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Miscelânea de Cultura Humanista Este arquivo reunirá todas as minhas anotações sobre cultura humanista Mananciais para se ter em casa : Ensaios Reunidos Otto Maria Carpeaux (19421978) Volume I (ensaística completa, os “textos éditos”, os livros que publicou: contém desde A cinza do purgatório até Livros na mesa, “com um longo e sólido prefácio de Olavo de Carvalho”) Universidade Editora – Topbooks, 19?? Ou 200? e Ensaios Reunidos Otto Maria Carpeaux (19461971) Volume II (textos publicados na imprensa, dispersos, prefácios e introduções) Universidade Editora – Topbooks, 2006 *** p.30: O livro Retratos e leituras traz o agudo e astucioso ensaio “Shakespeare e a condição humana ” ou, apenas, “Condição humana ”. Só existe uma civilização, uma mentalidade, uma arte que sabia reunir deste modo os pólos opostos da existência humana, a perdição e a graça : o barroco .” E, nesse barroco, está implícito o conceito de condição humana, que é fundamental para compreendermos o método crítico do autor [de Shakespeare] Fausto, apesar de parecer completo, é um torso ”. Como uma estátua grega sem braços, é isso que Carpeaux quer

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Cultura humanista, excertos, trechos e epifanias.

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Miscelânea de Cultura Humanista

Este arquivo reunirá todas as minhas anotações sobre cultura humanista

Mananciais para se ter em casa: Ensaios Reunidos Otto Maria Carpeaux (1942­1978) Volume I (ensaística completa, os “textos éditos”, os livros que publicou: contém desde A cinza do purgatório até Livros na mesa, “com um longo e sólido prefácio de Olavo de Carvalho”) Universidade Editora – Topbooks, 19?? Ou 200? e Ensaios Reunidos Otto Maria Carpeaux (1946­1971) Volume II (textos publicados na imprensa, dispersos, prefácios e introduções) Universidade Editora – Topbooks, 2006

* * * p.30: O livro Retratos e leituras traz o agudo e astucioso

ensaio “Shakespeare e a condição humana” ou, apenas, “Condição humana”.

“Só existe uma civilização, uma mentalidade, uma arte que

sabia reunir deste modo os pólos opostos da existência humana, a perdição e a graça: o barroco.” E, nesse barroco, está implícito o conceito de condição humana, que é fundamental para compreendermos o método crítico do autor [de Shakespeare]

“Fausto, apesar de parecer completo, é um torso”.

­ Como uma estátuagregasembraços,éissoqueCarpeauxquer

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dizer? Que Fausto é “incompleto” está óbvio (pois apenas parece completo), mas incompleto em que sentido? Literário, humano?... ­ O Agenor Soares, no “Guia Prático de Tradução Inglesa”, dá para torso a conotação de “obra (sobretudo de arte) inacabada”, exatamente pela idéia de mutilação ali contida. “uma alta virtude da prosa inglesa: o understatement, o

esforço para se dizer o que se pensa com um mínimo de palavras, sem eloqüência e sem grandiloqüência, não deixando perceber a emoção íntima”.

Sete Tipos de Ambigüidade, de Empson, brilhante discípulo

de I. A. Richards: “É um livro fundamental. É preciso estudá­lo.” (Dito pelo Otto Maria Carpeaux num dos Ensaios Reunidos, da Topbooks) ­Estetítulo,recomendadoporCarpeaux,parececomplementaro “Como vencer um debate sem precisar ter razão – Dialética Erística”,doSchopenhauer,poresclarecer,emsuaanálise,os sete tipos de ambigüidades, digamos assim, cometidas nos discursos (aprender a identificá­las – como às falácias desmascaradas por Schopenhauer – permite dirimir o que é ambíguo, confuso, duvidoso, facilitando a investigação da verdade e o estabelecimento da – tão buscada quanto rara – honestidade intelectual). “(...)[n]aquela célebre edição in­fólio de 1623, que é,

depois da Bíblia, o livro mais precioso da humanidade. Schlegel, Coleridge e Hazlitt, os maiores shakespeariólogos do romantismo, iniciaram aquele trabalho de interpretação literária que chegou em Bradley, um século mais tarde, ao cume e fim”.

(Dito pelo Otto Maria Carpeaux num dos Ensaios Reunidos, da Topbooks) ­ Notar que Carpeaux diz “interpretação literária”, e não

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crítica...; será um sinaldequeelepartilhadaidéiaqueli emSílvioRomero(“CaminhosdoPensamentoCrítico”),segundoa qual“crítica”literáriasóexistequandoseanalisaaobrade quem analisou um autor, e não a obra do autor diretamente? Essaidéia,defendidaporRomero,mesoabastantediferentedo que, em geral, se considera crítica literária... ­ObservarqueCarpeauxapontaBradleycomoápiceecoroamento de uma tradição de interpretação shakespeariana iniciada no romantismocomColeridge,SchlegeleHazlitt–Bradleyéápice e coroamento! Submetemos as obras de arte a modificações

[reinterpretações; reelaborações] para “possuirmos o que herdamos” (Goethe).

(Dito pelo Otto Maria Carpeaux num dos Ensaios Reunidos, da Topbooks) ­ Não basta, para uma sociedade, cultura ou nação, herdar, pura e simplesmente amealhando, as contribuições culturais de quem veio antes, mas é preciso compreendê­las à luz do seu tempo, o qual veio acumulando, com o passar das gerações, noções e juízos indissociáveis da sua identidade presente (indispensáveis, portanto, para a manutenção de um edifício humanista cujo sistema de sentidos dialogue fluentemente com seu tempo e lugar, em vez de ser anacrônico e indiferente, estranho e estrangeiro); ao aplicaressasnoçõesejuízos–o éthos que distingue um patrimônio cultural de outro – como parâmetros da reinterpretação e reelaboração da herança recebida, as sociedades, culturas ou nações tornam­se capazes deimpregná­la,essaherança,desentidosmaisorgânicos,mais profundos e pertinentes, mais “delas” (do tempo e lugar efetivamente vividos pela sociedade, cultura ou nação que a reinterpreta e reelabora), o que, segundoGoethe,nosajudaa “possuirmos” de fato – ou seja, íntima e profundamente – “o que herdamos”. Goethe estaria, portanto, dizendo que submetemos as obras de arte ao nosso éthos peculiar(osalemães,aoéthosalemão,os espanhóis, ao éthos espanhol) para “possuirmos o que herdamos”? Por outra, Goethe está falando de antropofagia cultural?

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(Digerir o que se herdou para torná­lo seu de fato). Aqui, de novo, reaparece a analogia com o Princípio da Indeterminação de Heisenberg: o observador modifica, necessariamente, os atributos do objeto observado (assim como nosso éthos peculiar modifica o entendimento da obra de arte analisada; cada éthos, uma sentença). Corolário: não existe verdade objetiva (ou, se existe, não é acessível), apenas interpretações, visões peculiares, tomadas de um ângulo necessariamente diverso de outros infinitos ângulos possíveis, cada um deles válido e relevante. “Shakespeare é tão grande que não conseguimos ter

definitivamente razão em face da sua obra; mas convém mudarmos, de vez em quando, o nosso modo de errar”.

T. S. Eliot (citado pelo Otto Maria Carpeaux numdosEnsaiosReunidos,da Topbooks) ­ Antes de reproduzir essa opinião de Eliot, Carpeaux vinha falando da profusão de explicações díspares, algumas estapafúrdias,que,aolongodosséculos,temsuscitadoaobra de Shakespeare, a qual, não obstante, exige mesmo tamanha profusão, pois, se é tão rica, convém ser sempre estudada e reinterpretada,aindaqueapenasparamudar,devezemquando, “o nosso modo de errar”. Vai que, um dia, a gente “acerta”... “Qu’est­ce que cela prouve?, perguntou o matemático depois de ter assistido à representação de uma tragédia de Racine.” (Dito pelo Otto Maria Carpeaux num dos Ensaios Reunidos, da Topbooks) ­ Aqui, Carpeaux marca, de forma caricatural, a radical diferençadeescopoentreaobjetividadeconcretadasciências exatas (simbolizada na figura do matemático), a cargo dos cientistas, e a subjetividade etérea característica das belas­artes (simbolizada na tragédia de Racine), a cargo dos artistas, os quais, ao contrário do que interessa aos matemáticos (“Qu’est­ce que cela prouve”), não buscam provas, leis, respostas padronizadas, mas, antes, investigam

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livremente,mergulhamdionisiacamente,engolfam­senomistério do mundo, procurando vibrar no mesmodiapasãodomistérioque é a condição humana. Essential Shakespeare Handbook – DK (Dorling Kindersley) Leslie Dunton­Downer and Alan Riding Sobre “The Two Gentleman of Verona”, esse “one­stop guide” sobre Shakespeare da DK – editora que ficou famosa por seus guias temáticos ricamente ilustrados e densamente concisos – diz, na página 186: “The chivalric romance Diana Enamorada, written in Spanish by thePortugueseJorgedeMontemayor,wasalsoconsulted,either in the original or an English translation.” ­ Ora, um autor português (escrevendo em espanhol) pode ter sido lido por Shakespeare para servir de fonte para uma peça sua (“Os dois cavalheiros de Verona”); é a primeira notícia que tenho de algo nesse sentido. “Ausência de evidência não é evidência de ausência” Enéas Carneiro citou no programa doJô(quarta­feira,12para 13/04/2006) como sendo as palavras de um astrônomo (mas não disse o nome dele) – não terá sido um Copérnico, ou um Galileu?... ­ Não poder provar a existência de algo (ou não encontrar as provas de sua existência) não significa que esse algo não existe; significa apenas que sua existência ainda não foi provada. Das duas uma: ou será provada um dia, ou nunca será provada. Mesmo que nunca seja provada, continuará não decorrendo daí que esse algo não existe. Carl Sagan usa a mesma frase no seu “Os dragões do Éden” (do qual tenho a tradução brasileira, a cargo de dr. Sérgio Augusto de Teixeira e Maria Goretti Dantas de Oliveira. Francisco Alves, Rio de Janeiro:1980.©1977byCarlSagan). Pág. XIX da Introdução:“Masaausênciadeprovasnãoprovaa ausência”.

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Os comentários do DBB sobre os “três burros arquetípicos”, segundo as anotações de um ex­aluno, retiradas da comunidade dele no Orkut:

Burro: Tipo I DBB (como ele gostava de ser chamado) classificava os burros em três tipos: o esperantista, o filatelista e o radioamador. 1. O esperantista (desculpe pela polêmica, mas só estou reproduzido o que o mestre falou!), porque gosta de coisas fáceis. Não exercita a musculatura mental. Burro: Tipo II 2. Filatelista. Troca o todo pela parte. Acha que colecionar selos é o mesmo que conhecer as coisas, ou o mundo. Em vez de conhecer Paris, coleciona um selo da Torre Eifel. Burro: Tipo III 3. Radioamador. Troca os fins pelos meios. Como o radioamador não pode (podia, nem sei se existe ainda hoje!) falar das coisas que interessam (para DDB, política, religião, guerra), porque era proibido, ficava trocando amenidades com os outros. A linguagem deixava de ser um meio para comunicar as coisas importantes para virar um fim em si mesmo. É o mesmo caso, dizia o Mestre, do "cara" que escuta "som”, em vez de música. Se alguém retrucasse, afirmando que o radioamador é útil, p.ex., em calamidades, enchentes etc., ele respondia: "Minha filha (típico de DDB), e quem disse que o burro, o animal, também não é útil? Ele não leva carga?"

Orkut (comunidade ‘Alunos do Daniel Brilhante’ http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1862183) Eduardo: Música Vocês lembram da lista dos nove músicos preferidos de DDB? Mesmo quando alguém citava um Wagner, ele respondia: "o ótimo

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é inimigo do bom!". Barrocos: o Velho Bach, Haendel, Teleman Clássicos: Haydn, Mozart e Beethoven Românticos: Schubert, Schumman e Brahms. Deles, DDB dizia que o maior era Mozart. Entre outros motivos, porque nasceu e viveu no século XVIII, o século do Daniel (para quem não lembra, ele gostava de ler Shakespeare em traduções alemãs do século XVIII para conter um pouco o barbarismo do Bardo de Avon...). Maria Luiza: Ele dizia, There are two kinds of music: German music and bad music! Os Criadores. Paul Johnson. Campus, Rio de Janeiro: 2006. “A verdade é a coisa mais valiosa que temos. Vamos economizá­la”. Uma das inúmeras frase humorísticas que foram a invenção e a marca de Mark Twain na cultura americana, segundo Paul Johnson. Como este comentário reagindo à publicação de seu obituário em um jornal de Nova York: “Os relatos sobre a minha morte foram enormemente exagerados”. Ronald Reagan teria sido, ainda segundo Johnson, um dos muitos homens públicos e/ou artistas adeptos desse tipo de humor contido numa única frase. Reagan teria dito: “Não estou preocupado com o déficit. Ele já é grande o suficiente para tomar conta de si”. Lima Duarte citou Bertrand Russel numa entrevista: “É como disse o Bertrand Russel, quando lhe perguntaram ‘que tal fazer 90 anos?’: ‘Diante da opção...’ ”

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Education is what survives when what has been learned has been forgotten B. F. Skinner

Quando Machado não era rei

E mbora fosse coisa assente, a grandeza de Machado não se entroncava na vida e na literatura nacionais (nas primeiras décadas do século XX). A sutileza intelectual e artística, muito superior à dos compatriotas, mais o afastava do que o aproximava do país. O gosto refinado, a cultura judiciosa, a ironia discreta, sem ranço de província, a perícia literária, tudo isso era objeto de admiração, mas parecia formar um corpo estranho no contexto de precariedades e urgências da jovem nação, marcada pelo passado colonial recente. Eram vitórias sobre o ambiente ingrato, e não expressões dele, a que não davam seqüência. Dependendo do ponto de vista, as perfeições podiam ser empecilhos. Um documento curioso dessa dificuldade são as ambivalências de Mario de Andrade a respeito. Este antecipava com orgulho que Machado ainda ocuparia um lugar de destaque na literatura universal, mas nem por isso colocava os seus romances entre os

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primeiros da literatura brasileira. O artigo “Leituras em competição”, do crítico Roberto Schwarz, é um dos destaques da última edição da revista “Novos Estudos”, do Cebrap. Schwarz – que fez minhas leituras preferidas da obra de Machado de Assis nos livros “Ao vencedor as batatas” e “Um mestre na periferia do capitalismo” (Duas Cidades) – volta a seu tema habitual para traçar de forma sucinta a história de como o entendimento da obra do gênio carioca oscilou ao longo do século passado no Brasil e no exterior. A leitura é recomendada não só por conta da prosa elegante de Schwarz, mas também pelas idéias – cada uma em seu devido lugar.

Começos inesquecíveis: Leon Tolstoi Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. A frase de abertura de “Ana Karenina”, obra­prima do romance que Leon Tolstoi começou a publicar na imprensa em 1875 (Editora Nova Aguilar, Obra Completa, volume 2, 2004, tradução de João Gaspar Simões), conseguiu virar aquilo que a maioria dos escritores só ousa perseguir em sonho: máxima, aforismo, provérbio, dito popular, pérola de sabedoria que parece não ter dono, mas brotar diretamente do inconsciente coletivo. Comentário meu, Alex: O interessante é que a sabedoria popular, como já alertava aquele meu professor de Filosofia da UFF, consagrou ao mesmo tempo o aforismo que diz o contrário: Todo ser humano é feliz à sua maneira, mas o sofrimento iguala todo mundo, ricos e pobres. As obras­primas que poucos leram Organização de Heloísa Seixas série dividida em 4 volumes, com textos escritos entre 1972 e 1977 por nomes como Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos,

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Ledo Ivo, Barbara Heliodora etc. vol. 1: obras­primas romance/conto – vol. 2: obras­primas ?? – vol. 3: obras­primas da poesia/teatro – 35 artigos; vol. 4: obras­primas de não­ficção – 30 artigos. Apresentação da Heloísa Seixas: Pág. 11, vol. 4: “(...) a erudição de Carpeaux era lendária. Nascido em Viena e vindo para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, dizem que ele, depois de aprender o português e desprovido de seus livros de referência (que teria deixado para trás ao fugir do nazismo), escreveu os oito volumes de sua História da literatura ocidental usando apenas um instrumento: a memória”. Uma amostra dos autores e obras que figuram entre os quatro volumes da série: Não­Ficção: ­ Os sertões – Euclydes da Cunha ­ O capital – Karl Marx ­ O príncipe – Maquiavel ­ A interpretação dos sonhos – Freud ­ A utopia – Thomas More ­ O ser e o nada – Jean­Paul Sartre ­ As vidas – Vasari ­ Casa grande & senzala – Gilberto Freyre ­ Anábasis – Xenofonte etc. Conto e Romance: ­ Crime e castigo – Dostoievski ­ Madame Bovary – Gustave Flaubert ­ Os miseráveis – Victor Hugo ­ O grande Gatsby – F. Scott Fitzgerald ­ 1984 – George Orwell ­ Frankenstein – Mary Shelley ­ Alice no país das maravilhas – Lewis Carroll ­ O apanhador no campo de centeio – J.D. Salinger ­ O tempo e o vento – Érico Veríssimo

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­ Ficções – Jorge Luis Borges etc. Teatro e Poesia: ­ Os lusíadas – Luís de Camões ­ Fausto – Goethe ­ A divina comédia – Dante ­ Odisséia – Homero ­ O paraíso perdido – Milton ­ Uma temporada no inferno – Arthur Rimbaud ­ A arte de amar – Ovídio ­ Ficções do interlúdio – Fernando Pessoa ­ Folhas de relva – Walt Whitman ­ As flores do mal – Charles Baudelaire ­ Poesias – Manuel Bandeira ­ Édipo – Sófocles ­ Poesia­coisa – Rainer Maria Rilke ­ Esperando Godot – Samuel Beckett ­ Canto geral – Pablo Neruda etc etc etc. status quaestionis, p. 230, Dialética Erística Macbeth, Ato 3, Cena V: Nova Aguilar, p. 160, fala de Hécate: Antes do meio­dia, um grande acontecimento terá sido consumado. Da ponta do corno da lua pende uma gota vaporosa de misteriosa virtude. Eu a recolherei antes que caia na Terra e, destilada por meios mágicos, fará surgir espíritos artificiais, os quais, pela força da ilusão, precipitá­lo­ão na ruína. Manuel Bandeira, p. 64, fala de Hécate: Transportar­me­ei pelos ares, sobre os montes, sobre os mares, por cumprir coisa importante: pende da lua minguante espesso floco de névoa; vou eu mesma colhê­la; levo­a onde sei, e ali fabrico um sortilégio tão rico de artificiosa ilusão, que o afundará em confusão!

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Péricles Eugênio, p. 82: Meio­dia é o prazo para um grande mal. Numa ponta da lua está suspensa influente gota, de vapores densa: colhê­la­ei quando faltar um triz para que toque o solo; com ardis mágicos destilada, ela, sem mais, criará espíritos artificiais, que usando toda a força da ilusão hão de levá­lo à própria perdição. ORIGINAL: Great business must be wrought ere noon: Upon the corner of the moon There hangs a vaporous drop profound; I'll catch it ere it come to ground: And that distill'd by magic sleights Shall raise such artificial sprites As by the strength of their illusion Shall draw him on to his confusion: A expressão de que tanto gosto, algo ser tão ruim que “dá nojo aos cães”, acabo de descobri­la em Shakespeare, no Rei Lear, Ato V, Cena 3, 189: t’assume a semblance That very dogs disdain’d: assumir um aspecto Que até os cães desprezavam: Ainda em Rei Lear, Ato 2, Cena 2, linha 13, Kent lança os mais furibundos impropérios contra Osvaldo. Exemplo de virulência e xingamento com gosto, de se encher a boca: Osvaldo: E por quem me tomas? Kent: Por um patife, velhaco, lambedor de restos; um vagabundo vil, enfatuado, vazio, indigente, lacaio de três mudas de roupa, fortuna de cem libras, sujo, de meias esburacadas, poltrão que vive de chicanas e só faz mirar­se no espelho, filho de uma rameira, capacho, malandro janota que só herdou baú de cacarecos; vocação pra proxeneta servil; enfim, não és

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nada mais que um composto de tratante pedinte, covarde, alcoviteiro, filho e herdeiro de uma cadela vira­lata; dou­te uma sova até ganires, se negares uma só sílaba dos títulos que te dei. Odorico Mendes, beleza e engenho para verter os clássicos Nascido há 200 anos, o maranhense deixou um marco com as traduções de Homero e Virgílio, julgadas 'difíceis'. Beleza e bom gosto, no entanto, superam a mínima dificuldade "Consola­se o Maranhão, também à Atenas, que lhe deram por antonomástico, nunca jamais lhe voltou o tempo de Péricles" José Veríssimo Falar acerca de Manuel Odorico Mendes (1799­1864) é algo temerário, pois, para parte da crítica literária, seu nome não vale mais do que uma nota de rodapé num manual de história da literatura brasileira ou, no máximo, a sua presença restringe­se como exemplo de mau gosto; por outro lado, para outra parte desta crítica seu nome é sinônimo de pioneirismo, habilidade técnica, audácia e competência artística. Ao primeiro grupo filiam­se nada mais nada menos do que Antonio Candido e Sílvio Romero; ao segundo, Silveira Bueno, Haroldo de Campos, Antonio Medina Rodrigues, entre outros. Nesse sentido, não há como balizar nossa opinião sobre a obra de Odorico Mendes, pautando­nos em opiniões alheias, porquanto tanto um grupo como outro exigem respeito e atenção. Maranhense (nascido a 24 de janeiro de 1799), contemporâneo e amigo de Gonçalves Dias e mestre de Sousândrade (no seu Guesa Errante o chamou de "pai rococó"), pouco nos deixou de sua obra poética propriamente dita. Isto se imaginarmos que o território da tradução poética não seja um gênero literário carecedor da mesma atenção e rigor que os gêneros tradicionais recebem por parte da teoria literária. Como esta questão parece­nos pacificada, a obra de Odorico Mendes deve ser considerada ingente e digna de ser observada atentamente. Filiado ao pós­arcadismo ou ao pré­romantismo, operou uma tarefa sem precedentes nas letras portuguesas: a tradução poética das epopéias homéricas – Ilíada (1874) e Odisséia

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(1928 – reeditada por Antonio Medina Rodrigues, em 1992, pela Edusp) – e de todo o Virgílio que nos restou da Antigüidade – As Bucólicas, As Geórgicas e A Eneida. A este último grupo de obras foi dado o nome de Virgílio Brazileiro (1854 – única obra publicada em vida), algo curioso, pois renomeia as obras clássicas como se suas fossem. E, de fato, são. As traduções de Homero e Virgílio até hoje são marcos para os estudos clássicos nos países de língua portuguesa. Primeiramente, pela destreza com o verso decassilábico; em segundo lugar, pela concisão; e, em terceiro, pelo indiscutível conhecimento das línguas de origem – o grego e o latim – como a de chegada – o português. Cabe aqui tornar público um caso muito comentado: certa feita, uma pessoa se dirigiu a um conceituado livreiro e lhe encomendou uma tradução de uma das épicas homéricas; mais do que rapidamente, o livreiro, conhecedor da fama de Odorico Mendes nos meios acadêmicos, lhe trouxe as traduções do maranhense. Uma semana após, aquele que havia encomendado, assustadoramente, devolveu a obra, afirmando que para ler "aquilo" mais fácil seria aprender o grego antigo. Este, talvez, seja o ponto nevrálgico das discordâncias sobre Odorico Mendes. Seu português é difícil, muito difícil, o que o torna quase intransponível. Contudo, ainda assim, é impecável. Tanto isto é verdade que José Veríssimo afirmava que suas versões eram fidelíssimas, todavia de leitura custosa. Para assimilá­lo são necessárias calma e persistência – características dos bons leitores – , da mesma forma que para ler Guimarães Rosa, James Joyce, Saramago, Ezra Pound, T. S. Eliot e Camões também são necessárias as mesmas qualidades. Porém, passado o estágio inicial de adaptação, o leitor toma contato com preciosidades poéticas insuperáveis até hoje, mais de um século após sua publicação. Além do mais, há trechos onde a beleza e o bom gosto superam, de longe, a mínima dificuldade. Como, por exemplo, o símile homérico (Ilíada, Canto VI) acerca da efemeridade da vida: "(...) Como as folhas somos; Que umas o vento as leva emurchecidas, Outras brotam vernais e as cria a selva: Tal nasce e tal acaba a gente humana."

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Dessa maneira, os qualificativos depreciativos aplicados a Odorico Mendes nos parecem excessivos, principalmente quando Sílvio Romero afirma que são "monstruosidades, escritas em português macarrônico"; ou quando Antonio Candido o julga "bestialógico", ou considera sua obra um "preciosismo do pior gosto", ou um "pedantismo arqueológico", ou um "ápice de tolice". O estranhamento por parte desses críticos reside ora na descontextualização da obra de Odorico Mendes, ora, o que é pior, na aplicação de conceitos anacrônicos que exigem do texto certa atitude que não lhe era exigida à época de sua composição, ora na falta do cotejo com os originais que faz saltar aos olhos as fantásticas soluções de tradução. Daí soar perfeita a ponderação de Haroldo de Campos: "O pioneirismo odoriciano no enfoque dos problemas da tradução (tanto na prática desta, como nas notas teóricas que deixou a respeito) só poderá ser devidamente avaliado se pusermos em relevo, como traço marcante de todo o trabalho no campo, a concepção de um sistema coerente de procedimentos que lhe permitisse helenizar ou latinizar o português, em lugar de neutralizar a diferença dessas línguas de origem, restaurando­lhes arestas sintáticas e lexicais em nossa língua." No mesmo esteio, Antonio Henriques Leal afirma que "suas versões, estritamente literais, foram julgadas indigestas quando não ilegíveis; opinião discutível na medida em que o literalismo pode concorrer para a forja de um léxico novo e colar­se ao espírito do original". O que observamos, ao lermos as traduções de Odorico Mendes, é uma nítida intenção de projeto de tradução, fato esse somente levado em consideração no Brasil muitos anos após sua morte, quando tradutores como José Paulo Paes, Augusto e Haroldo de Campos, José Cavalcante de Souza, João Angelo Oliva Neto, Antonio Medina Rodrigues, Jaa Torrano e outros passaram a elaborar trabalhos de tradução que seguiam rigorosamente um projeto tradutório. Ou seja, Odorico é um mestre tradutor, avant la lettre. Isto, certamente, não foi considerado por seus detratores. Há em seu trabalho, pois, linha condutora que é operada em todo o conjunto produzido. É coerente. Ademais, há, em seus textos traduzidos, um número sem fim de referências

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intertextuais que fazem despontar seu universo de leitura, sua paidéia. Poundianamente falando, seu paideuma torna­se visível. Assim, pode­se dizer que o resultado traduzido oferece mais que a simples transposição de um texto de uma língua para outra; antes, possibilita certo resgate crítico. Seria ele, Odorico Mendes, poeta, crítico e tradutor, simultaneamente, nos moldes que hoje em dia reconhecemos esta tríplice tarefa. O que o tornaria, no jargão letrado, um transcriador ou recriador. Antonio Medina Rodrigues, bem salienta: "As notas (à tradução) compreendem não só observações sobre a obra completa dos grandes épicos, mas também sobre poetas como Camões, Ariosto, Milton, Tasso, Filinto Elísio, Chateaubriand, Chénier, Voltaire, Madame Staël, etc, como referências comparativas, ligadas quase sempre ao esclarecimento de problemas direta ou indiretamente relacionados com a tradução." Porém, para evitar um quê de anacronismo crítico, Odorico Mendes simplesmente resgata o conceito antigo de emulação, na medida em que o processo inventivo, mimético por excelência, observa a produção textual anterior e a recicla como reflexo de modelo a ser seguido. Muita vez ainda a citação é imediata, ipsis litteris. Tal técnica, prevista retoricamente, cria certa cumplicidade entre autor e leitor, porquanto o primeiro cita para que o segundo reconheça, ludicamente. Dessa forma, tanto para os mais modernos, como para os mais antigos, Odorico nisto é perfeito. No primeiro caso, agindo como transcriador que opera a tradição, formatando seu universo crítico. No segundo caso, tradutor que reconhece as práticas retóricas que passam pelo trinômio: inventar, imitar e emular. Sob outro recorte, o grego em mais momentos do que o latim, ambas línguas de origem dentro do manancial de tradução do maranhense, oferece uma curiosidade interessante: a composição de palavras. Isto torna os textos homéricos extremamente concisos e com carga significativa diferenciada, uma vez que uma só palavra é composta de outras tantas. Assim, dentro de uma tradução, teríamos de usar em português uma frase para traduzir uma palavra. Odorico foi o primeiro a solucionar este problema, criando inúmeros neologismos para aproximar o texto em português dos originais greco­latinos. Assim, surgem: infrugífero mar;

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altipotente Jove; celerípede Aquiles; olhiespertos gregos; nubicogo Saturno; arciargênteo Febo; Aurora dedirrósea; Nereida argentípede; auritrônea Juno; etc. Tais epítetos, muito longe da bestialogia aferida por Candido, inserem­se delicadamente no contexto, contribuindo com a fluidez desejada pelo épico, como nesta fala de Calipso na Odisséia (Canto V): "(...) Freme Calipso e rápido responde: 'Cruéis sois todos, ínvidos, ciosos De que em seu leito, às claras, uma deusa Mortal admita e ame e aceite esposo. Roubado Órion da Aurora dedirósea, O invejastes, vós deuses, té Febe Casta e auritrônia o derribou na Ortígia Com brandas frechas;' (...)" Outra habilidade lapidar é o manejo com o verso decassílabo. Tanto as epopéias de Homero como as obras de Virgílio haviam sido escritas utilizando o verso hexâmetro datílico (seis pés métricos cuja unidade mínima é o dátilo ou o espondeu), medida que se aproxima do alexandrino (doze sílabas poéticas). Odorico Mendes, entretanto, nos moldes renascentistas, opta pelo decassílabo (dez sílabas) – verso típico das epopéias em língua portuguesa (Os Lusíadas, O Uraguai e O Guesa). Afirma sobre esta questão Silveira Bueno em 1956: "Deu ao decassílabo toda a fluidez possível em tão pequena extensão de dez sílabas, movendo a cesura desde a quarta e oitava, acentuação par, até a de terceira e sexta sílaba, acentuação ímpar." Esta opção lhe trouxe um problema significativo: a diminuição do espaço versificado. Ou seja, o poeta­tradutor, além de adequar sua versão a uma língua menos concisa do que o grego e o latim, ainda se arvorou no direito de diminuir o espaço para efetivar sua tradução. Isto não é tudo. Suas traduções, limitadas pelo tipo de verso escolhido, ainda são mais concisas que o original. Odorico Mendes consegue vestir um pé 42 num sapato 40 e o resultado lhe é excepcionalmente confortável. Isto é, o resultado traduzido não deve nada em conteúdo e seu tamanho é menor que o original. Assim, ao se fazer o cotejo com o original, facilmente se observa a não­linearidade entre o texto de origem e o resultado final (a Odisséia no original possui 12.106 versos, enquanto sua versão, 9.302) . Este feito, se, por um lado,

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dificulta a operação de comparação para aqueles que não tem acesso ao idioma de origem, por outro, assevera a indiscutível habilidade do mestre tradutor com o sistema de metrificação e com aquilo que se espera da boa poesia – concisão. O mundo da tradução no Brasil, apesar de tentativas esparsas, constitui­se, ainda hoje, incipiente, principalmente se forem observados os clássicos greco­latinos. Em outros países, mormente os centrais, há aquilo que chamamos tradição da tradução. Somam­se, diacronicamente, séries de tradução de um mesmo texto. Dessa maneira, imperfeições, erros e titubeios – e afinal, como diria Horácio, até Homero dormita – são sanados de geração para geração. Isto ainda não ocorre no Brasil, haja vista que para as obras homéricas só possuímos duas versões em verso (Odorico Mendes e Carlos Alberto Nunes), da mesma forma que para as obras de Virgílio são também escassas as possibilidades. Nesse sentido, mesmo que verídicas as afirmações depreciativas acerca do trabalho de Odorico Mendes (e não acredito que sejam), sua relevância já estaria posta à prova, pois ele foi o primeiro a perpetuar no vernáculo as obras fundadoras da civilização ocidental, além de apresentar caminhos importantes na difícil vida do tradutor. Ademais, deixemos que a "dedirrósea Aurora" faça falar os seus textos, pois somente o tempo e as letras podem comprovar sua importância primeva; além disso, fiat iustitia et pereat mundus! (faça­se a justiça ainda que o mundo pereça!). * * *

Baracat

14 ago Indicação para os apreciadores de Odorico Mendes Esbarrei, por acaso, com um livro delicioso: "Notas de Português de Filinto e Odorico", do cearense Martinz de Aguiar, publicado em 1955. Trata-se de um livro comentando as notas elaboradas por Filinto Eliseu, na sua tradução das "Fábulas" de La Fontaine, e por Odorico Mendes, na tradução da "Enéida". Um livro realmente fantástico, para quem quer aprender poesia, tradução e, sobretudo, português.

"Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar." Friedrich Wilhelm Nietzsche "Navigare necesse; vivere non est necesse" - latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu]

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http://www.lancette-arts-journal.ca/book_nonfiction18.htm We often misquote Voltaire with his supposed, "I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it." What he actually did say to Frederick of Prussia is this: "I am a tolerant man, and I consider it a very good thing if people think differently from me." Outra versão é a que segue: A verdadeira autora é Evelyn Hall, inglesa que publicou uma biografia de Voltaire em 1906. A frase é a interpretação pessoal de Evelyn sobre o trecho abaixo, escrito por Voltaire: "Adoro o autor do livro 'Do espírito' [Helvétius]. Este homem é melhor que todos seus inimigos

juntos, mas nunca aprovei nem os erros de seu livro, nem as verdades banais que defende

tão enfaticamente. Defendi-o com veemência quando homens absurdos condenaram essas

mesmas verdades."

A explicação completa da confusão está neste link:

http://fr.wikipedia.org/wiki/Tol%C3%A9rance#cite_note-2 Dom Quixote: p. 146: — Pelo menos quero, Sancho, porque assim é necessário – disse Dom Quixote —, que me vejas nu em pêlo, e fazer uma dúzia ou duas de disparates; não me levarão nem meia hora; tendo—os tu presenciado pelos teus olhos, já podes jurar sem carrego de consciência todos os mais que te parecer acrescentar. — Pelo amor de Deus, senhor meu – disse Sancho —, não me obrigue a ver a Vossa Mercê nu em pêlo; isso era para mim uma grande aflição, e até me fazia chorar sem querer (...) http://euresiskosmekco.blog.com/2118793/

Tuesday, 25 September 2007

Language and Culture

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Indo­europeu,linguística e racismo...

Izidoro Blikstein(Revista USP,1993)

Voltar às origens, descobrir o povo ou raça primitiva, recuperar a língua original deve ser mesmo o grande sonho ao longo da história da humanidade, porque, como bem observou Don Cameron Allen(1), "o homem é um incorrigível genealogista que consome a vida inteira à procura de um pai".

Nesse sentido, a noção de indo­europeu, como origem das modernas línguas européias, como berço das civilizações européias e indo­arianas, ou ainda como povo ou raça de onde se originaram europeus e indianos, tem sido tão sedutora e teve tais desdobramentos que "indo­europeu", talvez, seja muito mais conhecido e explorado por aquilo que não é do que por aquilo que realmente seja. É oportuno, poislogo de início, dissipar o manto da ilusão que envolve esse conceito e afirmar algo que, para o senso comum, pode soar como heresia ou disparate. indo­europeu não é propriamente uma lígua ou um povo e, muito menos, uma " raça"!!!! Indo­europeu é, antes de tudo, uma hipótese de trabalho construída no século XIX por linguistas e filólogos que, ao descortinarem o parentesco entre as línguas indo­arianas ou indo­iranianas, faladas na Índia ou no Irã antigos(vale observar que os termos "ariano" e "iraniano" estão ligados à palavra sânscrita Aryas , "nobre", "senhor"), e as línguas européias, propuseram, para esses dois grandes grupos linguísticos, uma origem comum, batizada convencionalmente com o nome de "indo­europeu". Hipótese de trabalho. . . parece pouco, mas foi graças a essa hipótese que gramáticos, filólogos e estudiosos das línguas clássicas antigas, como o grego e o latim, desprenderam­se da ótica tradicional da cultura européia, ampliaram os seus horizontes e perspectivas linguistícas, assentando, então, as bases da gramática comparada das línguas indo­européias, um dos mais fecundos aparelhos teóricos­metodológicos da moderna ciência linguística.

E tudo começou entre a segunda metade do séc. XVIII e o início do séc. XIX, com a revelação do sânscrito­a refinada linguagem dos textos sagrados e literários do hinduísmo(é bom lembrar: Sânscrito é um adjectivo que significa "bem feito", "enfeitado";"adornado")­ao mundo intelectual do Ocidente. Pasmem o leitor!!!Logo o sânscrito, essa coisa mental, exótica, mística, ensinada no Departamento de Línguas Orientais da Universidade de São Paulo, e que ninguém sabe direito o que é e para que serve? Pois é, caro leitor, foi o conhecimento do sânscrito­essa língua esquisita que tanta estranheza e (por que não dizer?)tanta ferocidade tem despertado em ciosas e pragmáticas mentes que, enxergando a Universidade como uma ativa empresa, produtora ininterrupta de. . . salsichas(como aquelas de Meu Tio, do genial e esquecido Jacques Tati), gostariam de banir tudo o que não fosse "produtivo"­, foi justamente a revelação do sânscrito, repito, que possibilitou aos filólogos e linguistas, a partir da constatação do parentesco entre as línguas européias e indo­iranianas, estabeleceram aquele que pode ser considerado o primeiro método seguro e objetivo para a análise e a descrição dos sistemas linguistícos, a saber, o método histórico­comparativo . Tal parentesco fica evidente num simples confronto de palavras sânscritas com formas latinas, gregas, eslavas, germânicas e de outros grupos de línguas européias. São notavéis, por exemplo, as semelhanças formais entre:sânscrito asti, latim est, grego esti=é(verbo "ser");sânscrito yugam , latim iugum, grego dzugon, germânico yuk ="o jugo", sânscrito pitr, latim pater, grego pater, germânico fadar = "pai";sânscrito matr, latim mater, grego mater, eslavo antigo mati, germânico modar = mãe. Na verdade, as semelhanças entre o sânscrito e as línguas européias já tinham sido percebidas bem antes do séc. XIX. Ocorre, no entanto, que a história das idéias e do pensamento não é linear;ao contrário, ela é descontinua e, no dizer do eminente linguista romeno Eugenio Coseriu(ataulmente professor de Linguística Românica na Universidade de Tubingen, Alemanha Ocidental), a história da ciência linguística é "cheia de ocos, a tal ponto que, reiteradamente, as mesmas coisas voltam a ser «redescobertas». . . "Assim, já no

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séc. XVI, o italiano Filipo Sassetti (que morou em Goa) notara as correspondências entre o sânscrito e o italiano, sobretudo na categoria dos numerais­por exemplo. italiano sette, sânscrito sapt;italiano nove; sânscrito nava , etc, ­, mas tais observações, que só vieram à luz no séc. XIX, eram pontuais, isoladas e careciam de uma interpretação mais profunda em que se identificassem as causas de tais semelhanças.

A partir de aproximações entre formas como o sânscrito danam e o latim donum = dom, do sânscrito agnis e latim ignis = fogo. O jesuíta francês Coeurdoux, que viveu na cidade indiana de Pondichéry, foi mais longe ao sustentar, em 1768, em Paris, que as semelhanças entre o sânscrito, o latim e o grego se deviam a um parentesco de origem. Mas suas teses também permaneceram inéditas(só foram publicadas em 1808)e isoladas, sem a força e a ressonância necessárias para gera um movimento científico e intelectual em torno da "descoberta" de uma origem comum das línguas européias e indo­européias . Tal movimento seria desencadeado pelo pronunciamento do diplomata inglês William Jones que, em 1786, na Sociedade Asiática de Calcutá, demosntraria como a comparação entre o sânscrito, o latim e o grego realçava semelhanças formais e semânticas que só poderiam ser explicadas por um parentesco de origem. Esboçavam­se, então, noções fundamentais para o estudo histórico­ comparativo das línguas indo­européias:comparação, parentesco, e origem comum.

Era o embrião da gramática comparada das línguas indo­européias ou, num plano mais amplo, da linguística indo­européia, na qual o sânscrito desempenharia um papel indispensável para o controle e a verificação das inferências obtidas pelo confronto e a comparação das formas sânscritas, latinas, gregas, etc. . . Esse papel foi determinado sobretudo pela distância entre Índia e o Ocidente. De fato, os enormes hiatos culturais históricos e geográficos entre o mundo indiano e a Europa, ao isolarem o sânscrito de seus parentes linguísticos europeus, tornaram­no um precioso instrumento de comparações e deduções. Assim, quando a semelhança entre formas latinas e gregas se estendesse também ao sânscrito, tal concodância não se deveria ao acaso, nem a uma eventual, e praticamente impossível, do latim ou grego sobre o sânscrito, e nem tampouco a uma relação "natural" entre forma e conteúdo (ou significado e significante), pois sabemos, conforme a lição clássica de Ferdinand de Saussure, que a relação entre a palavra e o seu significado, londe de ser permanente e "natural", é arbitrária e convencional.

Consequentemente, a proximidade formal e semântica entre latim, o grego e o distante sâncrito só poderia ser explicada por uma origem comum. Como bem observou um dos grandes mestres da linguística indo­européia, o francês Antoine Meillet, em sua fundamental Introduction à l 'Étude Comparatives des Langues Indo­européennes (2), "a coincidência de três línguas não­contínuas é suficiente para garantir o caráter indo­europeu de uma palavra. . . " Para ilustrar o papel do sânscrito na detecção da origem comum de formas européias e indianas, vale citar, apenas como exemplo, os termos que designam o conceito "pensamento" nessas línguas;de fato, a comparação entre sânscrito manas , o latim mens e o grego menos permite, a partir de elementos comuns às três línguas, como M e N, postular uma origem, ou raiz comum que seria, por hipóotese, *men­. O asterisco é uma convenção adotada por linguistas para indicar uma forma hipotética. E *men­ seria, então, uma raiz indo­européia hipotética, que não pode ser comprovada por documentos e foi estabelecida pela comparação entre as formas sânscritas, latinas e gregas, e pela constatação dos elementos que lhes eram comuns.

Foi, portanto, assim que a comparação de formas e a detecção de elementos comuns ao sânscrito, latim, grego, eslavo, germânico, etc, permitiram aos linguístas a postulação de uma hipotética origem comum para esses grupos linguísticos. o indo­europeu. Eclode então, no começo do século XIX, um deslumbramento dos intelectuais e, particularmente, dos filólogos e linguístas:a reconstrução da língua original, o indo­europeu, a partir da comparação entre o sânscrito e as línguas européias. Origem das línguas, reconstrução da língua primitiva, comparação passam a ser os temas dominantes do momento. Assim é que, em seu entusiasmado livro Uber die sprache und Weisheit der Indier (Sobre a Língua e a Sabedoria dos Indianos), publicado em Heidelberg, em 1808, Frederico Schleguel(1772/1829), pioneiro dos estudos indianos, foi um dos primeiros a utilizar a expressão vergleichende grammatik, "gramática

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comparada", bem como a proclamá­la como o método científico que conduziria à origem das línguas. Nessa obra tão representativa da mentalidade linguística da primeira metade do século XIX, vale ressaltar duas questões de principio, verdadeiros "pontos de honra" , ardorosamente defendidos por Schlegel, e cujos desdobramentos determinariam alguns rumos "enviesados" da ciência linguística. Um primeiro ponto de honra para Schlegel é que vergleichende Grammatik , "gramática comparada" ao estudar as relações entre o sânscrito e as demais línguas, poderia certamente fornecer "informações inteiramente novas acerca da genealogia da linguagem, assim como a anatomia comparada deitou luz sobre a história natural. . . "(3)

Já é possível entrever nas palavras de Schegel o vezo genealógico eo germe naturalista­positivista que iriam marcar toda uma geração de linguistas para quem as línguas deveriam ser estudadas como organismos naturais que nascem, crescem, envelhecem e morrem. Um segundo ponto de honra era o papel primordial da Índia no contexto do mundo indo­europeu;dentro do clima de euforia gerado pela "descoberta" e o ensino do sânscrito (é bom lembrar a atuação desbravadora da Escola Nacional de Línguas Orientais Vivas que, criada em Paris, em 1975, foi responsável pelo ensino e a divulgação das línguas e das literaturas da Índia e Irã), Schlegel considerava os indianos como os criadores da linguagem, da sabedoria e da cultura indo­européias. Tal concepção constitui, na verdade, uma "faca de dois gumes" para a história do pensamento linguístico. De um lado, o entusiasmo pela Índia justificava­se plenamente. além de propiciar o estudo comparativo(ou a gramática comparada) e a descoberta da origem comum das línguas indo­européias, a revelação do sânscrito descortinou, para os intelectuais do Ocidente, toda riqueza temática e linguística da cultura e da literatura indianas. De fato, as vastas e variadas coleções de textos indianos tratavam de tudo:cosmogonia e religião nos Hinos Védicos, filosofia nas Upanichades, história, astronomia, medicina, direito(Leis de Manu), erótica (Kamasutra), música, literatura(as epopéias Mahabharata e Ramayana), teatro­e bom lembrar que, ainda recentemente, o prof. Carlos Alberto da Fonseca(da área de Língua e Literatura Sânscrita, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo)promoveu, com êxito, a encenação da peça Chacuntala , uma bela construção dramática e póetica do teatrólogo Kalidasa.

Mas. . . ­na sinuosa história da Linguística há sempre um porém ­o papel do sânscrito foi superestimado a partir de um viés da percepção histórica dos primeiros indo­européias. O fato é que o sânscrito foi valorizado não pelas qualidades e virtudes intrínsecas à expressão linguística e à cultura indianas, mas por um estereótipo que, durante o século XIX(e mesmo no século XX!!!), norteou formulações pretensamente científicas, a saber, a Índia ou o povo indo­iraniano como fonte mais pura e antiga de nossas origens culturais e linguísticas. Essa percepção enviesada e, sobretudo, entusiasmada acabou por desencadear uma verdadeira indomania para cuja difusão muito contribuíram as teorias de dois eminentes linguístas alemães:Franz Bopp(1791­1867), o "descobridor" da gramática comparada das línguas indo­européias, e August Schleicher(1821­68), o "naturalista" da ciência linguística. Bopp é, incontestavelmente, o criador do método histórico­comparativo, essencail para o estudo da origem e formação das línguas indo­européias. Apesar dos trabalhos desbravadores de alguns ilustres antecessores e contemporâneos seus­como o já citado Schelegel, ou o dinamarquês Ramus Rask que, embora pioneiro na descrição e comparação das línguas indo­européias (pois foi praticamente o primeiro a estabelecer as regras ou "leis" que permitiram esclarecer mudanças fonéticas ocorridas na evolução das diferentes línguas indo­européias a partir de uma origem comum, como se pode verificar em seus penetrantes estudos sobre norueguês eo inglês arcaico e, mais especialmente, sobre zende ou persa antigo), Ramus Rask, repito, não teve a boa sorte de divulgar a sua obra em tempo oportuno, em parte, pela necessidade de tradução de seus textos, escritos em língua pouco acessível, como o dinamarquês , e, em parte, por sua morte prematura(1787­ 1832), ou ainda o célebre compilador de contos de fadas, Jacob Grimm(1785­1863) que, com sua Deutsche Grammatik, demonstrou a importância da perspectiva histórica no estudo da evolução fonética dos dialetos­, a despeito de todo esse pioneirismo, é Franz Bopp que leva o título de fundador definitivo da gramática histórico­comparativa, com dois lances decisivos para a história da linguística indo­européia. O primeiro foi a publicação, em 1816, de Sobre o Sistema de Conjugação Sânscrita

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Comparado ao das Línguas Grega, Latina, Persa e Germânica, em Bopp se empenha em demonstrar como o sânscrito é a língua que melhor ilustra a estrutura do indo­europeu. Consequentemente, segundo Bopp, estará mais preservada a língua cuja estrutura apresentar mais afinidade com a do sânscrito. É o caso do grego, do latim e do germânico, citadas reiteradamente por Bopp como línguas mais "puras", justamente por estarem mais próximas do sânscrito.

O segundo lance foi a publicação da Gramática Comparada do Sânscrito, do Zende, do Grego, do Latim, do Lituano, do Gótico e do Alemão, em 1833, quando Bopp enfatiza não só a condição do sânscrito como língua mais antiga e mais pura mas, sobretudo, o estreito parentesco entre essa língua e os dialetos germânicos. O entusiasmo de Bopp pela perfeição e pela pureza das línguas indo­eurpéias leva­o a um "disparate": "as línguas semíticas são de uma natureza menos fina. . . "(sic!!!). Infelizmente, tais observações, de cunho apenas metodológico, assumem o caráter de verdades e vão circular como autênticos clichês no senso comum do pensamento linguístico do século XIX, criando uma lógica casuística, base para o surgimento de alguns grandes mitos sobre a origem dos povos e das línguas, bem como sobre as relações entre língua "pura" e raça "pura". . . , como foi o caso do arianismo. A partir de uma visão "naturalista" da evolução linguística, August Schleicher edifica todo um aparelho teórico, em sua obra A língua alemã (1860), para demonstrar que a evolução do indo­europeu para as línguas indo­européias se deu de modo semelhante ao crescimento de uma planta: é como se a língua fosse um organismo "natural", com raiz, tronco e ramificações. Para Schleicher, as transformações linguísticas constituíram um "afastamento", uma espécie de degeneração, e era preciso, portanto, voltar ao tronco, à raiz, para reconstituir a origem "pura" das línguas indo­européias, também aqui, o sânscrito era a língua mais próxima da raiz indo­européia, razão pela qual Schleicher chegou a escrever fábulas em indo­europeu, tomando por base o vocalismo do sânscrito, em que a vogal predominante era a (Avis Akvasas ca, "a ovelha e o cavalo"). Ora, na verdade, o sânscrito não era tão arcaizante assim, pois o timbre vocálico a constítuia uma inovação, como tão bem o demonstrou Ferdinand Saussure, em 1878, com seu desbravador trabalho sobre o sistema primitivo de vogais em indo­europeu. Ocorre que, como bem observou E. Coseriu, a história das idéias linguísticas, em vez de linear e lógica, é uma sequência desordenada e cheia de ocos. Assim é que a lição de Saussure não teve a necessária repercussão na época e o que predominou foi a imagem de um sânscrito arcaico e puro, reforçando a indomania que carregava no seu bojo o mito ariano.

E como nesse mesmo século XIX, no esplendor do movimento romântico, uma certa intelectualidade alemã buscava as suas origens (Ur, em alemão) étnicas e linguísticas (a Ursprunglich Sprach, "a língua original"), surgiu a germanomania que muito se beneficiou da indomonia. Uma explicação das origens do povo e da língua germânica elaborou­se casuísticamente, com a seguinte lógica:

1) o sânscrito, língua falada pelos arvas, reflete a pureza do indo­europeu;

2) o alemão está próximo do sânscrito e das origens ariana;

3) o alemão também reflete a pureza ariana. Resulta daí o arianismo como um conceito étnico­linguístico! E o alemão é apresentado como língua perfeita de uma raça perfeita:a raça ariana.

Mas essa "lógica" não deve surpreender o leitor:na verdade, tal concepção étnico­linguística já vem de longe, na história de uma mentalidade "germânica"!No século X, após a fundação do "I Reich", já é possível perceber nas palavras do Bispo Liutprando de Cremona um forte sentimento de "germanidade" em oposição a uma "latinidade": "nós, os lombardos, os saxões, os francos, os lotaríngios, os bárbaros, os suevos, os borguinhões temos um tal desprezo pelos romanos que, quando procuramos exprimir nossa cólera, não encontramos termo mais injurioso para insultar nossos inimigos do que o de romanos. . . "(4)

A consciência étnico­linguística da germanidade pode ser ilustrada pela observação de Notker, o Gago, religioso de Saint­Gall(também do século X), ao estabelecer uma clara distinção entre "nós, que falamos a língua têutisca. . . " e os outros que falam idiomas romanos ou eslavos. Vale lembrar que o termo "têutisca"

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ou "teutônica"(em que parece estar presente theo, deus) teria originado deutsche, "alemão". Muito oportunamente, Léon Poliakov criticou a suposta relação entre a língua e etnia: ". . . a um milênio de distância, um sentimento comunitário primitivamente expresso em termos de "língua" acabou por ser formulado em termos de "raça", como se estes dois conceitos, intercambiáveis entre si, recobrissem a mesma realidade psico­histórica". (5) Esse sentimento de germanidade, que englobava os conceitos de língua/povo/raça/nação/sangue/origem, foi desencadeando, pouco a pouco, um deslumbramento místico­religioso, como podemos verificar, p. ex. , nas palavras e idéias de :

a)uma discípula da religio sa ranana Hildegard von Bingen(séc. XII), segundo a qual Adão e Eva falavam a "têutonica língua" ;

b)um médico alsaciano, Lorenz Fries(séc. XVI), para quem o alemão era superior ao francês, por representar a ursprunglich sprach("a língua original");

c)Lutero que se vangloriava de poder entender e encontrar Deus". . . na língua alemã, que nunca nem eu nem vós pudemos encontrar nem em grego e nem em hebraico. . . "(6)

E, por falar em Lutero, é exatamente na epóca da Reforma que se configura, com mais nitidez, o mito do homem alemão , a partir da relação entre a alegada pureza primitiva da língua e as origens da nação alemã. Como bem assinala o historiador Paul Joachinsen(7), essa obssessão pela Ur ("origem"), isto é, pelo resgate das origens do povo germânico (germanische Urzeit), acaba por conduzir "à elaboração de um certo ideal do homem alemão. . . ", cujas qualidades provêm não de uma herança "transferência pontifíca" mas de uma herança ancestral daqueles invencíveis germanos que "abateram o colosso romano". Esse vínculo do homem alemão com os tempos arcaicos da Germania provocará uma fratura definitivamente entre a germanidade(Deutschland) e a latinidade(ou não­germanidade, a Welchsland). É o embrião da germanidade primitiva, vão proclamar e alimentar o tema recorrente da pureza da língua/raça alemã, até o momento em que, no século XIX, com o avanço da linguística indo­européia, sobretudo a "descoberta" do sânscrito, a germanomania se cruzará com a indomania, em direção ao mito ariano. . . Adolf Hitler não está sozinho, portanto, ao expor, em Mein Kampf (Minha luta), a "superioridade" do ariano diante da inferioridade do semita. Antes de Hitler e com Hitler, houve e há muitas vozes e textos preparando o terreno para a construção de um racismo com base étnico­linguísticas. Assim é que, por volta de 1750, o considerado primeiro grande poeta da Alemanha moderna, Friedrich Gottolob Klopstock, propõe uma nova cosmogonia, substituindo as musas e deuses gregos pelos mitos e deuses germânicos, ao mesmo tempo em que proclama a pureza da "nossa língua"(unsere Sprache) , ou melhor, o alemão. Na esteira de Klopstock, o mitólogo Herder e, mais particularmente, seu discípulo Friedrich Gracter semeariam as bases de uma "religião" germânica;Graeter destacaria, por exemplo, as virtudes dos heróis dos Nibelungen(8) . Mas em 1780, a germanomania sai do estágio embrionário e difuso parra ser oficialmente consagrada no pronunciamento do Conde de Hertzberg, perante a Academia de Ciências de Berlim, sobre "as causas da superioridade dos germanos sobre os romanos"(9). A partir de então é possível perceber, com a "instalação" da germanomania na história da mentalidade alemã, a frequência com que eclodem as manifestações em prol da pureza e heroísmo ancestrais do homem alemão. Por volta de 1800, Schiller elege o povo alemão como o "núcleo do gênero humano" e profetiza a primazia da língua alemã sobre todas as outras. E Hoelderlin sonha com o glorioso passado da Alemanha, cantando o heroísmo e a virilidade de seus guerreiros. Já no início do séc. XIX, após a destruição da Prússia, Fichte procurava, em seus Discursos à Nação Alemã(Reden as die deutsche Nation) , entusiasmar e mobilizar a juventude alemã, demonstrando como a filiação com o Urvolk ("povo original")conferia a essa mesma juventude o privilégio de representar a germanidade pura e redentora da humanidade;em tom "bíblico", Fichte advertia os

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jovens da importância de sua missão:". . . se sucumbirdes, a humanidade inteira sucumbirá depois de vós. . . " Não deve ser por mera coincidência que Hitler dirá, décadas mais tarde, no cáp XI, sobre "O Povo e a Raça", de Mein Kampf , que: "Tudo o que possuímos hoje, diante de nós, de civilização humana, de produtos de arte, da ciência e da técnica, é quase exclusivamente fruto da atividade criadora dos arianos. Esse fato permite concluir, pela recíproca, e não sem rezão, que somente eles foram os fundadores de uma humanidade superior e, consequentemente, que representam o tipo primitivo daquele que entendemos sob o nome de "homem". O Ariano é o Prometeu da humanidade;a centelha divina do gênio brotou sempre de sua fronte luminosa(. . . ). Se fizéssemos o Ariano desaparecer, uma profunda escuridão desceria sobre a terra, em alguns séculos, a civilização humana se dissiparia e o mundo se tornaria um deserto. "(grifos meus)

Cabe insistir:Hitler nunca esteve sozinho. Sempre foi muito bem cercado por toda uma plêiade de precursores e vizinhos". Dentre estes, o conde Joseph Arthur de Gobineau(1816­82)faria escola com seu clássico Essai sur inégalité des races humaines(Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas). Publicada em 1853, a obra de Gobineau, em que se expunha a teoria da supremacia ariana, suscitou reações polêmicas:alguns consideravam um trabalho soberbo, embora mal conhecido, enquanto outros o viam como um texto elitista, próprio de uma nobreza que, em decadência, reclamava à necessidade da preservação da pureza racial. Mas é inegável o seu impacto e a sua influência em intelectuais seduzidos pela Ur("origem")ariana, como o compositor Richard Wagner e, mais especialmente, seu genro Houston Stuart Chamberlain, autor do fanaticamente racista Os Fundamentos do século XIX. E, quaisquer que fossem as intenções , Gobineau de sua obra desencadearia um surto de idéias e teorias racistas, como observa oportunamente Lydia Flem em Le Racisme (10):

". . . ele não incita ao crime, é muito «elegante», para tanto, é difícil, entretanto, negar que seu Ensaio seja racista".

Com efeito, ao defender a hegemonia da raça branca, Gobineau sustenta a tese de que somente os brancos, oriundos dos "Arianos" e mantidos quase puros até o início da era cristã, possuem "os dois principais elementos de qualquer civilização:uma religião e uma história";não haveria, portanto, uma verdadeira civilização, onde não houvesse dominação de algum ramo ariano. Fica evidente, pois, que, na construção do mito ariano, o papel de Gobineau foi o de formular "cientificamente" a relação entre pureza étnico­linguística e superioridade da raça ariana, apoiando­se nos argumentos inspirados na linguística ndo­européia e nas ciências da moda, nesse fim do séc. XIX, a saber, a craniologia(pela qual se procurava determinar a relação entre o formato do crânio e a superioridade racial) e a antropologia física. O Essai de Gobineau consolidou­se a tal ponto como referência para as ciências no século XIX que, a partir dele, a idéia de uma nítida oposição entre ariano e não­ariano passa a circular como lugar­comum entre os teóricos, ensaístas e pensadores europeus. Basta lembrar Renan que, seguindo o exemplo do renomado filólogo Max Muller, fazia a apologia do arianismo, ao escrever, em 1855, em sua Histoire Générale et Système Comparé des Langues Sémitiques(História Geral e Sistema Comparado das Línguas Semíticas):

"sou. . . o primeiro a reconhecer que a raça semítica, comparada à raça indo­européia, representa realmente uma combinação inferior da natureza humana. . . "

E. Dumont, em seu La France Juive(A França Judia), realiza, em 1886, a primeira síntese dos temas do moderno anti­semitismo, como bem assinala Lydia Flem no já citado Le Racisme: ". . . herança antijudaica cristã, anticapitalismo judeófobo popular e teses racistas da nova antropologia física do séc. XIX. . . " Mas é digno de nota que Dumont reforça, bem à maneira de Gobineau e de Renan, a oposição ariano/semita: ". . . o semita é mercantilista, cúpido, intrigante, sutil, astuto:o ariano é entusiasta. eróico, cavalheiresco, desinteressado, franco e de uma confiança que chega à ingenuidade. . . "

E até mesmo­quem diria!??Nietzsche, em O Nascimento da tragédia, distinguiria a essência ariana da essência semita. Nesse quadro geral do ideário racista, vale assinalar que, se a superioridade física

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dos arianos tinha sido " comprovada" pelos estudos "científicos" da craniologia e da antropologia física, os próprios craniólogos e antropólogos, como Paul Broca(1824­88) ou Adolf Bastin (1826­1905), reconheceriam a contribuição inevitável(embroa não necessariamente premeditada)da linguística e da filologia indo­européia para a teoria racista do arianismo. Para Broca, os antropólogos eram tributários dos linguistas;para Bastian, que saudava "a tirania dos sanscritistas", a filologia substituía com vantagem a craniologia(11). É por esse tortuoso itinerário que chegaremos à consagração da ideologia racista com o já citado Os fundamentos do século XIX , de Houston Stuart Chamberlain, defensor incondicional do arianismo. Para Chamberlain, "mesmo se fosse provado que jamais houve raça ariana no passado, queremos que haja uma no futuro:para homens de ação, eis um ponto de vista decisivo" (12). Para o imperador Guilherme II, seu correspondente durante mais de vinte anos, Chamberlain defendia ardentemente um "arianismo germânico original" como o caminho a seguir para a salvação da Alemanha e, consequentemente, do gênero humano(13). Nesse cruzamento de textos, Chamberlain teria forte influência em O mito do século XX , síntese do racismo nazi­facista, de autoria de Alfred Rosenberg, filósofo do partido nazista. Para completar o cerco dos "vizinhos" de Hitler, é oportuno citar o poeta vienense Otto Weininger que, nascido em 1881, suicidou­se e, 1904, por ódio de si mesmo(Selbest Hass);usando de uma argumentação estranha, para não dizer absurda e típica de uma personagem de Ionesco, Weininger estabelece uma relação entre feminilidade e judaísmo: "nosso tempo não é somente o mauis judeu, mas também o mais feminino de todos os tempos". (14)

Coincidentemente(!!!????), em Mein Kampf, Hitler apontará o traço feminino como uma característica da fragilidade do não­ariano e, mais particularmente, do semita. Mas não deixa de ser notável, e doloroso, observar que toda essa celebração da pureza e da superioridade étnico­linguística do ariano­alemão não é coisa do passado!Em 1966, numa famosa entrevista concedida à revista alemã Der Spiegel, ninguém menos que Martin Heidegger, defendendo a excelência da língua alemã, diria tranquila e convictamente: "Penso num parentesco particular que existe, no interior da língua alemã com a língua dos gregos e com seu pensamento. É algo que os franceses hoje me confirmam o tempo inteiro. Quando eles começam a pensar, falam alemão. . . "(15)

Como já dissemos aqui, por mais de uma vez Mein Kampf, de Hitler, não é um produto isolado:trata­se de um texto resultante de um cruzamento de vários outros textos, atgé mesmo de Heidegger. Bem, é desnecessário enumerar aqui as consequências práticas de toda essa ideologia linguístico­étnico­racista. Certamente não foram acontecimentos muito lisonjeiros para a história da humanidade. Mas não deixa de ser pelo menos irônico lembrar aqui um pormenor que retoma, em toda a sua inteireza, o tema de nosso artigo. De fato, como é melancólico contemplar aquela advertência zelosamente colocada num banco de jardim, em pleno apogeu do nazismo:NUR FUR ARIER, isto é, "só para arianos". É um triste produto dos descaminhos de uma bela ciência, a linguística indo­européia. E um triste destino para arya, palavra que designava inicialmente a antiga tribo indo­ariana e cujo significado se ampliou, adquirindo o sentido de "homem livre", "nobre", "amigo" e "senhor"!

Eis aí uma dura lição para os teóricos, ensaístas, intelectuais e, particularmente, linguístas e filólogos. Isolados e alienados entre as quatro paredes do nosso huis clos pretensamente científico, desinteressado ou não­consciente dos dessdobramentos, explorações, ou "barateamento" de descobertas aparentemente e momentaneamente "luminosas", podemos enveredar por caminhos sinuosos. É aqui, então, que adquire pleno sentido o sinistro aviso da empregada do Professor em A Lição, de Ionesco. Ao constatar que o Professor , em suas entusiasmadas aulas particulares de "doutorado total" em filologia, acabara de assassinar mais uma aluna, a zelosa doméstica adverte o seu patrão "filólogo" quanto às consequências do ensino da filologia: "L' Arithmétque mène á la Philologie, et la Philologie mène au crime. . . " (A aritmética leva à filologia e a filologia leva ao crime. . . ").

1­POLIAKOV, L.O mito ariano, São Paulo, Perspetiva, 1974

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2­Paris, Hachette, 1922.

3­LEROY, M.As grandes correntes da linguística moderna, São Paulo, Cultrix, 1971

4­POLIAKOV, L.O mito ariano, op.cit.

5­IBIDEM

6­IBIDEM

7­IBIDEM

8­IBIDEM

9­IBIDEM

10­Paris, MA Editions, 1985

11­POLIAKOV, L.O mito ariano, op.cit.

12­FLEM, Lydia.Le racisme, op.cit.

13­IBIDEM

14­IBIDEM

15­"Reponses et Questions sur l' histoire et la Politique", in Mercure de France, 1988

Como pessoa civilizada que sou aprendi a respeitar o livre­arbítrio das pessoas, mas:

"racismo é cafona".Patrícia Fênyiz

Tags: ARTE E CIÊNCIA) | CULTURE AND SCIENCE(SOBRE LINGUAGEM | ABOUT LANGUAGE VOGAIS A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais, Um dia hei de dizer vossas fontes latentes: A, negro e veludoso enxame de esplendentes Moscas a varejar em torno aos chavascais, Golfos de sombra; E, alvor de tendas tumescentes, Lanças de gelo altivo, arfar de umbelas reais; I, púrpuras, cuspir de sangue, arcos labiais

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Sorrindo em fúria ou nos transportes penitentes; U, ciclos, vibrações dos mares verdes, montes Semeados de animais pastando, paz das frontes Rugosas de buscar alquímicos refolhos; O, supremo Clarim de estridores profundos, Silêncios a esperar pelos Anjos e os Mundos: ­­ O, o Ômega, clarão violáceo de Seus Olhos! * A estrela chorou rosa ao fundo de tua orelha, O espaço rolou branco entre a nuca e o quadril O mar perolou ruivo a mamila vermelha E o Homem sangrou negro o flanco senhoril. Notas: “O que distingue esta quadra é a sua composição em quadrados, sua deslumbrante enumeração de quatro vezes quatro palavras que se lêem tanto verticalmente quanto em linha, e em cada quadrado representa ao mesmo tempo um mundo e uma categoria do discurso, numa seqüência duplamente paralela: substância ­­­ ação ­­­ cores ­­­ lugares sensíveis do amor: L’étoile a pleuré rose au coeur de tes

oreilles,

L’Infini roulé blanc de ta nuque à tes reins;

La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles.

Et l’Homme saigné noir à ton flanc souverain.

S. Bernard revelou que se trata de um “brasão” do corpo feminino, já utilizado na literatura européia do séc. XVI, que seria retomado pelos simbolistas. Também traduzido por José Paulo Paes e Augusto de Campos. * * * Vênus Anadiomene Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça Morena de mulher, cabelos emplastados,

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Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa, Com déficits que estão a custo retocados. Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce; Depois a redondez do lombo é que aparece; A banha sob a carne espraia em placas chatas; A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar Pormenores que são de examinar­se à lupa... Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus; ­ E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus. Arthur Rimbaud Notas: Anadiomene (paroxítona), “emergente” (das águas), é atributo de Afrodite, a Vênus dos romanos, nascida da espuma do mar. Rimbaud inspirou­se num poema de Glatigny (Lers antres malsains). A crítica não deixou de assinalar que é um ótimo exemplo daquela “estética do feio”, já encontrável, num tom diverso, em Baudelaire. Assinale­se que o poema se apresenta como um oxímoro, uma descrição a contra­senso da Vênus Botticelliana: “O quadro aqui se desenrola de um detalhe a outro na ordem estereotipada dos nus literários bem como na ordem em que as partes do corpo saem da água, com a diferença de que aqui cada detalhe está precedido do sinal menos” (Michael Riffaterre). Outro aspecto importante: essa sinalização negativa é acentuada pelo fato de que a Vênus de Rimbaud é uma prostituta que se levanta de uma banheira, vista perspectivamente de costas, pois a intenção final de Rimbaud é “mostrar ao leitor que ela tem uma úlcera no ânus”. A inscrição Clara Venus é um anagrama de ULCERA ANVS. A úlcera anal é, no caso desta Vênus, um sinal de beleza, e, como aqui tudo funciona ao inverso, de uma beleza hedionda. Ou seja, a garupa (o traseiro) da Vênus é belo por causa (pelo fato) de nele haver uma úlcera.

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Alexandrinos regulares (6­12) com cesura e esquema de rimas irregular abab cddc eef gfg, mantidos. Em francês, Vénus e anus são rimas perfeitas, o mesmo não acontecendo em português; daí o assonantismo inevitável. * * * A Maliciosa Na escura sala de jantar, que recendia Um forte odor a fruta e a verniz de madeira, Peguei um prato de não sei qual iguaria Belga, e me esparramei numa enorme cadeira. Escutava o relógio, ao comer – pensativo E feliz – quando a porta abrindo em baforada Vem da cozinha a criada e, sem qualquer motivo, ­ Xale frouxo, excitante e muito bem penteada; A passear um dedinho em sua veludosa Face, que era um pêssego branco e cor­de­rosa, E a fazer um muxoxo infantil, que era um gosto, ­ Arranjar ao meu lado o prato, dando ensejo, E me diz: ­ claro, eu sei, para ganhar um beijo – Baixinho: “Vê, peguei uma friage no rosto...”

Charleroi, outubro de 1870.

Soneto da mesma época de errância pelos caminhos belgas e ardenenses, “nele vemos um Rimbaud descontraído, na alegria de viver” (S. Bernard), ao que parece relatando uma vivência não passível de ser rastreada em precedentes livrescos. M’aiser. Regionalismo, tem o significado de “para me facilitar, para me dar chance”. Usamos: dando ensejo. Une froid. Rimbaud critica um falar­errado ou maneira belga de dizer resfriado, que é masculino em francês. Usamos “friage” para reproduzir o tom interiorano.

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Texto­palimpsesto: o subst. Palimpsesto, do grego palímpsestos (“raspado novamente”), se refere ao “antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes [...] mediante raspagem do texto anterior”. Em Oficina de tradução, o palimpsesto passa a ser a imagem exemplar do texto que não pode nunca ser “original”: o texto que se apaga, em cada comunidade cultural e em cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou tradução) do “mesmo” texto. In Oficina de Tradução – A teoria na prática, 4ª edição, Ática, Rosemary Arrojo. * * * “Pierre Menard, autor del Quijote” – Revista Brasileira de Tradutores, nº 5. V. Bibliografia comentada “atingir fulano por ricochete” = atingir alguém de forma indireta Lido num das notas da Poesia Completa de Rimbaud, na tradução de Ivo Barroso Moby Dick – Introdução de Lêdo Ivo: As viagens narradas em seus livros eram, no fundo, a viagem do homem no oceano da vida. Vinha ele, mais uma vez, importunar o leitor do seu tempo com a velha obsessão poético/metafísica de que a vida é uma viagem, transcorrida quase sempre numa nave de loucos. Esta interpretação deambulatória da existência humana está em Homero e em Virgílio, em Dante e em Milton, nos alegoristas medievais e em Rabelais, em Camões e Gil Vicente, em Cervantes e em Swift – e, em nosso século, nos seus dois maiores romances, o Ulysses, de Joyce e o À la Recherche du Temps Perdu, de Proust. Nessas obras­primas veneráveis, o homem está sempre em viagem. Procura o Tosão de Ouro, desce aos infernos ou sobe ao Paraíso, persegue o caminho das Índias ou daquele “Oriente ao Oriente do Oriente” de que fala Fernando Pessoa; reclama uma ilha, descobre seres minúsculos que proclamam a verdade alegórica da parte escondida do mundo.

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(...) Atualmente, o épico nacional Herman Melville é colocado no mesmo nível de Homero ou Virgílio, Dante ou Shakespeare, Cervantes ou Camões. E, quando se trata de situá­lo no quadro da literatura mundial dos dois últimos séculos, o seu nome só se ajusta à constelação em que fulgem nomes da significação de Baudelaire e Dostoievsky, Tólstoi e Victor Hugo, Balzac e Flaubert, Stendhal e Nietzsche, Joyce e Proust, Thomas Mann e Kafka. A vinculação estética de Melville com Shakespeare constitui um dos pólos mais estimulantes do ensaio que lhe dedicou F. O. Mathiessen, no seu American Renasissance. Para esse crítico modelar, o atormentado capitão Ahab, herói da força do mal, pactuando com o Demônio e soçobrando na solidão oceânica, é um novo Rei Lear. Igual linhagem trágica ostenta o ambíguo Pierre: um Hamlet dividido entre o ser e o não­ser. Assim, toda a monumental ficção melvilliana pode resumir­se na reflexão shakespeariana de que a vida é a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing. Reação de Manuel Bandeira à candidatura de seu nome ao prêmio Nobel por iniciativa de amigos em 1960: “O que me desagrada nela é desconfiar que nasceu como reação nacionalista contra a candidatura de um grande escritor português. Ainda aqui vejo certa ingenuidade na atitude dos queridos amigos patrocinadores de meu nome. Pois não há mais mínima dúvida de que, se a Academia Sueca se resolvesse um dia a dar o prêmio Nobel a um escritor de língua portuguesa, Portugal passaria antes de nós. E deixem lá, que como pátria de Camões bem o merece. [14/02/1960] Andorinha, andorinha, p. 31. * * * Profética avaliação de Bandeira, quando o prêmio Nobel foi de fato entregue, finalmente, a José Saramago. "Homo sum, humani nil a me alienum puto". "Sou humano e nada do que é humano me é estranho/alheio". "I am human, nothing that is human is alien to me".

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Terêncio (Publius Terentius Afer: 185 a.C – 159 a.C.) poeta e comediógrafo grego, que viveu apenas 27 anos. Frase que aparece na sua peça Heauton Timorumenos. No Caminho, com Maiakóvski Eduardo Alves da Costa Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. Um crítico literário que o Manuel Bandeira não lembra quem é: "O Sr. Manuel Bandeira inicia o seu livro com o seguinte verso: 'Quero beber! cantar asneiras.' Pois conseguiu plenamente o que queria." Alguém pergunta a um filósofo: ­ Como o senhor está? ­ Estou bem, tenho apenas alguma dificuldade em ser. As 3 perguntas que orientam a ética: Quero? Devo? Posso? Quero, mas não devo. Devo, mas não posso.

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Posso, mas não quero. Mário Sérgio Portela, filósofo e professor (de teologia?) da PUC, entrevistado no Jô dia de 19 para 20 de junho de 2008 Descartes acordou a vida inteira meio­dia e ia dormir às cinco da manhã. (dito pelo professor Mário Portela, acima) Manuel Bandeira, em Andorinha, Andorinha: Pág. 25, “Palavras cruzadas” Brasileiro não sabe o nome das coisas (o “rodízio em que se reúnem as varetas do guarda­chuva” se chama “noete” etc.)

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Maísa, não é entidade não, senhora! Orixá é orixá (nunca foi gente, só para simplificar a coisa e ficar fácil de entender). Entidade (igual a espírito fora da matéria) já foi gente. Exemplos: Pretos Velhos e Caboclos, que existem, aliás, apenas na Umbanda, que sicretizou os cultos genuinamente africanos com o Cristianismo Católico. Não existem no Candomblé. No Candomblé original, sem imagens, só existem orixás, que são, diga-se de passagem, dezenas, e não aquela meia dúzia que conhecemos no dia-a-dia. Por exemplo, os femininos: Oxum, Yemanjá,

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Obá, Iansã e Nanã Boruke. Masculinos: Ogum Xangô, Oxossi, Oxalá, Oxalufã, Obaluaê, Umulu, Exu, Tempo... e Ossanhe, que é metade homem metade mulher. No Panteon, cada um deles, criados e governados por Olorum, a Primeira Inteligência, tem função específica. Interessante é que nenhum deles é mais importante do que um outro qualquer. Na vida bem que podia ser assim... Daí porque, talvez, eu, comunistona de quatro costados, seja do Candomblé... Mãe de Santo... Olorum nos abençoe a todos! LHC, a mulher-sigla ­­­­­ Original Message ­­­­­ From: maisa dillem To: M­[email protected] Sent: Thursday, January 15, 2009 5:42 PM Subject: Re: [M­M] Xangô era Budista!!! Valeu Edu!!! Vivendo e aprendendo, mas eu errei só pelo espirita? Entidade é né? M­músicatambém é cultura!!! Beijão! ­­­ Em qui, 15/1/09, Eduardo S. Martins <[email protected]> escreveu: De: Eduardo S. Martins <[email protected]> Assunto: Re: [M­M] Xangô era Budista!!! Para: M­[email protected] Data: Quinta­feira, 15 de Janeiro de 2009, 17:26

Maísa, Xangô não é uma entidade espírita, é um Orixá do Candomblé, a diferença é fundamental porque Orixá não é espírito de morto, é uma força da natureza, são concepções diferentes. Hoje eu tirei o dia pra pegar no seu pé né?, he! he! he! he! bjs. Edu Mar ­­­­­ Original Message ­­­­­ From: maisa dillem Oi Pessoal, respondendo a todos... Eu sei que no budismo não há esse tipo de preocupação e Xangô é apenas um apelido... Mas eu, assim como o Ancelmo Góis, não consegui deixar de fazer a correlação com a entidade espirita entendem? Beijos!!!

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Bom dia, caro Roberto. Você pergunta:

>> Bom dia colegas de grupo. Em primeiro lugar, peço­lhes que me perdoem a ignorancia e a leiguice minha, mas é pra sanar tal deficiencia que venho recorrer ao grupo atrás de informação. A tempos que, vira e mexa, ouvimos falar de um suposto planeta gigante que se aproxima da terra e que pelo fato de passar perto da mesma irá causar catastrofes e outras coisas. Hora chamam o de SS17, hora Nibiru, hora Herboculus um troço assim. <<

Não, isso é pura fantasia. Delírio de um agricultor colombiano chamado V.M. Rabolu, que por sua vez foi na onda de Samael Aun Weor, um místico também colombiano. A lenda do astro gigante que causa catástrofes aparece em textos ocultistas de vez em quando, e ganhou força quando um tal Zecharia Sitchin "traduziu" escritos sumérios e publicou um livro em 1976 sugerindo que um planeta chamado Nibiru aparece de quando em quando para gerar toda sorte de catástrofes. >> Gostaria de saber dos sabios colegas do grupo, o que tem de verdade nisto daí<<

Zero. Nada. Zilch. Nothing :­) >> e o porque que criaram esta história (Que aparenta ser maluca).<<

Porque tem maluco pra tudo neste mundo, inclusive disposto a pagar muito dinheiro para os malucos (ou seria espertalhões?) que bolaram a idéia em primeiro lugar ;­) >> Até aonde isto tem fundamento e também, caso isto ocorra realmente (vamos supor), o que pode acontecer com a Vida na terra após a possível passagem deste suposto planeta.<<

Não vai acontecer nada, porque tal planeta não existe. Abraços, Daniel http://moinho­vermelho.blogspot.com/2007/11/eu­o­meu­pai­digenes­o­sono­e­o­sol.html A história é a seguinte: Diógenes, o Cão, estava deitado no seu barril, apanhando um delicioso e cálido sol, quando Alexandre, o Grande, o visitou e, colocando-se

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entre o filósofo e o sol, perguntou o que poderia fazer por ele, ao que a resposta do filósofo cínico foi: "Não me tires o que não me podes dar!" Segundo reza a lenda, Alexandre terá dito depois: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes." ... Também o meu pai... ... Também eu... ... Parece que o Sócrates morreu no dia em que o Diógenes nasceu. ______________________________________________________________________________________ no livro "Andorinha, andorinha", que reúne crônicas do Manuel Bandeira: "Será um poema coisa traduzível?", p. 292, título "Antologia diferente", fala do livro The Poem Itself", 1960, com poemas na língua original e, notas ensinando a pronúncia dos fonemas, e extensos comentários em prosa para ajudar o leitor não nativo na língua original a sentir o poema. ================================= Foi Vassari, biógrafo de Da Vinci, quem batizou o quadro que, desde então, passou a se chamar "Mona Lisa", e não Da Vinci. Giorgio Vassari ================================== "O funk é a cola da cidade partida." Mr. Catra ===================================