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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ª Vara da Fazenda Pública da
Comarca de São Paulo, Capital.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,
por meio do 2º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital infra-
assinado, vem respeitosamente perante Vossa Excelência para, com fundamento
no artigo 129, inc. III, da Constituição Federal, nos artigos 81, parágrafo único,
incisos I e II, e 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor
(aplicáveis por força do artigo 21 da Lei Federal nº 7.347/85), no artigo 5º,
inciso I, da Lei Federal nº 7.347/85, e no artigo 25, inc. IV, a, da Lei Federal nº
8.625/93, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, a ser processada pelo rito
ordinário, contra o INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL E DE
CRIMINOLOGIA DE SÃO PAULO (IMESC), Autarquia Estadual, Pessoa
Jurídica de Direito Público Interno, estabelecida na Rua Barra Funda, nº 824,
Barra Funda, nesta cidade de São Paulo (SP), CEP nº 01152-000, e o
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Pessoa Jurídica de Direito
Público Interno, com endereço na Rua Pamplona, nº 227, 7º andar, Bela Vista,
nesta cidade de São Paulo (SP), CEP n° 01405-902, onde se situa a sede da
Procuradoria-Geral do Estado, para que sejam acolhidos os pedidos ao final
formulados em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.1
SINOPSE. Ação Civil Pública contra o Governo do Estado de São Paulo e
Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC) - Atrasos
do IMESC na realização de perícias médico-legais em favor dos beneficiários da
assistência judiciária gratuita. Acúmulo de pedidos de perícia desde o ano de
2006. Ofensa à dignidade da pessoa humana. Ofensa a direitos fundamentais das
pessoas pobres. Violação das garantias constitucionais do acesso à justiça,
assistência judiciária gratuita e razoável duração do processo. Violação ao
princípio da eficiência que norteia a Administração Pública. Pretendida a
conclusão das perícias atrasadas em prazos certos e determinados. Dever do
Estado em prover as condições necessárias para que sua autarquia atenda à
demanda. Antecipação de Tutela.
I. Os fatos.
01. O IMESC – Instituto de Medicina Social e de
Criminologia de São Paulo, é autarquia estadual instituída pelo Decreto-Lei nº
237, de 30 de abril de 1970 e vinculada atualmente à Secretaria Estadual de
Justiça e Defesa da Cidadania.
Seu funcionamento acha-se regulado pelo Decreto
Estadual nº 42.110, de 19 de agosto de 1997. No artigo 3º do Regulamento a ele
anexo, há a previsão de suas finalidades, a saber:
I - promover a formação e o treinamento de pessoal especializado, mediante a realização de cursos e
congressos nos ramos da Medicina Legal, da Medicina Social, da Medicina do Trabalho, da
Criminologia, da Criminalística, da Identificação, da História da Medicina e da Ética Profissional;
II - executar pesquisas nos ramos citados no inciso anterior;
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III - prestar colaboração à Universidade de São Paulo - USP, em caráter de reciprocidade, nas
atividades docentes e de pesquisa, referentes a matéria técnico-científica compreendida no âmbito de
suas atribuições, na forma que for estabelecida em convênio;
IV - cooperar com os órgãos da Administração Direta e Indireta do Estado, na esfera de suas
atribuições;
V - realizar perícias, exames de personalidade e de capacidade profissional, requisitados pelas
autoridades competentes;
VI - difundir o resultado de suas atividades e de outras matérias relacionadas com a sua área de
atribuições;
VII - participar da prática de uma política criminal de prevenção do delito e tratamento dos
delinqüentes, segundo os modernos princípios penais e penitenciários.
Dentre estas atribuições, sobressai-se, para esta causa,
aquela prevista no inciso V, que se revela, no cotidiano forense paulista, na
realização de perícias médico-legais (clínicas e psiquiátricas) e investigação de
paternidade por vínculo genético.
Prestam-nas, sobretudo, aos beneficiários da justiça
gratuita, em obediência ao preceito constitucional do inciso LXXIV do artigo 5º
da Constituição Federal. E foi este o serviço público essencial assumido pelo
IMESC no decorrer dos últimos anos: realizar perícias judiciais em favor dos
hipossuficientes que se socorrem da prestação jurisdicional estatal e que não
podem arcar com os custos daqueles exames, o que garantiu enorme prestígio
àquela autarquia, dada a relevância social de sua função.
No entanto, com o aumento de demandas levadas ao
Poder Judiciário em geral e, em especial, o incremento de hipóteses em
assistência judiciária gratuita, registrou-se um considerável acréscimo nos
trabalhos submetidos àquela Autarquia. Lamentavelmente, seus dirigentes e os
governantes estaduais (em especial os Secretários de Justiça) não cuidaram de
3
dotá-la de meios que lhe permitissem fazer frente àquela nova demanda, nascida
do legítimo esforço da cidadania brasileira em fazer valer seus direitos, que se
achavam reprimidos depois de anos de ditadura militar.
A consequência, é que o IMESC transformou-se numa
balbúrdia. Centenas de requisições judiciais de perícias não atendidas, milhares
de ofícios judiciais não respondidos e uma impressionante demanda de casos
esquecidos e sem qualquer perspectiva de atendimento.
O que era prestígio, virou descrédito e vergonha.
Quadro de pessoal desfalcado, recursos orçamentários
insuficientes, estrutura administrativa precária, ao lado da crescente exigência de
perícias passou a ser a tônica do órgão, sem que os governantes estaduais se
dispusessem a adotar efetivas providências para evitar tal estado de coisas.
Neste contexto, começaram a chegar ao conhecimento
desta Promotoria de Justiça dezenas de peças de informação provenientes de
diferentes varas judiciais do Estado de São Paulo, delas constando
surpreendentes atrasos por parte do IMESC em atender às requisições judiciais
provenientes de processos em que as partes eram beneficiárias da justiça
gratuita, o que vinha prejudicando enormemente o andamento daquelas causas,
resultando, à evidência, na denegação da prestação jurisdicional.
Para melhor ilustrar a situação narrada, cumpre trazer
uma breve síntese da situação de cada um dos processos que instruíram tais
peças de informação:4
Autos nº 053.00.031775-9 (583.53.2000.0301775-9) – 3ª Vara
da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica
indireta – aguardando agendamento de perícia desde 21 de outubro de 2002 – 9ª reiteração
em 1º de setembro de 2009.
Autos nº 053.05.024630-8 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente em rodovia)– perícia médica - perícia requisitada
em 27 de outubro de 2005 – perícia realizada somente em 21 de março de 2007 –
aguardando conclusão de laudo – 3ª reiteração em 10 de dezembro de 2009.
Autos nº 053.07.100029-3– 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação Condenatória (ingresso em concurso público) – perícia médica – perícia
requisitada em 22 de outubro de 2008 – perícia realizada somente em 11 de março de 2009 –
aguardando conclusão de laudo – 2ª reiteração em 1º de outubro de 2009.
Autos nº 053.00.015084-6 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando conclusão de
laudo desde 10 de julho de 2007 – 7ª reiteração em 19 de novembro de 2009.
Autos nº 053.06.109039-8 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico – perícia médica – perícia
realizada em 22 de fevereiro de 2008 - aguardando conclusão de laudo – 2ª reiteração em 20
de abril de 2010.
Autos nº 053.08.112667-5 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – perícia realizada em 18 de
agosto de 2009 - aguardando conclusão de laudo – 3ª reiteração em 29 de abril de 2010.
Autos nº 053.06.116862-6 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – perícia requisitada em 11 de dezembro
de 2006 - perícia realizada somente em 16 de outubro de 2008 - aguardando resposta de
5
quesitos complementares do laudo desde 27 de agosto de 2009 – 2ª reiteração em 20 de abril
de 2010.
Autos nº 053.08.114192-0 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – perícia requisitada em 20
de junho de 2008 - perícia realizada em 27 de julho de 2009 - aguardando conclusão de
laudo – 2ª reiteração em 07 de maio de 2010.
Autos nº 000.04.008845-6 – 9ª Vara Cível – Foro Central - São
Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – perícia requisitada
em 19 de maio de 2005 - perícia realizada em 10 de agosto de 2007 - aguardando conclusão
de laudo do 2º autor – 2ª reiteração em 07 de janeiro de 2009.
Autos nº 053.06.102505-0 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica indireta – perícia
requisitada em 04 de janeiro de 2007 - aguardando complementação de laudo – 3ª reiteração
em 29 de abril de 2010.
Autos nº 053.06.114312-4 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – perícia requisitada em 20 de junho de
2008 - perícia realizada em 11 de novembro de 2008 - aguardando conclusão de laudo – 2ª
reiteração em 14 de julho de 2009.
Autos nº 053.02.019662–0 - 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica - aguardando complementação de perícia
– 2ª reiteração em 06 de julho de 2010.
Autos nº 583.53.2006.113760-0 – 10ª Vara da Fazenda Pública
– São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando
conclusão de laudo desde 27 de junho de 2008.
6
Autos nº 554.01.2005.006092-7 – 5ª Vara Cível – Santo
André/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – aguardando
esclarecimentos sobre laudo desde 14 de outubro de 2008 – 3ª reiteração em 15 de março de
2010.
Autos nº 554.01.2000.026726-6 – 2ª Vara da Fazenda Pública –
Santo André/SP – Ação de Indenização (acidente de trabalho) – perícia médica –
aguardando agendamento de perícia desde 22 de abril de 2008 – 4ª reiteração em 23 de
março de 2010.
Autos nº 0107370-98.2008.8.26.0053 – 8ª Vara da Fazenda
Pública – São Paulo/SP – Ação de Restauração de Isenção de Impostos – perícia médica –
aguardando agendamento de perícia desde 03 de setembro de 2008.
Autos nº 053.09.006026-4 (0006026-40.2009.8.26.0053) – 13ª
Vara da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia
médica – ação proposta em 20 de fevereiro de 2009 – aguardando realização de perícia
desde antes da propositura da ação.
Autos nº 053.08.122075-2 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando
esclarecimentos sobre laudo desde 12 de maio de 2010 – reiteração em 28 de setembro de
2010.
Autos nº 2000.545573-1 (583.00.2000.545573-1/0) – 19ª Vara
Cível - Foro Central – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica
indireta – aguardando agendamento de perícia desde 07 de agosto de 2009 – 2ª reiteração
em 31 de março de 2010.
Autos nº 197.01.2006.003119-9/0 – 1ª Vara Judicial –
Francisco Morato/SP – Ação de Interdição – perícia psiquiátrica – aguardando
7
esclarecimentos de laudo desde 24 de setembro de 2008 – 4ª reiteração em 19 de agosto de
2010.
Autos nº 2001.102660-1 (583.00.2001.102660-1/0) – 37ª Vara
Cível – Foro Central - São Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando
conclusão de perícia desde 18 de setembro de 2009 – reiteração em 29 de março de 2010.
Autos nº 240/053.00.002259-7– 5ª Vara da Fazenda Pública –
São Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – aguardando
esclarecimentos sobre laudo desde 15 de agosto de 2008 – reiteração em 20 de outubro de
2010.
Autos nº 007.02.011633-7 – 2ª Vara Cível – Foro Regional de
Itaquera - São Paulo/SP – Ação de Indenização c/c Alimentos – perícia médica – aguardando
agendamento de perícia desde 02 de junho de 2008 – 3ª reiteração em 16 de junho de 2009.
Autos nº 002.06.145469-9 (583.02.2006.145469-9/0) – 1ª Vara
da Família e das Sucessões – Foro Regional de Santo Amaro – Ação de Interdição – perícia
médica – aguardando agendamento de perícia desde 15 de agosto de 2006 – 6ª reiteração em
08 de julho de 2009.
Autos nº 35.568/05 – 6ª Vara Cível – Foro Regional de Santana
– Ação de Reparação de Danos – perícia médica – aguardando agendamento de perícia
desde 05 de janeiro de 2007 – reiteração em 02 de julho de 2007.
Autos nº 053.05.011938-1(0011938-57.2005.8.26.0053) – 8ª
Vara da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia
médica direta e indireta – aguardando conclusão de laudo desde 15 de agosto de 2008 – 3ª
reiteração em 24 de setembro de 2010.
8
Autos nº 048.01.2001.4124-5/0-0 (880/2001) – 3ª Vara Judicial
– Atibaia/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica– aguardando
conclusão de laudo desde 15 de agosto de 2008 – 2ª reiteração em 03 de novembro de 2009.
Autos nº 576.01.2005.071.278-0 – 2ª Vara Cível – São José do
Rio Preto/SP – Ação de Investigação de Paternidade – exame de DNA – aguardando
agendamento de perícia desde 25 de março de 2008 – 5ª reiteração em 14 de outubro de
2010.
Autos nº 001.05.011038-2 – 8ª Vara Cível – Foro Regional de
Santana - São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica direta e
indireta – aguardando agendamento de perícia desde 14 de maio de 2007– 4ª reiteração em
11 de novembro de 2008.
Autos nº 053.07.139927-7– 8ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando agendamento de perícia
desde 09 de novembro de 2009– 3ª reiteração em 22 de dezembro de 2010.
Autos nº 2005.61.05.014357-7 – 8ª Vara Federal de Campinas –
5ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo – Ação de Concessão de Aposentadoria –
perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde 07 de fevereiro de 2007– 4ª
reiteração em 15 de setembro de 2008 – perícia cancelada em razão da demora.
Autos nº 053.04.011154-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública – São
Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando
esclarecimentos sobre laudo desde 19 de dezembro de 2008– 3ª reiteração em 18 de janeiro
de 2010.
Autos nº 554.01.2006.012749-2 – 1ª Vara da Fazenda Pública –
Santo André/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando esclarecimentos sobre
laudo desde 25 de maio de 2009 – 2ª reiteração em 14 de julho de 2010.
9
Autos nº 554.01.1997.001617-5 – 1ª Vara Cível – Santo
André/SP – Ação de Cobrança – perícia médica – aguardando esclarecimentos sobre laudo
desde 06 de novembro de 2009 – reiteração em 04 de novembro de 2010.
Autos nº 554.01.2005.001948-9 (número inicial)/ 2569/2009
(número atual) – 2ª Vara da Fazenda Pública – Santo André/SP – Ação de Indenização (erro
médico) – perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde 31 de janeiro de 2007– 4ª
reiteração em 07 de fevereiro de 2011.
Autos nº 583.01.2005.035568-4 – 6ª Vara Cível – Foro Regional
de Santana – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde
30 de agosto de 2007– 3ª reiteração em 9 de fevereiro de 2010.
É preciso destacar que estas são hipóteses que
chegaram à Promotoria de Justiça por iniciativa exclusiva dos próprios Juízos de
Direito (eventualmente provocados pelas partes). Não houve, na fase de
instrução do inquérito civil, a preocupação desta Promotoria de Justiça em
provocar as centenas de Juízos de Direito de São Paulo para que remetessem
outros exemplos de negligência do IMESC, o que resultaria, sem qualquer
dúvida, num universo impressionantemente maior de casos.
Na maioria das hipóteses acima listadas, como em
tantas outras em trâmite pelas varas judiciais paulistas, sequer foram
respondidas as requisições judiciais, seja para justificar a demora ou para
requerer prazo complementar, não obstante as diversas e seguidas reiterações
encaminhadas. Nestas que instruem esta petição inicial, houve, inclusive, a
intimação pessoal do diretor do IMESC à época dos fatos, Dr. Mecenas
Rodrigues Pedroso, sem que dele se obtivesse qualquer resposta. Aliás, vários
inquéritos policiais foram instaurados com o propósito de se apurar, por parte 10
daquele senhor, crimes de desobediência ou prevaricação, sem que isto
resultasse, obviamente, na realização das necessárias perícias.
E assim foram se arrastando tais processos durante
anos, paralisados por conta da falta de prova pericial, em prejuízo de milhares de
pessoas pobres que dependiam daquela perícia para efetivação de seus direitos.
E a direção do IMESC e o Governo Estadual não se
dignavam sequer a responder aos ofícios judiciais, num total descaso!
Em uma destas ocasiões, o MM. Juiz de Direito da 19ª
Vara Cível Central da Capital, Dr. Clóvis Ricardo de Toledo Júnior,
expressando sua justa indignação, consignou nos autos da ação ordinária nº
583.00.2005.017859-0: “extraiam-se cópias dos autos para a instauração de
processo por delito de desobediência praticado, em tese, pelo Diretor do
IMESC, tendo em vista as reiterações sem resposta. Da mesma forma, extraiam-
se cópias dos autos e remetam-se ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de
São Paulo, ao Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e
ao Governador do Estado de São Paulo, solicitando-se providências, posto que
a situação do IMESC é triste, uma vez que não responde aos ofícios e mandados
judiciais reiteradamente, não cumpre as decisões proferidas nos autos em que
são solicitados a prestar serviço público essencial. E, flagrantemente, o órgão
não apresenta capacidade técnica e estrutural para dar vazão à demanda por
justiça no Estado de São Paulo. Trata-se, portanto, de situação caótica que
prejudica sobremaneira a população do Estado de São Paulo, que não tem
condições de pagar por serviços similares, especialmente nos casos dos
assistidos gratuitamente pela Justiça. De todos os problemas, o mais grave no 11
Estado Democrático de Direito é a denegação de Justiça. Assim, diante do caos
instalado no órgão, a realização de justiça está sendo insofismavelmente
denegada. Por outro lado, a Constituição Federal estabelece a “dignidade da
pessoa humana” como fundamento da República e dispõe como seus objetivos
fundamentais: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o
desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. O art. 5º, LXXIV, da CF estabelece que o “Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”. O art. 6º da CF também estabelece que “são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”. Como se vê, o rol de disposições constitucionais que
garante a prestação do referido serviço público é imenso, sem mencionar os
tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Portanto,
não faz o menor sentido o inadimplemento pelo Estado de São Paulo de função
tão essencial”.
02. Estes inquietantes exemplos ilustravam a
deficiência naquele serviço público prestado, o que ensejou a instauração de
procedimento investigatório. Na verdade, tratando-se de uma Promotoria de
Justiça voltada à tutela coletiva, o grande mérito das representações de casos
individuais é exatamente subsidiar a atuação institucional voltada ao conjunto da
sociedade alcançado pela prática supostamente danosa.
12
O curso da investigação veio a demonstrar que a
situação era, de fato, caótica, como bem a classificou o indignado Magistrado. E
demonstrou, ainda, que há um enorme acervo de perícias antigas por serem
realizadas, numa quantidade que nem mesmo a direção do IMESC consegue
quantificar com exatidão.
Era preciso, pois, instar o órgão público a que
cumprisse com sua finalidade legal, garantindo com eficiência o direito
constitucionalmente garantido às pessoas pobres. Foi neste sentido que se deu
trâmite ao inquérito civil, privilegiando-se especialmente uma eventual solução
extrajudicial, que permitisse um desate do problema mais rápido e eficiente, sem
a necessidade de sobrecarregar-se ainda mais o já sobrecarregado Poder
Judiciário.
Debalde, contudo, como se verá em seguida.
Em instrução preliminar e animado por aquele
propósito, foram solicitadas informações ao IMESC. Seu Superintendente à
época, o Dr. Sidney Carvalho Júnior, as prestou de modo cortês e minucioso,
reconhecendo que aquela “finalidade não está sendo desempenhada dentro de
prazos desejáveis, em decorrência do considerável aumento no número de
perícias solicitadas ao IMESC nos últimos anos, que tornou a demanda
extremamente superior à capacidade operacional da Autarquia”.
Em outras palavras: o próprio Superintendente do
IMESC reconheceu que a estrutura do órgão não era suficiente para acompanhar
sua crescente demanda, o que gerou um insustentável problema de atrasos na 13
conclusão das perícias requisitadas (manifestação escrita a fls. 125/128 do
inquérito civil nº 13/2009).
Sendo assim, instaurou-se nesta Promotoria de Justiça
de Direitos Humanos, Área de Inclusão Social, inquérito civil hábil em apurar as
condições de funcionamento daquela autarquia.
No curso das investigações foram realizadas diversas
tentativas de se resolver extrajudicialmente as deficiências daquela autarquia.
Na primeira reunião, realizada em 06 de janeiro de
2010, o DD. Superintendente do IMESC apresentou uma série de promissoras
iniciativas que estariam sendo adotadas no sentido de eliminar as deficiências
havidas no serviço prestado pelo órgão público, entre elas o aumento da
remuneração dos médicos peritos, o desenvolvimento de um novo sistema de
informática para o controle de perícias e um convênio com o Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo (manifestação escrita a fls. 161/168 do inquérito civil nº
13/2009).
Outra medida a ser implantada naquela ocasião
merecia destaque: a cessação de realização das perícias oriundas da Justiça
Federal e do Trabalho, cujo contingente corresponderia a aproximadamente 50%
da demanda do IMESC, de acordo com o próprio representante do órgão, em
virtude do entendimento firmado pela Procuradoria Geral do Estado, a partir do
Parecer nº 361/2008 da Consultoria Jurídica da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania, no sentido de que tais solicitações não se inseriam dentre as
atribuições institucionais da autarquia.14
Foram demonstradas também medidas efetivas e muito
positivas já implantadas até então, como a descentralização para 13 cidades do
interior paulista dos serviços de assistência prestados pelo IMESC, o que já teria
corrigido as distorções relativas às perícias de investigação de paternidade, que
não mais estariam registrando atrasos, sempre consoante as palavras do então
Superintendente.
Evidenciado o efetivo esforço dos responsáveis pelo
IMESC quanto à correção das irregularidades apontadas e como forma de
prestigiar tais iniciativas, optou-se pela suspensão do inquérito civil por 180
dias, de modo a se permitir à direção daquela autarquia o prosseguimento das
providências apresentadas e uma posterior avaliação sobre o impacto de todas
estas medidas no funcionamento cotidiano do órgão e no enfrentamento do
acervo antigo.
Decorrido o prazo de suspensão, indagou-se ao IMESC
acerca das providências adotadas e sua eficácia na melhoria dos serviços
prestados durante este período.
A resposta do IMESC, recebida em 10 de setembro de
2010, dava conta que pouco mudara sua situação. Informava-se que a maioria
das medidas ainda não havia sido implantada, mas tão somente que seria
realizado um mutirão para conclusão das perícias de interdição (manifestação
escrita a fls. 237/240 do inquérito civil nº 13/2009).
Em seguida, foi realizada uma segunda reunião, na
data de 20 de outubro de 2010, desta vez já com a nova Superintendente do 15
IMESC, Dra. Márcia Pereira Dobarro Facci, e com o Procurador do órgão, Dr.
João Clímaco Trindade. Naquela ocasião, várias questões acerca das
deficiências do IMESC foram tratadas, com especial destaque para as iniciativas
da nova Superintendente, que assumira o cargo havia menos de dois meses.
Com o propósito de se documentar as providências e, sobretudo, de se
estabelecer prazos para a implantação das medidas, chegou-se à conclusão
acerca da pertinência de se firmar um Termo de Ajustamento de Conduta à Lei,
a partir de proposta de providências que seria oportunamente formulada por
aquela Superintendente.
Neste ínterim, foi possível saber que, de acordo com as
informações obtidas, as atividades ligadas às perícias hematológicas achavam-se
regularizadas, sem atrasos. Um novo e moderno laboratório, a descentralização
da coleta do material para o interior do Estado e outras providências
administrativas teriam garantido a eliminação de qualquer atraso na prestação
daquele serviço, que estaria obedecendo a um fluxo regular.
Este dado reforçava a convicção de que seria possível
conseguir o mesmo resultado quanto às perícias médico-legais.
Lamentavelmente, tal não se deu. Não houve da direção do órgão e da Secretaria
de Justiça o mesmo empenho, de sorte que o impressionante acervo daquelas
perícias continuava desafiando a tramitação do inquérito civil.
Assim, dando continuidade aos trabalhos, foi realizada
nova reunião em 1º de fevereiro de 2011, em que se discutiu, mais uma vez, a
possibilidade de se firmar um Termo de Ajustamento de Conduta à Lei entre
aquele órgão público e o Ministério Público, baseado nas propostas e no 16
cronograma sugeridos pelos próprios representantes do IMESC, inclusive no que
diz respeito aos prazos para conclusão das obrigações contidas naquele termo, a
fim de que se pudesse solucionar de forma efetiva o problema já tão conhecido.
O que trazia especial desconforto é que o acervo antigo
não era enfrentado, enquanto os casos novos, de acordo com as informações
prestadas, achavam-se regularizados e já submetidos a um fluxo regular de
prestação de serviço.
Pois bem. A partir das sugestões da Superintendência
do órgão, foi formalizada e encaminhada, na data de 10 de março de 2011, uma
proposta de TAC à Superintendente do IMESC, dela constando as seguintes
obrigações:
I. Manutenção da rotina ora estabelecida para todos os casos novos que
chegarem ao órgão, tanto de Paternidade como de Medicina Legal,
inclusive de complementação de quesitos, de acordo com os prazos de
agendamento e de emissão de laudos.
II. Todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro
de 2011.
III. Todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos
até 31 de dezembro de 2012.
IV. Estas obrigações de conclusão dos casos implicam na realização das
perícias, emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas Judiciais,
bem como a elaboração, emissão e remessa de quesitos
complementares.
17
V. Tais prazos aplicam-se ao IMESC desde que o órgão disponha, de
cada caso, de todos os dados e documentos necessários para o
trabalho pericial.
VI. Na impossibilidade de realização da perícia sem os documentos ou
exames apontados, tal situação deverá ser informada ao Juízo de
Direito em 60 dias a partir da chegada da solicitação da perícia ao
IMESC.
VII. A autarquia deverá comunicar o cronograma ajustado no TAC a todas
as Varas Judiciais do Estado imediatamente depois de sua celebração.
VIII. A cada seis meses o IMESC deverá comprovar, junto à Promotoria de
Justiça de Direitos Humanos, o cumprimento das metas ajustadas.
IX. No caso de descumprimento das obrigações, incidirá multa de R$
221,00 por caso submetido ao IMESC; a fixação de tal valor leva em
conta, como mero parâmetro objetivo, a remuneração paga por laudo
pela autarquia.
X. Sem prejuízo da multa, o descumprimento também poderá ensejar
responsabilização pela Lei de Improbidade Administrativa.
Entrementes, o IMESC informou que iria analisar a
proposta de TAC e informou que as perícias mencionadas nos expedientes
anexos ao inquérito civil nº 13/2009 haviam sido devidamente solucionadas.
Na data de 15 de junho, foi realizada nova reunião com
a Superintendente do IMESC. Nesta oportunidade, esclareceu a servidora que as
perícias médico-legais requisitadas a partir do ano de 2010 têm sido agendadas
em prazos razoáveis devido a uma evolução na produção de laudos e resposta a
quesitos complementares.18
Por outro lado, informou que ainda existia enorme
contingente atrasado desde o ano de 2006, resultante do acúmulo de perícias nos
últimos anos.
Sobre este expediente, afirma o IMESC que “ainda
não conhece a totalidade do restante de seu passivo relativo aos anos de 2007.
2008 e 2009 e hoje vive em regime de exceção recebendo cerca de 30 mandados
judiciais/dia, os quais têm de ser resolvidos paralela e prioritariamente às
solicitações que são enviadas através do protocolo” E, ainda no que toca a estas
perícias, alega que não há como se estipular um prazo para o cumprimento das
obrigações contidas no Termo proposto (prazo que, diga-se de passagem, foi
sugerido pela própria Superintendência do IMESC), devido às limitações
financeiras e humanas daquele órgão, em que pesem os notáveis esforços de
todos os seus representantes.
Por tais razões, não houve consenso sobre a proposta
de TAC (manifestação escrita a fls. 340/364 do inquérito civil nº 13/2009).
03. Enfim, as informações obtidas no curso do
inquérito civil nº 13/2009 comprovam uma grave deficiência no serviço público
prestado pelo IMESC, pois, embora as perícias requisitadas desde o ano de 2010
venham sendo cumpridas em prazos supostamente adequados, ainda existe um
considerável contingente de perícias atrasadas a serem finalizadas, as quais
datam do período entre 2006 e 2009.
19
E não se sabe quantas são, embora sejam muitas, quiçá
milhares. Nem o IMESC sabe, como reconheceu a Senhora Superintendente!
Ademais, mesmo tendo o IMESC informado que os
casos que instruíram o inquérito civil nº 13/2009 foram devidamente encerrados,
é forçoso afirmar que estes pedidos somente foram solucionados de forma
privilegiada por conta do acesso que se garantiu ao DD. Procurador autárquico
no curso daquele procedimento investigatório. Tal realização, todavia, em nada
altera os tantos outros casos semelhantes que ainda aguardam providências por
parte do IMESC; na verdade, a situação é tão caótica que a própria autarquia
desconhece a totalidade do passivo restante, referente àquele período.
E os representantes do IMESC, ao se recusarem a
firmar o compromisso de finalizar aquele acervo de perícias, mesmo dentro de
prazos razoáveis e sugeridos por eles próprios, só atestam a falta de expectativa
de solução deste insustentável problema, que já vem se arrastando há anos e
prejudicando milhares de cidadãos carentes que se socorrem do Poder Judiciário
II. O Direito.
01. Desde 1988, com a promulgação da Constituição
Federal, toda relação do Poder Público com o cidadão deve ter como referência
inquestionável o princípio da dignidade humana.
20
Com efeito, dispõe o artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal, que um dos princípios fundamentais da República
brasileira e do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana.
Ora, dignidade, na dicção constitucional, significa um
valor absoluto de respeito pela condição de ser humano, à vista dos direitos
fundamentais que lhe sejam inerentes.
Lembra Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar o tema,
que “a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que
agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias
fundamentais do homem, expressos nesta Constituição” (“Constituição Federal
Anotada”, 6ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2005, p. 83).
No mesmo sentido pontifica o culto Professor José
Afonso da Silva, para quem “dignidade da pessoa humana é um valor supremo
que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. ‘Concebido como referência constitucional unificadora de todos
os direitos fundamentais [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o
conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa
que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional, e não uma
qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da
dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos
casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da
personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da
existência humana’” (“Curso de Direito Positivo”, 32ª edição, Editora
Malheiros, São Paulo, 2009, p. 105).21
Sendo assim, ao erigir a dignidade à condição de
princípio basilar, o constituinte originário obriga que se dê aos direitos e
garantias fundamentais efetiva e concreta aplicação, não mais se contentando
com aspectos meramente formais. A dignidade, como fundamento maior, obriga
que o Estado, suas concessionárias, as empresas, instituições e as pessoas em
geral garantam, em cada quadrante da vida nacional, absoluto respeito aos
direitos fundamentais dos cidadãos.
02. Mas não é só isso. Nunca é demais lembrar que um
dos mais importantes sustentáculos de um Estado Democrático de Direito,
pautado na dignidade da pessoa humana, é, sem dúvida, a garantia de acesso do
cidadão à Justiça.
Neste sentido, dispõe a Constituição Federal de 1988,
dentre os direitos fundamentais, que ”a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV).
Exsurge, assim, o princípio do direito de ação, também
conhecido como princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que
garante a necessária tutela estatal dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade,
afastando, em contrapartida, a primitiva autotutela como forma de composição
de conflitos.
Na verdade, o princípio constitucional do direito de
ação “consiste em um direito público subjetivo, genérico, abstrato e
incondicionado, dado a todos, sem distinções e retaliações de qualquer espécie” 22
(Uadi Lammêgo Bulos, “Constituição Federal Anotada”, 6ª edição, Editora
Saraiva, São Paulo, 2005, p. 223).
Inegável, portanto, que a denegação da Justiça constitui
uma das maiores afrontas à democracia, ao exercício de direitos e garantias
fundamentais e à ordem jurídica vigente.
Todavia, não se pode afirmar que o dispositivo do
artigo 5º, inciso XXXV, por si só, seja suficiente para se garantir o verdadeiro
acesso à Justiça. Hipocrisia seria presumir o contrário, sobretudo numa
sociedade abalada por profundas desigualdades sociais.
Isto porque o acesso à tutela jurisdicional estatal é
custoso, demandando, na maioria dos casos, a atuação de advogado e o
pagamento de custas, despesas que nem todo cidadão pode suportar sem
prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família. É por isso que a Constituição
Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, estabelece que o “Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”.
A respeito deste, ensina José Afonso: "formalmente, a
igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a
garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade
não existe, pois está bem claro hoje, que tratar como igual a sujeitos que
econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma
ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Os pobres têm acesso muito
precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O 23
patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a
esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo,
segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV) (“Curso de Direito
Constitucional Positivo”, 32ª edição, Editora Malheiros, São Paulo, p. 219-220)
Ora, a assistência judiciária gratuita é, sim, direito
fundamental e requisito essencial ao acesso à Justiça. Não pode, pois, a pessoa
pobre, em uma ordem jurídica democrática de direito, cuja essência é a justiça
social, ter seu direito à prestação jurisdicional ameaçado por conta de sua
carência de recursos para contratar advogado, pagar os emolumentos de um
processo judicial e arcar com os custos de perícias.
Por outro lado, é importante frisar que só haverá o
amplo acesso à Justiça se esta gratuidade oferecer condições de equilíbrio entre
as partes de um processo, inclusive quanto à produção de provas, devendo o
Estado prover também os meios para sua realização em favor dos carentes de
recursos para tanto. Nada mais que uma justa extensão dos efeitos daquela
norma fundamental expressa no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição
Federal. Afinal, obstar a produção de prova ao pobre, deixando-o sem meios de
se defender ou fundamentar sua causa, é o mesmo que vedar seu acesso à
jurisdição estatal.
De nada servem, entretanto, tais dispositivos se a
prestação jurisdicional não se desenrolar em tempo hábil à satisfação da
pretensão do cidadão, sob pena de ineficácia das normas que garantem o acesso
à Justiça.24
Foi neste sentido que a Emenda Constitucional nº
45/2004, com a nobre preocupação de garantir maior presteza na tramitação de
processos judiciais e administrativos, incluiu, no rol de direitos e garantias
fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, dispondo
que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
De certo, a morosidade na solução do processo ameaça
a própria justiça buscada através da tutela jurisdicional, levando ao descrédito do
Poder Judiciário.
Enfim, deve-se reconhecer que somente a partir deste
microssistema constitucional, em que estejam todos estes dispositivos
interpretados e aplicados de forma harmônica, é que estará consagrada a
verdadeira garantia fundamental de acesso à Justiça em um Estado Democrático
de Direito. É sempre em sua observância que deve seguir a ordem jurídica,
valendo frisar que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata e eficácia plena, independentemente de disciplina legal,
conforme preceitua o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal.
Tais considerações são imprescindíveis para melhor se
compreender o nobre papel assumido pelo IMESC no Estado de São Paulo, cuja
população beneficiária da assistência judiciária gratuita depende da realização
de perícias por parte daquela autarquia para a necessária instrução de seus
processos judiciais.
25
03. Ademais, é preciso destacar que o IMESC é um
órgão público estadual e, portanto, está submetido aos princípios que norteiam a
prestação do serviço público.
Neste sentido, prevê o artigo 37, caput, também da
Constituição Federal, que a administração pública obedecerá, dentre outros, ao
princípio da eficiência, acerca do qual leciona Uadi Lamêgo Bulos: “eficiência,
‘voz’ que adjetiva o princípio em análise, traduz idéia de presteza, rendimento
funcional, responsabilidade no cumprimento de deveres impostos a todo e
qualquer agente público. Seu objetivo é claro: a obtenção de resultados
positivos no exercício dos serviços públicos, satisfazendo as necessidades
básicas dos administrados. Princípio moderno da função administrativa, a
eficiência equivale a um reclamo contra a burocracia estatal, sendo uma
tentativa para combater a malversação dos recursos públicos, a falta de
planejamento, os erros repetidos através de práticas gravosas” (“Constituição
Federal Anotada”, Editora Saraiva, 6ª edição, São Paulo, 2005, p. 646).
Ora, não mais pode ser aceita a idéia de Administração
Pública como grande máquina burocrática, a qual se contenta apenas em agir de
acordo com a mais estrita legalidade. O mundo moderno, caracterizado pelas
constantes transformações, exige que o administrador público seja eficiente, ou
seja, deve buscar resultados positivos para o serviço público e satisfatório
atendimento das necessidades da comunidade e seus membros, exercendo suas
atividades sob o manto da igualdade de todos perante a Lei e velando pela
objetividade e imparcialidade.
26
Logo, não basta que a Administração Pública se limite
a prestar o serviço público nos exatos termos da Lei. Na busca pelo interesse
público, deve a atividade administrativa, nas sábias palavras de Hely Lopes
Meireles, ser exercida também com “presteza, perfeição e rendimento
funcional” (“Direito Administrativo Brasileiro”, Editora Malheiros, 35ª edição,
São Paulo 2009, p. 98).
04. Pois bem, o conjunto probatório que embasa esta
peça inaugural constitui-se em prova cabal de violação ao princípio fundamental
que obriga o Estado à prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos
pobres, vedando o acesso desta sofrida parcela da população à Justiça, e, ao
mesmo tempo, demonstra inegável violação ao princípio da eficiência.
Por um lado, deve-se reconhecer a recente evolução na
qualidade do serviço público prestado pelo IMESC, cujo resultado foi, ao que
consta, dar cabo das perícias de investigação de paternidade atrasadas e
possibilitar o agendamento das novas perícias médico-legais em prazos
supostamente razoáveis, o que muito difere da situação até então vivenciada por
aquela autarquia. Tudo isso foi possível graças aos esforços e iniciativas
tomadas pelos funcionários do próprio órgão, conforme demonstrado durante o
curso do inquérito civil nº 13/2009.
Todavia, foi um avanço parcial. Deve-se reconhecer
que estas melhorias não foram suficientes para dar cabo dos milhares de
requisições de realização de perícias médico-legais em formidável atraso. Sobre
este acervo, resultado do acúmulo de perícias atrasadas no período
compreendido entre os anos de 2006 e 2009, o IMESC não possui qualquer 27
previsão para conclusão, em que pese o problema já se arrastar há anos,
inclusive com muitos dos processos paralisados remetendo à “META 2” do
Conselho Nacional de Justiça.
Na realidade, os representantes sequer sabem
quantificar os casos atrasados com exatidão, conforme restou apurado no curso
das investigações do mencionado inquérito civil. Além disso, recusaram-se
expressamente a firmar compromisso de finalizá-los, ainda que em prazos
razoáveis e acordados por eles próprios, o que comprova a fragilidade e a
impotência do órgão perante a caótica situação enfrentada.
Com efeito, o prejuízo causado pela noticiada
deficiência no serviço público em questão possui face dúplice: de um lado,
representa óbice à prestação jurisdicional buscada pelas partes que aguardam as
perícias atrasadas naqueles processos, em situação análoga àquela dos casos que
instruíram o inquérito civil nº 13/2009; de outro, é inegável que também resta
comprometida a eficiência da autarquia em cumprir as atuais requisições
judiciais, já que sempre terá que conciliar a notória carência de recursos e
pessoal entre as perícias recentes e as atrasadas, comprometendo o acesso
àqueles que venham a se socorrer da assistência judiciária gratuita.
E, neste contexto, não basta a boa-vontade
demonstrada pelos representantes do IMESC perante o problema; certo é que o
quadro já se arrasta há anos e os governantes que se sucederam, em especial na
Secretaria Estadual de Justiça, não se abalançaram em solucioná-lo
satisfatoriamente; ao contrário, permitiram que a situação chegasse a tal
28
descalabro, que nem mesmo a Senhora Superintendente do órgão, a despeito de
seus esforços, consegue aquilatar sua exata dimensão.
Trata-se de situação que tem prejudicado expressiva
parcela da população paulista, devendo ser o órgão compelido a solucioná-lo,
através da imposição de prazos certos e concretos até que esteja em dia com sua
demanda.
Neste ponto, a necessidade do presente provimento
jurisdicional é evidente, uma vez que a direção do órgão negou-se a fazê-lo
extrajudicialmente, opondo-se a firmar o TAC proposto, não obstante a
flexibilidade das negociações sobre seus termos, inclusive quanto aos prazos
impostos, que haviam sido sugeridos pela própria Senhora Superintendente.
A importância desta ação judicial é, pois, garantir que
o IMESC dê fim a este acervo de perícias atrasadas, garantindo-se o efetivo
acesso à Justiça da população carente do Estado de São Paulo, bem como a
eficiência do essencial serviço público prestado, recuperando-se o prestígio que
aquela autarquia outrora tivera.
05. Por outro lado, é sabido que o IMESC dificilmente
poderá, por si só, pôr fim a todo o seu acervo de perícias atrasadas, ainda que
conte com a já demonstrada boa-vontade de seu pessoal.
Ora, consta do inquérito civil que a autarquia carece de
recursos suficientes para acompanhar sua crescente demanda, tendo sido esta, de
29
fato, uma das razões apontadas reiteradamente por seus últimos
Superintendentes para justificar este lamentável quadro.
Desta forma, não basta impor ao órgão que cumpra seu
papel dentro de determinado prazo: é essencial que se lhe garantam os meios e
recursos necessários para tanto.
Neste sentido, há que se afirmar com vigor: sendo o
IMESC uma autarquia estadual, vinculada à Secretaria Estadual de Justiça e
Defesa da Cidadania, cabe ao Governo do Estado prover os recursos necessários
à execução de sua atividade.
O Professor Hely Lopes Meirelles ensina que “as
autarquias, sendo um prolongamento do Poder Público, uma ‘longa manus’ do
Estado, deve executar serviços próprios do Estado, em condições idênticas às
do Estado, com os mesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis dos
mesmos controles dos atos administrativos. O que diversifica a autarquia do
Estado são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e
mais flexíveis que os da Administração centralizada” (“Direito Administrativo
Brasileiro”, Editora Malheiros, 35ª edição, São Paulo 2009, p. 347).
Sendo assim, ao IMESC, como autarquia, cabe exercer
atividade essencialmente típica da Administração Pública Direta, no caso a
realização de perícias para os beneficiários da justiça gratuita, serviço público
cuja relevância social é constitucionalmente expressa.
30
Isto significa que o Estado é o responsável pela
prestação da atividade de interesse público exercida por sua autarquia, mesmo
porque a ele caberia exercê-la diretamente caso não existisse autarquia destinada
a tal fim.
Além disso, deve-se observar que, mesmo dotadas de
amplas autonomias, as autarquias estão limitadas ao orçamento destinado pela
Administração, neste caso, o Governo do Estado. Mais um motivo para se
atribuir a responsabilidade ao Estado quanto à eficiência do serviço público
prestado pelo IMESC.
Enfim, inútil será obrigar o IMESC a cumprir suas
obrigações se o órgão não dispuser de capacidade técnica e estrutural para tanto.
É por isso que a situação havida exige ação efetiva do Governo do Estado, no
sentido de destinar os recursos suficientes para que a estrutura do IMESC
acompanhe a sua demanda.
Deve-se ressaltar, desde já, que o quadro muito se
distancia da esfera da discricionariedade do Estado em gerenciar a verba
pública, já que a manutenção de milhares de requisições judiciais de realização
de perícias atrasados, não em meses, mas sim em anos, pelo IMESC, é situação
insustentável e que se mostra ofensiva aos direitos fundamentais das pessoas
pobres, na medida em que não lhes assegura minimamente a dignidade,
postulado maior da cidadania brasileira, cuja garantia está expressa nos diversos
textos legais apontados.
31
Na verdade, não existe discricionariedade do Estado
em cumprir ou não a Constituição Federal. E, diante da negativa do Estado, faz-
se necessária a atuação do Pode Judiciário em fazer cumprir o que estabelece a
Lei Maior.
Portanto, havendo profusão de fundamentos jurídicos a
amparar a pretensão deduzida nesta demanda, cabe ao Poder Judiciário, no
exercício de suas elevadas funções constitucionais, instar o Poder Executivo
Estadual a prover os meios necessários para que sua autarquia especializada
possa dar conta daquele impressionante acervo de perícias judiciais antigas em
prazos certos e concretos.
05. O Ministério Público tem legitimidade para a
propositura desta ação civil pública, na medida em que à Instituição compete a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127, caput, da Constituição
Federal.
Ademais, a Lei nº 7.437/85, em seu artigo 5º, inciso I,
garante a legitimidade do Ministério Público para propor ações principais e
cautelares na defesa de direitos difusos ou coletivos.
E especificamente, quanto a esta Promotoria de Justiça
de Direitos Humanos com atribuição em inclusão social, sua atuação está
vinculada à garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual,
devendo atuar sob a ótica de defesa dos interesses difusos, coletivos ou 32
individuais homogêneos ou indisponíveis. É a conclusão que se depreende da
leitura conjugada e harmônica dos artigos 127 caput e 129, inciso II, ambos da
Constituição Federal, bem como do artigo 295, inciso XIV, da Lei
Complementar nº 734/93, Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São
Paulo, com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 1083/08.
No mesmo sentido acha-se a regulamentação interna
do Ministério Público, em especial o artigo 2º, inciso III, e o artigo 3º, inciso IV,
alínea ‘a’, do Ato Normativo nº 593/2009 – PGJ.
A tutela buscada junto ao Poder Judiciário é de
natureza difusa ou coletiva: visa não apenas às partes dos processos que se
acham aguardando, por agora, a conclusão das perícias atrasadas, mas a todos
aqueles que, a qualquer momento, nos tempos vindouros, possam vir a ser
prejudicados pela deficiência na prestação do serviço público, se esse Juízo de
Direito não obrigar o Estado a prover os meios necessários para regularizar este
contingente de perícias atrasadas.
Não se trata, pois, do respeito devido apenas às partes
de cada um dos processos paralisados pela ineficiência do IMESC, como
interesse individual, mas a tantos quantos possam vir a, um dia, depender da
assistência judiciária gratuita e, consequentemente, da realização de perícias
pelo mesmo órgão, com absoluta violação das suas garantias individuais e da
sua dignidade, o que expressa a relevância social do tema. A situação
periclitante atinge uma comunidade indeterminável e indivisível de pessoas,
todos os que são ou possam vir a ser dependentes daquele serviço público. Eis aí
a essência do direito difuso aqui tutelado.33
De qualquer forma, o que cabe aqui é reafirmar que a
legitimidade ativa do Ministério Público é inequívoca no caso em questão, ou
seja, para a tutela dos direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, à luz da
função institucional atribuída pela Constituição Federal.
III. Os pedidos.
01. A concessão de tutela antecipada
A obrigação abaixo postulada comporta a concessão
de antecipação da tutela, o que ora se requer.
A antecipação da tutela será sempre medida
excepcional, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil. No caso em
questão, a hipótese aplicável é a do inciso I, isto é, que “haja fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação”.
Tal medida se mostra imprescindível, na medida em
que a paralisação de inúmeros processos judiciais por conta dos atrasos na
entrega de laudos periciais pelo IMESC é, sem dúvida, situação capaz de trazer
prejuízos irremediáveis aos seus litigantes, já que a demora na prestação
jurisdicional obsta o acesso à Justiça e ameaça diretamente a realização do justo.
A parte litigante, beneficiária de justiça gratuita, tem seu direito à justiça
frustrado, não alcançando sequer uma decisão judicial; e, como consequência,
chega-se ao descrédito do Poder Judiciário. 34
Diante da necessidade de pronto desfecho para aquele
atraso, buscou-se uma solução extrajudicial que poupasse do tempo de
tramitação de uma ação judicial a população necessitada de justiça gratuita.
Lamentavelmente, não houve tal compreensão por parte do IMESC. Em
consequência, não se pode aceitar, agora, que só se ponha fim àquele imenso
atraso depois do trânsito em julgado da almejada decisão condenatória, o que
poderá demorar vários anos, a depender dos recursos judiciais interpostos e das
instâncias acionadas.
Dito em outras palavras: não pode o Poder Judiciário
ignorar, por um dia mais, esta preocupante deficiência no serviço público
prestado pelo IMESC, já que não foi possível eliminá-la sem seu concurso.
Por outro lado, deve-se reconhecer que a solução do
atraso não poderá ser imediata; afinal, trata-se de um acúmulo de perícias
esquecidas durante anos nas prateleiras daquele órgão.
Ciente disso, esta Promotoria de Justiça, no curso do
inquérito civil nº 13/2009, questionou à Superintendência do IMESC acerca do
período de tempo considerado suficiente para que o órgão pudesse dar fim ao
seu acervo de perícias atrasadas. Naquela ocasião, a intenção era fixar prazos
razoáveis para a proposta de TAC, a fim de se resolver extrajudicialmente a
questão. Como se sabe, tal oferta foi recusada pelo IMESC.
Pois bem. O objetivo desta tutela antecipada é fazer
prevalecer aquele cronograma, até porque o curso desta ação judicial
provavelmente se estenderá além daqueles prazos. Com isso, espera-se compelir 35
o IMESC a finalizar o contingente de perícias atrasadas dentro dos prazos
anteriormente propostos e considerados razoáveis pela própria autarquia;
simultaneamente, visa-se a evitar a angústia das partes prejudicadas em aguardar
a solução definitiva desta causa, para só então chegar-se ao ocaso de suas ações
judiciais.
Com efeito, o periculum in mora consiste em que, não
se alçando a tutela jurisdicional de imediato, as partes envolvidas naqueles
processos judiciais paralisados tenham sua pretensão frustrada devido ao atraso
por parte do IMESC.
Já o fumus boni iuris advém da relevância do
fundamento do pedido – direito fundamental do homem – e da plausibilidade da
ocorrência dos fatos alegados, que se constitui na verossimilhança da alegação,
na exata dicção da lei processual. A legislação citada, por seu turno, vem
alicerçar os fundamentos jurídicos do pedido, havendo flagrante violação da
Constituição Federal.
Assim, com fulcro no artigo 12 da Lei 7.347/85 e no
artigo 273 do Código de Processo Civil, requer o autor que LIMINARMENTE
seja deferida ordem para que:
I. O corréu IMESC:
a) finalize seu contingente de perícias provenientes de requisições recebidas
até o final do ano de 2010 (assim compreendidas realização das perícias,
emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas Judiciais, bem como a 36
elaboração, emissão e remessa de quesitos complementares, desde que o
órgão disponha, de cada caso, de todos os dados e documentos
necessários para o trabalho pericial), nos seguintes prazos:
todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro de
2011;
todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos até
31 de dezembro de 2012.
b) mantenha, durante o período dedicado ao atendimento das requisições
atrasadas, a rotina ora estabelecida para todos os casos novos que
chegarem ao órgão, tanto de Paternidade como de Medicina Legal,
cumprindo em prazos razoáveis as requisições judiciais de agendamento
de perícias e de emissão de laudos, inclusive de complementação de
quesitos.
II. O corréu Governo do Estado de São Paulo destine
os recursos orçamentários e financeiros necessários para que o IMESC cumpra
com as obrigações a este impostas liminarmente, nos termos do item anterior,
fazendo-o a partir de proposta a ser elaborada pela própria autarquia, em tempo
compatível com os prazos impostos na liminar.
Trata-se, mesmo, de pleito de específica antecipação
da tutela final almejada, cabendo lembrar-se que “medida antecipatória,
consequentemente, é a que contém providência apta a assumir contornos de
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definitividade pela simples superveniência da sentença que julgar procedente o
pedido” (STF, Pleno, RTJ 180/453).
02. Julgamento definitivo.
Diante do exposto e pelos motivos acima apontados, o
Ministério Público do Estado de São Paulo, por sua Promotoria de Justiça de
Direitos Humanos da Capital, Área de Inclusão Social, vem à presença de Vossa
Excelência requerer o seguinte:
I. A condenação, ao final, do corréu, o Instituto de
Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC), às obrigações ora
requeridas em liminar, confirmando-se seus exatos termos e prazos.
Ou, na hipótese de não concessão da tutela antecipada
ou de sua eventual cassação, que a autarquia estadual seja condenada à
obrigação de fazer, consistente na conclusão das perícias atrasadas provenientes
de requisições encaminhadas ao órgão até o final do ano de 2010, até 31 de
dezembro de 2012 ou, se proferida a decisão depois desta data, no prazo de 30
dias.
Esta obrigação de conclusão dos casos implica na
realização das perícias, emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas
Judiciais, bem como a elaboração, emissão e remessa de quesitos
complementares, desde que o órgão disponha, de cada caso, de todos os dados e
documentos necessários para o trabalho pericial. Na impossibilidade de
realização da perícia sem os documentos ou exames apontados, tal situação 38
deverá ser informada ao respectivo Juízo de Direito em 60 dias a partir da
chegada da solicitação da perícia ao IMESC.
II. A condenação do corréu, o Governo do Estado de
São Paulo, em prover os recursos orçamentários e financeiros necessários para
que o IMESC cumpra com as obrigações estabelecidas no item anterior – a
partir de proposta de dotação orçamentária a ser elaborada pela própria autarquia
– em prazo compatível com os prazos que venham a ser impostos judicialmente
ao IMESC para cumprimento de suas obrigações.
03. Em caso de descumprimento das obrigações, tanto
as impostas liminarmente, como as decorrentes do julgamento definitivo, o
Ministério Público, ora Autor, requer a aplicação de multa diária (astreinte) aos
corréus, correspondente ao valor de R$ 221,00 (duzentos e vinte e um reais) por
dia de atraso para cada caso submetido ao IMESC e não solucionado nos prazos
estabelecidos para tanto; a fixação de tal valor leva em conta, como mero
parâmetro objetivo, a remuneração paga por laudo pela autarquia, estando
sujeito a atualização monetária.
Os numerários de multas eventualmente aplicadas
deverão ser recolhidos ao Fundo Especial de Despesas de Reparação de
Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 da Lei nº 7347/85 e
regulamentado pela Lei Estadual nº 6536/89, sem prejuízo de execução
específica da mesma obrigação e sem embargo de eventual responsabilização do
agente público desobediente por improbidade administrativa, nos termos do
artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/92.
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04. Por derradeiro, o Ministério Público requer a Vossa
Excelência:
a) seja determinada a citação e intimação pessoal dos réus: o IMESC, na pessoa
de sua Superintendente; o Governo do Estado, na pessoa do Senhor Procurador-
Geral do Estado, ambos nos endereços acima fornecidos, a fim de que,
advertidos da sujeição aos efeitos da revelia, nos termos do art. 285 do Código
de Processo Civil, apresentem, querendo, resposta aos pedidos ora deduzidos, no
prazo de 60 (sessenta) dias, nos termos do artigo 188 do mesmo Código;
b) dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde
logo, em face do artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90;
c) sejam as intimações do Autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos
com vista na Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital, Área de
Inclusão Social, situada na Rua Riachuelo, 115, 1º andar, Sala 151, Centro, nesta
Capital, em razão do disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil e no
art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26.11.93 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo).
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova
admitidos em direito, especialmente pela produção de prova testemunhal e
pericial, e, caso necessário, pela juntada de documentos e pelo mais que se fizer
indispensável à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial.
Acompanham esta petição inicial os documentos
anexos, integrantes do Inquérito Civil MP nº 13/2009: são dois volumes dos 40
autos principais da investigação e 37 volumes de apensos, relativos às peças de
informação remetidas pelos vários Juízos de Direito.
O Autor atribui à causa, para fins de alçada, o valor de
R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 17 de agosto de 2011.
Eduardo Ferreira Valerio 2° Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital
João Paulo Robortella Analista de Promotoria
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