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Fronteiras: Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.23, p.58-84, 2014.
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Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
Migrations and local development: a biographic study
Soeli Regina Lima1
Resumo: Este trabalho analisa a
trajetória de imigrantes como precursores
do desenvolvimento local. Realizamos o
estudo biográfico de Luís Szczerbowski,
que se instalou em Três Barras-SC, no
início do século XX. Ele trabalhou como
apontador de terras da serraria Southem
Brazil Lumber and Colonization
Company, sendo ainda apicultor,
agricultor, comerciante, proprietário de
fábrica de cigarros e fotógrafo. Pautamo-
nos em fontes orais e escritas somada as
referências bibliográficas. Elucidamos
aspectos da relação entre os imigrantes
poloneses entrelaçadas ao poder
econômico da serraria.
Palavras-chave: imigração, biografia
histórica, desenvolvimento local,
colonização.
Abstract: This work analyses the
immigrants’ trajectory as precursors of
the local development. We made the
biographic study of Luís Szczerbowski
who settled down in Três Barras-SC at
the beginning of the 20th century. He
worked as a land dealer in the sawmill
Southern Brazil Lumber and
Colonization Company, being also an
apiarist, an agricultor, a trader, a
cigarettes factory’s owner and a
photographer. We have based ourselves
in oral and written sources added to
bibliographic references. We elucidated
aspects from the relation among the
Polish immigrants interwoven to that
sawmill economical power.
Key-words: immigration, historical
biography, local development,
colonization
Introdução
Diferentes são os estudos2 de imigração e sua relação de ocupação
espacial e desenvolvimento local. O que pretendemos identificar neste
1 Mestre em Geografia, pela UFPR e Especialista e Graduada em História, pela FAFIUV. Atualmente é Docente da Universidade do Contestado – UnC. Email: [email protected]
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
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trabalho é a relação do sistema produtivo da Southern Brazil Lumber and
Colonization Company com os imigrantes poloneses e consequente
desenvolvimento local.
Colônias de imigrantes prosperaram no Brasil, ora por iniciativa dos
colonos na organização entre famílias, ora pelas experiências trazidas da
Europa. Em nosso caso de estudo, o desenvolvimento local estava pautado no
capital transnacional, implantado no interior brasileiro, pela serraria Lumber
que acabou por atrair mão-de-obra de imigrantes. Partimos da biografia
histórica de Luís Szczerbowsk o qual teve a capacidade de, em poucos anos,
diversificar suas atividades econômicas acompanhando o desenvolvimento
local.
O imigrante polonês iniciou suas atividades como apontador de terras
da Lumber, quando das primeiras “entradas” da serraria, para retiradas das
árvores nativas. Desvinculou-se profissionalmente, comprou seu espaço de
terra da serraria, já explorado, com cortes e trilhos, construiu sua morada,
dando início a Colônia Tigre, passando a trabalhar de forma autônoma. Nesta
fase prosperou, pois teve grande capacidade de inovação. Buscou o diferente.
Além do comércio e da agricultura trabalhou com apicultura, pomares de
hortaliças e flores. Instalou, ainda, uma fábrica de cigarros, importando fumo
da Turquia. Sua capacidade inventiva era alimentada por leituras. Leitor
assíduo estudava minuciosamente os detalhes para novos investimentos. Sua
biografia histórica se entrecruza com a de muitos poloneses que trabalharam
na Lumber. Dedicando-se a arte da fotografia, deixou valiosos registros sobre
o período.
Biografia histórica
2 FAUSTO, Boris. Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo:
EDUSP, 1999; NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do território, população e
migrações. Curitiba: SEED, 2001; SOUZA, Celso de Oliveira; ZWIEREWICZ, Marlene. Da
“Polska” à terra prometida: o legado polonês em Santa Catarina e um tributo à comunidade
do Chapadão/Orleans. Florianópolis: Insular, 2009; PETRONE, Maria Teresa Schorer.
Imigração. In: FAUSTO, Boris. História Geral da civilização brasileira. O Brasil
Republicano. v.2. Sociedade e Instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997;
LAROCCA JÚNIOR, Joel; LIMA, LUIGI, Pier; Clarissa de Almeida. Casa eslavo-
paranaense: arquitetura de madeira dos colonos poloneses e ucranianos do Sul do PR. Ponta
Grossa: Editora Larocca Associados S/S Ltda., 2008.
Soeli Regina Lima
60
O estudo biográfico é uma possibilidade de identificar, a partir das
experiências individuais, a realidade vivida coletivamente. O ser humano age
de acordo com a realidade sociocultural em que está inserido, criando e
recriando dialeticamente novas experiências de vida, os estudos
pormenorizados de determinados sujeitos sociais podem elucidar o passado
histórico num contexto amplo. A construção da narrativa histórica, por parte
do historiador, situando o sujeito biografado com a conjuntura e a estrutura
econômica e social da época são formas de revelar características de
determinados realidades espaciais e temporais.
O estudo biográfico passou por fases distintas no campo
historiográfico. “O século XIX, século da História, não foi propício ao
desenvolvimento pleno das biografias eruditas. Gênero inferior e desprezado,
a escrita biográfica fica relegada aos amadores. No início do XX, a situação
continua a mesma, se é que não se agrava”3. “Em 1903, na Revue de
Synthése historique, o sociólogo durkheimiano François Simiand instava os
historiadores contemporâneos, de maneira polemica, a quebrar seus três
ídolos, a cronologia, a política e a biografia”4.
A princípio, na fase da História Magistra vitae5, o individual
prevalecia sobre o coletivo. “Ela orientou, ao longo dos séculos, a maneira
como os historiadores compreenderam o seu objeto, ou até mesmo a sua
produção”6. Nesta perspectiva podemos citar o caso das biografias produzidas
na História política, onde a figura central do governante era imortalizada Ela
era produzida com os feitos épicos, de valentia, poder ou mesmo em oposição,
de fracassos, narrados de forma linear, subjetivista, factual, o que levou a
tornar este tipo de história obsoleta.
Anedótica, individualista, essa história incorria ainda no
erro de cair no idealismo. Por desconhecer as forças
profundas e as causas ocultas, e ignorar as necessidades e
3DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de
Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 196. 4 Idem. 5 KOSELLECK (2006) afirma que Historia do presentismo vem em substituição à história
magistra, expressão, esta usada no contexto da oralidade, onde o orador é capaz de emprestar o
sentido de imortalidade à história como instrução para a vida, ou ainda, como coleção de
exemplos, para que pudessem reconhecer no futuro casos semelhantes. 6 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-RJ, 2006. p. 42.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
61
os mecanismos, ela imaginava que as vontades pessoais
dirigem o curso das coisas, e às vezes levava mesmo a
cegueira até ao ponto de acreditar que as ideias conduzem
o mundo7.
Ao privilegiar o particular, em contraponto ao nacional, essa história
acaba por privar diferentes possibilidades de comparações no espaço e no
tempo, das generalizações e sínteses.
O retorno da biografia histórica se dá com a nova história política,
onde a partir do indivíduo as relações do Estado são investigadas. Neste
sentido, a produção de biografias políticas teve grande aceitação. Os
bastidores da ideologia dominante, do período histórico descrito, passaram a
ser reveladores de culturas e sociabilidades. Dito de outra forma:
Mas a história política- e esta não é a menor das
contribuições que ela extraiu da convivência com outras
disciplinas- aprendeu que se o político tem características
próprias que tornam inoperante toda análise reducionista,
ele também tem relações com os outros domínios; liga-se
por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os
outros aspectos da vida coletiva8.
Observa-se que as biografias políticas ao descobrir o cotidiano, os
prós e contras de grandes nomes passaram a vender e a despertar curiosidade.
“A intrusão do biográfico e do autobiográfico nas ciências sociais sacode
alguns postulados “científicos” em nome dos quais essa dimensão fora até a
época expelida das pesquisas eruditas, pois os relatos se situam num espaço
entre escrita e leitura literárias ou entre a escrita e leituras científicas”9. Este
fato leva a reflexão sobre ficção e história e de como construir o relato. Neste
sentido: “A biografia se torna, pois, o ensejo da adesão de ambas as
7 RÉMOND, René. Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p.18. 8 Ibidem, p.29. 9 DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de
Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. p. 242
Soeli Regina Lima
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disciplinas a uma epistemologia do entremeio, que Certeau define com seu
paradoxo de ficção científica”10.
Por parte da Nova História, na história descrita como vista de baixo,
ou micro história11, a biografia retorna com ênfase. As biografias realizadas pela
micro-história tratam de personagens comuns, diferentemente das biografias
prosopográficas, ou biografias coletivas. Giovani Levi, citado por Vainfas (2002)12
propõe certa tipologia da perspectiva biográfica dividindo-a em:
a) prosopografia ou biografia modal; se presta menos aos estudos
microanalíticos, nesse campo não há, propriamente “biografias
verídicas”, mas a utilização de dados biográficos para fins
prosopográficos. b) Biografia e contexto: a biografia individualizada conserva sua
especificidade, sem ser exclusiva ou concentrar o foco do historiador. A
época, o meio e a ambiência também são muito valorizados como
fatores capazes de caracterizar uma atmosfera que explicaria a
singularidade das trajetórias. c) Biografia e casos extremos: os contextos históricos são alcançados pelas
margens do campo social, por intermédio da biografia de personagens
singulares. d) Biografia e hermenêutica: gênero mais típico da antropologia e da
história oral, baseado em arquivos orais e nele o material biográfico
torna-se intrinsecamente discursivo. Resta-se menos a micro-história. As obras de Carlos Ginszurg “O queijo e os vermes”, (1971), em
edição italiana e “O retorno de Martin Guerre” (1983), de Natalie Davis, são
exemplos destes casos. “Os temas mais aptos a uma investigação
microanalítica são aqueles ligados a comunidades específicas- referidos
geográfica ou sociologicamente, às situações-limite e às biografias”13.
No que concerne à temporalidade:
10 Idem. 11 “Mas é certo que a micro-história tem seus temas preferenciais ou tipos de temas mais
passíveis de serem estudados em escala reduzida. Grandes episódios e personagens célebres
são, assim menos usuais e menos bem-vindos à microanálise que, por sinal, desde o início se
animou com a possibilidade de inverter a história e reconstruí-la ´a partir de baixo`. Assim,
pode-se dizer que os temas mais aptos a uma investigação microanalítica são aqueles ligados a
comunidades específicas –referidos geográfica ou sociologicamente-, às situações-limite e às
biografias.”. (VAINFAS, 2002, p 136) 12 VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: micro-história. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.140 13 Ibidem, p 136.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
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O tempo da micro-história, considerada sua inspiração
antropológica e sua preocupação etnográfica, é o tempo
das estruturas; mas é também, simultaneamente,
considerado seu propósito fundamental de resgatar
personagens anônimos, imbróglios aparentemente banais
ou situações-limite de determinada época, o tempo do
acontecimento. É nesse sentido que, ao meu ver, a micro-
história é capaz de operar nessa ambivalência temporal
que combina o fato específico, explícito na narrativa, e o
sistema geral dos códigos e normas, quase sempre
implícito14.
Para o historiador adentrar no campo da biografia histórica é fazer a
história do tempo presente15, ou seja, trabalhar com os regimes de
historicidades, aquele em que passado, presente e futuro se entrecruzam. Na
dialética temporal os acontecimentos vão sendo decifrados, onde podemos
analisar a sociedade, entre outras formas, através da biografia histórica. O
mundo vivido por determinado sujeito pode revelar muito mais que uma
experiência pessoal, ela vai além, apontando as articulações entre público e
privado, do particular para o coletivo, das dependências, das consequências
dos sistemas econômicos, sociais e culturais das sociedades.
Imigração polonesa e Southern Brazil Lumber and Colonization Company
A imigração, no caso brasileiro, fez parte da política de ocupação
espacial dos vazios demográficos. Desta forma, o governo acabou por criar
políticas imigratórias, já no período imperial. A urbanização, a
industrialização gerou o movimento demográfico na Europa, conduzindo as
grandes migrações transoceânicas, no século XIX e XX.
14 Ibidem, p. 134 15 Sobre a história do tempo presente ver: HARTOG, François. Regimes de historicidade:
presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. KOSELLECK,
Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Ed.PUC-RJ, 2006. VARELLA, Flávia F. et al. (Org.). Tempo presente & usos
do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
Soeli Regina Lima
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No estado catarinense a colonização ocorreu na grande maioria com
iniciativas de companhias particulares. Os imigrantes poloneses chegaram
com o navio Victoria em 1869, no porto de Itajaí, com destino à Colônia
Brusque. Foi mais ou menos nessa época, em agosto de 1869, que veio ao
porto de Itajaí, a bordo do navio “Vitória”, o primeiro grupo de emigrantes da
Alta Silésia. “Era um grupo de 64 pessoas”16. Nos anos subsequentes, até
próximo a 1914, mais de cem mil poloneses ingressaram no país, sendo
estabelecido em 91 colônias, na região Sul. Destes, quase 50% foram
assentados no Paraná.
No caso paranaense foi em 1867 que desembarcou Edmundo
Sebastião Wos Saporski, considerado o “pai’ da imigração polonesa no
estado. Após passar um ano em Montevidéu, estabeleceu-e na colônia
Blumenau, observou a estrutura da colônia e retornando ao Paraná procurou
convencer a administração, da cidade de Curitiba, de trazer imigrantes. Em
julho de 1871 a Câmara de Curitiba ofereceu terrenos aos colonos na
localidade de Pilarzinho. Estabeleceram-se ali famílias polonesas, transferidas
com a permissão do Imperador, da colônia de Brusque.
Baseados em relatórios oficiais brasileiros, bem como em
dados de conhecedores particulares, como por exemplo,
do Sr. S. Saporski, em anotações de diversos líderes,
publicações polonesas e trabalhos nesse campo, no
primeiro período da emigração polonesa ao Brasil, até
1889, vieram 8.080 almas, das quais 7.030 ao Paraná, 750
a Santa Catarina, 300 ao Rio Grande do Sul e cerca de
500 a outros estados. O segundo período, que abrange a
“grande emigração”, deu ao Paraná 14.286 almas,
arredondando 15.000 almas, a Santa Catarina 5.000
almas, ao Rio Grande do sul 25.000 almas, a São Paulo
13.500 almas, a outros Estados 5.000 almas. Ao todo,
arredondando, 63.000 almas. No terceiro período, até o
ano de 1900, vieram ao Paraná 6.000 almas, a outros
Estados- 500 almas polonesas17.
16 GLUCHOWSKI, Kazimierz. Os poloneses no Brasil: subsídios para o problema da
colonização polonesa no Brasil. Trad. Mariano Kawka. Porto Alegre: Rodycz & Ordakowski,
2005. p. 29.
17 Ibidem, p. 39.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
65
Em se tratando da imigração via Brazil Development and
Colonization Company18, no relatório de 1910, Farquhar19 informou aos
sócios da Brazil Railway, que havia criado 13 colônias agrícolas, num total de
315 mil hectares ao longo da EFSPRG- Estrada de Ferro São Paulo Rio
Grande, no Vale do Rio do Peixe. Em 1911, começaram as previsões para o
Vale do Iguaçu, com um plano de assentar dez colônias em cerca de 510 mil
hectares. A propaganda na Europa foi realizada pela companhia. Na Galícia o
agente dela era o conde Le Hon. Em 1912, um visitante britânico viu apenas
quatro colônias realmente importantes nos mais de 2,4 milhões de hectares
cedidos à EFSPRG.
Os imigrantes poloneses e austríacos foram os primeiros a se instalar
nas colônias de Farquhar, seguidos, em 1911, pelos holandeses. No início
recebiam ajuda do departamento de colonização. Eram instalados armazéns
para gêneros alimentícios. Com o alto grau de endividamento dos colonos as
regras foram alteradas. Os colonos deveriam deslocar-se até as colônias com
recursos próprios. A companhia demarcava os lotes, fornecendo sementes,
utensílios agrários e orientações técnicas, criando ainda, mercado para os
produtos nas estações ao longo da ferrovia.
Passaram, então a selecionar candidatos mais experientes para suas
colônias em Santa Catarina. Houve progresso nas colônias. Muitos assentados
conseguiram quitar a compra de suas terras em apenas três anos.
Além de poloneses, ucranianos posteriormente, no Vale do Rio do
Peixe, chegaram italianos, alemães entre outros grupos étnicos menores.
Em 1912 foi aberta a Colônia no Rio das Antas, em Santa Catarina,
para teuto-brasileiros oriundos de colônias do Rio Grande do Sul, que estavam
18 Percival Farquhar, empreendedor norte-americano, além de inúmeros outros investimentos
realizados nas Américas, criou em 12 de novembro de 1906, nos Estados Unidos, a Brazil
Rawail Company, assumindo a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande. Sendo ele
um visionário econômico, ampliou seus investimentos criando duas subsidiárias a Brazil Development and Colonization Company, para povoar as terras devolutas recebidas na
construção da estrada de ferro e a Southem Brazil Lumber and Colonization Company, que
obteve autorização para instalar serrarias. 19 Sobre Percival Farquhar e seus investimentos ver: GAULD, Charles. FARQUHAR – o
último titã - um empreendedor americano na América Latina. São Paulo: Editora de Cultura,
2006.
Soeli Regina Lima
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lotadas ou exauridas pela pressão de famílias grandes sobre pequenos sítios de
20 hectares.
Valentini (2009)20 ao analisar um mapa antigo de Campos Novos,
relata a existência de colônias na grande faixa de terra ao longo das margens
do Rio do Peixe, local onde foram estendidos os trilhos da EFSPRG. Em áreas
já demarcadas, observam-se a Colônia do Rio do Peixe, Capinzal, Bom Retiro
e Colônia do Rio das Antas.
Para Três Barras21, município localizado no planalto norte
catarinense, os imigrantes instaram-se nas colônias Três Barras e Rio Tigre,
deslocando-se de colônias proximais22, na procura de melhores condições de
vida, decorrente da presença da Lumber.
No ano de 1920, nos registros de Santa Catarina aparecem 250
famílias residindo em colônias, 200 espalhadas pela região e 50 nas cidades.
Em comparação com as demais colônias Três Barras ocupava o terceiro lugar
no número de famílias, em segundo lugar no número de poloneses dispersos
na região e em primeiro lugar no número de poloneses que viviam na cidade.
20 VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no sul do Brasil: a instalação da Lumber e a guerra na região do Contestado (1906-1916). Tese (Doutorado em
História) – PUC do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. 21 Três Barras localizava-se em terras contestadas que eram administradas pelo Paraná e que,
com o Acordo de Limites de 1916, passaram à administração catarinense. 22 O movimento interno ocorreu em outras regiões do estado: “[...] entraram no vale do Itajaí,
entre 1903 e 1914, cerca de 1.600 imigrantes, na maioria alemã e 500 colonos vindos de zonas
de antiga colonização. De 1915 a 1918 foram introduzidos 1.100 colonos de procedência
interna; de 1919 a 1922 um total de 783 imigrantes e 1.118 colonos internos; de 1923 a 1926, 2.781 imigrantes e 2.226 colonos de procedência interna; de 1927 a 1930 chegaram a essa área
de Santa Catarina 1.663 imigrantes contra 560 colonos internos”. (PETRONE, 1997, p. 126).
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
67
Nome Nº de
Famílias
Nas velhas
Colônias
Dispersos
pela região
Nas
cidades
Rio Vermelho 50 50 -- --
Rio Natal 85 50 35 --
Dispersos além de Rio Natal até
Massaranduba na Colônia Hansa
100 -- 100 --
Bateias, Avenquinha e dispersos
em São Bento, Campo Alegre e
São José
400 -- 400 --
Massaranduba 200 200 -- --
Indaial, Pinheiro e dispersos em
Blumenau e Brusque
150 50 100 --
Florianópolis 20 -- -- 20
Grão-Pará, Órleans e arredores 100 80 20 --
Esteves Júnior, Anitápolis e
região
100 100 -- --
Cocal, Criciúma e região 150 100 50 --
Mafra e colônia vizinha Augusta
Vitória
50 40 -- 10
Itaiópolis (Lucena e região) 1.200 900 300 --
Três Barras, Rio Tigre e região 250 -- 200 50
Dispersos no município de
Canoinhas
100 -- 100 --
Porto União da Vitória, Ant.
Cândido, Barreiros
30 20 -- 10
Legru 40 40 -- --
Nova Galícia 60 60 -- --
Dispersos no estado 50 -- 50 --
Total 3.135 1.690 1.355 90
Quadro 01 – Total de poloneses em Santa Catarina: 3.135 famílias X 6 almas
= 18.810 almas
Fonte: GLUCHOWSKI, 2005, p.116.
Os poloneses haviam criado, no Brasil, associações pertencentes à
União “Cultura” que atuavam em diferentes campos como educação, cultura,
esportes, escoteiros. Três Barras, no ano de 1915, teve a única associação do
estado catarinense, registrada com o nome de Biblioteca Polonesa. No total,
Soeli Regina Lima
68
pertenciam à Cultura “União” 65 sociedades, contando com 1.583 sócios, cujo
patrimônio esteve estimado em 503 contos.
Estado
Nº de
Associações
Nº de
Sócios
Patrimônio
Contos
Paraná 42 872 255
Santa Catarina- Três Barras 01 60 11
Rio Grande do Sul 21 620 234
Rio de Janeiro 01 31 03
Total 65 1.583 503
Quadro 02 – Relação de associações pertencentes à União “Cultura”
Fonte: GLUCHOWSKI, 2005, p.152-155.
É interessante observar que das 65 associações, quanto ao número de
sócios, Três Barras ficava em terceiro lugar, com 60 associados, atrás de duas
associações do Rio Grande do Sul, com 107 e 75 sócios filados
respectivamente. No estado do Paraná a associação com o maior número de
filiados possuía 36 registros. Já no que concerne ao número de contos, no
Paraná, três associações possuíam um registro de patrimônio superior ao de
Três Barras, a de Marechal Mallet, com 80 contos, a de Ponta Grossa com 20
contos e a de Araucária com 20 contos; no Rio Grande do Sul, também três
associações apresentavam número superior, duas de Porto Alegre com 100 e
50 contos e outra da localidade Rio Grande com 40 contos.
Havia ainda a União Polonesa de Professores Profissionais das
Escolas Particulares com sede em Curitiba, congregando 56 sócios, com um
patrimônio de 3 contos fundada em 1921 e a União dos Professores das
Escolas Polonesas Cristãs, fundada em 1923, também em Curitiba, com 52
sócios, sendo 37 irmãs religiosas. Destas sociedades em Santa Catarina havia
10 filiais, sendo 02 em Paraguaçu, 01 em Itaiópolis e 01 em Porto União.
No que tange as escolas polonesas no Brasil estas estavam divididas
em escolas de Cultura; da “Oswiata” (Educação) e isoladas. Em Três Barras,
no início de 1924 a escola contava com 56 alunos poloneses, sendo 35
masculinos, 21 femininos e 36 alunos de outras nacionalidades, perfazendo 92
alunos matriculados. Ministrava aulas a professora S. Slonina. A mensalidade
por aluno era de 4,5 (mil-réis) e seu patrimônio pertencia a Sociedade União
“Cultura”. Cabe ressaltar que no Brasil, neste mesmo ano havia 60 escolas de
Cultura, com 59 professores, 1.910 alunos poloneses e 62 de outras
nacionalidades. Já a escola de Canoinhas foi fundada em 1920, ligada as
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
69
escolas Oswiata (educação) e no início de 1924, contando com 29 alunos
poloneses matriculados.
Tokarski (2000)23 em seus estudos sobre os poloneses, na região do
Contestado, ressalta que estes, entre outras áreas, atuaram nos serviços
técnicos da Lumber. Das centenas de operários, várias dezenas eram de
imigrantes poloneses, que a partir dali ampliaram a presença polônica na
região. Na lista dos empregados da Lumber, entre outros, aparecem os nomes
dos maquinistas ferroviários José Wodowski, José Olcha, Francisco Beck e
Pedro Schotka; do foguista Jacó Pawloski; do operador de guinchos Basílio
Kubickek; do comerciário Antônio Sokolowski; do jornaleiro Nicolau
Koslawski; do carpinteiro Carlos Kzyzanovski e dos operários Estefano
Blaziak, Ladislau Gembra, Teodoro Kasnoch, Pedro Pelech, João Melnick,
Tadeu Domainski, Antônio Novak, Pedro Mazur, Francisco Urbainski,
Estanislau Padegurski, Francisco Maieski, João Setuika e Inácio Chimanski.
Produzindo o desenvolvimento local, a Lumber além de explorar as
terras recebidas na concessão adquiriu outras, “apenas a família Pacheco
vendeu mais de 16 mil hectares de terras à Lumber em Três Barras”24. Desta
forma ela “chegou a somar ali 180 mil hectares, responsáveis pela
constituição, em Três Barras, da então maior serraria da América do Sul”25.
Com sua company town26 implantada nas proximidades da estação ferroviária,
com toda a infraestrutura necessária. Foram projetados, tanto os espaços
internos da serraria, como: casa das máquinas, almoxarifado, campo de
futebol, escritório, armazém, cinema, hospital, casas residenciais, como os
externos: cemitério, campo de aviação e traçado de ruas de Três Barras. Ela
acabou por dar base para a atual configuração espacial urbana da cidade e
atraiu mão de obra da região.
23 TOKARSKI, Fernando. Saga polonesa na região do Contestado. Disponível em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:nycOP2zm5ycJ:www1.an.com.br/200
0/jan/16/0ane.htm+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 12 jun. 2013. 24 MACHADO, Paulo Pinheiro Machado. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação
das chefias caboclas (1912-1916). Campinas-SP: UNICAMP, 2004. p. 143 25 AURAS, Marli. A guerra sertaneja do Contestado: organização da irmandade cabocla.
Florianópolis: Cortez, 1995. p. 100. 26 Sobre a company town da Lumber ver: LIMA, Soeli Regina. Capital transnacional na
indústria da madeira: company town e a produção do espaço urbano em Três Barras (SC).
(Dissertação de Mestrado). Curitiba: UFPR, 2007.
Soeli Regina Lima
70
Em análise da lista de empregados substituíveis, no prazo de 60 dias,
da Southern Brazil Lumber & Colonization Company, de 11 de maio de 1943,
são registrados os seguintes trabalhadores com nacionalidade polonesa.
Nº Nome Função atual Data de
Nascimento
Estado
civil
Nacional
idade
Nº de
filhos
01 Ladislau
Gemra
Feitor de
empilhação
07.01.1899 casado Polonesa 03
02 Miguel
Horski
Maquinista
oficina
11.09.1898 casado Polonesa 03
03 José
Dzidzitski
Serv.
Oficina
18.08.1894 casado Polonesa 05
04 Bohdan
Horski
Ajud.
mecânico
17.07.1923 solteiro Polonesa ----
05 João
Budney
Serv.
Caldeador
16.07.1926 solteiro Polonesa ----
06 Miguel
Pikarski
Feitor de
cascas
27.08.1891 casado Polonesa 06
07 Alberto
Janchionka
Cabo
foguista
23.04.1904 casado Polonesa 08
08 Constante
Walcoff
Maquinista 19.03.1896 casado Polonesa 04
09 Miran
Muzyka
Cabo
foguista
17.08.1904 casado Polonesa 05
10 Paulo
Jancoski
Foguista 03.01.1881 casado Polonesa 01
11 Francisco
Koslowski
Foguista 24.09.1902 casado Polonesa 02
12 Francisco
Piskorski
Foguista 17.10.1902 casado Polonesa 02
13 Nicolau
Ry
Servente de
cascas
08.06.1924 solteiro Polonesa ---
14 Vicente
Trela
Servente de
cascas
17.05.1905 casado Polonesa 03
15 José Olcha Servente de
cascas
17.02.1890 casado Polonesa 05
16 Boleslau
Olcha
Ajud.
Encanador
18.12.1910 casado Polonesa 05
17 Francisco
Jenzura
Enc.
Guardiões
25.03.1900 casado Polonesa 07
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
71
18 Bruno
Kaspczak
Serv. Mesa 10.10.1901 casado Polonesa 08
19 Miguel
Haydutski
Serv. Mesa 04.09.1906 casado Polonesa 03
20 Estanislau
Kot
Serv.
Empilhação
02.02.1892 Viúvo Polonesa ---
21 Antonio
Danieluk
Serv.
Empilhação
25.11.1889 Viúvo Polonesa 02
22 Miguel
Bulezyn
Serv.
Empilhação
10.11.1905 casado Polonesa 02
23 Estanislau
Fioleck
Serv.
Empilhação
11.11.1902 casado Polonesa 01
24 João
kaspczak
Serv.
Empilhação
26.02.1902 casado Polonesa 04
25 Francisco
Boava
Serv.
Empilhação
04.10.1902 casado Polonesa 04
26 Alberto
Jablonski
Serv.
Empilhação
15.03.1887 casado Polonesa 06
27 Miguel
Ruski
Serv.
Empilhação
14.04.1897 casado Polonesa 06
28 Elias Pruss Serv.
Empilhação
01.08.1896 casado Polonesa 03
29 Lourenço
Puzio
Carpinteiro 13.09.1887 casado Polonesa 02
30 Carlos
Rodachins
ki
Serv.
Empilhação
27.12.1900 casado polonesa 06
31 Antonio
Grabczak
Serv.
Capilhadeira
10.05.1887 casado polonesa 04
32 Miguel
Botfins
Serv.
Capilhadeira
20.09.1882 casado polonesa 01
33 José
Douba
Carpinteiro 14.03.1894 casado polonesa 04
34 Ladislau
Draczynski
Carpinteiro 20.03.1895 casado polonesa 05
35 Estefano
Draczynski
Ajud.
Carpinteiro
04.02.1925 solteiro polonesa ---
36 Miguel
Olzolnski
Carpinteiro 25.11.1896 casado polonesa 03
Soeli Regina Lima
72
37 Waldomiro
Switck
Servente 22.07.1906 casado polonesa 02
38 Tadeu
Domanski
Mecânico 16.08.1896 casado polonesa 02
39 Paulo
Wigladala
Serrador 14.01.1893 casado polonesa 06
40 Gregório
Kozak
Circuleiro 20.02.1907 casado polonesa 03
41 Valdomiro
Matiwiki
Servente 01.06.1921 casado polonesa 01
41 Pedro
Kislek
Servente 01.01.1887 casado polonesa 03
42 Victorino
Zapotoczn
y
Ajud.
Ferreiro
15.12.1909 casado polonesa 03
43 Leonardo
Boreicko
Servente
matas
12.02.1910 casado polonesa 02
44 Thomaz
Rubczak
Servente
matas
15.02.1908 solteiro polonesa --
45 Antonio
Farion
Servente
matas
21.08.1903 casado polonesa --
46 Estanislau
Ganloski
Servente
matas
05.06.1908 casado polonesa 03
47 Stanislau
Viateck
Servente
matas
11.11.1911 solteiro polonesa --
48 João
Puchinski
Servente
matas
16.02.1911 solteiro polonesa --
49 Miguel
Jatva
Servente
matas
23.03.1907 casado polonesa 03
50 José
Puchinski
Servente
matas
16.02.1910 casado polonesa 01
51 João Zator Servente
matas
14.08.1891 casado polonesa 02
52 Francisco
Repchinski
c
Servente
matas
12.04.1923 solteiro polonesa --
52 Ladislau
Tadra
Servente
matas
25.03.1904 casado polonesa 06
53 Thomaz
Vozniak
Servente
conserva
15.12.1908 casado polonesa 06
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
73
54 Miguel
Niconczuk
Feitor toras 21.11.1904 casado polonesa --
55 João
Kozow
Toreiro 12.08.1924 solteiro polonesa --
56 João
Rapchinski
Toreiro 04.10.1918 casado polonesa --
57 Izidoro
Vozniak
Toreiro 10.09.1916 solteiro polonesa --
58 Francisco
Majewski
Enc. Serraria 22.02.1891 casado polonesa --
59 José
Majeski
Afiador
serras
31.12.1894 casado polonesa 02
60 Stefano
Stipurski
Mecânico
encanador
15.08.1883 casado polonesa --
61 Ceslau
Sapals
Enc.
Almoxarifad
o
10.11.1899 casado polonesa 02
61 Alberto
Gura Filho
Afiador
serras
30.12.1900 casado polonesa 04
62 Carlos
Sczck
Contra
mestre
28.01.1889 casado polonesa 02
63 Theodoro
Senkiw
Caldeador 21.04.1892 casado polonesa 03
64 Romão
Latoch
Bitoleiro 28.02.1893 casado polonesa 02
65 Ladislau
Majcoski
Mecânico 02.02.1907 casado polonesa 01
66 Jacob
Sozotka
Chefe de
locomoção
10.01.1898 casado polonesa 06
67 Jacob
Paulovicz
Manobreiro
locom.
05.05.1911 solteiro polonesa --
68 Pedro
Sezotka
Maquinista 28.08.1900 casado polonesa 06
69 José
Gawron
Maquinista 05.01.1909 casado polonesa 05
70 Mariano
Puchinski
Foguista 18.07.1907 casado polonesa 01
71 Antonio
Cepuch
Foguista 25.04.1908 solteiro polonesa --
Soeli Regina Lima
74
72 José
Blasks
Feitor de
guincho
02.01.1895 solteiro polonesa --
73 Alberto
Chonatka
Maquinista 15.01.1908 casado polonesa 03
74 Elias
Skulski
Foguista 16.07.1914 solteiro polonesa --
75 Francisco
Rodachins
ki
Foguista 15.09.1910 solteiro polonesa --
76 João
Xlapeuch
Agrimensor 06.11.1908 casado polonesa 03
77 Miguel
Oleynik
Modeleiro 04.04.1896 casado polonesa --
78 José
Kussen
Maquinista 25.04.1896 casado polonesa 05
79 João
Farian
Carpinteiro 07.08.1900 casado polonesa 03
80 Paulo
Hozuff
Toreiro 05.07.1922 solteiro polonesa --
Quadro 03 – Trabalhadores poloneses
Fonte: Relação de empregados substituíveis no prazo de 60 dias
Southern Brazil Lumber & Colonization Company (Incorporada), 1943.
Num comparativo com outros imigrantes que trabalhavam na Lumber
no mesmo período, temos os seguintes dados: 637 brasileiros, 80 poloneses,
09 ucranianos, 03 americanos, 08 alemães, 10 austríacos, 06 portugueses, 01
lituano, 03 russos, 01 holandês, 01 francês, totalizando 759 trabalhadores em
1943. No gráfico abaixo é possível comparar a participação polonesa na
serraria.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
75
Gráfico 01 – Trabalhadores quanto à nacionalidade.
Fonte: Relação de empregados substituíveis no prazo de 60 dias
Southern Brazil Lumber & Colonization Company (Incorporada), 1943.
A história de vida do polonês Luis Szczerbowski entrecruza-se com a
dos demais imigrantes poloneses que se instalaram nas colônias Três Barras e
Tigre, na procura de melhores condições de vida decorrente da presença da
Lumber. É o que veremos a seguir.
Do polonês Luis Szczerbowski
O comerciante, jornalista, açougueiro, apicultor, professor, fotógrafo,
agricultor e apontador de madeiras nasceu no condado de Wadowice, na
região da Pequena Polônia, aos 17 agosto de 1883, filho de Walentin
Szczerbowski e de Marja. Consta que veio ao Brasil por volta de 1900, ainda
solteiro, instalando-se em Curitiba (PR). Estabelecido em Curitiba, casou-se
Soeli Regina Lima
76
com a imigrante polonesa Marja Wojtowicz. Foi editor do jornal Naród (O
povo), com 600 exemplares de tiragem, de 01 de janeiro de 1908 até o final de
1909. Era um jornal de caráter popular, onde o redator (ele próprio) posava de
camponês.
Segundo a neta Domicela Brehmer27, Szczerbowski, o avô,
transcreveu um artigo, denunciando que o governo brasileiro ganhava certa
quantia para cada polaco imigrado ao país. Sabe-se que Szczerbowski foi
censurado por autoridades governamentais e que “estranhamente”, de acordo
com Domicela, recebeu um emprego na indústria madeireira Southern Brazil
Lumber & Colonization Co., em Três Barras.
A chegada de Szczerbowski em Três Barras, de acordo com o neto
Alvino Szczerbowski28, seguiu o seguinte itinerário:
Ele desembarcou no Porto Amazonas, no rio Iguaçu.
Desceu São Mateus, toda essa região do rio Iguaçu, daí
subiram pelo rio Negro e daí desembarcaram ali onde
hoje é o Clube do Bolinha, que era o Porto da Lumber,
daí vieram para a Colônia Tigre29.
Ele tornou-se o primeiro fotógrafo da região. Poliglota, falava e
escrevia nos idiomas polaco, russo, alemão, inglês e português.
Na Lumber era apontador e comprador de madeiras no início da
colonização da empresa americana e por falar o inglês “...era muito
chegado...” aos diretores da companhia30. Aos 25 de janeiro de 1922 obteve o
título eleitoral 1.91[?]31.
27 BREHMER, Domicela Szczerbowski. Entrevista concedida a Fernando Tokarski.
Canoinhas, 24 nov. 2000. 28 Neto do fotógrafo Luis Szczerbowski, Alvino, nasceu em 1938, é um dos herdeiros
proprietários de terras adquiridas pelo avô no início do século XX. Seu pai nasceu em 22 de
março de 1912, em Curitiba. Tinha em torno de 3 meses de idade quando o avô mudou
residência para Três Barras. Ele concedeu uma série de entrevistas sobre a família e o sistema
produtivo da Lumber. 29 SZCZERBOWSKI, Alvino. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Fevereiro, 2014. 30 SZCZERBOWSKI, Luiza Schellenberger. A saga da família Szczerbowski. A Gazeta, Três
Barras, p. 12, ago. 2004. 31 CANOINHAS. Superintendencia de Canoinhas. Termos de inclusão no allistamento
eleitoral de Canoinhas – Livro II, f. 73.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
77
Em 1923, no lugar denominado Cruz ou Passo da Cruz iniciou as
atividades de um moinho de cereais movido com força hidráulica fornecendo
ainda energia elétrica à sua residência32. Também foi professor da escola
“Biblioteka Polska”, da vila de Três Barras. Ali, aos 06 de abril de 1918 casou
oficialmente, unindo-se à polaca Marja Wojtowicz, nascida em 1º fev. 1883,
filha de Andrzej Wojtowicz e de Aniela.
Em Três Barras instalou um ponto comercial- Casa Central, na rua
com o mesmo nome, que por alguns anos movimentou o comercio
tresbarrense. Os seus primeiros implementos agrícolas foram trazidos da
Eslováquia. Formou um pomar com sementes importadas produzindo frutas e
verduras de excelente qualidade. Foi um autêntico empreendedor. Instalou na
Colônia Tigre um gerador elétrico e um moinho colonial movido com força
hidráulica para moer trigo, centeio, milho, tafona de farinha de mandioca e
polvilho, descascador de arroz, picador de palha. Teve ainda um apiário.
O casal teve os filhos Boleslau (*Paraná, 15 de junho de 1905 †05 de
março de 1999; casado com Catharina *14 de novembro de 1909 †17 de julho
de 1967)33, Luiz (*1915), Marianno (*1916) e Alexandre (*09 de novembro
de 1920 †17 de janeiro de 2008)34.
No ramo do fumo foi proprietário de uma fábrica de cigarros. A
produção de cigarros de papel tinha as marcas “Três Barras” e “Rio Tigre”,
utilizando um filtro denominado “Salvesol”, composto de algodão químico
que não permitia a passagem do narcótico para os pulmões, como citado nas
propagandas das embalagens. Do cigarro RIO TIGRE:
Mistura especial: cigarros sem colia. Cigarros com
preparo Salvesol”; “Papel extra especial de primeira
qualidade CHIC e ELEGANCIA”; “Cigarros modernos
com piteiras, feitos de excellentes fumos, escolhidos
entre as melhores qualidades existentes no Brazil”;
“Medalhas nas diversas exposições.
32 CANOINHAS. Superintendência de Canoinhas. Distrito de Três Barras. Commercio,
industria e profissão – 1923. f. 5-13. 33 Boleslau Szczerbowski. *15/6/1905 †5/3/1999; Catarina Szczerbowski. 14/11/1909 †17/7/1967. 2 placas em granitina. Localização: Cemitério de Três Barras (SC). 34 ÓBITOS. Correio do Norte, Canoinhas, ed. 2.819, p. 25, 25 jan. 2008.
Soeli Regina Lima
78
Nas embalagens dos “Cigarros Três Barras” está registrado:
Papel especial de primeira qualidade. Mistura de fumos
Turco e Goyano”; Cigarros modernos com piteiras, feitos
de excellentes fumos, escolhidos entre as melhores
qualidades existentes no Brazil”; “Mistura excellente-
Cigarros com preparo Salvesol”;“SALUBRES-GOSTOS-
CHIC-ELEGANCIA”; “ATTENÇÃO o preparo
*Salvesol* é introducção chimica de algodão e possue as
qualidades de no fumar absorver o narcótico e ficar
indissoluvel, não permitindo assim sua passagem para a
bocca e perdendo com isto a prejudicial acção para a
saúde. Os nossos cigarros são feitos sem a colla, de
melhor papel até agora existente. A fumaça destes
cigarros é mora e leviana e não muda o gosto do fumo”;
“Premiado nas diversas exposições”.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
79
Embalagens de cigarros produzidos por Luis Szczerbowski.
Fonte: Alvino Szczerbowski
Soeli Regina Lima
80
Como fotógrafo deixou registros de datas e localização espacial,
oferecendo a possibilidade de reconstituição dos acontecimentos históricos.
Comemorações da Independência dos EUA
Fonte: Luis Szczerbowski
Acervo: Leonardo Szczerbowski
Fotografia histórica de 4 de julho de 1913, quando das comemorações
da independência dos Estados Unidos da América, realizada em Três Barras
(PR). O registro fotográfico demonstra o conhecimento por parte do fotógrafo
do idioma inglês. No canto inferior direito é possível identificar a assinatura
do fotógrafo.
Observa-se um grupo em cavalgada formado por duas mulheres e dez
homens. Este grupo encontra-se com o chapéu disposto em posição de
respeito, o que sugere um momento cívico. À frente do grupo, do lado
esquerdo da foto, um homem em pé dá a entender que discursa para o grupo,
comandando o ato. No fundo do cenário as edificações do local se referem ao
acampamento da Lumber, como era chamado.
De acordo com relato do neto do fotógrafo, esta cena foi retratada no
local onde foi a primeira “entrada da Lumber”. Seu pai contava como o avô
preparava o local, limpando-o para a festa ali realizada, onde participaram os
“chefes” da Lumber.
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
81
O meu pai me contava, que aqui onde é o potreiro,
passava a estrada de ferro, lá onde não foi mexido, dá pra
ver o corte, porque onde foi feito lavoura já desapareceu.
Onde era aterro desmontaram onde era corte também.
Tem lugar que tem o corte, essas coisas onde tem lavoura
já sumiu, mas aonde não foi mexido existe sinal da
Lumber, era estrada de ferro. Pena que foi fechado o
buraco (mostrando o lugar) quando enterraram cabeça de
gado. Esse buraco servia para consertar o vagão de trem
pela parte de baixo. Os homens ficavam embaixo do
trem. Ficava bem perto do lugar onde tinha os tanques de
água que abasteciam as maquinas. Tinha uma caldeira
que bombava a água do rio35.
Além deste depoimento, outros relatos foram apresentados do local
como de onde se havia os tanques de água que abastecia as locomotivas a
vapor. Pela presença do rio nas proximidades, água não era problema para a
Lumber.
Acampamento da Lumber
Fonte: Luis Szczerbowski
Acervo: Leonardo Szczerbowski
35 SZCZERBOWSKI, Alvino. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Fevereiro, 2014.
Soeli Regina Lima
82
A fotografia apresenta o cotidiano da Colônia Rio Tigre, no período
em que Três Barras pertenceu ao Paraná. Observa-se que houve a
preocupação de dispor estrategicamente três homens, que se encontram em pé,
numa improvisada plataforma de trem. Os três sorriem para o momento do
registro. As quantidades de madeira no barranco de lado direito somadas ao
empilhamento de toras no fundo da imagem demonstram o papel estratégico
da exploração madeireira na comunidade local. A construção das casas
obedecia a certa uniformidade quanto ao material, cor e tamanho. Os bancos
localizados nas pequenas varandas mostram o nível de produção dos
marceneiros.
Próximo a eles, uma mulher de costas caminha. Outra mulher está
localizada no canto superior direito da foto acompanhada de três crianças,
numa cena familiar, o que comprova a presença de famílias nos
acampamentos da Lumber. Esses acampamentos trocavam de lugar de acordo
com a exploração madeireira; quando se esgotava a matéria-prima era
transferido. As terras eram então comercializadas. Segundo informações de
Alvino Szczerbowski (2014) na Colônia Tigre muitos imigrantes compraram
o seu lote de terras pagando com trabalho para a companhia.
Na propriedade herdada da família Szczerbowski, atualmente, reside
aos 99 anos de idade, uma das noras de Luis Szczerbowski. Nascida no dia 01
de abril de 1915, com disposição e saúde ela recebe muito bem aqueles que
desejam ouvir sobre o passado tresbarrense e em especial fala sobre o dia a
dia das famílias, com histórias de casamento, doenças e festas locais. A sua
casa foi construída, por volta de 1936. Caminhando pelo local, é possível
identificar o traçado da ferrovia que passava bem em frente à atual casa, onde
há vestígios dos “cortes”, ou seja, dos aterramentos criados para os trilhos de
trem.
Dona Martha Hoinaski Paiter Paiter36 registra alguns aspectos da
Colônia Tigre.
No Tigre cada qual tinha o seu lote, um terreno. Aquilo lá
foi loteado, um lote de 10 em 10 alqueires. Daí ali tinha
de vizinho o Setenike, o Ladaninski, o Zabloski, parente
do falecido Zé. Depois era nós. Era tudo lote cortado,
assim, de 10 alqueires cada um. Era pra lá dos
36 Martha Hoinaski Paiter, nascida em 24/01/1939, filha de Luiz Hoinaski e de Anástacia
Sawinsky Hoinaski, foi moradora da Colônia Tigre
Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico
83
Szczerbowski. [...] A estrada, a maioria era por onde
passava os trilhos da Lumber. Assim eu me lembro ali
onde era o Oker agora, a autoelétrica, na BR para
Canoinhas, ali era linha. Nós vínhamos da escola, eu era
criança, eu tinha uns 10, 11 anos, nós vínhamos da escola
pela linha, até a antiga Oker e nós subia essa rua aqui, era
uma estradinha e ia no Savinski, que era meu tio. Eu
parava ali um tempo, quando ia pra escola. Então era
linha ali onde é a autoeletro do Ze Neto, ali tinha um
rancho que era do Tamanduá. Tinha um ranchinho, ele
parava com o vagonete que desembarcava e ia
empurrando, levava as ferramenta da Lumber. Nós vinha
pela linha do trem, subia pela estradinha até aqui. Não
tinha rua como hoje.
Ainda sobre a realidade da Colônia, ela afirma:
Eu nasci aqui (Três Barras) e não sei com que idade eu
fui pra lá (Colônia Tigre), daí com 13 anos nós voltamos
pra cá, (Vila Nova). O meu pai fez escritura do terreno
pra todos nós [...]. E foram vendendo e todo mundo
vendeu. Mas é que as famílias envelheceram e os jovens
vão ficar na lavoura fazendo o que? Foram se mandando
também. Hoje se ficou alguém, o mínimo. Porque hoje os
colonos também têm seus direitos, sua aposentadoria e
antes não tinha. Ninguém queria ficar na lavoura37.
Quanto ao final da vida de Luis Szczerbowski ele faleceu em 27 de
novembro de 1927, aos 44 anos, após uma extração de dente por ele mesmo
realizada. No inventário dos bens é citado uma casa coberta de zinco contendo
225 m², um moinho e fábrica de farinha, uma máquina de picar palha, uma
carroça tracionada por quatro cavalos, um arado, uma grade agrícola, dois
lotes urbanos transferidos ao filho Boleslau, um conto e 500 mil réis
37 PAITER, Martha Hoinaski. Entrevista concedida a Soeli Regina Lima. Junho, 2014.
Soeli Regina Lima
84
concedidos ao filho Marianno e a mesma quantia aos filhos Luiz e Alexandre,
respectivamente. Maria, sua esposa, declarou testamento em 20 de julho de
1931, “...sentada em leito, doente...”, no bairro rural de Tigre. Ela faleceu em
1º de agosto do mesmo ano, aos 44 anos. Os restos mortais do casal foram
sepultados no cemitério público de Três Barras.
Considerações finais.
A sociedade tresbarrense teve sua história marcada pela presença de
imigrantes poloneses e com a serraria Lumber viveu o auge da modernidade,
no início do século XX, Neste cenário Luis Szczerbowski foi um visionário
para o seu tempo, pois ao implantar seus empreendimentos apostou no fluxo
econômico local em decorrência do alto grau de produtividade da serraria.
Deixou suas laminas fotográficas em vidro com descendentes. Alguns ainda
as mantém aguardando por serem reveladas, outras já foram divulgadas, mas
em muitos casos sem os créditos de sua autoria, o que dificulta sua
localização. O desejo do polonês em prosperar acompanhou e mesmo
contribuiu para o desenvolvimento local.
Sua descendência, além da memória imaterial guarda a memória
material do fotógrafo. É o passado entrecruzado com o presente e futuro, pois
durante as entrevistas constatou-se a preocupação com o local em manter viva
a memória histórica. As embalagens de cigarro são guardadas com orgulho
pelos netos, bem como fotografias e longas história de vida da família. Nas
palavras de Ernst Noute (1988)38 é: “Um passado que não quer passar”.
38 NOLTE, Ernst. Devant I´histoire. Les documents de la controverse sur la singularité de l´
extermination des Juifs par le regime nazi. Paris: Cert, 1998.