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Mitos e Ritos Mitos e Ritos Sumário Uma reflexão acerca dos diversos olhares e discursos sobre o mito e o rito, dos mais reducionistas aos mais abertos e ousados. Uma apresentação de um ritual iniciático ao cristianismo ortodoxo. Uma convocação para uma escola do olhar e da escuta, fundamentada na abordagem transdisciplinar. I - Mito e rito: breves reflexões O rito expressa um mito, encarnando-o. O mito é o coração do rito, sua estrutura significativa. Rito e mito são duas faces de uma mesma realidade, essencialmente humana. Como afirma Stanley Krippner, criador do conceito de mitologia pessoal, juntamente com Feinstein (1), em seu significado mais tradicional, um mito é uma história ou crença organizadora que inclui alguns princípios básicos, orientadores .Para este autor, as mitologias culturais desempenhavam quatro funções: ajudar os membros de uma comunidade a compreender e explicar a natureza de um modo compreensível; oferecer um modo de condução nas diversas etapas da existência; estabelecer papéis sociais facilitadores nas relações pessoais congeniais e satisfatórios padrões de trabalho. Finalmente, permitir a participação do ser humano na maravilha e na perplexidade do cosmos (2). Os primeiros teóricos da Antropologia, naturalmente modelados pelo paradigma racionalista positivista, tenderam a uma abordagem reducionista, frente ao vasto e complexo universo da mitologia. Segundo Aldo Natale Terrin, que buscou contribuir para o desenvolvimento de uma a 1 / 11

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Micea Eliade

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    Mitos e Ritos Sumrio Uma reflexo acerca dos diversos olhares e discursos sobre o mito e o rito, dos maisreducionistas aos mais abertos e ousados. Uma apresentao de um ritual inicitico aocristianismo ortodoxo. Uma convocao para uma escola do olhar e da escuta, fundamentadana abordagem transdisciplinar.

    I - Mito e rito: breves reflexes

    O rito expressa um mito, encarnando-o. O mito o corao do rito, sua estrutura significativa.Rito e mito so duas faces de uma mesma realidade, essencialmente humana.

    Como afirma Stanley Krippner, criador do conceito de mitologia pessoal, juntamente comFeinstein (1), em seu significado mais tradicional, um mito uma histria ou crenaorganizadora que inclui alguns princpios bsicos, orientadores .Para este autor,as mitologias culturais desempenhavam quatro funes: ajudar os membros de umacomunidade a compreender e explicar a natureza de um modo compreensvel; oferecer ummodo de conduo nas diversas etapas da existncia; estabelecer papis sociais facilitadoresnas relaes pessoais congeniais e satisfatrios padres de trabalho. Finalmente, permitir aparticipao do ser humano na maravilha e na perplexidade do cosmos (2).

    Os primeiros tericos da Antropologia, naturalmente modelados pelo paradigma racionalistapositivista, tenderam a uma abordagem reducionista, frente ao vasto e complexo universo damitologia. Segundo Aldo Natale Terrin, que buscou contribuir para o desenvolvimento de umaa

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    ntropologia da alteridade, em sua obra, Antropologia e horizontes do sagrado culturas e religies(3), afirma que o intelectualismo de Frazer e de Tylor reduziu a concepo do ritual a um mero erro de interpretao cientfica. Para Frazer, um ato mgico ou ritual realizado, pela crena equivocada de que sua aoprovoca os efeitos desejados, pelo mago ou feiticeiro, numa relao linear causal. Tylor, emsua concepo animista, influenciado pela perspectiva psicolgica, destacou o aspectocatrtico do ritual mgico-religioso. Radcliffe-Brown e o seu projeto de uma cincia natural da sociedade- inspirado em Durkheim e Spencer -, considerava o totemismoum prottipo de religio como uma concepo do universo na forma de ordem social ou moral,onde os grupos expressam sentimentos de solidariedade, atravs de rituais simblicos.

    No seu enfoque funcionalista, Malinowski focaliza o ritual como exercendo uma funo deintegrao social, contribuindo para a autoconservao da cultura e da sociedade, sobretudodiante de conflitos e de questes incontrolveis. Para Malinowski, crenas e ritos,aparentemente irracionais, adquirem sentido quando so desvelados seus usos. Como afirmaAdam Kuper, a funo da magia era ritualizar o otimismo do homem, fortalecer a sua f na vitria da esperana sobre o medo(4) Malinowski considerava o mito como uma narrativa que faz reviver uma realidade primeira,satisfazendo profundas necessidades, exprimindo, enaltecendo e codificando a crena,garantindo a eficcia ritualstica e oferecendo regras prticas e orientadoras da condutahumana. Enfim, uma realidade viva, codificadora da religio e portadora de uma sabedoriaprtica. Por outro lado, E.E. Evans-Pritchard, que estudou a feitiaria dos azandes,desenvolveu uma noo dos rituais de bruxaria como formas explicativas dos infortnios,demonstrando sua racionalidade e seu aspecto mstico, pressupondo a existncia de forassupra-sensveis (5).

    Claude Lvi-Strauss, em sua antropologia estrutural, discordando do funcionalismo etranscendendo a abordagem emprica, adota um enfoque universalista, considerando que omito representa a mente que o cria, resistindo histria, numa perene condio. Do ponto devista lingstico, Lvi-Strauss afirma que o mito a linguagem funcionando em um nvelespecialmente alto (6). Nesta concepo, o ritual temuma funo articuladora entre periodicidade biolgica e de estao e o passado que liga, ao longo das geraes, os mortos e os vivos(7). Indicando a complexidade de culturas pr-industriais, este autor sustenta que a cincia nopode escapar inteiramente de ser mtica. O que escrevemos sobre o mito um mito...

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    Terrin se refere crtica geral de P. Winch aos antroplogos, sobretudo a Evans-Pritchard, porsobreporem s culturas estrangeiras padres de racionalidade prprios de suas culturas,considerando-os padres universais , numa atitude deetnocentrismo (3). Citando C. Geertz e V. Turner, aponta para uma antropologia interpretativa, colocando a questo fundamental de uma hermenutica do compreender, j que o ritual no pode ser comparado com uma racionalidade cientfico-instrumental,devendo ser compreendido em nvel artstico e potico, por constituir uma ao simblica e dramtica. Aponta para uma tese fenomenolgica, queno seria outra coisa seno a verdadeira alma de que nasce a possibilidade de conjugar antropologia e experinciareligiosa (...), porque nesta viso esconde-se aquele horizonte holstico dos significados querespeita acima de tudo e principalmente o mundo da experincia(3).

    Para Mircea Eliade, o mito um modelo exemplar, que narra uma histria sagrada, ou seja,um acontecimento primordial, que teve lugar na origem do Tempo. uma realidade culturalextremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas mltiplas ecomplementares (8). Sendo solidria da ontologia, s fala das realidades, do que realmenteocorreu e plenamente se manifestou. Trata-se de realidades sagradas, pois o sagrado o realpor excelncia (9). Narrandouma ontofania sagrada, a triunfante realizao e manifestao de uma plenitude do ser, o mito torna-se o paradigmade todas as atividades humanas, para Eliade.A funo mais importante do mito fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todasas atividades humanas significativas: alimentao, sexualidade, trabalho, educao, etc.Comportando-se como ser humano plenamente responsvel, o homem imita os gestosexemplares dos deuses, repete as aes deles, quer se trate de uma simples funofisiolgica, como a alimentao, quer de uma atividade social, econmica, cultura, militar, etc., afirma Eliade.

    Joseph Campbell considera o mito uma potica da vida, que nos ajuda a colocar a mente emcontato com a experincia de estar vivo. Ao invs de ser uma busca de sentido uma experin

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    cia de vida. Na sua viso, so quatro as funes do mito: a mstica, o espanto diante do mistrio; a cosmolgica, como forma de compreenso do mundo, da qual se ocupa a cincia; a sociolgica, como suporte e validao de uma ordem social especfica e a pedaggica, como orientao nas diversas etapas da existncia. A mitologia vem da conscincia da morte;de que a vida se alimenta da vida e do deslumbramento diante da experincia vital. a msica da imaginao, inspirada nas energias do corpo(10). Para Campbell, mitologia uma metfora transparente transcendncia, sendo os mitos metforas da potencialidade espiritual do ser humano. Os mesmos poderes que animam a nossa vida animam a vida do mundo. Nesta concepo,os deuses so personificaes de um poder motivador ou de um sistema de valores quefunciona para o ser humano e para o universo. H uma mitologia da natureza e uma mitologiaestritamente sociolgica, que diz respeito a uma sociedade em particular. Mitos e sonhos vm do mesmo lugar: da tomada de conscincia de uma espcie tal queprecisa encontrar expresso numa forma simblica (...). Quando a Terra avistada da Lua, noso visveis, nela, as divises em naes ou Estados. Isso pode ser o smbolo da mitologiafutura, vaticinava Campbell.

    Carl Gustav Jung inicia a sua autobiografia afirmando: Fiz desta a tarefa das tarefas de minhavida, a de descobri o meu mito, o mito pelo qual eu estou vivendo(11). Este paradigmtico pesquisador da alma desvelou uma dimenso impessoal da psique, oinconsciente coletivo, habitado por arqutipos, matrizes arcaicas e virtualidades energticas,dotado de uma estrutura mitolgica e, portanto, fonte bsica da mitologia universal. Assimcomo Mircea Eliade acreditava na existncia de uma unidade fundamental das experinciasreligiosas, Jung postulava uma espcie de unidade fundamental do inconsciente coletivo (12).Em sua abordagem simblica, o sonho um mito pessoal, enquanto o mito um sonhocoletivo.

    Rollo May (13) afirma que cada um de ns tem seu prprio mito, em torno do qual moldamosnossa vida. Este mito integra e nos d a capacidade para viver o passado e o futuro, semnegligenciar nenhum momento do presente. O mito faz uma ponte sobre a lacuna entre oconsciente e o inconsciente . Assim, possvel falar de algumaunidade, na imensa variedade da interioridade humana. Para May, o mito exerce uma funo regressiva

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    , constelando contedos reprimidos, anseios arcaicos, desejos e medos, e uma funo progressiva, rompendo os limites de um sentido maior, que no estava presente antes, consistindo nummodo de se resolver problemas num nvel superior de integrao. A abordagem psicanaltica,redutora causal, sabota esta ltima funo, apenas acentuando os aspectos regressivos davivncia mtica.

    Como o paradigma do racionalismo cientfico , inerentemente, analtico, houve umahipertrofia da utilizao deste mtodo de decomposio e de fracionamento sistemtico do todoem suas partes e de reduo dos fenmenos ao seu aspecto causal. Este caminho diablico de diabolos: o que divide precisa ser complementado pelo simblico de symbolos: funo do sagrado, que vincula e indaga pelo sentido. Portanto, a unidade aberta do mito e dorito, para ser compreendida de forma abrangente e plena, precisa ser submetida a esta duplametodologia, da fragmentao analtica e da revinculao simblica.

    Necessitamos do que Henry Corbin (14) denomina de imaginal, espao de imagensestruturantes, dos arqutipos da imaginao criativa, para o processo de apreenso ecompreenso do universo mtico e ritualstico. Como afirma Joseph Campbell (15), o segredodo smbolo, mitolgico e espiritual, que deve ser transparente transcendncia. Neste enfoque, que integra a perspectiva antropolgica com a histrica e a psicolgica (16),um deus uma personificao de uma energia natural, advinda do mundo externo ou de nossanatureza interior. Quando procede de nosso interior, a sua emergncia se d como a imagemdo sonho e, posteriormente, do mito. Assim, quanto mais fundo mergulhamos, mais prximosestaremos da ordem mtica, de onde emana o rito. Quanto mais superficial o mergulho, maisestaremos vinculados ordem do mental, do racionalismo lgico.

    II Ritual de iniciao ao cristianismo ortodoxo

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    Segundo Jean-Yves Leloup (17, 18), doutor em psicologia e sacerdote hesicasta, h duasdistintas linhagens no cristianismo. A primeira uma linhagem histrica, que tem sua origemnos apstolos de Cristo, fundadores de igrejas e de comunidades, como a de Jerusalm, defeso e de Roma. Ao lado desta linhagem institucional apostlica, h uma outra mais discreta,menos dogmtica e mais atenta possibilidade e prtica de uma forma de orao e demeditao, que busca conectar seu praticante com a Origem, atravs de uma intimidade com aFonte, a qual Cristo denominava de Pai.

    O hesicasmo palavra originada do grego hsychia: paz - uma linhagem de dois mil anos,fruto de uma transmisso feita diretamente de Cristo Samaritana a quem ensinou a orar no sopro e na viglia e Maria Madalena, discpula privilegiada, testemunha da Ressurreio. interessanteconstatar que existe uma tradio crist, que se respalda em dois pilares femininos, que temgerado Patriarcas ao longo de dois milnios. Leloup, um elo transmissor contemporneo destatradio, que conheceu no Monte Athos, na Grcia, afirma que Cristo se dirigiu a estasmulheres como ao princpio feminino, dimenso contemplativa que habita todo ser humano, homem e mulher.

    O ritual de iniciao ao cristianismo, desta linhagem, encontra-se de acordo com a prticaoriginal, sendo realizado em trs distintas e complementares etapas: a do batismo, a da unocom o leo(que o catolicismo denomina de confirmao) e a da comunho(19).

    A via purgativa

    O batismo a imerso na gua, simbolizando a limpeza das velhas memrias, a purificaodo que, na tradio hindu, denominado de karma. Trs vezes a pessoa mergulhadatotalmente, em nome da Trindade: o Pai, o Filho e o Esprito Santo. Trata-se, portanto, de umavia purgativa, que implica no abandono do passado, do peso de todas as memrias. A roupa

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    branca, indicada para esta ocasio, significa este estado sem mculas, de uma purezareconquistada.

    Como afirma Leloup, esta imerso na gua no definitiva, naturalmente. Simboliza que apessoa ter que se limpar e se purificar sem cessar, da compulso dos vestgios passados,que sempre tendem a retornar. Para reencontrar a inocncia, nossa verdadeira natureza defilhos do Mistrio da Vida.

    A via iluminativa

    A segunda etapa o caminho da iluminao, atravs do ritual do leo, que significa a luz, oque alimenta a chama. O sacerdote faz o Sinal da Cruz, com o leo, em diferentes partes docorpo, coincidentes com o que, tambm na tradio dos yogues hindustas, so denominadosdechakras, os vrtices energticos de nosso corpo sutil, vinculados diferentes potenciais deestados de conscincia.

    Trata-se de facilitar a abertura das portas da percepo, altura da cabea, do corao, doventre, dos joelhos, dos ps, das mos. Em cada uma destas especiais regies do corpo, oleo introduzido, no sentido vertical e horizontal, representando a dimenso essencial e aexistencial, o Absoluto e o relativo, o transcendente e o imanente, a luz e a matria,respectivamente. Assim, integrado o caminho ascendente e o descendente, o que sobe - dohumano ao divino -, e o que desce - do divino ao humano. Estas duas dinmicas encontram-seindicadas no smbolo de Salomo, a estrela de seis pontas: o tringulo com o pice para cimaintegrado no que tem o pice para baixo, apontando para esta tarefa de integrao, dereencontro deste Centro que mantm unidos o cu e a terra. Como afirmava Lao-Ts (20), o alto descansa no profundo.

    A via unitiva

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    A terceira etapa a da comunho, um caminho de unificao, realizado atravs da partilha dopo e do vinho, simbolizando o corpo e o sangue de Cristo. Para os Antigos, o po e o corposimbolizam a prxis, a ao crstica. Ingerir este posignifica se nutrir desta prtica de amor e de servio. Enquanto o vinho e o sangue simbolizama gnsis, isto , o conhecimento, aorao e contemplao de Cristo. Sorver este vinho significa entrar na intimidade que ele tinhacom o prprio Logos, penetrando na relao que ele vivia com a Fonte do seu Ser.

    Assim, este sacramento de comunho, atravs de sinais sensveis e visveis, um convite realizao do invisvel, esta dinmica de ao e contemplao, de amor e conhecimento, que oprprio Cristo representa, nesta tradio. De acordo com os conceitos da psicologia profunda, o ego que se alimenta do Self, que transmuta e d um sentido vertical existncia.

    Nesta via unitiva, h tambm a simblica do sal, uma substncia que d a cada coisa o gostoque cada coisa tem. E que permite, por outro lado, a conservao do alimento.Simbolicamente, trata-se de conservar as palavras e as aes de Cristo, no prprio cotidiano.Para que possamos conservar, tambm, o sabor da vida que se doa, possibilitando ao serhumano o dom da gratuidade.

    Os Livros de Salomo

    Segundo Leloup, estas trs etapas se relacionam com os trs livros do Antigo Testamento, desuposta autoria do rei Salomo, respectivamente: o Eclesiastes, o Livro da Sabedoria e o Cntico dos Cnticos.

    O Eclesiastes (21), um livro que focaliza o tema da impermanncia de tudo, a mensagemmais zen-budista da tradio judaica: Vaidade das vaidades, vaidade das vaidades, tudo vaidade... O que foi ser, o que se fez, se tornar a fazer: nada h de novo debaixo do sol! uma mensagem sobre a transitoriedade, que lembra que somos p e que retornaremos aop. Encontra-se em ressonncia com o batismo nas guas, para nos purificar desta poeira de

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    memria e de repetio.

    O livro da Sabedoria (21), dirigindo-se realeza, recorda que somos Luz e que retornaremos Luz: Assim, os elementos entre si se harmonizavam, como na harpa, em que as notasmodificam a natureza do ritmo, conservando, todavia, o mesmo tom... Em sintonia com aabertura de nossos centros para a Chama da Sophia, a Sabedoria. Atravs desta conscincia,somos p que dana na Luz.

    Finalmente, o Cntico dos Cnticos (22), um poema de amor total e inclusivo, que concilia odesejo mais carnal e a transcendncia mais sublime, integrando brincadeiras saltitantes degamo e de gazela no campo, beijos de amantes apaixonados, abraos fraternos e enlacedivino, npcias de deuses, hierogamia suprema. Certamente, em sintonia com o sacramentoda eucaristia, a via no dual, onde um mais um se torna trs: o Amado, a Amada e o Amor.

    Foi lastimvel a fragmentao destes trs momentos de um mesmo rito inicitico, pela IgrejaCatlica, motivada por questes hierrquicas. Uma encarnao, atravs de gestos, palavras ede smbolos, da plenitude do mito encarnado em Cristo, que Jung denominava de Self e que osAntigos consideravam o arqutipo da Sntese, bodas da existncia com a Vida, da matria coma Luz, do humano com o Mistrio.

    III Concluso

    H uma clara e generalizada tendncia, no mundo contemporneo, de resgatar o valor do mitoe do rito, que conformam todas as grandes tradies sapienciais. Alguns denominam estemovimento de reencantamento do mundo. Neste sentido, a arte e cincia da hermenutica fundamental, no seu aspecto mais amplo e inclusivo. Considero a abordagem transdisciplinar amais valiosa contribuio neste sentido, pois representa a necessria dialogicidade da cinciacom a arte, a filosofia e a tradio espiritual. A transdisciplinaridade est sendo refletida porgrandes mentores da ps-modernidade, como Basarab Nicolescu (23) e Edgar Morin (24),constando de valiosos e significativos documentos, gerados pelo Frum de Cincia e Culturada Unesco, desde a Declarao de Veneza (1986) at o congresso de Locarno (1997),

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    convocando o desenvolvimento dos quatro pilares de uma educao transdisciplinar: educar para conhecer, para fazer, para conviver e para ser.

    O mito , essencialmente, transdisciplinar. A sua compreenso justa faz apelo todas asquatro funes psquicas, pesquisadas por Jung: o pensamento, o sentimento, a sensao e aintuio. Como afirma Campbell (16), um ritual uma organizao de smbolos mitolgicos; eparticipando do drama do rito, o homem colocado diretamente em contato com eles, nocomo relatos verbais de eventos histricos, sejam eles passados, presentes ou ainda por vir,mas como revelaes, aqui e agora, daquilo que sempre foi e sempre ser.

    Um ritual, como o que analisamos, na leitura de Leloup, contm um esplendor simblico, comuma funo de abrir a conscincia para a dimenso transcendente, a partir da qual jorra osvalores perenes que podem fornecer um sentido mais elevado para um existir mais pleno.

    Necessitamos de uma escola de olhar e da escuta, bem como de uma pedagogia simblica,pois o nico livro indispensvel o biogrfico, narrativa singular da aventura do existir. Neste,consta o mito que nos conduz, bem como uma ritualstica pessoal, o sacramento de nossasatitudes conscientes. A tarefa estudar e interpretar cada linha e pargrafo da obra docotidiano, o passo nosso de cada dia, na direo do Sujeito da prpria existncia.

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