83

Szczerbowski. [...] A estrada, a maioria era por onde

passava os trilhos da Lumber. Assim eu me lembro ali

onde era o Oker agora, a autoelétrica, na BR para

Canoinhas, ali era linha. Nós vínhamos da escola, eu era

criança, eu tinha uns 10, 11 anos, nós vínhamos da escola

pela linha, até a antiga Oker e nós subia essa rua aqui, era

uma estradinha e ia no Savinski, que era meu tio. Eu

parava ali um tempo, quando ia pra escola. Então era

linha ali onde é a autoeletro do Ze Neto, ali tinha um

rancho que era do Tamanduá. Tinha um ranchinho, ele

parava com o vagonete que desembarcava e ia

empurrando, levava as ferramenta da Lumber. Nós vinha

pela linha do trem, subia pela estradinha até aqui. Não

tinha rua como hoje.

Ainda sobre a realidade da Colônia, ela afirma:

Eu nasci aqui (Três Barras) e não sei com que idade eu

fui pra lá (Colônia Tigre), daí com 13 anos nós voltamos

pra cá, (Vila Nova). O meu pai fez escritura do terreno

pra todos nós [...]. E foram vendendo e todo mundo

vendeu. Mas é que as famílias envelheceram e os jovens

vão ficar na lavoura fazendo o que? Foram se mandando

também. Hoje se ficou alguém, o mínimo. Porque hoje os

colonos também têm seus direitos, sua aposentadoria e

antes não tinha. Ninguém queria ficar na lavoura37.

Quanto ao final da vida de Luis Szczerbowski ele faleceu em 27 de

novembro de 1927, aos 44 anos, após uma extração de dente por ele mesmo

realizada. No inventário dos bens é citado uma casa coberta de zinco contendo

225 m², um moinho e fábrica de farinha, uma máquina de picar palha, uma

carroça tracionada por quatro cavalos, um arado, uma grade agrícola, dois

lotes urbanos transferidos ao filho Boleslau, um conto e 500 mil réis

37 PAITER, Martha Hoinaski. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Junho, 2014.

Soeli Regina Lima

84

concedidos ao filho Marianno e a mesma quantia aos filhos Luiz e Alexandre,

respectivamente. Maria, sua esposa, declarou testamento em 20 de julho de

1931, “...sentada em leito, doente...”, no bairro rural de Tigre. Ela faleceu em

1º de agosto do mesmo ano, aos 44 anos. Os restos mortais do casal foram

sepultados no cemitério público de Três Barras.

Considerações finais.

A sociedade tresbarrense teve sua história marcada pela presença de

imigrantes poloneses e com a serraria Lumber viveu o auge da modernidade,

no início do século XX, Neste cenário Luis Szczerbowski foi um visionário

para o seu tempo, pois ao implantar seus empreendimentos apostou no fluxo

econômico local em decorrência do alto grau de produtividade da serraria.

Deixou suas laminas fotográficas em vidro com descendentes. Alguns ainda

as mantém aguardando por serem reveladas, outras já foram divulgadas, mas

em muitos casos sem os créditos de sua autoria, o que dificulta sua

localização. O desejo do polonês em prosperar acompanhou e mesmo

contribuiu para o desenvolvimento local.

Sua descendência, além da memória imaterial guarda a memória

material do fotógrafo. É o passado entrecruzado com o presente e futuro, pois

durante as entrevistas constatou-se a preocupação com o local em manter viva

a memória histórica. As embalagens de cigarro são guardadas com orgulho

pelos netos, bem como fotografias e longas história de vida da família. Nas

palavras de Ernst Noute (1988)38 é: “Um passado que não quer passar”.

38 NOLTE, Ernst. Devant I´histoire. Les documents de la controverse sur la singularité de l´

extermination des Juifs par le regime nazi. Paris: Cert, 1998.