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Moçambicanidade, Literatura, Axiologia, Legitimação Maputo,30 de Março de 2020 Encontre-me aqui: [email protected] ou +258845547457
A AXIOLOGIA DA LITERATURA NA LEGITIMAÇÃO DA (S) IDENTIDADE (S) OU
MOÇAMBICANIDADE
Cláudio João Sindique1
Resumo:
Este manuscrito pretende trazer uma reflexão sobeje a axiologia da literatura moçambicana na legitimação
das identidades ou moçambicanidade. O artigo sublinha a necessidade da promoção das línguas
nativas/locais na literatura moçambicana para a construção ou reconstrução das identidades
locais/moçambicanidade. A moçambicanidade se consolida conjuntamente na inculturação literária, na
incorporação das línguas locais. A literatura moçambicana esta fragmentada em 3 grandes períodos
históricos, o período de 1925 a 1945 que marcou o surgimento em Moçambique de uma literatura de língua
portuguesa. O artigo, ainda que inacabado, permitira expandir o entendimento acerca da tessitura
multicultural e multilinguística de Moçambique, bem como a sua implicação na escrita para a edificação
da moçambicanidade. A literatura oral, as línguas locais, ainda que não escrita mas usadas através
das gerações, são um fator muito importante para a catalogação das palavras e das regras
gramaticais, e a escrita é uma contribuição não só para o conhecimento da língua, mas também
para a apreciação da cultura do povo.
Palavras-chaves: Literatura Moçambicana, Moçambicanidade, Identidade, Axiologia
1 Licenciado em Ensino de Filosofia com Habitações em História, Universidade Pedagógica; Técnico de
Contabilidade pela CEDECOP- Universidade Pedagógica e Técnico em Gestão de Micro-Projectos e Auto-Emprego,
Gestão da Personalidade na Sociedade e no mundo. Certificação em Liderança Cívica pela University of South Africa
(UNISA-SBL).Certificado como Instrutor de Mecanismo Africanos de Direitos Humanos com foco especial na
Liberdade de Associação e reunião pela instituição The African Centre for Democracy and Human Rights Studies,
Gambia. Mestrando em Cooperação e Desenvolvimento pela UEM- Universidade Eduardo Mondlane.
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Introdução
Ainda que incipiente a minha compreensão ignorada sobre a literatura moçambicana, alias, tao
pequenez de um escriba medíocre acabrunhado entre entraves e solturas, pouco importa, importa
essas linhas de reconfiguração sobre a axiologia da literatura moçambicana na construção da
moçambicanidade. Propositadamente, avancei este debate de moçambicanidade ou identidades
como estatuto axiológico na construção do sistema nacional da educação moçambicana, a quando
da minha defesa de licenciatura2. A moçambicanidade deve ser vista como uma construção social
ligada ao sonho de pertencermos a uma pátria, a uma nação. Entretanto, a literatura moçambicana
joga um papel importante na construção da moçambicanidade. Por isso, a reafirmação da escrita
bilingue responde a consolidação da moçambicanidade, uma escrita que vai além no português,
este curiosamente que é a nossa língua oficinal que estranhamente não é falada pela população
rural. A nossa cultura é uma grande riqueza, perder uma cultura, é perder essa tal riqueza. Foi
impressionante e critico quando fazia as pesquisas e constatar que na bibliografia da literatura
moçambicana não consta autor com obras «bilinguadas» quer em Nyungwe, rhonga, changana ou
outra língua local. Será que os escritores moçambicanos amam suas línguas, sua cultura, que é a
nossa moçambicanidade? É nas línguas locais que os moçambicanos revelam-se e expressam seus
modos de ser. Alias, Devi e Seabra (1971:113), afirma que a literatura não surge espontaneamente.
Bem a tradição, e esta não pode improvisar-se. Tem de buscar naturalmente em uma estrutura
própria, ser elaborada num processo íntimo e prolongado da civilização.
Objectivamente quero com este artigo trazer uma reflexão ainda que inacabável, sobre a axiologia
da literatura na construção das identidades ou moçambicanidade. O artigo obedece aqui três
sessões a saber: a primeira sessão discute a Literatura Vs. Africanidade, certamente apresenta
alguns apoios nas obras da paulina Chiziane e Mia Couto Terra Sonâmbula, a segunda sessão
analisa a Tradição, Identidade/moçambicanidade e línguas nativas na literatura moçambicana; qual
é o lugar da tradição e das línguas locais na literatura moçambicana e, qual é o seu papel na
construção da moçambicanidade. Por último, apresento algumas tendências paradigmáticas na
literatura moçambicana. Não olvidemos que uma árvore não pode crescer sem raízes; assim como
2 Vide a monografia disponível em
https://drive.google.com/file/d/1-XKbLGvbICU_Fz7worBZHI54UMn_YLU/view?usp=drivesdk
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também o desenvolvimento pessoal e comunitário não pode realizar harmoniosamente sem o
reconhecimento e a crítica construtiva da própria identidade.
I. Literatura & Africanidade
Antes de uma abordagem funda, convém apresentar alguns conceitos impercetíveis para quem as
preleciona pela primeira vez, e que penso ser de maior importância compreender a sua
aplicabilidade; Africanidade, Moçambicanidade ou Identidades.
Moçambicanidade
Politicamente, moçambicanidade é um projecto político fundamentado no novo Estado. Basílio
(2010) entende a Moçambicanidade como sendo um projecto político e cultural em processo que
emergiu da necessidade de construir uma Nação única, livre e soberana oposta à nação portuguesa
colonizadora. A moçambicanidade no contexto moçambicano é visto como fruto de reivindicação
em busca do espaço geopolítico, da liberdade, da independência. A identidade moçambicana foi
concebida numa perspetiva voltada à construção do Homem Novo, do novo poder e de nova nação.
Severino Elias Ngoenha entende que, a moçambicanidade como projecto político “nasce como
negação dos moçambicanos em continuarem a ser uma província portuguesa” (NGOENHA,
1998: 20). A identidade moçambicana é legitimada pelo discurso da unidade política, igualdade
jurídica e equidade económica. Estes três elementos unem as pessoas no espaço sociopolítico e
geográfico onde se constroem, preservam e transmitem as identidades nacionais. A
moçambicanidade também é fruto de agregação de vários grupos culturais que existem em
Moçambique.
Africanidade
Ao falar da africanidade, os autores afirmam que não se referem a cor da pele e nem simplesmente
às culturas africanas, mas sim como ponto de partida para a reflexão axiológica a condição de
existência do africano na história moderna. Hoje a “africanidade é concebida como uma forma
própria de existência, de pensamento e de agir dos africanos na sua condição periférica e
neocolonial”, (Ngoenha et al, Ibid:265). A africanidade também é vista como uma atitude de
solidariedade para com os que nas épocas passadas da História foram submetidos à condição de
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existência neocolonial no continente africano. Esta solidariedade africana aqui patente deve ser
produto da condição de existência periférica e marginalizada dos povos africanos e da sua história.
Ela se manifesta e condiciona as formas de pensamento, de agir, assim como a sua própria
autodefinição ontológica. Solidarizam-se não em volta da raça, mas em volta do sofrimento e da
marginalização secular, (Ibid: 266).
Retomando, a produção escrita moçambicana surgiu durante o período colonial com as grandes
civilizações e, em 1854, com a instalação da imprensa, as primeiras publicações. As obras de maior
relevância surgiram no séc. XX, destacando-se os jornais O Africano, 1909 e o Brado Africano,
1918, ambos voltados para a população local. Juvenal Bacuane,3 Lendo minuciosamente a obra da
professora Fátima Mendoça4, apresenta nos três períodos da literatura moçambicana, e o período
de 1925 a 1945 que é o marco do surgimento em Moçambique da literatura portuguesa com o
caracter sistemático, determinado pela política de assimilação. O segundo período de 1945 a 1964,
período em que avulta-se uma nova literatura em Moçambique, cujo marco é 8 de Novembro de
1947 em que um homem chamado Augusto dos Santos Branches, dinamiza uma ação individual
da literatura antes da independência. O terceiro período vai de 1964 a 1975, com a produção
literária que revela uma forte complexidade, quebrando-se a relativa homogeneidade dos dois
períodos anteriores, nascendo assim uma literatura produzida nas zonas libertadoras, na
clandestinidade das cidades por intelectuais. Uma literatura para afirmar a ideologia.
É neste terceiro período, que pela primeira vez, uma consciência grupal instala-se no seio dos
candidatos-escritores, tocados pelo neo-realiamo e, a partir dos primeiros anos de 1950, pela
Negritude e africanidade. A exemplo de Noémia de Sousa que escreve neste tempo, todos seus
poemas em contacto com os negrismos americanos (Black renascence), tanto que em 1951 circula
seu livro policopiado «sangue Negro», formado por 43 poemas. Mais adiante segue José
Craveirinha sobressaindo de uma plêiade que vai congregar além da Noémia de Sousa, Rui Nogar,
Rui Knopfi, Virgília de Lemos, Rui Guerra, Fonseca Amaral, Orlando Mendes, entre outros.
Entretanto até os anos de 1975, intensifica-se nesses escritores uma tendência própria da colonia,
3 Escritor Moçambicano. Tal referencia citada pode ser confrontada num dos seus artigos publicados no Jornal O País,
31 de Maio de 2019, seguindo o link: www.opais.sapo.mz/literatura-e-cultura-mocambicanas 4 Pesquisadora, Docente da faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane
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qual seja a de criar muitos intelectuais, escritores e artistas com uma identidade nacional
indefinida, vacilante ou dupla. Escritores que passam a sentir-se moçambicanos pu portugueses.
É neste período em que escritores como Mia Couto, Leite de Vasconcelos, ficarão no indico
assumindo sem reservas a cidadania moçambicana. Em Terra Sonâmbula, Mia couto por exemplo,
evidencia uma imagem do país enquanto africano que perpassa o imaginário do leitor que não
habita o continente. Os personagens por ele apresentados neste romance são reabilitados das
margens da história oficial e se tornam protagonista dessa pequena história que ele próprio se
propõe a contar por meio de delineamento de certa ideia de africanidade, tradição e identidade
nacional.
Maria Tedesco, (2008) entende que a literatura estabelece diálogo com o imaginário produzindo
sobre o continente, particularmente os elementos que identificam a africanidade, ou alteridade
africana. Sobre este raciocínio, Appiah, chama atenção sobre como os produtores de literatura
terão de abrir um espaço que os distingue de outros e os fazem pela construção e acentuação das
diferenças, (1999:200). Compreende-se nas afirmações de Appiah, que a construção da
africanidade e, consequentemente, da moçambicanidade envolve formas de pensar a africanidade
que foram sendo produzidos ao longo do tempo e podem submeter tanto ao escritor africano.
A literatura tem a urgência de reequacionar a dimensão africana ou a africanidade, sua pertinência
resulta sobretudo, no facto de que o pensamento sobre a condição de existência do negro africano
desde o primórdio é uma história de pensamento sobre as condições de sua existência e de
libertação. É inegável a ideia de que uma parte significativa da produção literária moçambicana
deve-se aos poetas da «literatura europeia», ou seja, aqueles que, sendo brancos, centraram toda
ou quase a sua temática nos problemas africanos, foram eles que contribuíram decisivamente para
a formação da identidade nacional moçambicana, com especial destaque ao Rui knopfi, Sebastião
Alba, Luís Carlos Patraquim, entre outros, cuja as obras debruçam fundamentalmente sobre a
africanidade, a Mãe África, e o povo que vive e sofre as consequências. São estes e muitos autores
que contribuíram para a emergência da literatura de moçambicanidade. Na poesia politica, destaca
se Marcelino dos santos, Orlando Mendes, Rui Nogar, estes que preocuparam-se em fazer a
literatura com um cunho politico, e algumas vezes partidário. Para que conste, a figura de maior
destaque da literatura sobre a moçambicanidade e africanidade, e referência obrigatória em toda
literatura africana, e o José Craveirinha, nas suas diversas obras; Xigubo (1980), Karingana wa
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Karingana (1982), Maria (1988) e Cena 1 (1980). Em Craveirinha, encontramos uma poesia de
prisão, tipo realista, uma poesia de negritude, cultural e social, englobando todas fazes da poesia
moçambicana, termino apresentando a figura Campos de Oliveira, nascido na ilha de Moçambique,
em 1947, numa das suas publicações dispersas rastreados por Manuel Ferreira, destaca-se duas
estrofes do seu poema O pescador de Moçambique, dando destaque permanente da africanidade e
a negritude:
Eu nasci em Moçambique, de um país humilde provim,
a cor negra que eles tinham é a cor que tenho em mim:
sou pescador desde a infância, e no mar sempre vaguei, a pesca me dá sustento, nunca outro mister
masquei (…)
II. Tradição, Identidade (s), Moçambicanidade e Línguas Nativas na Literatura
Moçambicana
A literatura oral, as línguas locais, ainda que não escrita mas usadas através das gerações, são um
fator muito importante para a catalogação das palavras e das regras gramaticais; e a escrita é uma
contribuição não só para o conhecimento da língua, mas também para a apreciação da cultura do
povo.
Nas obras de Paulina Chiziane; Ventos do Apocalipse (1993), Sétimo Juramento (200), Niketche)
2002), Ngoma Yethu: O curandeiro e o Novo Testamento (2015) na Mão de Deus (2013 e Mia
Couto; Terra Sonâmbula (1992), a Varanda do Frangipani (1996), o Ultimo Voo de Flamingo,
(2000), a Chuva Pasmada, (200), entre outras obras, as praticas religiosas, familiares, os rituais
funerários e outros rituais, são apresentado com constitutivos da construção da moçambicanidade,
principalmente nas zonas rurais onde a interferência do Estado colonial revelou-se bastante
restrito.
Nos jornais O Brado Africano, e o Africano, vincava-se uma escrita com temáticas de interesses
particulares e locais, e com mais significados na publicação Bilingue, ressaltando sempre a questão
do assimilado. Desta relação observou-se o surgimento da imprensa em que escritores africanos
produziam textos sobre a perfectiva da escrita europeia, facto hoje também actual nos escritores
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da nova geração. No entanto, essas narrativas fazem pouca ou nenhuma referencia as línguas
locais, apresentando por outro lado menção de autores franceses, latinos e europeus, exaltando-os
como modelos a serem seguidos. Como diz Ferreira:
«Os escritores africanos encontram.se em estado alienado quase absoluto de alienação,
incapaz de se libertar dos modelos europeus, (s.d,p:33)
É oportuno sublinhar que ao longo desse processo passado-presente, foram naturalmente surgindo
paulatinamente grandes escritores preocupados não somente com o fazer poético, mas com as
questões históricos, sociais, politicas e culturais e linguísticas, que perpassam o universo africano
e que refletem diretamente na produção literária desses sujeitos.
Dente muitos que tomaram a tradição e as línguas nativas com um estatuto axiológico na
construção da moçambicanidade, é relevante destacar; Abel Coelho (1953), Eduardo White (1966),
José Craveirinha (1922),Luiz Bernardo Honwana (1945), o próprio Mia Couto (1955), Paulina
Chiziane (1955) já mencionados e Ungulane Ba KA Khossa (1957).
Alem desses autores, grupos de intelectuais se dedicaram a estudar e a compreender que a
composição entre cultura, língua e a literatura perpassa necessariamente, pelo reconhecimento do
individuo e pelas relações estabelecidas nos diversos momentos da historia de uma nação. Em
tempo, houve um florescimento da escrita em que autores, sem nenhuma apreensão narravam suas
lutas, sucessos e malogros, cantavam em versos e prosa a riqueza multicultural e linguístico da
«terra-mãe» e do seu povo, clamando por justiça, paz e reconhecimento.
Na actualidade, ou melhor, na escrita do momento, é o momento de buscarmos pela reafirmação
de uma literatura que expresse valores, sentimentos, anseios e conceitos genuinamente africanos.
Citando (Mia Couto apud HANA,Brito, Bastos, 20010:167) apresenta-nos a seguinte percepção:
A maior parte dos africanos amam as suas línguas maternas e esperavam (e ainda
esperam) que esses idiomas não sejam voltados ao esquecimento ou arrumados naquilo
que se chama o património tradicional
Se olharmos à situação geográfica do próprio Moçambique, identificamos em cada região, uma
cultura específica e uma língua predominante, e a maior parte das crianças moçambicanas não tem
o português como língua materna, é de facto necessário explorar e alargar a experimentação a
outras áreas de uma literatura versátil, bilingue, com uma dinâmica Glocal. Como sustenta
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Ngoenha que, “se a língua é a janela através da qual se olha para o mundo, as crianças falantes
de duas línguas, teriam culturalmente, para além das vantagens de aprendizagem, uma maior,
(Ngoenha, 2000:212). Abertura para o mundo; ao mesmo tempo, um maior respeito, amor e
acatamento pelos próprios valores e pelos valores dos próprios pais”, (Ngoenha, 2000:212). As
pessoas estão convictas de que falando suas línguas nacionais se sentem aproximadas das suas
tradições linguísticas e culturais. Neste caso, a educação baseada nas línguas nativas, significa
ensinar a ler e escrever, mas e, sobretudo, integrar os alunos nas suas línguas e ajudá-los a construir
as suas identidades. Ora a este projecto para estes autores, pertence duas ideias e valores básicos:
a unidade e diversidade ou ainda unidade na diversidade.
Nota-se nestas afirmações, que o autor ou escritor, antes de ser parte da comunidade lusófona, ele
possuí sua identidade única, dotada de inúmeras línguas e costumes que embora ignorados pelo
colonizador, não devem ser esquecidos e sim preservados pela escrita, desenvolvidos e respeitados
pela literatura. Buscando um pouco as ideias de Lourenço (2001:111), afirma que a lusofonia deve
ser compreendida como espaço simbólico linguístico, cultural no âmbito da língua portuguesa e
das suas variedades linguísticas. Nesses termos, compreende-se melhor Mia couto (2001:92)
quando afirma na sua Terra Sonâmbula:
«Pensava sobre as semelhanças entre mim e Farida. Entendia o que me unia aquela
mulher; nós dois estávamos divididos entre dois mundos. A nossa memória se povoava de
fantasma da nossa aldeia. Esses fantasmas nos falavam em nossas línguas indígenas. Mas
nós só sabíamos sonhar em português»
Neste excerto, Mia Couto apresenta o deslocamento cultural, nesse caso, a linguística, dos
personagens moçambicanos, que, assim como a maioria dos escritores africanos dividem se entre
dois mundos: o europeu e africano.
Entretanto, o resgate da literatura versátil e glocal, não se dá porem em alguma língua
moçambicana, mas na língua que se tornou oficial, o Português, nascendo assim o grande dilema
que em geral, perpassa a literatura africana na atualidade, a escrita na língua europeia, ou seja, na
língua do colonizador. O ser autóctone é o elemento que definiria a autenticidade da
moçambicanidade, dos que são ou não são membros plenos do corpo nacional,
(THOMAZ,2006:267). Ironicamente para Mia Couto, a quem é tido como referência literária do
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país no âmbito internacional. É ele o escritor moçambicano por excelência. Dai a nossa ideia de
moçambicanidade advir de sua literatura e não da imprensa ou de sua historiografia.
Para os escribas moçambicanos, não é tarefa fácil ser possuidor de tão diversas culturas,
identidades ou moçambicanidade nas suas literaturas. Embora seja um árduo caminho, é por meio
de uma batalha multicultural, ligada historicamente aos processo de colonização europeia e a uma
política assimiladora e de alheamento de cultura e das tradições dos antepassados que o povo
moçambicano nascia pelo reconhecimento dessas diferenças, essências para a valorização do
património cultural, histórico e linguístico de Moçambique.
As línguas locais foram reabilitadas ao bilinguismo nacional como parte do desenvolvimento do
cidadão moçambicano que se pretendia cosmopolita e local, de acordo com suas elites urbanas.
Ele, o leitor moçambicano pode falar português e inglês e estar familiarizado com os
conhecimentos e valores cosmopolitas. Mas também deve falar e ler pelo menos uma das suas
línguas locais e participar de projetos destinados a desenvolver seus parentes rurais, (FRY,
2003:314). Esses dois aspectos, cosmopolitismo e localismo, passariam a definir as componentes
da moçambicanidade.
Terminando este subtema, recorro as afirmações de Basílio, (2010:211), quando adjuva que as
identidades, línguas nativas, tradição, não existem de forma isolada e vazia, mas relacionadas uma
as outras. Neste sentido, a moçambicanidade para ele, não é formado apenas por literaturas
universais ou conteúdos universais, mas é fruto de uma correlação de identidades glocais. Dai que,
a moçambicanidade constrói-se levando na literatura moçambicana, fenómenos de globalização e
do localismo. No entanto, é aceite que esta mesma literatura, esteja aberto ao mundo. Alias, é
possível sim uma literatura nos moldes dos valores inerentes a moçambicanidade, africanidade e
universalidade.
III.Algumas Tendências Paradigmáticas da Literatura Moçambicana
Paradigma de ruralização
A ideia central é fazer da literatura um projecto educacional e de geração de renda,
conscidentimente verifica-se estas actividades nos centros culturais moçambicanos e nos grupos
diversos de dinamização da cultura e arte, capaz de dialogar com a juventude no meio social,
económico e rural. Os valores adjacentes seriam, o trabalho literário coletivo e humanismo
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africano na literatura. A premissa neste paradigma é de que a cultura contém a representação de
uma ideia de civilização e de identidade do povo. Neste sentido, a literatura com olhar rural pode
construir vetores de sistemas de valores, coesão social, modos de vida e valores económicos.
Paradigma Moderno
Segundo João Paulo Borges Coelho (2009:61), houve três momentos tendenciosos e
paradigmáticos da literatura moçambicana: o primeiro que foi a construção do nacionalismo, o
segundo, a ascensão e queda do socialismo real, e por ultimo, a procura de uma nova modernidade.
O paradigma moderno incorre na diversidade de leituras da história, deixando de haver só o
passado, a literatura é chamado a sondar interpretações paralelas, procurando no presente as novas
relações sem história. Neste caso, literatura passa necessariamente a ter a construção de vários
mundos de vidas, com uma narrativa alternativa aproximando-se de experiencia vivido, sem
pretender a reconstrução dos factos, mas explorando aos meandros da língua, seja por figuras de
linguagem, seja por neologismo, seja pela licença poética, seja por hibridismo linguístico, a partir
da qual apresenta nos sua versão de realidade, calcada nos abalos da palavra decente da dor,
(idem:67). Tal como sublinha Anita Morais (2007), que nas narrativas erigidas ou silenciadas, em
torno da tensão entre memoria e esquecimento, na africanidade expressa em um sincretismo
cultural, ao mesmo tempo tradicional moderno.
Paradigma Localista & Global ou Glocal
Nesta ultima tendência, o desafio axiológico da literatura seria de formar um homem ou leitor
capaz de inserir-se criticamente nas literaturas glocais, ou seja, capaz de reconhecer o literário
negativo que tende impedir a sua autonomia criativa. A literatura abraça os valores universais sem
no entanto vergar perante as tendências de um imperialismo cultural.
Implica nisto, ser capaz de dinamizar uma literatura de origem moçambicana para se integrar na
aldeia glocal sem perder a identidade ou moçambicanidade. Pode se cultivar, ou cultiva.se valores
como o particularismo com tendências localistas e globais.
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Notas de Fechar
Chegado o fim deste artigo e, como forma de terminar, gostaria de tecer algumas considerações
finais deste trabalho. Durante o percurso do trabalho, o debate, centrou-se em volta da Axiologia
da Literatura Moçambicana na legitimação das identidades ou Moçambicanidade. A tese que
defendida até agora foi o princípio de uma tentativa não acabada de mostrar os pressupostos de
uma literatura voltada para a construção da moçambicanidade, e que a moçambicanidade é um
projeto em construção que vai se consolidando a partir da unidade política, cultural e económica.
Mas para que esta moçambicanidade se consolide, é necessário que os nossos currículos, os nossos
escritores estejam interessados em construiu-lho e incorpore a nossa cultura, as nossas línguas
nativas nos seus escritos e que esteja em sintonia com as comunidades localistas e aldeia global
sem no entanto perder aquilo que é a sua essência de moçambicanidade.
Para o desenvolvimento do talento negro, para a reconfiguração da moçambicanidade ou
identidades negras, a literatura e arte negra, do espirito negro, somente os negros, negros inspirados
por vasto ideal podem elaborar na plenitude a grande mensagem que temos para a humanidade.
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