Minha Luta - Estado de Minas

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  • 8/19/2019 Minha Luta - Estado de Minas

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    EM

    ESTADODEMINAS●  SÁB ADO, 6 DE FEV ER EIR O DE 2016   ● EDI TO RA:   S i l vana Arantes  ● EDI TO RA- ASSI STEN TE:  Â ng el a Far i a  ● E - M A I L :   cu l tura.em@uai .com.b r   ● TELEFO N E:  (31) 3263-5126

    UMA TURISTA ACIDENTAL

    Visita de personagem

    de Gorete Milagres à

    região atingida por

    desastre de Mariana

    vira documentário

    PÁGINA 6

          D      O      M      E      N      I      C      O      P      U      G      L      I      E      S      E       /      D      I      V      U      L      G      A      Ç         Ã      O

    WhatsApp:  (31) 98502-4023

    Publicaçãode Minha

    luta, de Adolf Hitler, 70

    anos apóssua morte,

    divideespecialistas

    e provocabatalha

     judicial. Deum lado, a

    liberdade deexpressão.

    Do outro,discursode ódio

           A

         c     o     n

           t     r     o     v       é     r     s       i     a

    SHIRLEY  P ACELLI

    As últimas eleições

    memostraramque

    omito dobrasileiro

    cordial foi embora

    quando a elite

    perdeu o poder

    ■AdrianaDias,antropóloga

    “Por que o nazismo vende?”. Deícone pop por Chaplin ao vilão Jo-hann Schmidt, nazi-oficial em Capi-tão América, até às capas de revistasde história nas bancas: Adolf Hitlerestá lá. A pergunta vem da reflexãodo professor de filosofia José CostaJúnior,do Instituto FederalMinasGe-rais.Paraele,é preciso promoverumquestionamento mais amplo paraamadurecer pontos de vista e trazeressa preocupação à tona.

    Desde 1º de janeiro, a obra Minhaluta, do líder nazista, entrou em do-mínio público e sua comercialização

    tem despertado debates acaloradosna sociedade.Nesta semana, o Tribu-nalde Justiça doRio deJaneiro(TJ-RJ)proibiu a comercialização, exposiçãoe divulgação do livrono estado– sobmulta de R$ 5 mil em caso de des-cumprimento. Em resposta, a UniãoBrasileira de Escritores (UBE) contes-tará com medida judicial a decisãoque,segundoaentidade,violaodirei-to constitucionalà informação.

    O professor José Costa reconheceque,do pontode vistaprático, a obrajá está disponível na internet.Sendomaisreflexivo,ele esbarra no debate:tudopodeserdito?“DizemqueoPCC(Primeiro Comando da Capital) temumcódigodeética,atésofisticadoemtermodedetalhamento.Eseumaedi-torapublicasseisso?”,questiona.

    “Temquesepensarnaimportânciade quem fala. É uma obra dura, quepregahipótesesbastantes excluden-tes.Verborragiaviolenta”, explica Cos-ta. Ele acredita que é preciso atingirumequilíbrio entrea liberdadede ex-pressãoeapreocupaçãocomaspossí-veisconsequências.“O queo nazismofezimpacta tanto quegera curiosida-de.A curiosidade pode virar o quê?”,lança. O professor acredita que umadecisão dessa dimensão deveria serdiscutidacom mais cuidado. “Seriale-gala própria editora levantar umse-minário”, sugere.

    A Editora Centauro já comer-cializa o livro com o texto originalno Brasil.Em 20dias, a primeiraedi-ção está praticamente esgotada. Fo-ram vendidos cerca de 4 mil exem-plares.Com a exposição midiática,a

    procura pelo livro nunca foi tãogrande,revelaAdalmir CaparrosFa-ga,proprietário da editora.

    Fagacontaqueolivrojáfaziapartedocatálogodaempresadesdemeadosde2005,quando ainda eradirigidape-lo paidele. “Naépoca fomos comuni-cadosqueosdireitosautoraiseramdogovernodaBaviera.HaviaumenganocomaquestãodoanoqueHitlermor-reu”,explica.Os exemplaresforamre-tiradosde circulação e voltaramàs li-vrariasesteano.“Éumlivropolêmico.Uma história trágica,triste. Mas é co-nhecendo nosso inimigo que vamoscombatê-lo”,diz Faga.

    A Centauro já se envolveu emou-trapolêmica coma ediçãode Os pro-tocolos dossábios de Cião,livroantis-

    semita anônimo. “Fomos acionadospelo Ministério Público e mandaramrecolhê-los.O processoainda estásubjudice”,conta. O empresário retirou aobrado catálogoe queimouos exem-plares.“ Minha lutaeumantenho.Édedomínio público. Mundialmente co-nhecido.Existeemváriaslínguas.Nãovouabrir mão”, diz.

    A Geração Editorialjá está emfasedepré-vendadesuaediçãocomentadade Minhaluta.Aeditoravaiimprimirodobrodonúmerodepedidos.LuizFer-nandoEmediato, publisher daGeração,dizque a decisãodo TJ-RJé inócuapor-queo livro podeser baixado gratuita-mente pela internet, em vários idio-mas,incluindo o português. A editoravai recorrer. “A Constituição Federalnosgaranteodireitodalivreexpressão.Acreditoque o própriojuiz poderá re-versuadecisão,aoverificareconfirmarquenossa edição,crítica e comentada,prestaum serviçoà humanidade, poisdesmente,refutaecondenaasideiasdeHitler”, afirma.

    O livro terá milpáginas, sendo450sódecomplementos.Serão278notaseapêndices de 10 historiadores norte-americanos parauma edição de 1939,48notasde umhistoriador brasileiroe28 notas do tradutor William Lagos.Além de umartigo dofilósofo NelsonJahar Garcia, da Universidade de SãoPaulo, outro de Eliane Hatherly Paz,doutora pela Pontifícia UniversidadeCatólicadoRJeumdeEmediato.

    Ainda não há uma capa definida.SegundoEmediato,umlayoutemtes-tefoiusadoemummanifestoporumgrupodeintelectuais,lideradopeloes-critorRicardoLisias,para convocarumboicoteàedição.NopostnoFacebook,Lisiascriticou a imitação da “estéticadosatuaisbest-sellersdirecionadosaopúblico adolescente”. “Não creioquenossaedição vá interessaraos jovensleitoresdelivrosdefantasia.Elesestãoemoutrasintonia”,defendeEmediato.

    Discordância

    entreentidades

    O escritor Cláudio Aguiar, vence-dor do prêmio Jabuti em 2015 por Francisco Julião, uma biografia, dizquenãoécontraapublicaçãodeumlivro, mas não vê motivos para cele-brar a comercialização do Minha lu-ta. “Artistas que amam a liberdade eprezam pelademocracia,não podemse entusiasmare defender a veicula-ção só porque caiu em domínio pú-blico”,explica.

    Como presidente do PenClube doBrasil,organizaçãode escritoresfunda-daem1936,elenãodefendequeaedi-ção“seja perseguida”, como Hitlerfezqueimandolivrosem praçaspúblicas.“Isso não me anima, nem me alegraqueeleestejaaíesejatãofalado.Daquia pouco virabest-seller. Há tendênciadisso.Quantas vezes sevê o malproli-ferando”, considera. O escritor temequeaobracaianasmãosdajuventudee princípios negativos se propaguem.

    “Temosneonazistasemalgumascida-des. Basta citar os nordestinos perse-guidosem SãoPaulo”,lembra.

    Já para Durval de Noronha Goyos,presidenteda UBE,fundadaem 1942,é um “grande exagero” o argumentodeque a comercializaçãoda obra po-deriadarforçaaomovimentoneona-zista no país. “Não se pode aceitar atutelado Estadona consciênciado lei-tor”,defende.Eledestacaque a UBEécontra a tentativade censura.“Temosa honra de ter combatido o nazismo.Mandamos homens. Temos isso naconsciência nacional.O povoqueexi-giunasruas”, diz.

    Paraa Ube, a decisãodo TJ-RJ, violao direitoconstitucionalà informação.“Apublicaçãopodetantoevitararepe-tiçãodos dramáticosacontecimentos,

    comoassegurar o registro histórico”,explica. Segundo Goyos, em breve, aentidade devebuscarapoiode outrosórgãos,comoaOrdemdosAdvogadosdoBrasil. “Vamosentrarcomum pro-cesso como amicuscuriaepara rever-terisso”,dizo presidente.

    Extrema-direita

    Há 14 anos, a antropóloga AdrianaDias, mestre doutoranda pela Uni-camp,estudao neonazismo.Ela se diza favor da liberdade de expressão e deideias.“O livro já está na internet, massoucontrade qualquer forma porre-presentarum discurso de ódio”,afir-ma.Paraela,écomplicadofalardeme-lhor absorção crítica do conteúdo secompararmosa Alemanhacomo Bra-sil.“OdiscursodeHitleratingeumaca-madadapopulaçãopresenteemtodasasclasses:aquelaquesesenteprejudi-cada em crise econômica, não tem aquemculparevaiculpararaça”,expli-ca.Ela conta queo crescimento da ex-trema-direitano Brasiltem sidoacele-rado. “Asúltimas quatroeleiçõesmemostraram que o mito do brasileirocordialfoi emboraquandoa elite per-deuo poder”,diza antropóloga.

    Apesar do elemento comum doódio ao judeu, ao negro e ao gay, se-gundoAdriana,emcadalugaromovi-mentoneonazistatemumaconfigura-ção específica. “Nos Estados Unidos,eles achamque o modeloamericanovaisalvaro mundo.No Brasil,existe oódioaos nordestinos, como se fossemsub-raças”,exemplifica.

    Em 2007, quando fez mapeamen-todo movimentono Brasil, a pesqui-sadoraencontrou150mil pessoasbai-xando este tipo de conteúdo no país.“Uma coisa é você achar materialproibidodentroda internete ler.Tema ideia da subversão. Outra coisa é achancela da editora, da publicação.Podercomprar livremente”,pondera.Paraa pesquisadora, atémesmoa edi-ção comentada é problemática.“Quem estáindo atrás do Minha luta,não procura paraentendera questãonazista,masporadmiração. Hitlereraumafiguraquetinhaumcarismaex-tremamentecomplicado.Ele falacomum tipo de pessoa: aquela que querachar quem culpar pelo próprio fra-casso”, considera.