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MILENA BARBOSA CORREIA Revisão historiográfica da História da América Colonial no livro didático: uma crítica aos conceitos colônia de povoamento e colônia de exploração. Universidade Veiga de Almeida – UVA Rio de Janeiro – 2008

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MILENA BARBOSA CORREIA

Revisão historiográfica da História da América Colonial no livro

didático: uma crítica aos conceitos colônia de povoamento e colônia de exploração.

Universidade Veiga de Almeida – UVA

Rio de Janeiro – 2008

MILENA BARBOSA CORREIA

Revisão historiográfica da História da América Colonial no livro didático: uma crítica aos conceitos colônia de povoamento e colônia de

exploração.

Monografia apresentada como pré-

requisito de conclusão do curso de

Licenciatura em História, da Universidade

Veiga de Almeida, orientada pelo professor

Ricardo Antonio Souza Mendes.

Universidade Veiga de Almeida – UVA

Rio de Janeiro – 2008

Dedicatória

Dedico este trabalho a Deus e aos meus

filhos por serem essenciais em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Ao professor Ricardo Antonio Souza Mendes, pela competência profissional e pela

orientação - sem a qual, este trabalho não seria possível.

Aos meus pais, pelo carinho e apoio.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo uma análise-crítica dos conceitos colônia de

exploração e colônia de povoamento, identificando a origem do termo e indicando sua

continuidade na historiografia brasileira. Para isto, o estudo é orientado a partir de uma

historiografia mais recente e na elaboração de um questionamento destes conceitos enquanto

instrumentos de análise para o estudo da América Colonial, apresentado pelo livro didático.

ABSTRACT

This work aims for a critical analysis of the concepts of colônia de exploração (exploring

colony) and colônia de povoamento (settlement colony), identifying the origin of the term

and indicating its continuity in brazilian historiography. For this reason, the study is oriented

from a more recent historiography and a questioning of these concepts as instruments of

analysis to the study of the Colonial America Time Period, presented by the textbook.

Palavras-chave: História, Historiografia, História Social, História da América, América Colonial.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................6

CAPÍTULO I

Caracterizando os espaços coloniais: Povoamento versus Exploração nos Livros

Didático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1) As colônias de exploração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2) As colônias de povoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

CAPÍTULO II

A origem da perspectiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1) Leroy-Beaulieu e a origem dos conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2) Manoel Bonfim: Males de origem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

3) Caio Prado Jr. e Fernando Novais: a busca pelo “sentido da colonização” . . . . . . . 20

CAPÍTULO III

Povoamento na exploração e Exploração no povoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1) As Treze Colônias Inglesas: exploração e povoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2) As Colônias Ibéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

�7

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo a análise crítica dos conceitos colônia de exploração e

colônia de povoamento nas três Américas, apresentados nos livros didáticos brasileiros.

O estudo dos conteúdos didáticos compõe o primeiro capítulo, sendo a análise feita

através da interpretação destas classificações enquanto justificativa para as mazelas

contemporâneas da América Latina.

Após a apresentação da definição dos conceitos, o segundo capítulo é reservado para a

origem histórica e análise das obras historiográficas que defendem a perspectiva clássica

polarizada.

Tal historiografia, denominada clássica ou externalista, explica o subdesenvolvimento

dos países latino-americanos a partir do modelo de dominação da colonização ibérica. Desde a

formulação desta vertente nas obras de Manoel Bonfim, Caio Prado Jr. e Fernando Novais, a

adoção de tais conceitos para a distinção entre as colônias ibéricas das colônias inglesas é uma

tendência seguida por diversos autores, contribuindo, assim, para a continuidade desta

perspectiva.

No terceiro capítulo, são abordados alguns aspectos e experiências, baseados em obras

revisionistas ou internalistas, que analisam a estrutura interna destas sociedades coloniais,

sugerindo que muitas características polarizadas, atribuídas a um ou outro domínio, podem

ocorrer nos espaços coloniais aos quais lhes foram negados pelo binômio historiográfico colônia

de exploração e colônia de povoamento.

Utilizando-se de uma história urbana, social e cultural, estas perspectivas apresentam

questões mais complexas no que se refere a estas áreas, abordando diversos aspectos, inclusive o

político-econômico, há muito já mencionado. Contribuindo para uma reflexão mais crítica e

interna, as obras de Robin Blackburn, Philip Jenkins e Robert Divine - para a América inglesa - e

outros - para a América espanhola - constituem a base de investigação crítica deste estudo face às

obras clássicas da historiografia tradicional.

Meu interesse sobre o tema em questão é atribuído ao meu fascínio sobre a História da

América, sobretudo no que condiz a área de Educação. Ao corroborar a predominância em torno

dos aspectos econômicos de cunho marxista, em detrimento das questões sociais e culturais

sobre os espaços coloniais, identifiquei a necessidade da pesquisa de fontes que relate este

�8

período histórico de acordo com seu contexto sociocultural, relações sociais e as necessidades

dos agentes de mudança.

Por conseguinte, devido às lacunas deixadas pela historiografia tradicional e aos

questionamentos mais recentes, faz-se necessário uma nova abordagem sob o ponto de vista

crítico para o esclarecimento de algumas questões ainda ausentes nos livros didáticos nacionais.

No entanto, esta alteração dos conteúdos didáticos revela-se uma tarefa árdua e que

esbarra com os debates entre diferentes perspectivas. Por diversos aspectos, como a limitação da

carga horária e maior acessibilidade, o livro didático acaba sendo o instrumento de pesquisa mais

utilizado pelo aluno e, até mesmo, pelo professor.

Assim, a questão tempo/aula e a limitação dos conteúdos dos livros didáticos, somados à

falta de interação dos textos com outros materiais didáticos (ou até mesmo a não revisão de

alguns equívocos históricos) por parte dos professores, levam ao reducionismo das informações

históricas em conceitos e esquematizações.

Esta pesquisa fundamenta-se, então, em torno do seguinte questionamento: a

compreensão das diferenças entre as colônias ibéricas e as colônias inglesas limita-se, apenas, às

justificativas encontradas na conceituação colônia de exploração e colônia de povoamento?

�9

CAPÍTULO I

Caracterizando os espaços coloniais: Povoamento versus Exploração nos livros didáticos

Para a análise da América colonial, a fase da conquista é abordada rapidamente nos livros

didáticos, priorizando apenas as relações de dominação entre colonos e índios (nativos), o tipo de

atividade desenvolvida entre estes e o produto que foi explorado inicialmente. A partir daí, o

processo que se desenvolve é analisado sob o grau de submissão das colônias ao chamado

exclusivo colonial.

De modo geral, os livros didáticos abordam a história da América colonial classificando

as áreas conquistadas como colônia de exploração e colônia de povoamento, inserindo na

primeira categoria as colônias ibéricas – o Brasil e a América espanhola – e o Sul das Treze

colônias inglesas; enquanto as regiões Centro e Norte desta área encontram-se inseridas na

segunda categoria.

A nomenclatura de tais conceitos remete à ideia de permanência e transitoriedade. Isto se

explicaria devido ao fato de que, para as colônias de povoamento, houve um processo de

migração sistematizado, que possibilitou o desenvolvimento de uma sociedade com base nos

conceitos morais e religiosos de um grupo específico de colonos nestes territórios. Desta forma,

o interesse desta atividade colonizadora era o povoamento da colônia - indicando, então, a ideia

de permanência.

Em contrapartida, para as colônias de exploração, os colonos migravam com o único

intuito de encontrar recursos naturais que pudessem ser explorados. Neste sentido, não há uma

preocupação com o desenvolvimento interno da colônia, já que todas as decisões obedeciam ao

interesse da metrópole e as ações colonizadoras eram estimuladas pela ambição de riquezas e

ascensão social. Esta área é, então, caracterizada pela transitoriedade dos funcionários reais e dos

colonos. Segundo esta perspectiva, “A colonização, de forma geral, não visou ao progresso

colonial da América e sim ao desenvolvimento econômico das metrópoles européias.” . 1

Desta forma, a peculiaridade do tipo de colonização estabelecida nas colônias inglesas –

regiões Centro e Norte -, seria determinada por um impulso exclusivo de povoamento destas

colônias, e não por uma finalidade de ocupação exploratória e efêmera, como atribuída à

colonização ibérica.

VICENTINO, Cláudio. História Integrada: o mundo da idade moderna: Brasil geral: 6ª série. São Paulo: 1

Scipione, 1995, p. 71.

�10

Diante desta perspectiva apresentada em boa parte dos livros didáticos, existem dois

pólos distintos analisados, onde o processo de colonização teria ocorrido por diferentes razões.

Segundo o Dicionário Histórico Brasil Colônia e Império , a definição para os conceitos 2

colônia de exploração e colônia de povoamento seriam os seguintes: COLÔNIA DE EXPLORAÇÃO: área de clima tropical, regida pelo pacto colonial, subordinada administrativa e economicamente à metrópole. Existiam em função de suas metrópoles e, portanto, tinham sua economia voltada para o abastecimento do mercado externo. Caracterizavam essas colônias a existência da grande propriedade, a monocultura (cultivo de um único produto) e a escravidão. Ex.: Colônias Ibero-Americanas. COLÔNIA DE POVOAMENTO: área de clima temperado, regida pela negligência salutar. Tendo pouca interferência da metrópole, possibilitava aos colonos uma relativa autonomia administrativa e econômica. A economia não era vista como complementar à de sua metrópole e, portanto, a produção visava atender às necessidades de seu mercado interno. Caracterizavam essas colônias a existência da policultura (cultivo de vários produtos), a pequena propriedade e a mão-de-obra familiar. Ex.: Colônias Inglesas da América do Norte (áreas norte e centro) .

Com base na leitura de alguns livros didáticos selecionados, seguindo esta concepção de

polarização, neste capítulo a análise desenvolve-se em torno destes conceitos, como sistemas de

colonização, adotados pelas nações européias e das abordagens atribuídas a cada uma das

características vistas acima.

Não é meu propósito aqui fazer um estudo detalhado dos aspectos da colonização

americana, mas sim, apresentar características básicas encontradas nos textos selecionados.

Neste sentido, a abordagem se limitará aos espaços territoriais encontrados no material

analisado.

1) As “colônias de exploração”

O conhecimento, por parte da civilização européia, da existência de um outro continente

foi um dos marcos iniciais da época moderna. Abordado no livro didático como descobrimento

da América, tal fato ocorreu na conjuntura da expansão marítima e comercial e do

mercantilismo.

As medidas mercantilistas orientaram as atividades comerciais e serviram de base para a

exploração do Novo Mundo. As colônias que foram direcionadas por essas concepções

mercantilistas são denominadas colônias de exploração. Sendo assim, a lógica deste tipo de

REIS, Liana Maria; BOTELHO, Ângela Vianna. Dicionário História Brasil - Colônia e Império. Belo 2

Horizonte: Autêntica, 1998, p. 30.

�11

colonização deveria ocorrer com o único objetivo de gerar riquezas para a metrópole, pois “a

colônia só existia em função dos interesses metropolitanos” . 3

Dentro da concepção metalista, em que a riqueza de uma nação era avaliada pela

quantidade de metais precisos acumulados, a existência de ouro e prata nas colônias espanholas

foi o principal atrativo da aventura colonial. O propósito colonizador se justificaria, então, pela

exploração dos metais preciosos; além da produção de gêneros agrícolas tropicais destinados

para o mercado externo.

Conforme as concepções mercantilistas, as colônias americanas foram de fundamental

importância para as nações européias por complementarem o seu desenvolvimento econômico.

Isto se explicaria pela acumulação primitiva de capital desencadeada, dentre outros fatores,

através da exploração colonial.

Além disto, as colônias tinham o seu comércio limitado pelas medidas monopolistas. A

estrutura colonial teria sido organizada unicamente em prol do favorecimento econômico das

nações européias, sendo o exclusivo colonial adotado para assegurar o privilégio comercial entre

a colônia e a metrópole. Cada país colonizador (metrópole) tinha a posse definitiva de sua colônia e somente ele poderia desenvolver atividades econômicas e comerciais na sua região colonial (exclusividade). Ou seja, a metrópole detinha o monopólio do comercio colonial (...) . 4

Para restringir o comércio colonial e garantir a acumulação de riquezas por parte das

metrópoles, estas passaram a adotar alguns mecanismos de controle destinados ao mundo

colonial.

Mediante o sistema de capitulaciones, concessões eram feitas pela coroa espanhola a

particulares para efetivar a colonização. Encarregados pela missão colonizadora, os adelantados

tinham a responsabilidade de governar os territórios conquistados, usufruindo de amplos poderes

civis e militares. Posteriormente, restringindo estas concessões, a Espanha criou órgãos

administrativos, assim como medidas restritivas para garantir a sua exclusividade comercial.

Assim, os órgãos administrativos foram criados como um instrumento de controle do

mundo colonial para assegurar o monopólio do comércio entre a colônia e a metrópole. No caso

espanhol, a intervenção da metrópole ocorreu de maneira mais sistemática, devido à existência

de metais preciosos, exercendo um intenso controle já nas primeiras décadas da colonização.

MORAES, José Geraldo Vicente. Caminhos das civilizações - História integrada: Geral e Brasil. São 3

Paulo: Atual, 1998, p. 175.

Ibid., loc.cit..4

�12

O Conselho das Índias era responsável pela fiscalização do controle comercial e pela

regulamentação administrativa, através dos vice-reinos e das capitanias-gerais. A Casa de

Contratação ficava sob a responsabilidade de fiscalizar os negócios colônias e arrecadar os

impostos. Segundo o sistema de portos únicos, apenas os portos autorizados pela Espanha

poderiam realizar o comércio entre as colônias e a metrópole.

Determinadas atividades eram realizadas fora da relação colônia/metrópole, “várias

regiões desenvolveram-se em função da agricultura e da pecuária, praticadas em grandes

propriedades, e com uma produção para o consumo local ou principalmente para exportação” . 5

Apesar de não abordarem a respeito de uma dinamização comercial entre as colônias, Vicentino 6

e Moraes destacam a importância da agricultura nas áreas da América Central e Caribenha, 7

além da pecuária no México e na Região Platina.

O contrabando também era uma atividade que não estava nos planos metropolitanos. A

pirataria, além de realizada por estrangeiros, era mediada por autoridades coloniais, como indica

Aquino . 8

Com relação ao Brasil colonial, mesmo obtendo o monopólio da exploração do pau-

brasil e do comércio do açúcar, o fortalecimento do controle colonial português foi mais efetivo

com o fim da União Ibérica, no século XVII. Até então, o poder local, concentrado nas Câmaras

municipais, desfrutava de uma autonomia administrativa significativa.

Com a criação das Companhias de comércio e do Conselho Ultramarino, todas as

atividades relacionadas à colônia portuguesa passaram a ser direcionadas pelos interesses

metropolitanos. Consequentemente, o poder administrativo local foi transferido das mãos dos

proprietários rurais para os funcionários da coroa.

A descoberta de metais preciosos no interior da colônia intensificou a intervenção política

metropolitana. Inúmeros impostos foram criados em benefício da coroa portuguesa e postos de

cobrança foram instalados nas estradas que levavam às minas. Novos órgãos foram criados: a

Intendência das Minas administrava a mineração; e a Casa de Fundição era encarregada pela

arrecadação dos tributos da mineração.

AQUINO, Rubim Santos. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. 37. 5

ed.. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 98.

VICENTINO, 1995, p. 74.6

MORAES, 1998, p. 176.7

AQUINO, 1999, p. 99.8

�13

Corroborando para essa maior restrição comercial, algumas medidas pombalinas visavam

combater o contrabando e ampliar a carga tributária. Como afirma Moraes : “O período 9

pombalino foi, para a colônia, uma época de grande opressão e controle por parte da

metrópole.”.

De acordo com o assinalado, nas colônias de exploração, a produção dos gêneros

agrícolas e a extração dos metais preciosos eram destinadas para o mercado externo. A ocupação

baseava-se na grande propriedade rural monocultora, tendo como força de trabalho a mão-de-

obra compulsória ou escrava.

A mão-de-obra compulsória das colônias é representada nas colônias espanholas

basicamente pelos indígenas (os livros selecionados fazem pouca referência da utilização de

escravos africanos nestas áreas). No Brasil colonial e no sul das Treze colônias inglesas, após a

utilização da mão-de-obra indígena e de servos contratados, respectivamente, o trabalho escravo

africano foi adotado.

Assim, a escravidão africana não apenas consolidou-se por apresentar-se como uma força

de trabalho lucrativa, mas também por ser um dos elementos a impulsionar o processo de

acumulação primitiva de capitais, constituindo-se em uma outra fonte de riqueza para as nações

européias envolvidas em tal empreendimento . 10

Quanto às características atribuídas aos colonos ibéricos, o principal aspecto motivador

da colonização seria a possibilidade de enriquecimento rápido e sem esforços. A imagem do

colono ibérico é representada nos livros didáticos pelo seu espírito de aventura e pela ganância.

São colonos provenientes da baixa nobreza, que não medem os seus atos de crueldade para

conquistar status sociais mais elevados. Hernán Cortez e Francisco Pizarro são exemplos

clássicos deste estereótipo do colono ibérico.

2) As “colônias de povoamento”

Os textos didáticos, fundamentados nos conceitos em análise, classificam o Centro e o

Norte das Treze colônias inglesas como colônias de povoamento. Nestas colônias o que ocorreu

MORAES, 1998, p. 204.9

Neste ponto, aproxima-se às análises de Fernando Novais, no sentido em que a exploração da mão-de-10

obra seria mais um elemento a impulsionar a acumulação primitiva de capitais.

�14

foi um processo de colonização atípico, em que o objetivo dos colonos não era uma exploração

colonial, nem o desejo de enriquecer, mas a construção de uma nova sociedade.

O processo da colonização inglesa, iniciado um século após a conquista espanhola,

apresentou características particulares que estão relacionadas com o espaço geográfico dessas

colônias e com os aspectos internos da metrópole.

Após os sucessivos fracassos dos primeiros empreendimentos individuais, o impulso da

colonização inglesa ocorreu com a atuação das Companhias comercias (Plymouth/Londres), que

objetivavam a criação de colônias para o povoamento e a exploração. No entanto, durante o

século XVII, a Inglaterra foi marcada pela instabilidade político-religiosa, e as revoluções que se

procederam desviaram a atenção da metrópole para seus conflitos internos. A Inglaterra, no primeiro século da colonização, esteve ocupada com guerras civis e guerras européias, de modo que, apesar das proibições relativas ao comércio colonial, as colônias gozavam de uma relativa autonomia, como atesta o “comércio triangular”. . 11

A partir das condições internas inglesas é que são elaboradas as primeiras análises sobre a

especificidade do modelo de colonização das colônias de povoamento, identificadas como o

único empreendimento colonial não enquadrado no contexto do mercantilismo.

Uma das explicações para esta exceção seria a natureza do colonizador inglês, pois este

não teria em sua motivação colonizadora a intenção de explorar. Fugindo dos conflitos internos

da metrópole, o objetivo destes imigrantes era o de iniciar uma nova vida, baseada nos costumes

ingleses.

Segundo Vicentino , “Por seu caráter de povoamento, os colonos ali procuraram criar e 12

desenvolver uma ‘nova Inglaterra’, em tudo semelhante à sua terra de origem, e não apenas

enriquecer-se para regressar à metrópole.” . Migrar para a América significava, então, uma

alternativa para os que buscavam novas oportunidades. Esse grupo de colonos era constituído,

basicamente, pelos camponeses ingleses - expulsos dos campos pelo processo de cercamento - e

pelos perseguidos religiosos. Em relação aos últimos, quackers e puritanos são os únicos

mencionados nos livros didáticos, sendo a narrativa do Mayflower a abordagem clássica para a

origem desta colonização.

A ocupação colonial se baseou na pequena propriedade agrícola, em que o trabalho era

realizado pela mão-de-obra livre e, muitas vezes, pelos próprios colonos. Apontando um outro

direcionamento, desenvolveu-se, nessas regiões, uma economia desvinculada dos interesses da

AQUINO, 1999, p. 109.11

VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Ed. Atual, 1997, p. 231.12

�15

metrópole, com uma produção destinada à subsistência ou ao mercado interno. Por conseguinte,

a autonomia econômica e política possibilitaram o desenvolvimento do comércio e a diversidade

da produção. O comércio era realizado através do mercado local e das rotas triangulares.

No entanto, para a explicação da conformação desta estrutura colonial autônoma

encontramos duas justificativas: a primeira analisa que a economia é direcionada pela

necessidade de abastecimento da própria colônia; já a segunda, condiciona a autonomia dessas

coloniais à sua posição geográfica.

Em relação à primeira, como a colonização dessas áreas visava ao povoamento, as

atividades desenvolvidas eram destinadas ao consumo interno, atendendo, assim, às necessidades

dos colonos. Entretanto, para segunda abordagem, o clima temperado destas regiões - Centro e

Norte -, sendo similar ao europeu, impossibilitava o cultivo de gêneros agrícolas. Além disto,

não foram encontrados metais preciosos na região. Por conseguinte, a dinâmica interna teria

ocorrido devido à ausência de atrativos que despertasse o interesse da metrópole. Estas duas

justificativas podem ser encontradas num mesmo livro didático: Nas regiões Norte e Centro, a ocupação foi realizada principalmente por pessoas perseguidas ou que fugiam dos conflitos políticos e/ou religiosos [...] por isso, desenvolveram-se atividades destinadas à sobrevivência das comunidades . A maioria 13

dos produtos agrícolas coloniais eram semelhantes aos da Europa, por isso não interessava à metrópole comercializar com as colônias do Centro e do Norte . 14

As análises destas áreas tornam-se, então, estudos comparativos, em que as características

que as diferenciam das outras colônias são estudadas através da categoria colônias de

povoamento.

CAPÍTULO II

A origem da perspectiva

No inicio do século XX, determinadas obras da chamada historiografia clássica

explicavam o subdesenvolvimento dos países latino-americanos a partir do modelo das

colonizações ibéricas. Sendo assim, na América Latina há um atraso econômico em relação aos

MORAES, 1998, p. 17713

Ibid., p. 237.14

�16

Estados Unidos, devido à exploração espanhola e portuguesa, que teria impedido o

desenvolvimento da colônia.

Segunda essas perspectivas, anteriores a 1970, as colônias de exploração eram

submetidas aos interesses metropolitanos, destinadas apenas para o enriquecimento de suas

metrópoles. Em contrapartida, nas colônias de povoamento, a natureza dos colonos e os aspectos

geográficos teriam influenciado pra uma ocupação mais autônoma.

Assim, no Brasil, para a análise do período colonial, foram elaboradas perspectivas, com

ênfase numa história econômica para a compreensão da estrutura colonial brasileira. O fator

comum dessa historiografia é a utilização de uma visão externalista , ou seja, entende que a 15

estrutura interna das colônias era realizada através de uma dependência das orientações

econômicas européias.

Este capítulo objetiva apresentar tal historiografia, analisando as seguintes obras:

América Latina: males de origem, de Manoel Bonfim; Formação do Brasil Contemporâneo, de

Caio Prado Jr.; e Portugal E Brasil Na Crise Do Antigo Sistema Colonial, de Fernando Novais.

Tais obras elaboram suas perspectivas fundamentadas nas concepções de herança colonial e do

sentido da colonização, utilizando-se das categorias colônia de exploração e colônia de

povoamento para analisar a relação colônia-metrópole estabelecida.

Além destas obras, De la colonisation chez lês peuples modernes, do pensador

econômico francês Paul Leroy-Beaulieu, é o ponto de partida para o estudo aqui proposto. É

nesta obra que se encontra a origem dos conceitos colônia de exploração e colônia de

povoamento. No caso da colonização americana, as duas categorias foram adotadas para

diferenciar as colônias localizadas nas zonas temperadas, das colônias tropicais.

No seu estudo sobre a influência da conceituação de Leroy-Beaulieu nas obras de Manoel

Bonfim e Caio Prado Jr., Leonidio fala que, embora esta obra não seja citada no trabalho de 16

Bonfim, os dois autores partem do mesmo pressuposto teórico para a elaboração das suas

análises. Já nas obras de Caio Prado Jr. e Fernando Novais, a referência a este autor é explícita.

ANDRADE. Leandro Braga de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia colonial brasileira. 15

Disponível em: <http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5>.doc. Acesso em: 14 jan. 2008, 13:45.

LEONIDIO, Aldalmir. Em torno das origens: Leroy-Beaulieu e o pensamento liberal brasileiro. Disponível 16

em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/treze/adalmi13.htm>. Acesso em: 14 jan. 2008, 13:47.

�17

1) Leroy-Beaulieu e a origem dos conceitos

Elaborada no final do século XIX, De la colonisation chez lês peuples modernes é um

estudo dos diferentes processos de colonização realizados após as grandes navegações. Dentro

da perspectiva de Leroy-Beaulieu, o principal aspecto da colonização anterior ao século XIX foi

a imposição dos interesses metropolitanos às áreas conquistadas, exploração e a perpétua

minoridade dessas áreas. As áreas, assim caracterizadas, eram classificadas como colônias de

exploração, subordinadas ao pacto colonial - que restringia o comércio e controlava os assuntos

internos da colônia.

O autor define os espanhóis e portugueses como possuidores de um espírito de aventura.

Esses “intrépidos navegadores” não estariam preocupados com uma fixação permanente, tendo

como intuito apenas a obtenção de riquezas para voltarem às suas nações de origem. Tal

personalidade os descaracterizaria como colonos, já que (segundo sua concepção) somente os

puritanos e os quackers ingleses possuíam espírito e características de um colono.

Os colonizadores ibéricos seriam oriundos de uma nobreza ociosa, caracterizados pelo

seu desejo em alcançar status, pela exploração das riquezas de forma fácil, sem esforços. Sendo

assim, esta sociedade se constituiria de maneira artificial, causal e desorganizada. Não há um

projeto colonizador, nem uma preocupação com o desenvolvimento interno.

Insistiremos mais uma vez na organização artificial que o pacto colonial e a escravidão imprimiram na economia das colônias tropicais: elas organizam-se como fábricas que têm por único objetivo a exportação de açúcar, de café e de outros produtos, importando do exterior a maior parte do que necessita . 17

Sendo assim, o propósito ibérico em estabelecer assentamentos nas colônias de

exploração foi exclusivamente econômico. Não havia neste caso, um interesse do colono em

fixar-se e de prover o desenvolvimento da colônia.

Para Leroy-Beaulieu, estes colonos, ao se preocuparem excessivamente com os títulos e

os altos cargos aristocráticos em detrimento do elemento produtivo, eram assim

responsabilizados pelo estado de inércia e abatimento das colônias.

Outros aspectos são observados pelo autor na análise da colonização ibérica, como a

ausência de instituições autônomas, o direcionamento externo das matérias-primas, o

estabelecimento de latifúndios, a produção de um único produto, a organização artificial do

trabalho, a exploração e a opressão. Tais aspectos teriam influenciado negativamente, resultando

LEROY-BEAULIEU, 1882, p. 1999 apud LEONIDIO.17

�18

na ausência de uma estrutura econômica com características particulares, já que a estrutura

colonial obedecia aos mecanismos do pacto colonial.

Já nas colônias de povoamento, a principal característica seria o direcionamento para o

desenvolvimento interno. Essas colônias não estavam sujeitas à ação restritiva do comércio e ao

controle da metrópole. O segredo para o progresso e desenvolvimento dessas áreas seria a

qualidade dos colonos, a ausência da fiscalização metropolitana e a autonomia política e

econômica dessas colônias.

A migração colonizadora para essas áreas teria sua origem no excesso populacional e nas

perseguições político-religiosas. O autor analisa que a colonização inglesa dessas áreas, ao

contrário da ideia de causalidade atribuída à colonização ibérica, foi projetada e planejada. Por

isto, estes homens teriam o mérito de verdadeiros colonizadores, além do fato de estar ausente

neles a ambição pelo ouro, o desejo pelas conquistas e o “espírito de aventura e de trafico”.

Neste sentido, Leroy-Beaulieu fala o seguinte: Enquanto os portugueses e espanhóis são marcados por sua visão quimérica, enquanto eles buscam no mundo inteiro o Eldorado de seus sonhos, os ingleses estão animados de um espírito prático e positivo (...) Eles buscam terras a cultivar, uma vez que a transformação agrícola ocorrida na Inglaterra deixou-os sem trabalho . 18

Esses homens trabalhadores, camponeses expulsos de suas terras, valorizavam mais

produção agrícola, além de possuírem um estímulo ao trabalho e ao progresso. As características

religiosas constituir-se-iam como o principal aspecto pra o desenvolvimento dessa região, pois a

igreja protestante seria “uma Igreja animada de espírito de trabalho”.

Na ausência de uma fiscalização metropolitana, esses colonos puderam decidir de forma

autônoma sobre as questões internas da colônia. Neste sentido, a origem do desenvolvimento

dessa área se deve à qualidade do colono protestante inglês, à autonomia política e econômica e

ao regime de terras livres, visto como o “ponto principal de todo sistema inglês” . 19

A herança colonial teria sido o aspecto que justificaria o atraso econômico na América

Latina, pois, segundo esta perspectiva, a condição de passividade das colônias diante da

dominação colonial resultou na incapacidade destas sociedades em resolver seus problemas

internos, no período pós-independência.

Com relação ao processo de colonização, a análise atribui ao empreendimento ibérico

características de causalidade e desorganização. Já nos Estados Unidos, o que se observa é o

LEROY-BEAULIEU, 1882, p. 91 apud LEONIDIO.18

LEROY-BEAULIEU, 1882, p. 91apud LEONIDIO, op. cit..19

�19

desenvolvimento do progresso, que tem sua origem na fase colonial, através da constituição

política e organização econômica.

Por conseguinte, o progresso e o desenvolvimento dos Estados Unidos só foi possível

devido à qualidade do colonizador, ou seja, o colono inglês é caracterizado como o “verdadeiro

colono”, capaz de garantir os direitos e a liberdade da colônia. Em contrapartida, a obtenção dos

lucros, pelos colonizadores ibéricos, é baseada na exploração dos recursos naturais e no trabalho

escravo, não oferecendo nenhum benefício à estrutura econômica interna das colônias.

2) Manoel Bonfim: Males de origem

Após a consolidação dos processos de independência, observamos uma forte influência

de doutrinas européias na intelectualidade latino-americana. Para analisarem a sua própria

sociedade – origens e peculiaridades -, a intelectualidade recorreu às teorias raciais e às

explicações positivistas, como a Lei de Evolução de Spencer. Segundo Hale, “[...] a preocupação

latino-americana com a raça foi reforçada ainda mais pelo aspecto darwinista do pensamento de

Spenser” . Por conseguinte, a posição de subordinação da colônia como produtora de 20

mercadorias para o mercado externo, seria o aspecto fundamental para a compreensão da

estrutura da economia colonial. Sendo assim, as determinações metropolitanas ditavam as

condições econômicas e sociais das colônias.

Em conjunto com as ideias positivistas - de evolução e progresso da sociedade -, havia

uma rejeição da origem colonial, onde se negava que a gênese desta sociedade estaria na época

colonial, a partir da concepção da imposição cultural dos dominadores europeus. É neste

contexto, que encontramos em muitas obras da época um forte sentimento de rejeição ao passado

colonial e, em particular no Brasil, Manoel Bonfim foi um desses exemplos.

Em 1903, Manoel Bonfim escreve América Latina: males de origem, embora a obra só

seja publicada em 1905. Trata-se de um estudo direcionado aos problemas sociais, sobretudo no

Brasil, ao qual Bonfim associa o atraso latino-americano ao legado da colonização ibérica,

HALE, Charles. Idéias Políticas e Sociais na América Latina – 1870-1930. In: BETHELL, Leslie. História 20

da América Latina – da independência até 1870. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 364.

�20

condenando, assim, a vertente que avalia o subdesenvolvimento da América Latina em função da

mestiçagem ou da escravidão . 21

Bonfim elabora a sua perspectiva baseando-se na ideia de que a imposição dos costumes

ibéricos na colonização foi o principal responsável pelos problemas das nações latino-

americanas. Essa herança colonial seria a causa dos males de origem da América Latina.

A dominação européia teria impedido a construção de uma “sociedade liberal,

democrática e integradora” . Assim, o caráter dos colonizadores ibéricos constitui-se no ponto 22

central da sua análise. Esses homens seriam formados por aventureiros e preguiçosos, cujo

objetivo era adquirir riquezas mediante a utilização do trabalhado escravo.

Na sua concepção de parasitismo europeu, a Europa seria o corpo parasita, o dominador,

que invade e explora o ambiente que conquista. Caracteriza a Península Ibérica como uma

cultura de conquista e de saques.

Em contrapartida, a América Latina seria o corpo parasitado, ao qual a dominação

européia impede o seu desenvolvimento. A colonização ocorre de forma predatória ao qual, após

a fase da ocupação, é substituída pelo sedentarismo em função da obtenção dos lucros da

exploração colonial.

Esse parasitismo social teria ocasionado um estado de enfermidade dessas sociedades

subjugadas e seria responsável pelo atraso do desenvolvimento econômico, pelo progresso e

civilização dessas sociedades. A violência, a debilidade das instituições políticas e sociais, a

fragilidade da democracia e dos governos seriam outras consequências desse parasitismo.

Bonfim também analisa o caráter autocrático do Estado como uma herança da dominação

colonial e vê o Estado como corruptor da sociedade. Assim, conservadorismo político latino-

americano seria uma das heranças culturais ibéricas. Neste sentido, fala que “Educadas neste

regime, as sociedades americanas não se podiam transformar, de um dia para o outro em

modelos de ordem e de liberdade política.” . 23

Com base no modelo colonizador, “[...] estabeleceu-se internamente nas sociedades

latino-americanas um parasitismo de uma classe sobre a outra, dos que detinham os meios de

No caso brasileiro.21

PRADO, Maria Emília. Manoel Bonfim: Uma Leitura Apaixonada Do Brasil E Da América Latina.. 22

Disponível em: <http://www.rj.anpuh.org/Anais/1998/autor/Maria%20Emilia%20Prado.doc>. Acesso em: 14 jan. 2008, 14:03.

BONFIM, 1993, p. 210 apud CARVALHO, Eugênio Rezende de. Idéias e Identidade Na América: Quatro 23

Visões. In: Anais de III Encontro da ANPHLAC. Disponível no site: <www.anphlac.org>. Acesso em: 14 jan. 2008, 13:59.

�21

produção sobre os que nada possuíam.” . Esta situação de parasitismo só seria modificada 24

através do rompimento desta herança cultural e da superação dos problemas gerados pela

dominação ibérica. A América Latina precisaria passar por um amadurecimento das suas

instituições, começando pela educação, “[...] que teria a função de conscientizar essas nações

dessa sua condição de parasitadas.” . 25

Em resumo, Manoel Bonfim considera que a herança da exploração colonial é o fator

responsável pelo atraso econômico latino-americano, pois a assimilação dos costumes ibéricos -

enraizados nestas sociedades - seria o obstáculo para o progresso da América Latina. Sua

concepção teórica não é formulada com base numa ênfase econômica, o que o difere dos outros

autores aqui analisados, mas sim na esfera da dominação política e social. Entretanto, estes

seriam os principais obstáculos para o desenvolvimento econômico da América Latina.

3) Caio Prado Jr. e Fernando Novais: a busca pelo “sentido da colonização”

Segundo Andrade , Caio Prado Jr. e Fernando Novais são dois autores importantes para 26

pensarmos na trajetória do debate acerca da estrutura colonial, principalmente a brasileira. São

essas obras que oferecem dois pressupostos ideológicos importantes: o de sentido da colonização

e de acumulação primitiva de capital. Quanto à última, formulada por Marx, foi incorporada por

Novais para a compreensão do desenvolvimento europeu a partir do Sistema colonial. As

conclusões de tais autores, sobre o aspecto econômico da colonização, influenciaram – e ainda

influenciam – no estudo da estrutura colonial apresentado no livro didático.

No caso da América Latina, Ciro Cardoso indica que Eric Williams, na obra 27

Capitalismo e Escravidão, elaborou sua tese baseando-se na escravidão e no tráfico de escravos

(segundo este, desenvolvidos pelo capitalismo comercial) como elementos da acumulação

primitiva de capitais.

PRADO, op. cit.24

CARVALHO, op. cit. 25

ANDRADE, op. cit.26

CARDOSO, Ciro; BRIGNOLI, Héctor. História Econômica da América Latina. Rio de Janeiro: Graal, 1983, 27

p. 140.

�22

Formação do Brasil Contemporâneo (1942) é um marco para a historiografia brasileira,

sendo a primeira abordagem marxista e materialista da história nacional. Nesta obra, Caio Prado

Jr. rompe com a antiga concepção de feudalismo brasileiro, para formular as suas análises na

crença de que a estrutura colonial brasileira é capitalista desde o período da colonização.

A questão central desta perspectiva é a concepção de sentido da colonização.

Fundamentado nas reflexões de Marx da relação entre o passado e o presente, Prado Jr. buscará

no período colonial os aspectos essenciais para a compreensão do sentido da evolução da

sociedade brasileira.

Referindo-se a tais “aspectos essenciais” como o que “houve de fundamental e

permanente” , a dinâmica interna que estivesse desvinculada das relações entre a colônia e a 28

metrópole é considerada pelo autor como “acontecimentos secundários”. Estes estariam

determinados pelos “aspectos essenciais”, ou seja, pela subordinação ao monopólio comercial.

Por conseguinte, a posição de subordinação da colônia, como produtora de mercadorias

para o mercado externo, seria o aspecto fundamental para a compreensão da estrutura da

economia colonial. As determinações metropolitanas ditavam as condições econômicas e sociais

das colônias. Este seria o sentido da colonização, a produção de gêneros destinados para o

mercado europeu, realizada nos latifúndios com a utilização da mão-de-obra escrava.

A ocupação das colônias ibéricas estaria relacionada aos “fins mercantis”. A ideia de

povoar só ocorre a partir das necessidades de organização da produção colonial. Este seria o

novo sistema de colonização, diferente dos antigos postos de feitoria, mas com o mesmo caráter

exploratório, no qual o capital comercial seria o aspecto principal para a análise do mundo

colonial.

A diversidade de condições naturais seria um obstáculo para o povoamento dos trópicos,

mas ao mesmo tempo, se constituiria num aspecto fundamental para a busca de “estímulos

diferentes e mais fortes” . 29

Em relação a este obstáculo, Prado Jr. diz que há uma “falta de predisposição, em raças

formadas em climas frios e por isso afeiçoadas a êles, em suportarem os trópicos e se

comportarem similarmente neles” . Entretanto, é exatamente devido a tal diversidade, que será 30

possível a produção de gêneros agrícolas diferentes dos existentes na Europa. Neste aspecto

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1971, p. 20.28

PRADO JÚNIOR, 1971, p. 28.29

Ibid., p. 27.30

�23

reside a questão essencial da colonização: o sucesso da exploração dos produtos coloniais será a

motivação para a ocupação das colônias situadas nos trópicos.

Mas se o colono europeu vem para fixar-se nas colônias, vem como dirigente da

produção e não como trabalhador. O trabalho físico ficaria reservado aos escravos negros e ao

trabalho compulsório indígena.

Os objetivos mercantilistas direcionaram a trajetória do processo de colonização em

favorecimento do mercado europeu e, assim, as colônias de exploração constituíram-se em “uma

vasta empresa comercial”, com sua economia organizada para o setor exportador.

A exploração colonial é, então, analisada como a causa do subdesenvolvimento do Brasil.

Isto porque, por sua dependência ao comércio internacional, a dinâmica interna era quase

ausente, sendo direcionada para o autoconsumo. A formação da econômica e social da colônia

não teria ocorrido de forma autônoma, pois a sua estrutura estaria inserida no modo de produção

capitalista europeu.

Nas colônias temperadas, o que se observa é a ausência de produtos atrativos que

justificassem uma ocupação imediata. O povoamento desta área só foi realizado como uma

alternativa para o excesso populacional inglês ou como refúgio dos conflitos-religiosos. Essas

condições deram origem a um “novo tipo de colonização”, que reproduziu o modelo de vida aos

quais os colonos estavam habituados na metrópole, e realizou-se de forma autônoma.

Assim, “a colonização inglesa na América (...) só progrediu à custa de um processo de

seleção de que resultou um tipo pioneiro, o característico yankee, que dotado de aptidão técnica

particulares foi marchando na vanguarda e abrindo caminho para as levas mais recentes de

colonos que afluíam da Europa” . 31

A partir da obra de Prado Jr., outros autores procuraram analisar o Brasil colonial através

da sua estrutura econômica. Em Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1979),

inspirado pela tese pradiana de sentido da colonização, Fernando Novais vai além desta

perspectiva, acrescentando que o sentido profundo da colonização seria o comercial e o

capitalista. A perspectiva é desenvolvida com base nas interpretações marxistas do autor, em que

a questão central é a acumulação primitiva de capitais gerada pelo sistema colonial, a partir da

relação de exploração que se estabeleceu entre a metrópole e a colônia. Assim, a transferência do

excedente colonial para a metrópole teria levado a essa acumulação de riquezas por parte da

burguesia mercantil.

Ibid., p. 28.31

�24

Para chegar a tal conclusão, Novais faz uma analise da natureza e dos mecanismos do

Antigo Sistema Colonial. Vê o mercantilismo como um instrumento das monarquias absolutistas

para a superação da crise econômica de natureza feudal. Desta forma, as colônias

desempenharam o papel de “complementar e autonomiza a economia metropolitana” . Estas 32

análises também são utilizadas para a América espanhola.

Superada a fase de simples comercialização, através do escambo, a fase da “produção de

mercadorias” consolidaria a integração das colônias à economia européia. Assim, fundamentado

na tese pradiana, para Novais, o capitalismo comercial seria a chave para a compreensão do

sistema colonial. A colonização moderna portanto, como indicou incisivamente Caio Prado Jr., tem uma natureza essencialmente comercial: produzir para o mercado externo, fornecer produtos tropicais e metais nobres à economia européia – eis, no fundo, o “sentido da colonização”. (...) Completa-se, entrementes, a conotação do sentido profundo da colonização: comercial e capitalista, isto é, elemento constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno . 33

O mercantilismo seria então, o mecanismo adotado para estimular a acumulação do

capital comercial, sendo o sistema colonial seu expoente máximo e “a principal alavanca na

gestação do capitalismo moderno” . Por conseguinte, o exclusivo comercial seria o projeto 34

básico do mercantilismo para prover o estímulo necessário para o desenvolvimento da economia

européia. Além disto, o trafico negreiro também teria um outro motivador desta acumulação

primitiva.

Quanto às colônias de povoamento, estas se formaram “fora dos mecanismos definidores

do sistema colonial mercantilista” , ou seja, de forma autônoma, sem ser submetida ao 35

monopólio comercial. Para estas colônias, “procurou-se canalizar os grupos dissidentes que se

formaram ao longo das crises políticas e religiosas em meio às quais se processou a formação do

estado moderno inglês” . 36

As abordagens apresentadas aqui, apesar de elaboradas sob visões diferentes, partem de

um mesmo pressuposto: o de que as colônias de exploração estavam fadadas ao rigoroso

controle metropolitano, que agia nas esferas da vida material e social.

NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 5. ed.. São Paulo: 32

Hucitec, 1989, p. 66.

Ibid., p. 68-70. 33

Ibid., p. 70.34

NOVAIS, 1989, p. 71.35

Ibid, p. 86.36

�25

O objetivo deste trabalho não é uma analise aprofundada da economia colonial. No

entanto, cabem aqui duas observações sobre a exploração colonial como um meio direto e quase

que premeditado para o advento do capitalismo: em primeiro lugar, o capital comercial não pode

ser interpretado como o sujeito deste processo, já que não é autônomo, mas sim considerado

como parasitário, pois não se reproduz a si próprio, estando presente em outros momentos

históricos; em segundo lugar, nem toda exploração colonial resultou numa acumulação primitiva

de capitais.

Sobre estas perspectivas que analisam a história colonial americana como um anexo da

história européia, Circe Bittencourt observa como o ensino da época colonial da América Latina

restringiu-se sob as análises externalistas e econômicas, o que leva à ausência de um estudo da

dinâmica interna e das atuações sociais mais complexas. A História do Brasil tem sido apresentada e introduzida no ensino escolar como resultante da Europa [...] para os que trabalham com os “modos de produção”, o nascimento do Brasil se explica pela lógica do mercantilismo [...] Trata-se, portanto, de uma história nacional que não se origina no espaço nacional mas no lugar central do capitalismo emergente . 37

Assim, o estudo da América colonial é marcado pela função das colônias como

produtoras de riquezas para a exportação.

CAPÍTULO III

Povoamento na exploração e Exploração no povoamento

Foram analisadas no capítulo anterior quatro abordagens que buscaram compreender a

história colonial a partir das concepções colônia de povoamento e colônia de exploração.

A relação de dominação existente entre as nações européias e suas colônias é indiscutível.

Contudo, tal condição não pode ser o único foco para o estudo da América Colonial, nem,

tampouco, explicaria todos os processos que se desenvolveram nas colônias durante este período.

A análise do mundo colonial deverá ser feita na identificação da conjuntura histórica das

suas respectivas metrópoles, nos anseios dos colonos ao migrarem para o Novo Mundo, assim

como no tipo de sociedade desenvolvida na América. Aqui, podemos identificar qual foram os

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2006 – 37

(Repensando o Ensino), p. 23 – 24.

�26

objetivos que perduraram e os que foram adaptados às novas realidades das áreas ocupadas,

assim como a motivação e a ação dos colonos ao emigrarem para a América.

Neste capítulo, me baseio em uma historiografia revisionista, para indicar alguns

aspectos orientados para uma análise interna das colônias. Ao contrário da historiografia anterior,

para essas abordagens o foco principal não é o externo, ou seja, a dominação colonial, mas sim

uma visão interna dessas colônias e das suas particularidades. Desta forma, pode-se observar o

grau de complexidade e sistematicidade que representou a colonização ibérica.

1) As Treze Colônias Inglesas: exploração e povoamento

As aventuras coloniais ibéricas e, principalmente, a descoberta do ouro no Novo Mundo

atraiu o interesse de outras nações européias para o empreendimento colonial. Entretanto, no

século XVI, a Inglaterra estava exaurida pelas guerras do século anterior e pelo conflito político-

religioso proveniente da Reforma Protestante.

Henrique VIII consolidou o processo de centralização do poder e rompeu com a Igreja

Católica. Após este fato, a cada sucessão do trono inglês, o catolicismo e o protestantismo

revezavam-se como religiões oficiais, o que resultou na migração de católicos e protestantes para

outros Estados europeus e para a América. Os conflitos políticos e religiosos não cessariam e a

Inglaterra viu-se emersa nas revoluções do século XVII.

Assim, no primeiro século da colonização ibérica, a relação mais estreita entre a

Inglaterra e o Novo Mundo foi feita através da pirataria. Além do contrabando, os corsários

forneceram um incentivo à colonização ao mapearem pontos estratégicos e descreverem as

riquezas que poderiam ser exploradas na América. As histórias contadas pelos corsários, assim

como os textos de Hakluyt, Gilbert e Purchas serviram como propaganda da ação colonizadora.

Aqui, já podemos identificar o primeiro impulso para o projeto colonial inglês: a exploração das

riquezas coloniais como fator de atração.

No final do século XVI, os primeiros esforços para a colonização fracassaram. Segundo

Blackburn , sem o apoio financeiro da monarquia, que carecia de capital para a ação 38

BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo, 1492 – 1800. Rio de Janeiro: 38

Record, 2003, p. 268 – 273 – 274.

�27

colonizadora, o empreendimento foi, então, realizado pela iniciativa privada, mas as experiências

na ilha de Roanoke de 1585 e 1587 não tiveram futuro.

Na primeira tentativa, as dificuldades geográficas da ilha, as ameaças de ataques

indígenas e a falta de suprimentos resultaram na volta dos colonos para a Inglaterra. Na segunda,

os mesmos problemas, somados à guerra contra a Espanha, levaram ao desaparecimento dos

colonos. Divine sinaliza que estas primeiras migrações foram estimuladas pelas riquezas que

poderiam ser encontradas na América.

Apesar dos fracassos iniciais, a vitória contra a armada espanhola forneceu outros dois

motivos para iniciar a colonização do Novo Mundo: ajudar a Inglaterra e rivalizar com a

Espanha na exploração colonial. Entretanto, apenas o sentimento patriótico não levaria à

atividade colonizadora. Para a sua realização, entraram em cena as companhias por ações.

Através dos investimentos particulares, essas empresas conseguiram o capital necessário

para financiar a colonização. Organizadas por mercadores, as Companhias recebiam o

monopólio comercial e incentivavam a imigração através de propagandas e promessas de terras

gratuitas ou baratas. O projeto inicial das Companhias objetivava a busca pelo ouro e pela tão

desejada passagem marítima para o Oriente. Houve também a tentativa de “impor às suas

colônias uma forma rígida de organização social destinada a promover mais fins corporativistas

do que individuais” . 39

No entanto, apesar do objetivo corporativo desse projeto, a diversidade de interesses dos

colonizadores, as condições geográficas e a ausência de uma intervenção maior por parte da

monarquia moldaram o caráter assistemático da colonização inglesa na América continental, ou

seja, o processo de povoamento desses espaços ocorreu de forma ocasional, não estruturada. Não

havia um método ou um modelo a seguir.

Ao contrário das colônias espanholas, em que a estrutura das cidades continentais

baseou-se nos modelos antilhanos, na América inglesa este modelo administrativo e urbano não

ocorreu. A falta de uma demarcação territorial por parte da metrópole, por exemplo, ocasionou

diversos conflitos entre os colonos pela posse da terra. Sobre isto, Divine fala que “O método 40

de garantir a concessão de terra ao acaso sugere uma diferença de origem nas colônias

americanas da Inglaterra.” .

SELLERS, Charles. Uma reavaliação da História dos Estados Unidos. 6° ed.. Rio de Janeiro: Jorge 39

Zahar, 1990, p. 20.

DIVINE, Robert et al.. América: Passado e Presente. Rio de Janeiro: Nórdica, 1987, p. 38. 40

�28

Da mesma forma, a ausência de uma centralização política resultou em tensões em

muitas colônias. Foi a partir desta ausência, que a pluralidade da organização das colônias foi

possível, abrangendo diversas “práticas religiosas”, “instituições políticas” e “estilos

econômicos” . 41

Assim, planejamento atribuído por algumas bibliografias a estas colônias não

corresponde com a realidade colonial. A América inglesa continental era predominantemente

agrária. Em muitas áreas, a população vivia dispersa pelas propriedades agrícolas e as grandes

cidades eram poucas. Não havia um controle da imigração por parte da metrópole, o que gerou

uma diversidade étnica e religiosa em muitas colônias.

Esta diversidade gerou conflitos de origem religiosa, como o ocorrido entre protestantes e

católicos, em Maryland. Os julgamentos de Roger Williams e Anne Hutchinson, assim como o

surto de Salém, representam o controle social que os puritanos exerciam em Massachusetts, e até

onde a liberdade poderia caracterizar estas sociedades.

O mito fundador da colonização das Treze colônias inglesas envolve um grupo

constituído por humildes lavradores ingleses que, em 1620, sob o patrocínio de investidores

ingleses, embarcou no navio Mayflower rumo à Virgínia. Devido a um erro de navegação, estes

homens desembarcaram na costa de Massachusetts (fora dos limites da Companhia da Virgínia)

fazendo, assim, um pacto democrático de autogoverno, fundando a colônia de Plymouth. Desde

então eles são considerados os “pais peregrinos”, identificados como os modelos de colonos.

Entretanto, das 102 pessoas iniciais, apenas a metade sobreviveu com uma agricultura

voltada para a subsistência. Sem desenvolver grandes progressos econômicos, Plymouth foi

absorvida pela colônia da Baía de Massachusetts. Quando esses imigrantes fundaram Plymouth,

a Virgínia já estava assentada e as plantações de tabaco floresciam e constituiriam, pouco tempo

depois, o negócio mais lucrativo das colônias inglesas ocidentais. Sendo assim, admitir os

peregrinos como modelo de colonizadores é negar a edificação da colonização sob as bases da

exploração colonial.

Num primeiro momento, a Virgínia foi vista como uma simples feitoria, mas o projeto

metalista inicial teve que ser adaptado às novas circunstâncias, uma vez que o tão desejado metal

não havia sido encontrado. Assim, a plantação do tabaco constituiu-se numa atividade de retorno

mais imediato. Seguindo pelo mesmo caminho, as plantações de Maryland e das Carolinas

também proporcionaram grandes lucros.

Ibid., loc. cit..41

�29

Durante o século XVII, o trabalho nas lavouras era realizado pelos servos contratados. O

livro didático aborda este tipo de mão-de-obra como um trabalho livre. Entretanto, a condição de

trabalho desses homens se assemelhava em alguns aspectos com a escravidão africana. Assim

como os negros, muitos servos europeus (principalmente o irlandês) eram tratados como

mercadoria, sendo vendidos, constando até mesmo em inventários e sofriam abusos físicos e

sexuais.

Com o crescimento da demanda dos produtos, houve a necessidade de um número cada

vez maior de trabalhadores. Isto foi solucionado a adoção do trabalho escravo africano no final

do século e o comércio de escravos era realizado pelo comércio triangular. Os mercadores de

Massachusetts tiveram um “papel importante no fornecimento de provisões e escravos para as

colônias de plantation” . 42

Com exceção das colônias do sul, nos outros espaços coloniais a escravidão africana não

chegou a constituir uma mão-de-obra predominante, mas foi utilizada por alguns proprietários.

Mas o aspecto relevante a ser observado, é que o abastecimento de escravos para as plantations

do sul e do Caribe era realizado através do comércio triangular e do comércio individual,

financiado muitas vezes por comerciantes das colônias do Centro e do Norte.

Assim, a exploração colonial ia além da relação colônia-metrópole, como demonstra a

influência que os lucros do tráfico de escravos exerciam nas colônias continentais inglesas. Nova

York, por exemplo, era administrada por ricos traficantes de escravos.

Na vida política das colônias de plantations, o cenário era dominado pelos grandes

proprietários, que ocupavam os principais cargos públicos e estavam mais preocupados em

defender seus interesses pessoais. Não obstante, nas colônias do meio e na Nova Inglaterra, o

poder local estava vinculado com os interesses das elites de comerciantes e financeiros.

Quanto à agricultura, o seu desenvolvimento era acompanhado de perto pelo crescimento

do comércio em algumas colônias, como o exemplo da Pensilvânia. Nesta colônia, o conselho

era dominado pelos ricos comerciantes quackers, enquanto que a Assembléia era constituída

pelos colonos rurais. Nova York e Nova Jersey eram colônias caracterizadas pelas grandes

propriedades rurais.

Sendo assim, apesar de uma autonomia política maior no primeiro século de colonização,

as colônias em geral nunca constituíram a igualdade representada por algumas bibliografias. De

fato a tradição de direitos individuais era um fator característico dos colonos ingleses, mas isso

BLACKBURN, 2003, p. 290.42

�30

não implicou em condições iguais para todos. A desigualdade social era uma característica

marcante dessas áreas.

Nem só de puritanos e quackers, baseados em princípios democráticos, era composta a

sociedade colonial. Movidos pelo desejo de enriquecer e melhorar suas condições de vida,

muitos homens de diferentes camadas sociais se estabeleciam nas colônias. Somado a este fator

de atração um fator de expulsão veio a constituir mais um impulso para a imigração: a situação

interna na Inglaterra resultou na migração de católicos e de seitas protestantes. Este fator,

somado ao primeiro possuem a mesma importância para o fluxo migratório.

A relação entre os ingleses e os nativos diferiu-se muito da ocorrida nas colônias ibéricas.

Os indígenas foram utilizados como mão-de-obra em menores proporções e, apesar da

ocorrência de união entre colonos e índias, o casamento misto não era bem visto. No entanto,

alguns nativos foram escravizados e vendidos.

Assim como na concepção ibérica, a legitimação para a escravização estava no âmbito

religioso e a guerra justa inglesa se justificaria através de passagens bíblicas. Com o avanço

territorial, as guerras entre colonos e indígenas eram constantes, os acordos estabelecidos foram

violados e várias tribos foram dizimadas.

A restauração da dinastia dos Stuarts dá inicio ao redirecionamento da postura inglesa

diante das colônias americanas, revelando uma preocupação maior na administração colonial. Na

década de 1680, as cartas coloniais foram revogadas, o que significou a perda do valor dos

acordos de propriedades. Jaime I nomeou um conselho e um governador, Edmund Andros, para o

“Domínio da Nova Inglaterra” com ordens de criar novas leis e aumentar os impostos.

A partir de então, várias medidas são elaboradas para aumentar o controle colonial. Todas

as colônias receberam governadores nomeados pelo monarca e todas as leis aprovadas deveriam

ter a sua assinatura. Oito colônias tinham uma carta real e o código penal inglês foi imposto.

“Não obstante, ao que se refere ao governo e a legislação, a América do Norte era muito mais

britânica então, do que havia sido na década de 1690” . 43

JENKINS, Philip. Breve História de Estados Unidos. 2. ed. Madrid: Alianza Editorial, 2005, p. 56. 43

�31

2) As Colônias Ibéricas

Assim como nas colônias inglesas, o primeiro assentamento espanhol estabelecido nas

Antilhas enfrentou inúmeras dificuldades. A primeira colônia estabelecida desapareceu e a

segunda foi estruturada numa região insalubre. Os primeiros colonos enfrentaram problemas

como tensões geradas por conflitos de interesses, doenças e catástrofes climáticas.

A fase antilhana é caracterizada pelo desejo de acumulação rápida de riquezas, em que a

economia era fundamentada no escambo com os nativos. Assim, as primeiras colônias eram

vistas como entrepostos comerciais. A feitoria era um empreendimento conhecido através das

experiências portuguesas, assim como o saque e a pilhagem eram familiares aos espanhóis desde

os tempos da Reconquista.

Os movimentos expansionistas anteriores ofereceram experiências que foram

transportadas para o Novo Mundo, algumas foram adaptadas e outras fracassaram. No caso da

ocupação, uma exploração que oferecesse maiores proporções de lucro exigiria uma ação maior

por parte dos colonizadores, maiores investimentos e o povoamento desses espaços coloniais.

A consolidação da hegemonia espanhola iria depender de um conjunto de aspectos que

possibilitariam o sucesso do empreendimento colonizador. A conquista do extenso território

colonizado pela Espanha só foi possível graças às conquistas militares e às missões religiosas. As

habilidades dos conquistadores foi um dos elementos fundamentais para o sucesso do

empreendimento espanhol, ainda que a crueldade tenha sido uma característica destes homens

(característica esta, que é inerente a todos os processos de colonização, ocorrendo em maior ou

menor grau).

Nos lugares densamente povoados, onde a centralização do poder já existia e vários

povos eram submetidos aos grandes impérios, a conquista foi realizada mais rapidamente (o que

não significa dizer que ocorreu sem esforços). Já nos espaços mais periféricos, em que a

população vivia dispersa, as missões religiosas seriam de grande contribuição para a

“pacificação” desses nativos.

O processo de conquista das principais colônias ocorreu entre 1519 e 1540. Até então, o

fluxo migratório era espontâneo e constituído, basicamente, por hidalgos, comerciantes,

camponeses e artesãos. Nas expedições de conquista além destes representantes da sociedade

hispânica, alguns soldados e marinheiros conformavam o grupo social que consolidavam as

primeiras cidades na América. Desejando uma população mais estável, a coroa espanhola

incentivou a migração de famílias inteiras, mas uma emigração maior de mulheres e famílias só

�32

ocorreu no período pós-conquista. Aqui, ao contrário das colônias inglesas continentais, o alto

fluxo migratório de homens encorajou a união entre espanhóis e mulheres nativas.

Muitos destes imigrantes retornaram para a metrópole, mas a maioria se estabeleceu nas

colônias americanas. As primeiras expedições já montavam uma estrutura que indicava uma

longa permanência na América, como a vinda de representantes de ordens religiosas para a

conversão dos nativos. A preocupação com a administração política e com o planejamento

urbano são outros aspectos da permanência de uma sociedade. Com a consolidação da conquista

e dos assentamentos, a tendência era uma permanência cada vez maior.

Comparadas com as colônias inglesas, as colônias espanholas possuíam uma estrutura

administrativa e espacial bem mais organizada. Os colonos provinham, predominantemente, das

cidades espanholas e a coesão do grupo era importante para esta fase inicial da colonização.

Assim, a urbanização foi uma das bases da colonização espanhola, caracterizada pela identidade

corporativa de uma sociedade hierárquica.

O manual para os fundadores de vilas, elaborado por Bernardo de Vargas Machuca,

demonstra a forma sistemática aos quais as vilas deveriam ser fundadas. Richard Morse faz uma

análise das várias recomendações que este manual oferecia. Dentre elas, a relação que o

colonizador deveria estabelecer com os nativos, a importância dos centros urbanos no

recrutamento da mão-de-obra e a posição dos principais prédios públicos e residências. O autor

também indica que os caudillos desfrutavam de “amplos poderes discricionários” . 44

Assim, o modelo de urbanização espanhol e das antilhas, assim como as características

naturais das colônias e a distribuição da população configuraram a estrutura das cidades na

América espanhola. Segundo Blackburn, “Em 1630, a América Espanhola tinha 10 Cortes

Supremas (audiências), várias centenas de municipalidades, 5 arquidioceses, 29 dioceses, 10

universidades, 334 mosteiros, 74 conventos, 94 hospitais e 23 colégios.” . 45

A relação existente entre os espanhóis estabelecidos nas colônias americanas com a coroa

era baseada nas siete partidas, uma “relação contratual entre o rei e os vassalos” , constituído 46

em uma obrigação mútua que visava ao bem-estar comum.

MORSE, Richard. O Desenvolvimento Urbano Da América Espanhola Colonial. In: BETHELL, Leslie. 44

História da América Latina.

BLACKBURN, 2003, p. 166. 45

ELLIOT, J. H. “A Conquista Espanhola e a Colonização da América”. In: BETHELL, Leslie (org.). História 46

da América Latina. Vol I. São Paulo: EDUSP; Brasília: FAG, 1998, p. 143.

�33

No entanto, o reconhecimento da autoridade real não significou uma obediência irrestrita

aos decretos reais, muito menos na ausência de tensões entre os interesses da metrópole e dos

colonos. Ainda que o monopólio do comércio de escravos africanos tenha sido concedido através

dos asientos, muitos colonos compravam escravos de contrabandistas e através do comércio

triangular. Da mesma forma, as leis decretadas para a proteção e abolição da escravidão indígena

não foram obedecidas, sendo então, a escravização do indígena legitimada através da “guerra

justa”.

O controle burocrático acentuou-se em vista do receio da coroa de que os conquistadores

estabelecessem relações feudais nas colônias americanas, além da descoberta de outros depósitos

de metais preciosos. A organização da administração colonial contava com uma rede de

funcionário que exerciam um controle mútuo uns sobre os outros.

O tributo real do ouro foi estipulado em “um quinto”, passando para “um décimo”

posteriormente. Boa parte do ouro extraído ficava retida no Novo Mundo, assim como grandes

quantidades de prata. “A crescente burocracia espanhola e as economias locais passaram a

precisar de mais prata para pagar salários, financiar o comercio e produzir moedas. A prata

também era procurada pelo comércio intercolonial.” . 47

Assim, a retenção da prata na América favorecia à dinâmica interna das colônias,

incentivando, junto com o sistema de frotas, um desenvolvimento de indústrias, do comércio e

de rotas terrestres. No Peru, por exemplo, a mineração impulsionou o crescimento de alguns

mercados periféricos. Esta colônia fornecia azeite, azeitona e vinho para o Panamá e a Nova

Espanha e a demanda de alimentos, vestuários e animais de tração a ligava comercialmente com

outras regiões, como o Chile e a Argentina.

No Caribe, havia um florescente comércio de açúcar e de gêneros alimentícios. Desta

forma, apesar de toda a fiscalização espanhola, algumas atividades fugiam do controle colonial.

Os navios espanhóis não tinham a capacidade de transportar todos os itens produzidos

nas colônias, predominando o carregamento dos metais preciosos. Da mesma forma, não era

possível transportar todos os alimentos dos quais os colonos necessitavam. Assim, as

propriedades rurais e as pequenas indústrias (como os obrajes) ganharam considerável

importância no abastecimento do mercado local.

MACLEOD, Murdo. “A Espanha e a América: o comércio Atlântico”. In: BETHELL, 1998, p. 364 – 365.47

�34

MacLeod fala que no final do século XVI, com a redução da população indígena, 48

causada pelas epidemias, e com a crise da produção da prata, houve uma necessidade de reter

uma quantidade maior do metal precioso na América espanhola. Por conseguinte, estes fatores

ocasionaram uma diminuição do número da prata que era enviada para a Espanha. Ao mesmo

tempo, a necessidade da importação dos produtos europeus diminui, sendo substituídos pelos

produtos coloniais e pelo tráfico com contrabandistas estrangeiros.

A partir do início do século XVII, boa parte dos produtos coloniais que chegavam à

Espanha era destinada ao pagamento de dívidas com comerciantes estrangeiros. Após 1600, esses confiscos se tornaram corriqueiros e não se limitavam aos metais preciosos. Em alguns anos, toda carga que chegava a Sevilha era apreendida, e o pagamento era agora prometido em juros claramente sem valor vindos de um tesouro manifestadamente em bancarrota . 49

Em relação ao contrabando, Novais fala que esta atividade fazia parte do “sistema de

exploração colonial”, pois objetivava a busca pelo lucro. No entanto, o contrabando se

desenvolveu fora dos planos das metrópoles, já que estas desejavam manter o monopólio

comercial com suas colônias.

Segundo Blackburn , “O reflexo defensivo que [os corsários] provocavam resultou 50

contrário aos interesses de uma economia de exportação de base ampla e do tráfico de escravos

mais intenso que poderia estar ligado a ela.” . Desta forma, o contrabando pode ser analisado à

margem do projeto monopolista espanhol.

Durante o século XVIII, muitos produtos que entravam ilegalmente na América

espanhola eram de origem inglesa. Essa atividade levou a Espanha a intensificar sua postura

monopolista com suas colônias. Como observado por Ciro Flamarion , referindo-se à obra de 51

John Lynch, se os países da América Latina adquiriram uma tradição de exportadores de

produtos primários, tal fato é um legado mais das Reformas Bourbonicas do que da colonização

anterior.

Quando Cabral desembarcou no litoral brasileiro, o foco das atenções da coroa

portuguesa era o comércio realizado com o oriente. Assim, nas três décadas seguintes, pouco

esforço foi feito para o povoamento desta região, tratada, então, como uma feitoria.

MACLEOD, Murdo. “A Espanha e a América: o comércio Atlântico”. In: BETHELL, Leslie (org.). História 48

da América Latina. vol. I. São Paulo: EDUSP; Brasília: FAG, 1997, p. 371-372.

Ibid., 1997, p. 373.49

BLACKBURN, 2003, p. 172.50

CARDOSO; BRIGNOLI, 1983, p. 136.51

�35

A exploração nesta fase ocorreu com o comércio do Pau-Brasil. O monopólio comercial

foi concedido a particulares (cristãos-novos) e a iniciativa privada iria perdurar até o fracasso das

Capitanias Hereditárias.

A expedição de Tomé de Souza marca o início da permanência portuguesa no Brasil, mas

o povoamento da colônia ocorreu de forma mais lenta comparado com o da América Latina. Isto

porque o sistema de capitanias hereditárias fracassou devido à ausência dos donatários ou da

incapacidade administrativa, e os grandes nobres não se sentiam atraídos pela colônia distante.

Assim, o sistema de capitanias acabou em experiências transitórias e os fidalgos menores, alguns

burocratas reais, plebeus (muitos comerciantes e artesãos) e jesuítas constituíam o grupo de

imigrantes que chegavam à América portuguesa.

O objetivo do sistema de capitanias não era apenas o desenvolvimento econômico, mas

também o povoamento das regiões. Assim a distribuição das sesmarias era um incentivo à

colonização, por conseguinte, os colonos vinham atraídos pelo acesso fácil a terra (sesmarias) e

pela possibilidade de obtenção de riquezas e status.

O povoamento ocorreu de início nas regiões litorâneas e as cidades exerciam

importantes funções de defesa, administrativa e econômica, com seus portos de escoadouro da

exportação. A ligação entre as cidades coloniais era precária, sendo mais fácil viajar para a

metrópole do que para as outras cidades mais distantes. Esta situação só mudou com a fase da

mineração com uma formação de redes comerciais maior entre as cidades.

Na época da mineração desenvolveu-se um forte mercado local. À medida que a

população ia crescendo nas principais vilas e cidades, a demanda dos gêneros alimentícios

crescia. Assim, a pecuária e a agricultura das regiões periféricas ganharam peso no

abastecimento interno colonial, demonstrando uma dinâmica interna mais complexa do que a

encontrada nos livros didáticos.

A burocracia portuguesa era menos atuante, quando comparada com a espanhola. Os

grandes proprietários dominavam os cenários políticos locais e mesmo em momentos de maior

centralização do poder real, a subserviência aos às medidas da coroa eram difíceis de controlar. A

mobilidade à ascensão aos cargos públicos era maior do que na América espanhola, além do

poder local dos grandes proprietários, muitos homens nascidos na colônia podiam exercer postos

administrativos, até mesmo em momentos de maior centralização política.

Ainda que o monopólio da exploração colonial fosse direito exclusivo da coroa, em

muitos momentos o monopólio do comércio foi concedido a mercadores estrangeiros e a

�36

companhias de comércio. Isto não foi uma realidade apenas da colonização portuguesa, na

colonização espanhola isto ocorreu com o comércio de escravos africanos.

CONCLUSÃO

Devido à extensão do período colonial e suas esferas territoriais, torna-se complexa a

exposição de uma abordagem temporal e simplista adotada na seara da Educação. Neste

trabalho, apresentei como as vertentes tradicionais - que contemplam os conceitos colônia de

exploração e colônia de povoamento e as abordagens utilizadas a partir destas categorias -

podem gerar um ensino baseado em conteúdos limitados nas relações econômicas de dominação

européia.

Diferenciar as Colônias do meio e a Nova Inglaterra das outras experiências coloniais,

atribuindo características imutáveis a cada uma delas, torna-se um equívoco diante das

complexas relações e atividades desenvolvidas na América colonial. Ao invés desta

categorização dos espaços coloniais, o estudo da colonização poderia ser realizado através da

interação entre as situações provenientes da relação colônia-metrópole, com a formação das

dinâmicas internas existentes.

Foi apresentado como todas as colônias tiveram na sua formação um caráter de

entrepostos comerciais e que o povoamento destes espaços foram etapas seguintes dos processos

de colonização.

O planejamento atribuído à colonização inglesa pelas bibliografias analisadas no segundo

capítulo, não ocorreu na colonização inglesa sob diversos aspectos. Assim, a sistematicidade do

projeto espanhol afasta a ideia de um povoamento ocasional e efêmero.

A questão da transitoriedade, ao qual remete o conceito colônia de exploração, ocorre

porque o que é enfatizado é a exploração. Desta forma, não há uma análise mais profunda da

ação desses homens como colonos já estabelecidos nesses espaços. O que está presente é o fato

dos funcionários da coroa, ao cumprirem um contrato temporário de fiscalização do mundo

colonial, regressarem para a metrópole.

Assim, a grande característica social da colonização ibérica é a relação que se estabeleceu

entre as metrópoles e suas colônias. Não há um espaço para a análise da ação dos colonos

�37

enquanto agentes desse processo, sofrendo influências tanto de seu local de origem, quanto dos

aspectos internos coloniais e dos seus interesses pessoais.

Segundo os aspectos apresentados pelos livros didáticos, os motivos de ser das colônias

de exploração são únicos e exclusivamente comerciais. Não há uma abordagem, em nenhum dos

casos analisados, do processo de povoamento destas áreas. Em muitos casos, os textos não citam

a organização social interna, e quando o fazem, é sempre na representação estereotipada do

colonizador enquanto sujeito subjugado de seu status colonial. A análise ocorre em torno da

exploração colonial. Isto ocorre porque, para esta perspectiva tradicional, a importância da

colonização se situa na acumulação primitiva de capitais.

Já foi observado que nem todas as relações monopolistas da colonização americana

resultaram numa acumulação primitiva de capitais. A acumulação primitiva dependeria de uma

série de fatores, como um Estado que garantisse uma maior ação da classe de comerciantes. Tal

fato ocorreu na Inglaterra, o que fez com que o sistema colonial fosse um dos fatores a colaborar

com a Revolução Industrial, embora este não tenha sido o único elemento que garantiu o seu

surgimento.

A estrutura interna das chamadas colônias de exploração não se limitava ao sistema

colonial e apresentava algumas características econômicas mais dinâmicas do que, apenas, uma

inserção no capitalismo comercial europeu. Esta dinâmica interna, apesar não possuir tanta

autonomia na América espanhola quanto nas Treze Colônias Inglesas, desenvolveu importantes

relações comercias através do abastecimento interno ou do contrabando realizado com

estrangeiros.

Na década de 1970, Ciro Cardoso já criticava as perspectivas que analisavam a estrutura

colonial latino-americana a partir de uma subordinação de uma lógica externa, indicando a

existência de uma dinâmica colonial maior. Para o autor, a visão circulacionista, como a de

Novais, não leva em consideração as condições históricas específicas das estruturas internas das

sociedades coloniais, como a estrutura singular que o escravismo propiciou.

Além da historiografia exposta neste trabalho, muitos trabalhos acadêmicos vêm

abordando novas situações sobre uma estrutura colonial mais dinamizada, contribuindo para a

discussão acerca da utilização dos conceitos. Embora a pesquisa sobre este assunto venha se

desenvolvendo nas últimas décadas, estas análises não são repassadas para os livros didáticos,

onde ainda predomina a historiografia clássica com enfoque econômico.

�38

Sobre estas novas pesquisas, Andrade diz que: [...] muitos trabalhos de cunho regional ao longo da década 1990, vêm demonstrando de que o mercado interno colonial de fato gozava de importante dinâmica. Tanto para o século XVIII quanto para o século XIX algumas pesquisas demonstram que os setores econômicos voltados para o abastecimento interno gerava considerável riqueza[...] . 52

Em relação às colônias inglesas – Centro e Norte -, boa parte da historiografia utiliza a

abordagem da semelhança do clima destas com o europeu, como justificativa para uma maior

autonomia que estas áreas usufruíram. No entanto, se o tipo de colonização efetivado nestas

colônias visava ao povoamento, por que as condições geográficas e o interesse da metrópole

pelos produtos se tornam tão importantes? Tal questionamento remete as palavras de Leandro

Karnal : 53

No limite do cômico, aqueles que apelam para a explicação da colônia de povoamento e exploração, parecem dizer que, caso um colono em Boston no século XVII encontrasse um monte de ouro no quintal diria: ‘não vou pegar este ouro porque sou um colono de povoamento, não de exploração; vim aqui para trabalhar não para ficar rico e voltar’.

Sobre isto, podemos concluir que o que condicionava a autonomia destas colônias não era

a natureza do colonizador. Afinal, religiosos perseguidos, protestantes ou qualquer que fosse a

qualificação do colono que migrasse para a América neste momento, o interesse em comum era a

oportunidade de uma vida melhor que as colônias ofereciam, o que inclui a possibilidade de

enriquecimento, seja qual for a atividade realizada para atingir tal fim.

As razões para tal autonomia são mais profundas e estão intimamente ligadas ao interesse

e à disposição da metrópole, em determinados momentos, por suas áreas de dominação. Se há

uma dinâmica interna maior nestas colônias, esta só ocorre devido à ausência de um controle

centralizado por parte da metrópole no primeiro século da colonização, seja pelos conflitos

internos ou pela atratividade que outras áreas apresentavam para a exploração colonial.

Entretanto, esta ausência não significou a condição de colônias autônomas, não

influenciáveis pelas questões metropolitanas. O fortalecimento do controle da Inglaterra, no

século XVIII, sobre todas as suas colônias corrobora para tal questionamento. Com a restrição da

economia local, estabelecendo efetivamente as medidas do exclusivo colonial, “a maioria das

colônias passou a pertencer à Coroa.” . 54

Segundo as abordagens que adotam o conceito colônias de povoamento, se há uma

exploração colonial nestas áreas, esta só ocorre no advento das pressões inglesas de meados do

ANDRADE, op. cit..52

KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007, 53

p. 18.

AQUINO, 1999, p. 108. 54

�39

século XVIII. No entanto, as pressões inglesas demonstraram que, com base na concepção

mercantilista, estas colônias também deveriam servir às suas necessidades. Ainda que o controle

da Inglaterra por estas áreas não fosse intenso em determinadas épocas da colonização, quando

se fez necessário os mecanismos do sistema colonial foram adotados em prol da metrópole.

Uma outra observação relevante, é que a colonização já é uma exploração por si só. Ela

resultou na invasão de terras ocupadas por outros povos, na modificação da sua cultura e do seu

cotidiano e em ações predatórias.

O que podemos concluir ao final deste trabalho é que, apesar de todos os mecanismos

utilizados pelas metrópoles para o domínio do comércio colonial, nem todas as situações eram

condicionadas pelas nações européias. A colonização da América foi sistematizada a partir de

fenômenos de interação da sociedade, formando uma estrutura mais arraigada do que sugere os

conceitos polarizados - colônia de povoamento e colonial de exploração – apresentados pelos

livros didáticos.

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