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PGR Medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 39/DF N o 153.041/2016-AsJConst/SAJ/PGR Medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 39/DF Relator: Ministro Luiz Fux Requerentes: Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços e Turismo (CNC) e outro Interessados: Presidente da República Congresso Nacional CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL. AÇÃO DE- CLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. DE- CRETO 2.100/1996. DENÚNCIA DA CONVENÇÃO 158 DA OIT. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL (LEI 9.866/1999, ART. 14, III). CARÊNCIA DE AÇÃO. TRATADO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. CON- CRETIZAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS. ART. 7 o , I, DA CONSTITUIÇÃO. CARÁTER CONSTITUCIONAL OU, NO MÍNIMO, SUPRALEGAL. PRECEDENTES. REVOGA- ÇÃO SÓ POR ATO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INVIABILIDADE. 1. Sem demonstração de controvérsia judicial relevante (art. 14, III, da Lei 9.868/1999), é incabível ação declaratória de consti- tucionalidade, por falta de interesse de agir. Precedentes. 2. Por força do art. 5 o , § 2 o , da Constituição da República, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui estatura de tratado de direitos humanos. A natureza constitucional dos tratados de direitos humanos inviabiliza sua supressão da ordem interna mediante ato unilateral do Poder Executivo. 3. Atos do Poder Executivo não podem privar normas constitu- cionais ou, no mínimo, supralegais, de validade nem de eficácia, 1 Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 01/07/2016 16:33. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código A37950BE.3290C525.67E76FEF.7B231E0D

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PGR Medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 39/DF

No 153.041/2016-AsJConst/SAJ/PGR

Medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 39/DFRelator: Ministro Luiz FuxRequerentes: Confederação Nacional do Comércio de Bens e

Serviços e Turismo (CNC) e outroInteressados: Presidente da República

Congresso Nacional

CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL. AÇÃO DE-CLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. DE-CRETO 2.100/1996. DENÚNCIA DA CONVENÇÃO 158DA OIT. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL (LEI9.866/1999, ART. 14, III). CARÊNCIA DE AÇÃO. TRATADOINTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. CON-CRETIZAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS. ART. 7o, I, DACONSTITUIÇÃO. CARÁTER CONSTITUCIONAL OU,NO MÍNIMO, SUPRALEGAL. PRECEDENTES. REVOGA-ÇÃO SÓ POR ATO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.INVIABILIDADE.

1. Sem demonstração de controvérsia judicial relevante (art. 14,III, da Lei 9.868/1999), é incabível ação declaratória de consti-tucionalidade, por falta de interesse de agir. Precedentes.

2. Por força do art. 5o, § 2o, da Constituição da República, aConvenção 158 da Organização Internacional do Trabalho(OIT) possui estatura de tratado de direitos humanos. A naturezaconstitucional dos tratados de direitos humanos inviabiliza suasupressão da ordem interna mediante ato unilateral do PoderExecutivo.

3. Atos do Poder Executivo não podem privar normas constitu-cionais ou, no mínimo, supralegais, de validade nem de eficácia,

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de modo que a denúncia da Convenção 158 da OIT, por meiodo Decreto 2.100/1996, teve foro de mera aparência, pois conti-nua em vigor a convenção na ordem normativa interna.

4. Parecer, sucessivamente, por indeferimento da petição inicial,por indeferimento das medidas cautelares e, no mérito, por im-procedência do pedido.

1. RELATÓRIO

Trata de ação declaratória de constitucionalidade (ADC),

com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Confederação Naci-

onal do Comércio de Bens e Serviços e Turismo (CNC) e pela

Confederação Nacional do Transporte (CNT), tendo por objeto o

Decreto 2.100, de 20 de dezembro de 1996, que denunciou a

Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Sustentam as autoras que o STF já reconheceu tacitamente a

constitucionalidade do ato de denúncia da Convenção 158,

quando extinguiu sem julgamento de mérito a ação direta de in-

constitucionalidade 1.480/DF, em que se pleiteava declaração de

inconstitucionalidade do ato normativo internacional, por consi-

derar que sua denúncia implicou perda de objeto da ação de con-

trole concentrado.

Alegam que, ainda assim, paira relevante controvérsia judicial

em torno da constitucionalidade do ato de denúncia, tendo em

vista que no julgamento em curso da ADI 1.625/DF, na qual se

pleiteia reconhecimento de inconstitucionalidade formal do

mesmo decreto presidencial, por ausência do concurso de vontade

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do Congresso Nacional, já existem três votos favoráveis à tese da

inconstitucionalidade, dos Ministros MAURÍCIO CORRÊA, AYRES

BRITTO e JOAQUIM BARBOSA (hoje falecido o primeiro e aposenta-

dos os demais). Sustentam que esses votos contrariam a decisão ex-

tintiva da ADI 1.480/DF. Para demonstrar a controvérsia judicial,

apontam que “o sítio virtual do Tribunal Superior do Trabalho

(TST) vem apresentando a Convenção 158 da OIT como alicerce

para justificar a necessidade de convenção coletiva para a demissão

em massa”, o que ensejaria situação de insegurança jurídica, pois

“declaração de inconstitucionalidade da Convenção 158 da OIT

implicará em vilipêndio desta Egrégia Corte sobre a mesma situa-

ção [...]”. Aduzem que reconhecimento de inconstitucionalidade

da denúncia da convenção e sua consequente reinserção no orde-

namento jurídico nacional causaria “infortúnios sistêmicos de pro-

porções catastróficas, em especial nos momentos de crise

econômica”.

Quanto ao mérito propriamente dito, defendem a constituci-

onalidade do ato de denúncia de convenção internacional por ato

unipessoal do Presidente da República, com assento no art. 84,

VIII, da Constituição. Entendem que o art. 49, I, da Constituição,

não se aplica à ratificação da Convenção 158, “visto que tal norma

objetiva disciplinar as relações de direito privado entre empre-

gados e empregadores”, e que, conforme voto do Ministro

NELSON JOBIM na ADI 1.625/DF, o chefe do Executivo, na condi-

ção de chefe de estado, possui competência para denunciar trata-

dos, convenções e atos internacionais, de acordo com precedentes

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firmados nos recursos extraordinários 229.096/RS e 543.943/PR.

Com doutrina de FRANCISCO REZEK, sustentam que o ânimo nega-

tivo da Presidência da República quanto à continuidade de vigên-

cia da convenção internacional, no âmbito interno, é suficiente

para suprimir uma das bases em que se apoiava o consentimento

do estado na ratificação do ato normativo.

Segundo as requerentes, a presunção de constitucionalidade

do decreto ainda se reforça pelo fato de o Presidente da República

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA haver novamente submetido ao Con-

gresso Nacional proposta de ratificação da Convenção 158, em 14

de fevereiro de 2008, além de que a própria OIT considera válida

e eficaz a denúncia comunicada pelo Brasil.

Expõem precedentes de normas internacionais que teriam

sido denunciadas unipessoalmente pela Presidência da República e

pleiteiam, de forma cautelar: (i) apensamento da ação à ADI

1.625/DF, para julgamento conjunto, por dependência lógica entre

seus objetos, e (ii) suspensão do julgamento da ADI 1.625/DF, que

almeja declaração de inconstitucionalidade do Decreto

2.100/1996, até julgamento definitivo desta ação. Requerem de-

claração de constitucionalidade do ato normativo que denunciou a

Convenção 158 da OIT.

Em despacho na peça 37 do processo eletrônico, o ministro

relator adotou o rito célere do art. 12 da Lei 9.868, de 10 de no-

vembro de 1999, solicitou informações aos requeridos e manifes-

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tação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da

República.

Por meio da mensagem 312/2016, a Presidência da Repú-

blica apresentou informações (peça 40), sustentando a constitucio-

nalidade da denúncia da convenção e requerendo procedência do

pedido.

A Advocacia-Geral da União (peça 42) apresentou defesa do

ato normativo.

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República.

É o relatório.

2. DISCUSSÃO

2.1. DESCABIMENTO DA AÇÃO: AUSÊNCIA DE

CONTROVÉRSIA JUDICIAL E DE INTERESSE DE AGIR

A ação não merece conhecimento, pois as requerentes não

demonstraram controvérsia judicial em torno da constitucionali-

dade do Decreto 2.100, de 20 de dezembro de 1996, de modo a

configurar estado de incerteza sobre a legitimidade do ato norma-

tivo.

Ao pleitear suspensão da ADI 1.625/DF, com idêntico objeto,

para julgamento anterior desta demanda, as autoras evidenciam

propósito censurável de reiniciar a discussão da matéria, com nítida

finalidade de frustrar os votos contrários à sua tese, já apresentados

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por ministros naquela ADI, em violação ao art. 134, § 1o, do Regi-

mento Interno do Supremo Tribunal Federal.1

As autoras sustentam existência de controvérsia judicial sob

dois argumentos, basicamente: (i) no julgamento em curso da ADI

1.625/DF, em que se pleiteia reconhecimento de inconstituciona-

lidade formal do mesmo decreto, por ausência de concurso do

Congresso Nacional para denúncia da Convenção 158, já existem

três votos pela inconstitucionalidade, dos Ministros MAURÍCIO

CORRÊA, AYRES BRITTO e JOAQUIM BARBOSA, e esses votos colidiriam

com o decidido na medida cautelar na ADI 1.480/DF, que teria

reconhecido indiretamente a constitucionalidade do ato de renún-

cia; (ii) o sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

apresentando a Convenção 158 como fundamento para justificar a

necessidade de convenção coletiva para demissão em massa.

Tais argumentos não são capazes de demonstrar controvérsia

judicial relevante sobre a aplicação da norma objeto da ação decla-

ratória, como exige o art. 14, III, da Lei 9.868, de 10 de novembro

de 1999.2

Quanto ao primeiro argumento, é elementar que votos pro-

feridos por ministros do STF em julgamento em curso, como os

proferidos na ADI 1.625/DF, não constituem “decisão”, mas ele-

1 Transcrito na nota 15 deste parecer.2 “Art. 14. A petição inicial indicará:

I – o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentosjurídicos do pedido;II – o pedido, com suas especificações;III – a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação dadisposição objeto da ação declaratória.”

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mentos de ato decisório complexo que pende de aperfeiçoamento

na forma regimental. São incapazes de concorrer com decisões ju-

diciais, para caracterizar controvérsia jurisdicional.

Se se tratasse de decisões, a fortiori não haveria controvérsia,

pois a matéria estaria decidida pela Corte Suprema em controle

concentrado, com efeito vinculante. Apenas se admitiria rediscus-

são do tema em face de relevante mutação constitucional.

Também não socorre a configuração de controvérsia o ale-

gado contraste entre os votos proferidos na ADI 1.625/DF, favorá-

veis à inconstitucionalidade do Decreto 2.100/1996, e a decisão

anterior que extinguiu a ADI 1.480/DF por perda de objeto, justi-

ficada pela denúncia à Convenção 158.3 Esta decisão, por sua pró-

pria natureza, não adentrou em análise de constitucionalidade do

ato normativo sobre o qual se assenta a denúncia; pautou-se exclu-

sivamente na presunção de sua constitucionalidade, como atributo

inerente a toda norma jurídica.

3 Trecho da decisão do relator da ADI 1.480/DF, que extinguiu o processosem julgamento de mérito, por perda superveniente de objeto: “Vê-se,portanto, que a Convenção no 158/OIT não mais se acha incorporada aosistema de direito positivo interno brasileiro, eis que, com a denúncia,deixou de existir o próprio objeto sobre o qual incidiram os atos estatais –Dec. Legisl. 68/92 e 1855/96 – questionados nesta sede de controleconcentrado de constitucionalidade, não mais se justificando, por issomesmo, a subsistência deste processo de fiscalização abstrata,independentemente da existência, ou não, no caso, de efeitos residuaisconcretos gerados por aquelas espécies normativas. [...] sendo assim, etendo em consideração as razões expostas, julgo extinto este processo decontrole abstrato de constitucionalidade, em virtude da perdasuperveniente de seu objeto” (STF. Plenário. ADI 1.480/DF. Relator:Ministro CELSO DE MELLO. 26 jun. 2001, decisão monocrática. Diário daJustiça, 8 ago. 2001, p. 3).

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Dessa presunção não se infere nenhuma “declaração indireta

de constitucionalidade” do Decreto 2.100/1996, como pretendem

as autoras.

Somente com ajuizamento da ADI 1.625/DF é que se impôs

a necessidade de pronunciamento do STF acerca da matéria. Esse

questionamento, por si, não caracteriza controvérsia judicial nem

os votos ali proferidos são aptos a ensejar estado de incerteza sobre

a presunção de legitimidade da norma jurídica, a justificar ajuiza-

mento desta ação. Tratar como controvérsia judicial a diversidade

de entendimentos entre ministros da corte, no curso de julga-

mento colegiado, para justificar ajuizamento de outra demanda

voltada a solucionar a alegada controvérsia, soa, no mínimo, insen-

sato.

Quanto ao segundo argumento voltado a caracterizar a con-

trovérsia judicial, sustentam que o sítio eletrônico do TST apre-

senta a Convenção 158 da OIT como base para justificar

necessidade de convenção coletiva no caso de demissão em massa.

Conforme o art. 14, III, da Lei 9.868/1999, cabe ao autor da

ação declaratória de constitucionalidade indicar na petição inicial a

controvérsia judicial que o legitima ao exercício da ação. Segundo

GILMAR MENDES, a demonstração dessa controvérsia constitui espé-

cie de “legitimação para agir in concreto, que se relaciona com a

existência de um estado de incerteza gerado por dúvidas ou con-

trovérsias sobre a legitimidade da lei”.4 Apresentação de controvér-

4 MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de Direito Constitucional. 10. ed.;São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1.187.

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sia capaz de ensejar estado de insegurança jurídica acerca da legiti-

midade da norma constitui verdadeiro requisito de admissibilidade

da ação declaratória de constitucionalidade.

Ao julgar questão de ordem na ADC 1/DF, relator o Minis-

tro MOREIRA ALVES, ainda antes da Lei 9.868/1999, essa corte já

firmara o entendimento de que, para caracterizar interesse objetivo

de agir por parte dos legitimados para a ADC, é necessário expor

controvérsia judicial em controle difuso de constitucionalidade, ca-

paz de pôr em risco a presunção de legitimidade da norma, com

demonstração de argumentos a favor da constitucionalidade e

contra ela, a fim de a corte conhecer esses argumentos e pacificar a

controvérsia. É o que se extrai do seguinte excerto do julgado:

[...] é também inteiramente improcedente a alegação de queessa ação converteria o Poder Judiciário em legislador,tornando-o como que órgão consultivo dos PoderesExecutivo e Legislativo. Essa alegação não atenta para acircunstância de que, visando a ação declaratória deconstitucionalidade à preservação da presunção deconstitucionalidade do ato normativo, é ínsito a essa ação,para caracterizar-se o interesse objetivo de agir porparte dos legitimados para propô-la, que preexistacontrovérsia que ponha em risco essa presunção, e,portanto, controvérsia judicial no exercício docontrole difuso de constitucionalidade, por ser esta quecaracteriza inequivocamente esse risco. Dessa controvérsia,que deverá ser demonstrada na inicial, afluem,inclusive, os argumentos pró e contra aconstitucionalidade, ou não, do ato normativo emcausa, possibilitando a esta Corte o conhecimentodeles e de como têm sido eles apreciadosjudicialmente. Portanto, por meio dessa ação, o SupremoTribunal Federal uniformizará o entendimento judicial sobrea constitucionalidade, ou não, de um ato normativo federal

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em face da Carta Magna, sem qualquer caráter, pois, deórgão consultivo de outro Poder, e sem que, portanto, atue,de qualquer modo, como órgão de certa forma participantedo processo legislativo. Não há, assim, evidentemente,qualquer violação ao princípio da separação de Poderes.5

Como requisito de legitimação ou de interesse para agir, a

controvérsia judicial justificadora da ADC deve ser comprovada

por pronunciamentos de órgãos jurisdicionais que neguem ou lan-

cem dúvidas severas sobre a legitimidade da norma. Sem essa de-

monstração de incerteza, o pronunciamento jurisdicional acerca da

constitucionalidade da norma toma caráter meramente consultivo,

despido de interesse processual, tendo em vista a presunção de

constitucionalidade que as normas em geral já detêm, conforme

procedente na ADC 8/DF, relator o Min. CELSO DE MELLO, con-

forme seguinte trecho da ementa:

AÇÃO DECLARATÓRIA DECONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO OBJETIVODE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – ANECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIAJUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DEADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DECONSTITUCIONALIDADE – AÇÃO CONHECIDA.O ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade,que faz instaurar processo objetivo de controle normativoabstrato, supõe a existência de efetiva controvérsia judicialem torno da legitimidade constitucional dedeterminada lei ou ato normativo federal. Sem aobservância desse pressuposto de admissibilidade, torna-seinviável a instauração do processo de fiscalização normativain abstracto, pois a inexistência de pronunciamentosjudiciais antagônicos culminaria por converter, a

5 STF. Plenário. ADC 1/DF. Rel.: Min. MOREIRA ALVES. 1o dez. 1993,unânime. DJ, 16 jun. 1995, p. 18.213, sem destaque no original.

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ação declaratória de constitucionalidade, em uminadmissível instrumento de consulta sobre avalidade constitucional de determinada lei ou atonormativo federal, descaracterizando, por completo, aprópria natureza jurisdicional que qualifica a atividadedesenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal. [...]6

As autoras não indicaram decisão judicial alguma que infir-

masse a constitucionalidade do Decreto 2.100/1996 ou que,

mesmo de modo oblíquo, aplicasse disposições da Convenção 158

da OIT para garantir estabilidade no emprego ou para determinar

reintegração de trabalhador dispensado arbitrariamente, contra as

disposições do ato internacional, após sua denúncia pelo estado

brasileiro.

Pelo contrário, a petição inicial afirma categoricamente que

“os argumentos que fundamentam as razões da constitucionalidade

do Decreto 2100/1996 e a validade de seus efeitos, foram reconhe-

cidas pelas diversas decisões do TST, anexadas [...]” (peça 2, p. 5). Há

nos autos diversas decisões do TST que negam aplicação à Con-

venção 158 da OIT, seja por força de sua denúncia pelo Brasil, seja

por aplicação do precedente firmado na medida cautelar na ADI

1.480/DF, em que se assentou impossibilidade de a convenção

atuar como sucedâneo da lei complementar exigida pelo art. 7o, I,

da Constituição,7 conforme acórdãos nas peças 17 a 23.

Tais decisões demonstram pacífica jurisprudência trabalhista

em torno da inaplicabilidade da norma internacional, em sintonia

6 STF. Plenário. Medida cautelar na ADC 8/DF. Rel.: Min. CELSO DE MELLO.13 out. 1999, un. DJ, 4 abr. 2003, un., sem destaque no original.

7 STF. Plenário. MC/ADI 1.480/DF. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 4 set. 1997,maioria. DJ, 18 maio 2001, p. 429.

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com a presunção de legitimidade do ato objeto desta ação. O

único elemento de contraste com essa presunção, aventado na peça

inicial, diz respeito a alegada notícia veiculada no sítio eletrônico

do TST (sem referência à data de edição ou de publicação), se-

gundo a qual a corte teria firmado entendimento de que negocia-

ção coletiva é pressuposto para demissão em massa de

trabalhadores. Diz a notícia que, segundo o Juiz do Trabalho

ROGÉRIO NEIVA, “esse entendimento foi firmado pelo TST em ter-

mos de fundamentação de uma base principiológica envolvendo,

por exemplo, elementos como a dignidade da pessoa humana,

conforme o artigo primeiro, inciso 1o da Constituição, e a Con-

venção 158 da OIT” (peça 2, p. 7).

As requerentes não esclarecem sobre que decisões se assenta a

noticiada jurisprudência nem se referem aos processos judiciais ou

a outro elemento que possibilite comprovação do fato noticiado, o

que faz a informação assumir cunho apenas doutrinário.

Segundo GILMAR MENDES, “simples controvérsia doutrinária

não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a

legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não

obsta à plena aplicação da lei”.8

Por todos os ângulos em que se aprecie a questão, não se

identificam elementos mínimos de controvérsia judicial em torno

da constitucionalidade do Decreto 2.100/1996, na jurisdição ordi-

nária trabalhista ou do Tribunal Superior do Trabalho, a justificar

8 MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de Direito Constitucional. 10. ed.;São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1.187.

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ajuizamento desta ação. Revela-se ausente legitimação in concreto

ou interesse de agir das demandantes.

A situação revela típica hipótese de indeferimento da petição

inicial, por inobservância do art. 14, III, da Lei 9.868/1999.

2.2. PEDIDO DE JULGAMENTO ANTERIOR À ADI 1.625/DF:

DESCABIMENTO

Com natureza cautelar, as autoras requerem (i) apensamento

desta ação à ADI 1.625/DF, para julgamento conjunto, por depen-

dência lógica entre seus objetos; (ii) suspensão do julgamento da

ADI 1.625/DF, que trata da constitucionalidade do Decreto

2.100/1996, até julgamento definitivo desta ação.

Ainda que cabível fosse esta ADC, a reunião das ações para

julgamento conjunto não constituiria medida de natureza cautelar,

mas decorreria naturalmente nas normas processuais que tratam de

prevenção por conexão, em especial os arts. 69,9 77-B,10 12611 e

12712 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

9 “Art. 69. A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todosos processos a eles vinculados por conexão ou continência.”

10 “Art. 77-B. Na ação direta de inconstitucionalidade, na ação direta deinconstitucionalidade por omissão, na ação declaratória deconstitucionalidade e na arguição de descumprimento de preceitofundamental, aplica-se a regra de distribuição por prevenção quando hajacoincidência total ou parcial de objetos.”

11 “Art. 126. Os processos conexos poderão ser objeto de um sójulgamento.”

12 “Art. 127. Podem ser julgados conjuntamente os processos que versarem amesma questão jurídica, ainda que apresentem peculiaridades.”

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Pela mesma razão, não possui caráter cautelar nem se justifica

a segunda medida requerida pelas autoras, de suspensão da ADI

1.625/DF, para aguardar julgamento desta demanda, por ausência

de prejudicialidade da matéria jurídica aqui suscitada em relação

ao objeto da ADI, cujo julgamento em nada ameaça o resultado

útil dela.

Pelo contrário, possuindo objeto comum (o Decreto

2.100/1996), na hipótese de cabimento da ADC, as ações merece-

riam julgamento conjunto, em face da natureza dúplice da ADI e

da ADC, bem configurada no art. 24 da Lei 9.868/1999.13 Essa na-

tureza é ressaltada desde o julgamento da ADC 4/DF.14

Considerando que a ADI 1.625/DF pode ensejar resultado

idêntico ao pretendido nesta ADC, o ajuizamento desta somente

se justifica pelo propósito revelado em seu segundo pleito “caute-

lar”, de suspender a ADI 1.625/DF e reiniciar discussão da maté-

ria, com nítida finalidade de frustrar os votos favoráveis à

inconstitucionalidade da norma, já apresentados por ministros apo-

sentados. A eficácia desses votos na composição do acórdão, porém,

é garantida pelo art. 134, § 1o, do RISTF.15

13 “Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente aação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada ainconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ouimprocedente eventual ação declaratória.”

14 STF. Plenário. ADC 4/DF. Rel.: Min. SIDNEY SANCHES; redator paraacórdão: Min. CELSO DE MELLO. 1o out. 2008, maioria. DJe 213, 30 out.2014.

15 “Art. 134. Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordináriasubsequente.§ 1o Ao reencetar-se o julgamento, serão computados os votos já

14

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O julgamento da ADI 1.625/DF iniciou-se em 2 de outubro

de 2003, ocasião em que o relator, Min. MAURÍCIO CORRÊA, e o

Min. AYRES BRITTO julgaram procedente em parte o pedido e

emprestaram ao Decreto 2.100/1996 interpretação conforme ao

art. 49, I, da Constituição da República, para determinar que a

denúncia da Convenção 158 da OIT se condiciona a referendo do

Congresso Nacional, a partir do que produz eficácia plena. O

julgamento suspendeu-se por pedido de vista do Min. NELSON

JOBIM.16 Em 29 de março de 2006, apresentado o voto do Min.

NELSON JOBIM, que julgou improcedente o pedido, pediu vista o

Min. JOAQUIM BARBOSA.17 Este apresentou voto em 3 de junho de

proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixadoo exercício do cargo. [...]”.

16 “Decisão: O Tribunal, preliminarmente, não reconheceu a legitimidade daCentral Única dos Trabalhadores-CUT, vencidos os Senhores MinistrosMARCO AURÉLIO, SEPÚLVEDA PERTENCE, CEZAR PELUSO e CARLOS BRITTO. Emseguida, após os votos dos Senhores Ministros Relator e CARLOS BRITTO,que julgavam procedente, em parte, a ação para, emprestando ao Decretofederal no 2.100, de 20 de dezembro de 1996, interpretação conforme aoartigo 49, inciso I, da Constituição Federal, determinar que a denúncia daConvenção 158 da OIT condiciona-se ao referendo do CongressoNacional, a partir do que produz a sua eficácia plena, pediu vista dos autoso Senhor Ministro NELSON JOBIM. Presidência do Senhor MinistroMAURÍCIO CORRÊA. Plenário, 02.10.2003”.

17 “Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros MAURÍCIO CORRÊA

(Relator) e CARLOS BRITTO, que julgavam procedente, em parte, a açãopara, emprestando ao Decreto federal no 2.100, de 20 de dezembro de1996, interpretação conforme o artigo 49, inciso I da Constituição Federal,determinar que a denúncia da Convenção 158 da OIT condiciona-se aoreferendo do Congresso Nacional, a partir do que produz a sua eficácia, edo voto do Presidente, Ministro NELSON JOBIM, que julgava improcedente aação, pediu vista dos autos o Senhor Ministro JOAQUIM BARBOSA. Nãoparticipa da votação o Senhor Ministro EROS GRAU, por suceder ao SenhorMinistro MAURÍCIO CORRÊA, Relator. Ausentes, justificadamente, o SenhorMinistro CELSO DE MELLO e, neste julgamento, a Senhora Ministra ELLEN

GRACIE. Plenário, 29.03.2006”.

15

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2009 e julgou procedente o pedido. Pediu vista a Min. ELLEN

GRACIE.18 Por fim, em 11 de novembro de 2015, após voto-vista da

Min. ROSA WEBER, que julgou procedente o pedido, para declarar

inconstitucionalidade do decreto, pediu vista o Min. TEORI

ZAVASCKI.19 Nesse estágio se encontra o julgamento.

Ainda que houvesse controvérsia judicial a justificar

processamento da ADC, a identidade de seu objeto com o da ADI

1.625/DF determinaria julgamento conjunto das demandas, por

conexão, com respeito aos votos já proferidos na primeira ação.

Não há fundamento que justifique o pedido de suspensão da

ADI 1.625/DF.

2.3. MÉRITO

Na hipótese de se superarem as preliminares, no mérito, o

pedido de declaração de constitucionalidade do Decreto 2.100, de

20 de dezembro de 1996, como ato suficiente à denúncia da

Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, não se

18 “Decisão: Após o voto-vista do Senhor Ministro JOAQUIM BARBOSA,julgando totalmente procedente a ação direta, pediu vista dos autos aSenhora Ministra ELLEN GRACIE. Ausente, licenciado, o Senhor MinistroMENEZES DIREITO. Presidência do Senhor Ministro GILMAR MENDES.Plenário, 03.06.2009”.

19“Decisão: Após o voto-vista da Ministra ROSA WEBER, julgando totalmenteprocedente o pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade doDecreto no 2.100/1996, pediu vista dos autos o Ministro TEORI ZAVASCKI.Ausentes, justificadamente, o Ministro CELSO DE MELLO e, neste julgamento,o Ministro GILMAR MENDES. Presidência do Ministro RICARDO

LEWANDOWSKI. Plenário, 11.11.2015”.

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apresenta plausível, a ponto de justificar concessão de medida

cautelar.

Para esse fim, invocam-se os fundamentos adotados no

parecer do Ministério Público Federal no recurso extraordinário

com agravo (ARE) 647.651/SP, do Subprocurador-Geral da

República ODIM BRANDÃO FERREIRA. Trata-se de recurso interposto

pela EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA S.A. em face de decisão

do Tribunal Superior do Trabalho, que julgou exigível prévia

negociação coletiva como requisito de validade da dispensa em

massa de trabalhadores.20

No parecer, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo

não provimento do recurso, por considerar necessário negociação

coletiva como requisito de validade de dispensa em massa, por

20 Trecho da decisão recorrida, proferida pelo TST no Processo 30900-12.2009.5.15.0000: “A ordem constitucional e infraconstitucionaldemocrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151,ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral epotestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fatocoletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não DireitoIndividual, exigindo, por consequência, a participação do(s) respectivo(s)sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionaisque determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF),a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1o, IV, 6o e170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental(arts. 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questõescoletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheçadistinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e asdispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar ecomunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensacoletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores,espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria,contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que ‘anegociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa detrabalhadores’, observados os fundamentos supra”.

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força dos arts. 13 e 14 da Convenção 158. Esta se encontra em

vigor, dada a inconstitucionalidade de sua denúncia por ato

unipessoal do Presidente da República e que, por seu caráter de

tratado de direitos humanos, com status de supralegalidade, é apto

a regular a garantia de emprego tratada no art. 7o, I, da

Constituição da República.

A estatura constitucional dos tratados de direitos humanos,

por força do art. 5o, § 2o, da CR, tem como consequência jurídica

a impossibilidade de sua supressão da ordem interna mediante ato

unilateral do Executivo, sem manifestação de vontade do

Congresso Nacional.

Atos do Poder Executivo não podem privar normas

constitucionais de validade nem de eficácia, de modo que a

denúncia da Convenção 158, por decreto presidencial, teve mera

aparência de ato válido, mas continua em vigor dita convenção no

âmbito interno.

Conclui o parecer por ineficácia constitucional do Decreto

2.100/1996 para denunciar o tratado. Vale transcrever os trechos da

manifestação nos pontos que interessam particularmente ao objeto

desta demanda:

7. Da índole da Convenção 158 da OIT

O Supremo Tribunal Federal possui ao menos umprecedente no qual verificou que as convenções da OITacerca das condições de trabalho devem ser reputadasacordos relativos a direitos humanos. Leia-se a respeito o voto do em. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

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A Convenção 126 [rectius 106] da OIT reforça aarguição de inconstitucionalidade: ainda quando não sequeira comprometer o Tribunal com a tese dahierarquia constitucional dos tratados sobre direitosfundamentais ratificados antes da Constituição, omínimo a conferir-lhe é o valor de poderoso reforço àinterpretação do texto constitucional que sirva melhorà sua efetividade: não é de presumir, em Constituiçãotão ciosa da proteção dos direitos fundamentais quantoa nossa, a ruptura com as convenções internacionaisque se inspiram na mesma preocupação21.De outro lado, parece inquestionável – e sobre isso nãohouve controvérsia na ADI 1480 – que os direitossociais dos trabalhadores, enunciados no art. 7o daConstituição, se compreendem entre os direitos egarantias constitucionais incluídos no âmbitonormativo do art. 5o, § 2o, de modo a reconheceralçada constitucional às convenções internacionaisanteriormente codificadas no Brasil.

No mesmo sentido, já agora especificamente sobre aConvenção 158 da OIT, orienta-se o voto-vista do em. Min.Joaquim Barbosa [ADI 1.625/DF]:

Parece não restar dúvidas de que a Constituição de1988, ao versar sobre direitos individuais e direitosociais no mesmo título (Título II), tratou taiscategorias de direitos de maneira una, de modo que éimpossível invocar a prevalência de um direitoindividual sobre um direito social. Nesse sentido, omesmo tipo de tratamento conferido aos direitosindividuais deve ser dado aos direitos sociais.Da perspectiva do direito internacional, desde hámuito se reconhecem direitos sociais como direitoshumanos. A Declaração Universal dos DireitosHumanos, já em 1948, consagrava, em diversos artigos,um grau de proteção mínimo aos trabalhadores. Hoje,a própria OIT discute a necessidade de adoção de umaabordagem de “direitos trabalhistas como direitoshumanos”, a fim de dar um grau maior de garantia aostrabalhadores em face dos efeitos deletérios do

21 ADI 1.675.

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processo de globalização econômica (ver discussão emALSTON, PHILIP. Labour rights as human rights: the not sohappy state of the art. In: ALSTON, PHILIP. Labour rights ashuman rights. New York: Oxford University Press, 2005,p. 1-24).Ante esse quadro, é certo que a Convenção 158 daOIT pode perfeitamente ser considerada um tratado dedireitos humanos apto a inserir direitos sociais noordenamento jurídico brasileiro22.

8. Do caráter supralegal dostratados de direitos humanos

O ponto de vista hoje prevalente no Supremo TribunalFederal parece sintetizado na seguinte passagem do voto doem. Min. GILMAR MENDES:

Portanto, diante do inequívoco caráter especial dostratados internacionais que cuidam da proteção dosdireitos humanos, não é difícil entender que a suainternalização no ordenamento jurídico, por meio doprocedimento de ratificação previsto na Constituição,tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda equalquer disciplina normativa infraconstitucional comela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante dasupremacia da Constituição sobre os atos normativosinternacionais, a previsão constitucional da prisão civildo depositário infiel [...] deixou de ter aplicabilidadediante do efeito paralisante desses tratados em relação àlegislação infraconstitucional que disciplina a matéria[...]. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomasnormativos internacionais, a legislaçãoinfraconstitucional posterior que com eles sejaconflitante também tem sua eficácia paralisada23.

Portanto, na pior das hipóteses, a Convenção 158 da OIT foirecebida no direito brasileiro com estatura até superior à dalei complementar, pois situada acima dela e abaixo da

22 Voto-vista na ADI 1.625, Revista de direito administrativo, set.-dez 2015, v.270, p. 301-324 (321).

23 RE 466.343.

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Constituição, na medida em que paralisa e, ao reverso, não sedeixa paralisar pelo direito infraconstitucional de qualquernatureza.Pode-se, contudo, admitir que os tratados sobre direitoshumanos tenham natureza distinta da examinada.

9. Da índole constitucional dos tratados dedireitos humanos incorporados aosistema brasileiro entre 1988 e 2004

A questão seguinte a ser examinada é a mais complexa docaso e diz com a estatura de tratados de direitos humanosvigentes entre nós antes do advento do art. 5o, § 3o, da CR,resultante da EC 45/2004.A maioria dos integrantes do STF parece inclinar-se à tesedo caráter “supralegal” dos tratados específicos sobre direitoshumanos24, enquanto a minoria defendeu o caráterconstitucional desses pactos. A profunda discussão realizadano precedente não precisa ser de todo recapitulada aqui;basta enfrentar seus pontos centrais e eventualmenteagregar-lhes alguma consideração nova.A negação do caráter constitucional dos acordosinternacionais sobre direitos humanos fundou-sebasicamente em dois argumentos declinados pelo em.Ministro GILMAR MENDES, que adotou outro, do em. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE.

9.1. De cautela metodológica preliminar quanto acertas críticas da jurisprudência atual do STF

Desde logo, parece adequado afastar argumentos em prol dasolução do problema com recursos a cláusulas tão genéricasda Constituição como a opinião da doutrina do direitointernacional ou ainda formulações com apoio no chamadobloco de constitucionalidade de outras constituições.O motivo comum à rejeição de todos esses pontos de vistaestá na estrutura normativa que lhes serve de apoio. Decategorias tão genéricas e desprovidas de maiorembasamento normativo, pode-se extrair qualquerconclusão. Por todos, lembre-se da aguda observação deJESTAEDT, no sentido da necessidade da distinção estrita entre

24 RE 466.343, rel. Min. CEZAR PELUSO.

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as fontes do direito e as fontes de seu conhecimento, no quetange sobretudo a opiniões doutrinárias desconectadas dasnormas incidentes no caso: “o cientista [...] não produzdireito, mas saber sobre o direito: a ciência gera saber, nãodireito”25.À luz de MERKEL e KELSEN, o autor citado retoma velhadistinção relativa entre a criação e a aplicação da norma, parareforçar que só se pode empregar método capaz de expressarinequivocamente a vinculação do juiz ao direitoconstitucional26. Isso já não se consegue, quando se operacom categorias teóricas, e não positivas, em detrimento dainterpretação das normas incidentes no caso. Daí que odesfecho do caso tem como ponto de partida a regraespecífica em questão, à qual se devem acrescer dadossistemáticos e históricos.O problema centra-se no sentido do art. 5o, § 2o, da CR, emsua redação original, isto é, quando ainda não acompanhadodo § 3o.

9.2. Dos argumentos extraídos dasuperveniência da EC 45

Um dos três argumentos capitais declinado pelo precedenteque reconheceu o caráter supralegal dos tratados aqui emcausa tem natureza mista, a saber, composta de dadohistórico com sistemático. O Tribunal raciocinou que oadvento do § 3o indicaria a insuficiência do § 2o para deferirestatura constitucional aos tratados. Esse argumento é ocentro dos votos vencedores do precedente básico do STFsobre o tema. Em contrapartida, curiosamente, há quemdefenda o caráter apenas interpretativo do § 3o, a confirmaro que já estava em vigor entre nós, desde 1988. Nenhuma das duas versões parece, data venia, correta.

25 JESTAEDT, Matthias, Die Verfassung hinter der Verfassung, Padernborn:Ferdinand Schöningh, 2009, p. 23:“Der Wissenschaflter – und hier ist diedeutsche Begriffsprägung äußerst exakt – produziert nicht Recht, sondernWissen über Recht: Wissenschaft schafft Wissen, nicht Recht”.

26 JESTAEDT, Matthias. Richterliche Rechtsetzung statt richterlicheRechtsfortbildung. Methodologische Betrachtungen zum sog.Richterrecht. In: Bumke, Christian [Hrsg]. Richterrecht zwischenGesetzesrecht und Rechtsgestaltung. Tübingen: Mohr Siebeck, 2012, p. 49-69(p. 63 e 66).

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9.2.1. Da insubsistência do caráter interpretativodo art. 5o, § 3o, da CR

Ainda que sem o caráter de prova definitiva, mas apenasindiciária da solução inversa, o ponto de vista do caráterinterpretativo sofre um primeiro abalo pelo fato de o § 3o

não ter derrogado o § 2o, na parte relativa aos tratados, comose lê no texto da EC 45. A coincidência de propósitos ou ointuito meramente explicitador do conteúdo do § 2o pelo§ 3o levaria o constituinte derivado a eliminar a parcela do§ 2o por ele supostamente interpretada27. Na verdade, a EC45 modificou o sentido do § 2o, ao justapor-lhe o § 3o, comoainda se verá.Menos sustentável ainda se mostra o caráter interpretativo,tendo em vista a inegável diferença de conteúdo entre anorma supostamente interpretada e a interpretativa. Qualquer que fosse o sentido do § 2o antes da EC 45, não selhe poderia imputar a virtualidade de impor o sentido doulterior § 3o, a saber, o de que o quórum superlativamentequalificado atribuiria aos tratados a estatura de emendaconstitucional. Na redação original da CR, o art. 5o, § 2o, atépoderia ter o sentido de elevar os tratados antigos relativos adireitos humanos à condição de direito fundamentais, masnunca pela imputação da necessidade do quórum qualificadodo § 3o. Logo não se trata de regra interpretativa.Ademais, antes da existência do § 3o, os tratados sempreforam aprovados por maioria simples, em virtude das regrasexpressas dos arts. 47 e 49, i, da CR. Portanto, não se estáaqui na presença de regra confirmatória ou explicitadora deantecedente, quer seja ele o art. 5o, § 2o, quer seja o art. 47 daCR.

9.2.2. Das falhas do argumento acolhido pelo STF

Em sentido de todo oposto à tese anterior, o STF entendeuque a superveniência do § 3o seria prova segura – se nãodefinitiva – de que o § 2o já não garantiria a incorporaçãodos tratados de direitos humanos, na qualidade de direitosfundamentais, na ordem interna.

27 O óbice do art. 60, § 4o, IV, da CR não existiria, pois a suposta identidadeentre ambas as normas afastaria a incidência da cláusula de eternidade.

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Tampouco essa segunda alternativa pode ser reputadacorreta.A tese não se sustenta, diante de obstáculo de ordemfuncional, extraído dos arts. 2o, 44, 48 e 102 da CR.Atribuiu-se importância superlativa e decisiva ao modo peloqual o legislador procurou resolver a dúvida interpretativadecorrente da redação original do art. 5o, § 2o, da CR. Dadoque o constituinte derivado superou a polêmicahermenêutica, por meio da introdução do § 3o, passou-sediretamente à conclusão que o § 2o não garantiria a estaturaconstitucional aos tratados referidos. Do ponto de vista da separação de poderes, contudo, parececlaro que apenas o Judiciário – especialmente o STF –haveria de resolver o problema, até porque a questão jurídicajá se tinha posto em milhares de processos. Emboraformalmente o STF tenha arbitrado a controvérsia, naverdade, o juízo sobre o tema adveio da concepçãolegislativa para a superação do problema. Em certa medida, oSTF também reconheceu à EC 45 efeitos interpretativos,malgrado em sentido oposto ao da corrente criticada notópico anterior. O defeito mais grave desse modo deproceder está, contudo, na ilegítima translação dacompetência do Judiciário, especialmente do próprio STF,para a interpretação final da Constituição. Ao não examinarpor si mesmo a redação original da CR, mas ao lê-la porintermédio da emenda constitucional, o STF delegouinformalmente ao Congresso Nacional a tarefa de fixar osentido de um dos pontos essenciais do textoconstitucional – as regras de funcionamento de seu sistemade direitos fundamentais. Tal atitude, contudo, não é válida,como se vê na própria jurisprudência do STF sobre a defesada competência judicial, em face de investidas até doLegislativo. Em precedente notável, o Tribunal decidiu nãoser dado ao Legislativo a prerrogativa de anular leis, pormeio da ulterior edição de ato normativo, porque o controlede sua constitucionalidade – com a sanção de nulidade – étarefa exclusiva do Judiciário28. O Congresso Nacional pode

28 Eis o trecho pertinente da ementa da ADI 221, rel. Min. MOREIRA ALVES:“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida provisória. Revogação.Pedido de liminar. – Por ser a medida provisória ato normativo com força de lei, não e

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revogar leis, mas não lhes declara a invalidade, porcontradizerem a Constituição. Num período de crescentescríticas ao ativismo judicial, eis aí, data venia, um exemplo deimprópria delegação da função jurisdicional, sob as vestes dejulgamento. Defeito igualmente grave da tese derivada do advento do§ 3o consiste em retroativamente se transformar a soluçãoparlamentar para o estado de dúvida sobre o conteúdo do§ 2o no sentido dessa norma, a ser pesquisado por meio dainterpretação. Do fato de o Congresso Nacional tersolucionado o anterior impasse hermenêutico acerca do § 2o,por meio do acréscimo do § 3o, não autoriza lógica nemjuridicamente a conclusão de que a norma antiga tinha esseou aquele sentido. Na melhor das hipóteses, a superveniênciado § 3o dá pista sobre o sentido que o Legislativo atribuía ao§ 2o, antes da EC 45, mas nada diz respeito do própriosignificado da norma, não se impõe ao Judiciário, nemdispensa o Tribunal de verificar, por seu próprio examedireto, o conteúdo da norma mais antiga, no contexto daredação original da Constituição.A impropriedade de se imputar ao § 2o sentido extraído doadvento do § 3o fica bastante clara pelo modo pelo qual seempregou o critério de interpretação genético, isto é,relativo aos trabalhos legislativos originadores da norma29. Aoinvés de se utilizarem os anais da constituinte, para delesextrair o sentido do art. 5o, § 2o, da CR, buscou-se apoio natramitação legislativa da EC 45, que lhe acresceu o § 3o.Deu-se aí hibridismo impróprio. Enquanto a interpretação

admissível seja retirada do congresso nacional a que foi remetida para oefeito de ser, ou não, convertida em lei. – Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração deinconstitucionalidade de lei ou de ato normativo com força de lei por leiou por ato normativo com força de lei posteriores. O controle deconstitucionalidade da lei ou dos atos normativos e da competênciaexclusiva do poder Judiciário. Os poderes executivo e legislativo, por suachefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento dalegitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade –, podem tão-sódeterminar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicaradministrativamente as leis ou atos com força de lei que considereminconstitucionais. [...]”.

29 Cf., por todos, MÜLLER, Friedrich. Juristische Methodik, 7. Aufl., Berlin:Duncker & Humblot, 1997, p. 245, no 360.

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histórica opera com textos normativos, isto é, com o vigentee o antes em vigor, o critério genético baseia-se em textosnão normativos, a saber, os trabalhos legislativos da norma aser interpretada30. O precedente, contudo, usou amatéria-prima do parâmetro genético do § 3o para realizar ainterpretação alegadamente histórica do § 2o. A incongruência apontada indica, na verdade, a existência deoutra, ainda mais comprometedora do resultado. Oargumento histórico procura explicar o sentido de normahoje em vigor, a partir do exame de normas outrora eficazes.Ocorre que o precedente inverteu ao ordem desseraciocínio, em história cronologicamente invertida, ou seja,procurou explicar o passado a partir do presente. Do fato dea EC 45 ter incorporado o § 3o à Constituição não se segueque o panorama normativo pré-existente fosse realmente oimaginado pelo autor da regra nova. Ademais, nada indica que o § 3o tenha sido editado comintuito diverso da superação, apenas para o futuro, dacontrovérsia acerca da interpretação do § 2o, sem a pretensãode canonizar seu sentido, também em relação ao passado. Dacircunstância de a EC 45 ter resolvido a seu modo oproblema, em relação às novas convenções votadas peloquórum exigente, não se segue que deva ser aplicada, porigual, aos casos ocorridos antes de sua vigência. A existênciada EC 45 não afirma nem nega o caráter constitucional dostratados, antes de sua edição; apenas disciplina o assuntodepois dela.Em síntese, quer num sentido, quer noutro, o § 3o não deveser considerado norma meramente interpretativa do sistemaantecedente. A inovação nele contida é evidente e, por isso,de eficácia prospectiva. Os fatos ocorridos entre o início davigência da Constituição de 1988 e o da EC 45/2004, emespecial a recepção dos tratados antigos, haverão de merecerexame autônomo do STF.A determinação do sentido do art. 5o, § 2o, da CR, ao tempoem que inexistente o § 3o, só pode advir do exame diretodaquela norma, considerada em seu contexto original, quese passa a realizar.

30 MÜLLER, ob. e loc. cit. na nota 13. [Nota 29 neste parecer.]

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9.3. Do sentido do art. 5o, § 2o, da CR,na redação original

A dificuldade inicial na fixação do sentido do § 2o decorreda imprecisão relativa que terminou por prevalecer em suaredação – “os direitos e garantias expressos nestaConstituição não excluem outros decorrentes do regime edos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a República Federativa do Brasil sejaparte”.O teor literal da norma interpretada não leva de mododireto à conclusão de que os direitos subjetivos deferidos aosparticulares em tratados possuam a estatura de direitosfundamentais, embora se admita o surgimento, na ordembrasileira, de direitos decorrentes dos tratados. Nela apenas sedetermina que os tratados podem conferir direitos aosbrasileiros e aos aqui residentes que não se contenham naordem jurídica nacional.Sobretudo porque as exigências de segurança jurídica típicasde ramos como os direitos penal e tributário, não se justificao apego à literalidade da redação original do art. 5o, § 2o, daCR. Critérios hermenêuticos outros devem ser consideradosaqui.O ponto de partida da reflexão a ser desenvolvida para adeterminação do sentido da norma em causa parece ser ocritério sistemático de interpretação. O art. 5o, § 2o, da CRseria de todo expletivo, caso se lhe atribua apenas a funçãode permitir que tratados internacionais defiram direitossubjetivos aos residentes nos Estados que os pactuaram. Issojá decorre dos arts. 49, i, e 84, vii, e 109, ii, e § 5o, da CR edo art. 52 do ADCT, que não limitam o conteúdo dostratados, mas, ao contrário, são, em sua maioria, normas decompetência, isto é, atributivas de poderes para a edição denormas de qualquer conteúdo, desde que compatíveis com aprópria Constituição. Portanto, não se precisaria do § 2o paradizer o que já resulta das normas aludidas – o Brasil podecelebrar tratados por cujo meio defira direitos a quem nelereside. Se já não bastasse a clareza dessas normas, haveria dese levar em conta o art. 4o, par. único, da CR, segundo o qualo Brasil deve buscar “a integração econômica, política, sociale cultural dos povos da América Latina, visando à formação

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de uma comunidade latino-americana de nações”. Pareceimpossível – ou quase – pensar-se na integração econômicae política de países, sem atribuir a seus habitantes direitossubjetivos em tratados. Logo, o art. 5o, § 2o, deve ter sentidodiverso de apenas confirmar as demais possibilidades deoutras normas.Pista sobre isso pode obter-se por meio da interpretaçãogenética do texto do § 2o. A solução da dúvida poderia serem muito facilitada, se o texto do § 2o tivesse, afinal, mantidoo termo “declarações de direitos”, pois tais termos possuemlongeva tradição jurídica a significar inequivocamente listasde direitos básicos de todos os seres humanos, como se vênas clássicas declarações das colônias inglesas antecedentes daConstituição norte-americana, na Declaração dos Direitosdo Homem e do Cidadão francesa, de 1789, e na DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos da ONU, de 1945, paraficar nos exemplos mais notórios. Desde o Anteprojeto doRelator da Constituinte até as primeiras fases da assembleia,o § 2o referia-se às “declarações internacionais”, em prova deque se tinha em mente deferir-se ao brasileiros e aosresidentes no País direitos constantes de tratados nos quais seinstituíam tais franquias. Então, similares direitos haveriam deter a mesma estatura daqueles inscritos nos incisos do art. 5o,em virtude da identidade de estrutura, propósitos e inserçãosistemática da norma. Após alguma variação redacional,contudo, terminou-se por substituir a locução “declaraçõesinternacionais” pela expressão “tratados internacionais”31.Aparentemente, supondo-se que “declaração” teria sentidomenos amplo do que o termo “tratado”, na crençajusnaturalista de que aquela designaria atos nos quais apenasse declaram direitos antigos, pré-existentes, ao passo que osegundo abarcaria outros temas. A sinonímia entre ambas ascoisas, entretanto, é inconteste32. Por consequência, ainda quealteradas as palavras, o intuito da ANC parece não ter sidoapagado, quando se vê a história do texto que produziu – osdireitos humanos ou fundamentais reconhecidos em pactosexternos incorporam-se à ordem nacional, nessa qualidade.

31 LIMA, João Alberto de Oliveira; PASSOS, Edilenice; NICOLA, JoãoRaphael. A gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal,2013, p. 86, sequência 132.

32 REZEK, Francisco. Direito dos tratados. 1. ed., Rio de Janeiro, 1984, p. 97.

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A inserção da norma constitucional de recepção dos direitosdecorrentes de pactos internacionais, precisamente nocapítulo dos direitos fundamentais, parece indicativo segurode que se desejou deferir-lhes igual dimensão normativa.Além de tornar o § 2o dispensável, a tese da simplesincorporação dos direitos convencionais com a estatura delei ordinária, da velha doutrina prevalente entre nós, haveriade levar a solução topográfica diversa da encontrada pelaANC. Estivesse em causa apenas a atribuição do raso nívelhierárquico da lei ordinária, bastaria inserir a regra, porexemplo, no rol das normas editáveis pelo Legislativoapontadas ou como parágrafo do art. 59 ou do art. 61 daCR. Seria mera norma de paridade normativa, aposta aotrecho da Constituição afeto à elaboração de atosnormativos. O deslocamento da norma do § 2o para ocapítulo dos direitos fundamentais revela que o nívelhierárquico deles se comunica aos tratados sobre direitoshumanos, desde a redação original da CR.Mais importante é o aspecto teleológico do problema,identificado em precedente do STF e na doutrina33. Osdireitos fundamentais mostram sua verdadeira utilidade,quando necessária a contenção de maiorias legislativas, e nãopropriamente em relação ao Executivo, cuja atividadeprejudicial à liberdade pode ser remediada, inclusive pela lexmellius retroativa, em decorrência da maioria simples noLegislativo. Daí que direitos fundados em pactosinternacionais revocáveis pela maioria que os editou são deescassa ou nula utilidade, justamente nos momentos em quemais necessários, ou seja, nas investidas das maiorias contra asminorias.A negação do nível constitucional aos tratados internacionaisanteriores à EC 45 abole até a mais modesta proteçãoconferida pelos direitos neles garantidos – a garantia contraatos do Executivo. Isso parece não ter sido adequadamente

33 HC 79.785, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; na doutrina, cf., por todos, Osdireitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 e os tratadosinternacionais em matéria de direitos humanos – revisitando o tema. In:CICCO FILHO, Alceu José; VELLOSO, Ana Flávia Penna; ROCHA,Maria Elizabeth Guimarães Teixeira.Direito internacional na Constituição:estudos em homenagem a Francisco Rezek. São Paulo: Saraiva, 2014, p.265-291 (283-284), com referência a obra anterior.

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considerado nos precedentes aludidos. Nem nos teóricosque se dedicaram ao problema. A melhor doutrina nota quea extinção dos tratados não obedece à ideia do distrato dodireito civil, segundo a qual o desfazimento de certo atosegue o rito de sua formação. Ao contrário, a manutenção davigência dos tratados internacionais depende da conjugaçãoatual de duas vontades políticas, na ordem política brasileira:a do Legislativo e a do Executivo34. Do fato de que osdireitos humanos nacional e internacionalmentereconhecidos são poderes outorgados aos particulares emoposição ao Estado35, segue-se a inutilidade dos direitos dessaíndole, se colocados mesmo à disposição do Executivo.Teriam, então, eficácia menos reforçada do que as garantiaslegais ordinárias, das quais o Executivo não se pode afastar.Do ponto de vista histórico, já se notou que a diferençaentre a Carta de 1969 e a Constituição de 1988, no temaexaminado, consiste justamente em haver acrescido aabertura do sistema vigente aos tratados36. A diferença textual apontada tem importância, mas cedepasso em relevo a outro aspecto do problema, até aquiaparentemente não explorado: é preciso considerar toda ahistória do § 2o e de seus antecedentes brasileiros, porquedela se extrai argumento fundamental para a determinaçãode seu sentido.Desde a Constituição de 1891, não há dúvidas de que osdireitos decorrentes dos sistemas constitucionaissucessivamente adotados pelo País possuem estaturaconstitucional, e não meramente legal ou de natureza aindainferior. Ao comentar o art. 78 da CR de 1891, o clássicoJOÃO BARBALHO notava: “outras garantias, além das

34 Cf., por todos, REZEK, ob. cit. na nota 16 [nota 32 neste parecer], p. 501 esegs., no 419.

35 Segundo a fórmula deliberadamente concisa de PIEROTH e SCHLINK , nissoestá “o conceito comum dos direitos fundamentais [da Lei Fundamentalalemã]: eles são direitos do indivíduo e obrigam o Estado” (PIEROTH,Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte Staatsrecht II. 26. ed., Heidelberg:Müller, 2010, p. 14, n. 45: “Fasslich wird dabei der gemeinsame Begriff derGrundrechte: Sie sind Rechte des Individuums und verpflichten denStaat”).

36 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 12.ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 104.

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mencionadas nos arts. 72 e seguintes, são asseguradas pelaConstituição, como corolários da fórma de governo por ellaestabelecida e de seos principios fundamentaes”37. Portanto,é a própria Constituição a fonte de tais direitos, ao invés depermitir que outras normas os estatuam, embora cominferior hierarquia. O status constitucional dos direitosimplícitos pareceu de evidência absoluta a PONTES DE

MIRANDA, ao explicar a Carta de 1967, com a EC 1/1969.Observou ele que a vedação à concessão de privilégios daCarta de 1934 impedia discriminações decorrentes denascimento, profissões, classe social e riqueza. Dado que taiscritérios mencionados na Carta de 1934 não foram repetidosna de 1967, tornou-se preciso “saber se a omissão constituiexclusão, ou se os princípios insertos na 2a parte do art. 113,1), resultam do ‘do regime e dos princípios’ constantes daConstituição de 1967. A resposta tem de ser afirmativa.Qualquer das limitações que a lei fizesse, pelo fato donascimento, do sexo, da raça, da profissão própria ou dos pais,classe social, riqueza, crença religiosa ou política, ofende, defrente, o princípio da isonomia, que a Constituição de 1967pôs antes de todos (art. 153, § 1o)”38. “Que à Repúblicarepugna a existência de privilégio por motivo denascimento, nenhuma dúvida existe”39. Daí que “seriainconstitucional a lei que distinguisse os brasileirosnaturalizados nascidos na Alemanha e os Brasileirosnaturalizados nascidos na França, na Itália, ou na Inglaterra,ou nos Estados Unidos da América, ou na Rússia”40.Somente a estatura constitucional dos direitos implícitospermitiria a conclusão da invalidade da lei que com elecolidisse. Ainda durante a vigência da Carta de 1969, adoutrina de CELSO DE MELLO não deixava dúvida acerca docaráter constitucional das “liberdades residuais, inominadas,implícitas ou decorrentes, as quais, a despeito de nãoenunciadas ou especificadas na Carta Constitucional,

37 BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira: comentários. Brasília:Senado Federal, 1992, p. 344.

38 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de1967, com a Emenda n. 1 de 1969. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 5,p. 660.

39 PONTES DE MIRANDA, ob. cit. na nota 22 [nota 38 neste parecer], p. 660.40 PONTES DE MIRANDA, ob. cit. na nota 22 [nota 38 neste parecer], p. 660.

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resultam do regime e dos princípios que ela adotada”41.Entre tais direitos, incluía o hoje em. Decano no STF apresunção de inocência, a cujo respeito escreveu: “essedireito do acusado, embora não conste expressamente dotexto de nossa Carta Política, tem assento no preceitoanalisado [art. 153, § 36]. A lei não pode, em face desseprincípio, atribuir à denúncia do MP consequências jurídicasapenas compatíveis com o decreto judicial de condenaçãodefinitiva”42. E prossegue, no que interessa ao caso: “o STF sepronunciou nesse sentido e declarou a inconstitucionalidadede diploma legislativo que atribuía ao recebimento judicialda denúncia os seguintes efeitos [...]”43. Se os direitosdecorrentes não tivessem dignidade constitucional, nenhumalei poderia ter sido declarada inválida, por deles discreparem.Logo, a presença dos direitos dos tratados ao lado dosdireitos constitucionais decorrentes do sistema na mesmanorma prova que os direitos humanos decorrentes de ambasas fontes têm a mesma estatura – a constitucional.

9.4. De uma objeção superável: a segurança jurídica

Um dos fundamentos do precedente básico do STF pararechaçar a estatura constitucional dos tratados sobre direitoshumanos tem que ver com a segurança jurídica. A dispersãodos direitos fundamentais por diversos diplomas jurídicosgeraria dificuldade em sua identificação. A isso se poderesponder por vários meios. Mecanismos processuais como as súmulas vinculatórias ounão, o recurso extraordinário dotado de repercussão geral, aação por descumprimento de preceito fundamental emesmo certos aspectos das ações diretas deconstitucionalidade e sua reversa são mecanismos aptos a pôrfim, com eficácia ampla, a eventuais dúvidas surgidas com acelebração de pactos internacionais entre 1988 e 2004.Embora claramente interesse ao Estado de direito do art. 1o

da CR, a segurança jurídica não parece ir ao ponto de obstara proteção em grau mais elevado das convençõesinternacionais, pois só essa estatura a protegeria dos avanços

41 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., SãoPaulo: Saraiva, 1986, p. 490.

42 MELLO, ob. cit. na nota 25 [nota 41 neste parecer], p. 491.43 MELLO, ob. cit. na nota 25 [nota 41 neste parecer], p. 491.

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legislativos em sentido contrário, como bem notado nosdebates havidos no STF. Sempre decorrentes da aprovaçãodo ato internacional pelo Legislativo, as convençõesfalhariam em proteger os cidadãos dos poderes do Estado, osujeito obrigado, por excelência, se não único dos direitosfundamentais.Além disso, o argumento da segurança jurídica decorrenteda reunião das normas constitucionais num só texto jurídiconão tem, entre nós, o mesmo peso que na Lei Fundamentalalemã, da qual extraído, em conjunto com a solução do nívelapenas supralegal dos tratados internacionais. No direitoalemão, o argumento da segurança de unidade textual estáexpresso no art. 79 da Lei Fundamental de modo que semostra capaz de exercer alguma influência na interpretaçãodo art. 25, segundo o qual “as regras gerais do direitointernacional público são parte do direito federal. Elaspreferem às leis e criam imediatamente direitos e deverespara os habitantes do território federal”44. “A LeiFundamental somente pode ser modificada por uma emendaque expressamente modifique ou complemente o teor literalda Lei Fundamental”, determina seu art. 79, I. A exacerbaçãodo argumento da segurança jurídica no ponto decorre deregra constitucional expressa naquele direito positivo. Não assim no Brasil, embora desde a Carta de 1967,passando pela de 1969 e chegando à Constituição de 1988,tenha-se tornado saudável a prática entre nós de incorporaraos textos permanentes as mudanças decorrentes de emendase atos de força equivalente, ao contrário do que sucedia comalgumas das caóticas alterações da Constituição de 1946.Ainda hoje, contudo, extravagam em emendasconstitucionais sua disciplina transitória complexa einsuscetível de figurar no ADCT, de que é arquetípica a EC20/1998 sobre a previdência social. Mesmo no domínio dosdireitos fundamentais decorrentes de emendas, não seintegrou ao texto permanente o único tratado até aquiaprovado nos termos do art. 5o, § 3o, da CR – a Convençãosobre Direitos das Pessoas com Deficiência. O constituintebrasileiro não reputou ocorrer entre nós a má experiência da

44 “Die allgemeinen Regeln des Völkerrechts sind Bestandteil desBundesrechtes. Sie gehen den Gesetzen vor und erzeugen Rechte undpflichten unmittelbar für die Bewohner des Bundesgebietes”.

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Constituição de Weimar, no particular, que se encontra naorigem do art. 79, I, da LF45. A ideia da segurança jurídicadecorrente da unidade de sua base documental não é regraconstitucional de validade das emendas, ao contrário do quesucede na Alemanha. Logo, o intuito de permitir – quando não, de incentivar – acriação de novos direitos em prol dos habitantes do Brasil,inequívoco no art. 5o, § 2o, da CR, não encontra o óbiceformal estrito do direito comparado, motivo pelo qual nãodeve ser postergado, em nome da segurança jurídica.

10. Da consequência jurídica comum à incorporaçãoda Convenção 158 da OIT ao direito brasileiro

Qualquer que seja a opção teórica do Tribunal a respeito daestatura com que se recebem os tratados internacionais nodireito brasileiro – se constitucional ou supralegal –, umacoisa parece certa: a Convenção 158 da OIT seria capaz deregular o art. 7o, I, da CR.Raciocine-se, em primeiro lugar, com a hierarquianormativa mais elevada – a constitucional. Evidentemente,os problemas aqui são de menor monta. O tratado teria omesmo valor normativo do que as emendas constitucionais,motivo por que teria plenas condições de integrar o tema ouqualquer das facetas da despedida sem justa causa individualou coletiva de trabalhadores. O pacto internacional opera,assim, como um dos instrumentos jurídicos aptos a atuar emconjunto com regras da ordem nacional para a disciplina doproblema.A consideração do tratado como norma supralegal parece tera mesma virtualidade da emenda constitucional, no quetange à virtualidade de poder regular o tema. O fato de oart. 7o, I, da CR se referir à disciplina de lei complementarnão altera os termos da solução do problema, por mais deum motivo. De início, porque o próprio STF já proclamou que a índolesupralegal dos tratados de direitos humanos se mostra capazde paralisar, ou seja, de retirar a eficácia de toda a legislação

45 HILLGRUBER, Christian. In: SCHMIDT-BLEIBTREU, Bruno;BROCKMEYER, Hans Bernhard; HOFFMANN, Hans. GG. Kommentarzum Grundgesetz. 11. Aufl., München: Heymann. 2008, p. 1666.

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infraconstitucional que lhe seja contrária. Se tolhe a eficáciado conjunto das regras do direito infraconstitucional, emsentido oposto, o tratado disciplina os temas reservados à leicomplementar. Desde que – materialmente – se compreendana rubrica da outorga de direitos humanos. O Executivo nãopode, por exemplo, valer-se da prerrogativa de celebraracordos internacionais de comércio para dispor sobre temasreservados à lei complementar. Portanto, resulta mesmo daqualidade supralegal dos pactos internacionais referidos aaptidão normativa para regular temas confiados ao legisladorordinário e complementar. Nisso, aliás, não vai nenhumanovidade, uma vez que os arts. 96, 98 e 100 do CTN jáadmitem similares validade e eficácia dos tratados há décadas.As recorrentes objetam que o art. 10 do ADCT seria anorma destinada a reger a despedida sem justa causa, até oadvento da lei complementar. Por consequência, o tratadonão poderia regulá-lo. O raciocínio parece, data venia,equivocado, por mais de uma razão. Logo de saída, o erro consiste em atribuir ao ADCT foro dedisciplina permanente do tema, quando não passa de suaregulação provisória, ainda que já se aproxime do 28o

aniversário. Do ponto de vista jurídico, e não sociológico, atese esquece-se de que a persistência da regra do ADCTnada mais é do que a confissão de inconstitucionalidade poromissão, de sorte que a simples existência de regra supletivada inércia do legislador não faz com que a ilicitude de seucomportamento desapareça. Depois, a tese da impossibilidade de emprego de tratado paraa superação da omissão ilícita do legislador poderia seroposta ao TST, ao tempo em que a jurisprudência do STFcreditava a todos os atos normativos de origem convencionala estatura uniforme de lei ordinária. Tanto fazia que o Brasiltivesse assinado acordo internacional sobre títulos de crédito,que deu base ao precedente superado do Tribunal, ou adireitos humanos de magna relevância – todos ficavam rebaixados ao raso da lei ordinária e, portanto, poderiam serdesfeitos por ato de igual hierarquia posterior do Legislativo.Assentado hoje pelo STF que os tratados sobre direitoshumanos possuem, ao menos, nível supralegal, pareceimprescindível rejeitar o argumento de que eles carecem dedignidade normativa para o desempenho das funções

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destinadas a normas até de mais baixa hierarquia. Se odireito convencional sobre direitos humanos priva deeficácia todas as normas de direito infraconstitucional, oproblema põe-se agora em novos termos de fontes dodireito.Na verdade, o STF vê-se agora na situação de apenasdesdobrar seu entendimento acerca do caráter supralegal dasdeclarações de direitos internacionais, isto é, compete-lheapenas reconhecer que a especial dignidade de que essasnormas se revestem as habilitam a dispor sobre os temasaludidos, ainda que sujeitos à chamada reserva de leicomplementar. O contrário significaria nulificar toda aconstrução jurisprudencial mais recente do STF. Afirmar queconvenções internacionais sobre direitos humanos têmestatura supralegal, mas privá-las dos efeitos derrogatórios oucomplementares da ordem jurídica daí decorrentes seriatransformar essa categoria de normas em mera denominaçãoexótica. Ou ela existe e, pelo menos, exerce todas as funçõesnormativas próprias dos atos de igual ou inferior hierarquia,ou termina por carecer de efeitos práticos. A circunstânciade a norma supralegal decorrente de tratado ser até superioràs leis complementares não a interdita versar sobre os temasdelas, pois o próprio STF já reconheceu, por exemplo, quelei complementar pode abordar tema de direito ordinário, aolado daqueles a si reservados, pois ela passa, nessa medidaexorbitante, a ser considerada mera lei ordinária. O excessohierárquico normativo da norma convencional supralegal fazcom que ela seja recebida, pelo menos, com efeito de leicomplementar entre nós.Portanto, a Convenção 158 da OIT é espécie normativa aptaa regular o tema do art. 7o, I, da CR, ou seja, é meio peloqual o Legislativo licitamente se desincumbiu do ônus deregular a dispensa imotivada dos trabalhadores, namodalidade coletiva.

11. Do problema do Dec. 2.100/1996

O exame do caso não ficaria completo, caso sedesconsiderasse o fato de que o Dec. 2.100/1996 denuncioua Convenção 158 da OIT.Considerando-se que ainda pende de julgamento a ADI1.625, que versa exatamente sobre a validade do decreto

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mencionado, parece evidente a prejudicialidade daquela ação,em relação a este recurso extraordinário, na medida em queo reconhecimento da validade e da eficácia daquelas normasno controle abstrato de constitucionalidade haverá de seimpor também a esta causa. Ao reverso, a apreciação destefeito antes do julgamento da ação direta teria como efeitoindesejável a transferência para este processo de discussão jáiniciada no controle abstrato de validade de normas – cominversão da importância e da amplitude do feito em que oSTF tomará a decisão. Quando nada, corre-se o risco dadisparidade de entendimentos do Tribunal no tema.Afastada no tópico precedente a tese das recorrentes de queo tratado internacional não poderia disciplinar as questõesrelativas à proteção contra a despedida carente de motivação,resta verificar a licitude de o Executivo unilateralmentedenunciar o acordo internacional.Novamente é preciso raciocinar-se com as duas hipótesesexploradas acima: as declarações como normas de direitoconstitucional ou como regras supralegais de ordenação dedireitos humanos.A resposta ao problema é, de novo, facilitada pela admissãodo caráter constitucional dos tratados sobre direitoshumanos, mesmo daqueles admitidos à ordem brasileiraentre 1988 e 2004, aí incluídos os anteriores, recebidos embloco com a entrada em vigor da nova ordem brasileira.Nessa hipótese, não parece haver demasiado espaço para adúvida: a obtenção de estatura constitucional dos tratados,como ocorreu depois com os acordos aprovados nos termosdo art. 5o, § 3o, da CR, tem como consequência jurídicacerta a impossibilidade de sua supressão da ordem interna,pela via do ato unilateral do Executivo, ou seja,dispensando-se a manifestação de vontade do CongressoNacional. Os propósitos do caso dispensam saber se àatuação conjugada de ambos os poderes seria lícito privar otratado de eficácia com efeitos ex nunc. Atos do Executivonão podem privar normas constitucionais de validade nemde eficácia. Logo, para quem divisa nos acordosinternacionais fontes de normas de nível constitucional noBrasil, quando em causa o deferimento de direitos humanos,a denúncia do tratado em causa terá foro de mera aparência.

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O Executivo ensaiou fazer aquilo que não lhe era dado. Emrazão disso, o caso continua regido pela Convenção 158.Raciocine-se agora com a tese hoje assentada no STF,segundo a qual os tratados da espécie aludida são recebidoscom a estatura de direito supralegal. Felizmente a estruturado problema dispensa o Tribunal do exame da complexadiscussão acerca da licitude de o Executivo denunciarqualquer tratado sobre direitos humanos. Basta verificar seele poderia ter denunciado especificamente pactosinternacionais da espécie ora em causa.O art. 7o, I, da CR elegeu sistema normativo intermediárioentre a livre dispensa do empregado, mesmo sem justa causa,e o dever de sua reintegração, na hipótese da verificação daausência de motivos para a demissão do trabalhador. O meiotermo – a solução advinda do “caráter compromissório” daConstituição de 1988 – admite o desligamento doempregado da empresa, apesar de o empregado não haverdado motivo para tanto, mas o empregador fica obrigado alhe prestar “indenização compensatória, dentre outrosdireitos”, nos termos do art. 7o, I, da CR. Portanto, além dereconhecer direitos humanos, a Convenção 158 da OITcumpre função muito específica no contexto da ordemjurídica brasileira: ela sana a omissão inconstitucional de trêsdécadas, consistente na falta de regulação do art. 7o, I, da CR.Ao menos no que tange à dispensa coletiva de trabalhadores,o acordo internacional disciplina tema até então não versadono direito brasileiro. Para ser exato, defere aos trabalhadoresum daqueles “outros direitos” laterais que a ANCdeterminou fossem criados, mas antes não foi deferido pelolegislador.Verificado que, em determinado momento, o legisladorbrasileiro supriu a omissão inconstitucional apontada, pormeio do empréstimo de seu consentimento a pactointernacional sobre direitos humanos, parece ilícito que oExecutivo simplesmente revogue tal norma e faça o direitonacional retornar à antiga situação discrepante daConstituição. Por feliz coincidência, a solução do caso dispensa indagaçõesa respeito da chamada proibição de retrocesso social, emtermos absolutos. Ao contrário, o ponto a ser resolvido dizrespeito apenas à mais branda forma de vinculação das

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normas constitucionais garantidoras de direitos sociais,traduzida no impedimento que o Executivo ab-rogue asregras que o Legislativo editou para suprir a omissãoinconstitucional, ainda que nada ponha no lugar delas. Nãose controverte aqui, portanto, acerca da licitude de oLegislativo variar a extensão e a intensidade com queprotege determinados direitos sociais, por meio daminoração de um aspecto e a compensação noutro emincontáveis arranjos legislativos pensáveis sobre o problema. Entender que o Executivo pode fazer letra morta daregulação legislativa de determinado direito social, sem pôrnada no lugar, teria como consequência degradar as normasreferidas a meras exortações aos poderes da República, semvinculação jurídica. Mas a jurisprudência do SupremoTribunal Federal repudia similar modo de ver as coisas,como se nota exemplificativamente em dois julgados:

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE

TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL

INCONSEQUENTE.– O caráter programático da regra inscrita no art. 196da Carta Política – que tem por destinatários todos osentes políticos que compõem, no plano institucional, aorganização federativa do Estado brasileiro – não podeconverter-se em promessa constitucionalinconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudandojustas expectativas nele depositadas pela coletividade,substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seuimpostergável dever, por um gesto irresponsável deinfidelidade governamental ao que determina a própriaLei Fundamental do Estado46.

REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA

ACÓRDÃO DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE

DETERMINAVA A EXECUÇÃO DE OBRAS NA CASA DO

ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO

DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DESBORDAMENTO DOS LIMITES

DA RESERVA DO POSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE

CONSIDEROU DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS

NORMAS PROGRAMÁTICAS. INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS

46 RE-AgR 393.175, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 2.2.2007, p. 140.

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QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA.INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA E

ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL DA

PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA

INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E

PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO

TRIBUNAL47.

Parece fora de dúvida que o Executivo, que também tem opoder-dever de iniciativa de leis complementares e quetambém está obrigado a deflagrar o processo de regulaçãodo art. 7o, I, da CR, não pode voltar-se contra seu deverconstitucional e delir o que antes fez, em concurso com oLegislativo, para a regulação de direito constitucional.Enquanto os direitos de defesa garantem liberdade jurídica,os sociais visam à liberdade fática. Direitos fundamentaissociais dirigem-se a prestações financeiras ou materiais, quepossibilitam o gozo das liberdades jurídicas como liberdadefática48. Noutras palavras, certas prestações materiaisreputadas indeclináveis pelo constituinte são o meio materialreputado pela Constituição como indeclinável para quepermitir que a liberdade de direito seja exercida de fato, aoinvés de permanecer no campo do mero direito escrito. Admitido isso, o Executivo não dispõe da prerrogativa dedesfazer toda a legislação concretizadora de determinadodireito social, pela mesma razão pela qual carece de poderpara não realizar, em nenhuma medida, os imperativosconstitucionais dele decorrentes: do ponto de vista dodireito constitucional, os direitos fundamentais sociais sãodireitos a prestações tão relevantes, que não se pode deixar àmaioria parlamentar garanti-las ou não49. Nesse sentido,CANOTILHO nota não poderem “os poderes públicos eliminar,sem contraprestação ou alternativa, o núcleo essencial járealizado desses direitos [os sociais]. Neste sentido se falatambém de cláusulas de proibição de evolução reacionária

47 RE 592.581, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI.48 BOROWSKI, Martin. Grundrechte als Prinzipien, 2. Aufl., Baden-Baden:

Nomos, 2007, p. 341.49 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 1. Aufl., Suhrkamp, 1994, p. 465, e

BOROWSKI, Martin. Grundrechte als Prinzipien, 2. Aufl., Baden-Baden:Nomos, 2007, p. 341p. 343.

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ou de retrocesso social (ex.: [...] reconhecido, através de lei, osubsídio de desemprego como dimensão do direito aotrabalho, não pode o legislador extinguir este direito,violando o núcleo essencial do direito socialconstitucionalmente protegido)”50.Se nem as maiorias parlamentares podem anular a força daConstituição, com mais razão não se pode tolerar que oExecutivo o faça de maneira unilateral.Por fim, ao menos um precedente do Supremo TribunalFederal repele que qualquer das entidades da federação seomita em prestações constitucionalmente impostas, em provada ilicitude da pura e simples ab-rogação de normasdestinadas ao implemento de direitos fundamentais sociais51:

Federação: competência comum: proteção dopatrimônio comum, incluído o dos sítios de valorarqueológico (CF, arts. 23, III, e 216, V): encargo quenão comporta demissão unilateral. 1. L. est. 11.380, de1999, do Estado do Rio Grande do Sul, confere aosmunicípios em que se localizam a proteção, a guarda ea responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seusacervos, no Estado, o que vale por excluir, a propósitode tais bens do patrimônio cultural brasileiro (CF, art.216, V), o dever de proteção e guarda e a consequenteresponsabilidade não apenas do Estado, mas também daprópria União, incluídas na competência comum dosentes da Federação, que substantiva incumbência denatureza qualificadamente irrenunciável. 2. A inclusão de determinada função administrativa noâmbito da competência comum não impõe que cadatarefa compreendida no seu domínio, por menosexpressiva que seja, haja de ser objeto de açõessimultâneas das três entidades federativas: donde, aprevisão, no parágrafo único do art. 23 CF, de leicomplementar que fixe normas de cooperação (v. sobre

50 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed., Coimbra: Almedina, p. 478.

51 Sobretudo porque a melhor doutrina já demonstrou que a estrutura dosdireitos fundamentais sociais não difere daquela dos demais direitos aprestações, como se vê, por exemplo, em BOROWSKI, ob. cit. na nota 34[nota 49 neste parecer], p. 342.

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monumentos arqueológicos e pré-históricos, a L.3.924/61), cuja edição, porém, é da competência daUnião e, de qualquer modo, não abrange o poder dedemitirem-se a União ou os Estados dos encargosconstitucionais de proteção dos bens de valorarqueológico para descarregá-los ilimitadamente sobreos Municípios. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgadaprocedente52.

Com esses fundamentos, que alteram a posição da

Procuradoria-Geral da República expressa na ADI 1.625/DF,

conclui-se inexistente plausibilidade da demanda, a recomendar

indeferimento dos pedidos cautelares e, no mérito, improcedência

do pleito.

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, opina o Procurador-Geral da República, su-

cessivamente, pelo indeferimento da petição inicial, por descabi-

mento da ação, pelo indeferimento das medidas cautelares e, no

mérito, por improcedência do pedido.

Brasília (DF), 30 de junho de 2016.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República

RJMB/HSA/WCS-Par.PGR/WS/2.204/2016

52 ADI 2.544, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.

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