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Ministra Laurita Vaz

Ministra Laurita Vaz - BDJur · Tribunal. - Preliminar de incompetência do Juízo da Violência Doméstica e Familiar rejeitada: existente, na presente hipótese, a figura elementar

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Julgados 1. Recurso Especial nº 1.416.580 - RJ

2. Recurso Especial nº 1.307.166 - SP

3. Habeas Corpus nº 190.264 - PB

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.416.580 - RJ (2013/0370910-1) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZRECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : C E B D F ADVOGADO : MICHEL ASSEFF FILHO E OUTRO(S)ASSIST. AC : L E A P ASSIST. AC : E DE S H ADVOGADO : MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LESÃO CORPORAL PRATICADOS CONTRA NAMORADA DO RÉU E CONTRA SENHORA QUE A ACUDIU. NAMORO. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO III, E ART. 14 DA LEI N.º 11.340/06. PRECEDENTES DO STJ. VÍTIMA MULHER DE RENOME DA CLASSE ARTÍSTICA. HIPOSSUFICIÊNCIA E VULNERABILIDADE AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO PARA JUSTIFICAR A NÃO-APLICAÇÃO DA LEI ESPECIAL. FRAGILIDADE QUE É ÍNSITA À CONDIÇÃO DA MULHER HODIERNA. DESNECESSIDADE DE PROVA. COMPETÊNCIA DO I JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA CAPITAL FLUMINENSE. RECURSO PROVIDO. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, EM RELAÇÃO AO CRIME COMETIDO CONTRA A PRIMEIRA VÍTIMA, EM FACE DA SUPERVENIENTE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.

1. Hipótese em que, tanto o Juízo singular quanto o Tribunal a quo, concluíram que havia, à época dos fatos, uma relação de namoro entre o agressor e a primeira vítima; e, ainda, que a agressão se deu no contexto da relação íntima existente entre eles. Trata-se, portanto, de fatos incontestes, já apurados pelas instâncias ordinárias, razão pela qual não há falar em incidência da Súmula n.º 07 desta Corte.

2. O entendimento prevalente neste Superior Tribunal de Justiça é de que "O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica " (CC 96.532/MG, Rel. Ministra JANE SILVA – Desembargadora Convocada do TJMG, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 19/12/2008). No mesmo sentido: CC 100.654/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 13/05/2009; HC 181.217/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 04/11/2011; AgRg no AREsp 59.208/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 07/03/2013.

3. A situação de vulnerabilidade e fragilidade da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, nas circunstâncias descritas pela lei de regência, se revela ipso facto . Com efeito, a presunção de hipossuficiência da

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mulher, a implicar a necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente, constitui-se em pressuposto de validade da própria lei. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração dessa presunção, que, aliás, é ínsita à condição da mulher na sociedade hodierna.

4. As denúncias de agressões, em razão do gênero, que porventura ocorram nesse contexto, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos termos do art. 14 da Lei n.º 11.340/2006.

5. Restabelecida a condenação, cumpre o reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade do Recorrido, em relação ao crime cometido contra a primeira vítima, em face da prescrição da pretensão punitiva estatal, a teor do art. 110, § 1.º, c.c. o art. 119, c.c. o art. 109, inciso VI (este com a redação anterior à Lei n.º 12.234, de 5 de maio de 2010, já que o crime é de 23/10/2008), todos do Código Penal.

6. Recurso especial provido para, cassando o acórdão dos embargos infringentes, restabelecer o acórdão da apelação que confirmara a sentença penal condenatória. Outrossim, declarada, de ofício, a extinção da punibilidade do Recorrido, em relação ao crime de lesão corporal cometido contra a primeira vítima, em face da superveniente prescrição da pretensão punitiva estatal, remanescendo a condenação contra a segunda vítima.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento e declarar, de ofício, a extinção da punibilidade do recorrido, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.

SUSTENTARAM ORALMENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, DR. MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO (P/ASSIST.AC: E DE S H) e DR. MARCO AURÉLIO ASSEFF (P/RECDO)

Brasília (DF), 1º de abril de 2014 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.416.580 - RJ (2013/0370910-1) RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : C E B D F ADVOGADO : MICHEL ASSEFF FILHO E OUTRO(S)ASSIST. AC : L E A P ASSIST. AC : E DE S H ADVOGADO : MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso especial, com fulcro na alínea a do permissivo

constitucional, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO – ratificado pelas Assistentes de Acusação LUANA ELIDIA AFONSO PIOVANI

e ESMERALDA DE SOUZA HONÓRIO – em face de acórdão da Sétima Câmara Criminal

do Tribunal de Justiça do mesmo Estado que, nos autos dos embargos infringentes n.º

0376432-04.2008.8.19.0001, acolheu o recurso defensivo.

Consta dos autos que CARLOS EDUARDO BOUÇAS DOLABELA FILHO,

ora Recorrido, foi condenado pelo Juízo do Primeiro Juizado da Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher da capital fluminense, como incurso nos arts. 129, § 9.º (vítima

Luana Elídia Afonso Piovani) e 129, § 1.º, inciso I, c.c. o art. 61, inciso II, alínea h (vítima

Esmeralda de Souza Honório), na forma do 71, todos do Código Penal, às penas de 2 (dois)

anos e 9 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto. A sentença de fls. 402/428

ainda foi integrada pelo julgamento de dois embargos de declaração opostos pelo Réu,

consoante as decisões de fls. 436/440 e 443/444.

Inconformada, a Defesa do Réu interpôs apelação. A Quarta Câmara Criminal

do Tribunal de Justiça fluminense, por maioria, rejeitou as preliminares, vencido o Des.

Francisco José de Asevedo que acolhia a preliminar de incompetência do Juizado da

Violência Doméstica e Familiar; e, no mérito, por unanimidade, negou provimento ao apelo,

nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Eis a ementa do julgado:

"APELAÇÃO - Art. 129 § 9º e 129, § 1º, I, c/c 61, II, “h”, na forma do art. 71, § único, todos do CP. - Pena total de 02 anos de reclusão e 09 meses de detenção, fixada da seguinte forma: (vítima Luana): 09 meses de detenção; - (vítima Esmeralda): 02 anos de reclusão. - Apelante com vontade livre e consciente de lesionar, ofendeu a integridade física de Luana Elidia Afonso Piovani, desferindo um tapa em seu rosto, fazendo com que a mesma caísse ao solo e causou-lhe as lesões corporais descritas no laudo carreado

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aos autos. No momento das agressões, o ora apelante em novo desígnio criminoso, agrediu Esmeralda de Souza Honório, de 62 anos, que tinha se aproximado para socorrer a vítima Luana. Narra, ainda a denúncia, que o ora apelante agarrou Esmeralda pelos ombros e a jogou ao chão, causando-lhe lesões corporais. - Preliminar de nulidade em razão da unificação dos processos descreverem fatos distintos nas denúncias rejeitada : a defesa, tendo sido cientificada, não fez qualquer reclamação com relação à unificaç ão dos processos. E foi o ora apelante que, em fase de instrução, requereu a união dos processos. Decisão esta proferida pela 5ª Câmara Criminal deste E. Tribunal. - Preliminar de incompetência do Juízo da Violência Doméstica e Familiar rejeitada : existente, na presente hipótese, a figura elementar de violência de gênero. A lei Maria da Penha exige uma qualidade especial do sujeito passivo e, o autor do delito era companheiro da vítima, caracterizando o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. - No mérito, impossível a absolvição : materialidade e autoria plenamente demonstradas pelo conjunto probatório. - Totalmente improcedente a alegação de ter sido um acidente ocasionado com o movimento do braço do apelante e que Luana, ao tentar se desvencilhar, teria se desequilibrado e caído ao chão. - Os testemunhos foram claros e inequívocos: as vítimas foram categóricas no sentido de terem sido agredidas e uma das testemunhas afirmou ter visto o momento em que o ora apelante desferiu um tapa no rosto de Luana, comprovando o crime de lesão corporal. O delito em relação à outra vítima, Esmeralda também restou comprovado, sendo incabível a alegação de atipicidade da conduta, eis que evidenciado pelo auto de exame de corpo de delito e pela prova oral. - Dosimetria da pena que é correta. - A fixação da pena base acima do mínimo legal foi suficientemente fundamentada em relação à vítima Luana : "...a agressão praticada pelo acusado, num local público em que se realizava um evento em homenagem à vitima Luana, causou a esta não só lesão à sua integridade física, como abalo à sua imagem. A presente vitima é atriz, cuja profissão depende da imagem que tem perante o público. Além disto, a dinâmica dos fatos demonstrou que Luana, em razão do tapa, chegou a cair no meio da pista de dança, ocasionando hematomas, conforme apurado no AECD. No dia dos fatos ocorreu a estreia de um espetáculo em que a vitima era atriz principal, sendo certo que o espetáculo prosseguiu nos meses seguintes, havendo necessidade de que Luana se maquiasse para esconder os hematomas (...) Diante destas circunstâncias, é inequívoco que as consequências do crime praticado pelo acusado excederam ao normal do tipo em questão." Assim a pena-base foi fixada em 09 meses de detenção , tornada definitiva pois ausentes quaisquer causas especiais de diminuição ou aumento de pena. - Quanto à vítima Esmeralda : a pena foi fixada no mínimo legal em 01 ano de reclusão. A seguir, presente a agravante do art. 61, II, "h" do CP, na medida em que “ a vitima já era idosa na época dos fatos, conforme dispõe o artigo 1.º da Lei 10.741/2003. Outrossim, a situação é ainda mais grave, posto que não bastasse a maior vulnerabilidade em razão da idade, a compleição física da vitima Esmeralda perante ao porte físico do acusado, lhe tornou muito mais frágil.(...) a vitima tinha aproximadamente 42 quilos e 1,58 metros de altura, o que fez com que a mesma, com o empurrão, tivesse um deslocamento de quase três metros,

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conforme apurado na instrução criminal." Assim, a pena foi aumentada em 01 ano, para o patamar definitivo de 02 anos de reclusão, pois ausentes quaisquer causas especiais de diminuição ou aumento de pena. Fixado o regime aberto e acertadamente não foi substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, "por se tratar de crime perpetrado com violência" . E também não foi concedida a suspensão condicional da pena, tendo em vista a conduta social e a personalidade. Ademais, tais benefícios são vedados pelo art. 41 da Lei 11340/06. - Manutenção da sentença. - REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES - DESPROVIMENTO DO RECURSO. " (fls. 601/602)

Ainda renitente, a Defesa opôs embargos de declaração, que restaram

rejeitados, consoante acórdão de fls. 657/661.

Ato contínuo, opôs embargos infringentes, os quais foram acolhidos, por

maioria, pela Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

nos termos da seguinte ementa:

"EMBARGOS INFRINGENTES. Alegação de incompetência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar. Sem ingresso na prova meritória, a imputação de agressão de namorado contra namorada, pode, dentro conceito lógico legal, ser tutelado pela referida Lei Maria da Penha. Entretanto, a ratio legis, requer sua aplicação contra violência intra-familiar, levando em conta a relação de gênero, diante da desigualdade socialmente constituída. O campo de atuação e aplicação da respectiva lei está traçado pelo binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações diversas movidas por afetividade ou afinidade.

Entretanto, uma simples análise dos personagens do processo, ou mesmo da notoriedade de suas figuras públicas, já que ambos são atores renomados, temos que a indicada vítima além de não conviver em uma relação de afetividade estável com o réu ora embargante, não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade. Embargos Infringentes que se conhece e no mérito dá-se provimento." (fls. 728/729)

Contudo, as vítimas, que haviam sido admitidas como assistentes de

acusação, opuseram embargos de declaração, apontando a nulidade do acórdão por não

terem sido intimadas a oferecer contrarrazões.

A Sétima Câmara Criminal do Tribunal a quo, por unanimidade, acolheu os

embargos de declaração, "para declarar nulo o julgamento dos Embargos Infringentes e de

Nulidade, determinando a abertura de vista às Embargantes de Declaração para fins de

apresentação de contrarrazões " (fl. 830).

Sobreveio novo acórdão que acolheu os embargos infringentes do Réu,

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consoante a seguinte ementa:

"EMBARGOS INFRINGENTES. Sustentação de incompetência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar. Sem adentrarmos ao mérito da ação penal, temos que, pelo menos em tese, a imputação de agressão realizada por um indivíduo contra sua namorada, poderia, dentro do conceito lógico legal, ser tutelada pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). Entretanto, a ratio legis requer sua aplicação contra violência intra-familiar, levando em conta relação de gênero, diante da desigualdade socialmente constituída. O campo de atuação e aplicação da respectiva lei está traçado pelo binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações diversas, movidas por afetividade ou afinidade. No entanto, uma simples análise dos personagens do processo, ou mesmo da notoriedade de suas figuras públicas, já que ambos são atores renomados, nos leva a concluir que a indicada vítima, além de não conviver em relação de afetividade estável como o réu ora embargante, não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade. Embargos Infringentes que se conhece e no mérito dá-se provimento. " (fl. 898)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por sua

vez, interpôs recurso especial às fls. 912/932 – ratificado pelas Assistentes de Acusação à

fl. 951 –, delimitando a controvérsia na "interpretação e alcance das normas previstas nos

artigos 5º, inciso III, e 14 da Lei 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha) " (fl. 916), as quais

indica como violadas, ressaltando tratar-se de questão eminentemente de direito.

Assevera o Parquet Estadual que "O v. Acórdão recorrido negou vigência e

contrariou expressamente os dispositivos destacados e prequestionados, isto porque, não

obstante tenha reconhecido que a Lei Maria da Penha se aplica à relação objeto do presente

processo (namoro), entendeu que, diante das características da vítima, atriz renomada,

“figura pública”, a qual “nunca foi uma mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do

homem”, ela “não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de

vulnerabilidade”. Daí, nos termos do v. aresto recorrido, a vítima destes autos, apesar de

mulher, não se sujeitaria à incidência da Lei 11.340 de 2006" (fl. 922).

E pondera ainda que, a teor do acórdão recorrido, "por força de características

da vítima, circunstâncias estas extrínsecas à relação de convívio afetivo com o agressor, não

estaria ela sujeita à Lei Maria da Penha. E, em assim o fazendo, negou autoridade à decisão

anteriormente proferida pelo E. STJ no HC 136.825/RJ, a qual entendera que ao réu não se

aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, isto por força da incidência, no caso

concreto, do artigo 41 da Lei 11.340/2006 " (fl. 922).

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No mérito, apontando violação à lei de regência, argumenta que "o que

pretendeu a lei foi conferir tratamento diferenciado à mulher vítima de violência doméstica e

familiar, isto por considerá-la vulnerável diante da evidente desproporcionalidade física

existente entre agredida e agressor. Da mesma forma, levou-se em conta o preconceito e a

cultura vigentes, os quais se descortinam no número alarmante de casos de violência

familiar e doméstica contra mulheres, em todos os níveis e classes sociais. [...] Assim, a

vulnerabilidade deve ser aferida na própria relação de afeto, onde o homem é, e sempre foi,

o mais forte. A hipossuficiência, portanto, é presumida pela própria lei" (fl. 924).

Elenca, ainda, precedentes da Terceira Seção e do Supremo Tribunal Federal,

no sentido da aplicação da Lei Maria da Penha mesmo para crimes praticados por namorados

ou ex-namorados.

Requer, assim, o provimento do recurso especial, "para que seja reformado o

v. acórdão, reconhecendo-se a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, e restabelecendo-se a r. sentença condenatória de fls. 354/380 e o v. aresto

que julgou a apelação (fls. 670/714) " (fl. 932).

O Recorrido ofereceu contrarrazões às fls. 937/946, aduzindo que a pretensão

recursal esbarra no óbice da Súmula n.º 07 desta Corte. Argumenta que o acórdão recorrido

foi prolatado "analisando em pormenores os atores do processo, que foi verificada a

ausência de vulnerabilidade e hipossuficiência, bem como o afastamento de qualquer

pretensão de se adequar as partes como tendo uma relação familiar ou doméstica, muito

menos afetiva estável " e, por isso, não está sujeito a revisão das Cortes Superiores. Sustenta

que, "Durante toda a instrução processual, foi discutida a relação entre as partes, que não

passou de uma simples relação transitória, sem o mínimo de afetividade que justifique o

enquadramento na Lei Maria da Penha" (fl. 940).

Assim, pede que "seja o Recurso Especial inadmitido, seja porque a pretensão

recursal demanda reexame de matéria de fato e de prova, seja porque o v. aresto não

infringiu qualquer dispositivo legal; ou, se admitido, o que se admite apenas para

argumentar, que lhe seja negado provimento " (fl. 946).

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 978/988, opinando pelo

provimento do recurso, em parecer que guarda a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. VERIFICADA.

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1. Nos termos do inciso III do art. 5º da Lei 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer relação íntima de afeto, independente de coabitação, caracteriza violência doméstica.

2. A condição de destaque da mulher no meio social, seja por situação profissional ou econômica, não afasta a incidência da Lei Maria da Penha, nos casos em que esta for submetida a uma situação de violência decorrente de relação íntima afetiva.

3. Parecer pelo provimento do recurso."

É o relatório.

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EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LESÃO CORPORAL PRATICADOS CONTRA NAMORADA DO RÉU E CONTRA SENHORA QUE A ACUDIU. NAMORO. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO III, E ART. 14 DA LEI N.º 11.340/06. PRECEDENTES DO STJ. VÍTIMA MULHER DE RENOME DA CLASSE ARTÍSTICA. HIPOSSUFICIÊNCIA E VULNERABILIDADE AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO PARA JUSTIFICAR A NÃO-APLICAÇÃO DA LEI ESPECIAL. FRAGILIDADE QUE É ÍNSITA À CONDIÇÃO DA MULHER HODIERNA. DESNECESSIDADE DE PROVA. COMPETÊNCIA DO I JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA CAPITAL FLUMINENSE. RECURSO PROVIDO. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, EM RELAÇÃO AO CRIME COMETIDO CONTRA A PRIMEIRA VÍTIMA, EM FACE DA SUPERVENIENTE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.

1. Hipótese em que, tanto o Juízo singular quanto o Tribunal a quo, concluíram que havia, à época dos fatos, uma relação de namoro entre o agressor e a primeira vítima; e, ainda, que a agressão se deu no contexto da relação íntima existente entre eles. Trata-se, portanto, de fatos incontestes, já apurados pelas instâncias ordinárias, razão pela qual não há falar em incidência da Súmula n.º 07 desta Corte.

2. O entendimento prevalente neste Superior Tribunal de Justiça é de que "O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica " (CC 96.532/MG, Rel. Ministra JANE SILVA – Desembargadora Convocada do TJMG, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 19/12/2008). No mesmo sentido: CC 100.654/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 13/05/2009; HC 181.217/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 04/11/2011; AgRg no AREsp 59.208/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 07/03/2013.

3. A situação de vulnerabilidade e fragilidade da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, nas circunstâncias descritas pela lei de regência, se revela ipso facto . Com efeito, a presunção de hipossuficiência da mulher, a implicar a necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente, constitui-se em pressuposto de validade da própria lei. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração dessa presunção, que, aliás, é ínsita à condição da mulher na sociedade hodierna.

4. As denúncias de agressões, em razão do gênero, que porventura ocorram nesse contexto, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de

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Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos termos do art. 14 da Lei n.º 11.340/2006.

5. Restabelecida a condenação, cumpre o reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade do Recorrido, em relação ao crime cometido contra a primeira vítima, em face da prescrição da pretensão punitiva estatal, a teor do art. 110, § 1.º, c.c. o art. 119, c.c. o art. 109, inciso VI (este com a redação anterior à Lei n.º 12.234, de 5 de maio de 2010, já que o crime é de 23/10/2008), todos do Código Penal.

6. Recurso especial provido para, cassando o acórdão dos embargos infringentes, restabelecer o acórdão da apelação que confirmara a sentença penal condenatória. Outrossim, declarada, de ofício, a extinção da punibilidade do Recorrido, em relação ao crime de lesão corporal cometido contra a primeira vítima, em face da superveniente prescrição da pretensão punitiva estatal, remanescendo a condenação contra a segunda vítima.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

O ora Recorrido, CARLOS EDUARDO BOUÇAS DOLABELA FILHO, foi

denunciado pela prática dos crimes do arts. 129, § 9.º e 129, § 1.º, inciso I, c.c. o art. 61,

inciso II, alínea h, na forma do 71, todos do Código Penal, acusado nestes termos:

"No dia 23 de outubro de 2008, por volta das 03:45 horas, no interior da boate 00, situada na Avenida Padre Leonel Franca, sem n.º, Gávea, nesta comarca, o denunciado, livre e conscientemente, com vontade de ferir, ofendeu a integridade física de Luana Elidia Afonso Piovani, causando-lhe as lesões corporais descritas no laudo de exame de corpo de delito de fls. 19.

Consta no incluso procedimento que a vitima e o denunciado mantinham relacionamento amoroso há cerca de oito meses.

No dia dos fatos a vitima e o denunciado estavam no interior da boate comemorando a estréia de uma peça teatral, sendo certo que, o denunciado alcoolizado, inconformado com o fato da vitima estar se divertindo e não querer ir embora, a agrediu, desferindo um tapa em seu rosto, fazendo com que a mesma caísse ao solo.

Neste momento, Esmeralda de Souza Honório, de 62 anos de idade, se aproximou, visando socorrer a vitima, oportunidade em que, o denunciado, em novo desígnio criminoso, a agrediu, agarrando-a pelos ombros e jogando-a ao chão, causando-lhe lesões corporais.

Visivelmente transtornado, o denunciado muniu-se de uma garrafa de cerveja e atirou-a ao chão. Ato continuo, visto que a vitima se recusava a conversar, o denunciado a segurou com força pelos braços, sacudindo-a.

As agressões só cessaram em razão da intervenção de seguranças e freqüentadores do local."

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Superior Tribunal de Justiça

O Juízo do Primeiro Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher da capital fluminense condenou o Réu a pena totalizada em 2 (dois) anos e 9 (nove)

meses de detenção, em regime inicial aberto.

A Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça fluminense, por maioria,

rejeitou as preliminares, com voto vencido quanto à arguida incompetência do Juizado da

Violência Doméstica e Familiar; e, no mérito, por unanimidade, negou provimento à apelação

defensiva.

A Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, no entanto, acolheu os embargos infringentes da Defesa, "para declarar a

incompetência do I Juizado da Violência Doméstica e Familiar, anulando a sentença, e

remetendo os autos à 27ª Vara Criminal da Comarca da Capital, para que proferira outra

sentença " (fl. 905).

Contra esse acórdão, insurge-se o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO, sustentando, nas razões do recurso especial, que o Tribunal a quo violou

os arts. 5.º, inciso III, e 14 da Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), além de ter negado

autoridade ao acórdão desta Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prolatado nos

autos do HC n.º 136.825/RJ, que teria reconhecido a incidência da Lei Maria da Penha ao

caso em apreço.

Pois bem. Passo ao exame do recuso especial.

De início, não conheço da alegação de suposta inobservância de julgado deste

Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, de um lado, a via processual adequada para

deduzir tal controvérsia seria a Reclamação, a teor do art. 105, inciso I, alínea f, da

Constituição Federal.

De outro lado, ainda que se admitisse a utilização da via do recurso especial

para discutir a questão, a matéria, de qualquer sorte, carece do indispensável

prequestionamento – vale dizer: a controvérsia não foi enfrentada no acórdão recorrido –, o

que atrairia a incidência dos verbetes sumulares n.º 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante, cumpre anotar, obiter dictum , que a controvérsia trazida pela

Defesa nos autos do HC n.º 136.825/RJ foi no sentido da suposta existência de direito

subjetivo do Paciente à suspensão condicional do processo nos termos da Lei n.º 9.099/95. E

esta Quinta Turma, em acórdão por mim relatado, se limitou a afirmar que "O art. 41 da Lei

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Superior Tribunal de Justiça

n.º 11.340/06 afastou a incidência da Lei 9.099/95 quanto aos crimes praticados com

violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, o que

acarreta a impossibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como

a suspensão condicional do processo ". Em momento algum se discutiu acerca da eventual

não-aplicação da Lei Maria da Penha ao caso em tela.

No mais, quanto ao malferimento dos arts. 5.º, inciso III, e 14 da Lei n.º

11.340/2006, a insurgência ministerial merece acolhida.

Eis o que dispõe a legislação em referência:

"Art. 5.º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial :

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto , na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação ."

.................................................................................................................

"Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher."

A Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, a denominada Lei Maria da Penha,

objetivou criar formas de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme o

art. 226, § 8.º, da Constituição Federal e Convenções Internacionais.

Depreende-se que a legislação teve o intuito de proteger a mulher da violência

doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e

dano moral ou patrimonial, mas o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica,

da família ou em qualquer relação íntima de afeto.

Outrossim, de acordo com os precedentes desta Corte, a relação existente entre

os sujeitos ativo e passivo deve ser analisada em face do caso concreto, para verificar a

aplicação da Lei Maria da Penha, sendo desnecessária a coabitação entre eles.

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Superior Tribunal de Justiça

Na hipótese vertente, o primeiro ponto a merecer destaque é a conclusão

inarredável, tanto do Juízo singular quanto do Tribunal a quo, de que havia, à época dos fatos,

uma relação de namoro entre o agressor e a primeira vítima; e, em segundo lugar, que a

agressão se deu no contexto da relação íntima existente entre eles. Trata-se, portanto, de fatos

incontestes, já apurados pelas instâncias ordinárias, razão pela qual não há falar em incidência

da Súmula n.º 07 desta Corte.

A propósito, asseverou o Juízo de primeiro grau ao apreciar os primeiros

embargos de declaração opostos em face da sentença:

"[...] considerando ser fato incontroverso que a vitima e o acusado eram, ao tempo dos fatos, namorados já há algum tempo, plenamente aplicável a Lei Maria da Penha." (fl. 437)

"O voto-condutor do acórdão recorrido, depois de um escorço histórico acerca

dos fatos que motivaram a aprovação da chamada "Lei Maria da Penha", consignou, in verbis :

"[...]Com efeito, vimos aí a ratio legis, o que significa dizer que a lei deve

ser aplicada contra violência intra-familiar, levando em conta a relação de gênero, diante da desigualdade socialmente constituída.

Por outra forma, temos o campo de sua aplicação guiado pelo binômio “hipossuficiência” e “vulnerabilidade” em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações diversas movidas por afetividade ou afinidade.

In casu, observa-se, sem ingresso na prova meritória, a imputação de agressão de namorado contra namorada, o que, dentro do conceito lógico legal, poder-se-ia aplicar a referida Lei Maria da Penha.

Entretanto, uma simples análise dos personagens do processo, ou do local do fato – não doméstico - ou mesmo da notoriedade de suas figuras públicas, já que ambos são atores renomados, nos leva à conclusão de que a indicada vítima, além de não conviver em uma relação de afetividade estável com o réu ora embargante, não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade.

É público e notório que a indicada vítima nunca foi uma mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do homem."

[...]" (fls. 903/904)

Como se vê, o fundamento do acórdão recorrido para declarar a incompetência

do Juízo sentenciante é a pretensa não-incidência da Lei n.º 11.340/2006, porque "a indicada

vítima, além de não conviver em uma relação de afetividade estável com o réu ora

embargante, não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de

vulnerabilidade. "

Todavia, concessa venia , não é esse o entendimento prevalente neste Superior Documento: 1310202 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/04/2014 Página 1 3 de 20

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Tribunal de Justiça, que reiteradamente tem decidido que "O namoro é uma relação íntima de

afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada,

ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza

violência doméstica " (CC 96.532/MG, Rel. Ministra JANE SILVA – Desembargadora

Convocada do TJMG, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 19/12/2008).

No mesmo sentido:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA PRATICADA EM DESFAVOR DE EX-NAMORADA. CONDUTA CRIMINOSA VINCULADA A RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI N.º 11.340/2006. APLICAÇÃO.

1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5.º, inc. III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo, necessário se faz salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto como o namoro deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo - relação íntima de afeto - para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico.

2. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da Lei n.º 11.340/2006.

3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG." (CC 100.654/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 13/05/2009.)

"PENAL. HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE. INSTITUTOS DESPENALIZADORES. LEI N.º 9.099/95. ART. 41. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento jurisprudencial no sentido da configuração de violência doméstica contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado.

II. Em tais circunstâncias, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado.

III. A constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha foi declarada no dia 24.03.2011, à unanimidade de votos, pelo Plenário do STF, afastando de uma vez por todas quaisquer questionamentos quanto à não aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95.

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IV. Ordem denegada." (HC 181.217/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 04/11/2011.)

"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDA PROTETIVA APLICADA CONTRA EX-NAMORADO. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO TRANSITÓRIA. NECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. VEDAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Com efeito, o Tribunal de piso, soberano na reanálise do conjunto fático-probatório, concluiu pela configuração da violência doméstica e familiar contra a mulher, e pela aplicação de medida protetiva da Lei Maria da Penha.

2. Nesse aspecto, desconstituir o julgado por suposta contrariedade a lei federal não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material probante, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias e vedado ao Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 7/STJ.

3. Ainda que assim não fosse, "Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima" (CC 103.813/MG, Rel. Min. JORGE MUSSI, Terceira Seção, DJe 03/08/2009).

4. Agravo regimental não provido." (AgRg no AREsp 59.208/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 07/03/2013.)

Outrossim, reiterando a vênia, não há como prosperar a restrição erigida pelo

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para aplicar a Lei Maria da

Penha, no sentido de exigir a demonstração de hipossuficiência ou de vulnerabilidade da

mulher agredida.

Ora, ao meu sentir, a situação de vulnerabilidade e fragilidade da mulher,

envolvida em relacionamento íntimo de afeto, nas circunstâncias descritas pela lei de

regência, se revela ipso facto .

Com efeito, a presunção de hipossuficiência da mulher, a implicar a

necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade

existente, constitui-se em pressuposto de validade da própria lei.

Vale ressaltar que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse

tratamento diferenciado à demonstração desse pressuposto – presunção de hipossuficiência da

mulher –, que, aliás, é ínsito à condição da mulher na sociedade hodierna.

As denúncias de agressões, em razão do gênero, que porventura ocorram nesse

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contexto, devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, nos termos do art. 14 da Lei n.º 11.340/2006.

A propósito, precisas são as considerações trazidas pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO nas razões recursais, as quais adiro:

"Com efeito, o que pretendeu a lei foi conferir tratamento diferenciado à mulher vítima de violência doméstica e familiar, isto por considerá-la vulnerável diante da evidente desproporcionalidade física existente entre agredida e agressor. Da mesma forma, levou-se em conta o preconceito e a cultura vigentes, os quais se descortinam no número alarmante de casos de violência familiar e doméstica contra mulheres, em todos os níveis e classes sociais.

Nesta linha são as decisões do E. Supremo Tribunal Federal. Veja-se, a título de exemplo, o julgamento da ADC n.º 19, relator Min. Marco Aurélio (acórdão ainda não disponível), o qual foi assim noticiado no Informativo de Jurisprudência daquela Corte (Inf. 654 – 6 a 10 de fevereiro de 2012):

“(...) Asseverou-se que, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher e estabelecer medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como base o gênero da vítima, o legislador teria utilizado meio adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo referido preceito constitucional. Aduziu-se não ser desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação, VISTO QUE A MULHER SERIA EMINENTEMENTE VULNERÁVEL NO TOCANTE A CONSTRANGIMENTOS FÍSICOS, MORAIS E PSICOLÓGICOS SOFRIDOS EM ÂMBITO PRIVADO (...)” (g.n.)

Assim, a vulnerabilidade deve ser aferida na própria relação de afeto, onde o homem é, e sempre foi, o mais forte. A hipossuficiência, portanto, é presumida pela própria lei." (fls. 993/994)

Por esses fundamentos, reconhecendo-se a competência do Juizado de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, deve ser cassado o acórdão recorrido e

restabelecido o que julgou a apelação.

Não obstante, conta o Recorrido com o beneplácito da legislação penal

brasileira que, a despeito da existência de inúmeros recursos permitidos pela lei processual

penal, indica como último marco interruptivo da prescrição da pretensão punitiva estatal a

sentença penal condenatória.

No caso, o Juízo do Primeiro Juizado da Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher da capital fluminense condenou o Réu, em relação à vítima LUANA, à pena

de 9 (nove) meses de detenção; e, em relação à vítima ESMERALDA, à pena de 2 (dois)

anos de reclusão. Em razão da continuidade delitiva, mas prevalecendo o óbice do parágrafo Documento: 1310202 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/04/2014 Página 1 6 de 20

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único do art. 70 do Código Penal, determinou o somatório das penas, que totalizaram, assim,

2 (dois) anos e 9 (nove) meses, em regime inicial aberto.

A teor do art. 110, § 1.º, c.c. o art. 119, ambos do Código Penal, devem ser

consideradas as penas isoladamente cominadas – no caso, 9 meses; e 2 anos –, as quais,

ensejam os prazos prescricionais, respectivamente, de 2 e 4 anos, consoante os incisos VI

(este com a redação anterior à Lei n.º 12.234, de 5 de maio de 2010, já que o crime é de

23/10/2008) e V do art. 109 do Código Penal.

Consta-se, pois, a superveniência da extinção da punibilidade em face da

prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao crime de lesão corporal cometido

contra a vítima LUANA, considerando que, desde a publicação da sentença condenatória em

12/08/2010 (fl. 434), último marco interruptivo, já transcorreu o lapso temporal de 2 anos,

cujo termo final se deu em 11/08/2012, portanto, antes mesmo de o recurso especial do

Ministério Público ser protocolizado na origem em 09/07/2013 (fl. 912).

No mais, remanesce a condenação imposta com relação à vítima

ESMERALDA à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, cassando o

acórdão dos embargos infringentes, restabelecer o acórdão da apelação que confirmara a

sentença penal condenatória. Outrossim, DECLARO, DE OFÍCIO, a extinção da punibilidade

do Recorrido em relação ao crime de lesão corporal cometido contra a primeira vítima, em

face da superveniente prescrição da pretensão punitiva estatal, remanescendo a condenação

contra a segunda vítima.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.416.580 - RJ (2013/0370910-1)RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZRECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : C E B D F ADVOGADO : MICHEL ASSEFF FILHO E OUTRO(S)ASSIST. AC : L E A P ASSIST. AC : E DE S H ADVOGADO : MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO

VOTO-VOGAL

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:

Pedi vênia para lançar este voto-vogal, em razão da delicadeza jurídica

do caso, cirurgicamente destacado no voto condutor da Relatora, Ministra LAURITA

VAZ, o que também ficou realçado no voto do e. Ministro Presidente, MARCO

AURELIO BELLIZZE.

E o faço pela repercussão que o caso permite, na medida em que envolve protagonistas de destacada atividade cultural, já que são artistas da Rede Globo de Televisão e que por isso mesmo também são pessoas de alto relevo no mundo social e que permitem exemplos à sociedade.

Aqui não está em furo o namoro dos artistas. As instâncias inferiores assim o proclamaram.

Por outro lado, a relação íntima de forte convivência afetiva, como sabido, não exige coabitação.

Vivemos direitos de terceira geração, lastreados na solidariedade e na fraternidade. Por isso, não há mais espaço para separar mulheres em fortes e hipossuficientes, como se voltássemos ao início do século passado ao tempo da Constituição da mandioca, em que alguns produtores mais abastados podiam votar, outros, não.

Por isso, ao caso tem inteira aplicação a Lei Maria da Penha, sem outros questionamentos.

Afinal, diz o preâmbulo da nossa Constituição, com todas as letras, que o nosso Estado Democrático foi instituído para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, dentre eles o bem-estar, a sociedade fraterna, fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e internacional.

Em suma, o nosso Estado Democrático encontra lastro na dignidade humana que não permite que alguém seja agredido em público, mormente uma mulher pelo seu namorado e em público.

E os Direitos Humanos são prevalecentes no nosso mundo jurídico por

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força do art. 4º, inciso II, da nossa CF. Por isso, há plena vigência entre nós do Pacto de San José da Costa Rica desde 1992.

Se todo esse arcabouço jurídico não bastasse, vale a pena lembrar que o art. 5º, da nossa CF diz que todos nós temos direito à segurança, o que redunda reconhecer, mais uma vez, que ninguém pode ser agredido em público, sem razão legal que permita o uso da repulsa a injustos maus-tratos.

Vai daí que o argumento de que a vítima é uma mulher de mais de um metro e oitenta de altura não vinga já que dignidade não se afere por extensão de medida e sem dúvida alguma, ela não é uma atleta.

Resumindo, acompanhando o brilhante voto da Ministra LAURITA VAZ e as luzes dos suplementos trazidos pelo Ministro MARCO AURELIO BELLIZZE, firme na tese de que os direitos de terceira geração orientam o intérprete para os fins sociais da Lei Maria da Penha e para o contexto em que ela foi lançada, para preservar a dignidade humana que foi aviltada pela agressão pública e injustificada do recorrido contra a sua namorada.

Assim, pelo meu voto, também DOU PROVIMENTO ao recurso especial para cassar o acórdão dos embargos infringentes e restabelecer o acórdão da apelação que confirmou a sentença penal condenatória.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUINTA TURMA

Número Registro: 2013/0370910-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.416.580 / RJMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 03764320420088190001 20080013745882 20090012102473 201318850130 3764320120088190001 912032842008 95330364

PAUTA: 01/04/2014 JULGADO: 01/04/2014SEGREDO DE JUSTIÇA

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

SecretárioBel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRORECORRIDO : C E B D FADVOGADO : MICHEL ASSEFF FILHO E OUTRO(S)ASSIST. AC : L E A PASSIST. AC : E DE S HADVOGADO : MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Lesão Corporal - Decorrente de Violência Doméstica

SUSTENTAÇÃO ORAL

SUSTENTARAM ORALMENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, DR. MARCELO QUINTANILHA SALOMÃO (P/ASSIST.AC: E DE S H) e DR. MARCO AURÉLIO ASSEFF (P/RECDO)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento e declarou, de ofício, a extinção da punibilidade do recorrido, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.307.166 - SP (2012/0043373-6) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZRECORRENTE : A A N RECORRENTE : A C T P J ADVOGADO : ROBERTO PODVAL E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL. CONDENAÇÃO. NULIDADES. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. PENAS FUNDAMENTADAS. PRESCRIÇÃO DO CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. As diligências requeridas pela Defesa (reprodução simulada; animação gráfica de teses defensivas; exibição das telas de proteção originais, bem como as que foram utilizadas na reprodução dos fatos; reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e dos lençóis das camas dos irmãos da vítima; e exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial) foram indeferidas com fundamentação equilibrada e convincente, no sentido da impertinência e/ou desnecessidade da prova. Rever tais conclusões demandaria, inevitavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório, tarefa que não se coaduna com a via do recurso especial, por esbarrar no óbice da Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. Ausência de contrariedade ao art. 422 do Código de Processo Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

2. Diante do quadro fático delineado pela instância a quo, insuscetível de revisão neste recurso especial, a conclusão inevitável é a de que a diligência requerida (contraprova em material biológico) não teria mesmo nenhuma utilidade, razão pela qual inexiste a reclamada nulidade em face do fundamentado indeferimento.

Nesse contexto, em que se evidencia a manifesta impertinência da diligência, despicienda se mostra a verificação de suposta irregularidade da participação das peritas no segundo exame realizado, que não subsidiou a denúncia, tampouco o juízo condenatório.

O "laudo complementar", assim nominado pelos Recorrentes, na verdade, se tratou, segundo as instâncias ordinárias, de "laudo técnico de esclarecimento aos questionamentos feitos na fase do art. 422, do Digesto Processual Pátrio". Asseverou o voto condutor do aresto recorrido que a participação da perita "se deu apenas para esclarecer aspectos diretamente relacionados à perícia , muitos deles – senão todos – suscitados pela própria defesa ." É natural que o magistrado, acolhendo o pedido das partes, chame a mesma perita que participou da elaboração do laudo para prestar os esclarecimentos requeridos, situação que não se subsume à hipótese de impedimento prevista no Código de Processo Penal. Ausência de contrariedade ao art. 159, § 6.º; art. 279, inciso II e art. 422, todos do Código de Processo

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Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.3. O prazo estabelecido no art. 479 do Código de Processo Penal

("Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.") difere bastante dos demais prazos processuais, a começar pelo fato de a contagem ser feita para trás. Além disso, ainda há a peculiaridade de ser contado apenas em "dias úteis". Outrossim, a parte contrária deve ser imediatamente intimada, de modo a garantir-se-lhe a paridade de armas para o exercício do contraditório. E o mais importante: a regra geral do § 1.º do art. 798 ("Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento." ) é mitigada, na medida em que o prazo para juntada de documento ou objeto a ser utilizado em julgamento no Plenário do Júri estabelece "antecedência mínima " a ser observada.

Concluiu-se, pois, que o prazo em tela estabelece um interstício mínimo entre a juntada de documento ou objeto e a respectiva sessão de julgamento perante o Tribunal do Júri. Assim, se o julgamento está aprazado para segunda-feira (como no caso), o material deve ser juntado pela parte até a terça-feira da semana anterior, termo final do prazo, de modo a respeitar o interstício mínimo de três dias úteis entre esse ato e o julgamento. Ausência de contrariedade do art. 479 do Código de Processo Penal.

4. A mãe da vítima, embora arrolada pelo Ministério Público como testemunha, habilitou-se, desde o início do processo, como assistente de acusação e, nessa condição, foi ouvida, sem nenhuma oposição da Defesa, que, aliás, também participou de sua inquirição. E, o mais importante: o seu depoimento foi tomado sem a prestação de compromisso legal, deixando claro o magistrado que sua oitiva não se propunha a trazer depoimento testemunhal isento. Portanto, nenhuma nulidade houve. Ausência de contrariedade ao art. 271 do Código de Processo Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

5. Não constitui nulidade do julgamento o simples fato de o Juiz Presidente do Tribunal do Júri permitir ao assistente técnico sentar-se próximo ao assistido para, eventualmente, ser precisar, prestar seu auxílio ao advogado, de forma reservada, sem intervenção direta nos trabalhos do plenário. Tal circunstância, quando muito, constituiria mera irregularidade, sem o condão de macular o julgamento, salvo se porventura fosse demonstrado efetivo prejuízo, o que não ocorreu. Ausência de contrariedade ao art. 159, caput , incisos e parágrafos, do Código de Processo Penal.

6. Escorreito o acórdão recorrido ao reconhecer a preclusão, na medida em que a Defesa não se insurgiu em Plenário contra a quesitação específica da qualificadora em tela (homicídio cometido para assegurar a ocultação de outro crime), só o fazendo nas razões da apelação. E, ainda que assim não fosse, ao contrário da argumentação dos Recorrentes, a qualificadora do homicídio não foi reconhecida em face do próprio homicídio, mas das "diversas agressões precedentes ", inexistindo a sugerida inconsistência. Ausência de contrariedade ao art. 121, § 2.º, inciso V, do Código Penal, e ao art. 593, inciso III, alínea b e § 1.º, do Código de Processo Penal.

7. A Quinta Turma, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.º Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 2 de 53

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137.206/SP, relatado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em acórdão publicado no DJe de 01/12/2009, denegou a ordem, afastando a alegada atipicidade da conduta capitulada como crime de fraude processual, razão pela qual restaria prejudicado o recurso especial nesse ponto. Não obstante, contando os Recorrentes com o beneplácito do Código Penal Brasileiro, há de se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação a esse crime, matéria de ordem pública, pronunciável de ofício. Com efeito, os Recorrentes foram condenados, cada um, à pena de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, por fraude processual (art. 347, parágrafo único, do Código Penal), crime cometido em 29 de março de 2008. A teor do inciso VI do art. 109 do Código Penal, com a redação anterior à Lei n.º 12.234/2010, o prazo prescricional é, no caso, de 02 (dois) anos. O último marco interruptivo da prescrição foi a publicação da sentença condenatória em 27 de março de 2010. Logo, antes mesmo de os autos serem a mim conclusos em 13 de junho de 2012, o crime já estava prescrito, porquanto transcorrido o lapso de dois anos.

8. "A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores " (HC 114246/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra ROSA WEBER, DJe-103 DIVULG 31/05/2013; PUBLIC 03/06/2013). Compulsando os fundamentos indicados na sentença e convalidados pelo acórdão recorrido, verifica-se que a pena-base, fixada acima do mínimo legal, majorada em 1/3, consideradas a culpabilidade, personalidade dos agentes, circunstâncias, conseqüências do delito, foi estabelecida para os dois Recorrentes em 16 anos de reclusão, dentro da mais absoluta legalidade. O Magistrado sentenciante levou em conta circunstâncias concretas, que claramente extrapolam aquelas ínsitas ao tipo legal, com estrita observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, inexistindo desproporcionalidade ou tampouco falta de fundamentação no aumento da pena-base, é vedado o reexame em recurso especial dos detalhes que circundaram a ação delituosa dos Recorrentes, pormenorizadamente analisados pelas instâncias ordinárias, por demandar incursão na seara fático-probatória dos autos, que é vedada pela Súmula n.º 07 desta Corte Superior. Ausência de contrariedade ao art. 59 do Código Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade dos Recorrentes em relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 3 de 53

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TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento e declarar, de ofício, a extinção da punibilidade dos Recorrentes em relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR) e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

SUSTENTARAM ORALMENTE: DR. ROBERTO PODVAL (P/RECTES) E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Brasília (DF), 27 de agosto de 2013 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.307.166 - SP (2012/0043373-6) RECORRENTE : A A N RECORRENTE : A C T P J ADVOGADO : ROBERTO PODVAL E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso especial interposto por ALEXANDRE ALVES NARDONI

e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, com arrimo as alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que,

nos autos da Apelação Criminal n.º 0251309-33.2010.8.26.0000, deu parcial provimento ao

recurso.

Consta que os Recorrentes foram condenados pelo Tribunal do Júri, o

primeiro, às penas de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias, por homicídio

triplamente qualificado (art. 121, § 2.º, incisos III, IV e V, do Código Penal), e 08 (oito)

meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, por fraude processual (art. 347, parágrafo

único, do Código Penal); e, a segunda, à pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de

reclusão, por homicídio triplamente qualificado (art. 121, § 2.º, incisos III, IV e V, do Código

Penal), e 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, por fraude processual

(art. 347, parágrafo único, do Código Penal).

Contra a condenação, ambos apelaram, requerendo fosse a apelação recebida

como protesto por novo júri, com base nos arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal,

então vigentes à época dos fatos.

O pedido foi indeferido pelo Juízo de primeiro grau, razão pela qual houve o

manejo de carta testemunhável.

O Tribunal de Justiça paulista negou provimento ao recurso, ensejando a

interposição de recurso especial, protocolizado neste Superior Tribunal de Justiça sob o n.º

1.288.971/SP, em cujos autos proferi decisão monocrática, negando-lhe seguimento. Houve a

interposição de agravo regimental, ao qual foi negado provimento, consoante acórdão desta

Eg. Quinta Turma, publicado no DJe de 17/04/2013.

As apelações defensivas foram julgadas pela 4.ª Câmara de Direito Criminal

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento ao recurso de Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 5 de 53

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ALEXANDRE ALVES NARDONI, tão somente para reduzir-lhe as penas, pelo homicídio,

para 30 (trinta) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e, pela fraude processual,

para 08 (oito) meses de detenção, em regime semiaberto, além de 24 dias-multa, mantendo,

no mais, a sentença condenatória.

Os subsequentes embargos de declaração foram rejeitados.

No presente recurso especial, asseveram os combatentes advogados dos

Recorrentes que, no julgamento pelo Júri do assim chamado pela imprensa "Caso Isabella

Nardoni", "passou-se por cima de direito e garantias constitucionais e legais em nome de um

pretenso julgamento célere; condenaram-se os apelantes à mingua de prova técnica a

demonstrar a suas responsabilidades nos fatos; e, para se alcançar a aclamada 'Popular

Justiça', ignorou-se a técnica da dosimetria da reprimenda, exacerbando-se a mais não

poder as penas aplicadas " (fl. 7269).

Sustentam em suas extensas razões recursais (fls. 7255/7447), em suma:

(1) Contrariedade ao art. 422 do Código de Processo Penal, na medida em

que foram indeferidos, sem fundamentação idônea, os requerimentos da Defesa, feitos em

momento oportuno, para (a) reprodução simulada; (b) animação gráfica de teses defensivas;

(c) exibição das telas de proteção originais, bem como as que foram utilizadas na reprodução

dos fatos; (d) reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e dos lençóis das camas dos

irmãos da vítima; e (e) exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial, diligência esta que

já havia sido deferida, mas não fora cumprida.

Ponderam, de um lado, que inexiste, "ao contrário do que sugeriu o acórdão

recorrido, uma espécie de obrigação legal dos recorrentes em terem que participar da

reconstituição produzida na fase de investigação, sob pena de preclusão da oportunidade de

produção desta prova" (fl. 7285). E, de outro lado, que "a reprodução simulada da tese

defensiva justamente tem o condão de analisar a viabilidade fática da versão apresentada

pelos recorrentes em juízo".

Insistem, ainda, na tempestividade e na pertinência da produção de animação

gráfica, tida como prova necessária e apta à demonstração da tese defensiva, a fim de

influenciar no convencimento do juiz natural da causa.

Aduzem, também, que a Defesa, "ao contrário da argumentação utilizada do

juiz, requereu em momento oportuno (a fase do art. 422, CPP) a exibição das duas telas de

proteção (a utilizada na reprodução simulada e a que estava instalada no local dos fatos)

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para análise das perfurações ". Asseveram que "Não há intempestividade na prova requerida

pela defesa, para tanto basta uma singela leitura do pedido que foi feito à fl. 4631" (fl.

7298). Sustentam, em contraponto ao acórdão recorrido, que "o fato de já ter sido a tela

apresentada à defesa em outra oportunidade não é causa para se indeferir novamente a sua

exibição " (fl. 7302).

Afirmam que o pedido de reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e

dos lençóis das camas dos irmãos da vítima revela-se pertinente e estreitamente vinculada à

dinâmica dos acontecimentos, razão pela qual não poderia ser negado à Defesa.

Insurgem-se, ainda, contra o apontado descumprimento da decisão que deferira

a exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial, argumentando que a prova era

importante para que a Defesa pudesse investigar as relações de causalidade e, assim, criar

uma oportunidade de influir na convicção dos julgadores.

Requerem, pois, a declaração de nulidade absoluta do despacho que indeferiu

as referidas diligências, bem como dos atos processuais posteriores.

(2) Contrariedade aos arts. 159, § 6.º, 279, inciso II, e 422 do Código de

Processo Penal, em decorrência do indeferimento do pedido de realização de contraprova no

material biológico conservado no Instituto de Criminalística identificado como sendo sangue

dos Recorrentes.

Ponderam que a Defesa não pretendia nova perícia feita pelos peritos oficiais,

"mas sim contra-perícia realizada diretamente pelos assistentes técnicos da defesa, como,

aliás, faculta nossa legislação infraconstitucional no artigo 159, § 6º, do Código de Processo

Penal" (fl. 7319). Asseveram que os Recorrentes têm o direito de ter acesso direto ao objeto

das perícias e, por meio de assistentes técnicos, buscar suas próprias avaliações, como

expressão essencial do contraditório. Sustentam, outrossim, que houve ilegalidade, porque

"Não permitiram à parte ter acesso ao material conservado e permitiram que as mesmas

peritas [Norma e Cristina] que realizaram a perícia contestada realizassem esse segundo

exame pericial, tudo em total confronto com a disciplina aplicável à matéria " (fl. 7328).

Alegam ainda contrariedade ao art. 279, inciso II, do Código de Processo

Penal, porque admitiu-se válido o laudo pericial complementar assinado por Rosângela

Monteiro, a mesma perita que assinara o laudo pericial originário.

(3) Contrariedade ao art. 479 do Código de Processo Penal em razão do

indeferimento de juntada tempestiva de documentos – um frasco de sangue e um CD com

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duas fotos da tela de proteção que existia na janela do quarto do local dos fatos – para

utilização em plenário. Alegam ser equivocada a forma com que o acórdão recorrido e o juízo

de primeiro grau contaram o tríduo legal, indicando doutrina sobre a questão e precedente do

Supremo Tribunal Federal. Argumenta que, em se tratando de nulidade absoluta, não se

sustenta a fundamentação do acórdão recorrido, que aplicou o princípio do pas de nullitè sans

grief. Ponderam, ainda, que a Defesa teve, sim, prejuízo, porque tais documentos poderiam

ter influenciado a convicção dos jurados.

(4) Contrariedade ao art. 271 do Código de Processo Penal em razão da

oitiva em plenário da assistente de acusação, Ana Carolina Jatobá, mãe da vítima. Argumenta

que foi deferido pelo Juízo de primeiro grau a produção de prova oral acusatória, por meio do

depoimento da assistente da acusação, sem previsão legal para tanto.

(5) Contrariedade ao art. 159, caput , incisos e parágrafos, do Código de

Processo Penal, em razão da presença do assistente técnico – o médico João Baptista Opitz –

da assistente de acusação em plenário. Alega que "por inexistir artigo de lei que faculte ao

assistente de acusação lugar na bancada em plenário destinada à acusação é certo que sua

permanência se deu de forma ilegal" (fl. 7354).

(6) Contrariedade ao art. 121, § 2.º, inciso V, do Código Penal, e ao art.

593, inciso III, alínea b e § 1.º, do Código de Processo Penal, em razão do indevido

reconhecimento da qualificadora da ocultação de delito anterior. Asseveram que o dispositivo

legal é claro em prever que a ocultação somente pode ser de outro crime. E a questão levada à

apreciação dos jurados se referiu à esganadura praticada com o suposto intuito de matar a

vítima. Concluem, assim, que, "se a esganadura faz parte do homicídio, a decisão dos

jurados acaba por afirmar ter sido o crime cometida para ocultar o próprio crime". Logo,

afirmam, "o juiz-presidente deveria ter descartado o quesito n.º 6, diante da sua

incompatibilidade com o que havia sido anteriormente decidido pelo Conselho de Sentença

acerca da asfixia como causa da morte da vítima" (fl. 7032).

(7) Contrariedade ao art. 347 do Código Penal, na medida em que "não

poderiam ter sido condenados pelo delito de fraude processual, já tendo sido

responsabilizados pelo Conselho de Sentença pelo crime principal, no caso o homicídio " (fl.

7363). Ponderam que "as condutas capituladas pelo parquet como fraude processual,

traduziriam, na verdade, nítido direito constitucional a não se auto-incriminarem, como

muito mais razão nesse momento processual, tendo sido estes condenados por aquele delito

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principal (o homicídio) " (fl. 7366).

Pugnam, assim, pela atipicidade das condutas, porque "não tem nenhuma

explicação perante nosso ordenamento penal afirmar que a limpeza de sangue do chão ou de

uma fralda, pelos próprios agentes a quem se imputa o homicídio (porque assim foi

reconhecido pelo Conselho de Sentença), seja mais um crime, o crime de fraude processual "

(fl. 7372).

(8) Contrariedade ao art. 59 do Código Penal em face dos excessos na

fixação da pena. Aduzem que a sentença aumentou a pena-base em 1/3 acima do mínimo

legal, considerando elementos inerentes ao próprio tipo penal. Asseveram ainda que o juiz

sentenciante se utilizou dos "mesmos elementos e circunstâncias ora como agravantes da

pena, ora na avaliação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, caso

flagrante do repudiado bis in idem" (fl. 7373).

Argumentam que, como circunstância do crime, considerou a sentença "a

forma covarde " de agir dos agentes, o que também representa a própria qualificadora de

impossibilidade de resistência da vítima.

Outrossim, asseveram que, "ao se afirmar, na sentença e no acórdão, que os

acusados agiram 'como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional' com a

vítima, vê-se que, além de tal consideração não ter qualquer relação com as circunstâncias

do crime, essa mesma circunstância foi considerada quando se agravou a pena do recorrente

em razão da paternidade " (fl. 7377).

Afirmam que também não subsiste o aumento em decorrência das

consequências do crime, uma vez que "o assédio da imprensa à mãe da vítima e, muito

menos, o sofrimento que tal assédio tenha causado a esta, não é algo que possa ser atribuído

ao comportamento dos recorrentes ou ao delito" (fl. 7055). Ponderam ainda que se equivoca

o acórdão recorrido porque "entende que circunstâncias do crime e características inerentes

ao próprio tipo penal (cometido por meio cruel, com impossibilidade de resistência pela

vítima, para assegurar a ocultação de outro crime, contra criança menor de 14 anos e contra

descendente) aumentaram o sofrimento da mãe da vítima, de forma que as consequências do

crime ultrapassam aquelas tidas como comuns a fatos semelhantes " (fl. 7383).

Voltam-se contra a consideração desfavorável da personalidade, pois

alegadamente baseada em elementos inidôneos, ínsitos ao tipo penal e ainda caracterizadores

das agravantes consideradas. Sustentam que, "como resultado, jamais se pode considerar

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deturpada a personalidade de um sujeito que pratica um delito por conta de um lapso

psíquico, único numa vida de respeito às regras penais de conduta " (fl. 7061), mormente

quando nada indica propensão à delinquência.

Afirmam que "o termo culpabilidade, previsto no artigo 59 do Código Penal,

não poderia ser tido como um critério em si mesmo, para fins de aumento da pena-base "

(fl. 7391), mas um conceito que engloba todas as circunstâncias gerais que tornam o fato mais

ou menos reprovável. Ponderam também que, "mesmo que se entendessem possível o

emprego da culpabilidade como circunstância autônoma na fixação da pena-base, temos que

a sentença e o acórdão apenas se utilizam de elementos ínsitos ao homicídio qualificado ou

idênticos às circunstâncias agravantes " (fl. 7395).

Sustentam que a sentença e o acórdão não levaram em consideração os bons

antecedentes e a boa conduta social dos condenados na fixação da pena-base, malferindo o

art. 59 do Código Penal.

Apontam ilegalidade na fixação da pena-base do crime de fraude processual,

porque tanto a sentença quanto o acórdão se remetem ao exame das circunstâncias judiciais

do crime de homicídio, "como se essas se repetissem no caso do crime de fraude processual.

Ora, evidentemente que não se repetem " (fl. 7403).

(9) Dissídio jurisprudencial acerca do alegado não cumprimento de diligência

anteriormente requerida, contrariando o art. 422 do Código de Processo Penal. Aponta

como paradigma o seguinte julgado:

"HABEAS CORPUS. Julgamento em plenário sem o cumprimento das diligências deferidas pelo magistrado a quo. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida." (TJPR - 1.ª Câmara Criminal - HC 0694696-1 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel. Des. Campos Marques - Unânime - J. 26.08.2010)

(10) Dissídio jurisprudencial acerca da "impossibilidade de realização de

novo laudo por perito que já tenha manifestado, por meio de outro laudo, sua opinião " (fl.

7413), malferindo o disposto no art. 279, inciso II, do Código de Processo Penal. Aponta os

seguintes julgados paradigmas:

"AGRAVO REGIMENTAL. REPETIÇÃO DE PERÍCIA. REALIZAÇÃO POR PERITO PARTICULAR. INDEFERIMENTO. A realização de perícia por peritos particulares somente se justifica quando não houver, no local, perito oficial; havendo, deve a prova técnica ser realizada por ele (perito oficial). Por conseguinte, o fato de alguns peritos oficiais estarem impedidos, apenas leva à conclusão de que a perícia deve ser

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efetuada por outros peritos oficiais (não impedidos), e não por peritos particulares.

Agravo regimental parcialmente provido, apenas para que as perícias a serem repetidas pelo Instituto Nacional de Criminalística sejam levadas a efeito por peritos que não tenham funcionado nas perícias anteriormente realizadas sobre os mesmos fatos." (AP 470 AgR-oitavo, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-01 PP-00001)

"PROCESSUAL PENAL. IMPEDIMENTO. PERITO. NULIDADE. CPP, ART. 279, II. HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO. LOCUÇÃO 'QUANDO DENEGATÓRIA A DECISÃO.'

I - EM SE TRATANDO DE HABEAS CORPUS O JUIZ OU INDEFERE O PEDIDO, POIS, DEIXA DE CONHECER DO MESMO A COAÇÃO ALEGADA AINDA PERMANECE. SOBRE ESTA QUESTÃO 'NÃO CONHECER DO PEDIDO' O STF JÁ SE PRONUNCIOU, EM FACE DA LOCUÇÃO CONSTITUCIONAL ÍNSITA NO ART. 102, INCISO II, LETRA 'A', E ART. 105, INCISO II, LETRA 'A', NO SENTIDO DE QUE A LOCUÇÃO 'QUANDO DENEGATÓRIA A DECISÃO' TEM SENTIDO AMPLO - MS 21.112-1/PR, 'IN' DJ 29.06.90, REL. MIN. CELSO DE MELO.

II - NO CASO, O NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS EQUIVALE A SUA DENEGAÇÃO.

III - O ART. 279, INCISO II, DO CPP, É TAXATIVO AO DISPOR QUE NÃO PODERÃO SER PERITOS 'OS QUE TIVERAM PRESTADO DEPOIMENTO NO PROCESSO OU OPINADO ANTERIORMENTE SOBRE O OBJETO DA PERÍCIA'

É NORMA COGENTE DE ORDEM PROCESSUAL QUE TRATA DOS IMPEDIMENTOS DOS PERITOS.

IV - A COMUNICAÇÃO DOS PRÓPRIOS PERITOS IMPEDIDOS AO JUÍZO, DE QUE SE PRONUNCIARAM ANTERIORMENTE, ATRAVÉS DE DOIS LAUDOS, SOBRE A MATÉRIA OBJETO DA PERÍCIA, COMO MEMBROS DA SUBCOMISSÃO ESPECIAL PARA INVESTIGAÇÃO DAS IRREGULARIDADES NAS BOLSAS DE VALORES JUNTO A COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, VICIA E MACULA O PROCESSO JUDICIAL DE NULIDADE A PARTIR DA PERÍCIA REALIZADA, INCLUSIVE, EM FACE DO PREJUÍZO CAUSADO A DEFESA.

V - RECURSO DE HABEAS CORPUS CONHECIDO E PROVIDO, PARA ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA PERÍCIA, INCLUSIVE, COM FIXAÇÃO DE PRAZO DE TRÊS MESES PARA QUE NOVA PERÍCIA SEJA REALIZADA E POR PERITOS OFICIAIS." (RHC 961/RJ, Rel. Ministro JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO FILHO, Rel. p/ acórdão Ministro PEDRO ACIOLI, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/1993, DJ 26/04/1993, p. 7222)

Requerem, assim, a anulação do processo, "a partir da complementação do

laudo pericial, de forma a que outro seja elaborado, por expert que não seja a Dra.

Rosângela " (fl. 7417).Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 1 1 de 53

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(11) Dissídio jurisprudencial acerca do modo de contagem do prazo de três

dias de antecedência para juntada de documentos a serem lidos em plenário, a teor do

disposto no art. 479 do Código de Processo Penal. Asseveram que a questão é saber "se os

Recorrentes poderiam ter juntado documentos aos autos no dia 17 de março de 2010,

quarta-feira, para que os mesmos fossem utilizados no julgamento que se iniciaria no dia 22

de março de 2010, segunda-feira " (fl. 7093). Traz o seguinte paradigma:

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO DO JÚRI. JUNTADA DE DOCUMENTOS PARA LEITURA REQUERIDA TRÊS DIAS ANTES DA DATA EM QUE A SESSÃO SE REALIZARIA. INDEFERIMENTO. ART. 475 DO CPP. INTELIGÊNCIA. CERCEAMENTO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. PREJUÍZO EVIDENTE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O pedido da defesa para juntada de documentos, cuja leitura pretendia realizar em plenário, não poderia ter sido indeferido, pois foi protocolizado exatos três dias antes da data do julgamento. Artigo 475 do Código de Processo Penal. Impossibilidade de interpretação extensiva para prejudicar o réu.

2. O prejuízo causado pelo indeferimento ofende o próprio interesse público, pois conduziu à prolação de um veredicto sem que todas as provas existentes fossem submetidas ao conhecimento dos jurados. Garantias do contraditório e da ampla defesa violadas.

3. Tratando-se de nulidade absoluta, não há de se falar em preclusão pelo mero fato de a irregularidade não ter sido argüida logo após o pregão, como determina o art. 571 do Código de Processo Penal.

4. Ordem concedida, para que novo julgamento seja realizado pelo Tribunal Popular, garantida a leitura dos documentos cuja juntada foi indeferida pelo ato impugnado. Impossibilidade de reformatio in pejus." (HC 92958, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/04/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC 02-05-2008 EMENT VOL-02317-03 PP-00587.)

Argumentam que, no paradigma, "A partir do dia do julgamento, foram

contados três dias para trás, excluindo-se o primeiro, uma quinta-feira, 18 de abril de 2002,

e incluindo-se o último, uma segunda feira, 15 de abril de 2002, na qual ainda foi permitida

a juntada de documentos. Em outras palavras, foi considerada tempestiva a juntada de

documentos até o terceiro dia anterior ao julgamento " (fl. 7421).

Esperam, assim, seja anulada a decisão, "de forma a que seja permitida a

defesa juntar documentos antes da sessão plenária " (fl. 7423).

(12) Dissídio jurisprudencial acerca da concessão à assistência de acusação

de prerrogativa que não lhe cabia, a teor do art. 271 do Código de Processo Penal.

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Sustentam o dissídio quanto à inadmissibilidade de o assistente de acusação servir como

testemunha no processo. Colaciona o seguinte paradigma:

"PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO E DA DEFESA. CRIME DE LATROCÍNIO. VÍTIMA, MAIOR DE SESSENTA ANOS, ASSALTADA EM SUA RESIDÊNCIA E GOLPEADA ATÉ A MORTE. FATO OCORRIDO EM 04.01.2007. INTENÇÃO DOS MELIANTES DE SUBTRAIR A QUANTIA EQUIVALENTE A R$ 60.000,00 (SESSENTA MIL REAIS), SUPOSTAMENTE GUARDADA NO INTERIOR DA CASA. CONDENAÇÃO DO APELANTE, DOMINGO SÉRGIO DE SANTANA BÉU, A 26 (VINTE E SEIS) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E PAGAMENTO DE 140 (CENTO E QUARENTA) DIAS-MULTA, NA RAZÃO DE 1/30 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE, À ÉPOCA DOS FATOS, PELO CRIME TIPIFICADO NO ART. 157, § 3.º, ÚLTIMA FIGURA, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO DOS CORRÉUS ENILSON DE SOUSA MAGALHÃES, APARECIDO SOUSA MENDES E VALDINÉSIO MALAQUIAS VIEIRA, POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ARGUMENTOS DOS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA AC N.º 79381-1/2008 - ACÓRDÃO 1 ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: 1. EXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO À PARTICIPAÇÃO DOS ACUSADOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. SUFICIÊNCIA DE PROVAS. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS CONVERGENTES NESSE SENTIDO. ARGUMENTOS DO RECURSO DE DOMINGO SÉRGIO DE SANTANA BÉU: 1. NULIDADE PROCESSUAL POR INOBSERVÂNCIA ÀS FORMALIDADES QUANTO À COLHEITA DE DOIS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. PRIMEIRA PRELIMINAR: VÍCIO NO DEPOIMENTO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO, QUE NÃO PODERIA FIGURAR COMO TESTEMUNHA NEM DEPOR EM NOME PRÓPRIO, RELATANDO FATOS QUE NÃO PRESENCIOU. REJEIÇÃO: DEPOIMENTO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO NÃO FOI PONDERADO PELO MM. JUIZ A QUO QUANDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO, NÃO SE INFERINDO QUALQUER PREJUÍZO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO 'PAS DE NULLITÈ SANS GRIEF', SEGUNDO O QUAL, CONSOANTE PRECEITUA O ART. 563 DO CPP, 'NENHUM ATO SERÁ DECLARADO NULO, SE DA NULIDADE NÃO RESULTAR PREJUÍZO PARA A ACUSAÇÃO OU PARA A DEFESA'. POR OUTRO LADO, NÃO FOSSE A TESTEMUNHA TAMBÉM ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO, O FATO DE SER VIÚVA DA VÍTIMA NÃO IMPEDIRIA A TOMADA DO COMPROMISSO DE ESTILO NEM QUE SE REPORTASSE AO FATO DELITUOSO POR OUVIR DIZER, TRATANDO-SE DE TESTEMUNHA AURICULAR. 2. (SEGUNDA PRELIMINAR DE NULIDADE A SER SUSCITADA PELO DESEMBARGADOR). 3. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA DO DELITO. INACOLHIMENTO. RECONHECIMENTO DO APELANTE PELA TESTEMUNHA OCULAR. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DÚVIDA QUANTO À AUTORIA DO CRIME. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO (ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). RECURSOS CONHECIDOS, DANDO-SE PROVIMENTO AOS RECURSOS DA ACUSAÇÃO E NEGADO PROVIMENTO AOS DA DEFESA." (Apelação

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79381-1/2008, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Rel. Des. CASSIO JOSE BARBOSA MIRANDA, DATA DO JULGAMENTO: 06/10/2009.)

(13) Dissídio jurisprudencial acerca do uso da qualificadora como

circunstância judicial para aumentar a pena-base, a teor do art. 59 do Código Penal.

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, INCISOS I E III, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. BIS IN IDEM. CONCURSO DE DUAS QUALIFICADORAS. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE.

I - A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Maxima). Ela não pode ser estabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em referências vagas ou dados integrantes da própria conduta tipificada (Precedentes do STF e STJ).

II - Além disso, no caso em tela, ambas qualificadoras acolhidas pelos jurados, uma que ensejou o tipo qualificado e a outra considerada como agravante, foram também consideradas para a majoração da pena-base, configurando, assim, repudiável bis in idem.

III - Reconhecidas duas qualificadoras, não só em decorrência da sistemática do Código Penal, mas também em respeito à soberania do Tribunal Popular (art. 5°, inciso XXXVIII, alínea e da Lex Fundamentalis), uma enseja o tipo qualificado e a outra deverá ser considerada como circunstância negativa, seja como agravante (se como tal prevista), seja como circunstância judicial (residualmente, conforme o caso, art. 59 do CP). (Precedentes do STJ e do STF).

IV - Redimensionada a pena, devem ser decotados da pena-base os acréscimos realizados, mantido, na segunda fase, o aumento imposto pelo reconhecimento da agravante inserta no art. 61, II, d do CP.

Recurso especial provido." (REsp 1034257/SE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 31/08/2009.)

(14) Dissídio jurisprudencial ao se considerar elementos inidôneos na

valoração das consequências do crime, para aumentar a pena-base, na aplicação do art. 59 do

Código Penal. Afirmam que "os acórdãos paradigma e recorrido guardam correlação,

porque discutem a possibilidade de se considerar como consequências do crime de homicídio

qualificado doença física ou moléstia psicológica em familiar da vítima" (fl. 7432). Eis a

ementa do aresto paradigma:

"RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 619.

- TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE DO JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.

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- CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS INDISPENSÁVEIS. MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO.

- INFLUÊNCIA DA MÍDIA E INVOCAÇÃO DE PARCIALIDADE DOS JURADOS. MATÉRIA PROBATÓRIA INVIÁVEL NA VIA EXCEPCIONAL.

- CONTRARIEDADE À PROVA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO MATERIAL COGNITIVO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS.

- FORMULAÇÃO DE QUESITOS. COMPLEXIDADE. APONTAMENTO NA ATA DE JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA. INVIABILIDADE DE CONSTATAÇÃO. RESPOSTAS ADEQUADAS. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA ORALIDADE.

- CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONSIDERAÇÃO PELO JÚRI. MATÉRIA DE PROVA QUANDO NÃO VISÍVEL A CONFISSÃO DO RÉU PERANTE O CONSELHO DE SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS.

- QUESITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE QUESITO OBRIGATÓRIO ACERCA DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO RÉU. OMISSÃO NÃO COMPROVADA. FALTA DE ANOTAÇÃO NA ATA.

- DOSIMETRIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. EXASPERAÇÃO INDEVIDA NO TOCANTE ÀS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS. COMPENSAÇÃO ENTRE ATENUANTE DA CONFISSÃO E A AGRAVANTE DO MOTIVO TORPE.

1. Os embargos declaratórios não se prestam a responder a totalidade das dúvidas suscitadas pelas partes, mas a sanar os vícios constantes do acórdão, que no caso se mostraram inexistentes.

2. Segundo reiterado entendimento desta Corte, a inexistência do trânsito em julgado da sentença de pronúncia não é motivo suficiente para impedir o julgamento pelo Júri se a discussão encontra-se em sede excepcional.

3. A não produção de prova testemunhal requerida e inicialmente deferida, caso não produzida, não torna nulo o processo se a parte deixa de alegar o cerceamento em momento oportuno. No caso, a pretendia oitiva da ex-esposa do réu na fase do juízo de acusação restou inviável com a sobrevinda da sentença de pronúncia, anterior à qual a parte não insistiu na diligência e na comprovação de sua imprescindibilidade.

4. Discussões extra-processo, como a que diz respeito à influência da mídia no julgamento pelo Júri, dependem do exame de prova, situação incabível em sede de especial, que também se afigura inócua ao intuito de consagrar eventual passionalidade dos jurados.

5. Uma vez compreendendo a qualificadora do motivo torpe a tudo o que foi projetado pela acusação e aceito pela sentença de pronúncia e pelo Conselho de Sentença, resta impossível afastá-la ou mesmo consignar a contrariedade à prova dos autos sem um mínimo de incursão no material cognitivo, o que, como dito, é defeso esta Corte realizar, ex vi do enunciado 7.

6. A complexidade da quesitação deve ser vista ante o postulado da Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 1 5 de 53

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oralidade que rege o julgamento do Tribunal do Júri, de modo que somente se concebe nulidade se houve a devida anotação na ata de julgamento. Se pelas respostas dos jurados não se concebe a dita complexidade, não se há por conceber a alegação pura e simples de nulidade.

7. Não se mostrando, de pronto, pela simples leitura, a ausência de quesito obrigatório acerca da tese defensiva, não se pode atestar a existência de nulidade absoluta sem a constatação de apontamento na ata da sessão.

8. Representando a individualização da pena o ponto culminante da resposta penal, resta imprópria aceitar fundamentos externos ao fato delituoso, como o que se referiu o juiz do caso às conseqüências do crime.

9. A atenuante da confissão, uma vez reconhecida, deve ser concebida de forma preponderante, tendo a mesma equivalência, na espécie, da agravante do motivo torpe.

10. Recurso especial parcialmente provido pelo voto médio da Relatora, apenas para redimensionar a reprimenda penal ao quantum de 15 anos de reclusão." (REsp 1012187/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 20/10/2008)

Requerem, pois, o provimento do recurso especial.

O Ministério Público do Estado de São Paulo ofereceu contrarrazões,

pugnando pelo "parcial processamento do recurso especial e, no mérito, seja a ele

oportunamente negado provimento " (fls. 398/412).

O recurso foi admitido na origem (fls. 435/436).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal pugnou pelo

desprovimento do recurso (fls. 461/465), em parecer que guarda a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL. INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTO PARA RENOVAÇÃO DE PROVA PERICIAL. IMPERTINÊNCIA DA DILIGÊNCIA. PEDIDO PARA NOVA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. ATO REALIZADO COM AMPLA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DA DEFESA. IMPEDIMENTO DA PERITA SUBSCRITORA DE LAUDO COMPLEMENTAR. NÃO OCORRÊNCIA, POIS A HIPÓTESE NÃO SE SUBSUME ÀQUELAS PREVISTAS NO ART. 279, DO CPP. INDEFERIMENTO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS PARA APRESENTAÇÃO EM PLENÁRIO DO JÚRI. DESRESPEITO AO TRÍDUO LEGAL. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO."

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.307.166 - SP (2012/0043373-6)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL. CONDENAÇÃO. NULIDADES. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. PENAS FUNDAMENTADAS. PRESCRIÇÃO DO CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. As diligências requeridas pela Defesa (reprodução simulada; animação gráfica de teses defensivas; exibição das telas de proteção originais, bem como as que foram utilizadas na reprodução dos fatos; reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e dos lençóis das camas dos irmãos da vítima; e exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial) foram indeferidas com fundamentação equilibrada e convincente, no sentido da impertinência e/ou desnecessidade da prova. Rever tais conclusões demandaria, inevitavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório, tarefa que não se coaduna com a via do recurso especial, por esbarrar no óbice da Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. Ausência de contrariedade ao art. 422 do Código de Processo Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

2. Diante do quadro fático delineado pela instância a quo, insuscetível de revisão neste recurso especial, a conclusão inevitável é a de que a diligência requerida (contraprova em material biológico) não teria mesmo nenhuma utilidade, razão pela qual inexiste a reclamada nulidade em face do fundamentado indeferimento.

Nesse contexto, em que se evidencia a manifesta impertinência da diligência, despicienda se mostra a verificação de suposta irregularidade da participação das peritas no segundo exame realizado, que não subsidiou a denúncia, tampouco o juízo condenatório.

O "laudo complementar", assim nominado pelos Recorrentes, na verdade, se tratou, segundo as instâncias ordinárias, de "laudo técnico de esclarecimento aos questionamentos feitos na fase do art. 422, do Digesto Processual Pátrio". Asseverou o voto condutor do aresto recorrido que a participação da perita "se deu apenas para esclarecer aspectos diretamente relacionados à perícia , muitos deles – senão todos – suscitados pela própria defesa ." É natural que o magistrado, acolhendo o pedido das partes, chame a mesma perita que participou da elaboração do laudo para prestar os esclarecimentos requeridos, situação que não se subsume à hipótese de impedimento prevista no Código de Processo Penal. Ausência de contrariedade ao art. 159, § 6.º; art. 279, inciso II e art. 422, todos do Código de Processo Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

3. O prazo estabelecido no art. 479 do Código de Processo Penal ("Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.") difere bastante

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dos demais prazos processuais, a começar pelo fato de a contagem ser feita para trás. Além disso, ainda há a peculiaridade de ser contado apenas em "dias úteis". Outrossim, a parte contrária deve ser imediatamente intimada, de modo a garantir-se-lhe a paridade de armas para o exercício do contraditório. E o mais importante: a regra geral do § 1.º do art. 798 ("Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento." ) é mitigada, na medida em que o prazo para juntada de documento ou objeto a ser utilizado em julgamento no Plenário do Júri estabelece "antecedência mínima " a ser observada.

Concluiu-se, pois, que o prazo em tela estabelece um interstício mínimo entre a juntada de documento ou objeto e a respectiva sessão de julgamento perante o Tribunal do Júri. Assim, se o julgamento está aprazado para segunda-feira (como no caso), o material deve ser juntado pela parte até a terça-feira da semana anterior, termo final do prazo, de modo a respeitar o interstício mínimo de três dias úteis entre esse ato e o julgamento. Ausência de contrariedade do art. 479 do Código de Processo Penal.

4. A mãe da vítima, embora arrolada pelo Ministério Público como testemunha, habilitou-se, desde o início do processo, como assistente de acusação e, nessa condição, foi ouvida, sem nenhuma oposição da Defesa, que, aliás, também participou de sua inquirição. E, o mais importante: o seu depoimento foi tomado sem a prestação de compromisso legal, deixando claro o magistrado que sua oitiva não se propunha a trazer depoimento testemunhal isento. Portanto, nenhuma nulidade houve. Ausência de contrariedade ao art. 271 do Código de Processo Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

5. Não constitui nulidade do julgamento o simples fato de o Juiz Presidente do Tribunal do Júri permitir ao assistente técnico sentar-se próximo ao assistido para, eventualmente, ser precisar, prestar seu auxílio ao advogado, de forma reservada, sem intervenção direta nos trabalhos do plenário. Tal circunstância, quando muito, constituiria mera irregularidade, sem o condão de macular o julgamento, salvo se porventura fosse demonstrado efetivo prejuízo, o que não ocorreu. Ausência de contrariedade ao art. 159, caput , incisos e parágrafos, do Código de Processo Penal.

6. Escorreito o acórdão recorrido ao reconhecer a preclusão, na medida em que a Defesa não se insurgiu em Plenário contra a quesitação específica da qualificadora em tela (homicídio cometido para assegurar a ocultação de outro crime), só o fazendo nas razões da apelação. E, ainda que assim não fosse, ao contrário da argumentação dos Recorrentes, a qualificadora do homicídio não foi reconhecida em face do próprio homicídio, mas das "diversas agressões precedentes ", inexistindo a sugerida inconsistência. Ausência de contrariedade ao art. 121, § 2.º, inciso V, do Código Penal, e ao art. 593, inciso III, alínea b e § 1.º, do Código de Processo Penal.

7. A Quinta Turma, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.º 137.206/SP, relatado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em acórdão publicado no DJe de 01/12/2009, denegou a ordem, afastando a alegada atipicidade da conduta capitulada como crime de fraude processual, razão pela qual restaria prejudicado o recurso especial nesse ponto. Não obstante, contando os Recorrentes com o beneplácito do Código Penal Brasileiro, há de

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se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação a esse crime, matéria de ordem pública, pronunciável de ofício. Com efeito, os Recorrentes foram condenados, cada um, à pena de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, por fraude processual (art. 347, parágrafo único, do Código Penal), crime cometido em 29 de março de 2008. A teor do inciso VI do art. 109 do Código Penal, com a redação anterior à Lei n.º 12.234/2010, o prazo prescricional é, no caso, de 02 (dois) anos. O último marco interruptivo da prescrição foi a publicação da sentença condenatória em 27 de março de 2010. Logo, antes mesmo de os autos serem a mim conclusos em 13 de junho de 2012, o crime já estava prescrito, porquanto transcorrido o lapso de dois anos.

8. "A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores " (HC 114246/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra ROSA WEBER, DJe-103 DIVULG 31/05/2013; PUBLIC 03/06/2013). Compulsando os fundamentos indicados na sentença e convalidados pelo acórdão recorrido, verifica-se que a pena-base, fixada acima do mínimo legal, majorada em 1/3, consideradas a culpabilidade, personalidade dos agentes, circunstâncias, conseqüências do delito, foi estabelecida para os dois Recorrentes em 16 anos de reclusão, dentro da mais absoluta legalidade. O Magistrado sentenciante levou em conta circunstâncias concretas, que claramente extrapolam aquelas ínsitas ao tipo legal, com estrita observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, inexistindo desproporcionalidade ou tampouco falta de fundamentação no aumento da pena-base, é vedado o reexame em recurso especial dos detalhes que circundaram a ação delituosa dos Recorrentes, pormenorizadamente analisados pelas instâncias ordinárias, por demandar incursão na seara fático-probatória dos autos, que é vedada pela Súmula n.º 07 desta Corte Superior. Ausência de contrariedade ao art. 59 do Código Penal. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade dos Recorrentes em relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

(1) Da alegada contrariedade ao art. 422 do Código de Processo Penal ("Ao

receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do

Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 1 9 de 53

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(cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5

(cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. "), na medida

em que foram indeferidos, sem fundamentação idônea, os requerimentos da Defesa, feitos em

momento oportuno, para (a) reprodução simulada; (b) animação gráfica de teses defensivas;

(c) exibição das telas de proteção originais, bem como as que foram utilizadas na reprodução

dos fatos; (d) reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e dos lençóis das camas dos

irmãos da vítima; e (e) exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial, diligência esta que

já havia sido deferida, mas não fora cumprida.

Requerem, assim, a declaração de nulidade absoluta do despacho que indeferiu

as referidas diligências, bem como dos atos processuais posteriores.

(1.a) Quanto à pretensa nulidade em decorrência do indeferimento da

realização de nova reprodução simulada, a Corte Estadual paulista decidiu, considerando, a

princípio, que uma das teses que se pretendia demonstrar – "queda acidental – não é, e nunca

foi, sustentada pela defesa , tanto pelos atuais, quanto pelos antigos patronos dos acusados ".

Daí a conclusão de que, "como a tese não aparece nos autos , ilógico seria prestar-se o

processo a produzir uma prova de um fato que, sobre de todo fora da realidade processual e

não razoável, é impertinente e inverossímil. Donde, só por aí, a impertinência manifesta da

alegação. "

Nesse ponto, a Defesa dos Recorrentes, a despeito das extensas razões

recursais, não esboçou uma linha sequer para afastar esse fundamento.

Não obstante, remanesce a insistência da pretensão recursal, na tentativa de

reproduzir a ação de um "terceiro" no apartamento.

O acórdão recorrido, por sua vez, afirma que, "ainda em inquisitório, os

acusados se recusaram a participar da realização da reconstituição, quando ainda em

liberdade se encontravam e poderiam espontânea e livremente opinar sobre a diligência,

indicando fatos que pudessem ser de seu interesse. Dando mostras de que pouco ou nenhum

interesse – ou estratégia da defesa de então, sabe-se lá – demonstraram por esta espécie de

prova" (fl. 7131).

Asseveram os Recorrentes, em contrapartida, que o pedido não foi

extemporâneo, argumentando ainda que não eram obrigados a participar da reprodução dos

fatos na fase do inquérito.

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É verdade. Não eram obrigados.

Sem embargo, valeram-se as instâncias ordinárias desse fato simplesmente

para destacar o aparente desinteresse da Defesa em produzir tal prova. Nada mais.

Além disso, ressaltou o acórdão que, "Na verdade, nada obstante e muito ao

contrário do alegado em sede recursal, os diligentes e competentes "experts" do Instituto de

Criminalística de São Paulo, ao elaborar preciso e detalhado laudo técnico (f. 2.518/2.581),

levaram, sim, em consideração as versões apresentadas em Delegacia de Polícia pelos

acusados. E para isto basta o registro de que, tanto é verdade, que simplesmente tiveram a

cautela e precisão de cronometrar o tempo que o casal teria despendido para realizar tudo

aquilo que se falou" (fl. 7131).

Ora, o pedido de produção de provas, feito no pleno exercício do direito de

defesa, ínsito ao devido processo legal, passa pelo juízo de necessidade, utilidade e adequação

do magistrado, que pode indeferi-lo, em decisão fundamentada.

O acórdão recorrido, nesse contexto, afirmou categoricamente que:

"[...] o grande óbice ao deferimento da pretensão da defesa, quanto a isto, é que ela, já se disse anteriormente, se limita a afirmar que havia uma terceira pessoa no apartamento, a real autora do crime imputado aos réus.

Ora. Apenas com esta afirmação, não é possível realizar simulação

alguma, pois não aponta os fatos, ou seja, o que efetivamente teria ocorrido no interior do imóvel, ou que este tal terceiro estaria ali a fazer, ou qual sua verdadeira ação que acabou por redundar nas conseqüências conhecidas – a simples alegação da presença de um terceiro, sem a discriminação de suas supostas condutas, inviabiliza por completo e obviamente a realização de qualquer simulação.

Não haveria, portanto, o que simular. Suposto possível a tal reprodução e reconstituição, indaga-se (¿) qual

a ação que tocaria a este tal terceiro nos fatos? ¿Como se faria a reconstituição, se não se sabe nem se supõe – e

nem se indica - sequer que tipo de comportamento teria aquele tido na ação delituosa? [...]" (fl. 7132)

Ou seja: o pedido foi indeferido sob o fundamento central de que a realização

da prova era impertinente, tendo em vista a impossibilidade de se simular uma suposta ação

de terceiro absolutamente desconhecida.

E ainda acrescentou:

"[...] De qualquer maneira, e exatamente como sedimentado pela ilustre origem, a defesa poderia ter elaborado sua reprodução simulada dos fatos, por seus próprios meios, para o fim de representar seus argumentos ao

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Conselho de Sentença (f. 6.337). Não o fez. Não pode agora, e nesta fase processual, beneficiar-se da alegação,

para ver decretada nulidade procedimental." (fl. 7132)

Assim, o Tribunal a quo convalidou a decisão indeferitória do juízo de

primeiro grau, considerando, principalmente, a impertinência da realização de nova

simulação, nos termos em que foi requerida. Além disso, caso entendesse importante, a

própria Defesa poderia realizar, por meios próprios, a simulação pretendida.

Nesse contexto, rever a conclusão de impertinência da diligência requerida

demandaria, inevitavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório, tarefa que não se

coaduna com a via do recurso especial, por esbarrar no óbice da Súmula n.º 07 do Superior

Tribunal de Justiça.

(1.b) Na mesma toada, a produção de animação gráfica para ilustrar a tese

defensiva foi rechaçada pela Corte Estadual nestes termos:

"Quanto à pretendida nulificação do processo, em razão do indeferimento do pedido de realização de animação gráfica , supostamente elaborado "com a tese acusatória" (f. 6.454), melhor sorte não assiste aos acusados.

Simplesmente porque, àquele momento, não existia sequer uma tese acusatória , técnica e teoricamente considerada, já que a denúncia não tinha sido oferecida, tampouco recebida pelo Poder Judiciário.

E mesmo que assim não fosse, a pretensão não tinha, e não tem ainda , qualquer fundamento.

Dês que ela – a animação gráfica – não constitui prova, tecnicamente falando.

Trata-se de um instrumento de prova, que visa apenas e tão somente aclarar sua compreensão pelo destinatário , criando e reproduzindo imagens em movimento, utilizando a tecnologia de um software.

Nesse passo, feitas essas considerações, há que se transcrever a ótima argumentação e fundamentação ministerial desta Instância, da lavra ilustre da notável Procuradora de Justiça Dra. Sandra Jardim , primor de excelência e competência, seguramente um dos baluartes daquela gloriosa instituição, acolhendo-a integralmente, como forma colegiada de decidir, pois coerente e coincidente ao pensamento desta C.Câmara, bastando reproduzi-la, naquela parte, para adotá-la, até e pelo menos como forma singela, embora, de homenagem à sua erudita e brilhante subscritora.

De forma que a fala, para este propósito, fica fazendo parte inteiramente integrante deste julgado, em todos os seus termos, dizeres e conclusões.

"O objeto da prova requerida pelos apelantes é a reconstituição simulada de fatos, por perito, que podem ser

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documentados em fotografias, filmagens, esquemas, desenhos, consoante dispõe expressamente o art. 169 do CPP.

Tanto assim que as peritas subscritoras do laudo referem à f. 2.536 que a dinâmica da reprodução simulada é constituída de 119 fotografias digitais e, 'com intuito de proporcionar a Autoridade requisitante um melhor entendimento dos fatos, as relatoras, além das fotografias de praxe, elaboraram um desenho esquemático e uma animação gráfica computadorizada, onde se dá projeção aos elementos de interesse do caso '.

Por aí se vê que a animação gráfica não é espécie do gênero prova pericial, mas sim instrumento eventualmente utilizado na realização desta prova, objetivando reproduzir a dinâmica dos fatos através de imagens em movimento utilizando o computador.

Logo, não há falar-se em provas distintas cujo indeferimento pelo juízo exigisse fundamentação diversa.

E tratando-se de instrumento da perícia, de concluir que seu indeferimento segue a sorte do principal. É a velha máxima romana segundo a qual 'acessio cedit principali' (D. 34. 2. 19. 13)" (f. 6.732/6.733) .

De mais a mais, este relator, ao apreciar uma das tantas liminares em 'Habeas Corpus' pleiteadas pela defesa ao longo do processo, ponderou que era absolutamente desnecessária, técnica e teoricamente, autorização judicial para a produção de animação gráfica das teses defensivas.

Consignou, ainda, como era de ser, que a defesa poderia "produzi-la por seus próprios meios e requerer sua juntada aos autos, desde que respeitados os prazos impostos pela legislação processual penal" ("Habeas Corpus" nº 990.10.099890-0 ).

Donde não se enxergar, também aqui, qualquer causa que possibilite a nulificação do feito.

Muito ao contrário." (fls. 7133/7135)

Irrepreensíveis os fundamentos adotados pelo acórdão recorrido. Com efeito, a

animação gráfica é um simples meio de se apresentar a versão dos fatos. E poderia,

perfeitamente, ter sido providenciada pela Defesa, às suas expensas, acaso entendesse útil,

mas assim não procedeu, preferindo quedar-se inerte e arguir suposta nulidade, absolutamente

improcedente.

(1.c) Argui, também, a Defesa nulidade na decisão, confirmada pelo Tribunal a

quo, que indeferiu "a exibição das duas telas de proteção (a utilizada na reprodução

simulada e a que estava instalada no local dos fatos) para análise das perfurações ".

O voto-condutor do aresto recorrido, no ponto, consignou:

"[...] a defesa formulou pleito, durante a fase do art. 422 do

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Cód.Proc.Penal, para que lhe fossem exibidas as telas de proteção do quarto dos irmãos da vítima e aquela utilizada na reprodução simulada – f. 4.630/4.631.

Ocorre que este último objeto, utilizado exclusivamente para simular o evento trágico que vitimou Isabella, não foi preservado pelo festejado Instituto de Criminalística de São Paulo, conforme se constata no laudo complementar de respostas aos questionamentos ofertados na fase do art. 422 do Cód.Proc.Penal, f. 4.813.

Isso porque, exatamente na linha do já decidido por este mesmo relator, a tela utilizada na reprodução simulada dos fatos constituía peça de uma mera simulação , com a finalidade apenas de ilustrar a hipótese sob investigação, para uma melhor compreensão dos fatos.

Daí a evidente desnecessidade em se conservar o material naquela repartição pública, com conseqüente descarte.

Vale dizer. Preservou-se unicamente a tela original, essa sim relacionada aos

fatos, 'que guardava e guarda os elementos materiais de interesse do caso' (f. 4.813), já que por ela fora defenestrada a pequena vítima.

E esta peça – única a ter interesse efetivo ao processo, frise-se – foi regularmente apresentada à defesa , aos 28.set.2009, que pôde, àquele momento, examiná-la da forma que entendeu conveniente e adequada – f. 4.814.

Aliás, podiam, como possivelmente devem ter, ao menos, cogitado a hipótese, os defensores dos acusados, de ter examinado a tela original também em Plenário, já que à plena disposição das partes , àquele momento.

Se não o fizeram foi porque, ou não quiseram ou, mais uma vez, o ato consistia em mera estratégia de defesa, para que de futuro viesse a ser alegado, como está a ser.

Em suma. O requerimento formulado pela defesa – exibição de duas telas, para

confronto de perfuração – não podia efetivamente ser deferido, tanto que não o foi, já que inexistia uma segunda peça conservada pelo Instituto de Criminalística.

Não se podendo, por isso mesmo, realizar qualquer 'confronto' de perfuração.

Assim, sobre a impossibilidade do tal confronto, a evidente desnecessidade da situação, porque absolutamente alheia aos fatos aquela tela, que não a do quarto onde morta a infante.

Donde a inviabilidade manifesta da pretensão. Muito embora ciente de tanto, a defesa, ao depois, afirmou – sem a

mínima prova da alegação – que o aqui elogiado trabalho pericial 'usou a tela de proteção do quarto de Isabella, retirada do local na própria data da reprodução simulada; não usou sequer a tela original para sobrepor os buracos, ou para replicar o corte da tela' – f. 4.847.

E com esta mera afirmação – improvada , veja bem -, tentou adiar a realização do júri.

Malgrado o respeito que se tem à douta defesa, exercida direta e indiretamente de forma segura e competente por um dos mais brilhantes

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advogados paulistas, com certeza, o pleito era mesmo de ser indeferido, como o foi, torne-se a afirmar.

Dês que e no mínimo, em se tratando de diligência inovadora , não requerida na fase do art. 422 do Cód.Proc.Penal, e evidentemente impertinente , já se disse, o resultado não poderia ser outro, senão seu indeferimento.

Na linha de raciocínio, também e desde há muito a Corte Máxima do país a entender de igual forma que aqui se coloca:

[...]Some-se a isso tudo , ainda, que não se entrevê – nem se aponta, esta

a verdade -, como, onde ou porque teria ocorrido a acenada nulidade por ofensa à legislação de regência ou, muito menos, a tema constitucional.

Fazendo incidir a regra insculpida no art. 563, do Cód.Proc.Penal ('pas de nullité sans grief')." (fls. 7135/7138)

Portanto, a tela usada na reprodução dos fatos não foi entregue, em momento

posterior, à Defesa simplesmente porque fora descartada, tendo em conta sua evidente

irrelevância para o deslinde da controvérsia.

Sobre a impossibilidade do "confronto" das telas (a original e a usada na

simulação) para conferir os rasgos, a Corte Estadual concluiu pela "evidente desnecessidade

da situação, porque absolutamente alheia aos fatos aquela tela, que não a do quarto onde

morta a infante" (fl. 7137)

Nesse cenário, em que a Corte Estadual entendeu, em decisão fundamentada,

pela desnecessidade da diligência para a formação do acervo probatório – àquela

oportunidade, aliás, inviabilizada pelo descarte da tela usada na simulação –, não há como se

reexaminar a prova, no recurso especial, para se concluir de modo diverso em razão do óbice

da Súmula n.º 07 deste Superior Tribunal de Justiça.

A tela original, por sua vez, conforme anotado no acórdão recorrido, "foi

regularmente apresentada à defesa , aos 28.set.2009, que pôde, àquele momento, examiná-la

da forma que entendeu conveniente e adequada – f. 4.814" (fl. 7136). E, novamente, a tela

ficou à disposição da Defesa por ocasião da realização do julgamento em Plenário. Contudo,

não quiseram os Defensores dela se utilizar.

Pelo narrado, observa-se um aparente desdém da Defesa em relação à possível

utilização da tela por onde a vítima foi atirada para sustentar sua versão dos fatos.

Sem embargo, cumpre destacar a ausência de demonstração do suposto

prejuízo ao exercício da ampla defesa, como bem anotou o acórdão recorrido, apontando a

incidência do princípio pas de nullité sans grief , pelo que não há falar em nulidade.

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(1.d) Quanto ao pedido de reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e

dos lençóis das camas dos irmãos da vítima, decidiu o acórdão recorrido:

"Já quanto à pretendida nulificação processual, face indeferimento do pedido de reexame, com luzes forenses, do local dos fatos e dos lençóis das camas dos irmãos da vítima , sem razão os acusados, mais uma vez.

Sempre respeitosamente e data venia. Afinal, evidentemente despicienda a diligência . Respeitosamente, torna-se a afirmar. Difícil imaginar, na crônica policial ou judiciária brasileira, uma

cena de crime mais estudada, mais periciada, mais devassada que o local onde se deram os fatos que vitimaram Isabella .

E mais. Perícias realizadas, esta a mais pura verdade, com detalhes que

sabe-se, por experiência forense, incomuns à esmagadora maioria dos processos do País.

Já tratadas e elogiadas, em parte, no V.Acórdão da lavra deste mesmo relator, e que examinou a pronúncia contra os acusados, mantendo-a.

Dito isto, conclui-se que a repetição de demorados e dispendiosos procedimentos periciais, às expensas de escassos recursos públicos, apenas por inconformismo da defesa com as suas conclusões, – sem qualquer elemento concreto e objetivo que indique a necessidade disto - não é medida razoável – inconformismo este que parece voltar-se, na verdade, contra a ciência, e não contra a decisão atacada.

Acrescenta-se, ainda, que transcorridos a esta altura aproximadamente pouco mais de três anos da noite em que ocorreram os fatos, certamente vestígio algum teria restado a ser descoberto com o emprego das luzes artificiais.

Sobretudo porque, nesse ínterim, lá transitaram, dentre outros, familiares dos acusados, peritos, assistentes técnicos, policiais, fotógrafos, legistas, testemunhas, advogados, o membro do Ministério Público de origem e, até mesmo, um sem-número de equipes de jornalismo.

De sorte que, em conseqüência, o local foi significativamente alterado e descaracterizado , a demonstrar sua total e absoluta imprestabilidade , a esta altura, para a realização de qualquer tipo de perícia idônea.

Assim, acertadíssima a decisão da ilustre origem, ao indeferir a realização da impertinente diligência . [...]" (fls. 7138/7140)

Assim, tendo a Corte Estadual, de forma fundamentada, concluído pela

desnecessidade da diligência por sua impertinência, não há como se revisar essa conclusão

em recurso especial, por demandar indevida incursão no acervo probatório, sabidamente

vedada pela Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça.

(1.e) Insurge-se a Defesa, ainda, contra o apontado descumprimento da decisão Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 2 6 de 53

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que deferira a exibição das fotos não utilizadas no laudo pericial.

Sobre o tema assim decidiu a Corte Estadual:

"No que diz ao indeferimento do cumprimento de 'diligência' já deferida , também aqui sem razão qualquer a alegação de nulidade.

Ainda na fase do art. 422 do Cód.Proc.Penal, a defesa pleiteou esclarecimentos junto ao Instituto de Criminalística, a respeito da eventual existência de fotografias da cena do crime, não juntadas aos laudos.

Em atendimento ao requerimento, aquele órgão público informou que, em razão da obtenção de imagens pelo método analógico , em que não é possível, sabe-se, controlar o resultado dos registros obtidos, muitas das fotografias não se apresentaram em condições de utilização nos laudos – f. 4.810.

Ou seja, estavam imprestáveis à colocação no trabalho técnico. Insatisfeitos, requereram a designação de data e hora para a

verificação daquelas fotografias, junto ao Instituto de Criminalística, o que foi providenciado , a princípio , pelo douto magistrado.

Ocorre que a serventia de origem deixou de dar cumprimento à determinação judicial, abrindo-se ensejo à alegação de nulidade.

Que não tem fomento, e sempre data venia. Não há como nulificar o procedimento por esta razão. A uma porque aquilo que pretendia saber do Instituto de

Criminalística – motivo pelo qual certas imagens não foram utilizadas nos laudos oficiais – já foi suficiente e adequadamente respondido.

O que esvazia, propriamente, a essência da alegação e da intenção quanto a isto.

A duas porque "não se trata, assim, de indeferimento de diligência indispensável requerida pela defesa, na fase do art. 422, do CPP, e que estivesse pendente de realização, mas sim de providência, de ofício, determinada pelo nobre Juiz-presidente, dentro de sua prerrogativa, expressamente prevista no art. 497, inc. XI, do CPP, em relação à ordenação de provas.

E tratando-se de diligência do juízo, ainda que pendente de realização, não se configura a meu ver o alegado cerceamento se o próprio magistrado, reexaminando a utilidade da medida, vem a entendê-la desnecessária ao esclarecimento da verdade e, em face dos elementos probatórios existentes nos autos, opta pela realização do julgamento. Nesse sentido, confira-se in TACRIM-SP, HC, Rel. Xavier Homrich, JUTACRIM-SP, 34/119" – f. 6.753/6.754.

A três porque , tal como não o fizera nas outras preliminares suscitadas, a defesa não indica, muito menos demonstra a ocorrência de qualquer prejuízo , pelo não cumprimento da providência.

E como antes e outras vezes já se lançou por aqui, a ausência do prejuízo desmotiva qualquer possibilidade de vício.

E, finalmente, a quatro – e isto verdadeiramente importa - porque nulificar todo um procedimento da repercussão que assumiu, complexo, duradouro e com nada menos do que 34 robustos volumes , em face da existência daquilo que se entendeu por fotografias borradas e imprestáveis

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(!!!) , seria de um descuido e descaso sem tamanho, inusitado e verdadeiramente despropositado para com a seriedade da Justiça, e em última análise para com a própria sociedade, que quer ver do Judiciário pronta atuação nesses e em casos símiles." (fls. 7153/7155)

Com se vê, embora tenha o Magistrado processante, a princípio, deferido a

diligência requerida no sentido de que se permitisse à Defesa verificar as fotos que, depois de

revelados os filmes, foram consideradas imprestáveis pelos Peritos, a providência não foi

efetivada pela Serventia. Na data do julgamento, a Defesa insistiu na realização da diligência

pendente. No entanto, o Magistrado, desta feita, indeferiu o pedido. A Corte Estadual

confirmou a decisão.

De fato, o reconhecimento de uma nulidade, a ponto de macular todo um

processo, há de ser feito sopesando a dimensão do vício e a sua repercussão no equilíbrio do

embate processual. Em outras palavras, há de se perquirir acerca da efetiva interferência do

vício apontado no processamento e julgamento da causa, aferindo se houve incontornável

obstáculo para o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

Atenta às peculiaridades do caso, não vislumbro nulidade a ser reconhecida na

falta da diligência que, inicialmente deferida, sendo esquecida pela Serventia, foi

posteriormente dispensada pelo Magistrado processante, em face da sua prescindibilidade.

Com a quantidade de diligências e perícias realizadas na cena do crime, é de se

indagar qual a relevância de algumas fotografias, das muitas tiradas, que estavam "borradas"

e, por isso, consideradas imprestáveis pelos isentos peritos. Ora, nesse contexto, a diligência

requerida não traduz nenhuma relevância para a busca da verdade real, como entenderam as

instâncias ordinárias, conclusão impassível de ser revista nesta via especial.

Há, pois, uma evidente desproporcionalidade entre a irregularidade apontada e

a consequência que se busca, porque a providência, que poderia até mesmo ter sido indeferida

desde o início pelo Magistrado, não acarretou prejuízo identificável à Defesa dos Réus.

Pelos fundamentos acima consignados, não se verifica a alegada violação ao

art. 422 do Código de Processo Penal.

(2) Da alegada contrariedade ao art. 159, § 6.º (..."Havendo requerimento

das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no

ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial,

para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação." ); art. 279, inciso II

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("Não poderão ser peritos: ... II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou

opinado anteriormente sobre o objeto da perícia ") e art. 422 ("Ao receber os autos, o

presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou

do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias,

apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco),

oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência." ) todos do Código

de Processo Penal.

Arguem nulidade em decorrência do indeferimento do pedido de realização de

contraprova no material biológico conservado no Instituto de Criminalística identificado

como sendo sangue dos Recorrentes, contrariando o que faculta o art. 159, § 6º, do Código de

Processo Penal.

Eis como enfrentou a questão o acórdão recorrido:

"Também não há como se nulificar o processo, em razão do indeferimento do pedido de realização de 'contraprova' no material biológico conservado .

Inicialmente, de se destacar que tal questão preliminar já foi apreciada e devidamente afastada por esta mesma C. 4ª Câmara Criminal, ao ensejo do julgamento do recurso em sentido estrito, tirado contra a decisão pronunciatória – f. 4.128/4.129, e até mesmo pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar recurso contra o v. acórdão confirmatório da pronúncia – f. 5.098/5.102.

E tal como lá, a pretensão aqui não merece acolhimento, uma vez mais.

Já decidida e afastada esta específica pretensão, forçoso concluir pela ainda subsistência de todas as razões que animaram os julgadores a decidir daquela forma.

Nada obstante, há que se tecer alguns comentários, em reforço. Em verdade, não se entende o autêntico motivo pelo qual esta prova

está sendo incansavelmente contestada pela defesa. Dês que o sangue extraído dos acusados no dia dos fatos – apesar

destes negarem veementemente o ato -, foi utilizado pelo 'Centro de Exames, Análises e Pesquisas' do Instituto de Criminalística apenas e tão somente para compará-lo com o perfil genético obtido em manchas de sangues encontradas em uma das calças da acusada Anna.

E tal experimento, que resultou positivo, serviu apenas para afastar eventual suspeita de que tais manchas pertenciam à vítima Isabella .

Apenas isso e nada mais. Pas de nullité sans grief. De efeito. Na noite dos fatos, encaminhados à Delegacia de Polícia e,

posteriormente, ao Instituto Médico Legal, para realização de exame de corpo de delito, exame toxicológico e, se necessário, exame de 'DNA', foram

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coletadas amostras de sangue e urina de ambos os acusados. Tanto que, já se disse isso anteriormente neste processo, a própria

defesa , ao discorrer nas razões da Apelação processada em apartado acerca da suposta 'lealdade processual' adotada pelos recorrentes – a justificar, assim, sua soltura – informou que aqueles "permitiram a coleta de sangue para as perícias" (!), dentre outras coisas.

Pois bem. Posteriormente, e com o progresso das investigações, foram

realizados diversos exames de confronto genético com os vestígios de sangue localizados no apartamento – piso, lençol, rede de proteção.

E em tais experimentos, simplesmente não se utilizou das amostras de sangue coletadas dos acusados, porque os vestígios sangüíneos localizados pela perícia, encaminhados e analisados em laboratório, coincidiam com o perfil genético extraído da vítima .

Nesse passo, impertinente e até ilógico seria, após a obtenção de tal resultado, confrontar os vestígios de sangue localizados no apartamento, com aqueles coletados – e até hoje contestados – dos corpos dos acusados.

O culto magistrado Doutor Maurício Fossen , entretanto e após intermináveis pedidos da defesa, houve por bem, por excesso de zelo e mera prudência , por certo, permitir que fosse novamente coletado material genético dos acusados, diverso de sangue.

Assim, realizado o ato no interior da Penitenciária de Tremembé na presença de representantes da acusação e defesa, foram coletadas amostras de fios de cabelo e saliva dos recorrentes – f. 4.757/4.775.

Situação a tal ponto detalhada, que até fotografada foi. Ato contínuo, realizou-se reexame de confronto das amostras de sangue coletadas na noite dos fatos com o material capilar e bucal dos acusados, para o fim de espancar quaisquer dúvidas que ainda pairassem a respeito da origem das primeiras amostras.

Tal experimento restou positivo, confirmando, como era de se esperar, que as amostras de sangue coletadas na noite dos fatos – embora contestadas pela defesa, já se disse -, efetivamente pertenciam ao casal apelante .

E ponto . Isto é fato concreto e positivado, incontestável, incontroverso e acima

de discussões, essa a verdade. De se destacar: os assistentes técnicos indicados pela defesa

acompanharam a realização destes exames periciais, feitos por servidores especializados do Instituto de Criminalística, e não apontaram a ocorrência de quaisquer mínimas irregularidades nos procedimentos - o que, também por esse motivo, torna absolutamente desnecessária a diligência pretendida.

Posteriormente, e ainda inconformada, a defesa vem sustentar – sem qualquer fundamento probatório , torne-se a dizer sempre 'data venia' e respeitosamente – que não foi colhido, em momento algum, sangue do casal apelante.

Ora. Não fosse a inverdade da afirmação, comprovada, uma vez mais e

como se viu, pelo já elogiado Instituto de Criminalística, a diligência Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 3 0 de 53

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requerida - realização de 'contraprova' no material biológico conservado – é manifestamente impertinente.

Dês que o resultado alcançado, isto é, a condenação dos apelantes, não se apoiou, em momento algum , em eventual conclusão extraída de exames realizados no material sanguíneo colhido dos apelantes.

Como adiante se verá, ao momento da análise meritória deste recurso de apelação.

Ou seja: o fato contra o qual aqui se insurge a defesa, de modo algum contribuiu objetivamente para a condenação do casal.

Sobre esse ponto, destaca o combativo e sempre denodado e brilhante Promotor de Justiça, Dr. Francisco J. T. Cembranelli : "o que a defesa procura, com a preliminar invocada, é dar importância ao que não é importante. A acusação NÃO está apoiada em exame de DNA algum, não significando nada para o processo ", f. 6.665.

Se procura a defesa por aqui desviar o foco de atenção para esta causa, sequer se entende o porque de tanto, exatamente como diz a fala ilustre do Promotor referido.

Nesta esteira, conclui-se, seguramente, que o que não está a agradar a defesa é verdadeiramente a condenação dos recorrentes , e não este ou aquele aspecto formal dos autos, que nada tem de irregular, incluso realização de novos e demorados exames que em nada afetariam o resultado obtido, já se disse.

O inconformismo é de resultado, não de forma. Se para aquilo tem que trilhar caminhos de ataques vários a aspectos

formais e sem importância, não se inibe ela e o faz. De sorte que o indeferimento de tal pedido era mesmo medida de

rigor. Correto o afastamento do pleito , procedido pela origem, então." (fls.

7141/7145)

Ora, pelo que se denota das fortes razões declinadas pelo acórdão impugnado,

a insurgência dos Recorrentes – deduzida em torno de suposta nulidade pela ausência de

"contraprova" no sangue colhido dos Recorrentes – é, data maxima venia , absolutamente

infundada, estando adstrita a argumentos genéricos, desprovidos de pertinência com a

aferição da materialidade e autoria do crime em tela.

Primeiro, o material foi colhido, como consignou o acórdão, com o único e

exclusivo propósito de compará-lo com o sangue encontrado na calça de ANNA

CAROLINA, que inicialmente se suspeitou fosse da vítima. Não era.

Segundo, outros confrontos genéticos foram realizados com vestígios de

sangue localizados na cena do crime. Asseverou o acórdão do Tribunal a quo que, "E em tais

experimentos, simplesmente não se utilizou das amostras de sangue coletadas dos acusados,

porque os vestígios sangüíneos localizados pela perícia, encaminhados e analisados em

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laboratório, coincidiam com o perfil genético extraído da vítima ."

Terceiro, atendendo o magistrado processante à insistência da Defesa,

determinou, por excesso de cautela, a realização da colheita de mais material para se

averiguar se aquelas primeiras amostras eram, de fato, dos ora Recorrentes. Com a

confirmação, nada mais se fez.

Por último, restou bastante esclarecido que, em nenhum momento, valeu-se a

acusação de exame de sangue dos Réus no processo.

Ou seja, conforme bem anotado pelo acórdão recorrido, a pretendida

"realização de 'contraprova' no material biológico conservado é manifestamente

impertinente ".

Diante desse quadro fático delineado pela instância a quo, insuscetível de

revisão neste recurso especial, repita-se, a conclusão inevitável é a de que a diligência

requerida não teria mesmo nenhuma utilidade, razão pela qual inexiste a reclamada nulidade.

Nesse contexto, em que se evidencia a manifesta impertinência da diligência,

despicienda se mostra a suposta irregularidade da participação das peritas Norma e Cristina

no segundo exame realizado.

Alegam ainda os Recorrentes contrariedade ao art. 279, inciso II, do Código

de Processo Penal, porque se considerou válido o laudo pericial complementar assinado por

Rosângela Monteiro, a mesma perita que assinara o laudo pericial originário.

O acórdão recorrido rejeitou também essa alegação nestes termos:

"Sorte também não assiste aos acusados, quando pretendem o reconhecimento de impedimento da perita oficial , Dra. Rosângela Monteiro, para subscrever laudo técnico de esclarecimento aos questionamentos feitos na fase do art. 422, do Digesto Processual Pátrio.

Para tanto, invoca-se o art. 279, II, do mesmo diploma: Art. 279 . Não poderão ser peritos: II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou

opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;

Sem qualquer mínima razão , entretanto. Dês que tal dispositivo veda a atuação daqueles que, dentro ou fora

dos autos, já tenham se pronunciado sobre o caso em oportunidade anterior. O que aqui inocorre . A competente Dra. Rosângela Monteiro participou contributiva e

ativamente da perícia, nela iniciando seus trabalhos e conclusões antes mesmo de prestar depoimento na fase do "judicium accusationis" ou em plenário do júri.

E tal participação, importante ressaltar, se deu apenas para Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 3 2 de 53

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esclarecer aspectos diretamente relacionados à perícia, muitos deles – senão todos – suscitados pela própria defesa.

Não mais do que isso. E nem poderia ser diferente, eis que o art. 181 do Cód.Proc.Penal

dispõe que "no caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo".

"A proibição do inciso do art. 279 do CPP alcança apenas aquelas pessoas que hajam externado suas opiniões, sem saberem que, no futuro, viriam a ser expertos e não quem opinou após já constituído perito" (TACRIM-SP- AP- Rel. João Guzzo - JUTACRIM-SP 33/183).

"O perito que, após ter participado da elaboração da peça técnica, depõe no inquérito policial a ela relativo, não incide na proibição estabelecida pelo artigo 279, II, do CPP, pois, para tanto, é necessário que o expert seja ouvido antes e designado perito depois" (TACRIM-SP - AP – Rel. Vanderlei Borges - RJD 19/132)

Donde a inaplicabilidade do art. 279, inciso II, do Cód.Proc.Penal, e conseqüente rejeição desta matéria preliminar." (fls. 7145/7147)

Cumpre anotar, de início, que o "laudo complementar", assim nominado pelos

Recorrentes, na verdade, se tratou, segundo as instâncias ordinárias, de "laudo técnico de

esclarecimento aos questionamentos feitos na fase do art. 422, do Digesto Processual

Pátrio". Asseverou o voto condutor do aresto recorrido que a participação da perita "se deu

apenas para esclarecer aspectos diretamente relacionados à perícia , muitos deles – senão

todos – suscitados pela própria defesa ."

Como está claro, nada de irregular ocorreu.

É natural que o magistrado, acolhendo o pedido das partes, chame a mesma

perita que participou da elaboração do laudo para prestar os esclarecimentos requeridos,

situação que não se subsume à hipótese de impedimento prevista no art. 279, inciso II, do

Código de Processo Penal ("Não poderão ser peritos: ... II - os que tiverem prestado

depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia ").

Dispõe o Código de Processo Penal, a propósito:

"Art. 181. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições , a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo .

Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente ."

Como se vê, a aferição da necessidade ou não de realização de novo exame

pericial passa pelo juízo de conveniência do magistrado, que, aliás, "não ficará adstrito ao

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laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte" , a teor do art. 182 do mesmo

Código.

E, conforme entendimento pacífico desta Corte Superior de Justiça, "A

aferição da necessidade, ou não, de realização de perícia demandaria o revolvimento de

matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ" (REsp 446.796/RS, Rel.

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ

27/11/2006, p. 302).

(3) Da alegada contrariedade ao art. 479 do Código de Processo Penal

("Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto

que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis,

dando-se ciência à outra parte."), em razão do indeferimento de juntada tempestiva de

documentos – um frasco de sangue e um CD com duas fotos da tela de proteção que existia

na janela do quarto do local dos fatos – para utilização em plenário. Alegam ser equivocada a

forma com que o acórdão recorrido e o juízo de primeiro grau contaram o tríduo legal,

indicando doutrina sobre a questão e precedente do Supremo Tribunal Federal. Argumenta

que, em se tratando de nulidade absoluta, não se sustenta a fundamentação do acórdão

recorrido, que aplicou o princípio do pas de nullitè sans grief. Ponderam, ainda, que a Defesa

teve, sim, prejuízo, porque tais documentos poderiam ter influenciado a convicção dos

jurados.

A propósito, extrai-se do acórdão recorrido:

"Também despido de qualquer fundamento a alegada ofensa ao devido processo legal , decorrente do indeferimento do pedido de juntada de documentos que seriam exibidos em plenário .

De efeito. Designado o julgamento dos recorrentes aos 22.mar.2010

(segunda-feira), a defesa protocolou petição em 17.mar.2010 (quarta-feira antecedente), requerendo a juntada aos autos de dois documentos, consistentes num frasco de sangue e num CD contendo fotos da tela de proteção do local dos fatos.

O pedido restou indeferido pela douta origem, por ofensa ao art. 479, caput, do Cód.Proc.Penal, litteris:

"Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis , dando-se ciência à outra parte". – (g.n.).

Mais do que acertado o caminho trilhado na origem. Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 3 4 de 53

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O prazo para a juntada de novos documentos para serem apresentados aos Srs. Jurados é de 3 dias úteis inteiros , anteriores à realização da sessão plenária.

E o termo 'antecedência', já em destaque, merece especial atenção, mormente porque significa "2. precedência no tempo, na ordem; ... 4. antes do tempo marcado; antecipadamente".2

E se assim é, não pode o intérprete, ao aplicar a norma do art. 479 do Cód.Proc.Penal, querer introduzir o dia do julgamento no tríduo legal.

Exatamente porque, como se disse, a formalidade da juntada do documento deve estar perfeita e acabada antes daquele prazo estipulado em lei – 3 dias.

Mais. Sabe-se, desde há muito, que o dia, para fins processuais penais, é

contabilizado por inteiro , desprezando-se suas frações. Nesse passo, em respeito àquele dispositivo do Código de Processo

Penal, deve-se considerar três dias úteis inteiros , não fracionados, para seu atendimento.

Simplesmente para que se dê à parte contrária a oportunidade de se cientificar do conteúdo do novo documento juntado e preparar-se para, eventualmente, impugná-lo na sessão plenária.

Essa a melhor interpretação do art. 479, do CPP. Que busca homenagear o princípio do contraditório . Sob pena de, na prática , violar-se o dispositivo e, por conseqüência,

aquele princípio constitucional. Assim, "ad exemplum", não contabilizando o dia por inteiro, como

sugere a defesa, uma vez protocolada petição de juntada de novos documentos às 18:59 horas de uma quarta-feira, a parte contrária só teria, na prática , dois dias úteis para ter ciência da novidade e preparar sua impugnação, quinta-feira e sexta-feira.

Em manifesto desrespeito ao art. 479 do Cód.Proc.Penal, e ao arrepio do princípio do contraditório.

Em suma. Contabilizados três dias a partir daquele marco (primeiro dia útil

antecedente a 22.mar.2010, ou seja, 19.mar.2010, sexta-feira), constata-se que o prazo fatal para a juntada daquilo que se queria mostrar em Plenário se encerraria, como de fato se encerrou, ao fim do expediente forense da terça-feira, às 19:00 horas de 16.mar.2010 .

Daí que intempestiva a petição de juntada defensiva. Esse também é o entendimento certeiro do parecer da ilustre e

sempre festejada Procuradora de Justiça Dra. Sandra Jardim , nos autos, diga-se, aliás, para o caso, uma das mais brilhantes Promotoras de Justiças que atuou na história do Tribunal do Júri de São Paulo, por muitos anos.

Do elevadíssimo de sua peculiar e invejável experiência de atuação naquele Tribunal Popular, é ela também que sai com a mesma argumentação que aqui se defende.

Confira-se. "Afirmam os apelantes, de outra parte, que o mm.

Juiz-presidente ao indeferir a juntada aos autos de documentos - Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 3 5 de 53

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consistentes num frasco de sangue e num CD contendo fotos da tela de proteção -, no prazo previsto no art.479, do Código de Processo Penal deu causa a nulidade insanável decorrente de cerceamento de defesa e, ofensa ao devido processo legal.

Não me parece. O art.479 veda a leitura de documento ou exibição de objeto

que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis , dando-se ciência à outra parte.

No caso o julgamento estava marcado para o dia 22 de março de 2010, segunda-feira e a defesa postulou a juntada dos documentos no dia 17/03/2010, quarta-feira , sendo, o pleito indeferido, consoante se verifica da petição de fls.5.505.

O prazo de antecedência mínima de três dias úteis evidentemente não havia sido respeitado pelos apelantes.

Isto porque a Lei 11.690/2008 que alterou o Código de Processo Penal e introduziu profundas mudanças no procedimento do júri - revogando o estatuído no artigo, 475 do CPP, que não permitia a leitura de documento que não tivesse sido comunicado à parte contrária com antecedência mínima de três dias – veda, agora, de acordo com o disposto no art.479, do CPP, a leitura de documento ou exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte.

Note-se que o artigo revogado falava em antecedência mínima de 03 dias e o atual em antecedência mínima de 03 dias úteis .

É certo que o Código de Processo Penal não elucida o conceito de dia útil apenas referindo o § 3º do art.798, do CPP que o prazo que terminar em domingo ou dia feriado considera-se prorrogado até o dia útil imediato . No tocante ao sábado o citado § 3º., nada esclareceu porque a época da edição do Código de Processo Penal os fóruns podiam funcionar até o meio-dia. Porém, posteriormente, cessando essa possibilidade a Lei 1.408/51 dispôs que o prazo que se houver de iniciar no sábado será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte.

Assim, do ponto de vista jurídico pode se concluir que, dia útil são todos aqueles que não os sábados domingos e feriados .

Do ponto de vista comum, dia útil, por outro lado, é qualquer dia entre segunda-feira e sexta-feira, desde que não seja feriado constituindo geralmente dia de trabalho para a maioria da população.

No caso o julgamento se achava marcado para o dia 22 de março, segunda-feira.

O magistrado indeferiu a juntada dos documentos postulada pela defesa esclarecendo que: "como o prazo, nesta hipótese é contado de forma retroativa, o primeiro dia útil anterior seria a sexta-feira que antecedeu essa data, ou seja, 19.03.2010. Contados três dias retroativos a partir desse marco, verifica-se que o prazo preclusivo para a juntada de novos documentos e materiais aos

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autos seria até as 19 horas da terça feira anterior, ou seja, 16.03.2010 . Como a petição foi protocolada em Cartório apenas no dia 17.03.2010, sua intempestividade foi reconhecida, ficando, assim, indeferida a juntada daqueles novos documentos e materiais aos autos, o que fica ratificado (fls.6.338),"

Aduz a ilustrada defesa, no entanto, que em se tratando de prazo processual, o douto magistrado se equivocou, pois deveria levar em conta a regra prevista no § 1º., do art.798, do CPP, que dispõe que não se computará no prazo o dia do começo incluindo-se, porém o do vencimento.

Para os apelantes se o julgamento estava marcado para o dia 22/03, segunda-feira, a contagem do tríduo deveria partir dessa data (do julgamento) não sendo, no entanto, esse dia considerado no cômputo iniciando-se o decurso dos três dias na sexta-feira (primeiro dia) retornando até a quarta-feira, dia 17, incluindo-se esse dia do vencimento, quando a juntada poderia ser praticada .

Sem razão, no ponto. Primeiro porque esse entendimento conduz na prática a

redução do prazo de três dias útil em prejuízo do contraditório e da plenitude de defesa. Basta imaginar a hipótese do julgamento designado para a segunda-feira, com início previsto às 9 horas da manhã e a parte juntasse os documentos às 18h59m, da quarta-feira, imediatamente anterior. Neste caso restariam só dois dias úteis, quinta-feira e sexta-feira, para que a parte contrária fosse cientificada sobre a juntada configurando indevido cerceamento de defesa e evidente ofensa ao estatuído no art.479, do CPP.

Depois porque o art. 479, do CPP veda a leitura de documento que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis do julgamento . Em outras palavras não pode haver juntada de documentos nos 03 (três) dias úteis que precedem ao julgamento.

Note-se que a lei se utiliza do termo antecedência que é aquilo que antecede, precede, ou seja, é anterior.

Conseqüentemente, ainda, que se aplique a regra prevista no § 1º., do art.798, CPP, como querem os apelantes, o dia do julgamento, no entanto, não pode ser considerado no cômputo daquele prazo de três dias úteis, posto que, como visto, este prazo tem que anteceder aquela data.

E o primeiro dia útil que antecedeu o dia 22 de março, foi o dia 19 de março, sexta-feira. Ocorre que de acordo com o disposto no § 1º., o dia do começo não é computado no prazo. O prazo de três dias se iniciou, retroativamente, portanto, na quinta-feira, dia 18/3 voltando até terça-feira, dia 16/03, dia do vencimento , quando, de acordo com a regra prevista no § 1º., até as 19 horas os documentos poderiam ser juntados.

Essa me parece a melhor interpretação que se possa dar ao disposto no art.479, do CPP que exige, além da juntada com a antecedência mínima de três dias úteis, a ciência à parte contrária

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com a mesma antecedência. Daí porque se houve o magistrado com absoluto rigor,

indeferindo, no dia 17 de março de 2010 , dentro do tríduo a juntada dos documentos acima referidos.

Não se verifica, pois, nulidade configurada" – f. 6.747/6.751 .

Finalmente e ainda que assim não fosse, não demonstrou a defesa, sequer indicou, em verdade, onde estaria o prejuízo na ausência de juntada daqueles documentos.

Fazendo incidir novamente a regra do art. 563 do Código de Processo Penal ("pas de nullité sans grief").

"A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta , visto que, conforme já decidiu a Corte, "o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades – pas de nullité sans grief - compreende as nulidades absolutas" (HC 81.510, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12/4/2002). 2. Ordem indeferida." (Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, r. Min. Ellen Gracie, 'Habeas Corpus' n.º 85.155/SP, j. 22/03/2005, v.u.)

Assim, por qualquer ângulo que se enxergue a coisa, não tem também esta prejudicial de mérito qualquer razão." (fls. 7147/7153)

Pois bem. Dispõe o Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º

11.689, de 2008:

"Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis , dando-se ciência à outra parte.

Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados."

O prazo estabelecido no artigo em comento difere bastante dos demais prazos

disciplinados no Código de Processo Penal, a começar pelo fato de a contagem ser feita para

trás. Além disso, ainda há a peculiaridade de ser contado apenas em "dias úteis". Outrossim, a

parte contrária deve ser imediatamente intimada, de modo a garantir-se-lhe a paridade de

armas para o exercício do contraditório. E o mais importante: a regra geral do § 1.º do art. 798

("Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento." ) é

mitigada, na medida em que o prazo para juntada de documento ou objeto a ser utilizado em

julgamento no Plenário do Júri estabelece "antecedência mínima " a ser observada.

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Concluiu-se, pois, que o prazo em tela estabelece um interstício mínimo entre

a juntada de documento ou objeto e a respectiva sessão de julgamento perante o Tribunal do

Júri.

Assim, se o julgamento está aprazado para segunda-feira (como no caso), o

material deve ser juntado pela parte até a terça-feira da semana anterior, termo final do prazo,

de modo a respeitar o interstício mínimo de três dias úteis entre esse ato e o julgamento.

Portanto, está correta a decisão do magistrado de primeiro grau, corroborada

pela Corte Estadual, que considerou intempestiva a juntada de material na quarta-feira, dia

17/03/2010, quando o julgamento estava marcado para segunda, dia 22/03/2010.

Cumpre ainda ressaltar, obiter dictum , o que a Corte Estadual ponderou:

"ainda que assim não fosse, não demonstrou a defesa, sequer indicou, em verdade, onde

estaria o prejuízo na ausência de juntada daqueles documentos. Fazendo incidir novamente

a regra do art. 563 do Código de Processo Penal ("pas de nullité sans grief"). "

(4) Da alegada contrariedade ao art. 271 do Código de Processo Penal

("Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas,

aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos

pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598."), em razão

da oitiva da assistente de acusação em plenário.

O acórdão recorrido rejeitou a nulidade arguida, nestes termos:

"Outra vez e igualmente sem razão a defesa quando postula a nulificação do feito, em face à oitiva da assistente de acusação em plenário .

Nenhuma a pertinência do reclamo. Que, pelo mínimo, veio a destempo . Ora. Arrolada como testemunha na denúncia, a genitora da vítima

habilitou-se como assistente de acusação, logo ao início do processo. E a defesa, ciente de tanto, não manifestou qualquer contrariedade

ao seu ingresso no feito. Convocada para depor na fase de instrução, a defesa novamente

quedou-se silente – formulando, ao contrário e no entanto, diversas e repetitivas reperguntas à genitora da vítima.

E assim se manteve também após a sentença de pronúncia, bem como na fase do art. 422, do Cód.Proc.Penal.

A demonstrar que não tinha, como ainda não tem, qualquer objeção na colheita de suas palavras.

Em plenário do júri, no entanto, requereu a consignação em ata do protesto de sua oitiva, fundamentando em alegada parcialidade.

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Ora. Não se entende do porque de tal alteração de comportamento, apenas

em sua fase final, tudo levando a crer, outra vez, constituir-se a situação em mera estratégia da defesa.

Veja-se. O culto e cauteloso magistrado Dr. Maurício Fossen afastou a

pretensão, ressalvando aos senhores jurados, contudo, que a oitiva da genitora da vítima seria feita sem a prestação de compromisso legal.

E assim deveria efetivamente ser, vez que, como se infere do art. 202, do Código de Processo Penal, "toda pessoa poderá ser testemunha".

Não havendo na legislação processual pátria qualquer causa impeditiva, ou mesmo restritiva, que inviabilize o ato.

Muito embora se reconheça, é certo, que a assistente de acusação sempre atua de forma parcial no processo criminal, também é verdade que a norma processual simplesmente permite a oitiva de pessoas cuja 'parcialidade' é manifesta ('rectius': vítima).

E com relação a estas – as vítimas -, o legislador houve por bem determinar que suas palavras sejam colhidas sem a prestação de compromisso legal.

Exatamente como procedido pela zelosa origem. O que significa que a lei, longe de impedir, está e sempre esteve a

permitir o depoimento em tais situações. Assim. Se a lei admite o mais – oitiva da vítima -, admite, evidentemente, o

menos – colheita das palavras da assistente de acusação. Ambas , frise-se, dispensadas de prestar compromisso legal. E ainda que assim não fosse, seria indispensável, para fins de

nulificação do feito, que a defesa comprovasse que as palavras da assistente de acusação foram consideradas essenciais pelos Srs. Jurados, motivando-os a inclinar por esta ou por aquela posição.

O que aqui não se fez. Afinal, e sempre no toque da mesma tecla, inexiste qualquer prejuízo

aos recorrentes, quando, como aqui, a condenação tenha resultado não de uma ou outra prova isolada mas, ao reverso, de um para além de robusto acervo probatório , e não da atuação, pura e simples, da assistente de acusação.

Esta a essência da posição desta Eg. 4ª Câmara Criminal, em convergência com o C. Superior Tribunal de Justiça." (fls. 7156/7158)

Também não prospera mais essa arguição de pretensa nulidade.

Com efeito, a alegação dos Recorrentes é de que o art. 271 do Código de

Processo Penal não elenca entre as prerrogativas do assistente de acusação a "produção de

prova oral acusatória ".

Como bem anotado no acórdão recorrido, a mãe da vítima, embora arrolada

pelo Ministério Público como testemunha, habilitou-se, desde o início do processo, como

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assistente de acusação e, nessa condição, foi ouvida, sem nenhuma oposição da Defesa, que,

aliás, também participou de sua inquirição. E, o mais importante: o depoimento da mãe da

vítima foi tomado sem a prestação de compromisso legal, deixando claro o magistrado que

sua oitiva não se propunha a trazer depoimento testemunhal isento. Portanto, nenhuma

nulidade houve.

(5) Da alegada contrariedade ao art. 159, caput , incisos e parágrafos, do

Código de Processo Penal, em razão da presença do assistente técnico – o médico João

Baptista Opitz – da assistente de acusação em plenário. Alega que "por inexistir artigo de lei

que faculte ao assistente de acusação lugar na bancada em plenário destinada à acusação é

certo que seu permanência se deu de forma ilegal" (fl. 7354).

O Tribunal a quo também rejeitou essa preliminar, nestes termos:

"De igual forma, não prospera a alegada nulidade decorrente da presença de assistente técnico na bancada destinada à assistência da acusação.

A mera e simples presença daquela pessoa na bancada destinada à acusação não tem o condão de, só por si, causar a nulificação dos trabalhos no plenário do júri.

Especialmente quando, como aqui, o Juiz-presidente, no uso de suas atribuições conferidas pelo art. 497, I, do Cód.Proc.Penal, vedou qualquer intervenção ativa daquele, limitando , em conseqüência, suas funções no local , para apenas manusear seu próprio equipamento eletrônico, lá levado para a exibição de fotografias dos laudos periciais aos Srs. Jurados.

Frise-se. Não há o mínimo prejuízo à defesa dos recorrentes a simples

presença daquela pessoa na bancada destinada à assistente de acusação. Pas de nullité sans grief, uma vez mais." (fls. 7158/7159)

A Defesa, em contraponto ao que restou consignado no acórdão recorrido,

ressalta que a decisão do juiz de primeiro grau, ao permitir que o médico, assistente técnico

da assistente de acusação, permanecesse na bancada, esclareceu que "a atuação daquele

profissional técnico dar-se-á apenas para orientar a Advogada na bancada, vedada qualquer

intervenção do mesmo nos trabalhos em plenário " (fl. 6680).

De fato, não constitui nulidade do julgamento o simples fato de o Juiz

Presidente do Tribunal do Júri permitir ao assistente técnico sentar-se próximo ao assistido

para, eventualmente, se precisar, prestar seu auxílio ao advogado, de forma reservada, sem

intervenção direta nos trabalhos do plenário. Tal circunstância, quando muito, constituiria

mera irregularidade, sem o condão de macular o julgamento, salvo se porventura fosse Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 4 1 de 53

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demonstrado efetivo prejuízo, o que não ocorreu.

(6) Da alegada contrariedade ao art. 121, § 2.º, inciso V, do Código Penal,

e ao art. 593, inciso III, alínea b e § 1.º, do Código de Processo Penal, em razão do

indevido reconhecimento da qualificadora da ocultação de delito anterior. Asseveram que o

dispositivo legal é claro em prever que a ocultação somente pode ser de outro crime. E a

questão levada à apreciação dos jurados se referiu à esganadura praticada com o suposto

intuito de matar a vítima. Concluem, assim, que, "se a esganadura faz parte do homicídio, a

decisão dos jurados acaba por afirmar ter sido o crime cometida para ocultar o próprio

crime". Logo, afirmam, "o juiz-presidente deveria ter descartado o quesito n.º 6, diante da

sua incompatibilidade com o que havia sido anteriormente decidido pelo Conselho de

Sentença acerca da asfixia como causa da morte da vítima" (fl. 7032).

A Corte Estadual assim decidiu a questão:

"[...]O mesmo se diz a respeito da qualificadora prevista no inciso V, do

art. 121, § 2º, do Código Penal – assegurar a ocultação de crime precedente. Dês que a defenestração da vítima resultou da tentativa de se ocultar

as diversas agressões precedentes praticadas pelos recorrentes – golpe com instrumento contundente, queda no piso do apartamento, asfixia mecânica -, e que causaram àquela inúmeras lesões por todo o corpo, tais como corte na região da cabeça, ferimentos na bacia, vulva, pulso direito e pescoço.

Basta compulsar o laudo necroscópico e sua complementação, além do até didático depoimento de um dos médicos legistas participantes da perícia, Dr. Paulo Sérgio Tieppo Alves (f. 1.709/1.751 e 5.914/5.982), para se ter certeza do acerto da decisão popular.

Aliás e como já se destacou em uma das tantas preliminares levantadas neste recurso de apelação.

Estivesse insatisfeita a defesa com a qualificadora e a forma como foi formulado o quesito a seu respeito, caberia a ela apontar seu inconformismo e registrá-lo em ata, ainda em Plenário .

Não pode agora, verdadeiramente a destempo , querer levantar o tema, para determinar-se novo julgamento popular.

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE DO JULGAMENTO. MÁ FORMULAÇÃO DE QUESITO. SILÊNCIO DA DEFESA TÉCNICA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A elaboração dos quesitos é uma das fases processuais mais sensíveis da instituição do Júri. Isso porque, diante das variáveis que se materializam na trama dos crimes dolosos contra a vida -- tentativas, qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena, concursos de agentes e outras mais --, condensá-las em quesitos precisos é uma tarefa árdua e não raras vezes ingrata. 2. Na concreta

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situação dos autos, logo se percebe que os quesitos retrataram as teses sustentadas pela acusação e pela defesa em Plenário. Tanto é assim que as partes anuíram à quesitação, conforme se depreende da ata de julgamento. Pelo que resulta confirmada a preclusão da matéria, nos exatos termos do inciso VIII do art. 571 do Código de Processo Penal. 3. Recurso desprovido". (Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, RHC n. º 85.160/SP, r. Min. Carlos Ayres Britto, j. 17.03.2009, v.u.) .

Acertadíssimas , portanto, as qualificadoras." (fls. 7187/7188)

Ressalte-se, desde logo, o acerto do acórdão recorrido ao reconhecer a

preclusão, na medida em que a Defesa não se insurgiu em Plenário contra a quesitação

específica da qualificadora em tela (homicídio cometido para assegurar a ocultação de outro

crime), só o fazendo nas razões da apelação.

E, ainda que assim não fosse, ao contrário da argumentação dos Recorrentes, a

qualificadora do homicídio não foi reconhecida em face do próprio homicídio, mas das

"diversas agressões precedentes ", conforme acima referido, inexistindo a sugerida

inconsistência.

(7) Da alegada contrariedade ao art. 347 do Código Penal, na medida em

que "não poderiam ter sido condenados pelo delito de fraude processual, já tendo sido

responsabilizados pelo Conselho de Sentença pelo crime principal, no caso o homicídio " (fl.

7363).

Esta Quinta Turma, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.º

137.206/SP, relatado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em acórdão publicado no

DJe de 01/12/2009, denegou a ordem, afastando a alegada atipicidade da conduta, razão pela

qual restaria prejudicado o recurso especial nesse ponto.

Não obstante, contando os Recorrentes com o beneplácito do Código Penal

Brasileiro, há de se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime de

fraude processual, matéria de ordem pública, pronunciável de ofício.

Com efeito, os Recorrentes foram condenados, cada um, à pena de 08 (oito)

meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, por fraude processual (art. 347, parágrafo

único, do Código Penal), crime cometido em 29 de março de 2008 (denúncia - fl. 04).

A teor do inciso VI do art. 109 do Código Penal, com a redação anterior à Lei

n.º 12.234/2010, o prazo prescricional é, no caso, de 02 (dois) anos.

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O último marco interruptivo da prescrição foi a publicação da sentença

condenatória em 27 de março de 2010 (fl. 6674).

Logo, antes mesmo de os autos serem a mim conclusos em 13 de junho de

2012 (certidão de fl. 8007), o crime de fraude processual já estava prescrito, porquanto

transcorrido o lapso de dois anos.

Assim, deve ser declarada a extinção da punibilidade dos Recorrentes em

relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em decorrência da prescrição

da pretensão punitiva estatal.

(8) Da alegada contrariedade ao art. 59 do Código Penal em face dos

excessos na fixação da pena. Aduzem que a sentença aumentou a pena-base em 1/3 acima do

mínimo legal, considerando elementos inerentes ao próprio tipo penal. Asseveram ainda que

o juiz sentenciante se utilizou dos "mesmos elementos e circunstâncias ora como agravantes

da pena, ora na avaliação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, caso

flagrante do repudiado bis in idem" (fl. 7373).

Apontam ainda ilegalidade na fixação da pena-base do crime de fraude

processual, porque tanto a sentença quanto o acórdão se remetem ao exame das circunstâncias

judiciais do crime de homicídio, "como se essas se repetissem no caso do crime de fraude

processual. Ora, evidentemente que não se repetem " (fl. 7403).

A insurgência quanto à pena aplicada pelo crime de fraude processual está

prejudicada, tendo em vista o reconhecimento da prescrição.

No mais, eis a pena-base implementada na sentença:

"[...]Uma vez que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não

se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal.

Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as conseqüências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem.

Com efeito, as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranqüilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma

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covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio, ainda mais porque o conjunto probatório trazido aos autos deixou bem caracterizado que esse desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus constituiu a mola propulsora para a prática do homicídio.

De igual forma relevante as conseqüências do crime na presente hipótese, notadamente em relação aos familiares da vítima.

Porquanto não se desconheça que em qualquer caso de homicídio consumado há sofrimento em relação aos familiares do ofendido, no caso específico destes autos, a angústia acima do normal suportada pela mãe da criança Isabella, Sra. Ana Carolina Cunha de Oliveira, decorrente da morte da filha, ficou devidamente comprovada nestes autos, seja através do teor de todos os depoimentos prestados por ela nestes autos, seja através do laudo médico-psiquiátrico que foi apresentado por profissional habilitado durante o presente julgamento, após realizar consulta com a mesma, o que impediu inclusive sua permanência nas dependências deste Fórum, por ainda se encontrar, dois anos após os fatos, em situação aguda de estresse (F43.0 -CID 10), face o monstruoso assédio a que a mesma foi obrigada a ser submetida como decorrência das condutas ilícitas praticadas pelos réus, o que é conhecimento de todos, exigindo um maior rigor por parte do Estado-Juiz quanto à reprovabilidade destas condutas.

A análise da culpabilidade, das personalidades dos réus e das circunstâncias e conseqüências do crime, como foi aqui realizado, além de possuir fundamento legal expresso no mencionado art. 59 do Código Penal, visa também atender ao princípio da individualização da pena, o qual constitui vetor de atuação dentro da legislação penal brasileira, na lição sempre lúcida do professor e magistrado Guilherme de Souza Nucci:

[...]Assim sendo, frente a todas essas considerações, majoro a pena-base

para cada um dos réu em relação ao crime de homicídio praticado por eles, qualificado pelo fato de ter sido cometido para garantir a ocultação de delito anterior (inciso V, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal) no montante de 1/3 (um terço), o que resulta em 16 (dezesseis anos de reclusão, para cada um deles." (fls. 6659/6661)

Eis o que diz o acórdão recorrido, no ponto:

"Apenamento .

E aqui encontram-se os pleitos subsidiários da defesa, que pretendem a redução das penas aplicadas aos réus, nas duas primeiras fases apenatórias.

E com parcial êxito tais pedidos, resultando, afinal, ligeira redução apenatória, vez que sucedem apenas (i) para o delito de homicídio, (ii) em relação ao réu Alexandre e (iii) tão-somente na segunda fase de aplicação da reprimenda.

Aos cálculos , portanto, onde se detalhará a parte minimamente procedente do inconformismo recursal defensivo.

Ao delito de homicídio.

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Para ambos os recorrentes, pena-base fixada acima do mínimo legal , em 1/3, consideradas a culpabilidade , personalidade dos agentes , circunstâncias, conseqüências do delito , e demais circunstâncias do art. 59, caput, do Código Penal – chegando-se ao patamar de 16 anos de reclusão.

De efeito. Não se pode olvidar que há certa discricionariedade do magistrado

sentenciante na fixação da pena-base – que não se confunde com arbitrariedade -, devendo ele levar em consideração, para fins de aplicação da reprimenda, todas as circunstâncias elencadas no citado art. 59, do Cód.Penal.

Se há, evidentemente, circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis aos réus, isso obviamente não será desprezado pelo aplicador da sanção penal.

Como aqui. Sendo assim, constata-se que todas, absolutamente todas as

circunstâncias judiciais utilizadas pelo douto magistrado de origem para exasperar as penas dos réus restaram bem analisadas e justificadas, não merecendo, por isso mesmo, qualquer reparo.

Nada obstante serem os réus tecnicamente primários e ostentarem, como diz a defesa, 'boa conduta social', tais circunstâncias, por óbvio, não lhes socorrem.

O crime foi aviltante , de uma barbárie e estupidez desnecessárias e culminou em ceifar a vida de uma linda e saudável criança de apenas cinco anos de idade.

Situação verificada, esta a verdade, em sua própria residência , local onde costumeiramente encontra-se paz, sossego e muitas alegrias.

Este, contudo, não era o lar proporcionado pelos recorrentes à Isabella .

Por vezes, enquanto permanecia no local, tinha a infante de suportar constantes e intermináveis discussões entre o casal recorrente, motivadas, conforme se demonstrou do início ao fim do processo, por sérias crises de ciúmes de Anna.

Ambos, importante que se diga, por demais emocionalmente desequilibrados , como bem justificou a origem.

De fato, Alexandre é agressivo e insensível, tanto por querer resolver seus problemas por meio de brigas e ameaças – tal como o fizera com o primo e avó materna da vítima, respectivamente -, como por querer educar seu filho – Pietro – à base de violência.

Anna não estava muito distante de seu marido nesse quesito, já que com ele discutia sempre, e sempre pelo mesmo motivo – ciúmes nutridos contra a genitora da vítima.

Chegou até a ferir-se em uma das tantas brigas com Alexandre . Tamanho o desequilíbrio, frise-se, por ela ostentado. Embora residentes há pouco tempo no edifício palco dos fatos, Anna

e Alexandre já eram bastante conhecidos na vizinhança, especialmente a voz daquela, destaque dos constantes entreveros entre o casal.

No dia dos fatos, muito embora tenham tido, aparentemente, um dia tranqüilo com a vítima e os filhos em comum, os réus resolveram, já próximos ao momento de descanso das crianças, investir contra aquela, agredindo-a,

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arremessando-a ao chão, sufocando-a e, por fim, defenestrando-a. Ao constatarem a gravidade das lesões sofridas pela vítima, e sua

iminente morte, não se importaram minimamente com aquela, sua agonia e dor.

Tudo o que fizeram foi buscar eximir-se da responsabilidade pelo ato aos chocados e estarrecidos vizinhos, assim como o fizeram perante a Autoridade Policial, imputando-a a um suposto 'ladrão'.

Conduta verdadeiramente covarde, gratuita e desnecessária, a revelar, por sem dúvida, personalidades deformadas e índoles perversas.

A demonstrar, então, a culpabilidade, a personalidade dos réus e as circunstâncias do delito , que possibilitam plenamente, com fundamento no art. 59, "caput", do Cód.Penal, a exasperação das penas de ambos os réus.

Outro aspecto que não pode escapar à apreciação do julgador, como de fato não escapou, é a conseqüência do crime , o mal causado pelo homicídio.

E quanto a isso, sabe-se bem a gigantesca e inesgotável dor sentida pelos familiares daquela, especialmente pela genitora da vítima.

O sofrimento foi tão imenso, tão degradante, tão incomum a tantos outros que, lamentavelmente, ocorrem nos quatro cantos do país afora, que se pode até revivê-los, à leitura dos seus longos e duradouros depoimentos prestados em Inquisitório e em juízo.

Verdadeiro pesadelo àquela, que tem e terá de conviver com ele, infelizmente, até o fim de seus dias, certamente, sempre lembrado, não fora o só fato, mas também em face à gigantesca - e até desnecessária - cobertura da mídia sobre o triste e lamentável episódio que envolveu a morte de sua querida filha.

Ora. ¿¿ Quem ousará duvidar que não sofre gravíssimo sofrimento aquela

que confia a guarda e cuidado de sua própria filha, ao pai e madrasta da infante e que, ao invés de zelarem pelo crescimento e bem-estar daquela, preferem agredir, esganar e defenestrar a criança ??

Ninguém, absolutamente ninguém duvidará da resposta, seja o mais insensível dos cidadãos a ser indagado de tanto.

Dor emocional tão imensa, repita-se, que ao ensejo do julgamento popular, dois anos após os fatos, a genitora da vítima ainda se encontrava – e muito certamente ainda se encontra – em situação aguda de estresse , f. 6.342.

Negar isto é negar realidade evidente. Nem o mais paciencioso e tranqüilo cidadão do mundo, sentir-se-ia

confortável numa situação destas, para dizer o mínimo. Imagine-se o que esta pessoa passa até hoje !! E por certo passará até o fim de seus dias, torne-se a repetir, porque,

certamente, jamais esquecerá que seu antigo parceiro – homem com quem conviveu e partilhou de suas intimidades -, em companhia à nova cônjuge deste, mataram covarde e brutalmente sua filha !!

Impossível pensar-se diferentemente. Como se disse. Negar isto seria negar uma evidência tão gigante que beiraria o

"non-sense". Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 4 7 de 53

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Por tudo isso, de pouca valia a ausência de antecedentes desabonadores a eles, ou o fato de que 'estudaram durante a juventude e a vida adulta' (f. 6.586), etc. e tal.

Ora, se toda vez que um indivíduo preenchesse tais requisitos o juiz fosse obrigado a conceder-lhe pena mínima, não seria necessária a figura do magistrado, bastando criar um programa de computador que adequasse a pena à primariedade do réu e – espante-se (!!) – à condição econômica por ele ostentada.

De sorte que, considerada a enorme barbaridade praticada, sua desnecessidade, a personalidade de cada um dos réus e o sofrimento da família da pequena vítima, mostra-se suficientemente adequada a exasperação procedida pela origem.

Daí que resta verdadeiramente impossibilitada a redução de penas dos recorrentes, nesta fase apenatória." (fls. 7192/7197)

Cumpre, a propósito, anotar que "A dosimetria da pena é matéria sujeita a

certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas

matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias

ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da

constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais

discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas

pelas instâncias anteriores " (HC 114246/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra ROSA WEBER,

DJe-103 DIVULG 31/05/2013; PUBLIC 03/06/2013).

Compulsando os fundamentos indicados na sentença e convalidados pelo

acórdão recorrido, verifica-se que a pena-base, fixada acima do mínimo legal, majorada em

1/3, consideradas a culpabilidade, personalidade dos agentes, circunstâncias,

conseqüências do delito, foi estabelecida para os dois Recorrentes em 16 anos de reclusão,

dentro da mais absoluta legalidade. O Magistrado sentenciante levou em conta circunstâncias

concretas, que claramente extrapolam aquelas ínsitas ao tipo legal, com estrita observância

dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Com efeito, a frieza e a insensibilidade extremadas, aferidas a partir da

sucessão dos eventos acima descritos, além do desequilíbrio emocional que pautou as ações,

de inominável covardia, foram devidamente aferidas pela sentença, ensejando o aumento da

pena-base, sem se confundirem com a qualificadora de impossibilidade de resistência da

vítima, tampouco com a agravante em razão da paternidade. O acentuado grau de

reprovabilidade das condutas está, ainda, concreta e sobejamente fundamentado, inexistindo

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ilegalidade a ser reparada.

Da mesma forma, as consequências do crime, especificamente em relação à

situação psico-emocional da mãe, estão firmemente fundamentadas nas provas dos autos,

mormente em laudo médico e depoimentos, e de maneira alguma se equipara com a

normalidade da espécie. O sofrimento da mãe descrito pelo Magistrado, por todas as

circunstâncias consideradas, extrapola, em muito, o que normalmente se espera em crimes

dessa natureza.

No contexto acima delineado, os propalados "bons antecedentes e a boa

conduta social dos condenados", evidentemente, não são suficientes para desautorizar a

exasperação da pena-base, conforme procedido.

Assim, inexistindo desproporcionalidade ou tampouco falta de fundamentação

no aumento da pena-base, é vedado o reexame em recurso especial dos detalhes que

circundaram a ação delituosa dos Recorrentes, pormenorizadamente analisados pelas

instâncias ordinárias, por demandar incursão na seara fático-probatória dos autos, que é

vedada pela Súmula n.º 07 desta Corte Superior.

Nesse sentido:

"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DOSIMETRIA. BIS IN IDEM. ALEGAÇÃO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA.

1. A pena-base foi fixada corretamente, dentro dos parâmetros normais da proporcionalidade, levando-se em consideração a personalidade da ré, as circunstâncias e as consequências do crime.

2. O motivo torpe foi utilizado, por óbvio, para qualificar o crime, e a agravante prevista no art. 61, II, "e", do Código Penal, referente à vítima, incidiu somente na segunda fase da dosimetria.

3. Inocorrência de bis in idem e de afronta ao art. 59 do Código Penal.

4. O que pretende a agravante, a pretexto da violação do art. 59 do Código Penal, é o reexame das circunstâncias judiciais para a fixação adequada da pena-base. A medida, entretanto, demanda a incursão no conjunto probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ).

5. Ao se considerar o mínimo e o máximo de pena abstratamente cominada ao delito, não há falar em exacerbação da reprimenda aplicada, a merecer qualquer correção por esta Corte.

6. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no Ag 1336695/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 24/06/2013.)

"CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO. Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 4 9 de 53

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CÓDIGO DE TRÂNSITO. DOSIMETRIA FUNDAMENTADA NAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO E PROVA DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ. NÃO-CONHECIMENTO.

I – Não há ilegalidade no acórdão que mantém a pena-base fixada acima do mínimo legal, se fundamentada, a dosimetria da sanção, em aspectos fático-probatórios.

II- Inviabilizada a revisão da dosimetria por esta Corte, em virtude do enunciado da Súmula 07. Precedentes.

III – Recurso não-conhecido." (REsp 429.682/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2003, DJ 16/06/2003.)

(9) Do alegado dissídio jurisprudencial acerca do não-cumprimento de

diligência anteriormente requerida, contrariando o art. 422 do Código de Processo Penal.

O dissídio jurisprudencial não restou demonstrado, considerando a ausência de

identidade fática entre os casos comparados, mormente as peculiaridades que os distinguem.

A questão, ademais, está respondida no item (1.e), com o afastamento da

suposta contrariedade à norma federal indicada.

(10) Do alegado dissídio jurisprudencial acerca da "impossibilidade de

realização de novo laudo por perito que já tenha manifestado, por meio de outro laudo, sua

opinião " (fl. 7413), malferindo o disposto no art. 279, inciso II, do Código de Processo

Penal.

Os paradigmas colacionados não trataram da mesma situação fático-processual

da hipótese em apreço, razão pela qual inexiste demostração da alegada divergência

jurisprudencial.

A questão, ademais, está respondida no item (2), com o afastamento da suposta

contrariedade à norma federal indicada. Vale repetir que o magistrado, acolhendo o pedido

das partes, chamou a mesma perita que participou da elaboração do laudo para prestar os

esclarecimentos requeridos (não a realização de "novo laudo"), situação que não se subsume

à hipótese de impedimento prevista no art. 279, inciso II, do Código de Processo Penal ("Não

poderão ser peritos: ... II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado

anteriormente sobre o objeto da perícia ").

(11) Do alegado dissídio jurisprudencial acerca do modo de contagem do

prazo de três dias de antecedência para juntada de documentos a serem lidos em plenário, a

teor do disposto no art. 479 do Código de Processo Penal. Asseveram que a questão é saber Documento: 1257546 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/09/2013 Página 5 0 de 53

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"se os Recorrentes poderiam ter juntado documentos aos autos no dia 17 de março de 2010,

quarta-feira, para que os mesmos fossem utilizados no julgamento que se iniciaria no dia 22

de março de 2010, segunda-feira " (fl. 7093).

A questão está respondida no item (3), com o afastamento da suposta

contrariedade à norma federal indicada.

(12) Do alegado dissídio jurisprudencial acerca da concessão à assistência de

acusação de prerrogativa que não lhe cabia, a teor do art. 271 do Código de Processo Penal.

Sustentam o dissídio quanto à inadmissibilidade de o assistente de acusação servir como

testemunha no processo.

O paradigma colacionado não trata da mesma situação fático-processual da

hipótese em apreço, razão pela qual inexiste demostração da alegada divergência

jurisprudencial.

A questão, ademais, está respondida no item (4), com o afastamento da suposta

contrariedade à norma federal indicada.

(13) Do alegado dissídio jurisprudencial acerca do uso da qualificadora

como circunstância judicial para aumentar a pena-base, a teor do art. 59 do Código Penal.

O paradigma colacionado não trata da mesma situação fático-processual da

hipótese em apreço, razão pela qual inexiste demostração da alegada divergência

jurisprudencial.

A questão, ademais, está respondida no item (8), com o afastamento da suposta

contrariedade à norma federal indicada.

(14) Do alegado dissídio jurisprudencial ao se considerar elementos

inidôneos na valoração das consequências do crime, para aumentar a pena-base, na aplicação

do art. 59 do Código Penal.

O paradigma colacionado não trata da mesma situação fático-processual da

hipótese em apreço, razão pela qual inexiste demostração da alegada divergência

jurisprudencial.

A questão, ademais, está respondida no item (8), com o afastamento da suposta

contrariedade à norma federal indicada.

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Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial, nessa extensão,

NEGO-LHE PROVIMENTO. DECLARO, de ofício, a extinção da punibilidade dos

Recorrentes em relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em

decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUINTA TURMA

Número Registro: 2012/0043373-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.307.166 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 22412008 251309332010 2513093320108260000 27408 990102513092

PAUTA: 15/08/2013 JULGADO: 27/08/2013SEGREDO DE JUSTIÇA

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS

SecretárioBel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : A A NRECORRENTE : A C T P JADVOGADO : ROBERTO PODVAL E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Qualificado

SUSTENTAÇÃO ORAL

SUSTENTARAM ORALMENTE: DR. ROBERTO PODVAL (P/RECTES) E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento e declarou, de ofício, a extinção da punibilidade dos Recorrentes em relação ao crime do art. 347, parágrafo único, do Código Penal, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR) e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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HABEAS CORPUS Nº 190.264 - PB (2010/0209321-0) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZIMPETRANTE : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTRO(S)IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA PACIENTE : CLÁUDIO HALLISSON MARQUES DE SOUSA

EMENTA

HABEAS CORPUS IMPETRADO ORIGINARIAMENTE, A DESPEITO DA POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL A QUO POR INTERMÉDIO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA (RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA). TRIBUNAL DO JÚRI. ALTERAÇÕES CONFERIDAS PELA LEI N.° 11.689/08. QUESITAÇÃO SOBRE A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. ART. 483, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ABRANGÊNCIA DE TODAS AS TESES ABSOLUTÓRIAS EM QUESTIONAMENTO ÚNICO. VOTAÇÃO DO JÚRI QUE SE ENCERRA COM A RESPOSTA AFIRMATIVA DE MAIS DE TRÊS JURADOS AO QUESITO EX LEGE REFERENTE À ABSOLVIÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS , CONTUDO, CONCEDIDA EX OFFICIO .

1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação não unânime de que é inadequado o manejo de habeas corpus se há possibilidade de impugnação ao ato decisório do Tribunal a quo por intermédio de recurso especial – a despeito do posicionamento contrário da Relatora, em consonância com o do Supremo Tribunal Federal.

2. Hipótese em que a única tese ventilada pela defesa perante o Conselho de Sentença foi a de legítima defesa.

3. Na atual sistemática do Tribunal do Júri, não há mais quesitos específicos sobre a absolvição, pois o Legislador Pátrio, ao editar a Lei n.º 11.689/08, determinou que todas as teses defensivas, no ponto, fossem abrangidas por uma única quesitação obrigatória (art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal).

4. Ao concentrar as teses absolutórias no terceiro quesito do Tribunal do Júri ("o jurado absolve o acusado? "), a lógica do Legislador foi a de impedir que os jurados fossem indagados sobre questões técnicas. Assim, declarada a absolvição pelo Conselho de Sentença, com resposta afirmativa de mais de três juízes leigos à referida quesitação, o prosseguimento do julgamento para verificação de excesso doloso constituiu constrangimento manifestamente ilegal ao direito ambulatorial do Paciente.

5. Ademais, o fato de ter sido considerada a quesitação sobre excesso doloso na legítima defesa significou ofensa à garantia da plenitude de defesa, pois o novo sistema permite justamente que o Jurado possa absolver o Réu baseado unicamente em sua livre convicção, e de forma independente da tese defensiva.

6. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus , contudo, concedida Documento: 1343283 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 02/09/2014 Página 1 de 17

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ex officio , para absolver o Paciente, devendo o Juiz do Tribunal do Júri garantir ao Ministério Público Estadual prazo para eventual interposição do pertinente recurso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 26 de agosto de 2014 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ Relatora

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HABEAS CORPUS Nº 190.264 - PB (2010/0209321-0) IMPETRANTE : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTRO(S)IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA PACIENTE : CLÁUDIO HALLISSON MARQUES DE SOUSA

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em favor de

CLÁUDIO HALLISSON MARQUES DE SOUSA, em face de acórdão proferido em

julgamento de apelação pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado (fl.

49):

"APELAÇÃO CRIMINAL. Homicídio qualificado. Tribunal do Júri. Nova Lei do Júri (Lei n° 11.689/08). Tese da legítima defesa inicialmente acolhida. Prosseguimento do julgamento. Excesso doloso submetido aos jurados. Condenação. Vício na quesitação. Nulidade absoluta . Declaração. Provimento do recurso.

Com a edição da Lei 11.689/08, desnecessário é o desdobramento com relação a excesso, excludente da ilicitude do fato, pois o novo sistema não contempla a formulação individualizada dos requisitas da excludente, como acontecia anteriormente, somente podendo ser sustentado pela defesa (excesso culposo) como tese específica.

Somente a resposta negativa importa no prosseguimento do julgamento do paciente nos moldes preconizados no § 3.º e seguintes, do art. 483, do CPP, com a redação dada pela Lei n.º 11.689/08 .

A formulação indevida de quesito ofende a soberania dos veredictos e espelha a má condução do julgamento e da votação; traduzindo-se em nulidade do julgamento popular. " (grifei)

Narra-se, na inicial da presente impetração, que o Paciente foi submetido a

julgamento perante o Tribunal do Júri na cidade de João Pessoa/PB no dia 1.º/10/2009,

ocasião em que a defesa suscitou a tese de legítima defesa. A acusação, por sua vez, sustentou

a tese de excesso doloso.

Dentre os jurados que compuseram o Conselho de Sentença, 4 (quatro)

responderam "sim" ao terceiro quesito ("O jurado absolve o acusado? "). Ocorre que a Juíza

Presidente do Tribunal do Júri, não obstante a absolvição do Acusado, prosseguiu no

julgamento, indagando os jurados, em seguida, se o Réu excedeu dolosamente os limites da

legítima defesa.

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Na resposta ao quarto quesito foi reconhecido, por quatro votos, o excesso

doloso, tendo a Magistrada togada concluído pela condenação do Paciente. Em razão disso, o

Réu interpôs apelação – a qual restou parcialmente provida, para, ao invés de consagrar

sua absolvição, determinar a realização de novo Júri.

Assim, sob a alegação de que o Réu foi absolvido quando da resposta dos

jurados ao terceiro quesito, requer-se, na presente impetração, seja considerada tão somente

a resposta afirmativa que o Tribunal do Júri deu ao terceiro quesito, absolvendo-o.

Indeferi a liminar às fls. 76/77, ocasião em que dispensei as informações.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 84/87, pela denegação.

É o relatório.

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HABEAS CORPUS Nº 190.264 - PB (2010/0209321-0)

EMENTA

HABEAS CORPUS IMPETRADO ORIGINARIAMENTE, A DESPEITO DA POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL A QUO POR INTERMÉDIO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA (RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA). TRIBUNAL DO JÚRI. ALTERAÇÕES CONFERIDAS PELA LEI N.° 11.689/08. QUESITAÇÃO SOBRE A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. ART. 483, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ABRANGÊNCIA DE TODAS AS TESES ABSOLUTÓRIAS EM QUESTIONAMENTO ÚNICO. VOTAÇÃO DO JÚRI QUE SE ENCERRA COM A RESPOSTA AFIRMATIVA DE MAIS DE TRÊS JURADOS AO QUESITO EX LEGE REFERENTE À ABSOLVIÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS , CONTUDO, CONCEDIDA EX OFFICIO .

1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação não unânime de que é inadequado o manejo de habeas corpus se há possibilidade de impugnação ao ato decisório do Tribunal a quo por intermédio de recurso especial – a despeito do posicionamento contrário da Relatora, em consonância com o do Supremo Tribunal Federal.

2. Hipótese em que a única tese ventilada pela defesa perante o Conselho de Sentença foi a de legítima defesa.

3. Na atual sistemática do Tribunal do Júri, não há mais quesitos específicos sobre a absolvição, pois o Legislador Pátrio, ao editar a Lei n.º 11.689/08, determinou que todas as teses defensivas, no ponto, fossem abrangidas por uma única quesitação obrigatória (art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal).

4. Ao concentrar as teses absolutórias no terceiro quesito do Tribunal do Júri ("o jurado absolve o acusado? "), a lógica do Legislador foi a de impedir que os jurados fossem indagados sobre questões técnicas. Assim, declarada a absolvição pelo Conselho de Sentença, com resposta afirmativa de mais de três juízes leigos à referida quesitação, o prosseguimento do julgamento para verificação de excesso doloso constituiu constrangimento manifestamente ilegal ao direito ambulatorial do Paciente.

5. Ademais, o fato de ter sido considerada a quesitação sobre excesso doloso na legítima defesa significou ofensa à garantia da plenitude de defesa, pois o novo sistema permite justamente que o Jurado possa absolver o Réu baseado unicamente em sua livre convicção, e de forma independente da tese defensiva.

6. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus , contudo, concedida ex officio , para absolver o Paciente, devendo o Juiz do Tribunal do Júri garantir ao Ministério Público Estadual prazo para eventual interposição do pertinente recurso.

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VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

Alega-se, na presente impetração, em suma, que, devido às quatro respostas

afirmativas (sim - fl. 25) ao quesito "O jurado absolve o acusado? " (fl. 24), o Paciente

deveria ter sido absolvido, tendo a Juíza togada incorrido em constrangimento ilegal quando

prosseguiu no julgamento, indagando os jurados, em seguida, se o Réu excedeu dolosamente

os limites da legítima defesa (quesito pelo qual restou condenado).

Inicialmente, esclareço que persiste o interesse na apreciação do presente writ.

Após requerimento do meu Gabinete, o Juízo do 2.º Tribunal do Júri da

Comarca de João Pessoa encaminhou as sentenças – juntadas aos autos – proferidas nos dois

julgamentos realizados. Na primeira, o Paciente foi condenado à pena de 12 anos e 6 meses

de reclusão, em regime fechado, por infringir o art. 121, § 2.º, inciso IV, do Código Penal.

Já na posterior sentença, referente à segunda deliberação do Conselho de

Sentença – realizada após a anulação do primeiro júri, em julgamento de recurso de apelação

interposto exclusivamente pelo Condenado – verifica-se que os jurados acataram a tese de

homicídio qualificado por motivo torpe e pelo emprego de recurso que tornou impossível a

defesa da vítima (art. 121, §2.º, incisos I e IV, do Código Penal), fixando o Juiz togado a pena

de 17 anos de reclusão.

É fato que essa segunda condenação – proferida após a impetração do presente

habeas corpus – transitou em julgado, conforme andamentos processuais obtidos no site do

Tribunal Impetrado, também juntados. Ocorre que não se operou a preclusão, diante da

impugnação do primeiro júri no recurso de apelação, e posteriormente, do julgamento do

recurso de apelação no presente habeas corpus. E, daí, diante da grave reformatio in pejus

ocorrida no segundo julgamento, a pretensão defensiva deve ser analisada.

Não obstante, o mandamus não pode ser conhecido.

A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação não

unânime de que é inadequado o manejo de habeas corpus se há possibilidade de impugnação

ao ato decisório do Tribunal a quo por intermédio de recurso especial – a despeito do meu

posicionamento, em consonância com o do Supremo Tribunal Federal (vide HC

110.935-AgR/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 09/05/2014;

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Superior Tribunal de Justiça

HC 110.118, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Rel. p/ Acórdão: Min. JOAQUIM

BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 07/08/2012; HC 115.715, Rel. Min. ROSA WEBER,

Rel. p/ acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 12/09/2013; RHC

118.055/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 28/03/2014; HC 113.690,

Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 08/10/2012, v.g.).

Dessa forma, passei a decidir de acordo com o entendimento majoritário da

Turma que componho para – frise-se, com ressalva do meu –, não conhecer de mandamus

impetrado em substituição a recurso especial.

Isso, contudo, sem prejuízo de deferir-se ordem de ofício, em caso de flagrante

ilegalidade – o que ocorre na hipótese dos autos.

A situação fática foi assim resumida no acórdão do julgamento da apelação

(fls. 49/50):

"O Representante do Ministério Público, às fls. 02/05, ofereceu o denúncia contra Claudio Hailisson Marques de Sousa, vulgo "Diabo'', dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2.º, II e IV do CP e do art. 14 da lei 10.826/2003, ambos c/c o art. 69, do CP, por ter no dia 30 de junho de 2007, por volta das 22:30h, na o Rua Plácida de Castro, bairro dos Novais, nesta capital, efetuado vários disparas de arma de fogo, provocando a morte de Marcos Leandro da Silva, conhecido por "Marcos Nóia", conforme aponta a certidão de óbito de fls. 62 e o Exame em Local de Morte Violenta de fls. 350/359.

Concluída a instrução processual o acusado fora pronunciado (fls. 186/189) e, em seguida, submetido ao crivo do Tribunal do Juri desta Comarca, que acolheu a tese de excesso na legítima defesa , sustentada pelo Ministério Público, imputando ao acusado a pena de 12 (doze) anos e 06 (seis) anos de reclusão, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2.º, 1V, do CP (fls. 275/278).

Não conformado com referida decisão, o réu, com fundamento no art. 593, III, "h", do Código de Processo Penal, postula a anulação da sentença originária e a absolvição do réu, aduzindo, em síntese, que os jurados, ao serem questionados se o acusado deveria ser absolvido, responderam afirmativamente, acolhendo a tese de legítima defesa. Contudo, a juíza presidente do Tribunal do Júri, em afronta ao princípio da soberania dos veredictos, submeteu ao Conselho de Sentença, indevidamente, quesito que indagava se "o réu excedeu dolosamente os limites da legítima defesa?", sendo proferida, portanto, sentença penal condenatória ." (grifei)

O Desembargador que proferiu voto vencido no acórdão do julgamento acima

referido (determinando a pronta absolvição do Paciente) esclareceu os seguintes aspectos

sobre a legítima defesa reconhecida pelos jurados (fls. 56/57):

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"Narra a peça acusatória que no dia 30.6.2007, por volta das 22h30min, no Bairro dos Novais, nesta Capital, o acusado Claudio Hallisson Marques de Sousa, vulgo "Diabo", encontrava-se conversando com sua namorada e um grupo de amigos, em frente a residência de uma de suas tias, ocasião em que a vitima, Marcos Leandro da Silva, conhecido por "Marcos Nóia", de bicicleta, transitou pelo logradouro, passando em frente ao inculpado.

Avistando a vítima, o réu, então, sacou de uma arma de fogo que portava na ocasião e efetuou vários disparos contra o ofendido, atingindo-o nas regiões do crânio, tórax e abdômen, causando-lhe, assim, a morte.

O crime se deu em razão de comentários que chegaram ao conhecimento do acusado, no sentido de que, um indivíduo conhecido por "Tin-Tin", havia contratado a vítima para lhe matar. Diante desse fato, o réu resolveu, então, ceifar a vida de Marcos no primeiro momento em que o encontrasse , conduta essa que realizou, sendo denunciado como incurso nas penas do art. 121, § 2°, incisos II e IV, o CP e art. 14, da Lei 10,826/03 c/c art. 69, do CP.

Após a devida instrução processual, o réu Cláudio Hallisson foi pronunciado às fls. 186-189, como incurso nas penalidades do art. 121, incisos II e IV do Código Penal.

Submetido a julgamento perante o 2.º Tribunal do Júri da Comarca da Capital o réu, não obstante absolvido pelo Júri, restou, contudo, condenado pelo MM Juiz Presidente, que lhe aplicou a pena de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de reclusão (fls. 275-278).

Irresignado, a defesa apelou a esta Instância Superior, nos termos do art. 593, III, alínea "b", do CPP. Em suas razões recursais, alegou que o MM Juiz Presidente contrariou a decisão soberana do corpo de jurados, razões peia qual pugna pelo reconhecimento da absolvição ao acusado.

Após as contrarrazões (fls. 342-345), a Procuradoria-Geral de Justiça exarou parecer opinando pelo provimento do recurso apelatório ." (grifei)

Registro que, de fato, no julgamento do recurso de apelação o Tribunal de

Justiça do Estado da Paraíba reconheceu que a primeira sessão do Tribunal do Júri foi nula,

diante da resposta afirmativa de quatro jurados (fl. 25) ao terceiro quesito ("O jurado absolve

o acusado? " - fl. 24).

A propósito, no voto condutor do julgado consta a fundamentação que se segue

(fls. 51/52):

"No caso em disceptação, analisando-se os Quesitos e o Termo de Votação (fls. 272/273, respectivamente), pode-se observar que 04 (quatro) jurados, quando indagados acerca do 3.º quesito (genérico) ("O jurado absolve o acusado'?"), no qual restam englobadas todas as teses absolutórias, explícita e implicitamente, tecidas em seu favor, responderam afirmativamente .

Registre-se que o réu, por intermédio de sua defesa, somente

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levantou em plenário a tese de legitima defesa, conforme a Ata de Sessão de Julgamento anexada aos autos (fl. 282).

Dessa forma, tem-se que o Conselho de Sentença, num primeiro momento, acolheu a tese de legitima defesa, absolvendo o acusado. Entretanto, ao ser dado prosseguimento à quesitação, terminou o apelante condenado pelo Júri Popular .

Tem-se que apenas a resposta negativa importaria no prosseguimento do julgamento do paciente, nos moldes preconizados no § 3.º e seguintes, do art. 483, do CPP, com a redação dada pela Lei n.º 11.689/08 .

Como bem nos ensina Walfredo Cunha Campos, "O questionário foi simplificado ao extremo pela Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, que reformulou o Júri brasileiro, pois as teses absolutórias não serão mais quesitadas de maneira especificada, como ocorria anteriormente, se resolvendo a respeito de sua aceitação ou não através da singela resposta à pergunta se o acusado deve ser absolvido. Implicitamente, portanto, o jurado reconhece ou não a tese da absolvição." (in, Novo Júri Brasileiro, São Paulo: Primeira Impressão, 2008, pág. 224).

[...].Compreendo que a resposta positiva ao terceiro quesito (se o réu

deve ser absolvido) afasta, inclusive, a tese de excesso na legítima defesa, sustentada pela acusação, justamente porque, sendo a tese de legítima defesa a única levantada em plenário, seu acolhimento implica, evidentemente, no não acolhimento da tese de excesso na legítima defesa. Portanto, nesse momento, a juíza deveria ter encerrado a votação, concluindo pela absolvição do réu." (grifei)

Ou seja, segundo entendimento do Sodalício a quo, somente "a resposta

negativa importaria no prosseguimento do julgamento do paciente, nos moldes

preconizados no § 3.º e seguintes, do art. 483, do CPP, com a redação dada pela Lei n.º

11.689/08 " (grifei).

Contudo, o Tribunal de Justiça da Paraíba não consagrou a absolvição do

Paciente, como preconizado pelo Desembargador que proferiu o voto vencido no julgamento

da apelação. A Corte, em entendimento majoritário, deu parcial provimento ao recurso de

apelação, tão somente para "declarar a nulidade do julgamento proferido pelo 2.º Tribunal

do Júri da Capital, determinando seja o ré levado a novo julgamento popular " (fl. 55).

Não bastasse esse fato – que por si só já consubstancia constrangimento ilegal

– no segundo julgamento pelo Tribunal do Júri a situação do Paciente foi recrudescida, com

um substancial aumento de pena a despeito de se somente a defesa ter recorrido.

Ocorre que, com a absolvição do Acusado após a resposta afirmativa do

Conselho de Sentença ao terceiro quesito, a Juíza Presidente do Tribunal do Júri

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deveria ter dado termo ao julgamento.

No caso, a única alegação ventilada pela defesa perante o Tribunal do Júri foi a

legítima defesa. E lembre-se que, na atual sistemática, não há mais quesitação específica

quanto a tal tese, pois o Legislador Pátrio, ao editar a Lei n.º 11.689/08, determinou que os

quesitos sejam expressamente apresentados na seguinte ordem, in litteris :

"Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido ; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de

pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. " (grifei)

Ao concentrar as teses defensivas no terceiro quesito ("o jurado absolve o

acusado? "), a lógica do Legislador foi a de impedir que os jurados fossem indagados sobre

questões técnicas. Isso foi percucientemente esclarecido pelo Promotor de Justiça do Estado

do Paraná Paulo Sergio Markowicz de Lima, em artigo intitulado "A nova lei do júri",

publicado em 4 de agosto de 2008 no jornal Gazeta do Povo, in litteris :

"Em 9 de agosto entra em vigor a Lei n° 11.689/2008, que alterou o procedimento dos crimes contra a vida, ou seja, crimes de competência do Tribunal do Júri. Na parte das perguntas aos jurados, a chamada quesitação, ocorreu mudança substancial .

Com a nova lei, após reconhecerem que um crime aconteceu e que o réu o praticou – ou dele participou – será feita a seguinte pergunta: o jurado absolve reu? Caso respondam sim, ocorre a absolvição ; se os jurados votarem não, o julgamento prossegue apenas para decidir se a pena deve ser diminuída ou aumentada .

Se for pedida a desclassificação do delito para outro que não é da competência do júri, vota-se a matéria antes do terceiro quesito – o jurado absolve o réu? Neste, estarão abrangidas as demais teses de defesa, o que ensejará algumas questões.

Tomemos por hipótese o caso do réu em inicial situação de legítima defesa, que repeliu uma agressão contra sua pessoa, utilizando-se, por exemplo, de uma faca. Esse réu, porém, teria efetuado inúmeros golpes contra o suposto agressor, mesmo quando esse não oferecia mais resistência.

Ocorreu um excesso de defesa. Pela lei atual, se a defesa postula a ocorrência do chamado excesso culposo, para o qual se prevê pena mais benéfica ao réu, igual a do homicídio culposo, são votados vários quesitos referentes aos requisitos da legítima defesa. Como tratar de tal situação na legislação vindoura?

A intenção do legislador na nova lei é que os jurados não sejam Documento: 1343283 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 02/09/2014 Página 1 0 de 17

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indagados sobre questões técnicas. O excesso culposo é matéria técnica, que gera dificuldades de interpretação inclusive para profissionais do direito. Sendo matéria jurídica, os jurados não poderiam ser indagados sobre tal ponto?

Seria clara invasão da competência constitucional dos jurados cogitar que, depois de resposta negativa ao terceiro quesito, caberia ao juiz presidente decidir se o réu deve ser condenado pelo homicídio ou pelo excesso culposo sustentado pela defesa . Inviável também colocar a pergunta sobre excesso culposo antes da votação do terceiro quesito, pois a defesa pode alegar outra tese além do excesso culposo, o que tornaria obrigatória a votação do terceiro quesito. Temos que os jurados devem ser questionados quanto ao excesso culposo alegado, sob pena de nulidade do julgamento pela falta de quesito obrigatório, ao teor da Súmula n.º 156 do Supremo Tribunal Federal. Mas como se faria a quesitação?

A solução que parece mais plausível será inserir após o terceiro quesito respondido negativamente a seguinte pergunta: o réu agiu com excesso culposo? Resposta sim, o juiz presidente aplica a pena de homicídio culposo; respondido não, vota-se se a pena deve ser diminuída ou aumentada.

Em síntese, se a defesa alegou excesso culposo, este se mostra como quesito obrigatório e, em respeito à plenitude da defesa, o réu não pode ficar à mercê do tudo ou nada do terceiro quesito, isto é, ser absolvido ou condenado pelo homicídio simples ou até qualificado.

Conforme doutrina o professor René Dotti, um dos responsáveis pelas linhas mestres da alteração legislativa, as teses da defesa deverão constar da ata de julgamento. Em conclusão, na ata devem constar os exatos termos das teses de defesa para que, em caso de absolvição e eventual recurso com base no mérito, possa o tribunal decidir se a decisão é ou não manifestamente contrária à prova dos autos.

Muitas nulidades ocorriam devido à falta de indagação sobre atenuantes, um quesito obrigatório. Agora só o juiz decidirá sobre elas, o que evitará muitas nulidades de julgamento fundadas neste particular.

Esperamos que a nova lei reduza a incidência de nulidade dos julgamentos pelo júri no tocante aos quesitos. Mas, só com a vigência da legislação, estudos doutrinários e as decisões dos tribunais é que poderemos chegar a uma conclusão mais segura se a nova forma preconizada de quesitação é melhor que a antiga." " (artigo mencionado também no voto do Desembargador-Relator do acórdão ora impugnado, disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=793728, acessado em agosto de 2014.)

Portanto, somente se os jurados tivessem respondido negativamente ao

quesito sobre a absolvição é que eventualmente o excesso doloso poderia ter sido questionado

aos Jurados.

Nessa perspectiva, declarada a absolvição pelo Conselho de Sentença, com

resposta afirmativa de mais de três juízes leigos à terceira quesitação, o prosseguimento do

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julgamento para verificação de excesso doloso constituiu, repita-se, constrangimento

manifestamente ilegal ao direito ambulatorial do Paciente.

Rememore-se ainda que o fato de ter sido considerada a quesitação sobre

excesso doloso na legítima defesa, para condenar o Paciente, significou ofensa à garantia da

plenitude de defesa, pois o novo sistema permite justamente que o Jurado possa absolver o

Réu baseado unicamente em sua livre convicção, e de forma independente da tese defensiva.

Isso foi precisamente esclarecido pelo eminente Ministro Marco Aurélio Bellizze, no

julgamento, por esta Turma, do REsp 1.245.480/DF:

"[...] com o novo questionário, acolhendo a quesitação genérica de absolvição, a novel lei adotou um sistema híbrido, aproximando-se mais do modelo inglês que foi transportado aos Estados Unidos, onde tudo pode ser resumido a um só quesito - Guilty or not guilty -, mantida, contudo, sua peculiaridade, visto que no Brasil vigora o princípio da incomunicabilidade entre os jurados.

Ao aprofundar o estudo sobre o tema, parece-me claro que esta unificação dos quesitos de defesa possibilita que o réu seja absolvido ainda que não haja harmonia sobre qualquer das teses defensivas . Por exemplo, a defesa do réu pode sustentar excludentes de ilicitude diversas, bem como de culpabilidade, sendo que os jurados podem absolver por qualquer dessas excludentes, mesmo que não unânimes (um dos jurados absolve pela legitima defesa, outro, pela inexigibilidade de conduta diversa, e assim por diante).

Vale destacar que a existência desse quesito genérico, segundo penso, potencializou o sistema da íntima convicção, pois o jurado poderá absolver o acusado por qualquer causa, mesmo que não alegada pelas partes (clemência, por exemplo).

Na antiga sistemática, as possibilidades de absolvição eram limitadas pelas teses apresentadas pela defesa, o que mitigava, de certa forma, a possibilidade de o Conselho de Sentença absolver com base na íntima convicção. A partir da reforma, a meu sentir, não há nenhum limite.

[...]A meu ver, o equívoco dessa interpretação - de não obrigatoriedade

do quesito - consiste na desconsideração de outro princípio constitucional de igual envergadura à soberania dos veredictos, qual seja, a plenitude de defesa . De efeito, a absolvição pelos jurados, fundada em tese não sustentada pela defesa, é corolário não só da soberania dos veredictos como também da plenitude de defesa.

[...].Consagra-se, assim, a plenitude de defesa, ainda que a defesa técnica

não suscite tese alternativa. " (grifei)

A ementa do julgamento do referido recurso restou assim anotada:

"RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE

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FORMULAÇÃO DO QUESITO ABSOLUTÓRIO GENÉRICO. NULIDADE ABSOLUTA. QUESITAÇÃO OBRIGATÓRIA INDEPENDENTE DA TESE DEFENSIVA SUSTENTADA EM PLENÁRIO. OBSERVÂNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA. RECURSO IMPROVIDO.

1. O quesito absolutório genérico, previsto no artigo 483, inciso III, do Código de Processo Penal, é obrigatório, independentemente da tese defensiva sustentada em plenário, em razão da garantia constitucional da plenitude de defesa, cuja ausência de formulação acarreta nulidade absoluta.

2. Recurso especial improvido. " (REsp 1245480/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 08/06/2012.)

Com igual conclusão, vejam-se ainda as seguintes lições doutrinárias:

"[...] a principal inovação, introduzida na Lei 11.689/2008, no contexto do questionário, diz respeito à concentração em uma única indagação, em relação às teses de defesa. Não mais é necessário que o juiz presidente colha das alegações expostas em plenário pelo defensor as várias teses levantadas, transformando-as em quesitos a serem submetidos aos jurados. O defensor continuará a expor suas variadas teses, muitas delas alternativas, outras subsidiárias, mas todas voltadas à absolvição do réu. Porém, essa exposição destina-se ao Conselho de Sentença, unicamente. O juiz presidente cuidará de indagar dos jurados apenas o seguinte: “o jurado absolve o acusado?” A resposta afirmativa leva à absolvição ; a negativa, por óbvio, conduz à condenação por homicídio (ou pelo crime já reconhecido nos quesitos anteriores). Entretanto, a razão pela qual os jurados absolveram o réu, se for positiva a resposta, torna-se imponderável. É possível que tenham acolhido a tese principal da defesa (por exemplo, a legítima defesa), mas também se torna viável que tenham preferido a subsidiária (por exemplo, a legítima defesa putativa). Pode ocorrer, ainda, que o Conselho de Sentença tenha resolvido absolver o réu por pura clemência, sem apegos a qualquer das teses defensivas. Em suma, da maneira como o quesito será encaminhado aos jurados, serão eles, realmente, soberanos para dar o veredicto, sem que os juízes e tribunais togados devam imiscuir-se no mérito da solução de absolvição [...]." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal . 13.ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 959-960 – grifei.)

"Absolvição. O quesito obrigatório ex lege: o jurado absolve o acusado? Essa é uma das grandes novidades insertas no novo procedimento, por congregar em um único quesito todas as teses de improcedência alvitradas pelo réu em seu interrogatório e pela defesa em plenário. Atente-se: as teses defensivas não mais são desdobradas em quesitos. Bastará um único questionamento para todas as postulações defensivas . Suponha-se que a defesa e o réu alvitraram quatro teses defensivas: negativa de autoria, legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa e estado de necessidade. Podia ser erro de tipo, erro de proibição etc. Se, dos sete jurados, quatro acataram, cada qual, uma tese distinta, o réu estará absolvido. Mesmo que, dos sete, um ou mais decidiram absolver por

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clemência, é indiferente ." (FREITAS, Jayme Walmer de; SILVA, Marco Antonio Marques da. Código de Processo Penal Comentado . São Paulo: Saraiva, 2012, p. 705 – grifei).

Assim, não há dúvidas de que após a resposta afirmativa ao terceiro quesito o

réu deveria ter sido absolvido e a votação encerrada, como esclarecem, em definitivo, os

seguintes autores:

"ABSOLVIÇÃO3.º) O jurado absolve o acusado?A resposta afirmativa (SIM) a este quesito implica o encerramento da

votação e a ABSOLVIÇÃO do réu da conduta delituosa que lhe foi imputada " (MAMELUQUE, Leopoldo. Manual do novo júri. São Paulo: RT, 2008, p. 185.)

"Condenação ou absolvição: tesesSem as teses desclassificatórias, sendo elas rejeitadas ou, ainda,

inocorrendo a emendatio libelli indireta, votar-se quesito na forma do inciso III, posto que afirmados os dois primeiros.

O inciso III versará sobre a indagação: "se o acusado deve ser absolvido", que será proposta tão somente com a resposta afirmativa dos quesitos precedentes.

A redução imposta pelo dispositivo em relação às teses defensivas, (com exceção das desclassificatórias ou para reconhecimento da tentativa, tratadas normativamente em separado), absorve todas as possibilidades de argumentos em torno de excludentes da criminalidade ou da culpabilidade. Assim, se o acusado pretende que seja reconhecida a tese da legítima defesa, terá ele que direcionar toda a sua retórica para a proposta única: "o acusado deve ser absolvido?". Porque não se quesita, não mais direcionará para os elementos conceituais da excludente ("O réu sofria uma agressão à sua pessoa?", etc.).

Interessante destacar que, se a redução dos quesitos, especialmente com o afastamento do desdobramento em relação a algumas teses defensivas (legítima defesa, por exemplo), tem efeitos restritivos para a defesa e acusação, amplia as possibilidade de novas teses a serem sustentadas em plenário, entre elas o da insuficiência de provas para a condenação.

Sempre oportuno lembrar que a tese pessoal será questionada, mesmo que colidente com a tese técnica, mormente se considerarmos que o interrogatório, com a reforma, assumiu foros de efetiva defesa.

Se a resposta ao quesito III (na norma) for afirmativa, estará absolvido o acusado e o julgamento estará encerrado , tal como prescrito no art. 483, § 1° do diploma processual: "A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado". [...]" (NASSIF, Aramis. O novo Júri Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 152/153 – grifei.)

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"Abaixo vamos transcrever algumas hipóteses de quesitação que achamos interessantes e que podem trazer dúvidas , no dia a dia [...].

a) HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO EM QUE A DEFESA TÉCNICA ALEGA LEGÍTIMA DEFESA E VIOLENTA EMOÇÃO

1º Quesito:No dia 15 de janeiro de 2009, na rua Osvaldo Aranha, em frente ao

número 100, nesta cidade, a vítima Fulano sofreu as lesões descritas no auto de exame cadavérico de fls que, por sua natureza e sede, foram causa suficiente de sua morte?

Resposta: Sim.Não há mais necessidade de se desdobrar a autoria/materialidade e a

letalidade, como antes se fazia, pois mesmo que não seja negado o quesito da autoria/materialidade e o da letalidade, ainda resta a pergunta principal: "O jurado absolve o acusado?" Ora, se o juiz de-pois da autoria/materialidade ainda pergunta se o réu deve ser absolvido, para que dividir a autoria/materialidade com aquela clássica pergunta: essas lesões deram causa à morte da vítima?

Antes, quando votavam a autoria/materialidade e a letalidade, positivamente, o réu estava, em princípio, condenado, dependendo da tese defensiva. Hoje, não. Teremos ainda que perguntar: "o jurado absolve o acusado?"

Ademais, ressalta-se que se a tese for de desclassificação, haverá um quesito próprio, logo não há necessidade de se separar mais a autoria/materialidade e letalidade (§ 4º do art. 483).

Em outras palavras: temos que olhar o novo com os olhos do novo e percebermos que a reforma não mais exige que se faça separação da quesitação. Passemos à autoria.

2º Quesito:O réu Beltrano, no dia 15 de janeiro de 2009, na rua Osvaldo Aranha,

em frente ao número 100, nesta cidade, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima Fulano?

Resposta: Sim.Até aqui perceba que a materialidade e a autoria estão reconhecidas

pelos jurados, ou seja, o fato existiu e o réu é seu autor. Se os jurados responderem negativamente a qualquer dos quesitos

anteriores, o réu estará absolvido (§ 1º do art. 483).Agora, independentemente da tese defensiva e, principalmente, de

quantas sejam teses, o juiz elabora a mais importante pergunta aos jurados:3º Quesito:O jurado absolve o acusado? Resposta: Sim. O réu está absolvido. Termina o julgamento [...]." (RANGEL, Paulo.

Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica , 4.ª ed.. São Paulo: Atlas, 2012, p. 229-230 – grifei.)

Por fim, apenas não se deixe de mencionar que deve ser garantido ao

Ministério Público Estadual prazo para interposição de eventual recurso, como esclareceu o

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eminente Ministro Ministro Marco Aurélio Bellizze, também no julgamento do REsp

1.245.480/DF:

"É oportuno lembrar que, face à soberania dos veredictos, só se permite um recurso com forças de anular a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, conforme previsto no § 3º do art. 593 do Código de Processo Penal. "

Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do writ. Contudo, CONCEDO ordem de

habeas corpus ex officio , para absolver o Paciente, devendo o Juiz do Tribunal do Júri

garantir ao Ministério Público Estadual prazo para eventual interposição do pertinente

recurso.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUINTA TURMA

Número Registro: 2010/0209321-0 PROCESSO ELETRÔNICO HC 190.264 / PBMATÉRIA CRIMINAL

Número Origem: 20020077444756

EM MESA JULGADO: 26/08/2014

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. FATIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI

SecretárioBel. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTRO(S)IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBAPACIENTE : CLÁUDIO HALLISSON MARQUES DE SOUSA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Qualificado

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido e concedeu "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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