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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ NÚCLEO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA FAZENDA PÚBLICA 35ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TERESINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA___ª VARA DOS FEITOS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE TERESINA-PI O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ , por sua representante legal ao final assinada, titular da 35ª Promotoria de Justiça da Comarca de Teresina, no uso de suas atribuições constitucionais, com fulcro no art. 127, inciso III, da Constituição Federal, art. 5º, inciso III c/c o art. 17, caput, da Lei nº 8.429/92, e com base nas informações reunidas nos autos do anexo Procedimento Investigatório, vem à presença de V. Exª, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de CLÉIA COUTINHO MAIA, ex-Secretária Estadual de Justiça, CPF 047.088.303-00, brasileira, residente e domiciliada na Rua Lino Correia Lima, Planalto, 3281, Teresina/PI; JOÃO HENRIQUE FERREIRA DE ALENCAR PIRES REBELO, Deputado Estadual, ex- Secretário Estadual de Justiça, CPF 438.696.536-04, residente e domiciliado na Rua Amapá, nº 464, apto. 302, bairro Ilhotas, em Teresina/PI; LEÔNCIO DO REGO MONTEIRO, CPF 411.666.123-68, domiciliado na Rua José Carvalho, 147, bairro São João, em Teresina/PI, CEP 64046-530; ANCELMO LUÍS PORTELA E SILVA, CPF 854.549.403-30, domiciliado na Av. São Raimundo, bairro Piçarra, em Teresina/PI, CEP: 64017-090 pelos fatos e fundamentos jurídicos adiante expendidos. I. DOS FATOS Em 30 de janeiro de 2013 foi instaurado, por meio da Portaria n° 008/2013, o Procedimento Investigatório Preliminar n° 008/2013 da 35ª Promotoria de Justiça de Teresina (posteriormente convertido no Inquérito Civil Público nº 77/2013), que tem como objeto diversas irregularidades em relação a servidores e demais funcionários (terceirizados, temporários, comissionados) ligados à Secretaria da Justiça (SEJUS),

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ

NÚCLEO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA FAZENDA PÚBLICA

35ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TERESINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA___ª VARA DOS FEITOS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE TERESINA-PI

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, por sua representante legal ao final assinada, titular da 35ª Promotoria de Justiça da Comarca de Teresina, no uso de suas atribuições constitucionais, com fulcro no art. 127, inciso III, da Constituição Federal, art. 5º, inciso III c/c o art. 17, caput, da Lei nº 8.429/92, e com base nas informações reunidas nos autos do anexo Procedimento Investigatório, vem à presença de V. Exª, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICAPOR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

em face de

CLÉIA COUTINHO MAIA, ex-Secretária Estadual de Justiça, CPF 047.088.303-00, brasileira, residente e domiciliada na Rua Lino Correia Lima, Planalto, 3281, Teresina/PI;

JOÃO HENRIQUE FERREIRA DE ALENCAR PIRES REBELO, Deputado Estadual, ex-Secretário Estadual de Justiça, CPF 438.696.536-04, residente e domiciliado na Rua Amapá, nº 464, apto. 302, bairro Ilhotas, em Teresina/PI;

LEÔNCIO DO REGO MONTEIRO, CPF 411.666.123-68, domiciliado na Rua José Carvalho, 147, bairro São João, em Teresina/PI, CEP 64046-530;

ANCELMO LUÍS PORTELA E SILVA, CPF 854.549.403-30, domiciliado na Av. São Raimundo, bairro Piçarra, em Teresina/PI, CEP: 64017-090

pelos fatos e fundamentos jurídicos adiante expendidos.

I. DOS FATOS

Em 30 de janeiro de 2013 foi instaurado, por meio da Portaria n° 008/2013, o Procedimento Investigatório Preliminar n° 008/2013 da 35ª Promotoria de Justiça de Teresina (posteriormente convertido no Inquérito Civil Público nº 77/2013), que tem como objeto diversas irregularidades em relação a servidores e demais funcionários (terceirizados, temporários, comissionados) ligados à Secretaria da Justiça (SEJUS),

inclusive no que tange à remuneração destes. Tais irregularidades foram detectadas por meio do Relatório de Auditoria n° 01/2011 da Controladoria-Geral do Estado, que realizou inspeção in loco por amostragem na sede da SEJUS, no Hospital Penitenciário Valter Alencar, no Núcleo de Serviços de Saúde Mental, na Penitenciária Feminina de Teresina, na Penitenciária Regional de Teresina “Irmão Guido”, na Colônia Agrícola “Major César Oliveira”, na Casa de Custódia de Teresina “Professor José Ribamar Leite”, na Casa de Albergado de Teresina e na escola Penitenciária, entre 24 de janeiro de 2011 e 31 de março de 2011.

Tais infrações certamente contribuíram para o atual quadro caótico do sistema prisional piauiense, que nos últimos anos culminou em rebeliões, mortes e diversas violações gravíssimas aos direitos humanos do preso. Tão aviltantes são as condições das penitenciárias piauienses, em todos os aspectos – infraestrutura, segurança, número de servidores, serviço médico e psicossocial, organização, atividades de ressocialização-, que a imprensa nacional e órgãos de controle, como o Conselho Nacional de Justiça, permanecem constantemente atentos a elas.

A situação do sistema prisional piauiense é retratada, por exemplo, pelo Relatório de Inspeção Carcerária elaborado pelo Ministério Público do Estado do Piauí ainda em fevereiro de 2011 (data próxima à época em que ocorreram os fatos aqui narrados (ver fls. 285 e ss.). Os danos ao erário e a administração pessoalizada e desconforme com a moralidade administrativa conduzidas pelos requeridos certamente colaboraram para que se chegasse às condições de superlotação nas unidades prisionais, precaríssimas estruturas físicas, insalubridade, falta de aparato de segurança e número insuficiente de servidores apontadas pelo Relatório do MP-PI.

Apesar dos relatórios e outros expedientes oriundos da Controladoria-Geral do Estado, do Tribunal de Contas do Estado, dos Ministério Públicos Estadual e Federal e do Sindicato dos Agentes Penitenciários e Servidores Administrativos das Secretarias da Justiça e de Segurança Pública do Estado do Piauí (SINPOLJUSPI) indicarem reiteradas vezes a existência de irregularidades como as relatadas abaixo, os gestores pouco fizeram para conformar o quadro de servidores da SEJUS à legalidade, ou mesmo para suspender o pagamento indevido de parcelas remuneratórias, o que reforça a configuração de dolo nas condutas expostas a seguir.

As infrações a seguir descritas atingem frontalmente – e abertamente - todos princípios básicos da Administração Pública, de modo que é impossível vislumbrar quaisquer resquícios de boa-fé nas condutas dos gestores. O tratamento dado à coisa pública remete a um personalismo rasteiro, que privilegia o apadrinhamento e a acomodação de interesses privados em detrimento da eficiência do serviço público e, em última análise, em prejuízo à própria dignidade humana dos presos. Sublinhe-se, ainda, que na 35a Promotoria de Justiça de Teresina ainda constam outros procedimentos investigatórios que revelam muitas outras gravíssimas irregularidades. Diante disso tudo, é inegável a presença de dolo em todas as condutas irregulares expostas abaixo.

A Controladoria-Geral do Estado indicou, na tabela abaixo, valores pagos indevidamente pela Secretaria de Justiça entre janeiro de 2010 e março de 2011 (com exceção dos valores recebidos pelo servidor Leôncio Monteiro, pagos desde 2008:

ITEM VALOR LEVANTADO (R$)

Servidores cedidos para outros órgãos com ônus para a SEJUS

62.188,71

Cargos em comissão em que o servidor não foi localizado, mas está na folha de pagamento

12.950,00

Auxílio-refeição pago a agentes 75.600,00

penitenciários que não trabalham em regime de plantão

Valor recebido a maior a título de auxílio refeição pelo servidor Ancelmo Luiz Portela e Silva

8.640,00

Valor recebido a maior por onze servidores a título de gratificação de periculosidade

10.393,36

Valor recebido pelo servidor Francisco das Chagas Marques Cavalcante a título de gratificação de insalubridade

6.000,00

Valor recebido pela servidora Maria do Socorro P; de sousa a título de insalubridade

2.800,00

Valor pago a prestadores de serviço que recebem pela folha de pagamento a título de Condição Especial de Trabalho

52.500,00

Prestadores de serviço que recebem em folha suplementar não localizados

1.534.752,00

Valor recebido pelo servidor Leôncio do Rego Monteiro como Coordenador do Núcleo de Controle Interno de maio/2008 a dezembro de 2010 sem ter desempenhado suas funções

35.840,00

TOTAL PAGO INDEVIDAMENTE ATÉ MARÇO/11

1.801.664,07

Além desses valores, houve ainda outros dispêndios irregulares no período assinalado. Abaixo, a explanação sobre as irregularidades apontadas na tabela, e ainda sobre os demais atos de improbidade descritos pela CGE-PI.

Para efeitos de individualização das condutas, indicamos que a Sra. Cléia Coutinho Maia ocupou o cargo de Secretária da Justiça durante o exercício de 2010, e o Sr. João Henrique Ferreira Alencar Pires Rebelo, ao longo do exercício de 2011.

1. Das irregularidades nos recursos humanos

1.1. Dos desvios de função e das cessões ilegais O Relatório da CGE aponta que dentre os 720 agentes penitenciários (dentre efetivos e prestadores de serviço), 142 desempenhavam, à época da inspeção, funções diversas daquelas pertinentes ao cargo. O quadro às fls. 13 indica, por exemplo, que trinta agentes atuavam na área administrativa, oito em atividades de protocolo, dezesseis como motoristas e sete em serviços gerais. O Agente Penitenciário é o profissional responsável pela manutenção da disciplina e da segurança na unidade prisional, bem como garantir integridade física e moral de funcionários, visitantes, presos e internos. O agente penitenciário vigia, fiscaliza, inspeciona, revista e acompanha o preso, de modo a zelar pela segurança física deste e da unidade prisional como um todo. Além disso, esse profissional participa das propostas para definir a individualização da pena, verifica as condições de segurança dos presídios, orienta os presos quanto às normas disciplinares e atua como garantidor dos direitos

individuais dos presos (Manual do Ag. Peniten. http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/manual_agente_pen.pdf). Vê-se, contudo, que apesar das múltiplas funções e da grande relevância desse profissional para o sistema carcerário, os então gestores da SEJUS não se importaram em deslocar-lhes para atividades da área meio do órgão, desfalcando mais ainda os estabelecimentos prisionais.

O desvio de função, por si só, é ilegal, uma vez que permite que um profissional exerça, de fato, determinadas atividades – muitas vezes de menor complexidade -, mas seja remunerado por outras, o que causa evidente prejuízo ao erário, além de denotar afronta explícita aos princípios da moralidade, da impessoalidade e, não raro, da eficiência. Ademais, há que se observar que a presença de agentes penitenciários em bom número nos estabelecimentos prisionais é essencial para se evitar rebeliões, fugas e violações dos direitos humanos dos detentos, de modo que a manutenção de número irrisório desses profissionais tem como consequência a baixa qualidade na prestação dessas atividade.

Além de permitir que servidores desempenhem funções não relacionadas com suas atribuições legais, os gestores da SEJUS também promoveram a cessão irregular de servidores a diversas entidades e órgãos municipais e estaduais, e permitiram a manutenção dessas cessões mesmo durante os períodos mais críticos, que culminaram em rebeliões e mortes nos presídios.

Os gastos com servidores cedidos com ônus para a SEJUS chegavam, à época da inspeção, a R$ 62.188,71 (sessenta e dois mil, cento e oitenta e oito reais e setenta e um centavos) mensais. Os órgãos e entes públicos que requisitaram servidores da SEJUS são variados: Secretaria de Governo, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Prefeitura de Barras, Ministério Público, Câmara Municipal de Teresina, Prefeitura Municipal de Teresina, Secretaria de Segurança Pública; Defensoria Pública, dentre outros, conforme os quadros abaixo (fls. 15-16):

SERVIDORES CEDIDOS PARA OUTROS ÓRGÃOS COM ÔNUS PARA A SEJUS

NOME CARGO ÓRGÃO REQUISITANTE

VALOR MENSAL EM R$

Ana Márcia Guimarães Lima

Agente penitenciário Secretaria de Governo

2623,22

Antônio Horácio Fernandes Lopes

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2415,29

Ceres Medeiros de Oliveira

Agente penitenciário Tribunal de Justiça 2515,29

Correntino de Oliveira Lima

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2108,09

Fernando Lima Leal Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2.179,29

Francisco das Chagas Marques

Cavalcante

Médico Assembleia Legislativa

5012,11

Francisco Herbert Ribeiro de Sampaio

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

3088,66

Francisco Marques Agente penitenciário Prefeitura de Barras 2746,02

da Silva

Frinéia Fátima de Castro Passos Matos

Agente penitenciário Ministério Público 2108,09

Helder Câmara Cruz Lustosa

Agente penitenciário Secretaria do Trabalho

2989,13

Jacinto Teles Coutinho

Agente penitenciário Prefeitura de Teresina

2990,42

João Luiz Carvalho da Silva

Técnico especializado

Câmara Municipal de Teresina

834,60

José de Maria Medeiros

Agente penitenciário Delegacia de União 2575,93

José Gil Castelo Branco de Medeiros

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2337,62

José Ribamar Rocha Neiva Filho

Assistente jurídico Assembleia Legislativa

868,20

Katheleen Gomes Wanderley

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2100,89

Maria Carmélia Mota Agente penitenciário Secretaria de Desenvolvimento Rural

2789,13

Maria do Carmo de Sousa Rosado

Professora Assembleia Legsilativa

1360,23

Marluci Silva Barros Agente penitenciário Secretaria de Segurança

2824,41

Raimundo Nonato Machado da Silva

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2515,94

Raimundo Soares do Nascimento Júnior

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2217,91

Roselene do Nascimento Alves

Agente penitenciário Assembleia Legislativa

2082,21

Sebastião Pereira de Castro

Agente penitenciário Ministério Público 3602,73

Teresa Elisa Martins Sampaio

Auxiliar técnico Fórum Criminal de Cristino Castro

1329,53

Manuel do Nascimento Alves da Cunha

Agente penitenciário Tribunal de Justiça 3973,77

TOTAL 62.188,71

SERVIDORES CEDIDOS COM ÔNUS PARA O ÓRGÃO REQUISITANTE

NOME CARGO ÓRGÃO REQUISITANTE

Adalmir Sá Barbosa de Deus Engenheiro SESAPI

Antonio Carlos Guimarães Agente penitenciário Delegacia de Antônio Almeida

Antonio Luiz Arias Fernandes

Agente penitenciário Secretaria de Governo

Antonio Sousa Neto Agente penitenciário Secretaria de Segurança

Astrid Cassandra Nery Ramos Macedo

Agente penitenciário Secretaria do Meio Ambiente

Cloude de Sousa Meneses Agente penitenciário Defensoria Pública

Espedito Soares Cavalcante Técnico especializado Defesa Civil

Etevaldo de Sousa Brito Agente penitenciário SESAPI

Francisco de Assis Alves de Neiva

Agente penitenciário Superintendência de Representação do Piauí no

DF (SUR)

João Sales Neto Agente penitenciário Tribunal de Justiça

José Vanderil Lopes Agente penitenciário Secretaria de Segurança Pública

Leandro Sousa da Silva Agente penitenciário Secretaria de Assistência Social e Cidadania

Lúcia Antônia dos Santos Silva

Agente penitenciária Secretaria de Governo

Maria de Lourdes Martins Portela Bastos

Agente penitenciária Secretaria de Governo

Maria Roberta Ferreira Alves Agente penitenciária Defensoria Pública

Nilton do Monte Furtado Sobrinho

Agente penitenciário Secretaria de Segurança Pública

Regina Célia Mendes de Carvalho

Agente penitenciária Secretaria de Assistência Social e Cidadania

Reginaldo Correia Moreira Filho

Agente penitenciário Secretaria de Governo

Sidney dos Santos Braga Agente penitenciário Secretaria de Governo

Stuart Mill de Carvalho Soares

Agente penitenciário Secretaria de Segurança Pública

À primeira vista já é possível detectar a ilegalidade de tais cessões. A Lei Complementar n° 13/1994 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Piauí), com a redação dada pela Lei Complementar n° 84/2007, define “cessão” da seguinte maneira:

Art. 100 – O servidor poderá ser cedido ou colocado à disposição para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, do Estado e dos Municípios do Estado do Piauí, nas seguintes hipóteses: I – para exercício de cargo em comissão ou

função de confiança; II – em casos previstos em leis específicas. § 1º Para os fins deste artigo: I – cessão é o afastamento do servidor público para ter exercício em outro órgão ou entidade dentro do próprio poder, exclusivamente para o exercício de cargo em comissão;

Vê-se que, apesar de a SEJUS ser órgão pertencente à Administração Direta Estadual, há servidores cedidos para os Poderes Legislativo (tanto estadual como municipal) e Judiciário, o que é explicitamente vedado pelo texto legal. Ademais, a cessão, além de ser amparada por previsão legal e por convênio, deve se dar por tempo determinado e justificar-se pelo interesse público. Questiona-se: quais as peculiaridades nos currículos dos servidores cedidos que torne proveitosa ao interesse público sua cessão para a Defensoria Pública, o Ministério Público ou a Câmara Municipal de Teresina? Qual a relação de sua experiência na SEJUS com as áreas nas quais passaram a trabalhar, por exemplo, na Secretaria do Trabalho, na Secretaria de Assistência Social e Cidadania ou na Secretaria do Meio Ambiente?

E como justificar o grande número de servidores cedidos aos Poderes Legislativos – notadamente conhecidos pelo inchaço de seu quadro de pessoal (ver notícias às fls. 341 e ss.)? Não parece ser razoável assumir que um grande número de servidores da SEJUS apresentem habilidades especiais para trabalhar em atividades legislativas, que justificassem perante o interesse público suas cessões. É fácil concluir que tais cessões não se pautaram por critérios objetivos ou pelo interesse público, mas por critérios meramente pessoais, além de não observarem o princípio da legalidade.

A respeito dessas irregularidades, a 35ª Promotoria de Justiça de Teresina emitiu as Recomendações nº 05/2013 e nº 014/2014 (fls. 50 e 207), para que os servidores cedidos indevidamente retornassem a seus postos de trabalho. Contudo, as respostas das SEJUS a respeito do cumprimento da Recomendação foram vagas, e não há indicação sobre se esses servidores de fato estão lotados em áreas que guardem pertinência com as atribuições de seus cargos.

1.2. Das irregularidades em cargos comissionados

O referido Relatório da CGE constatou que houve adequação, no período analisado, do número de cargos comissionados e funções gratificadas previstos em lei e o número de cargos desse tipo providos de fato (cf. tabela às fls. 18).

No entanto, detectou-se que, ao menos até dezembro de 2010, diversos servidores comissionados se encontravam em lotação diversa daquela que lhe cabia legalmente. Esse fato verificou-se especialmente em cargos de coordenação de presídios, que, na prática, tinham suas atribuições exercidas por agentes penitenciários com DAI. Um exemplo: o agente penitenciário Marcione Pinheiro Barros recebia DAI-7 e desempenhava, na prática, a função de coordenador de segurança e disciplina na Colônia Agrícola Major César no lugar de Luziane Pereira do Nascimento, remunerada com DAI-2. O quadro da fl. 18 aponta casos semelhantes: a Sra. Maria Ednee Rodrigues de Macedo foi nomeada para assumir a Coordenação de Administração da Casa de Custódia, mas estava lotada no gabinete do Secretário; e a Sra. Maria Valdene S. de Carvalho Aguiar foi nomeada para a Coordenação de Segurança e Disciplina da Penitenciária de Picos, mas também estava lotada, de fato, no gabinete do Secretário.

Percebe-se que a nomeação para provimento de diversos cargos em

comissão de extrema relevância para a administração do sistema prisional era apenas de fachada, permitindo que pessoas ingressassem no serviço público com determinada remuneração, mas exercendo atividades bem menos complexas e em lotação muito mais cômoda. Há, aqui, flagrante desvio de finalidade: o interesse público foi relegado a segundo plano, mais uma vez, para privilegiar determinadas pessoas. Além disso, verifica-se óbvio dano ao erário, já que servidores comissionados eram bem remunerados para exercerem atividades menos complexas, e aqueles que assumiam de fato estas funções muito provavelmente deixavam de desempenhar a contento aquelas que, por lei, lhe cabiam.

Tamanha a desorganização e o desprezo para com a legalidade dos gestores do órgão que o Sr. Carlos Lustosa Araújo, então Coordenador de Transportes, encontrava-se de licença saúde desde o exercício de 2010; contudo, ao solicitar ao setor de Recursos Humanos a documentação comprobatória junto ao INSS (uma vez que o servidor era contribuinte do regime geral de previdência), a equipe da Controladoria foi informada de que a licença era informal, inexistindo, nos assentos funcionais do sr. Carlos Lustosa, qualquer documentação que indicasse sua impossibilidade de trabalhar. Assim, sua remuneração continuava sendo paga pelo Estado, o que causou um prejuízo, no período analisado, de R$16.800,00 (dezesseis mil e oitocentos reais).

Constatou-se que, na prática, o Setor de Transportes estava sendo coordenado pelo Sr. Elissandro de Sousa Lustosa, filho do Sr. Carlos Lustosa, contratado como “serviço prestado” e com remuneração mensal de R$1800,00 (mil e oitocentos reais).

1.3 Inassiduidade de funcionários

Ao longo da inspeção, os auditores da Controladoria-Geral do Estado não encontraram diversos servidores nos setores indicados pela Gerência de Recursos Humanos da SEJUS. A Tabela à fl. 14 consigna os seguintes servidores:

NOME DO SERVIDOR LOTAÇÃO INFORMADA

Adão da Silva Ramos Penitenciária Feminina

Adriana Vasconcelos da Nóbrega Penitenciária Feminina

Ana Maria Chaib G. Ribeiro Gabinete

Antonio Alves de Sousa Serviços Gerais

Antonio Ubiratan Vieira Junior Casa de Albergado

Areial Lima e Silva Hospital Penitenciário

Edmar Sales de Oliveira Casa de Albergado

Edivar de Jesus Ribeiro Gabinete

Flavio Vieira Paulo Casa de Custódia

Francisco José da Silva Gabinete

Gedeon Queiroz de Sousa Penitenciária Feminina

João Camelo da Silva Filho Serviços Gerais

João de Moura Neto Gabinete

José Venicio Nobre Gonçalves Transportes

Lísia Helena Machado Queiroz Pessoal

Maria Deusilane de Sousa Humanização

Maria do Carmo Moraes Rodrigues Penitenciária Feminina

Maria do Socorro Moura Cardoso Humanização

Maria do Socorro Ribeiro da Fonseca Financeiro

Miguel da Costa e Silva Administração Penitenciária

Paulo Henrique da Silva Administração Penitenciária

Rossana Silva Duarte Penitenciária Feminina

Sandra Mary Campos Feitosa Penitenciária Feminina

À fl. 19, outra tabela indica lista de comissionados cujos nomes constam na folha de pagamento, mas que, contudo, não foram localizados durante a inspeção:

CARGO NOME DO SERVIDOR

MÊS DE ADMISSÃO VALOR MENSAL RECEBIDO ATÉ MAR/2011 (R$)

Gerente de Informática

Fernanda Lopes Pereira

Fev/11 1.750,00

Coordenador de Informática

Etty Maia Pereira Saraiva

Jan/11 2.240,00

Coordenador Jurídico

Glicileia Vieira de Sousa

Fev/11 1.120,00

Coordenador de Segurança e

Disciplina/ Casa de Custódia

Leôncio do Rego Monteiro

Fev/11 1.120,00

Coordenador de Apoio à

Humanização/ Major César

Edilson Alves Soares de Carvalho

Jan/11 2.240,00

Coordenador de Segurança e

Disciplina/ Major César

Luziane Pereira do Nascimento

Jan/11 2.240,00

Coordenador de Saúde/ Penitenciária

Feminina

Carla Sousa Maia Jan/11 2.240,00

TOTAL R$ 12.950,00

O Relatório da CGE pôs em destaque o caso do Sr. Leôncio do Rego Monteiro, que

“designado interinamente para o cargo de Coordenador de Controle Interno da SEJUS através da Portaria 75/08 que recebeu de maio/08 até dezembro/2010 o valor mensal de R$1.120,00, perfazendo o montante de R$ 35.840,00, sem, no entanto ter efetivamente desempenhado as funções nesse período, conforme informações obtidas em visita “in loco” ao Núcleo de Controle e Gestão do órgão, realizadas pela,

realizadas pela Gerência de Controle Interno da CGE.” (negritados nossos)

O relatório sublinha, por fim, que a presença dos comissionados era, em geral, bastante precária; muitos deles apenas compareciam somente uma vez por semana no local de trabalho.

É de causar surpresa que um órgão com tamanha carência de pessoal, e em que boa parte dos trabalhos (em especial aqueles envolvendo a área-fim ou a gestão do órgão) demandam a presença constante nas unidades prisionais, demonstra tanta complacência com esse elevado número de funcionários inassíduos.

Não há dúvidas, pois, de que os gestores da SEJUS à época incorreram em gravíssima violação aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência na Administração Pública, lançando mão de cargos e funções públicas não para realizar as atividades a que a Secretaria se destina, mas como verdadeiro privilégio, que permite o recebimento de remuneração dos cofres públicos sem a devida contraprestação em serviços.

1.4. Irregularidades na admissão e no controle de frequência de prestadores de serviço

Segundo informações prestadas pela SEJUS à CGE (fl. 29), a Secretaria contava, até novembro de 2010, com 251 prestadores de serviços recebendo por meio de folha suplementar, distribuídos nos estabelecimentos penitenciários, no Hospital Penitenciário e na sede da Secretaria. A CGE calculou que, no exercício de 2010, até o mês de novembro, foram gastos R$3.746.722,80 (três milhões, setecentos e quarenta e seis mil, setecentos e vinte e dois reais e oitenta centavos) com remuneração e recolhimento ao INSS.

Após questionamento da CGE acerca do modo de admissão e do controle do trabalho desses prestadores de serviço, a Secretaria se manifestou afirmando que

1) o processo de seleção é feito através de currículo e experiência no Sistema Penal; 2) o critério de admissão foi a necessidade urgente do serviço já que a Lei 5.377/04 extinguiu todos os cargos administrativos; 3) não há fichas cadastrais, sendo o controle de frequência realizado pelos respectivos chefes imediatos; 4) o acompanhamento dos mesmos é feito pelos diretores e gerentes das unidades prisionais e não pelo Setor de Recursos Humanos da SEJUS.

Sobre os pontos relativos à admissão de pessoal, a CGE listou as seguintes objeções:

1) a contratação de prestadores de serviço deve ser por tempo indeterminado, conforme dita o art. 1º da Lei 5.309/03, o que não acontece no caso da SEJUS.2) a necessidade urgente do serviço não pode ser considerado como critério permanente de contratação, visto que a lei que extinguiu os cargos administrativos do órgão é de 2004 e posteriormente, em 14/01/10 foi promulgada a Lei 148 criando cargos da área técnica-administrativa, abrindo assim a possibilidade de contratação de servidores através de concurso público. (negritados nossos)

Vê-se que não é possível falar em boa-fé e em respeito à legalidade nos casos em

questão, já que as contratações temporárias não se enquadram nas hipóteses excepcionais apontadas pela lei estadual, e sequer existia necessidade urgente de pessoal.

Em relação ao controle de frequência, a CGE foi enfática ao afirmar que:

3) foi informado pelos respectivos responsáveis que, com exceção da Penitenciária Feminina e da Major César, não existe controle de frequência da maioria dos prestadores de serviço, sendo que naquelas unidades prisionais onde foram localizadas listas de frequência observou-se que não foi cumprida a carga horária devida com comparecimento média de duas a três vezes por semana. Quanto às fichas funcionais, confirmamos a inexistência das mesmas, o que consideramos falha grave, visto que desta forma não há controle, bem como informações documentais, pessoais e profissionais sobre essas pessoas que constam da lista de prestadores de serviço;4) o fato desses 251 prestadores de serviço não serem conhecidos pelo setor de Recursos Humanos nos causou estranheza, visto que desta forma não há como ser feito o controle de lotação, frequência, produtividade e eventual desligamento desses prestadores das respectivas funções. (negritados nossos)

A ausência do controle de frequência e a constatação de baixa assiduidade nos setores em que se encontrou lista de frequência, combinadas com a completa falta de informações sobre tais funcionários, indicam que não havia qualquer empenho dos então gestores para que o serviço do órgão fosse realizado, apesar do caótico funcionamento das unidades prisionais sob a administração da SEJUS.

Ora, uma Secretaria que tem como área-fim atividades complexas – “manutenção, execução e acompanhamento da política de Governo relacionada com a cidadania, o sistema penitenciário e os serviços prisionais” (Lei Complementar nº 38/2003) – e conta com recursos restritos para cuidar de um cenário caótico (ver, por exemplo, o Relatório de Inspeção Carcerária realizado no início de 2011 pelo MP-PI, fls. 285 e ss.) demanda dos gestores um cuidado especial na alocação de recursos. Contudo, o que se percebe em relação ao período analisado é que os gestores agiam com completa desídia, utilizando da Secretaria como “cabide de empregos”, o que fica mais claro a cada tópico do Relatório de Auditoria nº 01/2011.

A equipe da CGE fez visitas in loco na sede da SEJUS, no Hospital Penitenciário, no Núcleo de Serviços de Saúde Mental, na Penitenciária Feminina de Teresina, na Penitenciária Regional de Teresina “Irmão Guido”, na Colônia Agrícola “Major César Oliveira”, na Casa de Custódia de Teresina, na Casa de Albergado de Teresina e na Escola Penitenciária, com a finalidade de se obter diagnóstico em relação à frequência de servidores e prestadores de serviço constantes na folha suplementar da SEJUS. Essa amostragem, referente aos estabelecimentos prisionais de Teresina, abrangia 187 pessoas (ou seja, 74% do total de prestadores na folha suplementar).

O resultado das visitas, em que foram entrevistados os gerentes responsáveis por cada estabelecimento prisional, bem como os chefes dos setores da sede, revelou números impressionantes: destes 187 prestadores, apenas setenta e dois foram localizados nos locais indicados – 38,5% do total. Em muitos casos, os superiores sequer tinham conhecimento sobre certos prestadores de serviço, que nunca tinham frequentado o local de trabalho.

As tabelas nas fls. 31 a 35 apontam os seguintes números:

NÚCLEO DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

6 Psicóloga, médicos, dentistas, técnica em enfermagem e outro

R$ 5369,00

PENITENCIÁRIA FEMININA

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

19 Administração, serviços gerais, cozinheiros, limpeza, auxiliar em administração,

ressocialização

R$ 17.709,00

PENITENCIÁRIA IRMÃO GUIDO

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

14 Administrativa, serviços gerais, limpeza,

humanização, administração

R$ 10.619,00

COLÔNIA AGRÍCOLA “MAJOR CÉSAR OLIVEIRA”

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

13 Administrativa, serviços gerais, limpeza, informática,

cozinheiros, digitação, administração

R$ 9.795,00

HOSPITAL PENITENCIÁRIO

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

17 Administrativa, serviços gerais, limpeza, copeira,

cozinheira, dentista, administração, optometrista

R$ 13.135,00

CASA DE CUSTÓDIA

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

11 Administrativa, serviços gerais, limpeza, cozinheira,

administração

R$ 8.445,00

CASA DE ALBERGADO

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

11 Administrativa, serviços gerais, limpeza, copeira,

administração

R$ 10.944,00

SEDE DA SECRETARIA DA JUSTIÇA

Número de prestadores não encontrados

Áreas Valor total/mês

21 Administrativa, serviços gerais, limpeza, humanização,

administração, cantina, engenharia, divisão de

presídios

R$ 15.695,00

Assim, contabilizou-se prejuízo mensal de R$ 127.896,00 (cento e vinte e sete mil, oitocentos e noventa e seis reais) com prestadores de serviço que não trabalhavam (sendo, deste montante, R$21.316,00 com repasses ao INSS). Em 2010 (gestão da Sra. Cléia Coutinho) foram expendidos R$ 1.534.752,00 (um milhão, quinhentos e trinta e quatro mil, setecentos e cinquenta e dois reais) com esses prestadores de serviço, e esses gastos mantiveram-se em 2011, na gestão do Sr. Henrique Rebelo, de modo que ambos os gestores devem ser responsabilizados, proporcionalmente, pelos

Essa irregularidade deve ser atribuída aos gestores Cléia Coutinho e Henrique Rebelo, já que a CGE-PI verificou que a situação se manteve no exercício de 2011 (fl. 35).

2. Das irregularidades no pagamento de parcelas remuneratórias2.1. Irregularidades no pagamento de auxílio refeição

Conforme explica o relatório da CGE,

O art. 39 da Lei 5.377/04 determina que o servidor penitenciário em atividade, quando em plantão ter direito à alimentação fornecida pela Estado, que poderá ser prestada em espécie ou paga em dinheiro e terá seu valor pago fixado pelo Governador do Estado. Esse benefício para servidores da Secretaria da Justiça inicialmente era feito através de ticket alimentação, segundo constatação feita através de informações

constantes do Termo de Audiência de Conciliação e Saneamento nos termos da audiência realizada em 25 de novembro de 2005 nos autos do processo nº 214.334.2005-Ação de Obrigação de Fazer. A partir de janeiro/2007 passou a ser pago aos agente penitenciários a título de auxílio refeição o valor de R$80,00 após reivindicações judiciais do [então] Sindicato dos Policiais Civis Penitenciários e Servidores da Secretaria da Justiça do Estado do Piauí – SINPOLJUSPI.

No entanto, até a época da inspeção, não havia regulamentação por lei do valor a ser pago a título de auxílio-refeição – que chegou ao montante mensal de R$44.544,00 em 2010 (total anual de R$534.528,00), de modo que esses valores foram pagos indevidamente.

De todo modo, chama a atenção o fato de que o militar Ancelmo Luiz Portela e Silva recebeu mensalmente, em 2010, R$800,00 de auxílio-refeição, dez vezes o valor rotineiramente pago, tendo, ao longo de todo esse ano, auferido R$9600,00 – R$8640,00 a mais do que o devido.

A ex-gestora Cléia Coutinho Maia deve ser responsabilizada por esta irregularidade, bem como o próprio Ancelmo Portela, uma vez que é enorme a desproporção entre o montante recebido por ele e aquele pago a outros servidores, fato que, somado à constância do pagamento, afasta a possibilidade de o militar ter recebido os valores de boa-fé.

Esse auxílio também foi pago de maneira irregular a sessenta e três agentes penitenciários lotados na sede da SEJUS, ou nos presídios, mas exercendo funções administrativas, ou seja, que não cumpriam regime de plantão. A SEJUS despendeu R$5.040,00 mensais com esses pagamentos, que totalizaram R$75.600,00 entre janeiro de 2010 e março de 2011.

Ambos os ex-Secretários devem ser responsabilizados por esta última irregularidade, na proporção do que foi pago nas respectivas gestões.

2.2. Irregularidades no pagamento de gratificação de periculosidade e gratificação de insalubridade

A auditoria da CGE detectou que, entre janeiro e abril de 2010 (gestão da Sra. Cléia Coutinho) a SEJUS remunerou onze servidores com valores de gratificação de periculosidade acima do permitido pelo art. 60, §1º da Lei Complementar Estadual nº 13/941 – na época, R$400,00. Nesse intervalo, a Secretaria gastou R$10.393,36 a mais do que o permitido em lei.

Essa situação apenas foi regularizada em maio, quando a SEJUS passou a pagar valores dentro dos limites legais. Contudo, cumpre destacar que a Procuradoria-Geral do Estado já havia se manifestado no sentido de que o pagamento da gratificação de periculosidade só seria cabível após o aferimento da periculosidade por meio de levantamento e investigação física em perícia. Assim, não há falar em boa-fé da gestora no caso em questão, já que esta não apenas pagou a gratificação, em desacordo com parecer da PGE, mas o fez fora dos valores indicados pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Piauí.

Cumpre destacar ainda que se permitiu que, até o mês de maio de 2010, três servidores – Maria Deusilane de Sousa Lima, Humberto Soares e Paulo Rogério da S.

1“Art. 60º Aos servidores que trabalham com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a uma gratificação sobre o vencimento básico de cargo efetivo.§ 1º A gratificação de que trata este artigo será calculada sobre o vencimento básico do cargo, na forma e condições estabelecidas em regulamento, observada a legislação federal específica.”

Carvalho acumulassem as gratificações de insalubridade e periculosidade, em desacordo o §2º do art. 60 da LC nº 13/94, que dispõe que “o servidor que fizer jus à gratificação de insalubridade e periculosidade deverá optar por uma delas”. Mensalmente,foram pagos a esses servidores R$306,83, totalizando, entre janeiro e maio de 2010, R$1534,15 (mil quinhentos e trinta e quatro reais e quinze centavos).

Aqui também é patente o desprezo aos princípios da legalidade e da impessoalidade por parte da gestão da SEJUS em 2010 e 2011. O médico Francisco das Chagas Marques Cavalcante, cedido para a Assembleia, recebeu, ao longo de todo o ano de 2010 (gestão da Sra. Cléia Coutinho) e ao menos até março de 2011 (gestão do Sr. Henrique Rebelo) a quantia mensal de R$400,00 a título de gratificação de insalubridade, mesmo não fazendo jus a esta parcela remuneratória, uma vez que nem sua lotação nem a função que ele desempenha respaldam o pagamento dessa parcela remuneratória. Ao todo, pagou-se a esse servidor, no intervalo referido, o montante de R$6000,00.

Além disso, também foi paga gratificação de insalubridade à agente penitenciária Maria do Socorro P. de Sousa entre setembro 2010 e março de 2011, no valor mensal de R$400,00, totalizando R$2800, apesar de esta gratificação não ser devida, na época, a agentes penitenciários.

A ocorrência de casos isolados de pagamentos de gratificação de insalubridade a profissionais de categorias que não fazem jus a ela (agente penitenciária, médico) indica que tais despesas não decorreram de simples erro de interpretação das normas jurídicas – caso contrário, os demais funcionários das mesmas médicos e agentes penitenciários também receberiam essa parcela remuneratória. Resta configurada, assim, a má-fé dos gestores, que, além de causarem dano ao erário, agiram em desrespeito aos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade.

2.3. Irregularidades na remuneração de prestadores de serviço

Na época da auditoria em questão, a SEJUS contava com quarenta e oito “prestadores de serviço” recebendo remuneração pela ficha financeira (Info-folha). As funções exercidas por muitos - segundo a tabela às fls. 27-28, indicam que vinte e dois deles trabalham como agentes penitenciários, quatro como auxiliar de serviços, um como motorista e quatro como auxiliares técnicos) - revelam flagrante burla ao mandamento constitucional do concurso público2, uma vez que a condição de “prestador de serviço permanente” não se enquadra de modo algum nas exceções trazidas pela Constituição Federal: cargos de livre nomeação e exoneração (inciso II do art. 37) e contratações temporárias, em situações excepcionais e na forma prevista em lei (inciso IX).

Mais uma vez, verifica-se total ausência de isonomia e de impessoalidade na administração do pessoal da SEJUS: a remuneração desses prestadores de serviço é discrepante – entre janeiro e março de 2011, dezessete deles recebiam um salário mínimo, enquanto trinta e um auferiam R$2021,50 mensais - independentemente de realizarem funções de agente penitenciário, auxiliar de serviços, auxiliar técnico ou motorista. Ou seja, não há qualquer critério objetivo, nem legal nem aparente, para a diferença nos vencimentos desses profissionais.

Além disso, dentre os quarenta e oito, vinte e seis receberam adicional

2Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

noturno, gratificação por serviço extraordinário, auxílio alimentação e gratificação de curso especial de polícia. Todos esses vinte e seis estão no grupo que recebia R$2012,50 de vencimento, e, novamente, não parece haver qualquer critério objetivo que dê supedâneo ao pagamento dessas benesses. Por um lado, tanto agentes penitenciários como auxiliares de serviços, auxiliares técnicos e um motoristas as recebiam (com exceção da gratificação por curso especial de polícia); por outro, há profissionais que exerciam a mesma função (como os agentes Francisco Bittencourt de Sousa e Francisco de Jesus Lima Filho, e o auxiliar técnico Carlos Alberto de Oliveira) mas não recebiam essas parcelas remuneratórias (ver tabela nas fls. 27-28). Ou seja, não havia qualquer critério objetivo para o pagamento dessas parcelas remuneratórias, o que viola não apenas o princípio da legalidade, mas também os princípios da impessoalidade, da moralidade e da isonomia. A SEJUS expendeu ao todo R$13.247,84 (treze mil, duzentos e quarenta e sete reais e oitenta e quatro centavos) com o pagamento desses benefícios a prestadores de serviço no intervalo indicado.

Além disso, foi paga, ao longo de todo o exercício de 2010 e até março de 2011, Gratificação por Condição Especial de Trabalho (ver tabela nas fls. 27-28). A Lei Complementar Estadual nº 13/94, alterada pela Lei Complementar nº 84/07, combinada com o art. 2º da Resolução do Conselho Estadual de Gestão de Pessoas, estabelece expressamente que prestadores de serviço não fazem jus à GCET. Além disso, a Resolução nº 470/09 do Conselho Estadual de Gestão de Pessoas aponta, em seu item 3, que essa gratificação é incompatível com pagamento horas-extras e outras gratificações. Durante o período, os gestores permitiram o pagamento irregular de R$ 52.500,00 a título de Gratificação por Condição Especial de Trabalho.

2.4. Irregularidades no pagamento de adicional noturno e adicional pela prestação de serviço extraordinário

A Lei Complementar Estadual nº 13/1994, em seu art. 66, estabelece que “o serviço noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor-hora acrescido de 100% (cem por cento), do valor hora do vencimento básico do cargo”

Já a gratificação pela prestação de serviço extraordinário está prevista no art. 59 do mesmo diploma legal:

Art. 59 – A gratificação pela prestação de serviço extraordinário será paga por hora de trabalho prorrogado ou antecipado do expediente normal do servidor. § 1º – O serviço extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) em relação à hora normal de trabalho, incidindo exclusivamente sobre o vencimento.

O parágrafo §3º deste mesmo dispositivo acrescenta que

§3º Não fará jus a esta gratificação, o servidor público que se enquadrar em uma das seguintes situações: I – estiver afastado do serviço efetivo; II – não possuir jornada de trabalho fixada em lei; III – não ficar sujeito a controle de presença; IV – for ocupante de cargo em comissão ou função de confiança; ou V – durante a semana, não ultrapassar a jornada de 40 (quarenta) horas semanais, não se aplicando a regra deste inciso às categorias que tenham jornadas de trabalho fixadas em lei específica.

Em relação ao pagamento dessas parcelas remuneratórias, a CGE detectou, na amostra analisada (servidores e prestadores de serviço da capital) que cinquenta e nove

pessoas recebiam pelo serviço extraordinário cumulado com adicional noturno e mais oito recebem adicional pelo serviço extraordinário de maneira irregular, uma vez que ocupavam cargos em comissão ou desempenhavam funções administrativas com carga horária diurna de trinta horas semanais – ou seja, em desconformidade com os arts. 59, §3º, IV e V e 66 do Estatuto do Servidor Público Civil do Piauí. Mensalmente, a SEJUS gastou em média o valor de R$ 32.720,96 com esses pagamentos indevidos.

Além disso, dois servidores regidos pela Lei nº 5377/04 (que dispõe sobre a carreira do pessoal penitenciário do Piauí), Srs. Hortêncio Carvalho N. Neto e Lísia Helena Machado Queiroz, receberam valores incompatíveis com a função exercida – executavam atividades administrativas na sede da SEJUS – e com a carga horária definida no art. 32, §1º do referido diploma legal. Durante o exercício de 2010, foram pagos ao todo ao Sr. Hortêncio o valor de R$ 15.652,56, e à Sra. Lísia, o montante de R$ 13.315,12.

3. Prejuízos com atrasos no recolhimento de INSS e ISS

A Controladoria-Geral do Estado também constatou que a SEJUS contabilizou e recolheu valores correspondentes ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e à previdência (INSS) de prestadores de serviço que recebem em folha de maneira incorreta ou com atrasos, o que gerou, entre janeiro e novembro de 2010, o montante de R$ 65.197,12 de multas e juros (fls. 38-39).

II-DO DIREITO

2.1. Da violação à Constituição. Dano ao erário. Inobservância dos Princípios da Legalidade, da Moralidade e da Impessoalidade

No artigo 37, caput da Constituição Federal de 1988 estão relacionados os princípios em que devem se pautar todos os atos da Administração Pública, verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

Os mesmos princípios foram observados pelo constituinte estadual, conforme disposto no artigo 39, caput da Constituição do Estado do Piauí.

Destaca-se como vilipendiados, na espécie ora em análise, os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

O princípio da legalidade, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello,

no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. (…) Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso Direito Administrativo. 17ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2004. Pp. 91-95)

O princípio da legalidade foi violado na medida em que os gestores determinaram diversos pagamentos indevidos – não previstos em lei ou fora de seus parâmetros -, como auxílio-refeição, adicional noturno, gratificação de insalubridade,gratificação de periculosidade, gratificação por condição especial de trabalho, adicional pelo serviço extraordinário e parcelas remuneratórias indevidas pagas a prestadores de serviço.

Também houve violação a este princípio em todas as irregularidades envolvendo o quadro de pessoal da SEJUS: admissão irregular de funcionários, irregularidades no controle de frequência, desvios de funções e cessões irregulares. Mais uma vez, nota-se que os gestores romperam com a estrita observância da lei, abrindo espaço para favoritismos e arbitrariedades.

Mas além da violação patente ao princípio da legalidade, o relato acima deixa claro que o princípio da moralidade também foi flagrantemente desrespeitado. De acordo com Hely Lopes Meirelles,

Cumprir simplesmente na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais. (Direito Administrativo Brasileiro. Hely Lopes Meirelles, ob. cit. p. 83).

Sobre o mesmo tema, disserta da seguinte forma Celso Antônio Bandeira de Mello:

Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos ‘nom omne quod licet honestum est’. A moral comum, remata Hauriou é imposta ao homem por sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum.

De acordo com o Princípio da Moralidade Administrativa,

a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica. (...) Segundo os cânones da lealdade e da boa fé a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direito por parte dos cidadãos. (Celso Antônio Bandeira de Melo, ob. cit. p. 69. Negritados nossos.).

Ainda, segundo José Augusto Delgado:

(...) o valor jurídico do ato administrativo não pode ser afastado de seu valor moral, implicando isso um policiamento ético na administração. A motivação e o modo de agir do agente público submetem-no a controles, especialmente ante o princípio da moralidade administrativa. Ações maliciosas ou imprudentes devem ser reprimidas. A doutrina há de buscar alcance largo ao princípio da moralidade. (O princípio da

moralidade administrativa e a Constituição Federal de 1988, in RT 680/38, junho de 1992, apud Fábio Osório Medina, Improbidade Administrativa, 2ª ed., Porto Alegre, Síntese, 1998, p. 144. Negritados nossos.).

A prática de todas as irregularidades apontadas acima indicam falta de compromisso com uma gestão moralmente adequada da coisa pública.

Quanto ao princípio da impessoalidade, este se encontra intimamente ligado ao princípio da moralidade. Vejamos a lição de Mário Pazzaglini Filho:

Administrar é um exercício institucional e não pessoal. A conduta Administrativa deve ser objetiva, imune ao intersubjetivismo e aos liames de índole pessoal, dos quais são exemplos o nepotismo, o favorecimento, o clientelismo e a utilização da máquina administrativa como promoção pessoal. Pautada na lei, a conduta administrativa deve ser geral e abstrata, jamais focalizada em pessoas ou grupos. Sua finalidade é a realização do bem comum, síntese tradutora dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro. (…) Também é a impessoalidade afetada pelo princípio republicano que impõe ao Administrador o dever de, como mero gestor da res publica, não fazer seu ou de alguns, aquilo que é de todos. A prevalência do interesse social sobre eventuais anelos individuais ou grupais reclama uma conduta administrativa impessoal. (Improbidade Administrativa, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 1997, p. 50/51. Negritados nossos.)

Não resta dúvidas de que os Srs. Cléia Coutinho e Henrique Rebelo geriram a SEJUS de maneira impessoal, conferindo parcelas remuneratórias sem qualquer padrão objetivo, sem se pautar pelo critério legal e em desconformidade com a isonomia; permitindo a inassiduidade de funcionários, o desvio de função e cessões irregulares, a despeito do regular funcionamento do órgão.

O princípio da eficiência também foi reiteradamente violado, já que os recursos financeiros e humanos da Secretaria não foram direcionados à boa prestação do serviço público, mas ao atendimento de interesses particulares.

Assim sendo, os ex-gestores acima incorreram nos atos de improbidade administrativa abaixo:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (…)I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

O dano ao erário é patente em todas essas irregularidades, vez que recursos públicos foram utilizados de maneira contrária à finalidade estabelecida em lei, tanto nas irregularidades atinentes à admissão e remuneração de funcionários como naquelas envolvendo inassiduidade, desvio de função e cessões, já que o mau aproveitamento do quadro de pessoal também causa prejuízos aos cofres públicos. Também houve dano ao erário na negligência a respeito dos recolhimentos de valores a título de ISS e de contribuição previdenciária, que geraram multas e juros. Assim, as condutas dos Requeridos também se enquadram no dispositivo abaixo, tanto no caput como nos incisos arrolados:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou

dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

III. DA NECESSIDADE DE PROVIMENTO LIMINAR- INDISPONIBILIDADE DOS BENS

Pacificado é o entendimento acerca da viabilidade de medida liminar em sede de Ação Civil por Atos de Improbidade. Resta apenas a demonstração dos requisitos necessários para sua concessão.

Dois são os requisitos para determinar o provimento liminar: a fumaça do bom direito, que decorre dos fundamentos jurídicos até aqui levantados que têm como suporte fático a comprovação do desrespeito de normas cogentes na gestão de recursos públicos, tendo causado, inexoravelmente, lesão ao patrimônio público. In casu, os ex-gestores cometeram diversas irregularidades em relação ao pagamento de parcelas remuneratórias e à gestão do quadro de pessoal da SEJUS (falhas no controle de frequência, desvios de função, cessões irregulares, admissões ilegais, etc); o periculum in mora é fundado no receio ou risco de desaparecimento e/ou transferência dos bens do réu, ao tempo do provimento final, prática esta muito usual nestes casos.

Acrescente-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de se considerar presumido o periculum in mora em ação de improbidade administrativa, “estando dispensada a prova da dilapidação patrimonial ou de sua iminência, o registro da presença do fumus boni iuris é suficiente para autorizar a medida constritiva” (AgRg no REsp 1460770 PA 2014)

Além disso, há expressa previsão na Lei nº 8.429/92 quanto à declaração de indisponibilidade de bens de agentes públicos e de terceiros beneficiados, nos seguintes termos:

Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidades de bens do indiciado.Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

A jurisprudência pátria é forte no sentido de evitar que o réu, através de expedientes fraudulentos, torne seus bens indisponíveis ao credor, respeitando, evidentemente, aqueles bens necessários para a digna manutenção da família.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. REJEIÇÃO DAS CONTAS PELO TCU. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. RESSALVA QUANTO AOS CRÉDITOS DE NATUREZA ALIMENTAR. GARANTIA DE FUTURO RESSARCIMENTO

AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. – Hipótese em que se questiona a determinação judicial de indisponibilidade dos bens de ex-prefeito, declarada liminarmente em sede de ação de improbidade administrativa. – A Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429 /92) assegura tal medida nos casos em que os atos de improbidade causarem lesão ao patrimônio público ou ensejarem enriquecimento ilícito, estabelecendo que a constrição recairá sobre os bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento (art. 7º e parágrafo único). – Resta devidamente caracterizada a presença dos requisitos que autorizam o provimento liminar concedido: o “fumos boni juris” consubstanciado no fato de que o risco de dano jurídico exsurge da própria gravidade dos fatos descritos da petição inicial da ação e o “periculum in mora”, máxime quando não há certeza quanto à suficiência dos bens necessários ao devido ressarcimento ao erário, ressalvado, em todo caso, os créditos de natureza alimentar. – Agravo de instrumento a que se nega provimento.

O decurso do tempo em termos processuais acaba por beneficiar os envolvidos nos ilícitos, permitindo que estes ocultem seus bens, comprometendo o objetivo da própria Constituição Federal (art. 37, § 4º), tornando o processo pouco efetivo.

De outra parte, atente-se para o fato de que o pedido de indisponibilidade dos bens pode ser genérico e abranger a universalidade (relativa) dos bens do requerido, no sentido de não ter o autor que especificar quais seriam os bens sobre os quais recairia a medida. Entretanto, ao juiz é que caberia a individualização dos bens na concessão da medida.

Ademais, a medida de solicitação ao juízo diretamente é medida de economia processual, pois, não raras vezes, há demora nos atendimentos dos ofícios de requisição ministeriais, a despeito das advertências em seu descumprimento, sem falar que as relações de bens da Receita Federal, que estão acobertadas de sigilo fiscal, estão constantemente sendo atualizadas, devendo-se evitar, assim, percalços quanto à titularidade e localização dos bens.

Há decisões, inclusive, no sentido de que essa individualização pode ser posterior à concessão da medida, podendo o juiz decretá-la de forma genérica (sem especificar bens, mas sempre no limite do dano causado), e, somente depois, proceder à perquirição dos bens existentes e suficientes ao ressarcimento.

Nesse sentido:

A decretação de indisponibilidade de bens se faz de forma genérica. Assim determinada, irá se proceder a perquirição dos bens existentes e suficientes a eventual condenação de ressarcimento ao erário. Desta forma, não há como determinar e individualizar, previamente, sobre quais bens recairá a medida. (TJ/Paraná. Agravo de Instrumento n.º 367199-4)

Assim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, em caráter liminar, inaudita altera pars, seja declarada a indisponibilidade dos bens dos requeridos, no valor de R$4.067.187,80 (quatro milhões, sessenta e sete mil, cento e oitenta e sete reais e oitenta centavos), correspondente à soma dos valores abaixo discriminados

• R$ 1.801.664,07 (correspondente aos valores listados pela CGE-PI, conforme

tabela constante na introdução do tópico “Dos fatos”);

• R$ 1.070.047,50 (correspondente a R$ 71.336,50 – valor mensal dos benefícios pagos indevidamente a prestadores de serviço, com exceção da GCET -, multiplicado por quinze – número de meses sobre os quais incidiu o trabalho da CGE – ver ponto 2.3);

• R$ 519.782,08 (correspondente a R$ 32.720,96 - valor mensal pago com adicional noturno --, multiplicado por quinze – número de meses sobre os quais incidiu o trabalho da CGE –, e somado a R$15.652,56 e R$ 13.315,12 – valores pagos indevidamente a título de adicional noturno aos Srs. Hortêncio Carvalho e Lísia Queiroz – ver ponto 2.4);

• R$ 668.160,00 (correspondente a R$ 44.544,00 - valor mensal pago a título de auxílio refeição, sem que houvesse regulamentação legal – ver ponto 2.1);

• R$ 7.534,15 (correspondente à soma de R$6000,00 e R$ 1534,15, correspondentes, respectivamente, aos valores pagos ilegalmente a título de gratificação de insalubridade ao Sr. Francisco das Chagas Cavalcante e a três servidores que acumulavam ilicitamente gratificações de insalubridade e de periculosidade – ver ponto 2.2).

Frise-se que esses valores, bem como a responsabilização pelo ressarcimento de cada parcela deles, serão melhor depurados ao longo da instrução processual.

A fim de dar concretude e eficácia a tal medida, requer-se:

a) Sejam requisitadas à Receita Federal a declaração do Imposto de Renda dos requeridos dos exercícios financeiros de 2013 e 2014;

b) Sejam oficiados os cartórios de Registros de imóveis dos Municípios de Teresina-PI, Parnaíba-PI e Luís Correia-PI, noticiando sobre a medida adotada, requisitando dados sobre os eventuais imóveis registrados em nome dos requeridos e determinando a averbação da indisponibilidade nos registros dos imóveis existentes em nome deles;

c) Seja oficiado aos Departamentos de Trânsito do Estado do Piauí, noticiando sobre a medida adotada, requisitando dados sobre os veículos eventualmente registrados em nome dos requeridos e determinando a averbação da indisponibilidade nos registros dos veículos identificados em nome deles;

d) Seja determinado o bloqueio, pelo sistema BACEN-JUD, dos recursos encontrados nas contas bancárias existentes em nome do requerido, até o montante do prejuízo econômico causado ao erário, a ser indicado nesta ação;

e) Realizadas as referidas consultas e informados os bens registrados em nome dos requeridos, bem como os valores porventura havidos nas respectivas contas bancárias, seja determinada a averbação da indisponibilidade de bens e bloqueio de valores até o limite da integral satisfação do débito imputado.

Como supedâneo adicional a este pleito, veja-se nas fls. 345 e ss. decisão recente em caso semelhante proferida pela 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública de Teresina, no bojo do processo nº 0006758-63.2015.8.18.0140 (ação de improbidade administrativa contra ex-gestores do HEMOPI por nepotismo, utilização indevida dos recursos da Gratificação de Incentivo à Melhoria da Assistência à Saúde, bem como admissão de funcionários para cargos em comissão não previstos no organograma do órgão).

IV- PEDIDOS

Pelo exposto, conclui-se que os fatos narrados nesta petição demonstram que os requeridos, de forma deliberada e plenamente consciente, praticaram os atos de improbidade administrativa mencionados supra, razão pela qual se requer:

a) a autuação da inicial, juntamente com os documentos que a instruem;b) a concessão liminar da indisponibilidade dos bens móveis, imóveis e ativos financeiros dos dois requeridos, especialmente os indicados no item III;c) a notificação dos requeridos para manifestação em 15 dias, nos termos do § art. 17 da Lei nº 8.429/92, bem assim o recebimento da inicial em 30 dias, após exaurido o prazo para a manifestação prévia (§ 8º do referido artigo);d) a notificação da Procuradoria-Geral do Estado, para conhecimento e providências que julgar cabíveis;e) a citação dos requeridos nos endereços constantes da exordial, para responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato;f) a notificação do atual Secretário da Justiça para a juntada aos autos dos seguintes documentos:

f.1) o montante gastos nos exercícios de 2010 e 2011 com pagamentos aos servidores faltosos indicados na tabela nas fls. 14 e ss. (item 1.3 desta peça);f.2) indicação de se as cessões ilegais apontadas nesta peça continuaram no exercício de 2011, e, em caso afirmativo, em relação a quais servidores;f.3) no caso dos servidores que, após a fiscalização da CGE e as recomendações da 35ª Promotoria de Justiça, retornaram à SEJUS, qual sua lotação em 2011 e no atual exercício financeiro;f.4) se em 2011 foram mantidos os mesmos ocupantes de cargos em comissão apontados no tópico 4.3 do relatório da Controladoria-Geral do Estado (fls. 16 e ss.);f.5) se os 251 prestadores de serviço pagos em folha suplementar em 2010 continuaram sendo remunerados pela SEJUS no exercício financeiro de 2011, e, em caso afirmativo, qual o montante total expendido com pagamentos a eles;f.6) se houve geração de novos juros ou multas decorrentes de eventuais atrasos ou incorreções no recolhimento de ISS e INSS pela SEJUS no exercício financeiro de 2011;

g) a condenação dos Requeridos às sanções previstas no art. 12, incisos I e II da Lei nº 8.429/92, bem como ao ressarcimento ao Erário de todos os valores expendidos irregularmente, no montante de R$4.067.187,80 (quatro milhões, sessenta e sete mil, cento e oitenta sete reais e oitenta centavos – valor este que será melhor precisado ao longo da instrução processual, levando em consideração, inclusive, as informações requeridas no item “f”);g) restando condenados os requeridos, a inclusão de seus nomes no Cadastro Nacional dos Condenados por Ato de Improbidade junto ao CNJ;h) a isenção de custas e despesas processuais, nos termos do artigo 27 do Código de Processo Civil.i) sejam os valores eventualmente pagos a título de multa revertidos ao Fundo de Modernização do Ministério Público.

Protesta o autor por todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive a oitiva das pessoas arroladas abaixo e eventual perícia contábil para a especificação dos

valores devidos a título de ressarcimento por cada requerido.

Dá-se à causa o valor de R$4.067.187,80 (quatro milhões, sessenta e sete mil, cento e oitenta sete reais e oitenta centavos), para efeitos legais.

Pede-se deferimento.

Teresina, 24 de agosto de 2015.

Leida Maria de Oliveira DinizPromotora de Justiça (Fazenda Pública)

ROL DE TESTEMUNHAS

-Cristiana Oliveira Maia, Auditora Governamental da CGE-PI-Iramara Rio Lima Rego de Menezes, Auditora Governamental da CGE-PI