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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, Capital. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio do 2º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital infra-assinado, vem respeitosamente perante Vossa Excelência para, com fundamento no artigo 129, inc. III, da Constituição Federal, nos artigos 81, parágrafo único, incisos I e II, e 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (aplicáveis por força do artigo 21 da Lei Federal nº 7.347/85), no artigo 5º, inciso I, da Lei Federal nº 7.347/85, e no artigo 25, inc. IV, a, da Lei Federal nº 8.625/93, propor a presente AÇÃO CIVIL 1

Ministério Público do Estado de São Paulo

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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ª Vara da Fazenda Pública da

Comarca de São Paulo, Capital.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,

por meio do 2º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital infra-

assinado, vem respeitosamente perante Vossa Excelência para, com fundamento

no artigo 129, inc. III, da Constituição Federal, nos artigos 81, parágrafo único,

incisos I e II, e 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor

(aplicáveis por força do artigo 21 da Lei Federal nº 7.347/85), no artigo 5º,

inciso I, da Lei Federal nº 7.347/85, e no artigo 25, inc. IV, a, da Lei Federal nº

8.625/93, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, a ser processada pelo rito

ordinário, contra o INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL E DE

CRIMINOLOGIA DE SÃO PAULO (IMESC), Autarquia Estadual, Pessoa

Jurídica de Direito Público Interno, estabelecida na Rua Barra Funda, nº 824,

Barra Funda, nesta cidade de São Paulo (SP), CEP nº 01152-000, e o

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Pessoa Jurídica de Direito

Público Interno, com endereço na Rua Pamplona, nº 227, 7º andar, Bela Vista,

nesta cidade de São Paulo (SP), CEP n° 01405-902, onde se situa a sede da

Procuradoria-Geral do Estado, para que sejam acolhidos os pedidos ao final

formulados em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.1

Page 2: Ministério Público do Estado de São Paulo

SINOPSE. Ação Civil Pública contra o Governo do Estado de São Paulo e

Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC) - Atrasos

do IMESC na realização de perícias médico-legais em favor dos beneficiários da

assistência judiciária gratuita. Acúmulo de pedidos de perícia desde o ano de

2006. Ofensa à dignidade da pessoa humana. Ofensa a direitos fundamentais das

pessoas pobres. Violação das garantias constitucionais do acesso à justiça,

assistência judiciária gratuita e razoável duração do processo. Violação ao

princípio da eficiência que norteia a Administração Pública. Pretendida a

conclusão das perícias atrasadas em prazos certos e determinados. Dever do

Estado em prover as condições necessárias para que sua autarquia atenda à

demanda. Antecipação de Tutela.

I. Os fatos.

01. O IMESC – Instituto de Medicina Social e de

Criminologia de São Paulo, é autarquia estadual instituída pelo Decreto-Lei nº

237, de 30 de abril de 1970 e vinculada atualmente à Secretaria Estadual de

Justiça e Defesa da Cidadania.

Seu funcionamento acha-se regulado pelo Decreto

Estadual nº 42.110, de 19 de agosto de 1997. No artigo 3º do Regulamento a ele

anexo, há a previsão de suas finalidades, a saber:

I - promover a formação e o treinamento de pessoal especializado, mediante a realização de cursos e

congressos nos ramos da Medicina Legal, da Medicina Social, da Medicina do Trabalho, da

Criminologia, da Criminalística, da Identificação, da História da Medicina e da Ética Profissional;

II - executar pesquisas nos ramos citados no inciso anterior;

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III - prestar colaboração à Universidade de São Paulo - USP, em caráter de reciprocidade, nas

atividades docentes e de pesquisa, referentes a matéria técnico-científica compreendida no âmbito de

suas atribuições, na forma que for estabelecida em convênio;

IV - cooperar com os órgãos da Administração Direta e Indireta do Estado, na esfera de suas

atribuições;

V - realizar perícias, exames de personalidade e de capacidade profissional, requisitados pelas

autoridades competentes;

VI - difundir o resultado de suas atividades e de outras matérias relacionadas com a sua área de

atribuições;

VII - participar da prática de uma política criminal de prevenção do delito e tratamento dos

delinqüentes, segundo os modernos princípios penais e penitenciários.

Dentre estas atribuições, sobressai-se, para esta causa,

aquela prevista no inciso V, que se revela, no cotidiano forense paulista, na

realização de perícias médico-legais (clínicas e psiquiátricas) e investigação de

paternidade por vínculo genético.

Prestam-nas, sobretudo, aos beneficiários da justiça

gratuita, em obediência ao preceito constitucional do inciso LXXIV do artigo 5º

da Constituição Federal. E foi este o serviço público essencial assumido pelo

IMESC no decorrer dos últimos anos: realizar perícias judiciais em favor dos

hipossuficientes que se socorrem da prestação jurisdicional estatal e que não

podem arcar com os custos daqueles exames, o que garantiu enorme prestígio

àquela autarquia, dada a relevância social de sua função.

No entanto, com o aumento de demandas levadas ao

Poder Judiciário em geral e, em especial, o incremento de hipóteses em

assistência judiciária gratuita, registrou-se um considerável acréscimo nos

trabalhos submetidos àquela Autarquia. Lamentavelmente, seus dirigentes e os

governantes estaduais (em especial os Secretários de Justiça) não cuidaram de

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Page 4: Ministério Público do Estado de São Paulo

dotá-la de meios que lhe permitissem fazer frente àquela nova demanda, nascida

do legítimo esforço da cidadania brasileira em fazer valer seus direitos, que se

achavam reprimidos depois de anos de ditadura militar.

A consequência, é que o IMESC transformou-se numa

balbúrdia. Centenas de requisições judiciais de perícias não atendidas, milhares

de ofícios judiciais não respondidos e uma impressionante demanda de casos

esquecidos e sem qualquer perspectiva de atendimento.

O que era prestígio, virou descrédito e vergonha.

Quadro de pessoal desfalcado, recursos orçamentários

insuficientes, estrutura administrativa precária, ao lado da crescente exigência de

perícias passou a ser a tônica do órgão, sem que os governantes estaduais se

dispusessem a adotar efetivas providências para evitar tal estado de coisas.

Neste contexto, começaram a chegar ao conhecimento

desta Promotoria de Justiça dezenas de peças de informação provenientes de

diferentes varas judiciais do Estado de São Paulo, delas constando

surpreendentes atrasos por parte do IMESC em atender às requisições judiciais

provenientes de processos em que as partes eram beneficiárias da justiça

gratuita, o que vinha prejudicando enormemente o andamento daquelas causas,

resultando, à evidência, na denegação da prestação jurisdicional.

Para melhor ilustrar a situação narrada, cumpre trazer

uma breve síntese da situação de cada um dos processos que instruíram tais

peças de informação:4

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Autos nº 053.00.031775-9 (583.53.2000.0301775-9) – 3ª Vara

da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica

indireta – aguardando agendamento de perícia desde 21 de outubro de 2002 – 9ª reiteração

em 1º de setembro de 2009.

Autos nº 053.05.024630-8 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente em rodovia)– perícia médica - perícia requisitada

em 27 de outubro de 2005 – perícia realizada somente em 21 de março de 2007 –

aguardando conclusão de laudo – 3ª reiteração em 10 de dezembro de 2009.

Autos nº 053.07.100029-3– 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação Condenatória (ingresso em concurso público) – perícia médica – perícia

requisitada em 22 de outubro de 2008 – perícia realizada somente em 11 de março de 2009 –

aguardando conclusão de laudo – 2ª reiteração em 1º de outubro de 2009.

Autos nº 053.00.015084-6 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando conclusão de

laudo desde 10 de julho de 2007 – 7ª reiteração em 19 de novembro de 2009.

Autos nº 053.06.109039-8 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico – perícia médica – perícia

realizada em 22 de fevereiro de 2008 - aguardando conclusão de laudo – 2ª reiteração em 20

de abril de 2010.

Autos nº 053.08.112667-5 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – perícia realizada em 18 de

agosto de 2009 - aguardando conclusão de laudo – 3ª reiteração em 29 de abril de 2010.

Autos nº 053.06.116862-6 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – perícia requisitada em 11 de dezembro

de 2006 - perícia realizada somente em 16 de outubro de 2008 - aguardando resposta de

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quesitos complementares do laudo desde 27 de agosto de 2009 – 2ª reiteração em 20 de abril

de 2010.

Autos nº 053.08.114192-0 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – perícia requisitada em 20

de junho de 2008 - perícia realizada em 27 de julho de 2009 - aguardando conclusão de

laudo – 2ª reiteração em 07 de maio de 2010.

Autos nº 000.04.008845-6 – 9ª Vara Cível – Foro Central - São

Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – perícia requisitada

em 19 de maio de 2005 - perícia realizada em 10 de agosto de 2007 - aguardando conclusão

de laudo do 2º autor – 2ª reiteração em 07 de janeiro de 2009.

Autos nº 053.06.102505-0 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica indireta – perícia

requisitada em 04 de janeiro de 2007 - aguardando complementação de laudo – 3ª reiteração

em 29 de abril de 2010.

Autos nº 053.06.114312-4 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – perícia requisitada em 20 de junho de

2008 - perícia realizada em 11 de novembro de 2008 - aguardando conclusão de laudo – 2ª

reiteração em 14 de julho de 2009.

Autos nº 053.02.019662–0 - 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica - aguardando complementação de perícia

– 2ª reiteração em 06 de julho de 2010.

Autos nº 583.53.2006.113760-0 – 10ª Vara da Fazenda Pública

– São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando

conclusão de laudo desde 27 de junho de 2008.

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Page 7: Ministério Público do Estado de São Paulo

Autos nº 554.01.2005.006092-7 – 5ª Vara Cível – Santo

André/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – aguardando

esclarecimentos sobre laudo desde 14 de outubro de 2008 – 3ª reiteração em 15 de março de

2010.

Autos nº 554.01.2000.026726-6 – 2ª Vara da Fazenda Pública –

Santo André/SP – Ação de Indenização (acidente de trabalho) – perícia médica –

aguardando agendamento de perícia desde 22 de abril de 2008 – 4ª reiteração em 23 de

março de 2010.

Autos nº 0107370-98.2008.8.26.0053 – 8ª Vara da Fazenda

Pública – São Paulo/SP – Ação de Restauração de Isenção de Impostos – perícia médica –

aguardando agendamento de perícia desde 03 de setembro de 2008.

Autos nº 053.09.006026-4 (0006026-40.2009.8.26.0053) – 13ª

Vara da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia

médica – ação proposta em 20 de fevereiro de 2009 – aguardando realização de perícia

desde antes da propositura da ação.

Autos nº 053.08.122075-2 – 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando

esclarecimentos sobre laudo desde 12 de maio de 2010 – reiteração em 28 de setembro de

2010.

Autos nº 2000.545573-1 (583.00.2000.545573-1/0) – 19ª Vara

Cível - Foro Central – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica

indireta – aguardando agendamento de perícia desde 07 de agosto de 2009 – 2ª reiteração

em 31 de março de 2010.

Autos nº 197.01.2006.003119-9/0 – 1ª Vara Judicial –

Francisco Morato/SP – Ação de Interdição – perícia psiquiátrica – aguardando

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Page 8: Ministério Público do Estado de São Paulo

esclarecimentos de laudo desde 24 de setembro de 2008 – 4ª reiteração em 19 de agosto de

2010.

Autos nº 2001.102660-1 (583.00.2001.102660-1/0) – 37ª Vara

Cível – Foro Central - São Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando

conclusão de perícia desde 18 de setembro de 2009 – reiteração em 29 de março de 2010.

Autos nº 240/053.00.002259-7– 5ª Vara da Fazenda Pública –

São Paulo/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica – aguardando

esclarecimentos sobre laudo desde 15 de agosto de 2008 – reiteração em 20 de outubro de

2010.

Autos nº 007.02.011633-7 – 2ª Vara Cível – Foro Regional de

Itaquera - São Paulo/SP – Ação de Indenização c/c Alimentos – perícia médica – aguardando

agendamento de perícia desde 02 de junho de 2008 – 3ª reiteração em 16 de junho de 2009.

Autos nº 002.06.145469-9 (583.02.2006.145469-9/0) – 1ª Vara

da Família e das Sucessões – Foro Regional de Santo Amaro – Ação de Interdição – perícia

médica – aguardando agendamento de perícia desde 15 de agosto de 2006 – 6ª reiteração em

08 de julho de 2009.

Autos nº 35.568/05 – 6ª Vara Cível – Foro Regional de Santana

– Ação de Reparação de Danos – perícia médica – aguardando agendamento de perícia

desde 05 de janeiro de 2007 – reiteração em 02 de julho de 2007.

Autos nº 053.05.011938-1(0011938-57.2005.8.26.0053) – 8ª

Vara da Fazenda Pública – São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia

médica direta e indireta – aguardando conclusão de laudo desde 15 de agosto de 2008 – 3ª

reiteração em 24 de setembro de 2010.

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Page 9: Ministério Público do Estado de São Paulo

Autos nº 048.01.2001.4124-5/0-0 (880/2001) – 3ª Vara Judicial

– Atibaia/SP – Ação de Indenização (acidente de trânsito) – perícia médica– aguardando

conclusão de laudo desde 15 de agosto de 2008 – 2ª reiteração em 03 de novembro de 2009.

Autos nº 576.01.2005.071.278-0 – 2ª Vara Cível – São José do

Rio Preto/SP – Ação de Investigação de Paternidade – exame de DNA – aguardando

agendamento de perícia desde 25 de março de 2008 – 5ª reiteração em 14 de outubro de

2010.

Autos nº 001.05.011038-2 – 8ª Vara Cível – Foro Regional de

Santana - São Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica direta e

indireta – aguardando agendamento de perícia desde 14 de maio de 2007– 4ª reiteração em

11 de novembro de 2008.

Autos nº 053.07.139927-7– 8ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando agendamento de perícia

desde 09 de novembro de 2009– 3ª reiteração em 22 de dezembro de 2010.

Autos nº 2005.61.05.014357-7 – 8ª Vara Federal de Campinas –

5ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo – Ação de Concessão de Aposentadoria –

perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde 07 de fevereiro de 2007– 4ª

reiteração em 15 de setembro de 2008 – perícia cancelada em razão da demora.

Autos nº 053.04.011154-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública – São

Paulo/SP – Ação de Indenização (erro médico) – perícia médica – aguardando

esclarecimentos sobre laudo desde 19 de dezembro de 2008– 3ª reiteração em 18 de janeiro

de 2010.

Autos nº 554.01.2006.012749-2 – 1ª Vara da Fazenda Pública –

Santo André/SP – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando esclarecimentos sobre

laudo desde 25 de maio de 2009 – 2ª reiteração em 14 de julho de 2010.

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Page 10: Ministério Público do Estado de São Paulo

Autos nº 554.01.1997.001617-5 – 1ª Vara Cível – Santo

André/SP – Ação de Cobrança – perícia médica – aguardando esclarecimentos sobre laudo

desde 06 de novembro de 2009 – reiteração em 04 de novembro de 2010.

Autos nº 554.01.2005.001948-9 (número inicial)/ 2569/2009

(número atual) – 2ª Vara da Fazenda Pública – Santo André/SP – Ação de Indenização (erro

médico) – perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde 31 de janeiro de 2007– 4ª

reiteração em 07 de fevereiro de 2011.

Autos nº 583.01.2005.035568-4 – 6ª Vara Cível – Foro Regional

de Santana – Ação de Indenização – perícia médica – aguardando conclusão de laudo desde

30 de agosto de 2007– 3ª reiteração em 9 de fevereiro de 2010.

É preciso destacar que estas são hipóteses que

chegaram à Promotoria de Justiça por iniciativa exclusiva dos próprios Juízos de

Direito (eventualmente provocados pelas partes). Não houve, na fase de

instrução do inquérito civil, a preocupação desta Promotoria de Justiça em

provocar as centenas de Juízos de Direito de São Paulo para que remetessem

outros exemplos de negligência do IMESC, o que resultaria, sem qualquer

dúvida, num universo impressionantemente maior de casos.

Na maioria das hipóteses acima listadas, como em

tantas outras em trâmite pelas varas judiciais paulistas, sequer foram

respondidas as requisições judiciais, seja para justificar a demora ou para

requerer prazo complementar, não obstante as diversas e seguidas reiterações

encaminhadas. Nestas que instruem esta petição inicial, houve, inclusive, a

intimação pessoal do diretor do IMESC à época dos fatos, Dr. Mecenas

Rodrigues Pedroso, sem que dele se obtivesse qualquer resposta. Aliás, vários

inquéritos policiais foram instaurados com o propósito de se apurar, por parte 10

Page 11: Ministério Público do Estado de São Paulo

daquele senhor, crimes de desobediência ou prevaricação, sem que isto

resultasse, obviamente, na realização das necessárias perícias.

E assim foram se arrastando tais processos durante

anos, paralisados por conta da falta de prova pericial, em prejuízo de milhares de

pessoas pobres que dependiam daquela perícia para efetivação de seus direitos.

E a direção do IMESC e o Governo Estadual não se

dignavam sequer a responder aos ofícios judiciais, num total descaso!

Em uma destas ocasiões, o MM. Juiz de Direito da 19ª

Vara Cível Central da Capital, Dr. Clóvis Ricardo de Toledo Júnior,

expressando sua justa indignação, consignou nos autos da ação ordinária nº

583.00.2005.017859-0: “extraiam-se cópias dos autos para a instauração de

processo por delito de desobediência praticado, em tese, pelo Diretor do

IMESC, tendo em vista as reiterações sem resposta. Da mesma forma, extraiam-

se cópias dos autos e remetam-se ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de

São Paulo, ao Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e

ao Governador do Estado de São Paulo, solicitando-se providências, posto que

a situação do IMESC é triste, uma vez que não responde aos ofícios e mandados

judiciais reiteradamente, não cumpre as decisões proferidas nos autos em que

são solicitados a prestar serviço público essencial. E, flagrantemente, o órgão

não apresenta capacidade técnica e estrutural para dar vazão à demanda por

justiça no Estado de São Paulo. Trata-se, portanto, de situação caótica que

prejudica sobremaneira a população do Estado de São Paulo, que não tem

condições de pagar por serviços similares, especialmente nos casos dos

assistidos gratuitamente pela Justiça. De todos os problemas, o mais grave no 11

Page 12: Ministério Público do Estado de São Paulo

Estado Democrático de Direito é a denegação de Justiça. Assim, diante do caos

instalado no órgão, a realização de justiça está sendo insofismavelmente

denegada. Por outro lado, a Constituição Federal estabelece a “dignidade da

pessoa humana” como fundamento da República e dispõe como seus objetivos

fundamentais: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o

desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir

as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação”. O art. 5º, LXXIV, da CF estabelece que o “Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos”. O art. 6º da CF também estabelece que “são direitos sociais a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição”. Como se vê, o rol de disposições constitucionais que

garante a prestação do referido serviço público é imenso, sem mencionar os

tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Portanto,

não faz o menor sentido o inadimplemento pelo Estado de São Paulo de função

tão essencial”.

02. Estes inquietantes exemplos ilustravam a

deficiência naquele serviço público prestado, o que ensejou a instauração de

procedimento investigatório. Na verdade, tratando-se de uma Promotoria de

Justiça voltada à tutela coletiva, o grande mérito das representações de casos

individuais é exatamente subsidiar a atuação institucional voltada ao conjunto da

sociedade alcançado pela prática supostamente danosa.

12

Page 13: Ministério Público do Estado de São Paulo

O curso da investigação veio a demonstrar que a

situação era, de fato, caótica, como bem a classificou o indignado Magistrado. E

demonstrou, ainda, que há um enorme acervo de perícias antigas por serem

realizadas, numa quantidade que nem mesmo a direção do IMESC consegue

quantificar com exatidão.

Era preciso, pois, instar o órgão público a que

cumprisse com sua finalidade legal, garantindo com eficiência o direito

constitucionalmente garantido às pessoas pobres. Foi neste sentido que se deu

trâmite ao inquérito civil, privilegiando-se especialmente uma eventual solução

extrajudicial, que permitisse um desate do problema mais rápido e eficiente, sem

a necessidade de sobrecarregar-se ainda mais o já sobrecarregado Poder

Judiciário.

Debalde, contudo, como se verá em seguida.

Em instrução preliminar e animado por aquele

propósito, foram solicitadas informações ao IMESC. Seu Superintendente à

época, o Dr. Sidney Carvalho Júnior, as prestou de modo cortês e minucioso,

reconhecendo que aquela “finalidade não está sendo desempenhada dentro de

prazos desejáveis, em decorrência do considerável aumento no número de

perícias solicitadas ao IMESC nos últimos anos, que tornou a demanda

extremamente superior à capacidade operacional da Autarquia”.

Em outras palavras: o próprio Superintendente do

IMESC reconheceu que a estrutura do órgão não era suficiente para acompanhar

sua crescente demanda, o que gerou um insustentável problema de atrasos na 13

Page 14: Ministério Público do Estado de São Paulo

conclusão das perícias requisitadas (manifestação escrita a fls. 125/128 do

inquérito civil nº 13/2009).

Sendo assim, instaurou-se nesta Promotoria de Justiça

de Direitos Humanos, Área de Inclusão Social, inquérito civil hábil em apurar as

condições de funcionamento daquela autarquia.

No curso das investigações foram realizadas diversas

tentativas de se resolver extrajudicialmente as deficiências daquela autarquia.

Na primeira reunião, realizada em 06 de janeiro de

2010, o DD. Superintendente do IMESC apresentou uma série de promissoras

iniciativas que estariam sendo adotadas no sentido de eliminar as deficiências

havidas no serviço prestado pelo órgão público, entre elas o aumento da

remuneração dos médicos peritos, o desenvolvimento de um novo sistema de

informática para o controle de perícias e um convênio com o Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo (manifestação escrita a fls. 161/168 do inquérito civil nº

13/2009).

Outra medida a ser implantada naquela ocasião

merecia destaque: a cessação de realização das perícias oriundas da Justiça

Federal e do Trabalho, cujo contingente corresponderia a aproximadamente 50%

da demanda do IMESC, de acordo com o próprio representante do órgão, em

virtude do entendimento firmado pela Procuradoria Geral do Estado, a partir do

Parecer nº 361/2008 da Consultoria Jurídica da Secretaria da Justiça e da Defesa

da Cidadania, no sentido de que tais solicitações não se inseriam dentre as

atribuições institucionais da autarquia.14

Page 15: Ministério Público do Estado de São Paulo

Foram demonstradas também medidas efetivas e muito

positivas já implantadas até então, como a descentralização para 13 cidades do

interior paulista dos serviços de assistência prestados pelo IMESC, o que já teria

corrigido as distorções relativas às perícias de investigação de paternidade, que

não mais estariam registrando atrasos, sempre consoante as palavras do então

Superintendente.

Evidenciado o efetivo esforço dos responsáveis pelo

IMESC quanto à correção das irregularidades apontadas e como forma de

prestigiar tais iniciativas, optou-se pela suspensão do inquérito civil por 180

dias, de modo a se permitir à direção daquela autarquia o prosseguimento das

providências apresentadas e uma posterior avaliação sobre o impacto de todas

estas medidas no funcionamento cotidiano do órgão e no enfrentamento do

acervo antigo.

Decorrido o prazo de suspensão, indagou-se ao IMESC

acerca das providências adotadas e sua eficácia na melhoria dos serviços

prestados durante este período.

A resposta do IMESC, recebida em 10 de setembro de

2010, dava conta que pouco mudara sua situação. Informava-se que a maioria

das medidas ainda não havia sido implantada, mas tão somente que seria

realizado um mutirão para conclusão das perícias de interdição (manifestação

escrita a fls. 237/240 do inquérito civil nº 13/2009).

Em seguida, foi realizada uma segunda reunião, na

data de 20 de outubro de 2010, desta vez já com a nova Superintendente do 15

Page 16: Ministério Público do Estado de São Paulo

IMESC, Dra. Márcia Pereira Dobarro Facci, e com o Procurador do órgão, Dr.

João Clímaco Trindade. Naquela ocasião, várias questões acerca das

deficiências do IMESC foram tratadas, com especial destaque para as iniciativas

da nova Superintendente, que assumira o cargo havia menos de dois meses.

Com o propósito de se documentar as providências e, sobretudo, de se

estabelecer prazos para a implantação das medidas, chegou-se à conclusão

acerca da pertinência de se firmar um Termo de Ajustamento de Conduta à Lei,

a partir de proposta de providências que seria oportunamente formulada por

aquela Superintendente.

Neste ínterim, foi possível saber que, de acordo com as

informações obtidas, as atividades ligadas às perícias hematológicas achavam-se

regularizadas, sem atrasos. Um novo e moderno laboratório, a descentralização

da coleta do material para o interior do Estado e outras providências

administrativas teriam garantido a eliminação de qualquer atraso na prestação

daquele serviço, que estaria obedecendo a um fluxo regular.

Este dado reforçava a convicção de que seria possível

conseguir o mesmo resultado quanto às perícias médico-legais.

Lamentavelmente, tal não se deu. Não houve da direção do órgão e da Secretaria

de Justiça o mesmo empenho, de sorte que o impressionante acervo daquelas

perícias continuava desafiando a tramitação do inquérito civil.

Assim, dando continuidade aos trabalhos, foi realizada

nova reunião em 1º de fevereiro de 2011, em que se discutiu, mais uma vez, a

possibilidade de se firmar um Termo de Ajustamento de Conduta à Lei entre

aquele órgão público e o Ministério Público, baseado nas propostas e no 16

Page 17: Ministério Público do Estado de São Paulo

cronograma sugeridos pelos próprios representantes do IMESC, inclusive no que

diz respeito aos prazos para conclusão das obrigações contidas naquele termo, a

fim de que se pudesse solucionar de forma efetiva o problema já tão conhecido.

O que trazia especial desconforto é que o acervo antigo

não era enfrentado, enquanto os casos novos, de acordo com as informações

prestadas, achavam-se regularizados e já submetidos a um fluxo regular de

prestação de serviço.

Pois bem. A partir das sugestões da Superintendência

do órgão, foi formalizada e encaminhada, na data de 10 de março de 2011, uma

proposta de TAC à Superintendente do IMESC, dela constando as seguintes

obrigações:

I. Manutenção da rotina ora estabelecida para todos os casos novos que

chegarem ao órgão, tanto de Paternidade como de Medicina Legal,

inclusive de complementação de quesitos, de acordo com os prazos de

agendamento e de emissão de laudos.

II. Todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro

de 2011.

III. Todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos

até 31 de dezembro de 2012.

IV. Estas obrigações de conclusão dos casos implicam na realização das

perícias, emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas Judiciais,

bem como a elaboração, emissão e remessa de quesitos

complementares.

17

Page 18: Ministério Público do Estado de São Paulo

V. Tais prazos aplicam-se ao IMESC desde que o órgão disponha, de

cada caso, de todos os dados e documentos necessários para o

trabalho pericial.

VI. Na impossibilidade de realização da perícia sem os documentos ou

exames apontados, tal situação deverá ser informada ao Juízo de

Direito em 60 dias a partir da chegada da solicitação da perícia ao

IMESC.

VII. A autarquia deverá comunicar o cronograma ajustado no TAC a todas

as Varas Judiciais do Estado imediatamente depois de sua celebração.

VIII. A cada seis meses o IMESC deverá comprovar, junto à Promotoria de

Justiça de Direitos Humanos, o cumprimento das metas ajustadas.

IX. No caso de descumprimento das obrigações, incidirá multa de R$

221,00 por caso submetido ao IMESC; a fixação de tal valor leva em

conta, como mero parâmetro objetivo, a remuneração paga por laudo

pela autarquia.

X. Sem prejuízo da multa, o descumprimento também poderá ensejar

responsabilização pela Lei de Improbidade Administrativa.

Entrementes, o IMESC informou que iria analisar a

proposta de TAC e informou que as perícias mencionadas nos expedientes

anexos ao inquérito civil nº 13/2009 haviam sido devidamente solucionadas.

Na data de 15 de junho, foi realizada nova reunião com

a Superintendente do IMESC. Nesta oportunidade, esclareceu a servidora que as

perícias médico-legais requisitadas a partir do ano de 2010 têm sido agendadas

em prazos razoáveis devido a uma evolução na produção de laudos e resposta a

quesitos complementares.18

Page 19: Ministério Público do Estado de São Paulo

Por outro lado, informou que ainda existia enorme

contingente atrasado desde o ano de 2006, resultante do acúmulo de perícias nos

últimos anos.

Sobre este expediente, afirma o IMESC que “ainda

não conhece a totalidade do restante de seu passivo relativo aos anos de 2007.

2008 e 2009 e hoje vive em regime de exceção recebendo cerca de 30 mandados

judiciais/dia, os quais têm de ser resolvidos paralela e prioritariamente às

solicitações que são enviadas através do protocolo” E, ainda no que toca a estas

perícias, alega que não há como se estipular um prazo para o cumprimento das

obrigações contidas no Termo proposto (prazo que, diga-se de passagem, foi

sugerido pela própria Superintendência do IMESC), devido às limitações

financeiras e humanas daquele órgão, em que pesem os notáveis esforços de

todos os seus representantes.

Por tais razões, não houve consenso sobre a proposta

de TAC (manifestação escrita a fls. 340/364 do inquérito civil nº 13/2009).

03. Enfim, as informações obtidas no curso do

inquérito civil nº 13/2009 comprovam uma grave deficiência no serviço público

prestado pelo IMESC, pois, embora as perícias requisitadas desde o ano de 2010

venham sendo cumpridas em prazos supostamente adequados, ainda existe um

considerável contingente de perícias atrasadas a serem finalizadas, as quais

datam do período entre 2006 e 2009.

19

Page 20: Ministério Público do Estado de São Paulo

E não se sabe quantas são, embora sejam muitas, quiçá

milhares. Nem o IMESC sabe, como reconheceu a Senhora Superintendente!

Ademais, mesmo tendo o IMESC informado que os

casos que instruíram o inquérito civil nº 13/2009 foram devidamente encerrados,

é forçoso afirmar que estes pedidos somente foram solucionados de forma

privilegiada por conta do acesso que se garantiu ao DD. Procurador autárquico

no curso daquele procedimento investigatório. Tal realização, todavia, em nada

altera os tantos outros casos semelhantes que ainda aguardam providências por

parte do IMESC; na verdade, a situação é tão caótica que a própria autarquia

desconhece a totalidade do passivo restante, referente àquele período.

E os representantes do IMESC, ao se recusarem a

firmar o compromisso de finalizar aquele acervo de perícias, mesmo dentro de

prazos razoáveis e sugeridos por eles próprios, só atestam a falta de expectativa

de solução deste insustentável problema, que já vem se arrastando há anos e

prejudicando milhares de cidadãos carentes que se socorrem do Poder Judiciário

II. O Direito.

01. Desde 1988, com a promulgação da Constituição

Federal, toda relação do Poder Público com o cidadão deve ter como referência

inquestionável o princípio da dignidade humana.

20

Page 21: Ministério Público do Estado de São Paulo

Com efeito, dispõe o artigo 1º, inciso III, da

Constituição Federal, que um dos princípios fundamentais da República

brasileira e do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana.

Ora, dignidade, na dicção constitucional, significa um

valor absoluto de respeito pela condição de ser humano, à vista dos direitos

fundamentais que lhe sejam inerentes.

Lembra Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar o tema,

que “a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que

agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias

fundamentais do homem, expressos nesta Constituição” (“Constituição Federal

Anotada”, 6ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2005, p. 83).

No mesmo sentido pontifica o culto Professor José

Afonso da Silva, para quem “dignidade da pessoa humana é um valor supremo

que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o

direito à vida. ‘Concebido como referência constitucional unificadora de todos

os direitos fundamentais [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o

conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa

que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional, e não uma

qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da

dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos

casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da

personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da

existência humana’” (“Curso de Direito Positivo”, 32ª edição, Editora

Malheiros, São Paulo, 2009, p. 105).21

Page 22: Ministério Público do Estado de São Paulo

Sendo assim, ao erigir a dignidade à condição de

princípio basilar, o constituinte originário obriga que se dê aos direitos e

garantias fundamentais efetiva e concreta aplicação, não mais se contentando

com aspectos meramente formais. A dignidade, como fundamento maior, obriga

que o Estado, suas concessionárias, as empresas, instituições e as pessoas em

geral garantam, em cada quadrante da vida nacional, absoluto respeito aos

direitos fundamentais dos cidadãos.

02. Mas não é só isso. Nunca é demais lembrar que um

dos mais importantes sustentáculos de um Estado Democrático de Direito,

pautado na dignidade da pessoa humana, é, sem dúvida, a garantia de acesso do

cidadão à Justiça.

Neste sentido, dispõe a Constituição Federal de 1988,

dentre os direitos fundamentais, que ”a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV).

Exsurge, assim, o princípio do direito de ação, também

conhecido como princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que

garante a necessária tutela estatal dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade,

afastando, em contrapartida, a primitiva autotutela como forma de composição

de conflitos.

Na verdade, o princípio constitucional do direito de

ação “consiste em um direito público subjetivo, genérico, abstrato e

incondicionado, dado a todos, sem distinções e retaliações de qualquer espécie” 22

Page 23: Ministério Público do Estado de São Paulo

(Uadi Lammêgo Bulos, “Constituição Federal Anotada”, 6ª edição, Editora

Saraiva, São Paulo, 2005, p. 223).

Inegável, portanto, que a denegação da Justiça constitui

uma das maiores afrontas à democracia, ao exercício de direitos e garantias

fundamentais e à ordem jurídica vigente.

Todavia, não se pode afirmar que o dispositivo do

artigo 5º, inciso XXXV, por si só, seja suficiente para se garantir o verdadeiro

acesso à Justiça. Hipocrisia seria presumir o contrário, sobretudo numa

sociedade abalada por profundas desigualdades sociais.

Isto porque o acesso à tutela jurisdicional estatal é

custoso, demandando, na maioria dos casos, a atuação de advogado e o

pagamento de custas, despesas que nem todo cidadão pode suportar sem

prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família. É por isso que a Constituição

Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, estabelece que o “Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos”.

A respeito deste, ensina José Afonso: "formalmente, a

igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a

garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade

não existe, pois está bem claro hoje, que tratar como igual a sujeitos que

econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma

ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Os pobres têm acesso muito

precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O 23

Page 24: Ministério Público do Estado de São Paulo

patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a

esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo,

segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos

que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV) (“Curso de Direito

Constitucional Positivo”, 32ª edição, Editora Malheiros, São Paulo, p. 219-220)

Ora, a assistência judiciária gratuita é, sim, direito

fundamental e requisito essencial ao acesso à Justiça. Não pode, pois, a pessoa

pobre, em uma ordem jurídica democrática de direito, cuja essência é a justiça

social, ter seu direito à prestação jurisdicional ameaçado por conta de sua

carência de recursos para contratar advogado, pagar os emolumentos de um

processo judicial e arcar com os custos de perícias.

Por outro lado, é importante frisar que só haverá o

amplo acesso à Justiça se esta gratuidade oferecer condições de equilíbrio entre

as partes de um processo, inclusive quanto à produção de provas, devendo o

Estado prover também os meios para sua realização em favor dos carentes de

recursos para tanto. Nada mais que uma justa extensão dos efeitos daquela

norma fundamental expressa no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição

Federal. Afinal, obstar a produção de prova ao pobre, deixando-o sem meios de

se defender ou fundamentar sua causa, é o mesmo que vedar seu acesso à

jurisdição estatal.

De nada servem, entretanto, tais dispositivos se a

prestação jurisdicional não se desenrolar em tempo hábil à satisfação da

pretensão do cidadão, sob pena de ineficácia das normas que garantem o acesso

à Justiça.24

Page 25: Ministério Público do Estado de São Paulo

Foi neste sentido que a Emenda Constitucional nº

45/2004, com a nobre preocupação de garantir maior presteza na tramitação de

processos judiciais e administrativos, incluiu, no rol de direitos e garantias

fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, dispondo

que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

De certo, a morosidade na solução do processo ameaça

a própria justiça buscada através da tutela jurisdicional, levando ao descrédito do

Poder Judiciário.

Enfim, deve-se reconhecer que somente a partir deste

microssistema constitucional, em que estejam todos estes dispositivos

interpretados e aplicados de forma harmônica, é que estará consagrada a

verdadeira garantia fundamental de acesso à Justiça em um Estado Democrático

de Direito. É sempre em sua observância que deve seguir a ordem jurídica,

valendo frisar que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais

têm aplicação imediata e eficácia plena, independentemente de disciplina legal,

conforme preceitua o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal.

Tais considerações são imprescindíveis para melhor se

compreender o nobre papel assumido pelo IMESC no Estado de São Paulo, cuja

população beneficiária da assistência judiciária gratuita depende da realização

de perícias por parte daquela autarquia para a necessária instrução de seus

processos judiciais.

25

Page 26: Ministério Público do Estado de São Paulo

03. Ademais, é preciso destacar que o IMESC é um

órgão público estadual e, portanto, está submetido aos princípios que norteiam a

prestação do serviço público.

Neste sentido, prevê o artigo 37, caput, também da

Constituição Federal, que a administração pública obedecerá, dentre outros, ao

princípio da eficiência, acerca do qual leciona Uadi Lamêgo Bulos: “eficiência,

‘voz’ que adjetiva o princípio em análise, traduz idéia de presteza, rendimento

funcional, responsabilidade no cumprimento de deveres impostos a todo e

qualquer agente público. Seu objetivo é claro: a obtenção de resultados

positivos no exercício dos serviços públicos, satisfazendo as necessidades

básicas dos administrados. Princípio moderno da função administrativa, a

eficiência equivale a um reclamo contra a burocracia estatal, sendo uma

tentativa para combater a malversação dos recursos públicos, a falta de

planejamento, os erros repetidos através de práticas gravosas” (“Constituição

Federal Anotada”, Editora Saraiva, 6ª edição, São Paulo, 2005, p. 646).

Ora, não mais pode ser aceita a idéia de Administração

Pública como grande máquina burocrática, a qual se contenta apenas em agir de

acordo com a mais estrita legalidade. O mundo moderno, caracterizado pelas

constantes transformações, exige que o administrador público seja eficiente, ou

seja, deve buscar resultados positivos para o serviço público e satisfatório

atendimento das necessidades da comunidade e seus membros, exercendo suas

atividades sob o manto da igualdade de todos perante a Lei e velando pela

objetividade e imparcialidade.

26

Page 27: Ministério Público do Estado de São Paulo

Logo, não basta que a Administração Pública se limite

a prestar o serviço público nos exatos termos da Lei. Na busca pelo interesse

público, deve a atividade administrativa, nas sábias palavras de Hely Lopes

Meireles, ser exercida também com “presteza, perfeição e rendimento

funcional” (“Direito Administrativo Brasileiro”, Editora Malheiros, 35ª edição,

São Paulo 2009, p. 98).

04. Pois bem, o conjunto probatório que embasa esta

peça inaugural constitui-se em prova cabal de violação ao princípio fundamental

que obriga o Estado à prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos

pobres, vedando o acesso desta sofrida parcela da população à Justiça, e, ao

mesmo tempo, demonstra inegável violação ao princípio da eficiência.

Por um lado, deve-se reconhecer a recente evolução na

qualidade do serviço público prestado pelo IMESC, cujo resultado foi, ao que

consta, dar cabo das perícias de investigação de paternidade atrasadas e

possibilitar o agendamento das novas perícias médico-legais em prazos

supostamente razoáveis, o que muito difere da situação até então vivenciada por

aquela autarquia. Tudo isso foi possível graças aos esforços e iniciativas

tomadas pelos funcionários do próprio órgão, conforme demonstrado durante o

curso do inquérito civil nº 13/2009.

Todavia, foi um avanço parcial. Deve-se reconhecer

que estas melhorias não foram suficientes para dar cabo dos milhares de

requisições de realização de perícias médico-legais em formidável atraso. Sobre

este acervo, resultado do acúmulo de perícias atrasadas no período

compreendido entre os anos de 2006 e 2009, o IMESC não possui qualquer 27

Page 28: Ministério Público do Estado de São Paulo

previsão para conclusão, em que pese o problema já se arrastar há anos,

inclusive com muitos dos processos paralisados remetendo à “META 2” do

Conselho Nacional de Justiça.

Na realidade, os representantes sequer sabem

quantificar os casos atrasados com exatidão, conforme restou apurado no curso

das investigações do mencionado inquérito civil. Além disso, recusaram-se

expressamente a firmar compromisso de finalizá-los, ainda que em prazos

razoáveis e acordados por eles próprios, o que comprova a fragilidade e a

impotência do órgão perante a caótica situação enfrentada.

Com efeito, o prejuízo causado pela noticiada

deficiência no serviço público em questão possui face dúplice: de um lado,

representa óbice à prestação jurisdicional buscada pelas partes que aguardam as

perícias atrasadas naqueles processos, em situação análoga àquela dos casos que

instruíram o inquérito civil nº 13/2009; de outro, é inegável que também resta

comprometida a eficiência da autarquia em cumprir as atuais requisições

judiciais, já que sempre terá que conciliar a notória carência de recursos e

pessoal entre as perícias recentes e as atrasadas, comprometendo o acesso

àqueles que venham a se socorrer da assistência judiciária gratuita.

E, neste contexto, não basta a boa-vontade

demonstrada pelos representantes do IMESC perante o problema; certo é que o

quadro já se arrasta há anos e os governantes que se sucederam, em especial na

Secretaria Estadual de Justiça, não se abalançaram em solucioná-lo

satisfatoriamente; ao contrário, permitiram que a situação chegasse a tal

28

Page 29: Ministério Público do Estado de São Paulo

descalabro, que nem mesmo a Senhora Superintendente do órgão, a despeito de

seus esforços, consegue aquilatar sua exata dimensão.

Trata-se de situação que tem prejudicado expressiva

parcela da população paulista, devendo ser o órgão compelido a solucioná-lo,

através da imposição de prazos certos e concretos até que esteja em dia com sua

demanda.

Neste ponto, a necessidade do presente provimento

jurisdicional é evidente, uma vez que a direção do órgão negou-se a fazê-lo

extrajudicialmente, opondo-se a firmar o TAC proposto, não obstante a

flexibilidade das negociações sobre seus termos, inclusive quanto aos prazos

impostos, que haviam sido sugeridos pela própria Senhora Superintendente.

A importância desta ação judicial é, pois, garantir que

o IMESC dê fim a este acervo de perícias atrasadas, garantindo-se o efetivo

acesso à Justiça da população carente do Estado de São Paulo, bem como a

eficiência do essencial serviço público prestado, recuperando-se o prestígio que

aquela autarquia outrora tivera.

05. Por outro lado, é sabido que o IMESC dificilmente

poderá, por si só, pôr fim a todo o seu acervo de perícias atrasadas, ainda que

conte com a já demonstrada boa-vontade de seu pessoal.

Ora, consta do inquérito civil que a autarquia carece de

recursos suficientes para acompanhar sua crescente demanda, tendo sido esta, de

29

Page 30: Ministério Público do Estado de São Paulo

fato, uma das razões apontadas reiteradamente por seus últimos

Superintendentes para justificar este lamentável quadro.

Desta forma, não basta impor ao órgão que cumpra seu

papel dentro de determinado prazo: é essencial que se lhe garantam os meios e

recursos necessários para tanto.

Neste sentido, há que se afirmar com vigor: sendo o

IMESC uma autarquia estadual, vinculada à Secretaria Estadual de Justiça e

Defesa da Cidadania, cabe ao Governo do Estado prover os recursos necessários

à execução de sua atividade.

O Professor Hely Lopes Meirelles ensina que “as

autarquias, sendo um prolongamento do Poder Público, uma ‘longa manus’ do

Estado, deve executar serviços próprios do Estado, em condições idênticas às

do Estado, com os mesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis dos

mesmos controles dos atos administrativos. O que diversifica a autarquia do

Estado são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e

mais flexíveis que os da Administração centralizada” (“Direito Administrativo

Brasileiro”, Editora Malheiros, 35ª edição, São Paulo 2009, p. 347).

Sendo assim, ao IMESC, como autarquia, cabe exercer

atividade essencialmente típica da Administração Pública Direta, no caso a

realização de perícias para os beneficiários da justiça gratuita, serviço público

cuja relevância social é constitucionalmente expressa.

30

Page 31: Ministério Público do Estado de São Paulo

Isto significa que o Estado é o responsável pela

prestação da atividade de interesse público exercida por sua autarquia, mesmo

porque a ele caberia exercê-la diretamente caso não existisse autarquia destinada

a tal fim.

Além disso, deve-se observar que, mesmo dotadas de

amplas autonomias, as autarquias estão limitadas ao orçamento destinado pela

Administração, neste caso, o Governo do Estado. Mais um motivo para se

atribuir a responsabilidade ao Estado quanto à eficiência do serviço público

prestado pelo IMESC.

Enfim, inútil será obrigar o IMESC a cumprir suas

obrigações se o órgão não dispuser de capacidade técnica e estrutural para tanto.

É por isso que a situação havida exige ação efetiva do Governo do Estado, no

sentido de destinar os recursos suficientes para que a estrutura do IMESC

acompanhe a sua demanda.

Deve-se ressaltar, desde já, que o quadro muito se

distancia da esfera da discricionariedade do Estado em gerenciar a verba

pública, já que a manutenção de milhares de requisições judiciais de realização

de perícias atrasados, não em meses, mas sim em anos, pelo IMESC, é situação

insustentável e que se mostra ofensiva aos direitos fundamentais das pessoas

pobres, na medida em que não lhes assegura minimamente a dignidade,

postulado maior da cidadania brasileira, cuja garantia está expressa nos diversos

textos legais apontados.

31

Page 32: Ministério Público do Estado de São Paulo

Na verdade, não existe discricionariedade do Estado

em cumprir ou não a Constituição Federal. E, diante da negativa do Estado, faz-

se necessária a atuação do Pode Judiciário em fazer cumprir o que estabelece a

Lei Maior.

Portanto, havendo profusão de fundamentos jurídicos a

amparar a pretensão deduzida nesta demanda, cabe ao Poder Judiciário, no

exercício de suas elevadas funções constitucionais, instar o Poder Executivo

Estadual a prover os meios necessários para que sua autarquia especializada

possa dar conta daquele impressionante acervo de perícias judiciais antigas em

prazos certos e concretos.

05. O Ministério Público tem legitimidade para a

propositura desta ação civil pública, na medida em que à Instituição compete a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127, caput, da Constituição

Federal.

Ademais, a Lei nº 7.437/85, em seu artigo 5º, inciso I,

garante a legitimidade do Ministério Público para propor ações principais e

cautelares na defesa de direitos difusos ou coletivos.

E especificamente, quanto a esta Promotoria de Justiça

de Direitos Humanos com atribuição em inclusão social, sua atuação está

vinculada à garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de

relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual,

devendo atuar sob a ótica de defesa dos interesses difusos, coletivos ou 32

Page 33: Ministério Público do Estado de São Paulo

individuais homogêneos ou indisponíveis. É a conclusão que se depreende da

leitura conjugada e harmônica dos artigos 127 caput e 129, inciso II, ambos da

Constituição Federal, bem como do artigo 295, inciso XIV, da Lei

Complementar nº 734/93, Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São

Paulo, com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 1083/08.

No mesmo sentido acha-se a regulamentação interna

do Ministério Público, em especial o artigo 2º, inciso III, e o artigo 3º, inciso IV,

alínea ‘a’, do Ato Normativo nº 593/2009 – PGJ.

A tutela buscada junto ao Poder Judiciário é de

natureza difusa ou coletiva: visa não apenas às partes dos processos que se

acham aguardando, por agora, a conclusão das perícias atrasadas, mas a todos

aqueles que, a qualquer momento, nos tempos vindouros, possam vir a ser

prejudicados pela deficiência na prestação do serviço público, se esse Juízo de

Direito não obrigar o Estado a prover os meios necessários para regularizar este

contingente de perícias atrasadas.

Não se trata, pois, do respeito devido apenas às partes

de cada um dos processos paralisados pela ineficiência do IMESC, como

interesse individual, mas a tantos quantos possam vir a, um dia, depender da

assistência judiciária gratuita e, consequentemente, da realização de perícias

pelo mesmo órgão, com absoluta violação das suas garantias individuais e da

sua dignidade, o que expressa a relevância social do tema. A situação

periclitante atinge uma comunidade indeterminável e indivisível de pessoas,

todos os que são ou possam vir a ser dependentes daquele serviço público. Eis aí

a essência do direito difuso aqui tutelado.33

Page 34: Ministério Público do Estado de São Paulo

De qualquer forma, o que cabe aqui é reafirmar que a

legitimidade ativa do Ministério Público é inequívoca no caso em questão, ou

seja, para a tutela dos direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, à luz da

função institucional atribuída pela Constituição Federal.

III. Os pedidos.

01. A concessão de tutela antecipada

A obrigação abaixo postulada comporta a concessão

de antecipação da tutela, o que ora se requer.

A antecipação da tutela será sempre medida

excepcional, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil. No caso em

questão, a hipótese aplicável é a do inciso I, isto é, que “haja fundado receio de

dano irreparável ou de difícil reparação”.

Tal medida se mostra imprescindível, na medida em

que a paralisação de inúmeros processos judiciais por conta dos atrasos na

entrega de laudos periciais pelo IMESC é, sem dúvida, situação capaz de trazer

prejuízos irremediáveis aos seus litigantes, já que a demora na prestação

jurisdicional obsta o acesso à Justiça e ameaça diretamente a realização do justo.

A parte litigante, beneficiária de justiça gratuita, tem seu direito à justiça

frustrado, não alcançando sequer uma decisão judicial; e, como consequência,

chega-se ao descrédito do Poder Judiciário. 34

Page 35: Ministério Público do Estado de São Paulo

Diante da necessidade de pronto desfecho para aquele

atraso, buscou-se uma solução extrajudicial que poupasse do tempo de

tramitação de uma ação judicial a população necessitada de justiça gratuita.

Lamentavelmente, não houve tal compreensão por parte do IMESC. Em

consequência, não se pode aceitar, agora, que só se ponha fim àquele imenso

atraso depois do trânsito em julgado da almejada decisão condenatória, o que

poderá demorar vários anos, a depender dos recursos judiciais interpostos e das

instâncias acionadas.

Dito em outras palavras: não pode o Poder Judiciário

ignorar, por um dia mais, esta preocupante deficiência no serviço público

prestado pelo IMESC, já que não foi possível eliminá-la sem seu concurso.

Por outro lado, deve-se reconhecer que a solução do

atraso não poderá ser imediata; afinal, trata-se de um acúmulo de perícias

esquecidas durante anos nas prateleiras daquele órgão.

Ciente disso, esta Promotoria de Justiça, no curso do

inquérito civil nº 13/2009, questionou à Superintendência do IMESC acerca do

período de tempo considerado suficiente para que o órgão pudesse dar fim ao

seu acervo de perícias atrasadas. Naquela ocasião, a intenção era fixar prazos

razoáveis para a proposta de TAC, a fim de se resolver extrajudicialmente a

questão. Como se sabe, tal oferta foi recusada pelo IMESC.

Pois bem. O objetivo desta tutela antecipada é fazer

prevalecer aquele cronograma, até porque o curso desta ação judicial

provavelmente se estenderá além daqueles prazos. Com isso, espera-se compelir 35

Page 36: Ministério Público do Estado de São Paulo

o IMESC a finalizar o contingente de perícias atrasadas dentro dos prazos

anteriormente propostos e considerados razoáveis pela própria autarquia;

simultaneamente, visa-se a evitar a angústia das partes prejudicadas em aguardar

a solução definitiva desta causa, para só então chegar-se ao ocaso de suas ações

judiciais.

Com efeito, o periculum in mora consiste em que, não

se alçando a tutela jurisdicional de imediato, as partes envolvidas naqueles

processos judiciais paralisados tenham sua pretensão frustrada devido ao atraso

por parte do IMESC.

Já o fumus boni iuris advém da relevância do

fundamento do pedido – direito fundamental do homem – e da plausibilidade da

ocorrência dos fatos alegados, que se constitui na verossimilhança da alegação,

na exata dicção da lei processual. A legislação citada, por seu turno, vem

alicerçar os fundamentos jurídicos do pedido, havendo flagrante violação da

Constituição Federal.

Assim, com fulcro no artigo 12 da Lei 7.347/85 e no

artigo 273 do Código de Processo Civil, requer o autor que LIMINARMENTE

seja deferida ordem para que:

I. O corréu IMESC:

a) finalize seu contingente de perícias provenientes de requisições recebidas

até o final do ano de 2010 (assim compreendidas realização das perícias,

emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas Judiciais, bem como a 36

Page 37: Ministério Público do Estado de São Paulo

elaboração, emissão e remessa de quesitos complementares, desde que o

órgão disponha, de cada caso, de todos os dados e documentos

necessários para o trabalho pericial), nos seguintes prazos:

todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro de

2011;

todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos até

31 de dezembro de 2012.

b) mantenha, durante o período dedicado ao atendimento das requisições

atrasadas, a rotina ora estabelecida para todos os casos novos que

chegarem ao órgão, tanto de Paternidade como de Medicina Legal,

cumprindo em prazos razoáveis as requisições judiciais de agendamento

de perícias e de emissão de laudos, inclusive de complementação de

quesitos.

II. O corréu Governo do Estado de São Paulo destine

os recursos orçamentários e financeiros necessários para que o IMESC cumpra

com as obrigações a este impostas liminarmente, nos termos do item anterior,

fazendo-o a partir de proposta a ser elaborada pela própria autarquia, em tempo

compatível com os prazos impostos na liminar.

Trata-se, mesmo, de pleito de específica antecipação

da tutela final almejada, cabendo lembrar-se que “medida antecipatória,

consequentemente, é a que contém providência apta a assumir contornos de

37

Page 38: Ministério Público do Estado de São Paulo

definitividade pela simples superveniência da sentença que julgar procedente o

pedido” (STF, Pleno, RTJ 180/453).

02. Julgamento definitivo.

Diante do exposto e pelos motivos acima apontados, o

Ministério Público do Estado de São Paulo, por sua Promotoria de Justiça de

Direitos Humanos da Capital, Área de Inclusão Social, vem à presença de Vossa

Excelência requerer o seguinte:

I. A condenação, ao final, do corréu, o Instituto de

Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC), às obrigações ora

requeridas em liminar, confirmando-se seus exatos termos e prazos.

Ou, na hipótese de não concessão da tutela antecipada

ou de sua eventual cassação, que a autarquia estadual seja condenada à

obrigação de fazer, consistente na conclusão das perícias atrasadas provenientes

de requisições encaminhadas ao órgão até o final do ano de 2010, até 31 de

dezembro de 2012 ou, se proferida a decisão depois desta data, no prazo de 30

dias.

Esta obrigação de conclusão dos casos implica na

realização das perícias, emissão e remessa dos laudos às respectivas Varas

Judiciais, bem como a elaboração, emissão e remessa de quesitos

complementares, desde que o órgão disponha, de cada caso, de todos os dados e

documentos necessários para o trabalho pericial. Na impossibilidade de

realização da perícia sem os documentos ou exames apontados, tal situação 38

Page 39: Ministério Público do Estado de São Paulo

deverá ser informada ao respectivo Juízo de Direito em 60 dias a partir da

chegada da solicitação da perícia ao IMESC.

II. A condenação do corréu, o Governo do Estado de

São Paulo, em prover os recursos orçamentários e financeiros necessários para

que o IMESC cumpra com as obrigações estabelecidas no item anterior – a

partir de proposta de dotação orçamentária a ser elaborada pela própria autarquia

– em prazo compatível com os prazos que venham a ser impostos judicialmente

ao IMESC para cumprimento de suas obrigações.

03. Em caso de descumprimento das obrigações, tanto

as impostas liminarmente, como as decorrentes do julgamento definitivo, o

Ministério Público, ora Autor, requer a aplicação de multa diária (astreinte) aos

corréus, correspondente ao valor de R$ 221,00 (duzentos e vinte e um reais) por

dia de atraso para cada caso submetido ao IMESC e não solucionado nos prazos

estabelecidos para tanto; a fixação de tal valor leva em conta, como mero

parâmetro objetivo, a remuneração paga por laudo pela autarquia, estando

sujeito a atualização monetária.

Os numerários de multas eventualmente aplicadas

deverão ser recolhidos ao Fundo Especial de Despesas de Reparação de

Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 da Lei nº 7347/85 e

regulamentado pela Lei Estadual nº 6536/89, sem prejuízo de execução

específica da mesma obrigação e sem embargo de eventual responsabilização do

agente público desobediente por improbidade administrativa, nos termos do

artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/92.

39

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04. Por derradeiro, o Ministério Público requer a Vossa

Excelência:

a) seja determinada a citação e intimação pessoal dos réus: o IMESC, na pessoa

de sua Superintendente; o Governo do Estado, na pessoa do Senhor Procurador-

Geral do Estado, ambos nos endereços acima fornecidos, a fim de que,

advertidos da sujeição aos efeitos da revelia, nos termos do art. 285 do Código

de Processo Civil, apresentem, querendo, resposta aos pedidos ora deduzidos, no

prazo de 60 (sessenta) dias, nos termos do artigo 188 do mesmo Código;

b) dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde

logo, em face do artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90;

c) sejam as intimações do Autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos

com vista na Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital, Área de

Inclusão Social, situada na Rua Riachuelo, 115, 1º andar, Sala 151, Centro, nesta

Capital, em razão do disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil e no

art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26.11.93 (Lei

Orgânica do Ministério Público de São Paulo).

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova

admitidos em direito, especialmente pela produção de prova testemunhal e

pericial, e, caso necessário, pela juntada de documentos e pelo mais que se fizer

indispensável à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial.

Acompanham esta petição inicial os documentos

anexos, integrantes do Inquérito Civil MP nº 13/2009: são dois volumes dos 40

Page 41: Ministério Público do Estado de São Paulo

autos principais da investigação e 37 volumes de apensos, relativos às peças de

informação remetidas pelos vários Juízos de Direito.

O Autor atribui à causa, para fins de alçada, o valor de

R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que,

pede deferimento.

São Paulo, 17 de agosto de 2011.

Eduardo Ferreira Valerio 2° Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital

João Paulo Robortella Analista de Promotoria

41