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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA DE
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE TOLEDO – ESTADO DO PARANÁ.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de
seu órgão de execução, em exercício na 2ª e 6ª Promotorias de Justiça desta
Comarca, com base nos documentos em anexo e com fundamento nos artigos 5º,
inciso XXIII, 127, 129 e 186, inciso II, todas da Constituição da República de 1988;
artigo 1.228, § 1o, do Código Civil; artigo 7o, §§ 1o e 2o, do Código Florestal; e artigo 14,
§ 1º, da Lei 6.938/1981, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em defesa das relações de consumo,
com requerimento urgente de liminar
em face de MARTINS & AROLDI LTDA. (“Primeiro Requerido”), pessoa jurídica de
direito privado, organizada sob a forma de sociedade limitada, inscrita no CNPJ sob o
n. 79.756.524/0001-67, com endereço na Rua Guarani, n. 1.523, em Toledo/PR;
MARCELINO CONSTRUÇÃO E ADMINISTRAÇÃO LTDA. (“Segundo Requerido”),
pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade limitada,
inscrita no CNPJ sob o n. 02.170.605/0001-56, com endereço na Rua Visconde
Taunay, n. 1.241-A, em Toledo/PR; e MUNICÍPIO DE TOLEDO (“Terceiro Requerido”),
pessoa jurídica de direito público interno, inscrito no CNPJ sob n.º 76.205.806/0001-88,
com sede na Rua Raimundo Leonardi, n. 1586, em Toledo/PR, neste ato representado
pelo Prefeito Municipal, com base nos fatos e fundamentos a seguir expostos.
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I – DO CASO DOS AUTOS –
No ano de 2003, a Prefeitura Municipal de Toledo publicou o Edital de
Licitação n. 006, na modalidade concorrência, cujo objeto era a outorga de concessão
para exploração dos serviços funerários do Município de Toledo. Os serviços
outorgados compreendiam a venda de ataúdes, transporte de cadáveres, uso e
conservação de capela mortuária e central funerária, aluguel de altares, locação de
banqueta, castiçais, velas e paramentos, preparação de cadáveres, confecção de
coroas de flores, ornamentos e obtenção de certidão de óbito (edital em anexo).
A concessão da exploração dos serviços funerários do Município de
Toledo foi regulamentada pela Lei Municipal n. 913, de 23 de setembro de 1977 (lei em
anexo), que dispõe sobre o serviço funerário e o sepultamento de mortos; pela Lei
Municipal “R” n. 85, de 18 de dezembro de 2002, que autoriza o Município de Toledo a
efetuar a outorga da concessão de serviço público (lei em anexo); e pelo Decreto
Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, com as alterações introduzidas pelo Decreto
Municipal n. 203, de 12 de novembro de 2009, que aprova o regulamento dos serviços
funerários do Município de Toledo (decretos em anexo).
Com base nessa legislação e por meio do procedimento licitatório
mencionado, a exploração dos serviços funerários do Município de Toledo foi
outorgada, pelo prazo de 10 (dez) anos, com possibilidade de renovação por mais 05
(cinco) anos, para as sociedades empresárias Martins & Aroldi Ltda. e Marcelino
Construção E Administração Ltda., ora requeridos, celebrando-se os Contratos
Administrativos n. 008/2004 e 009/2004, com seus respectivos aditivos (todos em
anexo).
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No começo do ano de 2014, com a proximidade do vencimento dos
contratos de concessão, as sociedades empresárias Martins & Aroldi Ltda. e
Marcelino Construção e Administração Ltda., requereram ao Chefe do Poder
Executivo Municipal a renovação dos contratos administrativos por mais 05 (cinco)
anos (requerimentos em anexo), ao que foram atendidas pelo Município de Toledo,
representado pelo Prefeito Municipal Luís Adalberto Beto Lunitti Pagnussatt, o qual
renovou os contratos (documentos em anexo).
A situação chamou a atenção no começo deste ano, pois, havia notícia
de várias irregularidades cometidas pelas concessionárias dos serviços funerários, bem
como abusos praticados por elas, ao longo desses 10 (dez) anos. A título de exemplo,
cite-se o caso da Sra. Cleci Dutra de Barros, que procurou o Ministério Público em 07
de março de 2014 (documentos em anexo).
Nesta oportunidade, a Sra. Cleci Dutra de Barros informou que seu
filho falecera no dia 25 de fevereiro de 2014, em acidente automobilístico, e que,
depois que o corpo dele fora liberado pelo IML, foi imediatamente encaminhado para a
funerária administrada pela Marcelino Construção e Administração Ltda., sem que a
ela coubesse exercer o seu direito constitucional de livre escolha. Na funerária, a Sra.
Cleci Dutra de Barros fora induzida a assinar diversos documentos e recebeu cheque
no valor de R$ 6.816,00, referente a suposto adiantamento de DPVAT. Posteriormente,
tomou conhecimento que deveria receber R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais),
mas que a diferença fora embolsada pela funerária e por seu advogado.
Além disso, a Sra. Cleci Dutra de Barros informou que tem renda
mensal de R$ 470,00 (quatrocentos e setenta reais) e que, por isso, faria jus a funeral
gratuito, como de fato o teria, mas não ocorreu por ato praticado pela concessionária
de serviço público.
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O caso acima indicado soma-se a tantos outros de abusos praticados
pelas concessionárias de serviços funerários do Município de Toledo (documentos em
anexo comprovando algumas situações de mesma natureza, apenas a título de
exemplo), sendo certo que, seu Prefeito Municipal, no momento oportuno que teve para
não renovar os serviços e buscar adequação deles, deixou a sociedade toledense a
própria sorte.
Não obstante, um dos pontos fulcrais dos problemas enfrentados pelos
consumidores de serviços funerários do Município de Toledo – e que constituem objeto
desta demanda – é o estabelecimento de sistema de rodízio entre elas, sem qualquer
amparo legal e constitucional, o que foi feito, simplesmente, por meio de decreto.
O estabelecimento do sistema de rodízio por meio de decreto, sem
amparo legal, além de padecer de vício formal, também representou afronta à ordem
econômica e à defesa do consumidor, na medida em que limitou ilegalmente1 a livre
concorrência e, por conseguinte, o direito do consumidor de escolher os serviços de
acordo com a qualidade e o preço, sem que a ele seja imposto o serviço prestado por
determinada concessionária, como se passará a expor.
1 Sobre a questão da ilegalidade e inconstitucionalidade de decretos do Poder Executivo, na ADIN n. 2.387-0 – DF,
julgada pelo STF, o relator, Ministro Marco Aurélio, afirmou que “é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal
no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu
âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade”. – destacou-se.
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II – DA VIOLAÇÃO DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DOS DIREITOS DO
CONSUMIDOR POR MEIO DE ILEGAL RODÍZIO DE SERVIÇOS FUNERÁRIOS
ESTABELECIDO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL –
O Município de Toledo criou sistema de rodízio, por meio de decreto
municipal, entre as concessionárias de atividades funerárias, de modo que elas se
revezassem no atendimento dos consumidores que buscam seus serviços.
A cada morte que acontece no Município de Toledo, os parentes do de
cujus são encaminhados, de acordo com esse sistema, para uma determinada
concessionária, sem que possam escolher aquela que melhor lhes atenda ou seja de
sua preferência.
O sistema de rodízio encontra-se previsto no artigo 3º, caput e §§ 1º a
3º e 8º a 11º, do artigo 7º, inciso V, e do artigo 41, caput e §§ 1º a 6º, todos do Decreto
Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, com as alterações introduzidas pelo Decreto
Municipal n. 203, de 12 de novembro de 2009. Destaque-se, à guisa de exemplo, a
redação artigo 3º, caput e § 2º:
“Artigo 3º - Os serviços funerários no Município de Toledo serão prestados por duas concessionárias, após encaminhamento efetuado pela Central de Atendimento e Manutenção do Serviço Funerário do Município (CAMSF). § 1º - As instituições hospitalares e o Instituo Médico Legal instalados no Município deverão apresentar aos familiares ou representantes legais do falecido a Central de Atendimento e Manutenção do Serviço Funerário, para as informações e procedimentos regulamentares pertinentes. § 2º - A Central de Atendimento e Manutenção do Serviço Funerário a que se refere o caput deste artigo será responsável pela prestação aos interessados de todas as informações relacionadas aos cemitérios, serviços funerários, grupos de produtos e serviços e respectivas tabelas de preços, rodízio entre as concessionárias e demais informações afins.” – destacou-se.
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Malgrado a previsão do rodízio no decreto municipal, conforme acima
transcrito, a Lei Municipal n. 913, de 23 de setembro de 1977 (lei em anexo), que
dispõe sobre o serviço funerário e o sepultamento de mortos; e a Lei Municipal “R” n.
85, de 18 de dezembro de 2002, que autoriza o Município de Toledo a efetuar a
outorga da concessão de serviço público (lei em anexo), não trazem qualquer
previsão nesse sentido.
II.1 – Da ausência de previsão legal do sistema de rodízio – Criação de direitos e
obrigações sem previsão legal pelo Chefe do Poder Executivo Municipal –
Usurpação de função legislativa –
A Lei Municipal n. 913, de 23 de setembro de 1977, em seu artigo 7º,
estabelece que, o Município de Toledo deverá respeitar o direito comercial de livre
concorrência (que é justamente a situação oposta a de um sistema de rodízio), quando
prestar o serviço funerário por conta própria ou, ainda, no regime de concessão:
“Art. 7º - Quando a Prefeitura julgar conveniente, nos termos do artigo 3º desta Lei, poderá instalar serviço funerário por conta do Município, para exploração direta ou por concessão, respeitado, porém, o direito comercial de livre concorrência e obedecidas as exigências legais de exploração oficial dos serviços de utilidade pública.” – destacou-se.
Por sua vez, a Lei Municipal “R” n. 85, de 18 de dezembro de 2002,
não prevê qualquer situação de rodízio entre as concessionárias de serviços funerários.
Estabelece apenas que o serviço será concedido a duas empresas, conforme previsto
no artigo 2º da referida norma, in verbis:
“Artigo 2º – Fica o Município de Toledo autorizado a efetuar a outorga da concessão do serviço público de indústria e comércio de artigos funerários, transporte de féretros e demais atividades correlatas, nos termos da Lei Federal nº 8.987/95 e da Lei Municipal nº 1.623/91.
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Parágrafo único – O serviço público de que trata o caput deste artigo será concedido a duas empresas, por um prazo de até dez anos, podendo ser prorrogado por até cinco anos, de acordo com as condições de participação das concessionárias no cumprimento do disposto nos incisos V e VI do caput do artigo seguinte.”
Veja-se, portanto, Excelência, ao se editar o Decreto Municipal n. 268,
de 06 de maio de 2003, a Prefeitura Municipal de Toledo foi além do estabelecido na
legislação supra mencionada, criando um sistema de rodízio e, assim, extrapolando em
muito seu poder regulador. Com a criação desse sistema, a Prefeitura Municipal
também contrariou as disposições do artigo 7º da Lei Municipal n. 913, de 23 de
setembro de 19772 e artigo 15 da Lei Municipal n. 1.623, de 1º de abril de 19913, pois
violou a necessidade de se respeitar a livre concorrência e combater o abuso do poder
econômico, por meio de dominação de mercado.
Com efeito, o Decreto Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, trata-
se de espécie de manifestação do dever-poder regulamentar do Poder Executivo. Por
meio da edição de um ato normativo regulamentador, o Chefe do Poder Executivo
busca “produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução
de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública”.4
2 “Artigo 7º - Quando a Prefeitura julgar conveniente, nos termos do artigo 3º desta Lei, poderá instalar serviço
funerário por conta do Município, para exploração direta ou por concessão, respeitado, porém, o direito comercial
de livre concorrência e obedecidas as exigências legais de exploração oficial dos serviços de utilidade pública.” –
destacou-se.” 3 “Artigo 15 – O Município reprimirá, na concessão ou permissão de serviços públicos, qualquer forma de
abuso do poder econômico, principalmente as que visem à dominação do mercado, à exploração monopolística e o
aumento abusivo do lucro.” – destacou-se. 4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2010, p. 343.
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8
O ato regulamentador emanado do Poder Executivo caracteriza-se por
ser “estritamente subordinado, isto é, meramente subalterno e, ademais, dependente
de lei”.5 Além disso, o ato normativo proveniente da Administração Pública,
diferentemente da lei, não pode inovar de modo inicial na ordem jurídica. Apenas a lei
pode criar disposição regulamentar nova. O regulamento apenas se submete a ela.
“Nisto se revela que a função regulamentar [pelo Poder Executivo], no Brasil, cinge-se
exclusivamente à produção destes atos normativos que sejam requeridos para ‘fiel
execução’ da lei”.6
No presente caso, conforme acima transcrito, verifica-se que o artigo
3º, caput e § 2º, do Decreto Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, inovou na ordem
jurídica municipal, ao criar um sistema de rodízio no Município de Toledo entre as
concessionárias de serviços funerários. As Leis Municipais que regulamentam a
matéria no âmbito local (leis em anexo), não trazem qualquer previsão de rodízio entre
elas. Pelo contrário, estabeleceu-se tão somente a concessão do serviço a duas
empresas, ou seja, duas prestadoras de serviços independentes que podem e devem
concorrer entre si.
Portanto, o Chefe do Poder Executivo Municipal de Toledo, em
usurpação da função legislativa, ao editar decreto que inovou na ordem jurídica local,
criando sistema de rodízio não previsto em lei, violou as disposições do artigo 2º da
Constituição da República de 1988, artigo 7º da Constituição do Estado do Paraná, e
artigo 2º da Lei Orgânica do Município de Toledo, os quais estabelecem a
independência e harmonia entre as Funções Executivas e Legislativas dos entes da
federação.
5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., 2010, p. 343.
6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., 2010, p. 345.
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O princípio da legalidade também foi violado pelo Poder Executivo
Municipal ao se criar o sistema de rodízio por meio de decreto, princípio este que se
encontra consagrado no artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988, e
artigo 27, caput, da Constituição do Estado do Paraná. Nesse sentido, todo ato de todo
agente público deve ser realizado nos termos da Lei. Na medida que, para o particular,
o que não é proibido é permitido; ao administrador, e à própria Administração, somente
é permitido fazer o que a lei expressamente autoriza, ou seja, o que não é permitido
pela lei é proibido.
Ao se estabelecer o sistema de rodízio por meio de decreto, o Chefe do
Poder Executivo Municipal, a um só tempo, (i) criou um dever para os moradores desta
cidade – de se submeterem à rotatividade entre as concessionárias –; (ii) limitou o
direito do consumidor de não ser submetido a métodos comerciais coercitivos ou
desleais, conforme previsão do artigo 6º, inciso IV, da Lei 8.078/19907 (Código de
Defesa do Consumidor); (iii) e, ainda, criou um direito para as concessionárias, não
previsto em lei, de não ter o sistema de rodízio violado, ou seja, de não permitir que
alguém escolha a funerária que irá prestar os serviços fúnebres.
O ato normativo apto a criar, extinguir ou alterar direitos e deveres no
ordenamento jurídico brasileiro é apenas a lei. O regulamento do Poder Executivo não
tem essa aptidão e se o faz, pratica ato de abuso de poder, conforme lições de Pontes
de Miranda, lembradas por Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:
7 “Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:
[...]
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10
“Onde se estabelecem, altera ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com
tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei”.8 –
destacou-se. m
A respeito do controle de legalidade de decretos, de acordo com o
doutrinador Oswaldo Luiz Palu, citando decisão do STF, estes atos normativos, quando
ultrapassam o âmbito de incidência da lei (ultra legem) ou contrariam suas disposições
(contra legem), devem ser julgados ilegais (e não inconstitucionais):
“Já decidiu a Corte: ‘Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. Eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que a partir desse vício jurídico se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada’ (ADin 996-DF, medida cautelar,
rel. Min. Celso de Mello, RTJ 158/54).” – destacou-se. 9
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; [...].” 8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op.cit., 2010, p. 345.
9 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 203 e ss.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
11
Mas além de ter extrapolado a função de apenas dar execução à Lei
Municipal, o Decreto Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, que criou o sistema de
rodízio também contrariou a proteção à livre concorrência e à livre iniciativa, duas
diretrizes da proteção à ordem econômica, prevista, em dentre outros diplomas
normativos, no artigo 75 da Lei Orgânica do Município de Toledo.10
II.2 – Da violação à livre iniciativa e à livre concorrência praticada pelo Município
de Toledo ao instituir o rodízio entre as concessionárias de serviços funerários –
A Lei Orgânica do Município de Toledo estabelece em seu artigo 75 a
proteção da ordem econômica no âmbito municipal, com a finalidade de assegurar a
todos os cidadãos existência digna, em conformidade com os ditames da justiça social
e com fundamento no pressuposto da valorização do trabalho humano e a livre
iniciativa. O artigo 15 da Lei Municipal n. 1.623, de 1º de abril de 1991, também prevê o
dever de o Município de Toledo combater todas as formas de abuso do poder
econômico, especialmente, aquelas que levem à dominação de mercado:
“Artigo 15 – O Município reprimirá, na concessão ou permissão de serviços públicos, qualquer forma de abuso do poder econômico, principalmente as que visem à dominação do mercado, à exploração monopolística e o aumento abusivo do lucro.” – destacou-se.
De modo mais amplo e vinculativo ao Município de Toledo, a
Constituição da República de 1988, estabelece em seu artigo 170, caput, e incisos III,
IV e V, da Constituição da República de 198811, que a ordem econômica é orientada
10
“Artigo 75 - A ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos os cidadãos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, com fundamento nos seguintes pressupostos:
I - valorização do trabalho humano;
II - livre iniciativa.” 11
“Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
12
pelos princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da
propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Essas diretrizes encontram também encontram previsão no artigo 1o da Lei Federal n.
12.529/2011.
De acordo com Eros Roberto Grau, a expressão “ordem econômica”
possui três significados.
O primeiro deles apontado pelo autor é aquele utilizado para se referir
à parcela da ordem jurídica que constitui um sistema de regras e princípios12 voltado
para a regulamentação de determinadas situações em comum. Nesse sentido, ordem
econômica é o regime jurídico do fenômeno econômico. O segundo significado da
expressão é o de relação entre fenômenos econômicos e materiais, isto é, a relação da
economia com o “mundo do ser”. Trata-se de visão empírica da economia. E, por fim, o
terceiro significado da expressão é o conjunto de normas, de qualquer natureza (moral,
jurídica, religiosa, etc.), que incidem sobre os fatores econômicos.13
A Constituição da República de 1988 ao prever no caput a expressão
“ordem econômica” – a qual é reproduzida na Lei Orgânica do Município de Toledo –
utilizou-a tanto em seu significado normativo (de parcela da ordem jurídica, mundo do
dever ser) quanto no significado de relações entre os fenômenos econômicos (sentido
material, mundo do ser).14 Logo, a Constituição dita no artigo 170 os fundamentos e os
fins do fenômeno econômico, que deverá observar determinados princípios jurídico-
[…]
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;”. 12
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
p. 60. 13
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., 2005. p. 67. 14
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., 2005. p. 68-69.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
13
normativos, os quais passam a elencar em seus incisos e parágrafos, tudo como forma
de normatizar e tutelar o adequado funcionamento do mercado.
Dentre esses princípios jurídico-normativos, destaque-se a liberdade
de iniciativa, pois relevante para o presente caso.
De acordo com os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho, a previsão
constitucional de proteção à livre iniciativa significa o reconhecimento de um direito de
titularidade de todos de explorarem atividades empresariais. Em decorrência disso,
surge o dever para a coletividade de respeitar esse direito constitucionalmente
consagrado e não criar embaraços ao seu exercício pleno. Essa imposição se dirige
assim contra o próprio Estado, que somente pode intervir sobre domínio econômico
dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, e contra os particulares, que
devem respeitar certos limites legalmente impostos no exercício da empresa.
Em relação às imposições estabelecidas aos particulares para a
proteção da livre iniciativa, o mencionado jurista afirma que é possível subdividi-las em
dois grandes grupos: as normas atinentes (i) à concorrência desleal e (ii) às de
combate ao abuso do poder econômico. No primeiro caso, a proteção envolve
interesses preponderantemente particulares e, acrescente-se, individuais, ocorrendo a
repressão apenas em nível penal e civil.
No segundo caso, porém, como prevalece o interesse de toda a
coletividade, a repressão ocorre cumulativamente ou autonomamente em âmbito
administrativo, a cargo do Poder Público,15 mas não se limitando a este. Os legitimados
15
ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.
p. 189.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
14
privados à propositura de ação civil pública, concorrentemente, guardam interesse e
legitimidade na defesa de tais direitos, ex vi artigo 5o, inciso V, da Lei 7.347/85.16
O segundo princípio norteador da ordem econômica que também deve
ser ressaltado é o da livre concorrência, que pode ser extraído da própria liberdade
de iniciativa. Isso porque a liberdade de iniciativa permite que todos atuem na ordem
econômica sem restrições e, a partir daí, passem a disputar livremente os interesses
dos consumidores no mercado. Via de consequência, o traço marcante desse sistema
passa a ser a desigualdade entre os agentes econômicos.
Encontrando-se em livre concorrência, alguns agentes se tornarão
mais fortes e terão posição econômica superior à dos demais e delas poderão se
utilizar para cada vez mais concentrar o mercado. Por esse motivo que se previu a
necessidade de repressão ao abuso do poder econômico, quando este tiver por fim o
aumento arbitrário dos lucros, a infringência à livre concorrência e à livre iniciativa, o
exercício abusivo da posição dominante e a dominação de mercado relevante (artigo
36, inciso II, da Lei Federal n. 12.259/2011). Isso é o que se extrai de lição de Fábio
Ulhoa Coelho:
“O poder econômico, note-se, é um dado de fato inerente ao livre mercado. Se a organização da economia se pauta no liberdade de iniciativa e de competição, então os agentes econômicos são necessariamente desiguais, uns mais fortes que os outros. [...]. É apenas a repressão a certas modalidades de exercício do poder econômico que a lei pode contemplar, em obediência ao mandamento constitucional”.17
16
Artigo 5o. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
[…]
V - a associação […].” 17
ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial: direito de empresa. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.
p. 201
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
15
No presente caso, o Decreto Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003,
ao estabelecer o sistema de rodízio entre as concessionárias de serviços funerários,
violou a proteção à ordem econômica prevista no artigo 75 da Lei Orgânica do
Município de Toledo, no artigo 15 da Lei Municipal n. 1.623, de 1º de abril de 1991, na
Constituição do Estado do Paraná e na Constituição da República de 1988.
Ao constituir o sistema de rodízio por meio do decreto, o Ente Público
Municipal, que deveria combater e punir formas de violação da livre iniciativa e da livre
concorrência – que são diretrizes da ordem econômica, conforme acima exposto –, na
verdade, estabeleceu método comercial coercitivo e desleal, obrigando o consumidor a
contratar um serviço, sem respeitar sua autonomia e preferência.
Com a instituição de limitações à livre iniciativa e à livre concorrência, o
Município de Toledo também trouxe outras consequências negativas para os
consumidores. Garantida a prestação de serviço à reserva de mercado criada pelo
sistema de rodízio, as concessionárias de serviços públicos não precisam se preocupar
com a fixação de preços justos, dentro do teto fixado pelo Município de Toledo, e com a
qualidade dos serviços, pois, de qualquer maneira, terão “direito” a 50% dos
consumidores locais.
A violação da ordem econômica, especialmente, de sua diretriz da livre
concorrência, nesses casos, é tão patente, que o Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a
inconstitucionalidade de artigos de Lei do Município de Florianópolis que trazia
semelhante disposição à do decreto ora impugnado. Veja-se:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
16
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DEFINITIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. LEI QUE INSTITUI SISTEMA DE PLANTÃO EM RODÍZIO PARA ATENDIMENTO DE ÓBITOS. VÍCIO DE INICIATIVA E AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR E DA LIVRE CONCORRÊNCIA. PROCEDÊNCIA DA ACTIO.” (TJSC. ADI n. 2007.038168-8. Relator: Desembargador Irineu João da Silva. Julgado em 03/11/2010). – destacou-se.
Do voto do Desembargador Relator, pode-se destacar o seguinte
trecho, pois relevante para o deslinde do presente caso:
“3. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por meio da qual se buscam excluir das normas locais a Lei n. 6.923, de 23 de março de 2006, que dispôs sobre a criação da "Central de Óbitos", que, segundo os requerentes, ao determinar o revezamento das empresas concessionárias na prestação de serviços funerários, acabou por limitar e reprimir o direito de escolha dos consumidores, violando o disposto no art. 135, § 4º, da Constituição Estadual. Têm razão os requerentes no tocante à aventada inconstitucionalidade do sistema de rodízio instituído pela Lei n. 6.923/2006, camuflado como "sistema de plantão", porquanto impede a possibilidade de o consumidor optar pelos serviços fúnebres de outra empresa que não a de plantão, caso assim seja o seu desejo, afrontando o princípio constitucional da defesa do consumidor e da livre concorrência. "O princípio constitucional da livre concorrência tem mesmo um caráter instrumental, pois a concorrência não constitui um fim em si mesma. Entretanto, detectada sua presença numa dada realidade, dali se extraem consequências importantes: o preço de produtos e serviços corresponderá ao estipulado pelo livre jogo das forças do mercado no justo equilíbrio entre a procura e a oferta, com significativos benefícios, no mais das vezes, para os consumidores e para a coletividade em geral. [...] o papel reservado ao poder público, neste particular, é o de fomentar a livre concorrência. As realidades e condutas que se mostrem atentatórias ao princípio necessitam ser expungidas, pena de o poder econômico abusar de sua condição, com nefastos efeitos para os demais agentes, para os consumidores e para a sociedade em geral. [...]. Ao Estado, então, é deferida a relevante tarefa de velar pela regularidade do mercado. Ao disciplinar normativamente a defesa da concorrência, deve mesmo estabelecer um conjunto de regras que tenham por objetivo a intervenção do Estado na vida econômica, de modo a garantir que a competição das empresas no mercado não seja falseada por meio de práticas colusórias ou abusivas. Por outro lado, há de se ter em conta que o poder econômico não é apenas um elemento da realidade. É mesmo um dado constitucionalmente institucionalizado, normatizado, normalizado. Mas
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se a livre concorrência constitui princípio conformador da atividade econômica (CF, art. 170, IV) esclarece o §4º do art. 173 que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à eliminação da concorrência, à dominação dos mercados e ao aumento arbitrário dos lucros" (LAFAYETE JOSUÉ PETER, in Princípios Constitucionais da Ordem Econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 223).” – destacou-se.
Veja-se, portanto, que nem mesmo por lei o sistema de revezamento
ou rodízio entre as concessionárias de serviços funerários encontra amparo no sistema
jurídico brasileiro, quiçá por meio do malfadado Decreto Municipal n. 268, de 06 de
maio de 2003, que extrapolou os limites da legislação do Município de Toledo e, ainda,
violou a defesa do consumidor, a livre iniciativa e a livre concorrência, todos diretrizes
da ordem econômica, cuja proteção também encontra amparo no artigo 75 da Lei
Orgânica do Município de Toledo e artigo 15 da Lei Municipal n. 1.623, de 1º de abril de
1991.
Por fim, deixe-se bem claro que não se está discutindo nesta demanda
a retirada da exclusividade na prestação de serviços funerários pelas empresas
requeridas. Cabe ao Município de Toledo realizar procedimento licitatório e conferir às
empresas vencedoras – como ocorreu – o direito de explorar as atividades funerárias
de modo exclusivo. Não obstante a exclusividade concedida a elas, o Município de
Toledo, seja por lei ou por decreto, não pode criar reserva de mercado para essas
empresas e impedir que elas compitam entre si, pois, dessa maneira, submete os
consumidores a prática comercial coercitiva e ilegal, como de fato aconteceu e vem
acontecendo, e estimula a dominação do mercado.
A Constituição da República e o entendimento jurisprudencial
consolidado amparam a exclusividade concedida às empresas vencedoras de
procedimento licitatório, mas não as protegem da proibição de concorrência entre elas,
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como foi feito no Município de Toledo por meio de decreto18. Este último ponto que
constitui o objeto desta demanda, conforme acima detalhadamente narrado.
III – DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA –
A permanência do sistema de rodízio entre as concessionárias
municipais de serviços funerários vem prejudicando, diariamente, os consumidores de
seus serviços, na medida que não podem escolher a prestadora das atividades em
questão segundo seus critérios pessoais, como qualidade dos serviços e preços de
mercado, praticados dentro dos limites fixados pelo Município de Toledo.
Nesse contexto, a fim de minimizar os prejuízos causados às relações
de consumo provocados pelos réus, em especial, pelo Município de Toledo, deve ser
concedida tutela específica de obrigação de não fazer, na forma do artigo 461, § 3o,
do Código de Processo Civil, para que se suspenda, imediatamente, o sistema de
rodízio entre as concessionárias de serviços funerários, até o fim da presente
demanda, oportunidade em que a suspensão deverá ser julgada definitiva, com a
declaração de ilegalidade de dispositivos do decreto municipal que regulamenta a
matéria.
Observe-se que, o artigo 461, § 3o, do CPC exige para a concessão de
tutela específica, de maneira liminar, quando o fundamento da demanda for
relevante e houver justificado receito de ineficácia do provimento final.
No presente caso, a relevância do fundamento da demanda se
assenta na própria causa de pedir, consistente na tutela ampla e geral das relações de
consumo no Município de Toledo, o qual possui população estimada pelo IBGE para o
18
E ainda que tivesse previsto o sistema de rodízio em lei, esta não seria constitucional.
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ano de 2013, de 128.448 habitantes, que se encontra exposta e submetida às práticas
comerciais coercitivas e desleais chanceladas pelo Chefe do Poder Executivo
Municipal. De nada adianta o ajuizamento de ação para a tutela das relações de
consumo, se esta não se fizer sentir imediatamente, reduzindo a lesão ao consumidor.
A relevância da defesa e proteção às relações de consumo é tamanha,
que encontra, inclusive, previsão na Constituição da República de 1988, em seu artigo
5º, inciso XXXII, e artigo 170, inciso V. Do mesmo modo, internacionalmente, diversos
Diplomas Legais buscam sua tutela, como, por exemplo, a Resolução n. 39/248 de
10/04/1985, da Organização das Nações Unidas (ONU), e é tratada como direito
fundamental pelos países membros do MERCOSUL.
O justificado receio de ineficácia do provimento final consiste no
agravamento do dano. Isso porque, os consumidores que se virem obrigados a
contratar os serviços funerários em razão do falecimento de algum ente querido, não
terão opção de escolher o melhor serviço ou aquele de sua preferência, nessa hora
que já é tão difícil. O consumidor não será respeitado em sua escolha e em seus
desejos e, para as concessionárias de serviços funerários, será apenas mais um
número. Diante disso, a única solução é impedir que o dano aconteça ou continue
acontecendo, sob pena de conviver-se com situação irreparável.
Conforme afirmado por Luiz Guilherme Marinoni, “no Estado
constitucional, mais importante que teorizar sobre as ações de direito material é pensar
a respeito das formas de tutela devidas pelo Estado para a proteção dos direitos,
especialmente dos direitos fundamentais”.19 De nada adianta estabelecer que a defesa
das relações de consumo e do consumidor constitui direito constitucional fundamental
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MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 304.
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(artigo 5º, inciso XXXII, da CR/1988), se não for possível sua tutela liminar, de modo a
impedir que os danos provocados ao consumidor se tornem irreversíveis.
A irreversibilidade da prática lesiva viola frontalmente a obrigação de
todos, de maneira difusa, de protegerem o consumidor e as relações de consumo. Por
essa razão, é fundamental que o sistema de rodízio entre as concessionárias de
serviços funerários seja imediatamente suspenso por Vossa Excelência.
IV – PEDIDOS E REQUERIMENTOS –
À vista do exposto, o Ministério Público do Estado do Paraná requer
que Vossa Excelência se digne, pela ordem, de:
a) antecipar os efeitos da tutela pretendia, inaudita altera parte, na forma do
artigo 461, § 3o, do CPC, a fim de determinar a imediata suspensão da
eficácia do artigo 3º, caput e §§ 1º a 3º e 8º a 11º, do artigo 7º, inciso V, e
do artigo 41, caput e §§ 1º a 6º, todos do Decreto Municipal n. 268, de 06
de maio de 2003, com as alterações introduzidas pelo Decreto Municipal
n. 203, de 12 de novembro de 2009, que estabelecem o rodízio entre as
empresas concessionárias de serviços funerários do Município de Toledo, de
modo que o consumidor possa escolher livremente a prestadora de serviços,
segundo seus próprios critérios e no exercício de sua autonomia;
b) em seguida, determinar a citação dos réus, por meio de mandado, a ser
cumprido no endereço indicado no preâmbulo desta petição inicial, para que,
no prazo legal, ofereçam, em querendo, contestação em relação aos fatos
aqui narrados, sob pena de revelia, processando-se a causa pelo rito
ordinário;
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c) julgar, ao final, no mérito, procedentes os pedidos, para o fim de:
i. declarar, com base no artigo 83 da Lei 8.078/199020, a
ilegalidade do artigo 3º, caput e §§ 1º a 3º e 8º a 11º, do
artigo 7º, inciso V, e do artigo 41, caput e §§ 1º a 6º, todos
do Decreto Municipal n. 268, de 06 de maio de 2003, com as
alterações introduzidas pelo Decreto Municipal n. 203, de
12 de novembro de 2009, que estabeleceram o sistema de
rodízio entre as funerárias e, assim, violaram o disposto no
artigo 6º, inciso IV, da Lei 8.078/1990; nos artigos 2º e 75 da Lei
Orgânica do Município de Toledo; no artigo 7º da Lei Municipal
n. 913, de 23 de setembro de 1977; e no artigo 15 da Lei
Municipal n. 1.623, de 1º de abril de 1991, reconhecendo, de
modo definitivo, a possibilidade de o consumidor do Município
de Toledo escolher livremente a prestadora de serviços
funerários que melhor lhe atendada, possibilitando, ainda, a
livre concorrência entre elas e confirmando eventual
antecipação de tutela concedida;
ii. condenar o Município de Toledo a se abster (obrigação de não
fazer) de fixar sistema de rodízio entre as concessionárias de
serviços funerários, diante da ilegalidade de tal medida, que
afronta a ordem econômica, em sua vertente da livre
concorrência e livre iniciativa, e as relações de consumo, nos
termos da legislação federal e municipal supra mencionada; e,
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“Artigo 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”
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iii. condenar os réus, solidariamente, ao pagamento das
despesas processuais.
À guisa de provas, o Ministério Público requer a juntada dos
documentos que acompanham a presente petição inicial.
Apesar de inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem
mil reais) para fins fiscais.
Toledo, 07 de julho de 2014.
José Roberto Moreira
Promotor de Justiça
Hugo Evo Magro Corrêa Urbano
Promotor de Justiça