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MIGUEL DE CERVANTES E SUA POESIA Conhecido mundialmente por sua obra em prosa Don Quixote de la Mancha, Miguel de Cervantes é menos cultuado por sua poesia, que o faz um poeta de menor prestígio dentre aqueles de sua época. Visto que há poucos estudos sobre elas e um certo descaso por parte dos críticos quando discutem sobre suas obras em prosa, como é o caso de Martín Fernández de Navarrete (1765- 1844), em Vida de Miguel de Cervantes Saavedra, que afirma: (...) su fecunda y amena imaginación en las obras prosaicas prueba con evidencia cuan difícilmente se sujetaba a lastrabas de la rima y de la versificación, perdiendo en ello aquella libertad y desenfado que le hacen tan magnífico y admirable en sus pinturas y descripciones, tan natural, oportuno y gracioso en sus discursos y aun en sus coloquios rústicos y familiares. No de otro modo Milton, a quien miran los ingleses como a un poeta divino, era un mal escritor en prosa: naciendo de este mismo principio la opinión general que calificaba a Cervantes, como dijo D. Francisco Manuel de Melo, de poeta tan infecundo cuanto de felicísimo prosista. (Grifo do autor) Talvez por isso os leitores não busquem suas poesias, não tenham os pesquisadores o interesse em dissecá-las, e acabam a deixando à margem dos estudos literários sobre Cervantes, já que mesmo entre seus contemporâneos havia a depreciação da

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MIGUEL DE CERVANTES E SUA POESIA

Conhecido mundialmente por sua obra em prosa Don Quixote de la Mancha,

Miguel de Cervantes é menos cultuado por sua poesia, que o faz um poeta de

menor prestígio dentre aqueles de sua época. Visto que há poucos estudos sobre

elas e um certo descaso por parte dos críticos quando discutem sobre suas obras

em prosa, como é o caso de Martín Fernández de Navarrete (1765- 1844), em Vida

de Miguel de Cervantes Saavedra, que afirma:

(...) su fecunda y amena imaginación en las obras prosaicas prueba

con evidencia cuan difícilmente se sujetaba a lastrabas de la rima y de

la versificación, perdiendo en ello aquella libertad y desenfado que le

hacen tan magnífico y admirable en sus pinturas y descripciones, tan

natural, oportuno y gracioso en sus discursos y aun en sus coloquios

rústicos y familiares. No de otro modo Milton, a quien miran los

ingleses como a un poeta divino, era un mal escritor en prosa:

naciendo de este mismo principio la opinión general que calificaba a

Cervantes, como dijo D. Francisco Manuel de Melo, de poeta tan

infecundo cuanto de felicísimo prosista. (Grifo do autor)

Talvez por isso os leitores não busquem suas poesias, não tenham os

pesquisadores o interesse em dissecá-las, e acabam a deixando à margem dos

estudos literários sobre Cervantes, já que mesmo entre seus contemporâneos havia

a depreciação da poética dele, como escreve Lope de Vega em 1604 sobre o autor:

“De poetas, no digo: buen siglo es éste. Muchos están en cierne para el año que

viene, pero ningún hay tan malo como Cervantes [...]”. Contudo, este comentário de

Lope deixa transparecer a rivalidade dos poetas da época, pois Cervantes colocava-

se alheio às evoluções estilísticas desta fase, o que o marginalizou das antologias

da virada do século e da “nova poesia”, las Flores de poetas ilustres castellanos, que

Pedro Espinosa tece sua primeira parte em 1605, comprovando então o

deslocamento cervantino diante das correntes dominantes da época. . É provável

que ele escreva poesias líricas desde sua adolescência, e que alguns desses

poemas foram publicados por seu mestre assim estreando na literatura.

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De fato, Cervantes compõe uma única obra em verso, El viaje del Parnaso

(1614). Publicada dois anos antes de sua morte, é considerada como uma obra

poética extensa, um grande terceto, que tinha por objetivo glorificar alguns poetas

contemporâneos e satirizar outros, considerado como um poema alegórico, de

escárnio mitológico, satírico com um pós-escrito em prosa. Obra inspirada em

Viaggio di Parnaso, de Cesare Caporali (1582) poeta italiano, a quem dirige a

primeira estrofe:

Un quídam Caporal, italiano,

de patria perusino, a lo que entiendo,

de ingenio griego y de valor romano. (Viaje del Parnaso, vv. 1-3)

Mas o que faz esta obra ser conhecida entre seus admiradores é o soneto

dedicado ao túmulo de Felipe II, que segundo Francisco Rodriguéz Marín (1935), é o

mais conhecido na Espanha até o início do século XX:

Pero si no el Quijote, ¿cuál es entre todas las de Cervantes la obra

más conocida y vulgar? Una que loes tanto, que muchos millones de

españoles la saben de coro, como el padrenuestro; una que no habrá

pueblo en la nación, por chico que sea, donde falte quien la conozca y

recite; una, y ya será harto ciego que no vea por tela de cedazo, una

que tiene, contados y por juntos, hasta diez y siete renglones (1935:

513).

O soneto dedicado ao túmulo de Felipe II de 1598, abaixo:

Voto a Dios que me espanta esta grandeza

y que diera un doblón por describilla;

porque ¿a quién no sorprende y maravilla

esta máquina insigne, esta riqueza?

Por Jesucristo vivo, cada pieza

vale más de un millón, y que es mancilla

que esto no dure un siglo, ¡oh gran Sevilla!,

Roma triunfante en ánimo y nobleza.

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Apostaré que el ánima del muerto

por qozar este sitio hoy ha dejado

la gloria donde vive eternamente.

Esto oyó un valentón, y dijo: "Es cierto

cuanto dice voacé, señor soldado.

Y el que dijere lo contrario, miente."

Y luego, incontinente,

caló el chapeo, requirió la espada,

miró al soslayo, fuese, y no hubo nada.

Classificada por alguns como sua obra mestra este soneto tenta o isentar do

tom satírico que compõe toda sua obra:

Nunca voló la pluma humilde mía

Por la región satírica: bajeza

que a infames premios y desgracias guía.

Yo el soneto compuse que así empieza

por honra principal de mis escritos:

¡Voto a Dios, que me espanta esta grandeza! (cap.4 vv.34-39)

Mas é este aspecto da obra cervantina que torna seu trabalho fascinante aos

olhos do leitor moderno, pois ele usa de forma singular essa ironia. Com um número

de versos similar a um teatro de comédias, situa-se a obra na vertente da poesia

épica, com mostras do gênero como a invocação à musa, a viagem ou a descrição

da tormenta e sua extensão muito nos faz lembrar as epopeias do século XVII, e,

sobretudo com a palavra “jornada” com a qual finaliza o poema, que marca sua obra

como uma narrativa de uma batalha. A divisão em capítulos mostra o desvio do

autor em relação aos canônicos ‘cantos’ e ao apontar a tradição genérica, a dos

capitoli italianos que tinham suas raízes na poesia burlesca do poeta toscano

Francisco Berni, que sustentava o ideal clássico da teoria do riso onde “o ridículo

esta no feio” (LOPES PINCIANO, 1998), que em seus versos retratam um mundo

medíocre ou baixo, povoado de figuras repelentes, imorais ou grotescas, talvez por

isso a obra de Cervantes tenha sido desprezada, pois no Renascimento perdura a

divisão de gêneros clássica que se apoia no ideal de decoro: um tema baixo deve

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ser tratado em estilo humilde e um tema elevado em estilo sublime. Uma prova de

seu caráter irônico está no terceto onde ele satiriza a ideia de seu talento para a

poesia:

Yo, que siempre trabajo e me desvelo

Por parecer que tengo de poeta

La gracia que no quiso darme el cielo (cap.1, vv.25-27).

Abaixo temos a dedicatória de Miguel de Cervantes em relação a sua obra

Viaje Del Parnaso:

DEDICATORIA

Dirijo a vuesa merced este Viaje que hice al Parnaso, que no desdice

a su edad florida, ni a sus loables y estudiosos ejercicios. Si vuesa

merced le hace el acogimiento que yo espero de su condición ilustre,

él quedará famoso en el mundo y mis deseos premiados. Nuestro

Señor, &c.

Miguel de Cervantes Saavedra.

Em uma primeira leitura parece uma confissão de inferioridade diante da

perfeição poética, talvez para cativar o leitor, porém depois ele passa a repassar os

lugares da Antiguidade Clássica, demonstra sua erudição e assim torna provocante

este terceto até então humilde.

Mas sua obra de maior referência poética é La Galatea de 1585 que é dividida

em seis livros, possui uma narração fragmentada, uma obra que idealiza a vida no

campo, relata as lamentações amorosas. Nessa obra contém 60 poesias

intercaladas que seguem uma forma renascentista como os sonetos e até mesmo

canções sextinas, essa obra possui versos exatos, mas frios.

É provável que essa obra tenha sido escrita quando Cervantes voltou de seu

cativeiro em Argel, que ocorreu em dezembro de 1580, a obra relata uma trama

principal e algumas secundárias, a principal de todas é a histórias de dois pastores

Elicio e Erastro que são apaixonados por Galateia (heroína da história, uma mulher

bela e cheia de virtudes cervantinas, só que Galateia é uma moça que ama sua

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independência e liberdade e não quer se ver no meio de um jogo amoroso, sendo

assim, desprezará ambos os pastores.

No último livro de Galatea é encontrado o Canto de Calíope, um canto que menciona

e elogia todos os mestres da poesia espanhola como:  Góngora, Lope de

Vega, Alonso de Ercilla, Fray Luis de León, Francisco Díaz e muitos outros, abaixo

um trecho do Canto de Calíope:

Canto de Calíope

 […]                             

Fernández de Pineda

Un Rodrigo Fernández de Pineda,

cuya vena inmortal, cuya excelente 

y rara habilidad gran parte hereda

del licor sacro de la equina fuente,

pues cuanto quiere dél no se le veda,

pues de tal gloria goza en occidente,

tenga también aquí tan larga parte

cual la merescen hoy su ingenio y arte.

          

[…]

Também é percebida no final da obra que Cervantes faz uma menção a uma

segunda parte de Galatea, mas ele morre e essa segunda parte nunca foi publicada,

somente foram feita promessas, como podemos perceber no trecho abaixo:

O fim desta história amorosa (...) com outras coisas sucedidas aos

pastores citados até aqui, ficam prometidos para a segunda parte

desta história, a qual, se esta primeira parte for bem sucedida, terá o

atrevimento de sair brevemente para ser vista e julgada pelos olhos e

pelo entendimento dos leitores. (Miguel de Cervantes. "A Galatéia". Rio de

Janeiro, Editora Três: 1974 p. 377).

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Podemos perceber que a opinião de Alban Forcione sobre a obra La Galatea

de Cervantes em seu artigo “Cervantes en busca de una pastoral autentica”:

Me atrevo a sugerir que La Galatea, en su no acabamiento, revela el

fracaso de Cervantes en su doble empeño: encontrar una voz para su

heroína y conseguir una narración de plenitud amorosa. A pesar del

éxito y del prestigio de sus modelos, es obvio que Cervantes era

incapaz de recurrir a los arbitrarios artificios narrativos de conclusión

de Montemayor y Gil Polo, y es posible que los haya considerado

como evasiones frente al ministerio central del amor (…).

Uma das várias poesias soltas que Miguel de Cervantes escreveu, foi essa

dedicada a Rainha Dona Isabel 2ª.

Serenísima reina, en quien se halla

lo que Dios pudo dar a un ser humano;

amparo universal del ser cristiano,

de quien la santa fama nunca calla;

arma feliz, de cuya fina malla

se viste el gran Felipe soberano,

ínclito rey del ancho suelo hispano

a quien Fortuna y Mundo se avasalla:

¿cuál ingenio podría aventurarse

a pregonar el bien que estás mostrando,

si ya en divino viese convertirse?

Que, en ser mortal, habrá de acobardarse,

y así, le va mejor sentir callando

aquello que es difícil de decirse.

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Miguel de Cervantes pode não ser considerado pela crítica como um grande poeta,

mas se hoje podemos desfrutar de suas obras sendo novelas, teatros e poesias é

porque ele teve sua importância para a literatura espanhola.

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