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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA N.º 117/2018 – SFCONST/PGR Sistema Único nº 88.688/2018 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5398/DF REQUERENTE: Rede Sustentabilidade INTERESSADOS: Presidente da República Câmara dos Deputados Senado Federal RELATOR: Ministro Roberto Barroso Excelentíssimo Senhor Ministro Roberto Barroso, CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO ART. 22-A DA LEI 9.096/1995, INTRODUZIDO PELA LEI 13.165/2015. DESFILIAÇÃO, SEM PERDA DE MANDATO, PARA FILIAÇÃO A PARTIDO POLÍTICO NOVO. POSSIBILIDADE QUE DECORRE DA CONSTITUIÇÃO. PRINCÍPIOS DA LIVRE CRIAÇÃO DE PARTIDOS POLÍTICO E DO PLURALISMO POLÍTICO. 1. A Lei 13.165/2015 estabeleceu como hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária “somente” (i) a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, (ii) a grave discriminação política pessoal e (iii) a mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente (hipótese conhecida como “janela partidária”). Não previu, portanto, a possibilidade legal de desfiliação partidária, sem perda de mandato, para filiação a partido novo, até então assegurada pela Resolução TSE 22.610/2007. 2. A expressão “somente as seguintes hipóteses” contida no parágrafo único do art. 22-A da Lei 9.096/1995 não pode excluir as previsões constitucionais explícitas (art. 17-§5º da CR, incluído pela Emenda Constitucional 97/2017) e implícitas de desfiliação partidária sem sanção. 3. A hipótese de desfiliação, sem perda de mandato, para filiação a partido político novo é uma permissão constitucional implícita, que decorre dos princípios democrático, do Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 10/04/2018 14:07. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 40D35A30.70596F9F.C44612CE.EAE6B58D

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N.º 117/2018 – SFCONST/PGRSistema Único nº 88.688/2018

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5398/DFREQUERENTE: Rede SustentabilidadeINTERESSADOS: Presidente da República

Câmara dos DeputadosSenado Federal

RELATOR: Ministro Roberto Barroso

Excelentíssimo Senhor Ministro Roberto Barroso,

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE. DECLARAÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL, SEM REDUÇÃODE TEXTO, DO ART. 22-A DA LEI 9.096/1995,INTRODUZIDO PELA LEI 13.165/2015. DESFILIAÇÃO,SEM PERDA DE MANDATO, PARA FILIAÇÃO A PARTIDOPOLÍTICO NOVO. POSSIBILIDADE QUE DECORRE DACONSTITUIÇÃO. PRINCÍPIOS DA LIVRE CRIAÇÃO DEPARTIDOS POLÍTICO E DO PLURALISMO POLÍTICO.

1. A Lei 13.165/2015 estabeleceu como hipóteses de justa causapara a desfiliação partidária “somente” (i) a mudançasubstancial ou desvio reiterado do programa partidário, (ii) agrave discriminação política pessoal e (iii) a mudança departido efetuada durante o período de trinta dias que antecedeo prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição,majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente(hipótese conhecida como “janela partidária”). Não previu,portanto, a possibilidade legal de desfiliação partidária, semperda de mandato, para filiação a partido novo, até entãoassegurada pela Resolução TSE 22.610/2007.

2. A expressão “somente as seguintes hipóteses” contida noparágrafo único do art. 22-A da Lei 9.096/1995 não podeexcluir as previsões constitucionais explícitas (art. 17-§5º daCR, incluído pela Emenda Constitucional 97/2017) e implícitasde desfiliação partidária sem sanção.

3. A hipótese de desfiliação, sem perda de mandato, parafiliação a partido político novo é uma permissão constitucionalimplícita, que decorre dos princípios democrático, do

Gabinete da Procuradora-Geral da RepúblicaBrasília/DF

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pluralismo político e, especialmente, da livre criação, fusão,incorporação e extinção de partidos políticos (art. 17-caput daCR).

4. A relevância do pluripartidarismo e a exigência dademocratização do poder político conduzem à necessidade dese estimular não apenas a formação, mas também apermanência e o desenvolvimento das agremiaçõespartidárias. A imposição de barreiras ou de medidas quepossam dificultar o regular desenvolvimento e fortalecimentode partidos políticos novos vão de encontro com os princípiosda livre criação de partidos políticos e do pluralismo político.

5. A situação de partidos políticos recém-criados, que aindaestavam dentro do prazo de trinta dias para receberemparlamentares detentores de mandato eletivo, quando doadvento da Lei 13.165/2015, foi resolvida e esgotada peladevolução do prazo de trinta dias pela medida cautelarconcedida em novembro de 2015. A alteração dessaprovidência resultará em maior insegurança jurídica einstabilidade das instituições que receberam detentores demandato durante o prazo devolvido pela medida cautelar.

6. Presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, oparecer é pela ratificação da medida cautelar deferida peloMinistro relator, bem como por sua concessão em maiorextensão, para que se reconheça a estatura constitucional dapossibilidade de desfiliação, sem perda de mandato, fundadana criação de novo partido político.

A Rede Sustentabilidade ajuizou ação direta no Supremo Tribunal Federal,

pleiteando a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 22-A

da Lei 9.096/1995, introduzido pela Lei 13.165/2015, na parte em que, a contrario sensu,

proíbe que se tenha como justa causa a desfiliação partidária apoiada na criação de novo

partido político. Pediu, ainda, a declaração de inconstitucionalidade da proibição de se

considerar configurada como justa causa a desfiliação efetuada para fins de filiação a partidos

políticos criados antes da vigência da Lei 13.165/2015 e que, na data de entrada em vigor da

lei (de 29 de setembro de 2015), ainda contavam com parte do prazo de trinta dias fixados

pelo Tribunal Superior Eleitoral para a nova filiação. Apontou ofensa aos princípios

democrático, da liberdade de criação de partidos políticos, do pluralismo político, da

segurança jurídica, bem como da livre e leal concorrência democrática. Afirmou que a

incidência da lei na hipótese em que o partido criado antes da vigência da Lei 13.165/2015

encontrava-se com o prazo aberto de trinta dias para recebimento de parlamentares eleitos

filiados a outros partidos atinge direito adquirido e representa indevida retroatividade de

norma sancionadora.

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Em 19.10.2015, o Ministro relator determinou a intimação da Presidência da

República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para, querendo, apresentarem

manifestação no prazo de cinco dias, nos termos do art. 10 da Lei 9.868/1999. (peça 14)

O Partido Popular Socialista – PPS requereu sua admissão como amicus curiae e

apresentou manifestação pela improcedência do pedido. Suscitou a impossibilidade jurídica

do pedido, dada a vedação de o Supremo Tribunal Federal atuar como legislador positivo,

para incluir no dispositivo impugnado hipótese de justa causa intencionalmente excluída pelo

legislador. No mérito, citando decisões do STF nos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e

26.604, defendeu a inconstitucionalidade da hipótese de criação de novos partidos como justa

causa para a desfiliação partidária. Alegou que as hipóteses de justa causa devem ser

excepcionais e apenas quando o partido de origem der causa ao rompimento da relação com o

mandatário. No tocante ao pedido de devolução do prazo de trinta dias para a migração aos

partidos que haviam sido criados antes do advento da Lei 13.165/2015, disse não haver

direito adquirido a regime jurídico revogado. (peça 19)

A Presidente da República encaminhou informações da Consultoria-Geral da

União, que apontou a regularidade do trâmite legislativo do projeto de lei que culminou com

a edição da Lei 13.165/2015. No mérito, disse que a lei excluiu as hipóteses de incorporação

e fusão de partidos e de criação de novo partido como justa causa para a desfiliação

partidária, acrescentando, porém, hipótese que possibilita a migração, a cada eleição, durante

um período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à

eleição. Alegou que a “janela partidária” criada no art. 22-A–III da Lei 9.096/1995 tem como

objetivo o combate ao abuso do poder econômico, a ampliação da participação política, a

moralização das campanhas eleitorais e a garantia da normalidade e da legitimidade da

soberania popular. Concluiu não estarem presentes os requisitos para a concessão da medida

cautelar. (peça 27)

A Câmara dos Deputados limitou-se a informar que a Lei 13.165/2015 foi

processada dentro dos estritos trâmites constitucionais, legais e regimentais. (peça 30)

O Senado Federal defendeu a constitucionalidade da “janela partidária” prevista

no art. 22-A–III da Lei 9.096/1995. Alega que a regra permite a migração partidária sem

fazer distinção entre partido preexistente e partido novo. Afirma que:

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(…) Vedar completamente a migração para partidos existentes e permitir semqualquer restrição a migração para partidos novos configura favorecimento indevido quereduz a densidade democrática do sistema político, na medida em que

1) transfere direito de representação conquistado nas urnas por partidos preexistentespara partidos novos;

2) promove a proliferação dos partidos e uma fragmentação deletéria da representação.

O Senado Federal entendeu que a permissão de desfiliação para filiação a partido

novo configura privilégio absolutamente incompatível com o princípio democrático, bem

como que a proliferação de partidos políticos configura grave risco ao funcionamento do

sistema político democrático. Lembrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é

firme no sentido de não haver direito adquirido a regime jurídico. Pediu o indeferimento da

medida cautelar, o não conhecimento da ação e, subsidiariamente, a improcedência do

pedido. (peça 32)

Em 11.11.2015, o Ministro relator deferiu parcialmente a medida cautelar, ad

referendum do Plenário, “para determinar a devolução do prazo integral de 30 (trinta) dias

para detentores de mandatos eletivos filiarem-se aos novos partidos registrados no TSE

imediatamente antes da entrada em vigor da Lei nº 13.165/2015” (peça 33). A decisão

recebeu a seguinte ementa:

Direito eleitoral. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 13.165/2015. Exclusão dacriação de partido novo como hipótese de justa causa para desfiliação partidária.Plausibilidade jurídica da alegação de violação à legítima expectativa de partidos criadosaté a data da entrada em vigor da lei. Periculum in mora configurado. Medida cautelardeferida ad referendum do Plenário.

1. O artigo 22-A da Lei nº 9.096/1995, introduzido pela Lei nº 13.165, de 29 de setembrode 2015 (minirreforma eleitoral de 2015), excluiu, a contrario sensu, a criação de novalegenda como hipótese de justa causa para a desfiliação, sem perda de mandato porinfidelidade partidária.

2. Forte plausibilidade jurídica na alegação de inconstitucionalidade, por violação aoprincípio da segurança jurídica, da incidência da norma sobre os partidos políticosregistrados no TSE até a entrada em vigor da Lei nº 13.165/2015, cujo prazo de 30 diaspara as filiações de detentores de mandato eletivo ainda estava transcorrendo.

3. Perigo na demora igualmente configurado, já que o dispositivo impugnado estabeleceobstáculos ao desenvolvimento das novas agremiações. A norma inviabiliza a imediatamigração de parlamentares eleitos aos partidos recém-fundados e, assim, impede queestes obtenham representatividade, acesso proporcional ao fundo partidário e ao tempode TV e rádio (cf. julgamento das ADIs 4.430 e 4.795).

4. Concessão de medida cautelar, ad referendum do Plenário, para determinar adevolução do prazo integral de 30 (trinta) dias para detentores de mandatos eletivosfiliarem-se aos novos partidos registrados no TSE imediatamente antes da entrada emvigor da Lei nº 13.165/2015.

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(decisão monocrática na ADI 5398, Relator Ministro ROBERTO BARROSO,DJe 12.11.2015)

A Mesa do Senado Federal interpôs agravo regimental, afirmando que o

deferimento da medida cautelar implica grave periculum in mora reverso. No mérito, repisou

as teses apresentadas nas informações. (peça 44)

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não conhecimento da ação e, no

mérito, pela improcedência do pedido. Alegou não ser dado ao Poder Judiciário, por meio da

técnica da interpretação conforme a Constituição, atuar como legislador positivo, incluindo

hipótese de justa causa para desfiliação incompatível com a vontade do legislador. No mérito,

sustentou que as alterações legislativas promovidas pela Lei 13.165/2015 não ofendem os

direitos constitucionais à liberdade de criação de partidos políticos, nem à democracia

representativa e pluripartidária. Disse que houve opção legislativa por dar maior importância

à fidelidade partidária. Afirmou que “a possibilidade de desfiliação partidária pode gerar

distorções em relação à vontade popular expressa nas ruas”. No tocante à alegada ofensa a

direito adquirido e à segurança jurídica, lembrou do caráter precário da Resolução TSE

22.610/2007, reconhecido na ADI 3999/DF, e da jurisprudência do Supremo Tribunal no

sentido de não haver direito adquirido a regime jurídico. (peça 46)

Em 9.3.2018, o processo foi incluído na pauta de julgamento do dia 12.4.2018.

Embora a decisão monocrática proferida em novembro de 2015 tenha determinado vista

vista ao Procurador-Geral da República, o processo foi remetido à PGR para manifestação

somente em 6.4.2018.

II

Este é o teor do dispositivo impugnado:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justacausa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente asseguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

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III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazode filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, aotérmino do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)(grifei)

Antes do advento da Lei 13.165/2015, considerava-se justa causa para a

desfiliação partidária a criação de novo partido, nos termos da Resolução TSE 22.610/2007,

que disciplinou o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação

partidária:

Art. 1º – O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decreta-ção da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causal.

§1º – Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação parcial.(grifei)

Tal resolução foi editada em observância à decisão do Supremo Tribunal Federal

nos Mandados de Segurança 26.602/DF, 26.603/DF e 26.604/DF, quando afirmou que “o

abandono de legenda enseja a extinção do mandado do parlamentar, ressalvadas situações

específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem

definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral” (MS 26602, Relator

Ministro EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe 17.10.2008).

Cumpre lembrar que, no julgamento dos referidos mandado de segurança, o STF

vinculou o mandato eletivo aos partidos políticos e às coligações, como decorrência do

sistema proporcional e da exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade,

contida no art. 14-§3º-V da Constituição. Apesar de ter reduzido o espaço de movimentação

interpartidário dos parlamentares, reconhecendo os severos efeitos decorrentes da desfiliação

partidária promovida sem justa causa, como a perda de mandato por desligamento da sigla e

o restabelecimento do direito desta à cadeira que conquistou na disputa eleitoral, a Corte

assentou a possibilidade de desligamento do parlamentar de sua sigla originária sem sanção

em casos excepcionais, a serem compreendidos com restrição.

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal afirmou a constitucionalidade da

Resolução TSE 22.610/2007, afastando a tese de usurpação de competência legislativa.

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Ressaltou que a resolução surgiu “em contexto excepcional e transitório, tão-somente como

mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder

Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar”

(ADI 3999, Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJe 17.4.2009).

Em 2011, o Tribunal Superior Eleitoral definiu que o prazo para a filiação no

novo partido, na hipótese de desfiliação partidária com justa causa prevista no art. 1º-§1º-II

da Resolução TSE 22.610/2007, seria de trinta dias contados do registro do estatuto partidário

pelo TSE.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal mitigou o entendimento que vinculava o

mandato eletivo aos partidos políticos, reconhecendo que os deputados federais que

migrassem para partido novo levariam a representatividade para a nova legenda, para fins de

acesso proporcional ao tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na

televisão. Apoiou-se, para tanto, no princípio da liberdade de criação e transformação de

partidos políticos (art. 17 da CR), bem como na necessidade de se conferir às hipóteses de

criação de nova legenda tratamento semelhante ao conferido aos casos de fusão e

incorporação de partidos (art. 47-§4º Lei 9.504/1997). Nesse sentido, vale conferir o seguinte

trecho da ementa do acórdão proferido na ADI 4430/DF:

6. Extrai-se do princípio da liberdade de criação e transformação de partidospolíticos contido no caput do art. 17 da Constituição da República o fundamentoconstitucional para reputar como legítimo o entendimento de que, na hipótese decriação de um novo partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional aorádio e à televisão, leva consigo a representatividade dos deputados federais que,quando de sua criação, para ela migrarem diretamente dos partidos pelos quaisforam eleitos. Não há razão para se conferir às hipóteses de criação de nova legendatratamento diverso daquele conferido aos casos de fusão e incorporação de partidos (art.47, §4º, Lei das Eleições), já que todas essas hipóteses detêm o mesmo patamarconstitucional (art. 17, caput, CF/88), cabendo à lei, e também ao seu intérprete,preservar o sistema. Se se entende que a criação de partido político autoriza amigração dos parlamentares para a novel legenda, sem que se possa falar eminfidelidade partidária ou em perda do mandato parlamentar, essa mudançaresulta, de igual forma, na alteração da representação política da legendaoriginária. Note-se que a Lei das Eleições, ao adotar o marco da última eleição paradeputados federais para fins de verificação da representação do partido (art. 47, §3º, daLei 9.504/97), não considerou a hipótese de criação de nova legenda. Nesse caso, o quedeve prevalecer não é o desempenho do partido nas eleições (critério inaplicável aosnovos partidos), mas, sim, a representatividade política conferida aos parlamentares quedeixaram seus partidos de origem para se filiarem ao novo partido político, recém criado.Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de criação departidos políticos (art. 17, caput, CF/88) e, por outro, a representatividade dopartido que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância como sistema de representação proporcional brasileiro.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5398/DF 7

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7. Continência entre os pedidos da ADI nº 4.430 e da ADI nº 4.795. Uma vez que seassenta a constitucionalidade do § 6º do art. 45 da Lei 9.504/97 e que o pedido maior,veiculado na ADI nº 4.430, autoriza o juízo de constitucionalidade sobre os váriossentidos do texto impugnado, inclusive aquele referido na ADI nº 4.795, julga-separcialmente procedente o pedido da ADI nº 4.430, no sentido de i) declarar ainconstitucionalidade da expressão “e representação na Câmara dos Deputados” contidana cabeça do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97 e ii) dar interpretação conforme àConstituição Federal ao inciso II do § 2º do art. 47 da mesma lei, para assegurar aospartidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados,o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propagandaeleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dosdeputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais forameleitos para a nova legenda no momento de sua criação. Por conseguinte, ficaprejudicado o pedido contido na ADI nº 4.795.(ADI 4430, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe 19.9.2013) (grifei)

O entendimento assentado naquela oportunidade restringiu-se à desfiliação para

migração a partido recém-criado. O Ministro relator asseverou que “situação diversa é

aquela em que parlamentares migram de seus partidos de origem para agremiações que já

tenham participado de pleitos anteriores. Nessas hipóteses, embora o deputado possa manter

seu mandato, caso seja reconhecida a justa causa para a troca de partido, não há

transferência de representatividade, pois não se trata de alteração partidária decorrente da

criação de partido novo, reconhecida e estimulada constitucionalmente, mas, sim, de casos

pessoais e individuais de troca de partido”.

Em 2015, sobreveio a Lei 13.165, que estabeleceu como hipóteses de justa causa

para a desfiliação partidária “somente” (i) a mudança substancial ou desvio reiterado do

programa partidário, (ii) a grave discriminação política pessoal e (iii) a mudança de partido

efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para

concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente (hipótese

conhecida como “janela partidária”). Não previu, portanto, a possibilidade legal de

desfiliação partidária para filiação a partido novo até então assegurada pela Resolução TSE

22.610/2007. Daí, a insurgência do partido autor.

A expressão “somente as seguintes hipóteses” contida no parágrafo único do

art. 22-A da Lei 9.096/1995 não pode excluir as previsões constitucionais explícitas e

implícitas de desfiliação partidária sem sanção. Como hipótese constitucional explícita, que

não está amparada pelo art. 22-A da Lei 9.096/1995, ressalta-se a possibilidade de filiação a

outro partido, sem perda de mandato, prevista no art. 17-§5º da CR, incluído pela Emenda

Constitucional 97/2017:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5398/DF 8

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Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitosfundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional;

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governoestrangeiros ou de subordinação a estes;

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

(…) §3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio eà televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:(Redação dadapela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, comum mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou (Incluídopela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menosum terço das unidades da Federação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de2017)

(…) §5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º desteartigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, aoutro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para finsde distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo derádio e de televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)(grifei)

A desfiliação para filiação a partido político novo é, por sua vez, possibilidade

constitucional implícita, que decorre dos princípios democrático, do pluralismo político e,

especialmente, da livre criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos (art. 17-

caput da CR).

Na linha do que disse o Ministro DIAS TOFFOLI na ADI 4430/DF, os partidos

políticos são os principais entes pluralistas e podem ser tidos como o próprio fundamento da

República Federativa do Brasil previsto no art. 1º-V da CR (pluralismo político). A relevância

do pluripartidarismo e a exigência da democratização do poder político conduzem à

necessidade de se estimular não apenas a formação, mas também a permanência e o

desenvolvimento das agremiações partidárias. A propósito, estes os trechos do voto condutor

da ADI 4430/DF:

A minha conclusão é que, no nosso sistema proporcional, não há como afirmar,simplesmente, que a representatividade política do parlamentar está atrelada à legendapartidária para a qual foi eleito, ficando, em segundo plano, a legitimidade da escolhapessoal formulada pelo eleitor por meio do sufrágio.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5398/DF 9

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Pelo contrário, em razão das características próprias do sistema de listas abertas,diversas daquelas das listas fechadas, o voto amealhado dá prevalência à escolha pessoaldo candidato pelo eleitor, em detrimento da proposta partidária.

(…) Desse modo, embora a filiação partidária seja condição de elegibilidade (art.14, §3º, V, CF/88), não se admitindo candidaturas avulsas, o voto só na legendapartidária é apenas uma faculdade do eleitor (art. 176 do Código Eleitoral), opçãoexercida por uma pequena minoria de eleitores. Conquanto se faculte a possibilidade dovoto de legenda, a verdade é que o voto do eleitor brasileiro, mesmo nas eleiçõesproporcionais, em geral, se dá em favor de determinado candidato.

(…) Bem por isso, o “peso” do parlamentar, eleito nominalmente, deve serconsiderado, sim, para fins de representatividade, no caso de criação de novo partidopolítico para o qual migrou o deputado (assim como nos casos de fusão e deincorporação).

(…) Na atualidade, são os partidos políticos os principais entes pluralistas.Consectárias diretas do pluralismo, as agremiações partidárias constituemfundamento próprio da República Federativa do Brasil, conforme inscrito no art.1º, V, da Lei Fundamental.

Mereceram, por isso, na Constituição de 1988, atenção e disciplina especial,tendo-se destacado sua relevância no processo eleitoral, estabelecendo-se, inclusive,como condição de elegibilidade a filiação partidária (CF, art. 17).

A Carta da República consagra, ademais, logo na cabeça do art. 17 da CartaMaior, a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,limitada essa liberdade à necessidade de resguardar os valores da soberania popular,do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoahumana. Vide: (…).

Tal inovação não passou despercebida nos debates da Assembleia NacionalConstituinte. Nas palavras do Deputado Francisco Rossi:

“Por oportuno, lembramos, nossa proposta contempla apossibilidade da livre criação de partidos. Essa medida,fundamental na construção de uma sociedade democrática e pluralista,harmoniza-se, de forma incontestável, com a criação dos distritos e, nestes,com o voto majoritário e proporcional, elementos essenciais para a ativaçãodo processo de criação de agremiações partidárias.”

(…) Se o processo eleitoral deve representar o instrumento mediante o qual asdiversas e variáveis alternativas políticas, sociais e econômicas são apresentadas aoconjunto de eleitores, que apontarão suas preferências com o exercício do sufrágio, sãoos partidos políticos, nesse contexto, que viabilizam o aporte de ideias plurais.

Como salienta Fávila Ribeiro, o partido político, em consonância com opostulado do pluralismo político,

“[c]orresponde antes de tudo a uma exigência da democratização do poderpolítico de modo a que se possa refletir a pluralidade de opiniões noambiente da sociedade, tornando possível o pacífico revezamento dasinvestiduras governamentais aplicando o método da determinação aritméticadas tendências majoritárias” (op. cit. p. 222).

Daí a relevância do pluripartidarismo e do estímulo constitucional àformação e ao desenvolvimento das agremiações partidárias como sujeitos doprocesso eleitoral.

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(…) Extraio, portanto, do princípio da liberdade de criação e transformação departidos, contido no caput do art. 17 da Constituição da República, o fundamentoconstitucional para reputar como legítimo o entendimento de que, na hipótese de criaçãode um novo partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional ao rádio e àtelevisão, leva consigo a representatividade dos deputados federais que para elamigraram diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos.

Destaque-se que não se está a falar apenas em liberdade abstrata de criação,no sentido formal de não se estabelecerem obstáculos a sua formação, mas, especial-mente, no seu sentido material de viabilizar a permanência e o desenvolvimentodessas novas agremiações.(grifei)

O Poder Legislativo tentou dificultar a criação e o desenvolvimento de partidos

políticos novos com apoio no singelo argumento de que “a proliferação de partidos políticos

constitui grave risco ao funcionamento do sistema político democrático” (página 8/11 das

informações do Senador Federal). A manifestação apresentada pelo PPS nestes autos

confirma que a intenção do legislador de não incluir a criação de nova legenda como justa

causa para a desfiliação partidária teve respaldo nesse argumento:

A ideia de suprimir a filiação em nova legenda como uma das situações queconfigurariam a justa causa para mudança de partido sem perda de mandato surgiu noSenado Federal, quando aquela Casa debatia o Projeto de Lei da Câmara nº 75, de 2015,que deu origem à Lei nº 13.165/2015. Naquela oportunidade, o Senador Roberto Rocha(PSB/MA) apresentou perante a Comissão Especial encarregada de analisar a matéria aEmenda nº 20, com a seguinte justificativa, no que ora interessa:

“(...) Cumpre anotar, ademais, que apesar dos propósitos nobres queorientaram a decisão do TSE a esse respeito, a normatividade que delaresultou veio a implicar o surgimento de diversos partidos políticos, algunsdeles criados com o propósito especial de ensejar a oportunidade para queagentes políticos mudassem de partido, em processo que resultou navigente pulverização do quadro partidário. (...)” (destacamos e grifamos)

Embora a Emenda não tenha sido acolhida pelo Relator, Senador Romero Jucá(PMDB/RR), no âmbito da Comissão Especial de Reforma Política, o Senador RobertoRocha reapresentou a proposta perante o Plenário do Senado, por meio da Emenda dePlenário nº 28, que restou aprovada por 38 votos contra 34. Ato contínuo, a alteraçãopromovida pelo Senado foi mantida pela Câmara dos Deputados.

Resta claro, portanto, que a exclusão da previsão de criação de novo partidocomo hipótese de justa causa para a desfiliação resultou de uma clara, expressa elegítima opção legislativa do Congresso Nacional, incomodado que estava com o“surgimento de diversos partidos políticos, alguns deles criados com o propósitoespecial de ensejar a oportunidade para que agentes políticos mudassem de partido”,conforme exposto na justificativa apresentada pelo autor da Emenda.(grifos no original)

A imposição de barreiras ou de medidas que possam dificultar o regular

desenvolvimento e fortalecimento de partidos políticos novos vão de encontro com os

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princípios da livre criação de partidos políticos e do pluralismo político. Se as novas

agremiações não puderem receber parlamentares detentores de mandato eletivo,

imediatamente após o registro no TSE, não terão, até o advento da “janela partidária” prevista

no art. 22-A–III da Lei 9.096/1995, acesso ao tempo de acesso gratuito a rádio e televisão,

nem ao Fundo Partidário, e tampouco poderão ajuizar ação direta de inconstitucionalidade

(art. 103-VIII da CR) ou impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5º-LXX da CR).

Ficarão impedidas, ainda, de, desde a sua criação, obter funcionamento parlamentar.

A solução aqui defendida não implica ofensa ao princípio da isonomia, que

pressupõe identidade de situação fática e jurídica – não configurada entre partidos políticos

novos e agremiações já existentes. Não por outro motivo, no julgamento da ADI 4430/DF, o

Supremo Tribunal Federal distinguiu a situação dos partidos políticos recém-criados daqueles

que já tenham participado de eleição:

Prestigiando a Constituição da República, o pluralismo político e o nascimentode novas legendas, não é consonante com o espírito constitucional retirar dosparlamentares que participarem da criação de novel partido a representatividade deseus mandatos e as benesses políticas que deles decorrem. Fazer isso seria o mesmoque dizer que os parlamentares que migram para uma nova legenda mantêm o mandatomas não mais carregam, durante toda a legislatura sequente, a representatividade quelhes conferiram seus eleitores.

Desse modo, não há “autêntica” liberdade de criação de partidos políticos senão se admite que os fundadores de uma nova agremiação que detenham mandatoparlamentar possam contar com sua representatividade para a divisão do tempo depropaganda. Permitir que isso ocorra significa desigualar esses parlamentares de seuspares.

Cumpre observar, ademais, que a Lei das Eleições, ao adotar o marco da últimaeleição para deputado federal para fins de verificação da representação do partido (art.47, § 3o , da Lei 9.504/97), não considerou a hipótese de criação de nova legenda.

Essa limitação somente faz sentido quando aplicada aos partidos políticosque já tenham participado de eleição e não tenham logrado eleger representantes naCâmara dos Deputados. Situação bastante distinta é a daqueles partidos políticoscriados após finda a eleição e que, por óbvio, dela não participaram.(grifei)

A hipótese de desfiliação partidária, sem perda de mandato, para filiação a partido

político novo não configura, portanto, privilégio indevido. É, na verdade, permissão

constitucional implícita, que independe das previsões legais de justa causa.

Diante de todo o exposto, verifica-se estar configurado o fumus boni juris para a

concessão da medida cautelar no tocante à controvérsia quanto à constitucionalidade da

exclusão da criação de novo partido político como justa causa para a desfiliação partidária.

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Ademais, é dado sustentar a presença do periculum in mora. Segundo

informações do sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, o Partido da Mulher Brasileira

teve o seu registro deferido em 29.9.20151, exatamente na data que a Lei 13.165/2015 entrou

em vigor. Além disso, há setenta e três partidos políticos em formação no Brasil2, que podem,

a qualquer momento, cumprir os requisitos e ter o seu registro deferido pelo TSE.

Presentes os requisitos autorizadores da medida cautelar, ela deve ser concedida

pelo Plenário em maior extensão do que a deferida pelo Ministro relator.

III

Como já informado, o Ministro relator deferiu a medida cautelar para devolver o

prazo integral de trinta dias para que detentores de mandatos eletivos pudessem se filiar aos

partidos políticos registrados no TSE imediatamente antes da entrada em vigor da Lei

13.165/2015. Entendeu configurada a plausibilidade jurídica do direito no que se refere à

ofensa ao princípio da segurança jurídica, a direito adquirido e às legítimas expectativas das

agremiações recém-fundadas. Afirmou que “eventuais alterações legislativas não podem

pretender desconstituir um direito subjetivo cujo ciclo aquisitivo já se consumou,

integrando-se ao patrimônio de seu titular”.

Não se desconhece a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no

sentido de não haver direito adquirido a regime jurídico. Ela não é, contudo, aplicável na

espécie.

Como dito, a possibilidade de desfiliação, sem perda de mandato, para posterior

filiação a partido novo, no prazo de trinta dias do registro deste no TSE, tem como

fundamento os princípios constitucionais da livre criação de partidos políticos e do

pluralismo político. Decorre, portanto, da Constituição, independentemente de previsão

expressa em lei ordinária.

De todo modo, a situação de partidos políticos recém-criados, que ainda estavam

dentro do prazo de trinta dias para receberem parlamentares detentores de mandato eletivo,

quando do advento da Lei 13.165/2015, foi resolvida e esgotada pela devolução do prazo de

1 http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse (acessado em 9.4.2018)2 http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/criacao-de-partido/partidos-em-formacao (acessado em

9.4.2018)

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trinta dias pela medida cautelar concedida em novembro de 2015. A alteração dessa

providência neste momento, em que, lembre-se, recém se esgotou o prazo da “janela

partidária” prevista no art. 22-A–III da Lei 9.096/1995, resultará em maior insegurança

jurídica e instabilidade das instituições que receberam detentores de mandato durante o prazo

devolvido pela medida cautelar.

Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República opina não apenas pela ratificação

da medida cautelar deferida pelo Ministro relator, mas por sua concessão em maior extensão,

para que se reconheça a estatura constitucional da possibilidade de desfiliação, sem perda de

mandato, fundada na criação de novo partido político.

Brasília, 9 de abril de 2018.

Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República

RP

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