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CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Nº3 – ANO 3 - 2013
MINORIAS, ATIVISMO E INCLUSÃO
Artigos e resumos expandidos
III Encontro de Ciências Sociais
2
UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA
Cleri Becher de Mattos Leão
Diretora Presidente
Leonardo Becher de Mattos Leão
Diretor Administrativo
FACULDADE GUARAPUAVA - FG
Carlos Alberto Ferreira Gomes
Diretor Geral
CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
ANO 3 – Nº 3 – 2013
MINORIAS, ATIVISMO E INCLUSÃO
Artigos Científicos e Resumos Expandidos
3
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes
Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes
Prof. Ms. Grazieli Eurich
Prof. Ms. João Carlos Batista Morimitsu
Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva
Profª.Ms. Rosimeri Chaia Pedroso
Prof. Ms. Vitor Ogiboski
COMISSÃO DE APOIO
Carlos de Jesus Lima (Filosofia)
Ciro Nascimento Gomes (Comunicação Social)
Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia)
Eliane Lupepsa Costenaro (História)
Gilce Primak Niquetti (Pedagogia)
Jorge Luiz Zaluski (História)
Leticia Larsson (Pedagogia)
Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências
Sociais que já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato
Sensu.
4
GOMES, Cerize Nascimento e GOMES, Carlos Alberto
(orgs) . Contato Social: Minorias, Ativismo e Inclusão.
107 páginas. Faculdade Guarapuava (FG). REVISTA
CONTATO SOCIAL - ANO 3, Nº 3, 2013.
Palavras-chave: Ativismo. Educação. Inclusão.
Minorias. Sociedade.
5
ÍNDICE
1 - A participação dos movimentos sociais na elaboração das propostas pedagógicas dos programas Saberes da Terra e Projovem Campo - Elenice De Paula, Jorge Luiz Zaluski e Ângela Maria Hidalgo... .... ............ ........ ........ ............ ........ ........ ..... p. 07
2 - Música popular e os movimentos sociais brasileiros - Rodrigo Alves Fávaro. Co-autores: Adriane Aparecida Prudente Machado, Dafne Ribeiro Breda, Fábio Noima Pelosi, João Carlos de Souza, Simone Ferreira Zeni...p. 45 3 - O canto popular religioso nos rituais da umbanda: registro etnográfico na Tenda Pai Francisco em Guarapuava (PR) - Cerize Nascimento Gomes p. 63
4 - Currículo e formação: um breve relato sobre as contribuições da sociologia do currículo, os desafios da formação docente e os princípios da educação profissional – Rafael Morgentale Disconzi..................................................p. 77
RESUMOS EXPANDIDOS
5 - A “Primavera das Mulheres”: feminismo e religiosidade em Guarapuava –
Karina de Fátima Bochnia ..........................................................................p. 94
6 - A expressividade política dos povos do campo frente ao sistema escolar no
município de Pinhão (PR) – Carlos de Jesus Lima.......................................p.100
7 - A inclusão escolar de alunos com deficiência: estudo de caso no município
de Nova Laranjeiras (PR) – Eliseu Chuska.................................................p.105
8- A tradição gaúcha e suas ramificações em Guarapuava(PR) - Valmir José
Jocoski .......................................................................................................p.109
9 - A festa de Cosme e Damião ou um passeio entre o sagrado e o profano nos terreiros de umbanda – Luciane Pietras...................................................p.112 10 - Ritos religiosos e festividades da umbanda : a festa do preto velho – Lucélia Terezinha de Araújo Pietras ......................................................p.116 11- Estudo sobre as contribuições do cooperativismo para as mulheres agricultoras do município de Turvo (PR) – Débora Machado....................p.119
6
12 - Adolescentes infratores na cidade de Guarapuava: uma análise geocriminal dos espaços utilizados e da relação de poder – Alex Maurício de Lima............................................................................................................p.122
13 - As cartografias sociais como identidade cultural dos povos faxinalenses da região de Guarapuava (PR) – Eliane de Fátima Bueno ............................p.127
14 - Rap, funk e juventude: narrativas urbanas sobre protesto e consumo - Dinaldo Almendra.......................................................................................p.131
7
A PARTICIPAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA
ELABORAÇÂO DAS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DOS
PROGRAMAS SABERES DA TERRA E PROJOVEM CAMPO
ELENICE DE PAULA1
JORGE LUIZ ZALUSKI2
ÂNGELA MARIA HIDALGO 3
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo verificar e analisar a presença
dos princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST), em que explicita a compreensão do movimento social a cerca de sua
importância nas conquistas para os sujeitos que vivem no campo. Por meio das
concepções de alguns conceitos como cidadania, trabalho, agricultura
sustentável e identidade do campo, junto aos dois projetos Saberes da Terra
de 2007 e Projovem Campo de 2010, percebendo suas mudanças e
permanências bem como suas possibilidades. A pesquisa trata num primeiro
momento do Histórico da educação destinada aos povos do campo, num
contexto de lutas e conflitos, segundo momento o nascimento do movimento
social (MST) e sua luta pela terra e por uma educação. Essa verificação foi
realizada mediante a uma pesquisa bibliográfica e documental. O
aprofundamento das discussões bibliográficas apoiou-se nos autores que
discutem a temática da educação do campo, como Roseli Caldart, Miguel
Arroyo, Joaquim Gonçalves Costa entre outros teóricos da educação do
campo. Ao concluir a pesquisa, percebemos o comprometimento do movimento
social do campo (MST), em legitimar seus princípios ideológicos junto aos
cadernos pedagógicos dos dois programas, preocupados na formação de uma
educação pautada na valorização da cultura e identidade do campo.
PALAVRAS – CHAVE: Educação do campo; Movimento social (MST);
Princípios ideológicos. 1 Graduada em História pela Unicentro 2008, especialista e Ensino e História da América
Latina 2010. Educação do Campo 2011, Mídias Integradas a Educação 2012. E-mail:
2 Graduado em História pela Unicentro 2008, especialista em Ensino e História da América 2010,
Gestão Escolar 2011, Mídias Integradas a Educação 2012. Acadêmico do segundo período de Ciências
Sociais – Faculdade Guarapuava, 2013. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educação pela UNESP. e-mail: [email protected]
8
INTRODUÇÃO
A problemática da educação do campo, que permeia a
adequação do currículo, sobretudo na questão das técnicas,
conteúdos, formas de avaliação, e a util idade daquilo que se é
ensinado nas escolas do campo junto à formação de professores
para atuarem nas escolas do campo, nos últ imos anos tem sido
amplamente discutida em diversos setores da sociedade, com
diferentes interesses dos grupos sociais do campo. A respeito da
educação muito se tem escrito, acerca das dif iculdades da
implantação de um ensino que rompa com a tradicional forma de
educação presente no meio rural, visto que existe um
prolongamento do ensino das escolas localizadas no meio urbano,
para as escolas do campo (BENJAMIM; CALDART, 2000).
Muitas vezes por não entender a dinâmica das populações,
este ensino tem contribuído para dif icultar ainda mais o
aprendizado das crianças que habitam o campo, bem como não se
percebe nos órgãos do Estado responsáveis pela educação uma
preocupação de se construir uma proposta educacional para a
educação do campo, isso demonstra que um dos maiores
problemas dos países menos desenvolvidos está no analfabetismo
no meio rural (BEZERRA NETO, 1999).
A educação do campo tem sido vista como um novo
paradigma, que valoriza o trabalho no campo e os sujeitos
trabalhadores, suas part icularidades, contradições e cultura, como
prática social, que vem em contradição ao capitalismo agrário que
atende aos interesses do agronegócio, que durante muito tempo
levaram ao esvaziamento do campo (SOUZA, 2007).
Este trabalho aborda questões relacionadas ao envolvimento
da sociedade civil organizada, em seu novo lugar na busca por
polít icas públicas, ref letindo sobre suas contribuições na proposta
para a educação do campo na efetivação do programa Saberes da
9
terra do território Cantuquiriguaçu e também o projeto Projovem
campo, na reconstrução de uma nova escola que atenda suas
especif icidades.
Para a construção destes dois programas existe o
envolvimento dos movimentos sociais e do Estado, a proposta da
pesquisa consiste em perceber se hav ia a presença dos princípios
educacionais nas duas coleções do Saberes da Terra, e no
programa Projovem Campo, com base nos princípios da educação
do MST, como também, ref letir sobre os conceitos de cidadania,
trabalho, agricultura sustentável e identidade camponesa.
Para a realização deste trabalho, util izou -se a pesquisa
bibl iográf ica, composta por leituras sobre o tema proposto, a
metodologia uti l izada foi por meio de análises documental.
Ao debater sobre educação do campo implica nas
abordagens de vár ias questões, principalmente a que rompe com
um ensino que não valoriza o conhecimento do aluno, em
propostas pedagógicas fechadas cristalizadas em muitas escolas
públicas, novas abordagens que coincide muito com a proposta
educacional do MST (MARTINS, 2004).
A abordagem sobre os princípios educacionais propostos
pelo MST é fundamental para a compreensão do processo histórico
de elaboração dos cadernos para o programa Saberes da Terra, a
questão que norteou está pesquisa foi que durante a elaboração
do programa houve uma grande participação do movimento social,
com objetivos de transformação social. No entanto, existe uma
disparidade na organização dos cadernos do qual o MST teve uma
maior part icipação na elaboração dos materiais destinados ao
primeiro projeto, em relação ao segundo do qual foram feitos
poucos apontamentos sobre as propostas do movimento.
De igual forma está análise servirá de referência para as
intervenções nos cadernos, na tentativa de entender a implantação
10
do Programa e identif icar a presença de princípios educacionais do
MST. Para investigação foram selecionados os cadernos nº06 e
07, Cidadania, organização social e polít icas públicas e nº8 e 9
desenvolvimento territorial sustentável e sol idário, referentes ao
primeiro programa que dará na implantação do programa Projovem
campo, o estudo será realizado nos referidos cadernos nº5
desenvolvimento sustentável e solidário com enfoque territorial e
no caderno nº3 Cidadania, organização social e polít icas públicas.
Esse material pedagógico foi analisado com objetivo de verif icar
como se dá as articulações no sentido da efetivação desses
princípios organizacionais e pedagógicos do MST.
A escolha pela análise dos primeiros cadernos do Projeto
Saberes da Terra do Estado do Paraná deve -se ao fato deste ser
considerado um projeto de base para a implantação do programa
do Governo Federal o Projovem Campo, que vêm a apresentar uma
série de contradições, mas também de muitas possibi l idades, em
sua tentativa de material ização de uma concepção de educação
especif ica para o campo.
Para entender o processo de escolarização para a
população do campo, é necessário estudar a trajetória da
constituição do ensino brasi leiro, em meio às representações e
concepções para a construção do ensino para as classes
populares.
1. REPRESENTAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO
A história da educação do campo muitas vezes pode ser
compreendida a partir do descaso em relação à população
camponesa, sendo as escolas do campo uma extensão dos
saberes da cidade, com condições precárias de funcionamento
11
sobre bases estranhas, que não condiz com a realidade do espaço
social responsável pela sua existência, o que implica no
nascimento de outras alternativas de educação que começam ser
gestada nos movimentos sociais que vão começar a reivindicar
uma escola direcionada para a realidade do campo.
Num primeiro momento, o ensino pretende designar o
estabelecimento de processos e polí t icas referentes à organização
da sociedade capitalista, com o objet ivo em um ensino elementar da
leitura, da escrita, do cálculo, da moral e da religião, a educação
como forma de doutrinação do povo. O caráter autoritário e
excludente da nação que se queria construir deixava explicito o
limite da inclusão. Ela seria positiva desde que não colocassem em
risco as formas tradicionais de submetimento da maioria com a
exploração da elite imperial. Daí a ideia de que a escola não
deveria comprometer o tempo do trabalho, ou de que a escola
deveria instruir para o trabalho mecânico, para reforçar essa ideia
de instrução do povo, buscam exemplos em outros países
(SALDANHA, 1924).
O ensino para as populações rurais foi desenvolvido como
forma de civi l izar o caboclo, vis to como atraso ao desenvolvimento,
superst icioso, era preciso levar a “ luz às trevas”, para que esse
sujeito ignorante pudesse viver melhor, e principalmente ter
“cultura”, caberia a escola ensinar técnicas agrícolas do trabalho na
roça, ter uma produção voltada para atender a demanda da
indústria, do comércio e do consumo das cidades, forma de integrar
o homem do campo ao sistema capitalista (SALDANHA, 1924).
A partir de uma análise cronológica da constituição do ensino,
podemos dizer que este foi uma construção histórica, a ideia de
formar uma sociedade através da educação, formar um homem para
viver em uma sociedade diferente, a educação como um direito,
mas obrigatória.
12
Podemos perceber que no século XIX, se permeia a noção de
educação e instrução como estratégias de constituição do Estado
nacional e da Nação brasi leira, como também, a característ ica de
que qualquer projeto civil izatório para o Brasil deveria comportar
como elemento fundamental a questão da instrução primária, em
que deveria primeiramente ser gestada na legislação, para depois
ser colocada sobre o povo, do qual pode ser resaltado outro
aspecto, a crença otimista na educabil idade do sujeito hum ano,
sobretudo na legislação como estratégia de conformação da
realidade social de cada individua. A construção da educação
estava sendo pensada para as classes populares, com a f inalidade
de atender os processos socioeconômicos, tendo como base, um
ensino fundamentado em questões de instrução dos trabalhadores.
Com a passagem ao Estado como responsável pelo
atendimento educacional, percebe-se que a educação passa a ter
diferentes metas e propostas, estas que estão fundamentadas em
formas e concepções metodológicas diferentes que correspondem a
cada período observado (SALDANHA, 1924).
A educação rural apenas se desenvolverá quando surgem os
movimentos migratórios na década de 1910 e 1920, em que o
Estado vai desenvolver a educação rural como forma de conter a
saída dos homens do campo, também uma maneira de evitar
maiores problemas sociais da cidade. Com o advento do Estado
novo na década de 1930, a educação rural é vista como meio de
atender aos interesses da industrial ização, mas o processo escolar
não sofre alterações (SALDANHA 1924).
Durante esse período vamos ter o desenvolvimento do projeto
ruralista no Brasil, pensando sobre a necessidade de f ixar o homem
no campo junto a um determinado parâmetro pedagógico. Desde
esse período estão presentes as discussões que permeavam a
necessidade de f ixação do homem no campo, propostas estas que
determinavam um parâmetro pedagógico especif icam para o campo,
13
tais discussões f izeram este movimento f icar conhecidas como
“rural ismo pedagógico” (BEZERRA NETO, 2003).
Ao longo de toda sua trajetória nas propostas para a
educação do campo podem ser percebidas que existem ainda hoje
algumas continuidades bem como suas rupturas que se
assemelham com as propostas desse movimento. Principalmente
com o MST, no que se refere ao conteúdo e a metodologia
especif ica para o meio rural, através de uma proposta de f ixação do
homem no campo, dos quais se aproximam dos autores que
defendem o rural ismo pedagógico (BEZERRA NETO, 2003).
Enquanto que a proposta do MST apresenta algumas
diferenças em relação as proposta dos ruralistas, principalmente no
que se refere ao modelo de sociedade, enquanto o MST busca
construir uma sociedade social ista, baseada no princípio de
solidariedade crit icando o modelo atual capital ista, já com o
movimento ruralista, esse defendia uma proposta nacionalista e
capital ista. O que se determinou como rural ismo pedagógico foi
uma proposta de educação para os trabalhadores rurais
fundamentadas na ideia de segurar o homem no campo, formar
professores para atuarem no meio rural, formado por um grupo de
intelectuais, pedagogos (BEZERRA NETO, 2003).
Essa proposta nasce em 1930 em meio a uma conjuntura
histórica no momento em que o Brasil passava por grandes
transformações econômicas e polít icas, com uma grave crise do
sistema capitalista, e a formação de vários movimentos contra o
governo em todo o país, por exemplo, o Tenentismo (BEZERRA
NETO, 2003).
Entre os anos de 1945 a 1960, foram desenvolvidos os
programas para a alfabetização, tendo um caráter assistencial ista,
entendendo as populações do campo como atrasadas e incultas, já
nos anos 1960 e 1970 a educação era forma de preparar mão de
14
obra barata que viesse a atender ao sistema econômico da época
(SALDANHA, 1924).
Deste modo a escola e a educação eram apenas uma forma
de aprofundar o modelo social e econômico da sociedade
dominante, visto apenas como um mecanismo a reforçá -la para que
não ocasionasse uma transformação. O que ocorria, era que o
Estado propunha este modelo educacional dentro do pensamento
positivista de Augusto Comte4, a escola como meio para atingir o
progresso e o desenvolvimento, assim manteria a sociedade de
classes necessária ao capitalismo.
Percebemos que na história do Brasil a educação do campo
sempre esteve à margem das prioridades do Estado, este cenário
faz nascer muitas reivindicações promovidas por associações civis
e movimentos sociais, assumindo muitas vezes o papel do Estado
para evitar a exclusão educacional das populações rurais.
Após duas décadas de intensa urbanização e êxodo rural, a
temática da educação do campo não ocupou papel relevante
na agenda de política educacional durante o período de
transição democrática dos anos 80, e só voltou à pauta do
debate político pedagógico nos anos 90, pelas mãos dos
movimentos sociais (ANDRADE; DI PIERRO, S/D, p.7).
Por muito tempo a educação no campo não foi discutida, e
assim acabava tendo visões distorcidas da realidade em relação ao
seu conceito, em que a educação era apenas para que o
trabalhador rural aprendesse a ler e a escrever, a té então era
entendido que o homem do campo necessitava apenas de um
4
Principal representante da corrente filosófica positivismo, que afirmava ser
possível planejar o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade a partir de critérios
das ciências exatas, organizar o conhecimento humano sobre bases exatas, que teve
grande influência no Brasil.
15
ensino primário para trabalhar na agricultura, assim as propostas
para o ensino caminhavam junto a essa concepção (ARROYO,
2005).
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCIAIS
O desenvolvimento das discussões sobre educação do campo
está muito atrelado à história dos movimentos sociais no Brasil
durante os anos de 1930 a 1960, por causa da conjuntura polít ica
presente na época vai exist ir uma forte presença de trabalhadores
rurais e urbanos que buscam pela implantação de leis trabalhistas.
O MST será o primeiro movimento camponês estruturado do
país, que surgirá da reunião de vários movimentos populares de
luta pela terra e pela educação, questionando os valores da
sociedade capitalista, os quais promoveram ocupações de terra em
diversos estados a part ir de 1980. Sua fundação aconteceu
of icialmente em 1984 no município de Cascavel, no Paraná, onde
foi realizada o 1° Encontro Nacional do Movimento. Desde esse
momento através de muito esforço o MST tem atingido algumas
conquistas, como a terra e a educação. Percebe -se também que o
movimento construiu uma forte inf luência na opinião pública, capaz
de fazer com que o governo adotasse certas medidas que são do
interesse do movimento (COMPARATO, 2003).
As especif icidades do MST foram estudadas a partir de uma
ótica polít ica, a qual se deve ao fato de ser um movimento
organizado fora dos poderes constituídos, mas isso não indica a
ausência do envolvimento de partidos polít icos dentro de sua
estrutura, para que ocorra aprovação de suas decisões no espaço
público.
Segundo Arroyo (2004), os movimentos sociais do campo
estão vivos, e mais do que nunca existe um reconhecimento de toda
16
a sociedade, em ver no campo um lugar de luta pela terra e por
melhores condições de vida, neste sentido também existe uma
renovação educacional dentro dos movimentos sociais e nos
governos populares, nascendo das raízes populares. O MST, por
exemplo, entre seus objetivos esta a formação de uma pedagogia
para a educação do campo.
Arroyo (2004, p. 68), af irma que o desenvolvimento da
educação do campo está muito atrelado aos ideais dos movimentos
sociais, nesse contexto ele explica :
Significa que a educação só se tornará realidade no campo
somente se ela ficar colada ao movimento social. Mais ainda
acreditamos que o próprio movimento social é educativo,
forma valores, nova cultura, provoca processos em que desde
a criança ao adulto novos seres humanos vão se constituindo.
Todavia, a despeito de todo um percurso do movimento e dos
seus sujeitos, a história dos movimentos é parte fundamental da
história da educação do campo no Paraná, ainda que pouco
estruturada, reconhecendo a existênc ia de poucas escolas que se
inst itua como escola do campo, sendo percebida uma adequação
de currículos nas escolas que mais desestimulam o aluno, fazendo
com que haja uma sobreposição da cidade sobre o campo. Surge
daí a importância desse estudo em perceber a luta dos movimentos
para legit imar as leis por uma educação no campo.
Percebendo que a educação no e do campo tem um vínculo
de origem com as lutas sociais camponesas, isso fez com que
ocorressem conquistas de vários benefícios, bem como a garantia
de polít icas públicas para o campo junto à valorização de sua
cultura, compreendendo que este vínculo lhe confere um traço de
identidade importante, pois se busca construir outro olhar para a
relação: campo e cidade vista dentro do princípio de igualdade
social e diversidade cultural.
17
Mas nem sempre foram levadas em consideração as
necessidades e a relação entre campo e cidade, somente a partir
da intensif icação das lutas pelos direitos sociais, presentes desde
a década de 1960 no Brasil, foram visadas a con strução da
identidade no campo, uma nova consciência de dignidade, nova
consciência de direitos, é que se avalia a necessidade de
construção de projetos para a educação no campo (ARROYO,
2005).
A partir desse contexto de mobil ização social do MST
presentes na elaboração, consolidaram compromisso do Estado e
da sociedade brasileira em promover a educação para todos,
garantindo o direito ao respeito e à adequação da educação às
singularidades culturais e regionais, embora isso ainda não esteja
sendo colocado em prática em diversas regiões do Brasil
(FERNANDES, 2002).
Durante muito tempo os movimentos sociais não t iveram
representação no campo polít ico, eram duramente questionados e
reprimidos pelo sistema polít ico. Entre 1910 a 1940 não exist ia
organizações de sindicatos que viessem a lutar pelos direitos dos
movimentos sociais, desde a década de 80, começam a se
mobilizar a f im de pressionar as frentes polít icas, no intuito de
garantir seus direitos a terra. Essa luta foi estabelecida por
ribeir inhos, seringueiros, sem-terra e bóias frias, e tantos outros
segmentos rurais (BENJAMIM; CALDART, 2000).
Os movimentos sociais rurais de 1980 formados por
estudantes, trabalhadores rurais e urbanos, ribeir inhos,
seringueiros, sem-terra, boias-frias, movimento sindical,
movimento das mulheres camponesas e a formação de novos
partidos polít icos, que eclodiram depois de um longo período de
ref luxo imposto pelo regime mil itar. Estas irão lutar contra duas
frentes, uma imposta pela sociedade e outra pelos espaços
polít icos, contra os valores de ordem que são colocados pela
18
própria sociedade que os crit ica, sendo a mídia uma das
divulgadoras e formadoras da opinião pública contra os
movimentos sociais. Os movimentos sociais serão compreendidos
numa lógica contra a ordem vigente, bem como o próprio Estado
sentindo-se ameaçado pelo fortalecimento desses movimentos
sociais, fazendo com que o Estado se util ize muitas vezes da
violência organizada para reprimir os manifestantes (CALDART,
2004).
Esse novo pensamento que se consolidou nos anos 80, junto
ao fortalecimento dos movimentos sociais, não teve muita abertura
polít ica, pois mesmo com toda sua organização em defesa de lutas
sociais que buscavam melhores condições para a vida no campo,
não fez com que realmente fossem implantadas polít icas públicas
que viessem a atender aos interesses dos movimentos sociais
(CALDART, 2004).
As dif iculdades para superar a ideia pejorat iva vinculada aos
movimentos sociais, que irão lutar por melhores condições no
campo, vêm juntamente ao desenvolvimento da economia num
conjunto de vários fatores que vão colaborar e fortalecer as
lideranças dos movimentos sociais, devido ao avanço do
agronegócio em áreas antes ocupadas pela agricultura familiar, fez
com que houvesse um aumento por disputas polít icas, em grande
parte, as experiências inovadoras desencadeadas pelos
movimentos sociais rurais dos anos 80 foram amputadas à esfera
das ações governamentais sem muita representação, apenas fez
com que houvesse uma “estatal ização” dos mov imentos sociais, ou
seja, o Estado vai controlar e tutelar suas ações, tendo em vista
uma nova relação com o Estado (GOHN, 2007).
O que merece destaque é a relação direta entre l ideranças
de movimentos sociais e governos, e nem tanto entre movimento
social e Estado, consolidando uma relação polít ica e não
necessariamente uma nova inst itucionalidade pública, mas isso vai
19
estar presente em algumas esferas dos movimentos sociais
(GONH, 2007).
A realidade atual engloba novas visões e diversas
abordagens que buscam a interpretação de seus mundos sociais e
culturais, sendo esse meio constituído por diversos grupos étnicos,
como por exemplo, indígenas, descendentes de negros
provenientes de quilombos, todos os agricultores, pescadores
ribeir inhos, compreendendo assim a existência da diversidade
presente no meio rural, percebido dentro das polít icas
educacionais possibil itando a visibil idade bem como a valorização
desses espaços (COSTA, 2010).
Embora que ainda limitado existe uma mobilização dos
movimentos sociais frente ao Estado, isso se dá através de
pressões sociais, no sentido de provocar reação no Estado para a
construção de polít icas públicas para a garantia e ampliação de
seus direitos. Isso ainda representa um grande desafio para as
classes populares, para construir instrumentos polít icos que
busquem maior representat ividade dentro do poder do Estado.
Atualmente são visíveis as articulações dos movimentos
sociais populares do campo na organização e formulação das
polít icas públicas junto ao Estado, princ ipalmente no que tange na
melhoria da educação no campo, que traz os objetivos de
valorização dos sujeitos, priorizando os aspectos culturais, sociais
e econômicos (COSTA, 2010).
Essas iniciativas que ganharam espaço desde 2002 abrem
espaço para um novo paradigma no campo, em perceber este
como um lugar não apenas definido em terri torial idade, mas um
espaço de cultura e de trabalho, do qual possibi l ita o
desenvolvimento de outras propostas que impulsionaram outros
debates, em dar mais visibi l idade a falta de polít icas educacionais,
percebendo a necessidade de um novo projeto.
20
Será em meio a esses debates que nasce o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária o PRONERA, com
objetivo de implantar ações educativas para as populações dos
assentamentos e acampamentos rurais, propondo uma metodologia
de ensino especif ica a realidade sociocultural do campo, como
meta de reduzir as taxas de analfabetismo, capacitar professores
para atuar nas escolas do campo, bem como a formação
prof issional voltado para o trabalho no campo.
O PRONERA representa uma iniciativa que se constituiu fora
do âmbito governamental, nasce das discussões entre o MST e as
Universidades, no I Encontro Nacional dos Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária o ENERA, em Brasília 1997, que
somente ganhará força devido à capacidade de mobilização dos
movimentos sociais, sindicatos e da sociedade civil (ANDRADE; DI
PERRO, S/D).
Para entender o que é polít ica pública, primeiro é preciso
definí-la como todas as polít icas elaboradas pelo Estado qu e visa
o bem estar social da população, seu conceito está relacionado à
manipulação do poder polít ico dentro do espaço econômico e da
ação do Estado nas relações de produção (VIEIRA, 2001).
Para a compreensão de polít icas públicas usaremos a
definição de Telmo Adams (S/D), segundo este, são ações públicas
assumidas pelo Estado, com ou sem a participação da sociedade
que concret izam direitos humanos coletivos ou direitos sociais
garantidos em lei.
A Educação do Campo no Brasil vem desde 2002 sendo
construída, nesse sentido percebe-se que existe ainda a falta de
polít icas públicas que atendam as necessidades, bem como as
particularidades regionais e nacionais.
As polí t icas públicas estão pautadas numa luta histórica dos
movimentos sociais em fazer valer o d ireito a uma educação de
21
qualidade, e melhorias para quem trabalha na agricultura, e assim
devem estar presentes na realidade das escolas do meio rural, de
modo a sanar uma dívida social histórica. Como forma de
reivindicar ações sistemáticas do poder públ ico, evidenciam-se
iniciat ivas de movimentos sociais, sindicais, Organizações Não -
Governamentais (ONGs), universidades e inst ituições vinculadas à
temática. Nesse contexto esses movimentos sociais vêm discutindo
leis por uma educação do campo em âmbito nac ional.
Assim não podemos desvincular a história da educação do
campo como parte da história dos movimentos sociais,
principalmente do MST, em que essa nasce num espaço de
contradições, de lutas sociais, será impulsionada principalmente
através de pressões sociais, que ocuparão espaços nas
formulações de polít icas públicas.
No Brasil e em toda América do Sul se têm empregado
polít icas públicas que devem ser feitas algumas discussões, em
que se vê prat icamente sem possuir realmente uma polít ica social,
muitas vezes aparecem programas e diretrizes relacionadas com a
educação, muitos não revelam às pretensões de uma mudança
social, em que quase sempre não se transformam, tendo apenas
um caráter de ser exibida à sociedade, sem intervir nela, porque
muitas vezes não é essa função de intervir, são elaboradas para
atender aos interesses de um Estado autoritário e capital ista
(VIEIRA, 2001).
Percebemos assim que muitas polít icas educacionais para o
campo estão sendo articuladas a partir das formas de organização
para a conservação da mesma estrutura social, sejam elas
produtivas, comerciais, polít icas, culturais ou rel igiosas. A
educação sempre vem atender aos interesses do Estado,
particularmente a educação dita “moderna” vincula -se ao sistema
capital ista de produção (CERICATO, 2008).
22
Buscando entender a organização dos movimentos sociais
populares tanto no passado como no presente, evidenciamos o seu
fortalecimento a partir de 2002, em que vão conseguir a partir de
toda uma trajetória aprovar a proposta para a educação do campo,
que aconteceu no campus da Universidade de Brasília, o
documento gestado f icou chamado de declaração de 2002, que
contou com a art iculação nacional por uma educação do campo,
integrada por vários representantes que fazem parte, sendo a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos
Trabalhadores Rurais (MST) Universidade de Brasíl ia (UNB),
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), entre outros movimentos sociais presentes, teve como
principal objet ivo propor uma discussão sobre a situação e as
perspectivas do ensino no campo, bem como a falta de polít icas
públicas para a educação (CALDART, 2002).
A Conferência de 2002 abre espaço para as discussões sobre
a educação do campo, que vem denunciando a falta de escolas, de
infraestrutura, docentes sem qualif icação, alta taxa de
analfabetismo, levantando a questão de que por não receberem
uma educação apropriada ocorre uma desmotivação por parte dos
estudantes em continuar no campo, perdendo muitas vezes sua
própria identidade, esse sistema de educação fora das relações
culturais, nas escolas do campo fez surgir os seguintes programas,
as casas familiares rurais, as Escolas Agrícolas, o Movimento de
Educação de Base, e o Setor de Educação do MST, dando o início
a várias reivindicações, que contribuíram para a construção de
uma nova escola para as populações do campo.
Dessa conferência surgiu uma das mais recentes conquistas
dos movimentos sociais, oportunizando a abertura de espaços para
a efetivação de polít icas públicas, uma delas a aprovação das
Diretr izes Operacionais para a educação básica nas escolas do
23
campo, que esta presente no parecer n°36/2001 e na resolução
1/2002 do conselho nacional de educação (CALDART, 2002).
Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a
identidade deste movimento por uma educação do campo e a
luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o
seu direito à educação, e a uma educação que seja no e do
campo (CALDART, 2002, p. 26).
A partir da realização dessa conferência, f icou observada
que nos Estados em que houve garantia desses direitos, foram
aqueles em que ocorreu uma maior organização dos movimentos
sociais, em todas as reivindicações encaminhadas aos p oderes
públicos.
O estudo da trajetória do MST, bem como sua luta, faz parte
da compreensão para entender a construção das polít icas públicas
para a educação do campo. Para que seja possível entender quais
os objetivos estão presentes nas polít icas para os referidos
programas Saberes da Terra e Projovem Campo, que podem ser
considerada uma das conquistas dos movimentos sociais.
Quanto à participação dos movimentos sociais na efetivação
das polít icas públicas é preciso em primeiro lugar conhecer o
relacionamento entre Estado e movimento social, em dados
momentos da história podemos perceber que sua participação
depende das conjunturas polít icas presentes no comando do poder
do Estado. Os movimentos sociais caracterizam -se por possuir
uma postura de oposição ou negação ao Estado, crit icando ou
reivindicando melhores condições de vida (MARTINS, 2004).
Dependendo da conjuntura polít ica no poder do Estado o
governo será sem duvida o maior adversário dos movimentos
sociais principalmente o MST, mas nesse sentido tanto governo
como MST, têm consciência de que tanto um quanto o outro não
24
podem ignorar a sua existência, porque os movimentos sociais
precisam dialogar com o governo para atingir seus objetivos
(MARTINS, 2004).
Podemos perceber que qualquer ação do MST na sociedade
ganha muita repercussão na mídia, muita força e visibil idade do
que qualquer outro movimento. Isso ocorreu principalmente
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, embora por um
momento o governo quisesse destruir o movimento, mas isso só
fez com que ocorressem maior envolvimento e representação
polít ica, iniciando uma serie de reivindicações e mobilizações no
cenário polít ico (MARTINS, 2004).
Contrariando toda uma suposta tradição de passividade e
anomia do povo brasileiro, o MST consegue se organizar, ter
força política, e desafia os poderes constituídos, não
permitindo em nenhum momento, que a sociedade brasileira
se esqueça da existência de milhares de trabalhadores rurais
que não têm terra para cultivar (COMPARATO, 2003, p. 85).
Podemos, portanto af irmar que o MST é um ator polít ico com
forte presença no cenário público atual. Não existe somente como
reivindicação a posse pela terra, mas também o MST pressiona o
governo para que haja polít icas públicas para o atendimento a
educação do campo com qualidade, exigindo um direito que é seu
fundamental a prát ica para a cidadania.
Para que fosse possível a análise dos cadernos do Saberes
da Terra e Projovem Campo, primeiramente foi necessário
conhecer os princípios educacionais do MST, bem como a historia
do movimento, principalmente seu envolvimento polít ico no que diz
respeito na busca pela efetivação de polít icas públicas para a
educação.
25
3. PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DO MST - CONSTRUÇÃO DE
UM CONHECIMENTO POR MEIO DA INTERAÇÃO
A ref lexão acerca desses princípios educacionais em meio às
duas propostas torna-se pertinente na medida em que é analisada
dentro do contexto da educação do campo, porque ambas são
carregadas por diversos interesses pessoais tanto do MST e do
Estado, a f im de apaziguar os conflitos sociais.
O desenvolvimento do setor responsável pela educação no
MST foi formado em 1987, num encontro realizado no Estado do
Espírito Santo, reunindo vários representantes de vários
acampamentos e assentamentos com um caminho já tri lhado na
educação do campo.
Durante o período de 1999 a 2001, o MST dedicou -se a uma
produção teórica especif ica sobre educação, o objet ivo do estudo
aqui proposto é situar brevemente a trajetória de elaboração dos
cadernos em meio à proposta de educação dos movimentos
sociais, em que busca uma educação a partir da realidade, do
conhecimento e das experiências concretas de cada sujeito em seu
ambiente no caso o campo.
O MST uniu a luta pela terra e pela reforma agrária a luta por
uma educação de qualidade que respeite sua cultura, bem como,
possibil ite uma transformação social, atrelado ao fato de que o
ensino deve partir da realidade dos estudantes em que a educação
não se resume apenas na escola, mas que a realidade dos
estudantes deve fazer parte de seu aprendizado. Todas essas
atividades educacionais estão pautadas em alguns princípios
f i losóficos da educação, presentes no caderno da proposta
educacional do MST, pautados nos seguintes princípios:
A educação para a transformação social, Educação para o
trabalho e cooperação. Educação voltada para as várias
26
dimensões das pessoas humana. Educação com e para
valores humanistas e socialistas e educação como um
processo permanente de formação e transformação humana
(MST apud MARTINS, 2004, p. 57).
No que se refere à educação para a transformação social, o
objetivo não está somente ao acesso à propriedade, mas na
socialização de seu acesso. Para o MST a educação é um direito
de todos, e a escola deve proporcionar aos estudantes o
conhecimento de sua história, tomando consciência e capacidade
para transformar sua realidade. Em relação a educar para o
trabalho, não seria educar para o mercado de trabalho, o trabalho
é entendido como um processo de preparação para as mudanças
na estrutura social, na transformação de uma sociedade mais
igualitária, não no sentido de exploração capitalista, mas de
produção de riquezas e do saber na valorização do trabalho rural.
Quanto à cooperação estão l igadas ao sentido de compreensão do
trabalho colet ivo, as razões sociais seriam de cooperação, para
que seja possível a obtenção de uma infra -estrutura para todos,
ainda para o MST, a cooperação é entendida como uma
associação entre o trabalho, capital, a f im de enfrentar os
monopólios, e últ imo educar para as vá rias dimensões humanas e
para valores humanistas, signif ica a formação técnica prof issional,
quanto à formação cultural, tendo como objetivo a construção de
uma sociedade melhor para viver, pautadas em valores da justiça
social, realidade democrática e valores humanistas e social istas
(MST apud MARTINS, 2004).
Part indo desses pr incíp ios, o MST re iv indica do
Estado que a escola públ ica do meio rura l seja
pensada e organizada para o trabalho no campo,
dando a mesma ênfase para o trabalho manual e o
trabalho inte lectual, rompendo ass im com a
d icotomia soc ia l do t rabalho inte lec tual para uma
classe e o trabalho braçal para outra. O MST
entende, por tanto, que part indo da prát ica
produt iva para a educac ional , estar iam fazendo
27
uma re lação d ia lét ica entre teor ia e prát ica
(BEZERRA NETO, 1999, p.47) .
A concepção de educação existente no interior do movimento
relaciona entender a escola não apenas como o único espaço de
formação humana, para o MST isso se dá na integração entre
escola e sociedade, interagindo com as relações sociais já
existentes ao redor dos estudantes, pois o conhecimento da
realidade faz com que ocorra uma transformação social que
proporcione melhorias na educação. A concepção educacional do
MST está fundamentada nas bases teóricas do pensamento de
Paulo Freire, no que diz respeito da educação como prá tica da
liberdade, do conhecimento para a transformação social e
emancipação humana, e de Pistrak em que vincula a proposta
entre educação e o trabalho real da produção, entender o trabalho
na escola como parte de sua vivencia social. A metodologia deve
ser baseada na produção de conhecimento, partindo da realidade
para depois levar ao conhecimento cientif ico desta realidade.
Por f im, esse movimento propõe uma educação permanente
de formação, transformação humana, reforçando a concepção de
que o processo educacional não se dá exclusivamente na escola,
mas sim na dinâmica social.
Desta forma, o MST, optando pela educação para a
liberdade, busca trabalhar com a valorização da cultura popular,
das tradições, dos costumes, partindo da realidade, em que muitas
vezes a escola urbana não consegue atender esses objetivos.
Entretanto, existem outras teorias da educação as quais
crit icam o mult icultural ismo, de um ensino para cada segmento da
sociedade, pautado em sua realidade, questionando a relação
entre a teoria e prática, a qual nega o que chamamos de educação
tradicional. Segundo Duarte (2010) é preciso que o ensino na
escola supere suas formas burguesas, mas de certa maneira que
28
privi legie a transmissão do conhecimento científ ico produzido ao
longo da história da humanidade (DUARTE, 2010).
Os princípios da educação no MST estão pautados no
conhecimento a partir de sua vivência, numa luta por uma
transformação estrutural na ordem social da sociedade atual, uma
educação aberta para o mundo, sem se fechar aos limi tes da
realidade, proporcionando conhecimento científ ico.
Nos últ imos 20 anos, podemos perceber um grande
fortalecimento dos movimentos populares do campo que vêm
buscando o debate junto ao Estado acerca da educação do campo,
que buscam respeitar uma dinâmica dos próprios sujeitos do
campo, entendo a questão cultural, social e econômica no e do
campo, que vêm abrindo um novo debate sobre o processo
histórico de implantação de polít icas para a educação (COSTA,
2010).
4. MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS – ANÁLISE DOS
CADERNOS DO PROJOVEM SABERES DA TERRA
O Projovem é uma recente proposta de polít ica pública dentro
da educação do campo que se inscreve na perspectiva de retomar
a identidade dos sujeitos do campo, junto a uma qualif icação para
o trabalho, num cenário atual de muito descaso com o meio rural.
O programa ao propor um ensino fundamental de qualidade,
em paralelo oferece formação prof issional, resultado na verdade
de um processo muito mais amplo, como uma proposta polít ica de
governo, junto a uma mobilização dos movimentos sociais por uma
educação do campo.
O processo educativo do Programa Saberes da Terra,
procurou em alguns aspectos fazer uma ligação entre as vivências
dos estudantes junto ao contexto pedagógico, ao conteúdo
curricular. Nesse sentido a implantação do conteúdo funciona
29
como uma incorporação da realidade e depois processá -la como
conteúdos informativos, assim o espaço escolar não deve ser visto
apenas como um mero lugar de transmissão de conhecimento, mas
um espaço de formação humana (COSTA, 2010).
A proposta pedagógica do Projovem Campo Saberes da
Terra5, esta voltada à capacitação das pessoas para o ensino
fundamental integrado a qualif icação prof issional na modalidade de
educação de jovens e adultos fase II de 5ª a 8ª séries.
Este projeto tem como prioridade atender a demanda de
jovens com idade entre 18 a 29 anos, que não concluíram o ensino
fundamental. As regiões atendidas estão localizadas no meio rural,
compreendidas entre o Vale do Ribeira e Cantuquiriguaçu.
A construção do projeto nessa região, foi desenvolvido a
partir da compreensão da educação como forma de sanar uma
divida histórica, principalmente com os povos do campo, basta ver
os altos índices que indicam a falta de escolarização das pessoas
que vivem no campo, em relação ao meio urbano, que se
dist inguem em realidades diferentes.
Segundo dados do IBGE mostram que cerca de 32 milhões de
pessoas vivem no campo, e trabalham em áreas rurais. Para essa
população o acesso à escola torna -se um grande desafio, bem
como sua permanência (IBGE, 2011).
Em meio a todas essas necessidades dos trabalhadores
rurais, que vem nascer às discussões acerca da educação do
campo, que tem como ponto de partida a conferência da educação
do campo de 2002. A implantação do projeto nos municípios da
região do Cantuquiriguaçu, contou com um estudo prévio do
5 O Projeto Saberes da Terra no Território Cantuquiriguaçu foi desenvolvido em três
pilares fundamentais. Junto às parcerias entre o MEC, a Associação de Municípios da região
do Cantuquiriguaçu e das Prefeituras municipais que se envolveram no projeto através das
Secretarias de Educação.
30
processo desenvolvimentista regional juntamente com os
movimentos sociais e a (CONDETEC) 6, que possibil itaram a
execução e elaboração do projeto Saberes da Terra, com uma
proposta de atender as especif icidades regionais, a escolarização
dos trabalhadores da agricultura familiar, também capacitação para
atuarem na educação.
Na elaboração do Projeto Polít ico Pedagógico (PPP) do
Programa, contou com a part icipação do Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), Sindicato dos trabalhadores rurais e integrantes da gestão
pública municipa l e de algumas prefeituras, envolvidos em cada
região do Cantuquiriguaçu, e a participação do Estado através da
Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD), junto ao MST (COSTA, 2010).
O planejamento da polít ica tem como base o Decreto
n°5154/04, que considera que a formação inicial e continuada de
trabalhadores deve acontecer através de cursos ou programas de
educação prof issional, com o objetivo de elevar a educação dos
trabalhadores, o objetivo maior desse programa é a qualif i cação
prof issional, além de promover o acesso à educação, que visa sua
qualif icação prof issional e seu desenvolvimento humano, vinculado
6 O Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu é composto por
diferentes atores sociais. Mais de 44 entidades que representam os segmentos: públicos,
privados e não governamentais da região. De acordo com o regimento interno e sua estrutura
organizacional, o Conselho contempla em sua atual composição: conselheiros representantes
de: Movimentos Sociais (MST e MPA), Organizações (como a OAB e Associações de
Engenheiros), Gestores Públicos (Prefeitos e Secretários Municipais), Igrejas, Empresas
(inclusive Multinacionais), Sindicatos de Trabalhadores Rurais e de Educação, Instituições
Educativas (Nível Médio e Superior), representantes das Câmaras Setoriais (tais como:
Educação, Agricultura, Assistência Social, etc.), Bancos Estatais e Cooperativas de Crédito,
ONGs, entre outros. Todos os segmentos devem contemplar diferentes critérios, como
abrangência no mínimo regional; ter histórico de discussão para
o desenvolvimento territorial, bem como contemplar em seus projetos o
desenvolvimento econômico social justo para a maioria da população. Presentes nos
Municípios de Candoí, Cantagalo, Goioxim, Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras,
Pinhão, Rio Bonito do Iguaçu e Virmond.
31
há um programa nacional de Educação de Jovens e Adultos
integrado com a qualif icação prof issional para os agricultores
familiares, que surge como uma polít ica pública para o campo,
visando à integração de acesso a todos, principalmente dos
excluídos do sistema formal de ensino. Como explicitado na
citação abaixo dada pelo ministro da educação Fernando Haddad:
Ao lançar o programa, Haddad salientou que a capacitação
profissional e a escolaridade se mantiveram separadas
durante muito tempo no Brasil. Com o programa, segundo o
ministro, será possível educar o jovem do campo, respeitada a
cultura local e o ambiente no qual ele está inserido. “O objetivo
é que, dentro do seu ambiente, o jovem alcance um
desenvolvimento pessoal que colabore com o desenvolvimento
de sua comunidade, valendo se das oportunidades que estão
a sua disposição”, afirmou Haddad. (Fonte: MEC/ Notícia
veiculada em 26 de abril de 2006 apud COSTA, 2010 p. 88).
Outra questão importante da proposta e que o projeto deveria
contemplar as relações polít icas, culturais e sociais ambientais de
cada região, visando também à sustentabil idade, buscando com
que cada jovem aplicasse seu conhecimento na prática.
A duração do curso foi prevista para 5 semestres com aulas
presenciais na escola, e outra parte deveria ser desenvolvida nas
localidades rurais. A matriz curricular seria por área do
conhecimento dividido em disc iplinas que estão organizadas em
linguagens, códigos e suas tecnologias, l inguagem matemática e
ciência da natureza e ciências sociais estas são as de formação
Básica, as discipl inas de qualif icação social e prof issional que
visam à produção rural famil iar .
Para Costa (2010), por mais que o Projeto Saberes da Terra
seja um programa oriundo do Estado e que pode corresponder aos
interesses do capital, o ambiente em que foi inserido pode ter seus
limites, mas também suas possibi l idades.
32
Enfim, o projeto traz uma proposta pré-determinada, definida
a integração curricular, em que deve orientar -se constantemente
com a realidade, numa interação entre sujeitos educativos
entendidos como todos os envolvidos, com a comunidade e o
mundo do trabalho dos estudantes, para que seja possível uma
intervenção a part ir da realidade dos educandos, articulados com
os conteúdos (COSTA, 2010).
Do ponto de vista dos movimentos sociais populares,
principalmente no que se refere ao MST, à educação por eles
sonhada deverá ser a porta de entrada para que haja uma
transformação social, pois para o MST o acesso à educação é um
direito, onde pesquisas revelam que a maioria dos sujeitos
militantes ou não vivem no campo, são pessoas que não tiveram
acesso à educação.
Assim a análise dos cadernos do Projovem Saberes da Terra
em meio à proposta de Educação do MST, torna -se muito
pertinente na medida em que há o entendimento de sua
participação na elaboração dos programas junto ao Estado, bem
como sua história na construção das discussões para a educação
do campo.
Nas abordagens dos cadernos do Projovem Saberes da
Terra está muito presente a necessidade da superação de uma
educação que condicione os sujeitos a conformação de uma
sociedade de classes, que vê na luta pela reforma agrária, a
mudança na estrutura social vigente, que permeiam as
contradições da sociedade capital ista, mostrando que os povos do
campo buscam uma nova proposta de educação e trabalho.
Nesse sentido os conteúdos se pautaram na necessidade
desenvolver propostas que envo lvam a teoria e prát ica, essa sendo
à base de constituição de formação dos sujeitos do campo, para
que a escola possa propiciar sua inserção no mundo do trabalho,
33
consistindo a partir de três eixos de estudo e formação
prof issional, polít icas sindical e po lít ica pública.
Assim essa será uma das primeiras contradições entre a
proposta de educação para o trabalho do MST, e a que está
presente nos cadernos, que vem a atender aos interesses do
mundo capitalista, não visando romper com o modelo de sociedade
atual.
O programa foi desenvolvido a partir dos avanços nos
debates sobre a educação do campo em 2002, sendo muito
presente a compreensão de educação, que não mais reduzisse aos
valores da produção capitalistas, sendo elaborados muito além
desse entendimento, mas voltados para a formação humana,
incorporando alguns princípios educativos dos movimentos sociais,
como prát ica social, trabalho e cultura, voltados para as
populações do campo, af im do entendimento de sua realidade,
desenvolvendo pesquisas para que os estudantes conheçam sua
comunidade, como as atividades presentes na pagina 115
“Construindo um olhar sobre nossa realidade”, que propõe
trabalhar o conhecimento cientif ico com um enfoque local,
ressaltando o papel dos sujeitos nos processos de interfe rência.
Percebe-se a presença de alguns princípios de educação do
MST, que se fundamentam baseados em uma educação para a
transformação social, para a cooperação, uma educação para a
ação dos sujeitos que possam interferir no processo de
transformação social da realidade no caderno 5 - Desenvolvimento
sustentável e solidário com enfoque territorial as abordagens
propõem que os estudantes façam pesquisas e conheçam seu
território, abordando questões como da página 31, “como se
caracteriza o seu território do ponto de vista de sua história,
econômica, polí t ica, geográfica, cultural e identidade”, enfocando
temas como educação do campo, agroecologia, organização da
produção, organização social.
34
Os processos formativos presentes nas práticas educativas
do programa Projovem campo do ano de 2010, se aproximam muito
da metodologia do MST, em concordância nos seguintes princípios
metodológicos Como: A relação entre teoria e prática, combinação
entre os processos de ensino na sala de aula junto à capacitação
para o trabalho no campo, mas ainda atendo ao modelo de
formação para manutenção da sociedade capital ista, a realidade
como base do conhecimento, educação para o trabalho e pelo
trabalho, relação entre a educação e a valorização da cultura dos
povos do campo, formação dos educadores para o programa.
A educação não está apenas associada na escola, mais num
sentido mais amplo, objetivando a formação dos sujeitos,
discutindo as lutas sociais presentes no cotidiano dos estudantes,
a citação abaixo demonstra como está explicito esses princípios:
Através das capac itações real izadas nos colet ivos,
os jovens aprendem processos educat ivos voltados
para a real idade do semi-ár ido, observando l im ites,
potenc ia l idades econômicas, soc ia l , pol í t ica,
cu ltura l e ambienta l . Duran te as capac i tações, o
jovem discute temáticas re lac ionadas à c idadania,
pol í t icas públ icas e geração de renda na agr icu ltura
famil iar do semi-ár ido (caderno 5 Projovem campo,
2010, p.136) .
Assim percebe-se a relação entre teoria e prática o
conhecimento da sala de aula esta sendo colocado de forma que
estabeleça uma educação para o trabalho. Embora ainda a questão
de atender as particularidades locais esteja fora das teorias
presentes nos cadernos, não enfocando um conhecimento sobre a
sua realidade, apenas através de pesquisas pelos estudantes,
ponto este visível nas atividades.
A leitura da realidade sócio -econômica e cultural do terri tório
se faz muito presente no livro em que aborda a questão da
35
territorialidade, compreendida não apenas como espaço onde se
mantêm relações afetivas e culturais, mas o lugar onde se
desenvolve as identidades locais, essas identidades próprias
muitas vezes vão determinar a própria ação dos sujeitos.
Outra preocupação da proposta está central izada no discurso
pautado na preservação ambiental, sempre priorizando o
desenvolvimento regional sustentável, que tem como objetivo o
desenvolvimento sócio-econômico.
Os movimentos sociais estão muito l igados na preservação
da identidade dos grupos nos diversos espaços, e não mais com o
sujeitos predeterminados pelas macro-estruturas que irão
determinar a ação dos sujeitos (GOHN, 2010).
Uma das formas presentes no sentido da formação da
identidade camponesa, ref lete na retomada da plantação das
sementes crioulas, crit icando o uso de ag rotóxico, durante a
revolução verde da década de 1960, que uti l izou do discurso de
aumento da produtividade sem visar à qualidade, esse resgate das
sementes vem como forma de preservar a identidade camponesa, e
se inscreve como uma ação contraria ao agronegócio.
A abordagem da cultura local verif ica -se através dos
conteúdos relat ivos à temática de textos sobre o campo e mesmo
através de f iguras ressaltando a importância do trabalho no campo,
mas a ausência de uma base de problematização dos problemas
enfrentados pelos trabalhadores rurais atualmente tem pouca
profundidade, demonstrando que a cultura do campo é entendida
apenas como um conjunto das manifestações artísticas, em
diferentes modalidades, que são vivenciadas nas localidades, em
algumas abordagens a identidade do campo se dá através das
lutas sociais.
Essa identidade é que vai determinar a luta pela reforma
agrária como uma polít ica pública, entendida como uma das
36
condições fundamentais para se alcançar o desenvolvimento
sustentável sendo um novo projeto pautado nos conceitos da
agroecologia em contradição com o agronegócio.
A reforma agrár ia é uma das pol í t icas públicas defendidas pelo movimento agroecológico nac ional , v ista como uma das condições fundamentais para se alcançar um desenvolv imento rura l sustentável. Por sua par te, os movimentos de luta pela ter ra - em espec ia l o MST – vêm crescentemente incorporando o enfoque agroecológico como paradigma a estruturação técnica econômica dos assentamentos (caderno 5 Projovem, 2010, p. 41) .
A territorialidade se dá no próprio entendimento da
necessidade da reforma agrária, na conversão das grandes áreas
de monoculturas em novas unidades familiares de produção,
visando à diversif icação da produção. Os movimentos sociais que
lutam pela terra são entendidos como responsáveis pelo
fortalecimento da agricultura familiar.
As feiras l ivres aparecem como outro espaço
impor tante de comercia l ização. Em vár ios
municíp ios anal isados, a presença dos
assentamentos contr ibui para a d ivers if icação e o
cresc imento da oferta local de produtos chegando a
repercut ir no aumento do tamanho ou mesmo da
f reqüênc ia das fe iras, e em alguns casos,
provocando rebaixamento de preços de produ tos
a l imentares.. . Ainda com relação à
comercia l ização, foram detectadas mudanças
induzidas pela organização dos assentamentos,
pr inc ipalmente onde há presença de movimentos
soc ia is organizados, como o MST (caderno 5
Projovem, 2010, p. 43).
Essa nova representação na interpretação dos movimentos
sociais estabelece um diálogo com o Estado, reconhecendo sua
historicidade pela luta da terra.
37
A educação é entendida como uma prát ica a cidadania,
formar um cidadão consciente, aproximando teoria e prática,
revelando uma abordagem de um trabalho voltado para a formação
da cidadania, voltados para atitudes e valores que se pautam em
princípios éticos, na perspectivas de uma sociedade mais humana.
Observa-se em alguns textos que procuram adequar
mudanças no ensino, d iscutindo no decorrer deles as lutas pela
terra, trabalho, qualidade de vida, educação, reconhecimento
social e a formação do sujeito social, possibil itando a construção
de novos paradigmas para a educação do campo.
Dessa maneira, a formação da cidadania é trabalhada nos
livros a part ir da problematização de questões mais próximas da
realidade dos estudantes, servindo de f io condutor para atingir os
objetivos do programa.
Dessa forma o desenvolvimento econômico é entendido como
uma construção com bases na preservação do meio ambiente,
presentes nos dois cadernos analisados, o projeto em defesa das
sementes crioulas, traz uma forma de proteger a natureza,
constituindo-se como elemento em defesa da agricultura
sustentável.
Nos cadernos do Saberes da terra de 2007, percebe-se uma
abordagem muito mais voltada para o marxismo ortodoxo, fazendo
uma análise mais pela estrutura econômica do que por um viés
cultural, discutindo muito as relações macro estrutural,
contrapõem-se a uma educação para a conformidade e pa ra a
integração ao mundo do trabalho nos moldes capitalistas.
Enquanto que os cadernos do Projovem 2010 trazem um
conteúdo mais bem elaborado do que na 1ª edição de 2007, em
que propõe um ensino por meio do lugar em que o estudante vive
abordando assuntos como, identidade, agricultura sustentável,
cidadania, polít icas públicas presentes no município e trabalho nos
38
dois cadernos podem perceber que esses princípios estão
próximos da l inha de pensamento dos movimentos sociais.
Os objet ivos presentes nas coleções propõem uma
abordagem mais próxima dos sujeitos do campo, l igado a questões
sociais, culturais e do cotidiano, visando formar alunos mais
crít icos do meio em que vivem, por exemplo, na citação “Qual a
educação necessária para construir a cidadania”, do caderno 6 e 7
do Saberes da Terra de 2007 na pagina 07, demonstra a definição
de cidadania por meio da part icipação dos sujeitos na sociedade e
como forma de libertação dos meios de exploração.
As coleções são formadas por cinco cadernos, tem como
proposta principal trabalhar a identidade do homem do campo,
dentro de uma proposta de agricultura sustentável. Os cadernos
demonstram que na formulação dos objetivos havia uma clareza
com a descrição dos conteúdos, sempre com a preocupação de
integrar a teoria a realidade do estudante. Como podemos
perceber na citação abaixo os cadernos pretendiam buscar uma
interação com os estudantes, favorecendo a discussão de
problemas pertinentes à realidade.
Acredi tamos que a part ic ipação polí t ica dos
suje i tos do campo nas pol í t icas públ icas for ta lece a
af irmação da ident idade do camponês, da
camponesa e das suas formas organizat ivas,
favorece a v inculação das ident idades colet ivas e
desses suje i tos como part ic ipantes de um
movimento soc ia l que luta por terra, reforma
agrár ia, por uma produção do e no campo por meio
da agr icu l tura fami l iar . Para isso propomos uma
ref lexão com intu ito de, percebendo melhor à
real idade (CADERNO 3 PROJOVEM CAMPO, 2010,
pg. 21).
Diante da citação acima se percebe uma nova proposta de
ensino, a qual entende a sala de aula como um espaço de
39
produção de conhecimento, isso implica também na va lorização do
conhecimento dos estudantes.
Nas duas coleções estudadas os conceitos cidadania,
trabalho, agricultura sustentável, estão voltados para o debate a
partir da realidade de cada região, propondo atividades que levem
a ref lexão das praticas sociais presentes em sua comunidade.
São essenciais as observações acima, pois discutem uma
nova concepção de ensino, bem como a analise dos cadernos é
fundamental, pensar se essa mudança trará transformações para
quem vive no campo, partindo de uma narrativa ma is próxima de
quem escuta, diferente do ensino tradicional, que ignora a
historicidade das populações do campo.
Embora ainda tenha suas l imitações, algumas permanências
do ensino tradicional, e distanciamento com algumas realidades do
campo, mostrando uma visão romantizada, não abordando os
conflitos presentes entre Estado e movimentos sociais pela luta da
terra e pela educação do campo.
Contudo percebemos que o ensino apropriado às escolas do
campo, ainda está em meio a muitas discussões, sobre o que
deveria ser do conhecimento do cidadão do campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do estudo da proposta de educação do programa
Saberes da Terra, foi possível verif icar a presença de algumas
práticas educativas muito coerentes com os princípios f i losóficos e
pedagógicos dos movimentos sociais, principalmente do MST.
Embora ainda sendo pensada como uma forma de suprir a carência
das populações do campo, combater a pobreza através de
40
programas de bolsas e projetos voltados para a formação para o
mercado de trabalho.
Apresentando suas restrições e suas possibi l idades as
coleções podem ser entendida, como um espaço colet ivo, múltiplo
e fragmentado, incompleto, com muitas vozes. Não como um livro
pronto, acabado, mas dando possibil idades dos estudantes
formarem seu próprio conhecimento acerca de sua realidade.
Dentro da lógica da própria produção dos cadernos é preciso
entender que cada conteúdo será uma escolha de recortes, de
produções possíveis.
Entretanto é possível inferir outras considerações,
ressaltando a importância das abordagens em que prioriza
conhecimento do campo, isso é muito relevante para o processo de
adequação das escolas, mas também se percebe uma mudança
muito lenta para a adoção desses programas para que
efetivamente virem polít icas públicas para a educação do campo.
O estudo da trajetória da educação do campo se fez presente
a f im de entender os debates para a construção de uma educação
para as “classes populares”, principalmente nas escolas situadas
no meio rural.
O entendimento de educação presentes em ambas as
coleções está associada a um sentido mais amplo, que vai além da
própria escola, com objetivo de formar cidadãos conscientes, não
deixando de lado as lutas sociais, colocando em prática através de
atividades fora da escola, o encontro entre a teoria e a prática.
Percebe-se que o programa se inscreve em uma das
conquistas da educação do campo, conquistada pelos movimentos
sociais, que uniu a luta pela terra junto ao direito a uma educação
de qualidade, que respeite as part icularidades locais, buscando
compreende-los em sua realidade social, considerando a realidade
como parte da produção do conhecimento.
41
Neste contexto podemos entender que a luta por polí t icas
públicas para a educação do campo sempre esteve junto ao
fortalecimento dos movimentos sociais organizados na sociedade
civil.
Pesquisas recentes indicam que os efetivos do MST se
elevaram a 350 mil famílias assentadas e 70 mil famílias
acampadas, o que representa cerca de 1,5 milhões de pessoas.
Sabemos que essa luta pela terra não começa pelo MST, podemos
ver na história do Brasil a presença de vários movimentos
camponeses como o de Canudos séc. XIX e do Contestado no
século XX, mas o MST trará uma luta pela educação, buscando
uma transformação do presente (COMPARATO, 2000) .
Conclui-se que os cadernos analisados, vêm apresentando
melhorias, fazendo abordagens mais próximas da realidade dos
estudantes das escolas do campo, construindo e fortalecendo suas
identidades, part indo da recuperação da memória e valorizando
seus conhecimentos.
Claro que a educação ideal para o campo está ainda no
plano das ideias, sempre haverá divergências sobre seu formato
através de novas abordagens, de mudanças na sociedade. Desta
forma o ensino nas escolas do campo e os movimentos sociais
estarão sempre sendo construídos e, produtos da sociedade, em
constante transformação.
Portanto, é impossível entender a trajetória da educação do
campo sem conhecer a luta dos movimentos sociais do campo,
intimamente ligado à construção de uma nova escola para o
campo.
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Pós-graduação da Universidade Jesuíta Unisinos. São Leopoldo - RS - S/D.
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45
MÚSICA POPULAR E OS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS
PROF. RODRIGO ALVES FÁVARO
Estudantes:
Adriane Aparecida Prudente Machado
Dafne Ribeiro Breda
Fábio Noima Pelosi
João Carlos de Souza
Simone Ferreira Zeni
Ciências Sociais – FG
RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar o comprometimento da música popular brasileira com as demandas dos movimentos sociais que emergem em contextos sociais, econômicos e políticos diversos. Para isso, utiliza-se de referências relevantes sobre a teoria dos movimentos sociais brasileiros, compreendidos em dois períodos diferentes: o da política totalitária militarista e o da pós-redemocratização do Estado brasileiro. Foram evidenciadas, durante o texto, algumas das principais características desses movimentos sociais, identificando-os como importantes atores políticos que contribuem, ao longo da história, para o desenvolvimento da nação brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Música. Militarismo. Redemocratização. Demandas. Movimentos Sociais.
INTRODUÇÃO
A música, mais que outras categorias artísticas, faz parte da vida das
pessoas, seja como forma de entretenimento, seja como forma de identificação
ideológicaou política. Os artistas se utilizam da música para expor suas
opiniões, suas ideias, seus anseios, os quais muitas vezes estão em harmonia
com os movimentos sociais. Desde já deixamos claro que o conceito de
movimento social que adotaremos aqui é compartilhado das obras teóricas de
Maria da Glória Gohn, qual afirma que “nós os vemos como ações sociais
coletivas de caráter sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da
população se organizar e expressar suas demandas” (2010, p.13).
Dessa forma o presente trabalho pretende verificar de que forma a
música foi utilizada como meio de divulgação das demandas dos diversos
movimentos sociais no Brasil, em seuscontextos. Apresentando diversos
anseios de parte da população e de artistas que encontraram na poesia e na
46
música uma forma de demonstrar sua insatisfação, seja ela política, cultural,
econômica ou de cunho ideológico. Nesse sentido, Maria da Glória Gohn
afirma que:
Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias
que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta
(mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à
ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações,
etc.), até as pressões indiretas (GOHN, 2010. P. 13).
Assim, a autora ainda afirma que os movimentos sociais são
caracterizados por ações sociais coletivas, por interesses em comum, ou seja,
interesses de reivindicação ou mobilização pela sua demanda (GOHN, 2010).
Dessa forma, podemos afirmar que a partir dessas características, grandes
contestações políticas no Brasil advêm de manifestações pela música, como
por exemplo, na década de 60,após o golpe militar, quando diversos artistas
passaram a compor suas músicas com cunho político, fazendo críticas ao
regime político adotado e as crueldades cometidas pelo mesmo, porém de
forma indireta, tendo em vista que a própria censura não permitia que essas
reivindicações fossem diretas.
1. MÚSICAS E O PERÍODO MILITAR
Entre 1964 a 1985 o Brasil viveu um dos períodos mais controversos de
sua história. Sob a égide de um governo Militar, o país passou por diversas
transformações sociais que afetaram em maior ou menor grau, toda população
brasileira nesse período. Os impactos desse período foram tão grandes que
mesmo depois de quase vinte anos do fim desse regime, a sociedade brasileira
atual sente as reverberações emanadas desse contexto (Vide a comissão da
Verdade).
Nesse sentido, o Brasil passou por momentos de grandes disputas
internas entre as forças sociais do período. Assim, a principal marca do
governo brasileiro nesse período era a forte dominação política, construída
47
através dos Atos Institucionais (AI), que aumentavam cada vez mais o poder do
executivo e diminuía o poder do legislativo, o bipartidarismo político (ARENA,
MDB), grande repressão, com o uso das forças militares, cometendo
assassinatos e torturas, além de repressão de manifestações culturais, através
de censuras de músicas, filmes, peças de teatro, jornais, revistas, etc.
Em contrapartida, alguns movimentos sociais buscaram reverter esse
cenário, tentando mostrar a face cruel e repressora do Governo Militar. Entre
esses movimentos de contestação podemos citar o Movimento Estudantil
(UNE), os diversos movimentos de grupos de esquerda que, algumas vezes, se
utilizaram da luta armada contra os militares e alguns cantores da época.
Nessa época, os movimentos sociais de destaque eram essencialmente
urbanos e “tiveram papel de destaque nas frentes de luta contra o regime
militar” (GOHN 2010, p.7)
Dessa maneira, a música foi um dos principais elementos utilizados
tanto pelos militares como pelos contestadores do regime, como um
mecanismo para conquistar a mobilização da população. Músicas como “Eu te
amo meu Brasil” da dupla Dom e Ravel gravada em 1970, em meio a um
sentimento ufanista gerado pelo “Milagre Econômico” e pela conquista da Copa
do mundo de futebol pela seleção brasileira, pode ser considerada exemplo de
músicas que corroboravam com a Ditadura Militar (NAPOLITANO, 2004).
Da mesma maneira, importantes cantores do período escreviam letras
metafóricas para tentar burlar o sistema de censura elaborado pelo governo.
Podemos citar músico como Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Taiguara,
Caetano Veloso, Geraldo Vandré, que procuraram em suas letras denunciar a
falta de democracia e os crimes cometidos por esse regime.
Dentre um grande número de cantores que fizeram seus trabalhos
contra o regime militar, escolhemos para nossa pesquisa trabalhar com
algumas músicas de Taiguara Chalar da Silva e Chico Buarque de Holanda,
pelo fato de terem sido dois dos compositores musicais brasileiros mais
perseguidos no período.
48
1.1 Taiguara
(Dafne Ribeiro Breda Gonçalves)
Taiguara Chalar da Silva, músico, compositor e intérprete, nasceu em
nove de outubro de 1945 em Montevidéu, porém veio para o Brasil aos quatro
anos de idade, com seu pai Ubirajara da Silva, também músico.Morou no Rio
de Janeiro até os quinze anos e depois mudou-se para São Paulo, onde viveu
até 1975 quando se exilou em Londres, morou ainda em Paris, Tanzânia e
Etiópia. Voltou para o Brasil apenas em 1982.
Uma das características nas obras de Taiguara é sua versatilidade de
estilo musical, compondo desde sambas até sertanejos, porém suas músicas
mais conhecidas são marcadas por um romantismo e melodia popular, como
“Universo do teu corpo”, “Viagem”, “Hoje” e “Teu sonho não acabou”, muito
tocadas nas rádios entre 1968 e 1975.
Por suas críticas à repressão durante o período da ditadura militar,
assim como Chico Buarque de Holanda, foi um dos compositores mais
perseguidos pela censura, tanto é, que dois de seus álbuns foram censurados
por inteiro, bem como um total de 68 músicas também censuradas.
Devido a essas perseguições pela ditadura militar, Taiguara além de
músicas e álbuns, teve também vários de seus shows cancelados como ele
mesmo explica:
[...] quando o processo capitalista, na sua fase imperialista, não consegue ainda, por meios econômicos, desapropriar uma nação inteira, é evidente que ele tem que usar os meios militares, que foram usados na época. A ditadura militar me proibiu 68 músicas, perseguiu os nossos espetáculos pelo interior de São Paulo, Santa Catarina e Paraná — onde eu fiz três circuitos universitários quase impossíveis de realizar porque a polícia federal chegava. Agentes disfarçados, à paisana, chegavam nas rádios e cancelavam a entrevista, cancelavam o show pela rádio, ameaçavam o público. Quando nós chegávamos com o ônibus, com todo o equipamento, após ter feito um gasto enorme, o clube estava fechado a cadeado e não se encontrava a diretoria — isso aconteceu em Piracicaba, Bauru e várias cidades do interior de São Paulo. Então, como eu não podia mais gravar, a censura proibia tudo e não podia mais sobreviver com o trabalho, a saída foi o aeroporto
7. (SILVA, 1991, p.10).
7Entrevista concedida ao Jornal Inverta em 24/09/1991.
49
Esses foram os motivos que o levaram a se exilar na Inglaterra, onde
mais tarde gravou em inglês seu álbum Letthechildrenhearthemusic (Deixe que
as crianças ouçam as músicas), que por sua vez, foi também proibido de ser
lançado pela Polícia Federal do Brasil.
Taiguara retornou ao Brasil em 1982, período em que a repressão militar
já era menor, e aprofundou-se nas pesquisas de sonoridades paraguaias e
africanas. A partir de então, voltou a realizar shows por todo o Brasil. Em 1990,
seu último show foi gravado e transmitido pela TV Manchete. Seu último álbum
foi lançado em 1994, “Brasil Afri”. Taiguara faleceu no dia 14 de fevereiro de
1996, devido a um câncer avançado de bexiga.
Dentre suas músicas, faremos a reflexão a cerca da música Hoje, de seu
álbum também intitulado Hoje em 1969 e Que as crianças cantem livres do
álbum Fotografias em 1973.
Hoje Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo...
Hoje Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas Trazem a lua, a rua às minhas mãos,
Mas hoje, As minhas mãos enfraquecidas e vazias Procuram nuas pelas luas, pelas ruas...
Na solidão das noites frias por você. Hoje
Homens sem medo aportam no futuro Eu tenho medo acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte Hoje
Homens de aço esperam da ciência Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte Sorte
Eu não queria a juventude assim perdida Eu não queria andar morrendo pela vida
Eu não queria amar assim como eu te amei.
Nesta letra podemos perceber que aparentemente se trata uma canção
romântica, porém em suas entrelinhas notamos que ele se refere ao dia de
hoje, o único dia o qual tinha certeza que poderia viver, demonstra sua
preocupação com a imposição da violência, o medo que assombrava muitas
pessoas nesse período, bem como a preocupação com o futuro que era
incerto.
50
Leia-se a canção intitulada Que as crianças cantem livres:
O tempo passa e atravessa as avenidas E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé E o vento forte quebra as telhas e vidraças
E o livro sábio deixa em branco o que não é
Pode não ser essa mulher o que te falta Pode não ser esse calor o que faz mal
Pode não ser essa gravata o que sufoca Ou essa falta de dinheiro que é fatal
Vê como um fogo brando funde um ferro duro
Vê como o asfalto é teu jardim se você crê Que há sol nascente avermelhando o céu escuro
Chamando os homens pro seu tempo de viver
E que as crianças cantem livres sobre os muros E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro Que não dormiu e preparou o amanhecer...
Assim como na letra anterior, essa composição traz também em suas
entrelinhas a realidade sombria, porém ao mesmo tempo demonstra a
esperança pelo futuro que sonhava que um dia iria chegar o tempo em que a
ditadura acabaria assim como o sofrimento desse período.
1.2 Chico Buarque de Holanda
(Adriane Aparecida Prudente Machado)
Francisco Buarque de Holanda (Chico Buarque de Holanda) nasceu em
1946 no Rio de Janeiro filho do Sergio Buarque de Holanda (Historiador) e
Maria Amélia Cesário Alvim (pianista). No ano de 1946, Chico e a família vão
morar em São Paulo onde seu pai Sergio Buarque é nomeado diretor do
museu Ipiranga. Em 1953 muda-se para Itália onde seu pai passa a lecionar na
Universidade de Roma. Anos mais tarde retornam ao Brasil Chico demonstra
interesse pela música a qual passa a fazer parte de sua vida. Recebeu grande
influência de João Gilberto. Dez anos mais tarde Chico Buarque entra para a
Universidade de São Paulo no curso de Arquitetura e Urbanismo, onde
participa de movimentos estudantis. Nesse mesmo ano da um ponto de partida
51
na sua carreira musical, que segundo ele foi com a participação no musical
Balanço do Orfeu com a musicaTem mais Samba.
Chico Buarque volta morar no rio de Janeiro no ano de 1967, lança seu
segundo LP Chico Buarque de Holanda V2. Ainda nesse ano escreve a música
Roda Viva. No ano seguinte 1968, vence festival Internacional da Canção com
a música Sabiá em parceria com Tom Jobim.
No final da década de 60, janeiro de 1969, Chico participa da passeata
dos cem mil, contra a repressão do regime militar, e é exilado para a Itália. Só
retorna ao Brasil em março de 1970 acreditando que a situação da política
brasileira estava melhorando. Ele encontra o país divido entre massacre
político e sentimentos nacionalistas. Diante da decepção ao ver que nada havia
mudado e, sensibilizado pelos problemas brasileiros, sentiu-se a necessidade
de realizar um trabalho que mostrasse a realidade de sua pátria. Então assina
contrato com a gravadora Philips para produção de mais um disco. A música
Apesar de Você chega a quase cem mil copias vendidas e propagando em
todas as rádios do país, mas é censurada e recolhida das lojas. O estoque foi
quebrado, e a fábrica fechada.
Ao voltar do exílio Chico Buarque apresenta um interesse pela política e esse fato se reflete na sua música, passando a intensificar sua crítica social. As canções de repressão passam a ser um documento fiel da época. Assim, “Apesar de Você” (1970), “Deus Lhe pague” (1971) “Quando o Carnaval Chegar” (1972) e “Cálice” (1973) foram quatro canções compostas nos quatro anos mais opressores e censurados no Brasil. (MENESES, 2002, p.35).
Algumas canções de Chico Buarque foram censuradas em sua
totalidade, outras apenas palavras e versos retirados das músicas. Porém
algumas passavam despercebidas diante dos funcionários da censura. Em um
show Chico Buarque e Gilberto Gil resolveram interpretar o refrão da música
Cálice e a gravadora com medo da repressão desliga o microfone fazendo os
cantores calarem-se diante da multidão.
Meneses (2002, p.68), considera a composição Apesar de Você a mais
conhecida das canções de repressão composta por Chico Buarque. A proposta
dessa canção é a mudança do momento presente para um futuro libertador,
possuindo tanta vertente critica quanto utópica.
52
Essa composição foi considerada o hino da ditadura militar e marcou
Chico Buarque com alvo constante da censura. Diante da situação, o
compositor reprimido pela censura, utiliza-se das metáforas para denunciar e
rebelar. Nos primeiro versos de apesar de você temos a realidade repressiva
do poder, que ao dar uma ordem deve ser prontamente obedecidas sem
nenhum direito a explicações. Chico usou a palavra você para representar o
opressor e fez a música como se estivesse falando sobre o momento presente:
Observe-se a letra da música Apesar de Você:
Hoje é você quem manda Falou ‘tá’ falado
Não tem discussão [...]. Falando de lado
E olhando pro chão [...] Você que inventou esse estado
E inventou de inventar Toda a escuridão
Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar
O perdão
O verso da canção remete a uma situação de submissão através do
medo que as pessoas possuem da autoridade imposta. Ao mesmo tempo
medo de olhar de frente a situação diante da opressão e do autoritarismo.
Alguns versos nos dão a impressão que chegará um momento em que o
opressor será cobrado pelas atrocidades cometidas, das quais ele não ficara
impune. Os versos:
Amanha há de ser Outro dia
A água nova brotando Quando o galo cantar
Água nova brotando O jardim florescer Vendo o dia raiar
Amanhã renascer O céu clarear [...]
Mostram-nos a esperança no amanhã, da vida em liberdade. Chico
reforça sua crença em uma nova época e inicio de uma vida sem repressão,
sem forças políticas. Devido à censura, a canção Apesar de Você só seria
incluída num álbum do cantor em 1978, quando foi lançada como última faixa
53
de Chico Buarque (1978). Outros artistas que regravaram essa música sem
saber do seu implícito,se viram obrigados a fazer publicidade para o governo.
Os movimentos sociais dos anos 70 e 80 foram atuações políticas
decisivas para a conquista de muitos direitos sociais, os quais se fizeram
presentes na Constituição Cidadã de 1988. E a arte teve sua carga de mérito
para essa conquista do cidadão brasileiro. E nesse contexto a música foi meio
importante de divulgação das demandas políticas e sociais do povo.
2. A MÚSICA E OS NOVOS ATORES SOCIAIS
Com o fim da ditadura militar no Brasil e nos demais países da América
Latina, o manifesto político principalmente pela música, perdeu espaço e foi
ocupado por outros movimentos, principalmente a partir de 1990, quando “[...]
ecologistas, proliferaram após a conferência ECO 92, dando origem a inúmeras
ONGs (Organizações Não-Governamentais). Aliás, as ONGs passaram a ter
muito mais importância nos anos 90 do que os próprios movimentos sociais.”
(GOHN, 2010. P. 22).
Portanto, vendo-se agora sem alvo de ataque, os movimentos sociais
antimilitaristas perderam força e saíram de cena. Porém, a partir dos anos 90
surgem novas formas de organização popular.
Com a Constituição Cidadã prevendo em sua letras os direitos e
garantias individuais como uma de suas Cláusulas Pétreas (CF, Art. 60, § 4º), e
com a situação de desigualdade social e outros diversos problemas sociais de
certa forma abafados pela ideologia militar, a sociedade começou a se
organizar politicamente. Surgiram, portanto várias formas de organização
popular: “Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, Fórum
Nacional de Participação Popular, etc” (GOHN, 2010, p.20), resultando
posteriormente em movimentos sociais institucionalizados, como é o caso dos
movimentos dos homossexuais, dos afro-brasileiros, dos indígenas, dos
funcionários públicos, dos ecologistas, entre outros.
Não podemos deixar de citar o movimento social antiglobalização, que
surge próximo à virada do sec. XX para o XXI negando a forma “como a ordem
capitalista vigente se reproduz” (GOHN, 2010, p. 33). Trata-se de uma
54
organização popular de âmbito global, mas que absorve as demandas dos
movimentos sociais brasileiros, tratados até aqui, por serem frutos da
reprodução dessa ordem capitalista vigente.
E não obstante, ao lado dessas manifestações populares, a música se
fez presente. Mais uma vez divulgando as demandas dos novos movimentos
sociais. Elencaremos alguns exemplos a seguir.
2.1. Demandas ambientais
Uma das grandes demandas dos movimentos sociais que surgiram a
partir dos anos 90, e mais especificamente nas discussões dos movimentos
sociais antiglobalização é a do equilíbrio ambiental. Exemplo disso é a grande
quantidade de grandiosas ONGs de caráter ambiental. Dentre as mais
conhecidas estão WWF, Greenpace, Ecoar, SOS Mata Atlântica.
Nesse sentido, surgem composições de grande divulgação para
propagar essa dos novos atores sociais.
2.1.1 Pampa Pobre (Gaúcho da Fronteira)
(João Carlos de Souza)
No ensejo desse novo modelo de movimento social, em 1991 o grupo de
rock brasileiro Engenheiros do Hawaii regravou um grande sucesso de autoria
de Gaúcho da Fronteira e Vaine Darde. A música trata dessa nova
preocupação da sociedade moderna com o meio ambiente, propondo à
sociedade a luta se for o caso, para preservar e recuperar a natureza.
Segue a letra:
Mas que pampa é essa que eu recebo agora Com a missão de cultivar raízes
Se dessa pampa que me fala a história Não me deixaram nem sequer matizes?
Passam às mãos da minha geração Heranças feitas de fortunas rotas
Campos desertos que não geram pão Onde a ganância anda de rédeas soltas
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Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás
Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai
Herdei um campo onde o patrão é rei Tendo poderes sobre o pão e as águas
Onde esquecido vive o peão sem leis De pés descalços cabresteando mágoas
O que hoje herdo da minha grei chirua É um desafio que a minha idade afronta
Pois me deixaram com a guaiaca nua Pra pagar uma porção de contas
Se for preciso, eu volto a ser caudilho Por essa pampa que ficou pra trás
Porque eu não quero deixar pro meu filho A pampa pobre que herdei de meu pai
A música gaúcha originalmente é carregada de regionalismo e de
demonstrações de orgulho de seu povo pelo seu lugar, mas a letra de
“Herdeiro da Pampa Pobre” relata além desse orgulho, também a vergonha da
degradação ambiental que foi feita ao ecossistema natural do Rio Grande do
Sul, que é o pampa também chamado de campos ou coxilhas.
A letra da música retrata um dos movimentos sociais do século XXI, que
é a preocupação com as questões ambientais, remontando o orgulho gaúcho
no movimento social armado do século XIX que foi a Revolução Farroupilha.
Na análise da letra da música em si podemos destacar que é feito o
questionamento do que lhe sobra de ambiente natural para a sua geração,
restando apenas matizes, ou manchas de uma natureza exuberante, que a
ação predatória e gananciosa de antepassados, rouba o direito de gerações
futuras de desfrutar de um ambiente saudável e produtivo, que pode ser
verificado pelo processo de desertificação na região de Bagé naquele estado.
Na sequência a letra da música mostra que o povo irá à luta para preservar e
recuperar aquele ambiente, para que seus descendentes possam ser
privilegiados com a possibilidade de desfrutar deste ambiente de forma plena,
diferentemente da geração atual.
Na segunda parte da música são confrontadas as questões sociais,
econômicas e ambientais, onde fala do poder econômico do patrão que usa a
natureza como bem entende, destruindo rios e controlando a produção e
deixando na miséria a população excluída. Em seguida a música mostra que
56
esta dívida ambiental sobra à população em geral para arcar com os custos
financeiros e até de saúde para recuperá-la, criticando os altos cultos de
tratamento de água, esgoto e resíduos sólidos, além de ser uma referência aos
valores excessivos dos impostos que são pagos pela população brasileira.
Por fim a música reforça a luta pela preservação e recuperação dos
ambientes naturais, que podem ser vistos hoje por todo o globo por meio de
ONGs que lutam de várias formas na defesa de seu ideal, sendo um dos
movimentos sociais retratados na obra da Maria da Glória Gohn em
Movimentos Sociais no início do século XXI: Antigos e novos atores sociais.
3.1.2. Canção da Terra – Pedro Munhoz
(Simone Ferreira Zeni)
Nessa mesma perspectiva, por reinvindicações de cunho ambiental,
Pedro Munhoz, também gaúcho, compôs a música Canção da Terra que foi
gravada pela trupe O Teatro Mágico, em 2011, no disco Sociedade do
Espetáculo.
Tudo aconteceu num certo dia Hora de ave Maria o universo vi gerar
No princípio o verbo se fez fogo Nem atlas tinha o globo Mas tinha nome o lugar
Era terra, terra E fez, o criador, a natureza Fez os campos e florestas
Fez os bichos, fez o mar Fez por fim, então, a rebeldia
Que nos dá a garantia Que nos leva a lutar
Pela terra, terra Madre terra nossa esperança
Onde a vida dá seus frutos O teu filho vem cantar
Ser e ter o sonho por inteiro Ser sem-terra, ser guerreiro
Com a missão de semear À terra, terra
Mas apesar de tudo isso O latifúndio é feito um inço
Que precisa acabar Romper as cercas da ignorância
Que produz a intolerância
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Terra é de quem plantar À terra, terra
Com essa música está em execução o primeiro contrato que reconhece
a música livre no mercado fonográfico brasileiro. Pela primeira vez uma música
trilha sonora de novela da emissora mais poderosa do país terá a característica
de livre distribuição e gestão de obra feita pelo autor.
A partir desta experiência, sem dúvida a música brasileira vira uma
página. Isto ocorre com o contrato que o trovador amigo do Movimento sem
Terra (MST) e a trupe O Teatro Mágico acabam de assinar com a Rede Globo
e a gravadora Som Livre.
Os movimentos sociais têm construído representações simbólicas
afirmativas por meio de discursos e práticas “[...] ao realizarem essas ações,
projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles
que eram excluídos de algo passam a sentir-se incluídos em algum tipo de
ação de um grupo ativo.” (GOHN, 2010. p.16)
Canção da Terra é uma música conhecida entre os movimentos sociais,
especialmente no MST, pois fala sobre a Reforma Agrária, que faz parte das
discussões políticas atuais, pois é uma música gravada há apenas três anos.
Fazendo um paralelo com a natureza, ela engloba também o movimento
ambientalista, nos fazendo refletir sobre a melhoria e o cuidado com o meio
ambiente.
Essa luta por terra é um marco dos movimentos sociais, e uma
constante na humanidade, há muito tempo faz-se manifestações para que mais
grupos se organizem e entrem nessa luta pela garantia de se ter uma
propriedade.
A propriedade aqui se torna um símbolo de riqueza, de poder entre os
povos. Rousseau em Discurso Sobre a Origem das Desigualdades, afirma que:
O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que veio com a ideia de dizer isto é meu e encontrou gente simples o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam desse ato! De quanta miséria e horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para seus companheiros: Não deem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém. Sendo assim, dá-se a entender que todos merecem uma
58
propriedade se essa não estiver falta ao seu proprietário. (ROUSSEAU, 1967, p. 211-212)
A constante luta por terra é acompanhada também pelas diferentes
relações com a política, a economia e também com a sociedade. Segundo
Maria da Glória Gohn“os movimentos populares criaram, ampliaram ou
fortaleceram também a construção de redes sociais” (GOHN, 2010. P. 17).
2.2 Demandas antiglobalização
(Fábio Noima Pelosi)
Os movimentos sociais antiglobalização tomou corpo no inicio do século
XXI, é caracterizado pelo “grito” de socorro, não pelo fim do processo de
globalização, que a cada ano se incorpora e atinge cada vez mais
intensamente os países, mas negando processo tomado pelo sistema
globalizante, que está se colocando acima de tudo, tradições, culturas, etnias,
acima também da justiça e igualdade de todo ser humano; “o movimento
antiglobalização nega a forma como a ordem capitalista instituída vigente se
reproduz e não a ordem em si” (Gohn 2010, p. 21).
Desta forma, a música “Mais que um mero poema” de composição de
Guilherme de Sá em 2009, auxilia a compreensão da legitimaçãodas
demandas que os movimentos sociais atuais estão pautando e defendendo.
Parece estranho
Sinto o mundo girando ao contrário Foi o amor que fugiu da sua casa
E tudo se perdeu no tempo É triste e real
Eu vejo gente se enfrentando Por um prato de comida
Água é saliva Êxtase é alívio, traz o fim dos dias
E enquanto muitos dormem, outros se contorcem É o frio que segue o rumo e com ele a sua sorte
Você não viu? Quantas vezes já te alertaram Que a Terra vai sair de cartaz
E com ela todos que atuaram? E nada muda, é sempre tão igual
A vida segue a sina
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Mães enterram filhos, filhos perdem amigos Amigos matam primos
Jogam os corpos nas margens dos rios contaminados Por gigantes barcos
Aquilo no retrato é sangue ou óleo negro? Aqui jaz um coração que bateu na sua porta às 7 da manhã
Querendo sua atenção, pedindo a esmola de um simples amanhã Faça uma criança, plante uma semente
Escreva um livro e que ele ensine algo de bom A vida é mais que um mero poema
Ela é real É pão e circo, veja
A cada dose destilada, um acidente que alcooliza o ambiente Estraga qualquer face limpa
De balada em balada vale tudo E as meninas
Das barrigas tiram os filhos, calam seus meninos Selam seus destinos
São apenas mais duas histórias destruídas Há tantas cores vivas caçando outras peles
Movimentando a grife A moda agora é o humilhado engraxando seu sapato
Em qualquer caso é apenas mais um chato Aqui jaz um coração que bateu na sua porta às 7 da manhã
Querendo sua atenção, pedindo a esmola de um simples amanhã Faça uma criança, plante uma semente
Escreva um livro e que ele ensine algo de bom A vida é mais que um mero poema
Ela é real E ainda que a velha mania de sair pela tangente
Saia pela culatra O que se faz aqui, ainda se paga aqui
Deus deu mais que ar, coração e lar Deu livre arbítrio
E o que você faz? E o que você faz?
Aqui jaz um coração
Através dessa música escrita em 2009, percebemos claramente o“grito”
desses movimentos sociais antiglobalização, o afastamento entre as pessoas,
dos indivíduos no seu papel enquanto uma sociedade, o individualismo que o
sistema trás através da competição por status na sociedade, distanciamento
cada vez maior do pobre e do rico, isso está bem expresso na letra;
Mães enterram filhos, filhos perdem amigos Amigos matam primos
Jogam os corpos nas margens dos rios contaminados Por gigantes barcos
Aquilo no retrato é sangue ou óleo negro? (Sá, 2009)
60
O que o compositor da letra da música contesta é exatamente o que
está relacionado com a demanda dos movimentos sociais antiglobalização.
Também está explícita na letra a discrepância dos direitos humanos que é um
direito universal, quando a letra trás;
Eu vejo gente se enfrentando Por um prato de comida
Água é saliva Êxtase é alívio, traz o fim dos dias
E enquanto muitos dormem, outros se contorcem É o frio que segue o rumo e com ele a sua sorte
(Sá, 2009)
Um direito assegurado a todo indivíduo no Artigo XXV na Declaração
Universal dos Direitos Humanos;
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (Assembleia Geral das Nações Unidas, 1948).
Através da música várias bandas e compositores do século XXI, se
expressam com suas letras de músicas, em apoio aos movimentos sociais,
atingindo a massa popular, e não se utilizam mais de uma faceta em suas
letras, a demanda está expressa de entendimento para quem quer que se
depare com a canção.
Alguns grupos estilos de músicas de bandas de jovens têm incorporado as bandeiras de lutado movimento antiglobalização, ampliando-o;muitos se incorporam fisicamente ás ações doseventos, ou criam músicas e depoimentos deapoio ao movimento, conferindo-lhe uma faceta de rebelião cultural [...]. (GOHN,2002)
A Banda Rosa de Saron, uma banda da religião católica, muito
expressiva em suas canções, e que atinge um público alvo jovem, está pautada
em suas letras em defesa aos direitos humanos, como vimos na letra em
análise, que é o que Maria da Glória Gohn trás em seu texto abordando
movimentos sociais antiglobalização, um movimento atual do século XXI.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto neste artigo, vimos que a música popular esteve
historicamente comprometida com as demandas dos movimentos sociais.
Analisando o sentido que Gohn dá ao termo “movimentos sociais”,
observamos que são ações sociais coletivas que viabilizam a população
expressar suas demandas. Ou seja, são indivíduos que se encontram
subjetivamente pela necessidade de alguma justiça que ainda não está, ainda
queparcialmente, garantida a ele. E desse encontro surge uma identidade de
grupo relacionado a essa demanda.
Os movimentos sociais dos anos 70 e 80 levantaram a bandeira da
opressão militar que não garantia a livre manifestação social, política, cultural
da diversidade brasileira. Dentro desse contexto, artistas traduziam essas
injustiças através de músicas que iam de encontro à ideologia militar do
período da ditadura, entre 1964 e 1985.
Com o fim da ditadura militar e a redemocratização do Estado Brasileiro,
os movimentos sociais antimilitarismo perderam força e ganharam visibilidade
outros movimentos sociais com demandas diferentes, como por exemplo,
movimentos de habitabilidade, estrutural-política, ambiental, contra o
desemprego, de saúde pública, rurais, étnico-raciais, de gênero e contra
políticas neoliberais. E uma das formas mais expressivas da manifestação
direta e indireta desses atores, foi e continua sendo a música popular.
Esclarecendo-se assim a relevância dessa modalidade de produção artística. A
qual, além da questão estética, possui importante função política.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Paulo César. Eu não sou cachorro, não. Música popular cafona e
ditadura militar. São Paulo: Record, 2002.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais no início do século XXI:
antigos e novos atores sociais. 4º Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
62
MENESES, Adélia Bezerra. Desenho Mágico: poesia e política em Chico
Buarque. São Paulo: 3. Ed. Ateliê Editorial, 2002.
NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica
dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 24, nº 47, p.103-126, 2004.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso Sobre a Origem da Desigualdade.
São Paulo: Abril Cultural, 1973.
SITOGRAFIA
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm.Acesso
em 06 de Junho de 2013.
Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em
http://www.dicionariompb.com.br/taiguara/discografia. Acesso em 20 de maio
de 2013.
OUTRAS FONTES
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, Senado,1998.
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O CANTO POPULAR RELIGIOSO NOS RITUAIS DA UMBANDA:
REGISTRO ETNOGRÁFICO NA TENDA PAI FRANCISCO EM
GUARAPUAVA (PR)
Profª.Ms. Cerize Nascimento Gomes
Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira
Ciências Sociais - FG
RESUMO: Promover a produção de conteúdos para o ensino da história e da cultura afro-índio-brasileira por meio de pesquisas regionalizadas é um dos objetivos centrais desse artigo que promove um estudo a partir de observação participante na Tenda de Umbanda Pai Francisco na cidade de Guarapuava (PR). A investigação possui recorte sobre o uso de cantos como expressão cultural e prática ritualística próprias da umbanda, anotando-se também o forte sincretismo religioso e a representação de tipos sociais brasileiros presentes nessas manifestações. O artigo sobre os cantos usados durante os rituais de umbanda, integra um estudo do Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira da Faculdade Guarapuava, e tem como finalidade observar a expressão religiosa das comunidades tradicionais que preservam experiências populares centradas na oralidade e nos costumes, bem como contribuir com novos conteúdos para o ensino da história e da cultura dos povos africanos e indígenas.
Palavras-chave: Cultura popular. Religiosidade. Canto. Identidade.
Sincretismo.
1. ORAR CANTANDO
Porque cantar parece com não morrer
é igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão.
Ednardo/Climério
A complexidade de expressões da religiosidade popular brasileira reflete
que a cultura enquanto objeto de estudo científico e prática ritualística é algo ao
mesmo tempo singular e plural. Os elementos disponibilizados pela cultura
popular permitem ao homem encontrar mecanismos para a satisfação de suas
necessidades materiais e espirituais, em tempos distintos. Desse modo a
cultura funciona como um aparato capaz de promover ao ser humano sua
satisfação e seu bem estar em plano objetivo e também subjetivo.
64
Através das expressões de sua religiosidade e do sincretismo próprio
das manifestações e das crenças populares, as pessoas forjam um caminho do
seu mundo pessoal (interior) para o espaço público (exterior) , motivo pelo qual
o estudo dessas práticas configuram-se em novos olhares sobre a construção
simbólica dos espaços sociais, políticos e ideológicos.
Os cantos usados durante as giras nos rituais da umbanda, integram
um estudo do grupo de pesquisa em cultura e religiosidade afro-brasileira da
Faculdade Guarapuava, e tem como finalidade observar a expressão religiosa
das comunidades tradicionais que preservam uma experiência popular
centrada na oralidade e nos costumes.
No que diz respeito aos cantos e às giras da umbanda, sua importância
histórica e social está na sua capacidade de transgressão aos princípios e
práticas das religiões instituídas ou oficializadas, por meio da apropriação dos
elementos ritualísticos dos povos africanos e também dos povos indígenas,
diretamente ligados as forças da natureza com celebrações que são pontuadas
por cantos e danças de caráter ritualístico religioso.
Em Sagrados mistérios, Sônia Guimarães explica que a música popular
religiosa é inúmera e diversificada, com cantos coletivos entoados em
uníssomo. Ela descreve o toré que é uma dança ritual dos povos indígenas do
nordeste e cuja cantoria é acompanhada pela incorporação dos encantados
que são entidades típicas desses povos; o xiré que é uma festa religiosa onde
os fiéis cantam ao som de tambores e atabaques em honra aos orixás do
candomblé e a gira que é um dos principais rituais da umbanda na qual os
participantes cantam e dançam girando. (GUIMARÃES, 2011, p.25 e 26)
Segundo a autora esses cantos de origem indígena e africana como o os
torés, os xirés e as giras podem ser vistos como uma transposição da missa
católica e suas formas mais conhecidas por meio da cantoria de hinos,
poemas litúrgicos, antífonas, lamentações, oratórios, réquiens e cantatas.
Escreve Guimarães:
A situação instaurada na formação da religiosidade brasileira congrega, portanto, a expressão religiosa oficial e a expressão religiosa oriunda das comunidades em sua experiência secular , firmada na oralidade e nos costumes, na apropriação e transgressão dos sistemas. Essa
65
relação, ainda que desigual, provocou e provoca um fluxo contínuo de trocas e reinvenção das religiosidades. (GUIMARÃES, 2011, p.15)
Sobre o uso da música e do canto nas práticas religiosas, Guilherme de
Melo em A música no Brasil, descreve que sua funcionalidade é atribuída ao
cotidiano dos povos indígenas nativos e dos africanos trazidos para a América
Portuguesa, observando-se o fato da habilidade que essas etnias possuíam de
absorver as práticas musicais e de cantar durante longo tempo a ponto de
causar arrebatamento. (MELO, apud GUIMARÃES, 2011 p.16).
Guimarães registra essa função religiosa do canto entre os povos
nativos com a reprodução de um texto sobre uma cerimônia indígena:
A cerimônia da benção, que era feita por mais de quinhentos guerreiros. (...) Começava com danças e cantos sagrados. (...) O canto, que principiava com voz baixa e soturna como a dos padres , terminava por gritos e exclamações cabalísticas. As mulheres e os meninos não podendo tomar parte da dança, contentavam-se em repetir essas exclamações, fazendo um coro de dissonantes vozes. (GUIMARÃES, 2011, p.16).
Destaca-se que “a presença forte do canto nas práticas musicais dos
povos nativos, somadas às práticas instituídas na catequese ” (GUIMARÂES,
2011, p.17) foi um dos fatores que colaborou para o abrandamento da
comunicação entre os povos indígenas, africanos e europeus. Esse contato
teria resultado ao longo do tempo em variações populares próprias de um novo
mundo com novos cantos e novas expressões ritualísticas religiosas.
Sobre os povos africanos, a autora relata que:
Da enorme contribuição dos povos africanos aqui trazidos, destaca-se definitivamente a ação da música que até hoje se faz presente, a partir da ritualística devotada ao panteão de deuses diretamente ligados às forças da natureza. (...) A necessidade de os afrodescendentes manterem suas memórias, em contrapartida ao empenho da igreja em impor sua liturgia, santos e trindade, deu origem aos matizes sonoros que tanto marcam as características da nossa música. (...) Foi no seio de lutas culturais chegadas até nós pela via da resistência que se formou o grande manancial de manifestações, nas quais o canto é ao mesmo tempo testemunho histórico e transcedência do cotidiano. (GUIMARÃES, 2011, p.18 e 19)
66
Guimarães pondera que as ações de evangelização no novo mundo já
pretendiam incentivar o canto popular, valorizar e reverenciar as tradições
musicais dos povos encontrados .Tal procedimento teve como resultado a
gestação de um repertório de música popular religiosa inúmero e diversificado,
que se expressa por meio de “benditos, incelanças, encomendações de almas,
penitências, romances, xácaras, bailes pastoris, cheganças, reisados, rezas,
torés, xirés e giras” (GUIMARÃES, 2011, p.25).
Versando sobre o mesmo tema Heridan de Jesus Guterres Ferreira, no
artigo (Em)canto de santo: religiosidade e identidade no bumba meu boi do
Maranhão, entende que por meio do canto ritualístico a língua constitui-se em
forma de ação e de confronto ideológico entre o sujeito e o meio social. Para a
autora a língua é um elemento fundamental na formação do povo brasileiro e a
partir das manifestações populares, deixa de ser vista como um sistema
abstrato para demarcar novos espaços sociais:
Nas últimas décadas tem se intensificado estudos a respeito da identidade mestiça, focando-se principalmente, a questão dos valores identitários afrobrasileiros, que permeiam os sujeitos e suas relações no país, considerando-se para tanto, a contribuição do negro, do branco e do indígena na formação do povo brasileiro.Nessa perspectiva, leva-se em consideração alguns valores identitários, tais como a oralidade, a ancestralidade, a circularidade, entre outros que se manifestam nos usos e costumes do brasileiro, inclusive na cultura popular. (FERREIRA, 2012, p.3)
Christiane Caetano em Sonora Brasil, explica que são muitos os
festejos religiosos populares do Brasil. Observa-se que tais rituais são
realizados tanto em áreas urbanas metropolitanas quanto em áreas rurais
inóspitas. A autora destaca-se a festa do Divino Espírito Santo, no Maranhão,
que tem entre os seus elementos mais importantes as caixeiras, senhoras
devotas que cantam e tocam caixas acompanhando todas as etapas da
cerimônia (CAETANO, 2011, p.33). Outra festa mencionada na pesquisa é a
Comitiva de São Benedito que tem na música e na dança os instrumentos de
louvação ao santo, cuja prática é bastante comum em vários estados
brasileiros . Citam-se também as bandas de congo comuns no Espírito Santo
como a principal manifestação de tradição oral desse estado e que estão
relacionadas a São Sebastião, São Pedro, São Benedito e Nossa Senhora da
Penha. (CAETANO, 2011, p.48)
67
Lucrécio Araújo de Sá Junior, em Entre Logos, Ethos e Phatos: A
linguagem persuasiva, representativa e discursiva da religiosidade popular,
analisa as relações entre discurso, história e memória por meio dos cantos
religiosos que constituem a cultura popular. Para o autor:
Na religiosidade popular o canto é uma ferramenta linguística, concebida e procurada na medida em que os indivíduos põem em prática o imaginário social. (...) No campo das tradições religiosas os cantos são signos lingüísticos cujo significado e sentidos envolvem os sentimentos, as emoções,as crenças e os valores de todo um grupo. (SÀ JR, 2011, p.105).
Segundo Sá Jr., os cantos foram se desenvolvendo “de forma
periférica, longe dos centros eclesiais por meio de orações cantadas e
moldadas seguindo práticas e representações populares” que com o tempo
assumiram formas múltiplas (SÁ JR, 2011, p.106) . Os cantos religiosos
populares são usados com várias finalidades e reportam ao imaginário social,
comunicando-se por meio de uma “linguagem sobrecarregada de símbolos”
repletos de imagens e alegorias que tem possuem o poder de integrar os
devotos em comunidade.
2. APONTAMENTOS DIDÁTICOS
Daniel Torquarto de Lima e Paula Maria Fernandes da Silva, em O canto
às orixás: A presença feminina da religiosidade afrobrasileira nas canções,
abrem novos rumos para o debate sobre a importância do estudo sobre as
práticas religiosas populares. Os autores pontuam a necessidade de usar o
material coletado nessas pesquisas como elementos didáticos que possam
despertar o interesse dos estudantes pelas temáticas relacionadas à cultura e à
historia dos afrodescendentes.
Os autores entendem que a musicalidade dos terreiros de umbanda é
marcada pela herança africana e sugerem que esse repertório seja
transportado para a sala de aula:
O expressar dos sentimentos, dos valores e principalmente o trazer a tona elementos culturais, pode ser feito através das músicas; assim este estudo reflete sobre a utilização desse instrumento na sala de aula como recurso didático, ele pode ser utilizado em qualquer disciplina desde que haja um planejamento , para que a mesma não seja apenas para motivação de uma aula, mas que seja também um instrumento que desperte o estudante a interpretação da música baseado no
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conhecimento e na experiência de vida que ele já possui. (LIMA e SILVA, 2010, p.2)
Segundo Lima e Silva as linguagens alternativas, como a música e o
canto, têm sido usadas como importantes ferramentas didáticas. Esse é o
caso, por exemplo, do estudo da Musica Popular Brasileira (MPB) para a
compreensão do regime militar das décadas de 1960 e de 1970. Ampliar essa
prática pedagógica para o cenário das práticas religiosas indígenas e negras
possibilita reconhecer que a história possui páginas de opressão e
discriminação sobre essas etnias e que, dentre as formas de dominação e
exploração que negam e degradam a identidade étnica desses povos destaca-
se a discriminação religiosa. (LIMA E SILVA, 2012, p. 4)
3. OS CANTOS NA UMBANDA
A técnica de observação participante na Tenda de Umbanda Pai
Francisco, na cidade de Guarapuava (PR), ocorreu no dia 27 de abril de 2012,
as 14h, por ocasião de uma atividade complementar da disciplina de
Antropologia Cultural do Curso de Ciências Sociais, da Faculdade
Guarapuava. Participaram da atividade 24 acadêmicos orientados por duas
professoras do grupo de pesquisa em cultura e religiosidade afro-brasileira.
As observações permitiram o registro de atividades ritualísticas que se
realizam nos dias de sábado, durante o período da tarde, nas quais se reúnem
o chefe do terreiro ou pai de santo e os médiuns que recebem as entidades dos
caboclos, que são espíritos indígenas; dos pretos-velhos representados por
entidades afro-brasileiras e dos exus que envolvem a recepção de espíritos de
malandros, baianos, ciganos, boiadeiros e pombagiras.
O templo no qual se realizam os rituais de incorporação é de chão
batido, com bancos feitos de pequenas toras de madeira e possui um altar com
imagens e representações de orixás, santos, caboclos e exus masculinos e
femininos, além de pretos-velhos, pretas-velhas e anjos. O local onde ocorrem
as manifestações dessas entidades é separado dos participantes por uma
pequena cerca, cujo portão só pode ser transposto pelas pessoas convidadas
pelos médius ou pelo pai de santo.
69
3.1. Pontos de abertura
Em correspondência com o recorte proposto pela presente pesquisa, de
trabalhar com o repertório de cantos utilizados na umbanda, anotou-se durante
a observação ritualística que desde a abertura dos trabalhos, são usados os
cantos e que os mesmos reproduzem desde o primeiro momento o sincretismo
entre o candomblé pela menção aos orixás e o catolicismo quando menciona
o Pai Nosso, a Ave Maria, alguns santos cristãos e os anjos:
Salve o ponto de abertura/ Salve o terreiro povo de umbanda/ Bate a cabeça Ogum está chegando/ Salve o ponto / Pai Nosso / Ave Maria.
Salve o ponto de defumação/ Magia, mistério e umbanda/ Nossa Senhora defuma o seu altar/ Para seus reis, para seus filhos chegar/ Eu defumo a minha aldeia de caboclo/ Para o mal sair e só o bem entrar/ Ponto de defumação/ Defume todos um por um.
Vou firmar meu ponto/ Com fé em meus orixás/ Com arruda e
guiné/ E a licença de Oxalá/ Com arruda e guiné/ E a licença
de oxalá/ Corre a guia preto velho/ Seu povo vai trabalhar/ Com
a ajuda de rei congo no congá
Só firma ponto quem pode mandar/ Meu ponto é seguro da
mãe Iemanjá/ Só manda fogo quem pode mandar/ Meu fogo é
seguro meu pai Oxalá
Salve o ponto/ Salve Iansã/ Cheira a arruda e alecrim/ Cheira o incenso e a guiné/ Umbanda tem fundamento/ E preciso prepará/(...) Glória glória meu São Jorge/ Que não esquece de firmar/ Salve Jorge/ Salve anjo da guerra/ Salve seu ponto/ Salve Jorge.
O anjo da guarda bendito sejais/ Em nome de Deus seus filhos guardai
3.2. Cantos dos caboclos
Oi lá nas mata onde os “caboco” mora
Vestimenta de “caboco” é samambaia
só.
Os caboclos são entidades indígenas incorporadas durante os rituais da
umbanda. Sobre o vasto repertório de entidades que se manifestam nos
templos de umbanda Maria Helena Villas Bôas Concone diz que são
70
numerosíssimos os personagens que transitam por sua mitologia e cerimonial
(CONCONE, 2004, p.281).
Durante os trabalhos de observação ritualística pode-se perceber
através dos cantos o momento em que determinados caboclos incorporam e
passam a fazer parte do ritual. Percebe-se também que mesmo durante a
recepção das entidades indígenas ocorre o encontro com os orixás africanos e
com os santos cristãos.
Chama-se atenção para letras dos cantos populares repletas desse
sincretismo possível nos rituais da umbanda. Outra questão é a de como essas
figuras míticas correspondem ao que Concone (2004, p.284) denomina de
“mitos e símbolos fundantes da sociedade brasileira”.
Leiam-se trechos de canções entoadas pelos participantes do ritual
observado:
Salve os caboclos/ Salve os orixás / Quem manda lá nas matas é Oxossi caçador / Sete caboclos/ Sete Lanças/ Sete Flechas/ Firma seu ponto saravá meu pai Xangô/ Quem mandá lá nas matas é Oxóssi Caçador/ Firma seu ponto saravá meu pai Xangô.
Pena Branca chegou no terreiro/ Pena Branca chegou prá trabalhar/ Saravá Pena Branca no terreiro/ Saravá Pena Branca no Congá.
Salve caboclo Ubirajara/ Salve! / Que penacho é aquele/ É o penacho de arara/ Quando rompe a mata virgem/ É o caboclo Ubirajara/ Sou Ubirajara do peito de aço/ Piso no chão não importa embaraço.
Eu vi chover eu vi relampiar/ Mas mesmo assim o céu estava azul/ Firma seu ponto nas folhas de Jurema/ Que Oxóssi é dono do Maracatu.
Se chama Tupi e é um companheiro/ Trabalha lá na Aruanda/ E trabalha no terreiro
Salve o sol e salve a lua/ Salve São Sebastião/ Salve São Jorge Guerreiro/ Que nos deu a proteção.
Oxóssi e Pena Branca/ Passeavam naquela rua/ Mas olha que beleza o clarão da lua.
Em relação ao sincretismo podem ser destacados dos cantos acima, os
caboclos: Sete Lanças, Sete Flechas, Pena Branca, Ubirajara, Tupi e Jurema.
Entre os orixás são mencionados Oxóssi e Xangô. Do panteão de santos
71
católicos estão presentes nas cantorias São Sebastião e São Jorge. Essa
harmonia entre representações de religiosidades diversas é típica dos rituais de
umbanda por suas origens relacionadas ao candomblé, aos rituais indígenas,
ao espiritismo kardecista e ao catolicismo.
3.3. Cantos dos pretos velhos e das pretas velhas
Pretos velhos quando vem de Aruanda
Vem trazendo as leis de Umbanda.
Canto popular
Os pretos velhos e as pretas velhas são considerados figuras-chave da
umbanda e mito fundante da sociedade brasileira. Isso significa dizer que a
figura simbólica do preto velho, com os cabelos brancos, fumando seu
cachimbo, apoiado sobre a bengala ou o cajado faz parte do imaginário dos
tipos sociais brasileiros.
Os cantos curtos, entoados várias vezes durante os rituais,
reproduzem esse simbolismo:
Preto Velho que fuma cachimbo/ Preto velho que arrasta o pé/ Preto velho que vem de Aruanda/ Prá salvar seus filhos de fé.
Preta velha você não me engana/ Arruma sua saia com palha de cana/ E o cigarro que ela fuma... é de palha de Aruanda / E o cigarro que ela fuma... é de palha de Aruanda.
Durante a recepção dessas entidades vários cânticos são executados.
Por meio das letras percebe-se que é nesse momento do ritual que o
sincretismo religioso é menor e as crenças afro-brasileiras são predominantes:
Preto Velho, Preta Velha/ Vovô, vovó / Salve os pretos velhos/ Salve o povo de Angola/ Salve as tribos africanas.
Eu sou Manoel Jangadeiro/ Eu sou Manoel Jangadeiro/ Pai das crianças/ E chefe do terreiro.
Preto velho vem de Minas no caminho da fazenda/ Oi tem areia/ Oi tem areia
Eu confio em meus orixá/ Com arruda e com guiné/ E a ajuda com ajuda de Oxalá/ Vem pai João/ Vem mãe Maria/ Saravá santa senzala/ Salve o clarão do dia
Na minha terra não tem embaraço/ Chegou preto velho do peito de aço/ E o navio gritou no mar/ E a barca balancio/ Fala a língua preto velho/ Que eu quero falar nagô
72
Deve-se considerar também a questão sócio-espacial, no que diz
respeito aos pretos velhos e às pretas velhas é notável o número de
referências feitas aos países ou localidades tipicamente africanos:
Pai Joaquim, rei , rei/ Pai Joaquim, rei, á/ Pai Joaquim veio de
Angola/ Pai Joaquim veio de Angola / Rei lá.
Eu vou chamar Oxalá meu Congo/Que meu Congo vem/ O rei
Congo ajudar/ Congo rei Congo/ Congo chegou/ Congo
maravilha/ No terreiro saravá
Vovó tem sete saias/ A última saia tem mironga/ Vovó veio de
Angola/ prá salvar filhos de umbanda / Com seu patuá e sua
figa de guiné/ Vovó veio de Angola/ Prá salvar filhos da fé
Sobre a menção feita às entidades de outras religiões, como já foi dito,
elas são mais raras quando da incorporação dos pretos velhos e das pretas
velhas. Mesmo assim ainda puderam ser constatadas referências a São Jorge,
São Benedito e Nossa Senhora, nas manifestações cantadas em dois
momentos do ritual. Primeiramente durante a incorporação do rei Congo e
depois na despedida das entidades:
Piso na linha de Congo/ É de congo e de congá, aruê/ Piso na
linha de Congo/ Agora é que eu quero vê/ Viva congo, viva rei
Congo/ Viva Congo em ação/ Viva São Jorge Guerreiro/ Viva
São Sebastião
Já vai preto velho subindo pro céu/ Que nossa senhora lhe
cubra com seu véu/ O sino da igrejinha faz belem bem blom/ O
sino da igrejinha faz belem bem blom/ Deu meia noite o galo já
cantou/ Deu meia noite o galo já cantou/ Já vai preto velho
subindo pro céu.
3.4. Cantos dos exus
Senhora pombagira eu vou cantar em seu louvor
Na barra da sua saia corre água e nasce flor.
Canto popular
Ressalta-se ainda que a umbanda tem o poder de sacralizar tipos
sociais brasileiros contestadores e rebeldes que incorporam como exus. São
73
conhecidos nos centros de umbanda os malandros, os baianos, os boiadeiros,
os marinheiros e as pombagiras. São espíritos alegres e descontraídos que
bebem cachaça ou champagne; cantam, dançam e riem alto durante os rituais
revelando a face contestadora e contracultural da sua religiosidade
(CONCONE, 2004, p.285). Esse aspecto está relacionado à sua origem
religiosa simples e livre próprias dos terreiros de macumba usados pelos afro-
descendentes antes da oficialização da umbanda.
Na Tenda Pai Francisco os cantos para os exus masculinos são curtos e
repetidos várias vezes:
E na Bahia/ Ninguem pode cos baiano
Quebra coco rebenta sapucá/ Vamos todos sarava/ Quem não
pode com a mandinga/ Não carrega patuá
Me chamam de boiadeiro/ Boiadeiro eu não sou/ Eu sou
tocador de gado/ Boiadeiro é meu patrão
Notou-se durante a incorporação dos exus a predominância da recepção
das entidades femininas das pombagiras:
Arreda homem que ai vem mulher/ Arreda homem que ai vem
mulher / Ela é a pombagira rainha do candomblé/ Ela é pomba
gira a mulher de muita fé.
Deu um vento na roseira/ A roseira desfolhou/ é o vento do
saiote/ Da pombagira que chegou
Minha mãe é uma moça bonita demais/ Ela é ela é a pomba
gira de Umbanda.
Vem pomba gira/ Vem me ajudar/ Você é a rainha da umbanda/
Pomba gira da quimbanda/ Vem bailar.
Leia-se um dos cantos tradicionais da umbanda, gravados por cantores
de Música Popular Brasileira (MPB) como Rui Maurity e Angela Maria, entre
outros. O canto descreve uma das entidades mais populares da umbanda, a
pombagira cigana e foi entoado durante o ritual observado no momento de sua
incorporação por uma médium bastante jovem:
74
De vermelho e negro vestindo a noite o mistério trás/ De colar
de cor de brinco dourado a promessa faz/ Se é preciso ir você
pode ir peça o que quiser/ Mas, cuidado amigo ela é bonita, ela
é mulher.
(...) E nos cantos da rua/ Zombando, zombando, zombando
está/ Ela é Moça Bonita girando, girando, girando lá/ Oi girando
lá oiê/ Oi girando lá oiê/ Oi girando lá oiê/ Oi girando lá...
É evidente que o momento da “chegada” da pombagira cigana ao
terreiro é bastante esperado pelas pessoas que participam do ritual. Ela se
apresenta como uma entidade alegre e predisposta a atender pessoas com
problemas amorosos. Uma das peculiaridades dessa entidade é ler a mão dos
consulentes, um costume cigano preservado pela umbanda.
Enquanto a pombagira lê a mão de algumas pessoas previamente
agendadas pelo pai de santo e outras aleatoriamente escolhidas pela entidade,
ouve-se repetidamente o canto:
Vim caminhando a pé para ver/ se encontrava pomba gira
cigana de fé/ Eu só queria saber onde mora/ Pombagira cigana
de fé/ Ela parou, leu a minha mão e me disse toda a verdade/
Eu só queria saber onde mora/ Pombagira cigana de fé.
A despedida faz-se por meio de um canto repetido duas ou três vezes
até que a entidade cigana abandone o corpo da médium:
Vai, vai moça bonita/ Vai, vai minha senhora/ Pombagira diz adeus/ Se despede e vai embora/ Vai pombagira/ Vai pombagira passear/ Numa estrada tão bonita/ Numa noite de luar.
3.5. Canto e resistência
Outra questão evidente no decorrer do processo ritualístico é a presença
da demanda, uma forma de devolução do mal feito ou desejado. Os cantos
feitos refletem esse papel das entidades. Tais características estão bem
marcadas em diversos momentos ritualísticos quando os cantos entoados e
repetidos transformam-se em enfrentamento:
Eu tenho sete espadas/ Eu tenho sete escudos/ Eu tenho sete flechas/ Que ganhei de Tranca Tudo/ Pra me defender contra todo o mal/ Depois de bem cortada/ Entregarei seu Beira Mar
75
Oi caboclo o que é que tu qué/ É pau de aroeira/ É pau de guiné / Eu quebro macumbeiro/ E o que vier.
Não estrague a mata que é de Oxóssi/ Não quebre a pedra que é de Xangô/ Não faz demanda prá filho de umbanda/ Porque nas matas tem gavião vencedor
Caboclo Quebra Pedra no terreiro ele chegou/ As vezes estou grande/ As vezes não estou/ Caô, Caô, Caô/ Quebra Pedra chegou/ No terreiro de Xangô/ Caô, Caô, Caô/ Sou quebra pedra/ Sou guerreiro de Xangô.
Umbanda sua rainha chegou/ Umbanda mais uma estrela
brilhou/ E a pombagira vem girar/ E a pombagira vem trabalhar/
Ela é demandeira/ Quando pisa na tronqueira/ Ela é justiceira/
Na encruza ela é guerreira
Meu pai Xangô está no remo/ Meu pai Xangô é orixá/ Olha seus filhos a pedir meu pai/ Justiça e paz nesse congá.
A representação das pombagiras, dos caboclos e dos orixás como
guerreiros, demandeiros e vencedores está relacionada a algumas
características que fazem com que os espíritos afro-índio-brasileiros sejam
vistos como defensores dos fiéis. Para Concone (2004, p.286-287) essas
características são a juventude, a força, a justiça, a capacidade de chefia, a
agitação e o movimento. Esses espíritos simbolizam a força, a liberdade, a
natureza, o poder e o paganismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir o artigo sobre o canto popular religioso nos rituais de
umbanda parece-nos bastante evidente que mesmo os leigos podem
compreender desde a primeira participação nesses rituais, por meio dos cantos
populares, a fertilidade do encontro entre os orixás africanos, os caboclos
indígenas, os santos e os anjos católicos e os espíritos do kardecismo.
Esse sincretismo das entidades e das crenças de povos diversos,
possibilitou o encontro de gentes de contextos sociais e de idéias divergentes.
Os rituais da umbanda promovem desde sua fundação a união de símbolos e
de pessoas que por alguns momentos, durante a celebração ritualística, são
irmanadas pelas emoções e sentimentos característicos dos centros de
umbanda.
76
A observação etnográfica realizada na Tenda Pai Francisco em
Guarapuava permite-nos afirmar que os cantos populares exercem um papel
fundamental em todos os momentos do ritual e que os mesmos servem de
ponte de compreensão sobre os papéis incorporados nos terreiros e os tipos
sociais consagrados pelos brasileiros, tão bem representados pelos pretos
velhos, pelas pretas velhas, pelos índios, boiadeiros, baianos, marinheiros,
malandros e pelas pombagiras.
A expectativa com relação ao presente estudo é a de que ele ofereça
contribuições simples, porém concretas, para ampliar as oportunidades de
ensino da história e da cultura dos povos afro-brasileiros e indígenas.
REFERÊNCIAS
CAETANO , Christiane. Sonora Brasil: Circuíto 2011/2012. Rio de Janeiro:
SESC, 2011.
CONCONE, Maria Helena Vilas Bôas. Caboclos e pretos-velhos da umbanda.
In. Encantaria Brasileira: O livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de
Janeiro, Pallas, 2004, p. 281-303
GUIMARÃES, Sônia. Sagrados mistérios. In: Sonora Brasil: Circuito
2011/2012. Rio de Janeiro: SESC, 2011.
PRANDI, Reginaldo. Encantaria Brasileira : O livro dos mestres, caboclos e
encantados. Editora Pallas, São Paulo, 2001
SITOGRAFIA
FERREIRA, Heridan de Jesus Guterres (org). (Em) canto de santo:
religiosidade e identidade no bumba meu boi do Maranhão. Disponível em:
http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a179.pdf. Acessado em 10
de maio de 2013.
SÁ Jr, Lucrécio Araújo de. Entre Logos, Ethos e Phatos: A linguagem
persuasiva, representativa e discursiva da religiosidade popular. 2011, p. 105-
114. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/Vivencia/sumarios/38. Acessado
em 07 de junho de 2013.
77
CURRÍCULO E FORMAÇÃO: UM BREVE RELATO SOBRE AS
CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DO CURRÍCULO, OS DESAFIOS DA
FORMAÇÃO DOCENTE E OS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
RAFAEL MORGENTALE DISCONZI8
RESUMO: O presente artigo está dividido em três partes: a primeira relata o estudo da sociologia do currículo, elucidando sua importância como instrumento de mediação técnica e metodológica em busca de uma reflexão crítica de mundo. Entende-se que currículo não pode se preocupar somente com a organização do conteúdo, nem encará-lo de modo neutro e imparcial, mas como um artefato que produz ideologias, identidades e conhecimentos acerca de uma realidade social. A segunda parte corresponde aos desafios da formação dos profissionais de licenciatura, e a última se refere os princípios que regem a educação profissional, esta voltada exclusivamente para desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Será apresentado sugestões relevantes a partir da perspectiva dialética, que coaduna com abordagem de uma educação inclusiva, multicultural e sociocrítica das diferentes esferas que compõe a heterogeneidade societal.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Currículo, Formação Docente, Educação
Profissional.
INTRODUÇÃO
Dentro da consagrada Sociologia da Educação, criou-se um espaço para
discutir a importância do currículo no sistema escolar. Essa brecha ou vazio
encontrado começou no final dos anos sessenta, início dos anos setenta, com
os primeiros críticos chamados de teóricos da reprodução: Louis Althusser,
Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Establet e Baudelot como maiores
destaques. A partir dos trabalhos desenvolvidos, colocaram em pauta assuntos
como reprodução social, ideologia, poder e currículo entre outros.
8 Professor de Sociologia na Faculdade de Guarapuava - Departamento de Ciências Sociais e
da Rede Pública de Ensino do Paraná. Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais (PUCRS), Porto Alegre/RS. Pós-Graduado em Metodologia de Ensino em Sociologia (FACEL), Curitiba/PR. Mestrando em Ciências da Educação (UPAP), Assunção/Paraguai.
78
No primeiro momento, será discutido a sociologia da educação a partir
da intenção de trabalhar o currículo como forma político-cultural e o educador
como elemento decisivo neste processo. No momento que o educador escolhe
determinado assunto, conteúdos, informações, está selecionando segundo
uma visão de mundo, o que é importante que os educandos saibam, isto é, a
maneira de ver e entender as relações que se materializam no mundo está
impregnado de valores ideológicos. Qual Importância na seleção, organização
e transmissão de conhecimento escolar? Qual é o objetivo de discutir a
formação curricular na escola?
No segundo momento, um dos pontos centrais que elucidamos são os
cursos de formação dos profissionais de licenciatura, em relação aos
obstáculos encontrados referente à complexidade das novas configurações
sociais presente nos sistemas educacionais. Nesse sentido, entende-se que o
profissional docente tem o papel de intelectual transformador, contribuindo para
novas perspectivas de análise do saber-fazer e do fazer-saber. Nesse sentido,
os professores precisam ser estimulados ainda quando estudantes na sua
formação universitária a desenvolverem pesquisas, transformado-os em
pesquisadores-em-ação como denomina Henry Giroux.
E o terceiro e último assunto abordado nesse artigo, a reflexão sobre a
educação profissionalizante, sua proposta de integrar os estudantes a
diferentes perspectivas de trabalho, educação, ciência e tecnologia. Nesse
quesito, visa estabelecer conhecimentos específicos para aptidões necessárias
para atender a demanda das exigências do mundo do trabalho.
1. O PAPEL DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO
O currículo é visto como forma de política cultural, onde a cultura é
encarada como terreno fértil de conflitos e concepções que formam a vida
social. É na contradição cultural existente na sociedade que o currículo pode
ser uma ferramenta útil a ser aplicada como contestação e resistência das
relações assimétricas encontradas no interior do sistema de ensino.
79
A pedagogia radical e a pedagogia progressista trabalham com a ideia
de que a prática é inseparável da teoria ou a teoria é inseparável da prática.
Ambas trabalham com a perspectiva do conhecimento que resultam no
reconhecimento de grupos desfavorecidos, ao mesmo tempo, que estimulam
uma linguagem que contribui a inserção da escola numa nova esfera pública,
resgatando ideias de democracia, que defende o respeito as diferenças nos
mais diversos âmbitos, assim como a justiça social. A pedagogia radical
fornece subsídios para passagem da consciência ingênua para consciência
crítica, pois, transfere a forma de “classe de si” para “classe para si”.
Os educadores progressistas apontam para uma ruptura da situação de
opressão, que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, e estimulam
uma experiência prática para construção de uma nova ordem social. Ser
oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas
principalmente não ser respeitado em suas manifestações culturais. Quem
sofre essa condição, muitas vezes não percebe, e pior, considera-se como
condição “natural” a privação, a espoliação, a exclusão.
Se as ideias liberais constitui o pensamento fundante do sistema de
ensino moderno, Pierre Bourdieu (2011) salienta que tais características
descritas acima apresentam-se como arbitrário cultural (pedagógico), sendo
que estas diferenças correspondem obstáculos quanto ao sucesso escolar,
compreendidos como diferenças de capacidades, de um lado, estão os grupos
que dominam com facilidade o capital cultural presentes nos livros didáticos, na
escrita, na linguagem e nas expressões artísticas por exemplo, e do outro lado,
grupos que não possuem tais "capacidades", pois são oriundos de famílias
desprovidas de acúmulo de capital cultural. Segundo o autor, essa prática no
seio escolar, em última instância, resultaria uma polarização entre os
possuidores de "dons naturais" e os despossuídores, recaindo no plano
individual toda a justificativa do possível fracasso no aproveitamento escolar.
Assim, a instituição escolar, que em outros tempos acreditamos que
poderia introduzir uma forma de meritocracia ao privilegiar aptidões
individuais por oposição aos privilégios hereditários, tende a instaurar,
através da relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança
cultural, uma verdadeira nobreza de estado, cuja autoridade e
80
legitimidade são garantidas pelo título escolar. (BOURDIEU, 2008, p.
39)
Um dos papéis primordiais do currículo na escola como instituição
deveria ser de socialização, no seguinte sentido, promotora de ensinamentos
de humanização, autonomia, liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social,
respeito às diferenças, o que se vê é muitas vezes ao contrário, serve como
mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas
estritamente a geração de mão-de-obra necessária para mercado de trabalho.
É a partir desse propósito que os teóricos críticos da reprodução enxergam a
educação institucionalizada como reprodutora de desigualdades sociais.
O currículo não se constitui apenas de técnicas, instrumentos e
organização do conhecimento escolar, nem pode ser encarado de modo
amorfo, inodoro, imparcial e ingênuo. Passa a ser visto como conhecimento
implicado na produção de relação de poder no interior da escola, mas também
como contextualização histórica.
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado
em relações de poder, o currículo transmite visões sociais
particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais
e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e
atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e
contingentes de organização da sociedade e educação. (MOREIRA;
SILVA;1995b, p. 7-8)
No trabalho de Althusser (1983) A ideologia e os aparelhos ideológicos
do Estado, há uma clara preocupação com a questão da ideologia na
educação. Esse ensaio rompe com a perspectiva liberal da educação que
desinteressadamente envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão
de conhecimento é dirigida, intencional e formadora de opiniões através do
qual a classe dominante transfere suas ideias sobre o mundo, com o objetivo
de reprodução da estrutura social existente. A escola como uma das
instituições reprodutoras e mantenedoras da estrutura de classes tem o papel
de garantir o ensinamento de valores apropriados do capitalismo.
Parafraseando Moreira e Silva (1995b, p.23):
81
A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que
organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas
divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade
das ideias que veicula, mas o fato de que essas idéias são
interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos
interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na
organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos
pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição
privilegiada.
Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet e
Christian Baudelot e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola dualista,
realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais descobriram
que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos
membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da
classe trabalhadora9 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas
que coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se
alicerçam na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única
e universal, que ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma
“naturalização” das relações assimétricas entre classes que se afirmam na
base ideológica do liberalismo embasado na perspectiva que “todos são
iguais”, isto é, “todos gozariam das mesmas oportunidades”.
Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a
escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente
reproduzi-la.
(...) aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas
modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das
relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós
elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma
escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa
fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as
práticas escolares e o trabalho produtivo.
9 A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para
estudar; disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que complementam a
formação e educação escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores
escolas nem a complementação dos seus estudos, seja por conta da falta de recursos
financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada de trabalho, que os
obrigaria a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos paralelos.
82
Nos anos oitenta surgiu uma nova corrente de estudos educacionais,
intitulada de Nova Sociologia da Educação, que contribuiu de forma
significativa para o debate sobre o campo do currículo, com ênfase para o
papel da escola e o processo de seleção dos conteúdos culturais a serem
distribuídos, numa concepção crítica.
No artigo Cultura e Currículo, Alfredo Veiga-Neto (2002, p. 49) ressalta
as mudanças nas conjecturas na pós-modernidade, como os valores, questões
de gênero, etnia, política, economia e o próprio multiculturalismo. Faz uma
crítica a corrente metodológica ligada aos “velhos esquemas” baseados na
oposição binária, principalmente a temas envolvendo política e economia. De
acordo com Veiga-Neto a dialética materialista ligada ao culturalismo rompe
com a perspectiva reducionista que muitos autores a concebem10, pelo fato, de
associá-lo ao marxismo materialista mecanicista11 ligada a Escola de Moscou.
Os educadores críticos reprodutivistas apontam para uma ruptura da situação
de violência, que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, e
estimulam uma experiência de prática inovadora.
A escola deve ser vista como um espaço que proporcione a
possibilidade de escolha, de indagação, de decição, de duvidar, experimentar
hipóteses de ação. Não se pode conceber a escola como algo fechado,
estático, fixo e imutável, mas como ambiente aberto para sua construção e
reconstrução permanente.
No livro Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica
da aprendizagem, Henry Giroux (1997, p. 48) fala da prática do currículo oculto
muito comum nas escolas: "(...) inconscientemente podem acabar endossando
formas de desenvolvimento cognitivo que mais reforçam do que questionam as
formas existentes de opressão institucional." Nesse sentido, o currículo oculto
10
Houve dois nomes importantes que mudaram o caráter marxista na história: Gramsci e Lukasc. Eles demonstraram a importância da superestrutura na determinação dos fenômenos, isto é, mostraram diversas instâncias que influenciam na transformação da sociedade, como as ideias, a educação, a consciência de classes, as ideologias políticas entre outras. Neste sentido, os chamados marxistas culturalistas demonstram como fatores culturais podem mudar a infra-estrutura. 11
Também chamado de determinismo mecanicista, onde a infra-estrutura determina tudo, em outras palavras, não a nada que não decorra diretamente do plano econômico.
83
praticado muitas vezes pelos professores em salas de aula legitima o domínio
cultural a partir de certos discursos, desacredita e marginaliza outros.
2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ENTRAVES E DESAFIOS
De acordo com o livro Territórios Contestados, Antônio Flávio Moreira e
Tomaz Tadeu da Silva (1995a) citam Henry Giroux sobre a contribuição para
novas perspectivas de análise da formação de professores. Nesse sentido,
descreve a importância de que os cursos de licenciaturas formem professores
para atuarem como intelectuais transformadores e como pesquisadores-em-
ação. É relevante salientar a afirmativa de Freitas (1992) sobre os problemas
da formação de licenciados que não carecem de esforços teórico excepcional,
mas sim de “vontade política” para seu encaminhamento. Acrescenta, contudo,
que não se trata apenas de vontade pessoal, trata-se de circunstâncias que
impedem o desenvolvimento de certos projetos e a implementação de certas
práxis.
Um outro fato que merece destaque é trazida por Apple (1995) nas
discussões acerca da desqualificação sofrida pelos professores, identificada
como uma corrente crescente - a imposição de procedimentos de controle
técnico sobre os profissionais que atuam nas escolas.
Outra questão é o prestígio, status e a realização do trabalho docente,
este não está sendo valorizado como deveria, e com isso a classe vem
sofrendo profundos abalos. A própria condição salarial e de trabalho são
fatores desmotivantes para diminuição da procura por cursos de licenciaturas.
Segundo pesquisas, divulgadas durante o Seminário Remuneração do
Professor, Gestão e Qualidade da Educação12, realizado em São Paulo em
2007, é emblemático que “alunos de professores que participaram dos
chamados cursos de atualização não tiveram desempenho melhor do que
aqueles que assistiram às aulas de educadores que não fizeram os cursos”.
12
Fonte: http://aprendiz.uol.com.br/content/swoviclodr.mmp Acesso em 17/03/2012.
84
Neste ponto, o cientista político e sociólogo Simon Schwartzman relata que
“não podemos continuar reduzindo o problema da educação brasileira em
questões como salários, cursos de aperfeiçoamento ou uso de computador”. O
assunto é complexo e reacende o debate sobre a precariedade na qualidade
da educação em vários âmbitos no Brasil.
Isso é um dado surpreendente, porque se torna um sinônimo do que
Paulo Freire (1996, p. 25) disse: “ensinar não é apenas transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua construção”.
Muitos cursos de formação de docente seguiam a concepção tradicional
de pedagogia - a visão positivo-funcionalista de de Émile Durkheim (1978, p.
60) a educação significa “ação exercida por uma geração sobre a geração
seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”.Segue a prática do
reducionismo, do consenso, do fatalismo e da acomodação que não podem
mudar a ordem das coisas. A partir da obra freiriana Pedagogia da Indignação
(2000) citada na contracapa por Alípio Casali: “não se educa sem a capacidade
de se indignar diante das injustiças”, demonstra primeiramente a refutação
dessa ótica, segundo verifica-se a necessidade de outros elementos para
compreensão do fenômeno atual. Este último, uma possibilidade alternativa
frente a concepção que está impregnada desde o começo do século XX.
Parafraseando Veiga-Neto (2002, p. 48), “o ato de educar não envolve
um processo de colonização de mentes e corpos?” Como ensinar para outros
grupos sem impor a eles meus valores? Essas questões servem para refletir
sobre o conceito de aculturação muito debatido nas ciências sociais. O maior
problema é quando esse conceito ultrapassa atingindo o conceito de
inculcação cultural, onde há uma imposição clara de hábitos, regras, condutas,
valores, costumes como meio adequado de aprendizagem.
O trabalho docente não é definido apenas como atividade em sala de
aula, ele agora compreende gestão da escola no que se refere à
dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de
projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação.13
(OLIVEIRA, 2004, p. 1132)
13
No caso do Brasil ver especificamente os artigos 13 e 14 da LDB n° 9.394/96.
85
Uma maneira diferente de pensar o processo de ensino e aprendizagem
é a participação coletiva possibilita que aqueles educandos que são
economicamente e culturalmente desfavorecidos participem ativamente no
processo de produção. Assim como “intelectuais orgânicos” conceito
gramsciano, os grupos subordinados puderiam gerar seus “intelectuais”, os
alunos representantes de camadas menos abastadas poderiam formar seus
“próprios professores”, rompendo com a lacuna e o distanciamento deixado
pelas instituições que não reconhecem os direitos, entre eles o do processo da
cidadania. Em outras palavras, “esses professores” poderiam ajudar a criar as
condições necessárias para construção de instituições de educação popular,
como uma forma de educação cultural alternativa frente à exclusão e
desamparo que sofrem essas populações.
A palavra contra-hegemonia de expressão de Gramsci (1971) reforça a
lógica da crítica e oferece elementos para pensar na criação de novas relações
sociais e novos espaços públicos que materializam formas alternativas de
resistência, ou seja, funciona como meio de luta e negação diante dos
discursos e práticas dominantes. Nesse sentido:
A idéia de uma cultura comum (...). Envolve um exercício de
conceituação coletivo, de que participem todas as pessoas,
atuando ora como indivíduos, ora como grupos, num processo
contínuo, que jamais pode ser dado como pronto ou concluído.
Nesse processo coletivo, a única regra incondicional é manter
todos os canais e instituições de comunicação continuamente
abertos, para que todos possam contribuir e ser estimulado a
contribuir. (WILLIAMS, s.d., apud APPLE, 1982, p. 51)
Na produção do conhecimento coletivo, o pensar certo implica na
existência de sujeitos que pensam mediados por objetos sobre que incide o
próprio pensar dos sujeitos. É fundamental que na prática da formação
docente, o aprendiz de educador assuma que é indispensável pensar certo,
que isso não se adquire apenas de algumas situações ou leituras, mas na
produção em conjunto do professor e com o educando. Por isso, que o
professor está em permanentemente em formação. Nesse sentido, Giroux
(1997, p.239) citando Gramsci argumenta que “todo o professor é sempre um
aluno, e todo aluno, um professor”.
86
O processo de escolarização deveria ensinar aos estudantes a “ordem
objetiva das coisas”, segundo Herbert Marcuse (1982, p.142):
“(...) uma sociedade que mantém sua estrutura hierárquica
enquanto explora com eficiência cada vez maior os recursos
naturais e mentais e distribui os benefícios dessa exploração
em escala cada vez maior. Os limites dessa racionalidade e
sua força sinistra aparecem na escravização progressiva do
homem por um aparato produtor que perpetua a luta pela
existência, estendendo-o a uma luta total internacional que
arruína a vida dos que constroem e usam esse aparato”.
É preciso relatar que não há negação da importância que competem as
instituições de educação formal, mas tem um problema: os princípios
reprodutivos seguem uma perspectiva liberal. O alunado se torna refém dessa
lógica, porque está internalizando o pensamento da sociedade do consumo, o
individualismo exacerbado que dá significado e significância nas suas relações
sociais.
2.1 A docência pode ser caracterizada como um processo de
proletarização?
A pergunta é pertinente, pelo fato, que o processo educacional não cria
a divisão social do trabalho, mas ela tem o papel fundamental de produzir
indivíduos com características adequadas para esta divisão. Assim, a
escolarização fornece uma população dividida, isto é, produz por um lado
trabalhadores intelectuais, e por outro lado, trabalhadores manuais. Então, o
sistema educacional está contribuindo para produção de indivíduos com
características de socialização adequadas a divisão social do trabalho. A
educação é concebida com ferramenta necessária para responder a demanda
de formação de mão-de-obra.
Outro ponto contrastante corresponde as condições de trabalho:
O que vem sendo considerado um processo de precarização do
trabalho decorre da constatação de que é possível o crescimento
econômico sem ampliação do número de empregos, o que tem
contribuído para o acirramento das desigualdades sociais neste
87
começo do século. (POCHMANN, 1999 apud OLIVEIRA, 2004,
p.1138).
A discussão envolve o entendimento sobre o trabalho capitalista. Nesse
ponto, precisa-se expor a tese da proletarização - o processo que pelo qual um
grupo de trabalhadores perde, em diferentes graus maiores ou menores, o
controle sobre seus meios de produção, ou seja, a organização de suas
atividades e o objetivo de seu trabalho.
Partindo desse pressuposto, o trabalho do professor vem cada vez mais
perdendo autonomia, aumentando a especialização, fruto de uma maior divisão
social do trabalho. Nessa perspectiva o professor como qualquer outro
trabalhador vem sofrendo as conseqüências da intensificação e fragmentação
do processo de produção material da sociedade.
O trabalho docente está perdendo progressivamente até o poder de
decidir sobre o tempo de suas atividades, somente o professor pode ou poderia
decidir o tempo necessário para que a “turma X” precisa ou precise para
assimilar tal matéria, diferentemente da “turma Y” que tem ou teve mais
facilidade. Mas já vem pré-estabelecido na forma de disciplina, diretrizes,
horários, programas, normas de avaliação, etc. A educação é uma forma de
condicionamento, mas não pode ser imposto de forma anti-reflexiva, como
sustenta a pedagogia tradicional, e ninguém melhor que o educador para
avaliar qual é a melhor maneira de realização do seu trabalho.
O professor precisa romper com a concepção da escola como empresa,
que tem objetivo de formar o aluno somente como valor de troca, como mero
instrumento de lucro a serviço do capital.
3. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: OBJETIVOS E PRINCÍPIOS
As mudanças drásticas pelas quais vem passando o mundo,
intensificado pela globalização (entre o local e global), nas últimas décadas
produziram transformações na prática social e no trabalho. O sistema
88
educacional brasileiro está buscando reformas que contemple a adequação às
novas exigências do mundo competitivo.
O ensino médio, que corresponde à educação secundária superior, é a
grande questão de debates atualmente na educação. Que formação está
sendo estabelecida entre a educação geral e a educação profissional? Como
conciliar os objetivos de preparação de visão crítica que envolve os estudos
entre o mundo do trabalho e desenvolvimento pessoal?
Em 1996, o Brasil aprovou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a
Lei N° 9.394, também conhecida como Lei Darcy Ribeiro. Ela consiste três
níveis14 para educação: Básico, Técnico e o Tecnológico. O primeiro
estabelece a modalidade de educação não-formal, ou seja, independe da
escolaridade prévia. O segundo, destinados a jovens e adultos que estejam
cursando ou tenham concluído o ensino médio. E o terceiro, destinado à
formação superior, tanto de graduação como de pós-graduação.
Segundo Filho15 (1999, p. 2) define a educação profissionalizante:
A educação profissional tem como objetivos não só a formação de
técnicos de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a
reprofissionalização para trabalhadores com qualquer escolaridade, a
atualização tecnológica permanente e a habilitação nos níveis médio
e superior. A educação profissional deve levar ao “permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”.
Essa reformulação da educação profissional veio a ser adotada a partir
de modelos já existentes, como a educação secundária implementada na
Argentina e Israel. Essa reinstrumentalização da educação profissionalizante
tem uma função primordial: atender os interesses de diversos setores da
economia, especificamente, de qualificar a mão-de-obra nacional.
O marco curricular estabelece conteúdos, orientações e metodologias a
ser trabalhadas, quanto aos objetivos16:
14
Algumas bibliografias descrevem apenas dois níveis: a educação básica e a educação superior, pelo fato, a primeira incorpora o nível básico e técnico, e a segunda o nível tecnológico correspondendo à formação superior. 15
Rui Leite Berger Filho é Secretário de Educação Média e Tecnológica, Ministério da Educação, Brasil. 16
Assinalamos somente três pontos que achamos relevantes para nossa discussão.
89
- Currículos baseados em competências requeridas para o exercício
profissional.
- A prática profissional constitui e organiza o desenvolvimento curricular.
- Oferta de cursos sintonizada com as demandas do mercado, dos cidadãos e
da sociedade.
Percebemos que ensino técnico não se propõe formar indivíduos críticos
diante das relações de trabalhos, mas de adaptá-los ao sistema bem numa
visão funcionalista durkheimiana de integração social. Para promover uma
mudança qualitativamente diferente na educação, educador e educadora
precisam romper com a concepção da escola como empresa, que tem objetivo
de formar indivíduos somente como valor de troca, como fossem meros
instrumentos de lucro a serviço do capital.
Nessa perspectiva, a escola, ao invés de servir para aplainar
diferencias sociais e compensar desvantagens de nascimentos, como
pretende a ideologia liberal, estaria diretamente implicada na
reprodução das desigualdades sociais estabelecidas por uma
organização econômica cuja lógica consiste exatamente em manter
uma sociedade de classes. A partir dessa ideia básica, tem-se
tentado explicar muitas e variadas características do sistema
educacional por seus vínculos com certas das necessidades do
sistema capitalista. (SILVA, 1992, p. 174)
O ensino educacional formal tem uma função sócio-política e
multicultural de formação, mas na prática é utilizada como mecanismo de
homogeneização histórica que reproduzem e mantém valores e normas
dominantes.
Segundo o livro Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire
(1973, p.15) aborda:
Não existe um processo educacional neutro. A educação ou funciona
como instrumento usado para facilitar a integração da geração mais
jovem na lógica do sistema atual e trazer conformidade à mesma, ou
então torna-se a “prática da liberdade” – o meio através do qual
homens e mulheres lidam crítica e criticamente com a realidade e
descobrem como participar da transformação de seu mundo.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A possibilidade de reconstruir a educação como “educação crítica”,
implica numa ampliação na sua representação nas esferas públicas. Essa
questão surgiria a partir da politização da educação, na reivindicação de
classes populares, de diversos movimentos sociais por políticas públicas
inclusivas17, com objetivo que reparassem as desigualdades historicamente
produzidas. A educação é um campo de luta, de disputas intermináveis, por
mexer nos privilégios de uma pequena minoria da sociedade, em detrimento de
uma grande maioria espoliada sócio-político-economicamente, quase ou sem
chances de poder ter um ensino de qualidade. O estudo do currículo propicia
um olhar mais apurado da realidade que nos cercam, ao mesmo tempo,
servindo de instrumento de ação transformadora para uma nova ordem
qualitativa de aprendizagem.
Quanto aos cursos de formação docente, enfatizamos que as mudanças
na licenciatura que se fazem necessárias não podem ser refletidas sem a
noção a uma política mais ampla na qual educação e educadores recebam
outro tratamento. Algumas questões desafiadoras destacamos entre elas:
ensino e pesquisa, teoria e prática, qualidade de trabalho, compromisso e
responsabilidade social.
E por último, a educação profissionalizante apresenta interesses bem
dirigidos, de promover conhecimentos específicos para os estudantes, este por
sua vez corresponde quase exclusivamente a segmentos ligados à economia.
A observação que façamos corresponde ao ensino ministrado, pois não pode
ser encarado como uma mercadoria, muito menos os indivíduos que nela
atuam, contemplados por currículos que objetivam somente a visão
tecnocráticas e corporativista. Finalizando, então, não se pode dissociar a
reflexão crítica sobre o currículo da formação docente e da educação
profissionalizante.
_______________________________________________________________
17
É a questão das cotas raciais e do programa Prouni que são alvos de grandes discussões em torno do assunto.
91
REFERÊNCIAS
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ideológicos de estado; trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de
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92
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http://aprendiz.uol.com.br/content/swoviclodr.mmp. Acessado em 17 de março de
2012.
93
RESUMOS EXPANDIDOS
94
A “PRIMAVERA DAS MULHERES”: FEMINISMO E RELIGIOSIDADE EM
GUARAPUAVA
KARINA DE FATIMA BOCHNIA
Orientadora: Profª.Dra. Rosemeri Moreira
Ciências Sociais-FG
PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Mulheres. Religiosidade. Feminismo.
A presente pesquisa sobre o Movimento Mulheres da Primavera - MMP,
surgido no Bairro Primavera na cidade de Guarapuava, permite analisar a
construção e a configuração do primeiro movimento de mulheres,
declaradamente feminista, na cidade de Guarapuava, PR.
O MMP surgiu no ano de 2002, inserido num projeto da Paróquia Nossa
Senhora de Fátima da Igreja Católica, vinculado a necessidade da participação
dos católicos na vida política do município. No ano de 2009 foi
eleita, pelo PHS (Partido Humanista da Solidariedade) uma das integrantes do
MMP como vereadora da cidade de Guarapuava. Em 2012, essa mesma
vereadora Eva Schran de Lima tornou-se vice-prefeita da cidade. Fato inédito
na política local.
É Importante assinalar que o MMP constituído atualmente por
aproximadamente trinta mulheres é o primeiro movimento de mulheres a
declarar-se Feminista na região e a filiar-se ao movimento internacional
denominado Marcha Mundial das Mulheres. E que mesmo nos
grupos ditos de esquerda da região, não existe uma identificação imediata com
o feminismo. Como é o caso do PT local, por exemplo, que não se utiliza do
termo feminista, preferindo o termo “mulheres do PT”.
Dessa forma, a implicação política do uso do termo feminista por parte
de um movimento social de mulheres, principalmente por estarem vinculadas a
Igreja Católica, por si só já nos coloca questões para uma análise histórica e
sociológica.
A pesquisa em torno do MMP torna-se necessária na medida em que se
95
fazem os seguintes questionamentos: Em que medida as reivindicações e
estratégias do MMP são feministas? Sob qual patamar ideológico se deu a
configuração inicial do MMP? Qual é a relação do MMP estabelecida com
outros grupos políticos organizados de mulheres, principalmente os grupos de
ditos de esquerda? De que forma, e sob quais experiências, se deu a
construção das participantes do MMP como sujeitos políticos? Qual a
importância da MMP na configuração política e religiosa local?
Essas questões permitem a análise de como se formam as identidades
coletivas. Além disso permite também aprofundar as representações, locais em
termos políticos e religiosos, sobre as configurações e identidades de gênero.
Ainda em termos políticos, a pesquisa propicia a discussão sobre as recusas e
aceitações do termo Feminismo na cultura política local. Nessa perspectiva, a
análise do MMP nos permitirá investigar a construção do movimento; as suas
formas de organização; e a ação das mulheres como sujeitos políticos na
cidade de Guarapuava.
1. ABORDAGEM DA TEORIA
Ao definir a categoria “mulheres” é necessário identificar historicamente o
processo ao qual levou a compreensão da categoria em quanto sujeitos
possuidores de uma identidade própria e suas relações construídas
culturalmente.
A historiadora Joana Pedro apresenta em uma análise didática as lutas
feministas e o papel das mulheres na história definindo o debate atual sob a
perspectiva de “gênero”. Para dar embasamento a essa pesquisa é
imprescindível a compreensão do papel dos movimentos feministas, da
formação da identidade na categoria “mulher “e a perspectiva de gênero,
enquanto categoria de análise, na reflexão do sujeito em relação a cultura.
Segundo a historiadora Joana Pedro:
Afinal, do que estamos falando quando dizemos “relações de Gênero”? estamos nos referindo a uma categoria de análise, da mesma forma quando falamos de classe, raça/etnia, geração.” (PEDRO, 2000, p. 3)
96
O Movimento Feminista, destacado pela historiadora Joana Pedro, pelo
viés de uma nomenclatura mais tradicional, teve diversas fases divididas em
ondas. Na “primeira onda', durante o século XIX e início do século XX, o
movimento focou sua reinvindicações em favor dos direitos políticos; como
votar e ser eleita; e dos direitos sociais e econômicos como o de trabalho
remunerado, estudo, propriedade e herança. Será na chamada “segunda onda”
que a categoria “gênero” é criada: “Foi justamente na chamada “segunda onda”
que a categoria “Gênero” foi criada, como tributária das lutas do feminismo e do
Movimento de mulheres.” (pág.3)
Até esse momento utilizava-se a categoria “mulher”, pensada
justamente em contraposição a palavra “homem” palavra considerada universal
o que é considerado comum em nossa fala ou escrita ao nos referirmos a um
grupo de pessoas usarmos o plural masculino, o questionamento desse
movimento feminista se dava no sentido de que o universal na sociedade era
considerado masculino, e quando eram nomeadas pelo masculino não sentiam
se incluídas. “Assim, era como “Mulher” que elas reafirmavam uma Identidade,
separada da de “Homem” (pág. 4)
Dessa forma, optaram por realizar grupos de reflexão composto
somente por mulheres, pois a presença de homens nas reuniões inibia
palavras e iniciativas das mulheres, as quais nessas reuniões narravam a
maneira como tinham sido criadas, percebendo o que acontecia
individualmente com cada uma dentro de um contexto amplo.
Nesta pesquisa o uso de gênero como categoria analítica corresponde
aos pressupostos defendidos pela Historiadora Joan Scott que assinala que
sua definição de “gênero” divide-se em duas partes que estão inter-
relacionadas, mas, que devem ser diferenciadas: A primeira é que
gênero é um elemento que se constitui em relações sociais baseadas nas
diferenças percebidas entre os sexos. A segunda é que gênero seria
uma primeira forma de dar significado a relações de poder. Esta categoria
implica ainda em quatro elementos que estão inter-relacionados, em primeiro
estariam os símbolos construídos culturalmente, um exemplo seria o de Eva e
Maria baseados na religião cristã ocidental. (SCOTT, Joan W. 1990, p. 86); o
97
segundo seriam conceitos normativos que expressam interpretações dos
significados e símbolos que estão presentes em doutrinas e que afirmam
categoricamente e inequivocamente o significado de masculino e feminino, na
qual chama a atenção para o perigo de posições dominantes que declararem-
se como únicas possíveis. (SCOTT, p. 86); o terceiro aspecto sobre as ralações
de gênero consiste em o pesquisador descobrir a natureza do debate ou da
repressão que leva a aparência de uma permanência que escapa do tempo na
representação binária de gênero, incluindo uma concepção política
referenciando a instituição ou a organização social. Scott chama a atenção
neste terceiro aspecto, ao fato de não se trabalhar gênero em uma categoria
específica de parentesco, mas demonstrar também as categorias econômicas
e políticas presentes ( SCOTT, p.. 87); o quarto e último elemento está
relacionado a identidade subjetiva de gênero na qual o pesquisador deve
examinar as formas as quais as identidades genereficadas são
substantivamente construídas, nas quais o pesquisador deve ainda, relacionar
seus achados com toda uma série de atividades, organizações e
representações sociais historicamente específicas. (SCOTT, pág. 88)
Sob essas circunstâncias, a autora destaca que:
A primeira parte da minha definição de gênero, então, é composta desses quatro elementos e nenhum dentre eles pode operar sem os outros. No entanto eles não operam simultaneamente, como se fosse um simples reflexo do outro. (SCOTT, 1990, p. 88)
Faz-se necessário o pesquisador analisar as relações que se encaminham
nesses quatro aspectos. Dessa maneira, Gênero enquanto categoria de análise
propõe uma transformação sob a perceptiva do conhecimento tradicional,
acrescentando novos temas e incluindo novos discursos no sentido de analisar
a natureza dessas relações.
2. FONTE E DESCRIÇÃO DA POPULAÇÃO
O MMP do Bairro Primavera, consiste em uma organização de mulheres
que reúnem –se quinzenalmente para discutir assuntos pertinentes a realidade
98
social em que estão inseridas, tanto econômicas quanto sociais e políticas. O
objetivo do movimento é promover a emancipação das mulheres nas esferas
financeira, emocional e política, com foco no equilíbrio de Gênero na sociedade
Além de promoverem uma vez por ano a romaria da mulher a partir de temas
que focam a participação da mulher nos espaços sociais como exemplo o tema
da romaria deste ano de 2012 que foi: Participação política das mulheres,
autonomia financeira feminina e combate da violência contra as mulheres.
O bairro primavera localiza-se nas margens BR 277 com a PR 466 na
entrada da cidade de Guarapuava, sendo um espaço delimitado pelo parque
das araucárias e o rio xarquinho além das residências de classe média em
geral a economia do bairro concentra-se no comercio em geral e
principalmente pelo comércio de peças e utilidades de carros e caminhões pelo
fato de localizar-se na rodovia.Possui ainda um posto de saúde municipal que
atende a comunidade, 4 igrejas sendo uma católica e 3 evangélicas e 4 escolas
sendo uma estadual e 3 municipais. A população do bairro segundo o último
censo realizado pela igreja católica em 2011 era de 12.000 habitantes.
Portanto as mulheres que participam do MMP vem em geral da classe
média e tem profissões diferenciadas entre elas encontram-se as seguintes
profissões: advogadas, assistentes sociais, professoras, secretárias, donas de
casa, domésticas entre outras, as mulheres que participam do movimento
possuem idade entre 15 e 60 anos, também possuem raça/etnia diferenciada
entre elas existem negras, branca e pardas.
A construção do movimento, suas estratégias e reivindicações serão
analisadas através das atas e entrevistas flexíveis realizadas de forma
qualitativa, com no máximo cinco mulheres. Nessa perspectiva, as entrevistas
serão encaminhadas através de diálogos e de forma livre, convidando as
entrevistadas a falar sobre o assunto de interesse comum.
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modernismo”. Cadernos Pagu, n. 11, 1998. PP. 11-42.
99
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<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11687/10988>
acesso 14/04/2013.
100
A EXPRESSIVIDADE POLITICA DOS POVOS DO CAMPO FRENTE AO
SISTEMA ESCOLAR NO MUNICIPIO DE PINHAO (PR)
CARLOS DE JESUS LIMA
Ciências Sociais (FG)
“A cultura deve deixar de ser perfume e passar a ser feijão”
Tom Zé
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Liberdade. Igualdade. Sujeito. Direito.
Levado a pesquisar sobre as noções de justiça social numa justificação
filosófica para em seguida compreender as causas e condições de pessoas
mencionadas aqui como não citadinas, optei pela analise de cunho bibliográfico
e comparativo de entre os textos que me serviram de apoio como norte para
todos os assuntos abordados. A compreensão das categorizadas noções
pertinentes as ações coletivas como de política, cidadania, direito, sociedade,
comunidade e entre outros; levaram-me a ponderar por vezes a impossibilidade
de serem reconhecidos como cidadãos plenos todos aqueles que vivem a
margem do sistema – haja vista que a categoria cidadão pertence
conceitualmente às correlações cidade/cidadão. O camponês, portanto surge
como não citadino – ele pode não ser cidadão?
Segundo o filosofo grego Aristóteles (séc. IV AC), “Quem não pode fazer
parte de uma comunidade ou quem não precisa de nada, bastando-se a si
mesmo, não é parte de uma cidade, mas é fera ou Deus” (Poli. I, 2, 1253 a 27),
definindo assim, o homem como um ser que não pode efetivar-se senão dentre
os outros, isto é, a possibilidade de ser, do homem, permanece numa
comunidade de homens.
Pela clássica definição de política, tomada aqui a partir de Aristóteles, ou
seja, partindo da idéia de que em algum momento e lugar ocorre originariamente
entre dois e/ou mais seres uma relação, um “combinado” (que em algum sentido
daí para diante os envolvidos vão passando a ser, de certo modo, sócios, como
na amizade ou num casal de namorados, por exemplo), com necessidades
101
razão, palavra – a capacidade divina no homem – passando a formar
comunidade, vila, cidade. Compreende-se também a relação do termo cidadania
ao fundamento das comunidades, das cidades; do cidadão, do ser que é da
cidade – da política – sem a qual não se pode
ser. Não ser cidadão, é o mesmo que não pertencer à cidade, ou melhor, à
comunidade de homens.
Aponta-se na direção que certamente tomaríamos, a titulo de exemplo,
dentre as mais variadas instancias sociais. A escola, portanto caracterizada
como simples reprodutora da ordem presente. Nunca transformadora.
Dado que a ordem social aqui se presta como construto de relações
humanas – nos remetendo a autores como Hobbes, Locke e Rousseau, na
medida em que podemos resgatar idéias referentes ao contrato social –,
referente a um bem e, portanto, caracterizando um bem quando relacionado a
alguma finalidade.
Segundo o professor Bernardo Mançano Fernandes (SEED, p15), temos
“três distintos modelos de interpretação do campesinato”. Fica difícil conceber
uma via de ação sem que antes saibamos definir com clareza o objeto de
nossas ações. Devemos ter em mente que por mais diferentes que sejam entre
si, os paradigmas em questão, permanecem numa lógica sistemática associada
à idéia de capital. O camponês por certo sofre a ameaça de extinguir-se devido à
impossibilidade de sustentar-se fora da lógica capital-industrial (fim do
campesinato). Por outro lado, o camponês requerendo (num processo de
resistência) sua permanência e luta diante da lógica capital-industrial que
precisaria também da produção de bens do camponês – perspectiva que
compreende um estado de crise permanente do sistema capitalista na medida
em que a própria crise faz com que o sistema evolua: 1)pelo arrendamento; 2)
pelo financiamento de terras; 3) e pela própria ocupação; – permanentemente
destruindo e (dando origem a resistências) recriando o campesinato (fim do fim
do campesinato). Numa terceira possibilidade, o camponês se transformaria em
agricultor familiar devido ao processo de desenvolvimento da sociedade como
102
um todo – permanece neste caso uma dualidade: camponês/atrasado –
agricultor familiar/modernizado (metamorfose do campesinato);
Retomando a concepção filosófica de Aristóteles onde, “Quem não pode
fazer parte de uma comunidade ou quem não precisa de nada, bastando-se a si
mesmo, não é parte de uma cidade, mas é fera ou Deus” (Poli. I, 2, 1253 a 27),
concomitante às noções paradigmáticas expostas pelo professor Fernandes,
observamos claramente a figura do camponês como de O excluído, do sistema
vigente. Não faz parte de uma cidade. Não mora nem participa de um sistema
citadino. Classificado como bruto compreender-se-á numa exclusão que é
ideologicamente naturalizada, ou seja, para ser e pertencer como um cidadão,
só lhe resta dobrar-se ao sistema vigente ou lutar contra (empreendida como
necessidade dicotômica) – deixar de ser camponês porque é preciso? Tornar-se
camponês porque é preciso?
Se o ato de tornar-
–
pelo pacto social ou mesmo pela relação entre sujeitos que se dão a reconhecer
numa comunidade, como ocorre na seara dos movimentos sociais, resultando
em ações políticas legitimas na medida em que constituem uma determinada
ordem social – pelo saber conviver entre membros e, ao mesmo tempo, pelos
objetivos comuns pelos quais lutam e constituem seus grupos organizados.
Desses grupos, portanto partem as reivindicações expressivas de uma
população insatisfeita porque se reconhecem na margem de um sistema
excludente e identificam-se pelo pertencimento que lhes foi negado – forçando-
os a uma outra posição de existência frente a um dado sistema.
Quem são eles? “Joaquim, homem de meia idade, importante sujeito e
apoiador de minha pesquisa (...) Posseiro, ele tem uma historia peculiar de
inserção no município, que nos remete às tramas do conflito fundiário lá
ocorrido” (AYOUB, 2011, p 9) – muito de emblemático envolve a historia do
município de Pinhão. Observamos características peculiares do sistema escolar
nesse município que, em particular através do Projeto Político Pedagógico (PPP)
do Colégio Estadual do Campo São José, “A Casa Escolar São José iniciou seus
serviços estudantis em 1954 e era de caráter particular de propriedade das
103
Indústrias João Jose Zattar” (2011, p 13). São evidenciados na identidade de
alunos que como filhos e ou netos de pessoas que participaram de conflitos,
tornam-se o grande numero do publico dessas escolas.
A educação surge, apesar de muito já avançado em relação às
paradigmáticas noções sobre os povos do campo, ainda refém da sistemática
externa aos interesses do ser humano feito aluno – transformar-se o humano
numa ferramenta, é a lógica do sistema cujo ponto de referencia é o
capital/industrial.
Uma coisa que se torna inegável pela natureza do próprio direito, ou seja,
para ser direito tem de ser legitimado, ou seja, de alguma forma tem de ser
escrito para ser lei. Se não estiver escrito, o direito por certo não existirá – a
lógica das construções normativas nos permite afirmar ainda, que se o direito
pertencer a quem possui determinado bem – quem não o possui não terá
direitos. O sem terra, portanto não tem direito a terra... Conclusão um tanto obvia
pela lógica, mas estranha por se tratar de sujeitos humanos que se supõem
iguais perante a lei.
Apesar de estranho, os movimentos sociais compõem-se de sujeitos que
vivem a margens do direito, da cidade, do sistema, etc.
(“constituídos/instituidos”)– justamente por isto se legitima a luta para que sejam
incluídos. Deve-se observar a quem a escola do campo servirá: reproduzindo um
sistema carregado de condicionantes que excluem e vem mantendo excluídos,
ou, torna-se diferente – como escola orgânica que vive a vida de seus membros:
os alunos.
REFERÊNCIAS
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um conflito fundiário no interior do Paraná - Curitiba 2011 (Dissertação de
Mestrado)
CREMONESE, Dejalma. Teoria política – Ijuí : Ed. Unijuí, 2008. – 220 p. –
(Coleção educação a distância. Série livro- texto).
104
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado
eclesiástico e civil; 3. ed. – São Paulo : Abril Cultural, 1983.
MONTEIRO,Nilson. Madeira de lei: uma crônica da vida e obra de Miguel
Zattar – Curitiba: Edição do autor, 2008.
NICOLA, Abbagnano; Dicionário de Filosofia – t. Alfredo Bosi; 4ª ed. São
Paulo: Martins Fontes 2000.
PRADO JUNIOR, Caio; O que é: liberdade, justiça, direito – São Paulo – Circulo
do Livro, 1994, 188 p.
SITOGRAFIA
ROSA, Graziela Rinaldi da. Conhecendo maneiras de pensar gênero na
filosofia de Portugal. Rev. Estud. Fem. [online]. 2008, vol.16, n.1, pp. 249-252.
ISSN 0104-026X. in: http://www.scielo.br/pdf/ref/v16n1/a23v16n1.pdf de
12/10/2011.
RIBEIRO, Renato Janine. Filosofia, ação e filosofia política. Rev. bras. Ci.
Soc., São Paulo, v. 13, n. 36, Feb. 1998. Disponível em : Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php. Accessado em 12 de outubro de 2011.
OUTRAS FONTES
SEED/PR. Cadernos Temáticos: educação do campo/Paraná. Superintendência
da educação. Departamento de Ensino Fundamental. – Curitiba: SEED-PR,
2008. – 75vp.
105
A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: ESTUDO
DE CASO NO MUNICÍPIO DE NOVA LARANJEIRAS(PR)
ELISEU CHUSCA
Ciências Sociais- FG
PALAVRAS-CHAVE: Inclusão. Escola. Deficiências. Educação. Sociedade.
Este resumo tem por objetivo apresentar uma breve discussão sobre a
inclusão de alunos portadores de deficiência no município de Nova Laranjeira.
O conceito de deficiência formou-se ao longo da historia, e foi influenciado por
diversas culturas, que deu significados diferentes de acordo com seu contexto.
No momento atual muito tem se falado sobre a problemática que envolve o
tema, mais ele só ganhou força após a declaração de Salamanca de 1994. A
qual preconizou a escola como sendo para todos, devendo adaptar seu espaço
estrutural, e seu currículo com o fim de prover ambiente integrado e sem
descriminação.
Para CARVALHO (2000) houve períodos que marcaram a concepção de
deficiência dentro do tempo histórico, segundo o autor na antiguidade os
deficientes eram vistos como demônios ou como portadores de poderes e dons
divinos. Fato que causa medo em alguns, e admiração de outros, serviços de
saúde nessa época era quase inexistente. Seguindo os escritos de Carvalho
que diz que a lei da hereditariedade de Mendel, as descobertas genéticas e os
testes de inteligência contribuíram negativamente para justificar a exclusão
escolar e social de muitas pessoas. Pensamento que só começou a mudar
opôs a I e II segunda guerra mundial, quando houve a necessidade de atender
e reabilitar os soldados que retornavam dos campos de batalha com graves
mutilações. O que chamou a atenção para o atendimento de outras pessoas
com deficiência. Sabe-se que a escola é fundamental para toda criança, e
ainda mais para quem possui alguma necessidade especial. Embora o termo
usado para referir-se as pessoas com necessidade especial seja muitas vezes
pejorativos não dando espaço para as possibilidades de melhora do individuo.
Para Tessaro (2005) “inclusão não implica desconsiderar a
diversidade/diferença, ao contrario, significa aceitar e reconhecer a diversidade
106
na vida e na sociedade,” precisa-se identificar cada individuo como um ser
único, com suas necessidades, desejos e vontades que lhe são própria de sua
unitariedade. O grande desafio da escola da educação de hoje é de criar um
ambiente que oportunize o acesso de toda a diversidade humana existente, o
ensino especial inclusivo é muito mais exigente que o ensino regular, a busca
de incluir o deficiente dentro do contexto escolar e social, com o fim de torná-
los sujeitos independentes e cidadãos participativos dentro do contexto social
de maneira igualitária deve ser a busca do profissional que trabalha com essa
problemática.
Esta pesquisa tem por objetivo abordar o tema da inclusão escolar no
município de Nova Laranjeira, com o propósito de verificar como se encontra a
inclusão no mesmo. Sendo que o referente município esta localizado no região
oeste do Paraná, a qual possui baixo nível IDH (índice de desenvolvimento
humano) sendo a região considerada a mais pobre do estado. Sua população
segundo dados do IBGE é de 11218 habitantes, esta a uma distancia de 418
km da capital Curitiba. A maioria de sua população reside na área rural do
município. Os primeiro contato feito com o secretario municipal de educação e
com uma professora que responsável pelo trabalho da inclusão no município
revelou que são 816 alunos matriculados na rede municipal de ensino, são três
escolas que possuem alunos inclusos atualmente, a secretaria municipal de
educação não possui um projeto político pedagógico (PPP) municipal, que
segundo a professora R, O PPP (projeto político pedagógico) e de
responsabilidade de cada escola, também não existe um levantamento de
dados sobre o numero do total de alunos inclusos.
A pesquisa presente pesquisa tem como objetivo abordar o tema da
inclusão escolar, em um município do interior, que supostamente possui pouca
estrutura e recursos. O desenvolvimento da pesquisa e da busca por
informações e levantamentos de dados serão embasados na pesquisa
bibliográfica com autores, como Vigostky, Carvalho, Mantoan e outros, alem de
entrevistas com três professoras experientes que estão trabalhando com a
inclusão no município. O qual pretende-se saber como se da a relação
professor aluno, quais as dificuldades em incluir o aluno com deficiência no
contexto escolar. E pra escola quais as dificuldades da inclusão será que
107
possibilita diagnosticar as dificuldades e limitações da ação pedagógica,
curricular na sala de aula.
Os problemas relacionados a inclusão do aluno com deficiência no
ensino regular, permeia um desafio a ser superado pela escola e professores.
A escola tem por propósito romper barreiras como o preconceito, rejeição, que
podem levar o deficiente ao isolamento do ambiente escolar e social. a escola
esta sendo desafiada a oferecer as condições necessária para que o incluso
se desenvolva o Maximo de sua potencialidade com dignidade e respeito de
cidadoa que o mesmo merece e tem direito.
REFERÊNCIAS
CARVALHO R. E. Integração e inclusão de que estamos falando? São
Paulo: Ed Memon, 1997.
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Editora Casa, 2003.
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deficiência Mental na escola regular. In: M. T. E. Mantoan (org.). A
integração de pessoas com 21deficiência: contribuições para uma reflexão
sobre o tema. São Paulo: Memnon, Editora SENAC, p.97-103.
MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Ser ou estar, eis a questão, explicando o
déficit intelectual, Rio de janeiro WVA, 1997.
MANTOAN, M.T.E. Compreendendo a deficiência mental: Novos caminhos
educacionais. São Paulo: Scipione, 1989.
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para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Ed. SENAC, 1997.
MAZZOTA, Marcos Jose Silveira. Educação especial no Brasil: Historia e
políticas publicas. 3. Ed são Paulo: Cortez, 2001.
MARCHESI, A. Da linguagem da deficiência, as escolas inclusivas. 2º Ed.
Porto Alegre: Artmed, 2004. Vol. 3.
MINISTERO DA EDUCACAO E CULTURA-MEC. N.1/1998, Educação
Especial. Cadernos da TV Escola.
MAZZOTTA, M.J.S. (2005). Educação Especial no Brasil História e
Políticas Públicas. 5ª ed. São Paulo: Cortez.
108
MOREIRA, A. F.; LINHARES, C.; e. Formação de Professores pensar e
fazer. 3ª ed. São Paulo: Cortez. (1995).
MOTTA, C. O. Por que a inclusão de alunos com necessidades educativas
especiais no ensino fundamental da rede publica? Rio de Janeiro:
Universidade Candido Mendes, 1999.
OLIVEIRA, Maria Helena Alcântara. Trabalho e deficiência mental:
perspctativas atuais. Brasília DF. Dupligrafica editora. 2003.
PESSOTI, I. Deficiência mental: da superstição a ciência. São Paulo: Ed. Da
Universidade de São Paulo, 1984
PADILHA, A. M. Lunardi. Práticas Pedagógicas na Educação Especial: a
capacidade de significar o mundo e a inserção do deficiente mental. 2º ed.
Campinas: FAPESP, 2005.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Educação profissional e emprego de pessoas
com deficiência mental pelo paradigma da inclusão. (org). Brasília, DF.
Dupligráfica Ed. 2003.
TESSARO, N.S. Inclusão Escolar Concepções de Professores e Alunos e
Especial da Educação Regular. São Paulo: Casa do Psicólogo. (2005).
VIGOSTSKY, L.S. (1988). Formação social da mente. São Paulo: Martins
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SITOGRAFIA
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
WWW.ibge.gov.br. Acessado em 21. Abril. 2013.
OUTRAS FONTES
BRASIL (2000). LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394/96.
Brasília: CORDE.
BRASIL. Constituição da Republica federativa do Brasil de 1988. Brasília:
Gráfica do Congresso Nacional, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 7.679, 02 de dezembro de 1999.
Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de
deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de
curso. D F, 1999. Seção 1 E, p. 20.
109
A TRADIÇÃO GAÚCHA E SUAS RAMIFICAÇÕES EM GUARAPUAVA
VALMIR JOSÉ JOCOSKI
Orientador: Prof. Ms. Ernando Brito Gonçalves
Ciências Sociais – FG
PALAVRAS-CHAVE: Tradição. Gaúchos. Cultura. Costumes. Sociedade.
Apesar de sua natureza espacial creditada ao povo que mora no estado
do Rio Grande do Sul, a cultura gaúcha faz parte da vida do povo de
Guarapuava, um município do Paraná, desde sua fundação no século XIX.
Pode-se fazer tal afirmação a partir de informações históricas sobre o
Município. Segundo a historiadora Gracita Gruber Marcondes a região ficou
conhecida como caminho das tropas e era passagem obrigatória das tropas
de gado que vinham do Rio Grande do Sul e seguiam para Sorocaba em São
Paulo. Através desse contato alguns moradores do lugar teriam assimilado e
adquirido costumes próprios da cultura gaúcha que era trazida pelos tropeiros
que por aqui passaram e também por aqueles que aqui se estabeleceram
devido às grandes e férteis áreas de pastagens que aqui existiam. Dessa
forma a cultura gaúcha foi sendo disseminada em toda a região.
Quando se ouve a palavra: “gaúcho” normalmente nos vem a memória
um homem tipicamente a caráter, usando botas, uma calca larga e um pedaço
de pano pendurado ao pescoço. Segundo o dicionário a palavra gaúcho
significa: “ habitante do campo, o cavaleiro hábil e valente que vive em contato
com a natureza e no trato do gado”.
Partindo desta definição podemos ter uma noção previa dos motivos
pelos quais a região de Guarapuava passou a ter uma forte influência da
cultura gaúcha. Historicamente falando a cidade teve e ainda continua tendo
um grande laço com essa cultura, pois basicamente desde sua formação teve
a influência do homem do campo que vivia exclusivamente do cultivo da terra
e do trato com o gado. A partir dessas práticas alguns costumes foram
introduzidos, fazendo com que o guarapuavano fosse considerado por muitos
estudiosos, um autentico gaúcho.
110
No quer diz respeito a pesquisa, em um primeiro plano devemos nos
ater a definição de cultura que segundo alguns autores pode ser definida
como um conjunto de bens materiais que caracterizam um determinado
agrupamento humano, como também pode ser compreendida como “um
conjunto complexo que inclui conhecimentos, artes, leis, crenças, moral,
costumes, enfim, tudo o que o homem adquire como membro de sua
comunidade” (LARAIA, 2003).
Entre os objetivos do trabalho está o de analisar e compreender a
influência que a cultura gaúcha mantém sobre algumas pessoas do local, pois
nota-se que vários habitantes da cidade aderiram aos costumes e as tradições
da cultura gaúcha mesmo não tendo nenhuma ligação ou contato com os rio-
grandenses ou com a sua cultura.
A partir desse contexto será feita uma abordagem teórica para
compreender as ramificações desta cultura. Serão utilizados referenciais de
Darci Ribeiro, Caroline Kraus Luvizoto, Roque de Barros Laraia e Gracita
Gruber Marcondes. Entre os métodos de pesquisa a serem utilizados estão o
método compreensivo do sociólogo Max Weber e o método de observação
participante com descrição por meio de diário de campo desenvolvido pelo
antropólogo Bronislaw Malinovski. Estes autores servirão de embasamento
teórico para o determinado estudo e sendo desta forma buscar-se á uma
melhor compreensão do referido tema.
Através desse estudo busca-se compreender as várias manifestações da
cultura gaúcha na região de Guarapuava. Um dos propósitos é a
compreensão das várias formas pelas quais se apresenta tal cultura, o que
aponta para a necessidade de uma pesquisa de campo bem elaborada que
permita entender a disseminação da cultura gaúcha e suas ramificações na
região de Guarapuava.
REFERÊNCIAS
LARAIA,Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
111
LUVIZOTO, Caroline Kraus. As tradições gaúchas e sua racionalização na
modernidade tardia. São Paulo : Cultura Acadêmica, 2010.l
MARCONDES, Gracita Gruber. Guarapuava: História de Luta e Trabalho.
Guarapuava:UNICENTRO,1998.
MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do Pacifico Ocidental. São
Paulo: Coleção os Pensadores, Editora Abril, 1988.
RIBEIRO, Darci. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das letras, 1997.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix,1968.
___.A ética protestante e o espírito do capitalismo.São Paulo:
Pioneira,1983.
___.Ação e relação social.In:FORACCHI, M. M., MARTINS, J. S.(Org.).
Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1978.
112
A FESTA DE COSME E DAMIÃO OU UM PASSEIO ENTRE O SAGRADO E
O PROFANO NOS TERREIROS DE UMBANDA
LUCIANE PIETRAS
Orientadora: Profª. Ms.Cerize Nascimento Gomes
Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio- brasileira
Ciências Sociais - FG
PALAVRAS-CHAVE: Umbanda. Religiosidade. Cultura. Educação. Inclusão.
São Cosme e São Damião
Cheira cravo, cheira rosa, cheira flor de laranjeira
Cantiga popular de louvação aos orixás
Os objetivos da pesquisa que está sendo proposta para a elaboração do
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, são os de investigar a religiosidade
afro-brasileira a partir de estudo de caso sobre a FESTA DE COSME E
DAMIÃO, promovida anualmente no mês de setembro, mais especificamente
no dia 27 de setembro pela Tenda de Umbanda Pai Francisco, localizada no
Bairro Trianon, na cidade de Guarapuava.
Sobre Cosme e Damião pode-se dizer que eles representam os Ibejí ou
Ibejís, orixás africanos que protegem as crianças e são conhecidos na
Umbanda como os orixás de amor e alegria. O sincretismo dos ibejis com os
santos católicos, Cosme e Damião, que viveram no oriente em 300 D.c, deve-
se ao fato de que eram gêmeos e foram médicos, não cobravam por seus
préstimos, tinham especial atenção com as crianças e curavam não somente
as pessoas, mas também os animais. Entre as suas principais qualidades
dentro dos templos de umbanda estão as de trazer a cura para doenças de
natureza diversa e amparar as crianças.
113
Junto aos pretos velhos e aos caboclos, as crianças formam o tripé da
Umbanda, revela Raimundo Nonato Ribeiro da Silva (SILVA, 2012). Segundo
ele, os domínios dos ibeijis são os parques, jardins e extensos gramados.
Sua cor é o rosa e os espíritos que trabalham sob a irradiação de Ibejís apesar
da forma frágil com que se apresentam, ou seja, como crianças, depois de
Oxalá são os únicos orixás que dominam totalmente a magia. O autor explica
que nas obrigações da umbanda aos Ibejís, são utilizadas velas cor de rosa,
flores com tonalidade rosa e sem os espinhos ou ainda brancas. Segundo ele,
também são usados doces como as cocadas, balas, pirulitos e fatias de bolo. A
bebida é a água pura ou misturada com mel e atualmente são ofertados
refrigerantes como o guaraná.
Os ibejis representam, segundo Sônia Guimarães, a necessidade dos
afrodescendentes manterem suas memórias, em contrapartida ao empenho da
Igreja em impor sua liturgia, seus santos e sua trindade. Para a autora, o povo
africano, em sua diáspora forçada, jamais cultuou os santos católicos em
detrimento aos seus orixás. (GUIMARÃES, 2011, p.18)
Sobre as festas e rituais da umbanda, a autora explica que :
O tempo nas festas e liturgias também são atualizações de eventos sagrados que se inscrevem em intervalos periódicos, instaurando a experiência sagrada na cotidianidade profana, propiciando o religare, a repetição do fato religioso de outrora (...). Portanto, o tempo sagrado atualiza-se nas festas, em qualquer tempo e em qualquer cultura. O ritual das festas aproxima o homem contemporâneo do acontecimento sagrado mítico anterior ao seu tempo, refazendo o mito no presente e o tornando primordial. (GUIMARÃES, 2011, p.12)
Os primeiros resultados da pesquisa sugerem que os rituais e as festas
da umbanda são praticamente desconhecidos na região de Guarapuava,
mesmo diante do expressivo número de centros de umbanda em atividade na
cidade. Estima-se num primeiro momento que mais de 15 tendas estejam em
funcionamento. A invisibilidade desses locais e dessas práticas sugere que os
umbandistas preferem permanecer anônimos. Esse anonimato é um indício de
que os adeptos da umbanda consideram que a identificação dos locais de
culto e das pessoas que participam dos rituais da umbanda pode gerar mal
estar e insegurança entre a comunidade umbandista.
114
Tal teoria promoveu o levantamento de algumas hipóteses relacionadas
ao exercício de discriminação religiosa, acompanhada de falta de tolerância e
do uso de preconceito contra as religiões de matriz africana na região de
Guarapuava. Desse modo o estudo específico sobre a Festa de Cosme e
Damião é um desafio que tem como propósito desvendar para a comunidade
acadêmica alguns aspectos das crenças e das práticas próprias da umbanda,
investigando-se também sua existência e sua história no município de
Guarapuava.
As fontes de pesquisa serão bibliográficas e orais e a metodologia
utilizada será a da observação participante, com realização de entrevistas e
acompanhamento da Festa de Cosme e Damião , produção de material
fotográfico e se possível de um vídeo documentário, uma vez que esses
materiais poderão ser utilizados como referenciais de pesquisa.
O presente projeto está relacionado também à necessidade de
produção de material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei
10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de
conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da
educação básica.
REFERÊNCIAS
CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col.
Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: M.Fontes, 1992.
EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo:
Mandarim, 2000.
GUIMARÃES, Sonia. Sagrados mistérios: Vozes do Brasil. Rio de
Janeiro:SESC, 2011.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994.
PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no
Brasil do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 49-
74, 1.sem. 1990
VALLA, Victor Vincente (org.). Religião e cultura popular. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
115
SITOGRAFIA
SILVA, Raimundo Nonato Ribeiro da. Um trajeto poético nas práticas
devocionais de Cosme e Damião em Salvador. Disponível em :
http://www.academicoo.com/artigo/um-trajeto-poetico-nas-praticas-devocionais-
de-cosme-e-damiao-em-salvador . Acessado em 20 de novembro de 2012.
116
RITOS RELIGIOSOS E FESTIVIDADES DA UMBANDA : A FESTA DO
PRETO VELHO
LUCÉLIA TEREZINHA DE ARAUJO PIETRAS
Orientadora: Profª. Ms.Cerize Nascimento Gomes
Grupo de Pesquisa em Cultura e Religiosidade Afro-índio-brasileira
Ciências Sociais - FG
PALAVRAS-CHAVE: Umbanda. Religiosidade. Educação. Cultura.
Preconceito.
O presente projeto está relacionado à necessidade de produção de
material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e
pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história
e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica.
A existência dessa legislação sugere que as faculdades e universidades,
em especial os cursos de licenciatura, devem se transformar no espaço
próprio para fomentar a pesquisa sobre as questões étnico-raciais relacionadas
aos povos afro-brasileiros e indígenas.
Nesse sentido, escolheu-se uma temática própria da religiosidade e da
cultura afro-brasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de
umbanda no Brasil, incluindo-se informações que possam fundamentar estudos
multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico e social.
Para o desenvolvimento da pesquisa escolheu-se um estudo de caso
sobre um ritual religioso específico da umbanda, denominado Festa do Preto
Velho que ocorre anualmente no mês de maio, no terreiro da Tenda Espiritual
Pai Francisco, localizada no Bairro Trianon em Guarapuava.
A pesquisadora Maria Helena Villas Boas Concone estuda o simbolismo
dos personagens da umbanda. Segundo ela os caboclos e os pretos velhos
são os símbolos-chave dessa religião e marcam presença desde o nascimento
do Brasil. Todos os demais personagens, os baianos que representam o preto
jovem; o mulato, o boiadeiro, o marinheiro, a Pomba Gira e o Zé Pilintra
formam a composição de um quadro simbólico que ajuda na interpretação da
história, da cultura e da formação do povo brasileiro. (CONCONE, 1987)
117
Entre as definições encontradas para a origem etimológica do vocábulo
umbanda, Cavalcanti Bandeira, em o que é a umbanda afirma que ela é uma
palavra originária da língua kimbundo, utilizada em muitos dialetos bantus,
falada em Angola, Congo e Guiné.
De acordo com o autor a palavra é utilizada para mencionar uma nação
poderosa ou um espírito poderoso. Ela reporta a palavra kimbanda que
significa curandeiro. De acordo com os sentidos em que é aplicada e com sua
origem gramatical é entendida como a arte ou magia de curar, poder de curar,
ofício de ocultismo ou ciência médica.
A partir das fontes de pesquisa foram encontradas diversas
denominações para os locais de realização de cultos de umbanda: centros de
umbanda, templos de umbanda, terreiros de umbanda e tendas de umbanda.
A pesquisa bibliográfica realizada para a produção do presente artigo
sugere que a fundação da umbanda data das duas primeiras décadas do
século XX com o surgimento dos primeiros terreiros nos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A religião é bastante sincrética e
reúne princípios do catolicismo, do espiritismo e do candomblé promovendo a
comunhão de princípios da religiosidade branca européia, negra africana e
indígena americana.
As fontes de pesquisa serão bibliográficas e orais e a metodologia
utilizada será a da observação participante, com realização de entrevistas e
acompanhamento da Festa do Preto Velho, produção de material fotográfico e
se possível de um vídeo documentário, uma vez que esses materiais poderão
ser utilizados como referenciais de pesquisa.
REFERÊNCIAS
CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col.
Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987.
EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo:
Mandarim, 2000.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994.
118
NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1973) Umbanda e questão moral: formação e
atualidade do campo umbandista em São Paulo. São Paulo. Tese de
livre-docência. FFLCH-USP.
PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no
Brasil do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 49-
74, 1.sem. 1990
SITOGRAFIA
D’OGUM, João. A origem da umbanda. Disponível em:
http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/o-que-e-umbanda.html.
Arquivo acessado em 10 e setembro de 2012.
119
ESTUDO SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DO COOPERATIVISMO PARA AS
MULHERES AGRICULTORAS DO MUNICIPIO DE TURVO – PR
DEBORA MACHADO
Orientadora: Profª .Ms. Cerize Nascimento Gomes
Ciências Sociais-FG
PALAVRAS-CHAVE: Mulheres. Agricultura. Cooperativismo. Trabalho.
Economia.
A presente pesquisa está relacionada ao cooperativismo e ao
desenvolvimento sustentável como alternativas para a geração de emprego e
renda, para as mulheres agricultoras, a partir de estudo sobre o exemplo da
Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de Turvo –
COOPAFLORA.
Uma das questões mais debatidas neste início de século, está
relacionada ao surgimento de um modelo de sociedade organizada a partir de
uma base econômica, social, cultural e ambiental mais sustentável. Jalcione
Almeida, em A problemática do desenvolvimento sustentável, procura elucidar
a concepção dessa prática:
A noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada como portadora de um novo projeto para a sociedade, capaz de garantir, no presente e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza. Transforma-se, gradativamente, em uma categoria-chave amplamente divulgada, inaugurando uma via alternativa onde transitam diferentes grupos sociais.(ALMEIDA, 1997, p.20).
Levando-se em consideração que os projetos relacionados ao
desenvolvimento sustentável vem sendo utilizados como uma alternativa para a
sobrevivência dos grupos sociais e da natureza, foca-se esse estudo sobre as
ações das mulheres e suas conquistas sócio-economicas por meio da
Coopaflora, uma cooperativa que desenvolveu projetos experimentais de
sustentabilidade que tornaram-se referência para o Brasil.
120
Inserido na macrorregião de Guarapuava , Turvo caracteriza-se pela
posse e preservação de uma das maiores reservas nativas de araucárias do
Sul do Brasil. Com chuvas regulares, clima frio, e altitude média de 1000m, o
município favorece a agricultura e é conhecido nacionalmente pelo
desenvolvimento de um programa de cultivo de ervas orgânicas de excelência,
tais como Alcachofra, alfazema, alecrim, calendula, camomila, capim-limão,
carqueja, cavalinha, chapeu de couro, endro, espinheira-santa, funcho, macela,
manjericão, manjerona, melissa, menta, oregano, pata-de-vaca, poejo, sálvia,
sete-sangrias, tanchagem e tomilho. O trabalho das mulheres tem sido
fundamental para a consolidação dos projetos.
Maria Celeste Corrêa em O uso sustentável dos recursos naturais na
floresta com araucárias explica que o município de Turvo tornou-se uma
referencia em sustentabilidade porque os agricultores familiares reunidos em
torno do Instituto Agroflorestal Bernardo Harkvoorth (IAF) e a Coopaflora
promovem por meio dos produtos da floresta o desenvolvimento local
(CORREA, 2010, p.20). A autora referenda as contribuições das mulheres para
o desenvolvimento dos programas de plantas medicinais, de melhoria da
qualidade da erva-mate e o de preservação dos faxinais regionais.
A Cooperativa congrega 85 famílias de pequenos produtores rurais,
inseridos em uma área de 765 hectares. Incluindo-se familiares, funcionários e
prestadores de serviços, a comunidade atendida pela Coopaflora envolve mais
de 430 pessoas, que adotaram o sistema agroecológico de produção como
opção de trabalho e filosofia de vida. Nossa pesquisa vai procurar identificar
quantas dessas pessoas são do sexo feminino e quais são as ações realizadas
especificamente pelas mulheres.
Pressupõe-se que a Coopaflora, por meio de suas ações e projetos,
contribui de modo significativo para a conservação dos remanescentes
florestais de araucária, bem como com a recuperação dos ambientes florestais
já degradados, ao mesmo tempo em que busca estimular a melhoria das
condições de vida das famílias de pequenos agricultores , através do
desenvolvimento da agricultura familiar sustentável, baseada na agroecologia.
121
A metodologia utilizada será a de pesquisa bibliográfica por meio da
utilização de fontes teóricas, pesquisa aplicada e de campo com visitas à
Coopaflora e encontros com as mulheres agricultoras. Pretende-se consultar
o arquivo de documentos e fotografias da Coopaflora e promover de técnicas
de pesquisa oral a partir da realização de entrevistas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Jalcione. A problemática do desenvolvimento sustentável. In:
BECKER, Dinizar Fermiano (org). Desenvolvimento sustentável:
Necessidade e/ou possibilidade? Santa Cruz do Sul (RS): EDUNISC, 1997.
CAVALCANTI, Clóvis. (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma
sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
1998.
CORREA, Maria Celeste. O uso sustentável dos recursos naturais na
floresta com Araucárias. São Paulo: Serzegraf, 2010.
SILVA, Maria Joseane. Organização autônoma de mulheres agricultoras:
emergência de “novos” sujeitos políticos coletivos no campo.
SITOGRAFIA
http://www.arvoredobrasil.com.br/. Acessado em 16 de maio de 2011.
http://www.ecocert.com.br/certificacao.html. Acessado em 16 de maio de 2011.
http://www.arvoredobrasil.com.br/coopaflora/. Acessado em 24 de maio de
2013.
122
ADOLESCENTES INFRATORES NA CIDADE DE GUARAPUAVA: UMA
ANÁLISE GEOCRIMINAL DOS ESPAÇOS UTILIZADOS E DA RELAÇÃO DE
PODER
ALEX MAURICIO DE LIMA
Orientador: Prof. Ms. João Carlos Morimitsu.
Ciências Sociais - FG
PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes. Infração. Poder. Espaços.
Ressocialização.
O presente projeto vem demonstrar a difícil luta pela reinclusão de
adolescentes em conflito com a lei na cidade de Guarapuava, objetivando
delimitar os pontos de maior interesse no intuito de realizar o acompanhamento
de novas políticas aplicáveis aos adolescentes que se envolvem
prematuramente com o crime, sinalizando uma melhor compreensão do
ambiente social onde ele se desenvolve, através da análise dos trabalhos
desenvolvidos pelo único projeto de ressocialização e de medidas sócio-
educativas existentes na cidade de Guarapuava, o Projeto Formando o
Cidadão.
Todo adolescente foi uma criança, com isso se explica então, com início
de tudo, quando ele passa de apenas um pequenino sem muita voz e nem vez,
para um jovem de corpo quase adulto, com tamanho praticamente igual ao dos
outros. Assim podemos verificar nas crianças, a primeira fonte de pesquisa
sobre tal tema, onde elas começam a aprender e a desenvolver suas novas
habilidades, e a conhecer um mundo que até pouco tempo atrás era
desconhecido ou distante de sua condição, se tornando agora, palpável a suas
mãos.
Marco Antonio Cabral dos Santos, (SÃO PAULO, 2005) escreveu uma
pesquisa sobre as crianças e criminalidade no inicio do século, onde retratou
como surgiram os primeiros atos infracionais da época, com a explosão
demográfica e o surgimento das indústrias em São Paulo, o que levou a surgir
às primeiras apreensões de batedores de carteiras e mendigos adolescentes,
123
que eram o perigo das ruas nos primórdios da industrialização. Segundo sua
pesquisa do período de 1900 a 1916, foi registrada quase o mesmo número de
prisões entre menores e maiores de idade, é claro que o tipo do crime se
diferenciava muito, tendo em vista o período em que se analisou.
Outro referencial foi pesquisado também no Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo, NEV-USP.
As estatísticas de criminalidade mostram que boa parte dos envolvidos
em crimes violentos no Brasil apresenta um perfil bastante definido. São jovens
do sexo masculino, com idades entre 15 e 24 anos, geralmente pobres e
moradores das periferias dos grandes centros urbanos. Os homicídios têm sido
a principal causa de morte nessa faixa de idade, respondendo por 40% dos
óbitos. Em sua maioria, esses adolescentes tinham algum tipo de ligação com
delitos, tais como, roubo e tráfico de drogas.
A delinquência juvenil, tanto por sua relevância estatística quanto pelas
consequências nefastas que acarreta à sociedade, é um dos mais graves
problemas da segurança pública. Para entendê-la, é preciso, antes de tudo,
varrer os mitos que a cercam. Um trabalho da Universidade de São Paulo
ajuda a desfazer alguns deles. O estudo foi feito a partir da análise dos
prontuários de 2.400 internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
(FEBEM) entre 1960 e 2002. Os resultados, que uma revista divulgou em sua
reportagem, indicam que, nas últimas quatro décadas, ao mesmo tempo, em
que cresceu a participação dos adolescentes no crime, aumentaram também o
grau de escolaridade e a inserção desses jovens infratores no mercado de
trabalho.
O resultado chama atenção por contrariar uma das crenças mais
difundidas no que se refere ao problema da criminalidade entre os jovens: a de
que mais empregos e maior escolaridade, por si só, seriam capazes de diminuir
as taxas de violência. "O estudo mostra que isso não tem sido suficiente para
deter a escalada da criminalidade entre os adolescentes", afirma a psicóloga
Marina Bazon, orientadora da pesquisa e especialista em delinquência juvenil.
124
E por que isso ocorre? Para educadores e sociólogos, há duas
respostas para o fenômeno. A primeira diz respeito à qualidade da educação
recebida pelos adolescentes. Boa parte dos infratores que passaram pela
Febem em 2002 (67,5%) cursou entre a 5ª e a 8ª série do ensino fundamental,
mas a maioria (66%) não estava matriculada quando foi presa. O dado indica
que a escola pública tem sido incapaz de reter os jovens. "Quando eles
abandonam as aulas, a chance de conseguirem se qualificar para bons
empregos fica ainda mais remota. Diante de trabalhos e remuneração ruins,
percebem que o mundo do crime oferece uma possibilidade de ganho maior e
mais rápido", afirma Marina Bazon. (2007)
A segunda resposta está em uma combinação perversa: mais instrução,
mesmo que precária, aliada a baixa remuneração, colabora para causar no
jovem uma frustração existencial e material cuja válvula de escape pode ser a
prática de roubos e furtos. "Especialmente nos crimes contra o patrimônio, o
roubo não se dá pela fome ou pela privação absoluta. O menino não assalta
porque não tem um sapato, mas sim porque deseja ter um tênis de grife", diz o
sociólogo Michel Misse (2010), do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e
Violência Urbana (NECVU), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um estudo feito pelo núcleo (2010), a partir de dados da 2ª Vara de Infância e
Juventude do Rio de Janeiro, mostra que os adolescentes infratores passaram
a cometer crimes mais violentos. Até 1994, o número de furtos superava o de
roubos. Hoje, essa relação se inverteu. O número de assaltos à mão armada,
entre os anos de 1960 e 2004, saltou de 264 para 5.377, um crescimento de
quase 2.000%. No mesmo período, o número de ocorrências de furtos
envolvendo jovens aumentou 165%.
Trazendo para uma realidade local, a cidade de Guarapuava possui
dados sobre as incidências de infrações e delitos oriundas de adolescente
demonstrada por meio de estatísticas do serviço auxiliar da Infância e
Juventude vinculado ao Poder Judiciário do Estado do Paraná. Pretende-se
com tais dados apresentar alternativas tais como a criação de programas
focados nos jovens. Políticas públicas genéricas de combate ao crime não têm
eficiência em relação ao jovem delinquente, afirmam especialistas. É preciso
125
pensar em iniciativas específicas para eles. "Não basta, por exemplo,
implementar uma Bolsa Família e distribuir renda", afirma o sociólogo Cláudio
Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública da Universidade Federal de Minas Gerais. (Minas Gerais, 2010)
Um exemplo de iniciativa específica é oferecer alternativas que reduzam
a exposição do jovem ao ambiente de criminalidade. As escolas em tempo
integral, com projetos que se estendem inclusive nos fins de semana, têm
conseguido bons resultados em áreas de periferia. Há também que se pensar
em ressuscitar a velha e boa assistência social do Estado. Isso ajudará, e
muito, a impedir que famílias desestruturadas produzam jovens delinquentes.
A pesquisa em questão da necessidade da adoção de medidas de modo
a combater ou minimizar os efeitos sobre o desenvolvimento e qualidade de
vida dos adolescentes e da sociedade vitimada pelas ações dos mesmos, ou
seja, que são acometidas pelo problema.
Os objetivos de pesquisa são os de fundamentar a relação existente
entre a ocorrência de adolescentes infratores que adentram ao projeto
formando cidadão e seus desencadeamentos após sua passagem nas medidas
sócio-educativas, no intuito de rastrear o ponto-chave da problemática em
questão, no intuito de acrescentar medidas novas de políticas para a criança e
o adolescente; caracterizar a problemática da criminalidade juvenil dentro do
município de Guarapuava ligando às expectativas de reinserção desses
adolescentes a sociedade; analisar o estigma social criado em torno desses
jovens envolvidos com a criminalidade e a importância de um
acompanhamento profissional na recuperação desse jovem; verificar a
importância do Projeto Formando Cidadão dentro da comunidade de
Guarapuava, mostrando dados estatísticos de entrada e saída desses menores
do mundo da criminalidade, auxiliando-os dentro desse contexto.
Os métodos utilizados serão os de origem qualitativa e quantitativa além
do uso da literatura disponível, ou seja, fontes primárias de informação como
livros, artigos, teses, dissertações, monografias, entre outros referentes ao
assunto.
126
REFERÊNCIAS SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criminalizando a pobreza: implicações
entre ação policial e políticas médico-sanitárias em São Paulo (1890-1920).
Juiz de Fora (MG): UFJF, 2005.
FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil, Editora
Cortez-Universidade São Francisco. Guarulhos, Estado de São Paulo,1997.
PRIORE, Mary Del. História das crianças no Brasil, Editora Contexto. São
Paulo, Estado de São Paulo,2002.
OUTRAS FONTES
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. (NEV- USP)
Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais
Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (NECVU-UFRJ).
Projeto Formando o Cidadão vinculado a Secretária de Assistência Social da
Prefeitura Municipal de Guarapuava.
Serviço Auxiliar da Infância e Juventude de Guarapuava, Poder Judiciário do
Estado do Paraná.
127
AS CARTOGRAFIAS SOCIAIS COMO IDENTIDADE CULTURAL DOS
POVOS FAXINALENSES DA REGIÃO DE GUARAPUAVA
ELIANE DE FÁTIMA BUENO
Orientadora: Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes
Ciências Sociais – FG
PALAVRAS-CHAVE: Faxinal. Cartografia. Cultura. Identidade. Povos
Tradicionais.
O presente projeto de pesquisa tem como objeto de estudo as
Cartografias Sociais das comunidades tradicionais faxinalenses da região de
Guarapuava no que diz respeito à reafirmação de sua identidade coletiva. Este
trabalho surgiu após a leitura das cartografias compreendendo que estas visam
a afirmação das identidades desses povos a partir da visão que os mesmos
têm da sua forma de organização, incluindo o uso comum da terra para
produção e criação de animais e principalmente, principais conflitos sociais a
partir desse modo de vida, ou seja, a maneira com que essas populações
encaram as novas formas de produção na chegada de vizinhos que não
compartilham do mesmo método de produção, além do relato presente nas
cartografias de que essas comunidades, a partir do processo de modernização
do sistema de produção agrícola está fadada ao desaparecimento deste modo
de produção, o que se configura como principal preocupação desses povos.
Para a este projeto serão aqui utilizadas como fontes de pesquisa as
Cartografias Sociais, as quais têm como princípio fundamental o envolvimento
dos sujeitos mapeadores com o processo de mapeamento de informações
sobre práticas tradicionais de produção e reprodução social e dos conflitos
enfrentados por estes grupos, visando o fortalecimento destes movimentos
sociais que se estabelecem a partir da evocação de identidades territoriais
coletivas.
128
Segundo o estudo realizado por Roberto de Souza Martins no livro “Terra
e Território Faxinalense: notas sobre a busca do reconhecimento”, existem no
Paraná cerca de 44 faxinais e na região de Guarapuava em torno de 3 mil
famílias que vivem no sistema faxinal. Este sistema de produção e organização
tem um modo peculiar de posse comum da terra e de criadouros de animais,
fato este ignorado pela população da cidade, que conhece o Faxinal somente
como uma localidade do interior e que tem costumes como da cidade, tendo
em vista que são cidadãos comuns. Sendo assim, estudar os Povos e
Comunidades Tradicionais a partir de suas experiências e relatos é uma forma
de reconhecimento acadêmico de sua organização.
Dessa forma, no presente estudo, os conceitos presentes na obra de
Norbert Elias e John. L. Scotson, “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia
das relações de poder a partir de uma comunidade” são de grande valia. Os
autores realizaram durante aproximadamente três anos, na pequena
comunidade industrial urbana, de nome fictício de Winston Parva, no sul da
Inglaterra, que mostra uma clara divisão, em seu interior, entre um grupo de
residentes estabelecidos desde longa data num bairro relativamente antigo e,
ao redor dele, duas povoações formadas em época mais recente, cujos
moradores eram tratados pelo grupo dos estabelecidos como outsiders.
Também se torna relevante neste trabalho, a obra de Stuart Hall,
“Identidade Cultural na pós-modernidade”, em que o propósito do livro é
explorar algumas das questões sobre a identidade cultural na modernidade
tardia e avaliar se existe uma crise de identidade, em que consiste essa crise e
em que direção ela está indo. Ao desenvolver seus argumentos, o autor
introduz certas complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a
noção de "descentração do sujeito", em sua forma mais simplificada.
O projeto das cartografias sociais tem o como objetivo dar a
oportunidade de povos e comunidades tradicionais fazerem seu auto-
reconhecimento. Para a elaboração das mesmas são realizadas oficinas de
mapas e técnicas de uso de GPS e tem o reconhecimento do Instituto de
Terras, Cartografia e Geociências – ITCG do Paraná e contou com o apoio
Secretaria de Estado da Educação – SEED, do Grupo de Trabalho
129
Intersecretarial Clóvis Moura, da Universidade Federal do Paraná Setor Litoral
e organizações e entidades da sociedade civil como o Centro Missionário de
Apoio ao Campesinato Antônio Tavares Pereira – CEMPO e o Instituto Equipe
de Educadores Populares.
A elaboração da Cartografia Social é tida pelos “faxinalenses” como
instrumento de afirmação social, identificação de seus territórios e
fortalecimento da identidade e instrumento de reconhecimento de sua
existência:
“Esse mapeamento para mim eu acho é muito importante porque ele é um reconhecimento. Não adianta eu dizer que tem um faxinal se ele não aparece em documento nenhum, e ele estando no mapa ele está sendo reconhecido, tem mais força pra brigar com o governo. Se vamos brigar por algum recurso: “Não! O meu faxinal tá aqui no mapa tal”. Então o mapeamento é importante por isso, é um reconhecimento, tem mais força pra frente e de sair pela frente.” (Depoimento do Sr. Antônio Rodrigues de Lima, do Faxinal dos Seixa, município de São João do Triunfo)
Essa experiência tem serventia, segundo os próprios faxinalenses, como
instrumento de luta por visibilidade social e política, opondo-se aos mapas
oficiais do Estado, que se utilizam do “silêncio cartográfico” como estratégia de
ocultar certas realidades cuja propagação não interessa aos responsáveis por
sua produção.
Sendo assim, a partir da organização da Articulação Puxirão dos Povos
Faxinalenses em 2005, esses povos foram ganhando visibilidade e em 2007
elaboraram um dossiê entregue na Assembléia Legislativa do Paraná
denunciando acontecimentos como a presença de novos proprietários que
colocariam cercas e que traria danos a esta forma de produção. Nesse sentido,
ao estudar o dossiê, conclui-se que é necessário o estudo da organização do
povos faxinalenses a partir de sua visão não como forma interpretativa de
olhares de pesquisadores que não convivem diretamente com esses povos,
mas com participação em seu cotidiano, tais como reuniões da "Rede" ou
diretamente nas ações afirmativas de reconhecimento de tais povos e que
envolvem manifestações dentro da Assembléia Legislativa do Paraná,
Câmaras Municipais de vários municípios (cita-se aqui o exemplo de
Rebouças-PR) e encontros regionais dos Povos Faxinalenses.
130
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (Org.) ; SOUZA, R. M. (Org.) . Terras de Faxinais. Manaus: Edições da Universidade do Estado do Amazonas, 2009.
ELIAS Norbert; e SCOTSON, John. L.; Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade; tradução Vera Ribeiro; tradução do posfácio à edição alemã, Pedro Süssekind – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. – São Paulo: Editora da UNESP – Biblioteca Básica, 1991. _______. (2002) Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Touro. 10.ed. Rio de Janeiro:DP&A, 2005. SOUZA, R. M. ; Rocha, E.P. . Terra e Território Faxinalense: notas sobre a busca do reconhecimento. Campos (UFPR), v. 08, p. 209-212, 2007
SITOGRAFIA
www.planalto.gov.br/ccivil
www.novacartografiasocial.com
www.redepuxirão.com.br
FONTES DOCUMENTAIS
PROJETO NOVAS CARTOGRAFIAS SOCIAIS DOS POVOS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS DO BRASIL - Fascículos 1, 3 e 5 – Povos
dos Faxinais – Paraná. Brasília, Março. 2007.
SÍNTESE DO 3º. ENCONTRO ESTADUAL DOS POVOS FAXINALENSES.
2010.
POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO. SUSTENTÁVEL DE POVOS
E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL. DECRETO 6.040. Palácio do
Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em Abr/2012
131
RAP, FUNK E JUVENTUDE: NARRATIVAS URBANAS SOBRE PROTESTO
E CONSUMO18
DINALDO ALMENDRA19
PALAVRAS-CHAVE: Música. Rap. Funk. Protesto. Consumo.
Este resumo expandido apresenta os resultados parciais e preliminares de
pesquisa ainda em desenvolvimento sobre rap, funk e juventude.
Cabe analisar como os jovens, através dessas narrativas da periferia, lidam
com o sofrimento humano e a luta política, bem como produzem cultura e lazer,
na busca de sentidos de vida para as suas condições de existência,
construindo identidades a partir de mediações sociais, políticas, culturais e
religiosas que atravessam e constituem o rap e o funk. Toma-se como ponto de
partida um acontecimento recente: a participação de Mano Brown, dos
Racionais MC’s, em um vídeo-clipe de funk, fato que produziu um curto-circuito
entre a cultura hip hop e o mundo do funk, quer dizer, uma tensão entre
públicos jovens das periferias e das favelas. Com efeito, o caso demonstra os
giros de sentido das representações sociais que a juventude pobre urbana faz
de si e do lugar que ocupam na cidade.
O rap e o funk caminham hoje juntos e misturados e, ao mesmo tempo,
separados, nas periferias e nas favelas das cidades brasileiras. A participação
de Mano Brown, líder dos Racionais MC’s, em um videoclipe de funk, da
música Tanto faz, tanto fez, do MC Pablo do Capão, funkeiro paulista e
morador do Capão Redondo, “quebrada” de Brown, rendeu ao rapper duras
críticas de uma parte dos integrantes da cultura hip hop e dos fãs de rap. O
videoclipe, em que MC Pablo do Capão canta enquanto Mano Brown aparece
atrás do funkeiro, parado e posicionado ao fundo, olhando firme para a câmera,
18 Resumo expandido de pesquisa sobre as relações entre rap e juventude desenvolvida na Universidade Estadual do
Centro-Oeste (UNICENTRO), submetido ao III Encontro de Ciências Sociais da Faculdade Guarapuava – Minorias,
Inclusão e Ativismo. 19 Doutorando em Sociologia pelo IESP-UERJ. Professor do Departamento de Comunicação Social da
UNICENTRO.
132
circulou pela internet dando origem a matérias em sites especializados em hip
hop e, na esteira disso, desencadeou incontáveis posts de usuários das redes
sociais com comentários críticos e, também, de apoio ao rapper.
O videoclipe do funk Tanto faz, tanto fez foi disseminado no Youtube no dia
17 de abril de 2013, seguido por centenas de posts com comentários críticos
pela participação do rapper. No dia seguinte, o portal Rap Nacional repercutiu a
matéria Mano Brown é apedrejado com comentários após aparição em
videoclipe de funkeiro, enquanto que o site Vai Ser Rimando publicava Mano
Brown aparece em clipe de funkeiro do Capão e desperta fúria de fãs. Em São
Paulo, em meio a esse curto circuito desencadeado pela aproximação entre rap
e funk, a assessoria de Mano Brown, em um primeiro momento, divulgou uma
nota informando que “o vídeo polêmico não foi autorizado pelo Mano Brown.
Mano Brown não gravou este vídeo como um produto, ele estava na loja do
Fundão no momento da gravação e apenas fez um gesto de apoio ao
amigos. O uso destas imagens não teve autorização do Mano Brown” —
Fundão é a marca de roupas criada pelo rapper, e ambos usam as camisas
com as suas cores no videoclipe.
Essa nota foi logo retirada do ar, mas capturada pelo site Noticiário
Periférico antes que fosse deletada e substituída, fornecendo o seguinte
esclarecimento público: “Mano Brown felicita e deseja Sucesso ao MC Pablo do
Capão e aos muitos jovens artistas de sua comunidade. Sua presença no vídeo
foi um gesto de apoio e incentivo porque conhece a dura caminhada que é a
vida de artista da periferia no Brasil”. No Rio de Janeiro, MC Leonardo,
morador da favela da Rocinha e autor, com MC Júnior, de funks tombados no
imaginário popular, como Rap das Armas e Endereço dos bailes, e hoje na
liderança da APAFUNK (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk),
organização mobilizada em torno da luta contra a discriminação do funk,
publicou, na sua página pessoal no Facebook e, também, no site da revista
Caros Amigos, um texto cujo título é uma síntese perfeita do ruído provocado
na percepção do público jovem: Mano Brown no funk?
133
Mas, afinal, por que essa repentina justaposição entre a cultura hip hop
paulista e o mundo do funk carioca produziu tamanha tensão entre diferentes
segmentos do público periférico?
Essa justaposição entre rap e funk a partir da presença do maior rapper
brasileiro no videclipe de um funkeiro e antigo amigo do Capão Redondo — MC
Pablo participou de videoclipe dos Racionais MC’s, da música Vida Loka Parte
II, do disco Nada como um dia após outro dia, de 2004 —, expôs os focos de
tensão e os giros de sentido culturais, sociais e políticos implicados nos temas
narrados tanto pelo rap e quanto pelo funk nas próprias margens urbanas onde
esses gêneros são produzidos e consumidos. Em outras palavras, criou fortes
dissonâncias, mas também aproximações entre vivências, valores e visões
políticas da juventude periférica e favelada, forjadas pelas práticas e trajetórias
de vida dos próprios rappers e funkeiros, e cantadas em suas músicas. Com
efeito, cabe observar que o curto-circuito entre a cultura hip hop e o mundo
funk se deu a partir da conexão de narrativas nascidas daquilo que irmana os
jovens periféricos, e gera traços identidários e sensos de solidariedade e mútua
compreensão que eles possuem entre si: a pobreza urbana, seguida da
estigmatização de classe e de cor sofrida nos lugares onde vivem e, também,
em circulação pelos diferentes espaços sociais da cidade.
O fenômeno recente da explosão do funk carioca nas periferias de São
Paulo, onde predominou o rap cadenciado pela militância do movimento hip
hop, é marcado por uma nova vertente do funk. No coração econômico do
Brasil, nasceu uma nova versão do tamborzão carioca, o chamado “funk
ostentação”, em que o batidão pesado é a base para que os MCs paulistas
como o Pablo do Capão cantem e exaltem dinheiro, bens de consumo e o sexo
com belas mulheres, estilo que começa a influenciar os bailes do Rio. Os MCs
do funk ostentação fazem a ode ao consumo, cantam e rimam marcas famosas
dos bens de consumo mais variados: roupas de grife, bebidas alcoólicas,
carros, motos, etc. Nos seus videoclipes, fazem suas performances em
cenários rodeados de mulheres, de iates luxuosos ou casas de alto padrão, e
balançam para as câmeras notas de dinheiro vivo, as de 100 reais.
134
Assim, além da presença de Mano Brown em um vídeo-clipe do gênero
funk, o fato de ter sido “apedrejado com comentários” e despertado a “fúria de
fãs” foi agravado por se tratar de uma música estilo “ostentação”. De um lado,
muitos acusaram o rapper de ter vacilado, quer dizer, “rap é compromisso”, é
engajamento político e luta contra todas as formas de alienação dos jovens na
“sociedade capitalista”. Do outro lado, os fãs de rap (ou de funk) afirmavam que
o funk também faz parte da vida das “quebradas” de todo o Brasil, por isso,
estão irmanados nesse espírito comum, pois ambos os gêneros sempre
sofreram preconceito e perseguição, sendo frutos das mesmas dores e alegrias
das periferias. A síntese dessas tensões entre a cultura hip hop e o mundo funk
pode ser capturada em um diálogo entre MC Leonardo e um fã de rap postado
nas redes sociais. O fã de rap cita a letra de uma música clássica dos
Racionais MC’s, Vida Loka Parte II, justamente a que conta com uma
participação do MC Pablo do Capão, para ironizar a participação de Mano
Brown no vídeo-clipe, e recebe o seguinte comentário do funkeiro carioca20:
Miguel Bartholo "pobre eh o diabo, eu odeio ostentacao"
Mano Brown
Mc Leonardo Apafunk Miguel Bartholo , antes dessa frase aí
o tem outra!
Mc Leonardo Apafunk "Tudo vai tudo é faze irmão, logo mais
vamos arrentar no mundão, de cordão de elite 18 kilates, pôe
no pulso logo um breit que tal, tá bom..." e por aí vai
Tanto o usuário quanto MC Leonardo referem-se ao mesmo trecho de
Vida Loka Parte II, porém, selecionam e destacam o que é necessário a
construção das respectivas argumentações: “Tudo vai, tudo é fase irmão, logo
mais vamo arrebentar no mundão. De cordão de elite, 18 quilate, põe no pulso
logo Breitling. Que tal, tá bom. De lupa Bausch&Lomb, bombeta branca e
vinho, Champanhe para o ar, que é pra abrir nossos caminhos. Pobre é o
diabo, e odeia a ostentação. Poder rir, mas não desacredita não”. Quer dizer,
20 Disponível em:< https://www.facebook.com/mcleonardorj?hc_location=timeline> Acesso em: 04 jun. 2013.
135
Mano Brown, ao mesmo tempo em que critica a sociedade em que vivem pela
segregação que sofrem, também canta as marcas e os bens de consumo que
essa juventude também aspira e sonha ter. Daí os posts de jovens nas redes
sociais dizerem, por exemplo, que21
“rap e funk são como água e óleo, não se misturam”
“O Rap é da favela, o funk é da favela, não podemos negar
isso, mas são realidades diferente, o rap luta contra a
alienação, o funk canta justamente pra alienar as pessoas,
mano, na favela não tem camaro, na favela não tem R1, na
favela não tem isso que passa nos clipes, os caras cantam
como se tudo aquilo que tivesse alí fosse a realidade deles e
todos nós sabemos que não é, o brown foi um guerreiro do
Rap, o brown juntamente com o racionais revolucionou o Rap
durante tempos, mas de um certo tempo pra cá o brown não é
o mesmo de antes, acho que isso pego muito mal pra ele,
Racionais fez um show aqui na minha cidade junto com o Catra
[Funkeiro carioca] que o valor passava de 100 reais, será isso o
certo?”
“O que adianta cantar contra o preconceito e ser
preconceituoso? O que adianta querer ter liberdade de
expressão, e discriminar a forma do próximo se expressar? O
que adianta levantar uma falsa bandeira e dizer que é "100%
favela" e não aceitar as expressões dessa mesma favela?
Vamos fazer com os outros o que fizeram com a gente?
Discriminar? Chega de hipocrisia dentro do RAP. Se não gosta,
como eu também não gosto de funk, ao menos respeita”
Esse acontecimento demonstra o quanto essas narrativas musicais
urbanas são, de fato, algo como que um sensível sismógrafo social, cultural e
político da vida cotidiana da juventude pobre. As suas letras e vídeos-clipes
expressam as transformações sociais sofridas pelas classes populares e
médias em todo o Brasil contemporâneo, nas regiões metropolitanas ou
interioranas, em especial a emergência das classes C e D, e tem muito a
revelar das representações sociais e políticas da juventude entre protesto e
consumo, e, também, crime e espiritualidade, temas a serem aprofundados e
desenvolvidos no curso desta pesquisa.
21 Disponível em: <http://www.rapnacional.com.br/portal/mano-brown-e-apedrejado-com-comentarios-apos-
aparicao-em-videoclipe-de-funkeiro/> Acesso em 04 jun. 2013.
136
REFERÊNCIAS
COSTA, Jurandir Freire. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado.
In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (Orgs). Juventude e Sociedade:
trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Perseu Abramo,
2004.
KEHL, Maria Rita. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na
periferia de São Paulo. São Paulo Perspec. [online]. July/Sept. 1999, vol.13,
no.3. p.95-106
NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo. Juventude e Sociedade: trabalho,
educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004.
SOVIK, Liv. O Rap Desorganiza o Carnaval: Globalização e Singularidade na
Música Popular Brasileira. Cadernos do CRH (UFBA), Salvador. v. 33, n.
jul/dez, p. 247-255, 2000
SITOGRAFIA
VIANNA, Hermano. Funk paulistano. Disponível em:
<http://hermanovianna.wordpress.com/tag/hip-hop/> Acesso em: 07 mai 2013.