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9 Ementa Introdução à nutrição e envelhecimento. A nutrição na promoção da saúde e na prevenção de agravos à saúde mais freqüentes em idosos. Alimentação, nutrição, saúde e cultura. Avaliação nutricional dos idosos no Brasil. Consumo de alimentos entre idosos no Brasil. Edu- cação nutricional no processo de envelhecimento. Conteúdo programático e docentes Alimentação saudável e envelhecimento Shirley Donizete Prado. Nutricionista, vice-diretora do Instituto de Nutrição e professora adjunta do Departamento de Nutrição Social da UERJ, doutora em Saúde Cole- tiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Alimentação, nutrição, saúde e cultura Shirley Donizete Prado. Avaliação nutricional em idosos no Brasil Elda Lima Tavares. Nutricionista, professora assistente do Departamento de Nutrição Social da UERJ, mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública/ Fiocruz. Consumo alimentar entre idosos no Brasil Débora Martins dos Santos. Nutricionista, professora assistente do Departamento de Nutrição Social da UERJ, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Educação nutricional no processo de envelhecimento Maria Fáti- ma Garcia de Menezes. Nutricionista, professora assistente do Departa- MÓDULO NUTRIÇÃO E ENVELHECIMENTO Coordenação: Professora Shirley Donizete Prado

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EmentaIntrodução à nutrição e envelhecimento. A nutrição na

promoção da saúde e na prevenção de agravos à saúde mais freqüentesem idosos. Alimentação, nutrição, saúde e cultura. Avaliação nutricionaldos idosos no Brasil. Consumo de alimentos entre idosos no Brasil. Edu-cação nutricional no processo de envelhecimento.

Conteúdo programático e docentesAlimentação saudável e envelhecimento – Shirley Donizete Prado.

Nutricionista, vice-diretora do Instituto de Nutrição e professora adjuntado Departamento de Nutrição Social da UERJ, doutora em Saúde Cole-tiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ.

Alimentação, nutrição, saúde e cultura – Shirley Donizete Prado.

Avaliação nutricional em idosos no Brasil – Elda Lima Tavares.Nutricionista, professora assistente do Departamento de Nutrição Socialda UERJ, mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de SaúdePública/ Fiocruz.

Consumo alimentar entre idosos no Brasil – Débora Martins dosSantos. Nutricionista, professora assistente do Departamento de NutriçãoSocial da UERJ, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de MedicinaSocial da UERJ.

Educação nutricional no processo de envelhecimento – Maria Fáti-ma Garcia de Menezes. Nutricionista, professora assistente do Departa-

MÓDULO

NUTRIÇÃO E ENVELHECIMENTOCoordenação: Professora Shirley Donizete Prado

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mento de Nutrição Social da UERJ, mestre em Educação pela Faculdadede Educação da UERJ.

Ementas Alimentação saudável e envelhecimento – Shirley Donizete Prado

A aula apresenta as bases para uma alimentação saudável ao con-siderar as especificidades do processo de envelhecimento e enfatizaraspectos preventivos de doenças crônicas e degenerativas mais freqüen-tes em idosos.

Alimentação, nutrição, saúde e cultura – Shirley Donizete PradoDiscutimos a complexidade do comportamento alimentar e suas

especificidades na população de idosos no Brasil. Abordamos as transfor-mações pelas quais passa a alimentação brasileira, em particular, os as-pectos culturais e seus possíveis impactos sobre a saúde e sobre a práticaprofissional no campo da nutrição e da saúde dos idosos.

Avaliação nutricional em idosos no Brasil – Elda Lima TavaresIndicamos alguns determinantes do perfil nutricional de idosos,

apresentamos indicadores utilizados para avaliação do estado nutricionale resultados de estudos de avaliação nutricional nessa população, reali-zados no Brasil.

Consumo alimentar entre idosos no Brasil – Débora Martins dosSantos

Apresentamos metodologias de avaliação de consumo alimentar eindicamos, brevemente, alguns limites e possibilidades desses instrumen-tos quando aplicados a populações de idosos. Ainda destacamos resulta-dos de alguns estudos sobre padrões de consumo alimentar entre adul-tos e idosos no Brasil.

Educação nutricional no processo de envelhecimento – MariaFátima Garcia de Menezes

Nesta aula, apresentamos algumas premissas da educação nutricionalvoltada para idosos, entendendo-a como um processo que ocorre duran-te toda a vida, como uma prática social inserida em todos os espaços deconvívio humano e que contribui para a transformação do homem e domundo.

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A alimentação, entendida como parte integrante das prá-ticas de saúde institucionais e individuais, desempenha papel relevanteao longo da vida; a história alimentar de uma pessoa ou de um gruposocial mantém estreita relação com seu perfil de saúde–doença, especi-almente quando se trata de longevidade e de enfermidades que seassociam à idade, como doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade.

Os temas aqui abordados se referem a orientações básicas no campoda alimentação e nutrição dirigidas à população mais saudável e têm comocerne a promoção da saúde e a prevenção de doenças crônico-degenerativas;especial destaque é dado à obesidade por seu recente incremento no planonacional, tanto nas áreas urbanas como rurais e nas distintas classes sociais.

A espécie humana ocupou todo o globo terrestre, adaptou-se àscaracterísticas de distintos ambientes e se alimentou das mais variadasformas. É da nossa história: não existe um único alimento capaz desuprir todas as necessidades nutricionais humanas. A vida exige o consu-mo de vários nutrientes, em quantidades específicas para cada um deles.Glicídeos, lipídeos, proteínas, vitaminas e minerais são os nutrientes queprecisam estar presentes na alimentação cotidiana, em todas as idades;as fibras são componentes dos alimentos que também não podem estarausentes na definição dos cardápios; a ingestão diária adequada de líqui-dos é essencial para a saúde.

Os glicídeos, os lipídeos e as proteínas são macronutrientes e fon-tes da energia necessária ao desempenho de todas as atividades e fun-ções vitais do ser humano. A energia é medida em calorias. Assim, ali-mentos que contêm energia não são, por si mesmos, maléficos ou pre-judiciais à saúde; são, ao contrário, indispensáveis. Há alimentos mais oumenos energéticos, conforme a quantidade de glicídeos, lipídeos ou

AULA 1

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL EENVELHECIMENTOShirley Donizete Prado

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proteínas que apresentem. O consumo de nutrientes energéticos alémdas necessidades nutricionais adequadas à idade, sexo, atividade física,momento biológico ou patologia, este sim, pode trazer implicações inde-sejáveis ao bem-estar, à qualidade de vida, em qualquer idade.

Além dos nutrientes que fornecem energia ao metabolismo humano,há os micronutrientes: as vitaminas e os minerais que, se não estão presentesnos cálculos das necessidades e recomendações energéticas, são tambémindispensáveis na regulação do funcionamento do metabolismo.

As fibras são componentes dos alimentos que não fornecem ener-gia, mas que desempenham papel importante no funcionamento intes-tinal, ao contribuir para a eliminação mais adequada das fezes; destaforma, cumprem a função de prevenir e participar no tratamento daconstipação intestinal, da flatulência e do câncer intestinal. Também háindicações consideráveis no sentido de que as fibras colaboram no con-trole dos níveis de glicose e colesterol no sangue.

A ingestão de líquidos é fundamental, e não há necessidade de res-tringi-los à água. Bebidas à base de frutas – sucos naturais, laranjada, limo-nada, entre outros –, leite e chás diversos, são ótimas formas de hidratação.

Ao consumir hortaliças, frutas, leguminosas, cereais, carnes diver-sas, ovos, leites e derivados, óleos e gorduras, açúcares e doces, propor-cionamos nutrientes necessários à promoção de saúde, à prevenção e aotratamento de doenças. Em outras palavras, a alimentação deve ser semprebem variada, de modo a possibilitar a ingestão dos muitos nutrientes dosquais necessitam os seres humanos. Consumir muitas verduras, legumes, frutase grãos integrais é prática recomendável e observamos a importância de cui-dados especiais quanto ao consumo elevado de alimentos ricos em lipídeos,açúcares, sódio e bebidas alcoólicas, como abordaremos a seguir.

Óleos e gorduras são indispensáveis à alimentação equilibrada. Entre-tanto, é preciso distinguir diferentes tipos de lipídeos e as implicações deseu consumo para a saúde. Os lipídeos de origem vegetal – óleos diversos,azeite, margarina, gordura vegetal, nozes, avelãs, amendoim, sementes –apresentam quantidades importantes de gorduras não saturadas e não con-têm colesterol. São características mais favoráveis, quando se trata de pre-venção e tratamento de enfermidades cardiovasculares.

Entretanto, seu consumo excessivo é enfaticamente desaconselhado.É o caso das frituras. O aumento do valor energético em um alimentoque passou por processo de fritura é substancial. Em termos de promo-ção da saúde e de prevenção de doenças, não consideramos adequado

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impor a eliminação radical das frituras, massas e molhos mais gordurosospara toda a população. Mas, é imprescindível que seu consumo se dêcom sensatez. A valorização dos assados, grelhados, refogados e cozidosse constitui em medida preventiva de primeira ordem, e é indicaçãoobrigatória em caso de patologias já em desenvolvimento.

Já os lipídeos de origem animal – presentes em carnes de formavisível ou distribuídos entre as fibras musculares, gema de ovo, nata deleite, manteiga, creme de leite, chantilly e queijos amarelos – apresen-tam quantidades significativas de gorduras saturadas e contêm colesterol.Este tipo de lipídeo está fortemente associado às patologias cardiovascu-lares e a sua ingestão pode acontecer, desde que de não venha a repre-sentar riscos para a saúde. Assim, enfatizamos que excessos de frituras e degorduras de origem animal não são indicados quando se deseja uma vidalonga e saudável. Da mesma forma, recomendamos o consumo de açú-car, sal e bebidas alcoólicas com moderação.

Tanto a magreza muito acentuada quanto o sobrepeso excessivosão indicadores de importantes problemas com a saúde. É preciso buscarum peso saudável, o que pode ser conseguido por meio de alimentaçãobastante variada e quantitativamente adequada, associada à adoção deatividades físicas bem orientadas, contínuas e prazerosas. A caminhada,por exemplo, é bastante recomendada, com benefícios tanto a curtoquanto a longo prazo. Vale ressaltar que uma avaliação prévia do quadrode saúde corresponde a requisito indispensável, especialmente, paraadultos e idosos portadores de doenças crônicas e degenerativas ou quehá muito mantêm um perfil mais sedentário de vida.

Essas recomendações não devem significar uma alimentação des-provida de paladar. Investir em novas alternativas culinárias é uma opçãopara manter e realçar o aspecto prazeroso da alimentação. Preparaçõescriativas, ricas em ervas aromáticas, molhos inusitados e temperos saborosospodem atender aos critérios de alimentação saudável aqui apresentados.

Referências bibliográficas

PRADO, Shirley Donizete; TAVARES, Elda Lima; VEGGI, Alessandra Bento. Nutriçãoe saúde no processo de envelhecimento. In: VERAS, Renato Peixoto. Terceiraidade: desafios para o próximo milênio. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999.

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As necessidades biológicas de nutrientes e as recomenda-ções nutricionais preconizadas em face do perfil epidemiológico nacio-nal têm sido enfatizadas por profissionais de Saúde e têm sua relevânciaquando o assunto é a prevenção de doenças. Entretanto, a alimentaçãocorresponde a um fenômeno de grande complexidade já que, paraalém dos componentes biológicos, cumpre papel essencial na constitui-ção de identidades individuais e nacionais. O comportamento alimentaré delineado não só a partir parâmetros biológicos, mas de inúmerosoutros determinantes de natureza psíquica, social e cultural.

Uma parcela importante dos idosos de hoje passou sua infância naprimeira metade do século XX; num Brasil rural de vida predominan-temente doméstica e voltada para família, com fortes vínculos entre aspessoas e a comida; numa época em que os alimentos tinham sua origeme sua vida conhecidas, eram próximos e tidos como sadios. Ao longodestes quase 100 anos, transformações radicais têm ocorrido no campoda alimentação com implicações sobre a saúde.

Tomamos aqui para ilustrar essas primeiras considerações um estu-do integrante do Projeto Nutrição, Envelhecimento e Saúde, desenvol-vido pela Oficina de Produção de Textos “Memória e Alimentação”,realizada na Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ. Estudamosas mudanças na área da alimentação e saúde nos últimos 100 anos.Trabalhamos a partir de narrativas de pessoas idosas que, atualmente,moram no Rio de Janeiro. São quatro narradores com idades entre 60e 80 anos, pessoas que têm particular interesse em escrever e que pare-cem ter encontrado, nesta Oficina, possibilidades de realização pessoalpor meio da narrativa. Enveredamos pelos caminhos de suas memórias,com a alimentação como fio condutor; em outras palavras, sua cultura

AULA 2

ALIMENTAÇÃO, NUTRIÇÃO, SAÚDE ECULTURAShirley Donizete Prado

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alimentar, o que abarcou a vida doméstica, os laços de família, as festase comemorações, o acesso aos alimentos, seu preparo e formas de con-sumo; práticas, rituais e crenças e suas relações com a saúde até aos diasde hoje.

O início das atividades do grupo nos trouxe a seguinte fala deMyriam:

Sinceramente, quando ouvi a proposta, achei que seria chato escre-ver sobre comida. Mesmo assim, comecei. E me vi tomada por umagrande alegria, por uma intensa motivação. Vocês não imaginamcomo está sendo bom recordar e escrever sobre essas lembranças!Parece que estou reunindo pedaços de minha vida.

Nossos encontros quinzenais foram riquíssimos em lembranças etrocas, em emoções, no estabelecimento de novos laços afetivos e nareafirmação de vínculos anteriores. A quantidade de páginas e a quali-dade dos conteúdos são reveladoras do interesse que a proposta desper-tou. Mais que relatos factuais, as páginas e páginas produzidas nessaOficina parecem trazer uma certa forma de reconstrução dessas vidas,de reunião de pedaços quase perdidos ou desarrumados.

Pollak (1989) nos chama atenção para o papel da memória comoinstrumento de reconstrução de identidade e não apenas como relatosde fatos isolados. O autor considera que

ao contarmos nossa vida, em geral, tentamos estabelecer uma certacoerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos-chave(...) e de uma continuidade, resultante da ordenação cronológica.Através desse trabalho de reconstrução de si mesmo, o indivíduotende a definir seu lugar social e suas relações com os outros.

Entendemos, como Paul Ricoeur, a adequação das narrativas paraa realização de estudos sobre o passado como um meio de simbolizareventos sem o qual sua historicidade não poderia ser indicada. Nos tex-tos produzidos pelos idosos da UnATI estão presentes processos de trans-formação relativos a aspectos econômicos, urbanização, gênero, padrõesde comportamento, desenvolvimento científico e práticas em Saúde,que correspondem a fios de uma complexa trama, sem o que o enredoprincipal, a cena dramática das transformações ocorridas na alimentação

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ao longo do século XX, torna-se frágil e desprovido de contexto social.A trama central é aqui abordada por meio de alguns caminhos maisespecíficos da alimentação.

Primeiramente, a grande transformação ocorrida nas formas deprodução dos alimentos: na infância, predominantemente doméstica evoltada para família com fortes vínculos entre as pessoas e a comida, ehoje as compras no supermercado e os crescentes desconhecimentos einseguranças face ao que se come. Nos textos de Augusta, detalhes sobrea vida de criança nos subúrbios do Rio de Janeiro e a alimentação das aves,as doenças, a postura dos ovos, o cacarejo característico e o abrir de asas paraanunciar a breve chegada dos novos pintinhos, as orações para não houvessetemporais que poderiam prejudicar a ninhada, a ajuda prestada aos recém-chegados “retirando os pedacinhos de casca a fim de libertá-los”, a curiosi-dade e a admiração diante daquele processo de vida e da sua própria vida:“Hoje, ao recordar-me com saudade daquele tempo, creio que eu sentiaum pouco de inveja daquelas asas protetoras”. E, depois, as delícias. “Duasvezes por mês, sempre aos domingos ou feriados, meu pai fazia aquelealmoço... Matava a galinha mais gorda. Aproveitava tudo, até as tripas”.

Encontramos essa forte tônica em aspectos que nos remetem aoafeto, absolutamente alienado do alimento preparado em série nas in-dústrias e vendido no supermercado de forma tão impessoal. Mais adiante,Augusta comenta: “Hoje, eu com 74 anos, encontro-me comendo galinhacongelada, totalmente sem peles, sem gordura”. Em Josepha também en-contramos referências a essas questões: “Minha mãe fazia uma sopa consis-tente. Na época eu fazia charminho para comer”. Mais adiante, nossa nar-radora registra: “Atualmente, no corre-corre diário da mulher no mercadode trabalho, a sopa que era feita em casa foi substituída por produtos simi-lares industrializados. Hoje tenho saudades de ambas: sopa e mamãe”.

Em segundo lugar, as transformações na vida da mulher e no in-terior da cozinha ou confortos e medos diante da tecnologia. Nas pala-vras de Myriam,

... voltando à fazenda: papinha fresca, preparada no dia, quase nahora. Não era como os copinhos de hoje, com as “alertadoras”datas: fabricado dia tal, vencimento, tal dia. (...) As papinhas atuais,dizem vir balanceadas: proteínas, sais minerais, vitaminas... dopotinho para o forninho de microondas. Podemos confiar? Não sei,pode até ser.

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Concluímos, de acordo com Claude Fischler, que essas transforma-ções no campo da alimentação geram ansiedades que se acentuam como monitoramento permanente do corpo, principalmente nas pessoasidosas, submetidas a maiores riscos à saúde. O encontro terapêutico entreo profissional de Saúde e o paciente deve ter em conta aspectos comoa cultura alimentar, em seus elementos formadores de identidades, oque corresponde a um eixo indispensável nas práticas em Saúde. Aspalavras de Miryam atestam a fragilidade desse encontro:

E um motorista, levando-me certa vez, ao Hospital Pedro Ernesto: “Olhe só”– apontou para um grupo de médicos – “Lá vão para a churrascaria. O pratode hoje é feijoada. Aquela bem incrementada. Para a gente, receitam legu-mes cozidos. Assim, até eu”.

Referências bibliográficas

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A nutrição tem papel importante na modulação do pro-cesso de envelhecimento humano e na etiologia de doenças associadascom a idade (Masoro, 1990; Rozovski, 1994). Assim, monitorar o estadonutricional de idosos é necessário para uma assistência adequada nosdiferentes níveis de complexidade e para o planejamento de ações depromoção da saúde que objetivem a melhoria da qualidade de vida e amanutenção da autonomia desta população.

Diversos são os fatores determinantes de problemas nutricionaisem pessoas idosas.

Físicos – Redução de necessidades energéticas, alteração do tratogastrintestinal, alterações sensoriais, doenças crônicas, incapacidades,interação droga–nutriente.

Psicossociais – viver só, asilamento, depressão, demência, crençase tabus.

Socioeconômicos – Baixa renda, dificuldade de transporte, prá-ticas alimentares inadequadas; estilo de vida, tabagismo, redução da ati-vidade física (Solomons, 1992; Morigutti et al., 2001).

Estilo de vida – Tabagismo, redução da atividade física (Solomons,1992; Morigutti et al., 2001).

A pobreza, os baixos níveis de escolaridade e o pouco acesso aserviços de Saúde podem intensificar problemas nutricionais em paísesem desenvolvimento (Solomons, 1992). Neste sentido, estudo de Tavares& Anjos (1999) observou ocorrência diferenciada de baixo peso e obe-sidade em idosos de menor nível socioeconômico no Brasil.

A relação entre os fatores determinantes é mais complexa com oavançar da idade, pelo aumento da heterogeneidade, das doenças crô-

AULA 3

AVALIAÇÃO NUTRICIONAL EM IDOSOSNO BRASILElda Lima Tavares

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nicas e das incapacidades. Deste modo, avaliar o estado nutricional dosmais idosos se torna delicado, deve-se considerar as especificidades decada indivíduo.

A avaliação nutricional é a interpretação de informações obtidas deestudos – dados – dietéticos, bioquímicos, antropométricos e clínicos(Gibson, 1990). Estes métodos se complementam e são necessários parao diagnóstico nutricional, principalmente de idosos. A Antropometria –conjunto de medidas corporais – tem ampla utilização na prática clínicae epidemiológica. Alterações físicas e de composição corporal observadascom a idade – redução da estatura, presença de edema ou desidratação,idoso acamado ou em cadeira de rodas, redução de massa muscular e dedensidade óssea, aumento e redistribuição de gordura corporal, perdada elasticidade e maior compressibilidade da pele – interferem na coletae interpretação de dados (Najas & Pereira, 2002; Sampaio, 2004).

As medidas antropométricas mais utilizadas são massa corporal,estatura, perímetros e dobras cutâneas. No entanto, há limitações dereferências para estas medidas em idosos. A tendência de aumento demassa corporal com a idade parece alcançar seu platô aos 65 anos emhomens e 75 anos em mulheres, quando começa a reduzir (WHO, 1995).Não há consenso sobre o valor de diminuição de estatura com a idade,que parece ser de 0,5 a 2,0 cm por década após os 60 anos, acentuando-se em idades mais avançadas. Para atenuar o efeito desta redução naavaliação nutricional ou na impossibilidade de aferição da estatura, reco-menda-se o uso da medida do comprimento da perna – altura do joelhoou Knee Height – como estimativa. As equações mais conhecidas são as deChumlea et al. (1985):

Homens = (2,02 x comprimento da perna) – (0,04 x idade) +64,19.

Mulheres = (1,83 x comprimento da perna) – (0,24 x idade) +84,88.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o Índice deMassa Corporal (IMC=Kg/m2) como indicador de estado nutricional deadultos (WHO, 1998). Apesar deste índice não expressar especificamen-te gordura corporal e massa muscular, estudos mostram sua associaçãocom adiposidade e com morbi-mortalidade (WHO, 1998; Santos &Sichieri, 2005). O Ministério da Saúde (MS, 2004) recomenda pontosde corte para idosos diferentes dos recomendados pela OMS (faixa de

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adequação IMC entre 18,5 a 25,0). Estes são: IMC<22,0 (baixo-peso);22,0 a 26,9 (adequado) e IMC=27,0 (sobrepeso).

Tal definição, se baseia na forte associação encontrada entre baixopeso e risco de mortalidade e na necessidade de maior reserva paraprevenir a desnutrição e condições mórbidas associadas (Lipschitz, 1994;Guigoz et al., 1996; Andres et al., 1985). No Brasil, resultados de umestudo de coorte realizado em Pelotas reforçam a importância do baixopeso na ocorrência de mortalidade em idosas (Cabrera et al., 2005).

Protocolos simplificados têm sido desenvolvidos para identificaçãode indivíduos em risco de desnutrição na prática geriátrica, como o MiniNutritional Assesment (MNA) (Guigoz et al., 1996). No MNA, outrosindicadores antropométricos estão presentes: a perda involuntária depeso, os perímetros do braço e da panturrilha. Considera-se maior riscoà saúde perdas de peso superiores a 10% do peso corporal em seismeses, 7,5% em três meses e 5% em um mês (Lipschitz, 1994). Já osperímetros indicam as reservas de gordura e massa muscular, destacan-do-se o da panturrilha por expressar melhor a perda muscular, perda demobilidade e redução da atividade física em idosos (WHO,1995).

Quanto ao sobrepeso e obesidade, ressalta-se a importância de seavaliar a mobilização da gordura corporal (Kuczmarski, 1989). Com aidade, observa-se o deslocamento da gordura corporal da periferia parao centro do corpo – centralização – e da região subcutânea para a regiãovisceral do corpo – internalização. Os indicadores antropométricos reco-mendados são a Razão Cintura–Quadril (RCQ=perímetro da cintura/perímetro do quadril) e o Perímetro da Cintura (PC), por serem maisfortemente associadas ao risco de doenças cardiovasculares (WHO, 1998).Cabrera et al. (2005) observaram o aumento de RCQ como fator derisco importante para a mortalidade total em idosas.

A OMS sugere os seguintes limites: RCQ>1,0 em homens e RCQ>0,85 em mulheres, como indicativo de acúmulo de gordura abdominal;PC=94 e =102 cm em homens e PC=80 e =88 cm em mulheres, comorisco aumentado e muito aumentado para distúrbios metabólicos, res-pectivamente (WHO, 1998). Estes não são valores específicos para ido-sos, e riscos associados com valores destas medidas podem ser diferentesentre as populações.

No Brasil, nas últimas décadas se evidenciou tendência de reduçãodo déficit de peso e de aumento de sobrepeso e obesidade (MP/FIBGE,2004). A exceção se observou em mulheres que apresentaram estabili-

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zação e até mesmo declínio no aumento do excesso de peso na maiorparte do país, de 1989 a 2003. No entanto, necessita-se avaliar esta evo-lução especificamente na população idosa.

O projeto SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento), estudomulticêntrico promovido pela OPAS na América Latina e desenvolvidono município de São Paulo, realizou ampla avaliação antropométrica em1.894 idosos (Lebrão & Duarte, 2003). Cerca de 25% dos homens idososapresentaram risco cardiovascular, segundo RCQ e PC; enquanto emidosas, 75% se encontravam em risco pela RCQ e 50% pela PC. Obser-vou-se maior prevalência de baixo peso em homens e maior de obesi-dade em mulheres, segundo IMC.

O cenário apresentado demonstra a necessidade de análises queespecifiquem cada vez mais o estado nutricional de nossa populaçãoidosa. Por sua vez, a aplicação do método antropométrico para a práticaclínica exige um monitoramento sistemático de múltiplas medidas cor-porais associadas às informações clínicas e bioquímicas destes indivíduos.

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O consumo de alimentos representa necessidade fisiológi-ca básica para sobrevivência e diferentes estudos apontam a relação entrenutrição e alimentação com as condições de saúde e sobrevivência (Cervato,1997; European Comission, 1998; Drewnowski & Shultz, 2001; Bermudez &Turker, 2003, Jacobs & Stefen, 2003; Santos, 2003; Kant, 2004).

Análises sobre a situação de envelhecimento de populações depaíses desenvolvidos têm fornecido indícios sobre esta relação (Rowe,1997; Greenwood et al., 2000; Millen & Quatromoni, 2001). Entre gre-gos e japoneses, observam-se taxas elevadas de expectativa de vida (Wooet al., 2000; Shibata, 2001). Nestas populações, há um elevado consumode frutas, vegetais, carboidratos complexos e óleos ricos em ácidos graxosinstaurados e consumo de poucos produtos industrializados, freqüente-mente ricos em sódio, gorduras do tipo saturadas e trans (Trichopoulouet al., 1995). Neste sentido, parece que estas características favorecem odesenvolvimento de melhores condições de vida e saúde (Ruthsen, 2000;Shibata, 2001).

As questões de consumo alimentar necessitam de uma abordagemque contemple diferentes e complexos aspectos, particularmente quan-do falamos do contingente idoso. As alterações fisiológicas próprias doenvelhecimento – mudanças no aparelho digestivo, na condição dehidratação, na percepção sensorial –, as modificações na autonomia, afreqüente presença de enfermidades e questões relacionadas com a si-tuação socioeconômica e familiar estão entre alguns dos principais fato-res que condicionam o consumo alimentar deste grupo (Nogués, 1995;Campos et al., 2000; Drewnoski & Shultz, 2001).

Blundell & Gillett descrevem outros aspectos que influenciam ocomportamento alimentar, tais como processos biológicos que refletem

AULA 4

CONSUMO ALIMENTAR ENTRE IDOSOSNO BRASILDébora Martins dos Santos

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os desejos de comer e processos inibitórios de ingestão alimentar e re-serva de tecido adiposo; processos ambientais que restringem o tempo ea distribuição de episódios alimentares; modulações auto-impostas dopadrão de comportamento – interação entre processos biológicos eambientais.

Existem diferentes métodos e instrumentos para obtenção de in-formações sobre o consumo alimentar. Empregam-se metodologias qua-litativas – especificam qualitativamente as características da dieta – equantitativas – quantificam os elementos da dieta – de forma isolada ecombinada, ou ambas (Gibson, 1990; Willett, 1998; Kroes et al., 2002).De forma geral, os instrumentos se dividem entre aqueles que caracte-rizam o consumo em termos de alimentos e nutrientes, ou ambos (Hu,2002, Jacobs & Steffen, 2003).

O consumo também pode ser estudado de forma indireta pormeio de folhas de balanço alimentar, pesquisas mercadológicas e deorçamento familiar – disponibilidade domiciliar per capita de alimentos.Entre idosos, o emprego destas metodologias requer atenção quanto aosaspectos que interferem no resgate e interpretação de dados, dentre osquais se pode citar viés de memória, dificuldade de compreensão econdições que provoquem alterações nos hábitos alimentares.

No Brasil, são escassas as informações sobre o padrão de consumode alimentos, particularmente entre os idosos (Najas et al., 1994). Des-tacam-se os resultados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF)(1974), Estudo Multicêntrico (Sichieri et al., 1997), das Pesquisas deOrçamento Familiar (POF) e alguns estudos específicos entre grupos deidosos residentes em seus domicílios ou em asilos e abrigos (Bonomo etal., 2003). Análises desenvolvidas em abrigos apontam inadequações maisexpressivas de macronutrientes e micronutrientes (Coelho et al., 2002).

Os resultados disponíveis sobre o padrão de consumo da popula-ção adulta brasileira revelam mudanças significativas nas últimas décadas,principalmente entre a população urbana (Mondini & Monteiro, 1994;Sichieri et al., 1997; Velásquez-Meléndez et al., 1997; Cervato et al.,1997; Bleil, 1998; Monteiro et al., 2000). A composição da dieta relativaa macronutrientes evidencia adequação do teor protéico nas cinco gran-des regiões do Brasil – entre 12% e 14% das calorias totais –; excesso doteor de gorduras nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste – mais do que30% das calorias totais –; teor de gorduras saturadas muito próximo dolimite nas Regiões Sul e Sudeste – 9,9% e 9,3% das calorias totais –; e

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excesso do teor de açúcar nas cinco regiões – com variação de 11% dascalorias totais, na Região Norte, a 14,5%, na Região Sudeste.

Em termos de alimentos, observa-se diminuição no consumo decereais e derivados, feijão, frutas e vegetais, raízes e tubérculos. Substi-tuição de banha, bacon e manteiga por óleos vegetais e margarina.Aumento do consumo de carnes, particularmente do consumo relativode carne bovina e frango, de leite e de seus derivados; e ainda aumentoda participação relativa de açúcar refinado e dos refrigerantes (MP/FIBGE, 2004).

Dados do Estudo Multicêntrico para o município do Rio de Janeiroapontaram tendência de redução do consumo de energia, de proteínas,de carboidratos e de gorduras, em ambos os sexos, nas idades mais avan-çadas. Outro estudo entre idosos (Bonono, 2003) revelou dados seme-lhantes quanto ao declínio energético. As idosas ingeriam menores quan-tidades de fibras e álcool, enquanto os idosos consumiam mais proteínas.Em relação às frações lipídicas, 58% dos idosos apresentaram ingestão degorduras saturadas acima da recomendação.

Estudo de Najas e colaboradores (1994) entre idosos mostrou padrãoalimentar semelhante a outros grupos populacionais no tocante aos ali-mentos energéticos, porém diferem quanto aos protéicos – 70% ou maisdos idosos consomem feijão, carne de boi, aves, leite e ovos; entretanto,no consumo diário, com diferenças entre as regiões do município, maisde 85% dos indivíduos apresentaram hábito de consumir frutas, verdu-ras folhosas e legumes, atitude comum diária entre aqueles de melhornível socioeconômico.

Dados do Inquérito sobre morbidade referida (INCA, 2004) reve-laram consumo de frutas, legumes e verduras cinco vezes ou mais porsemana superior a 50% em todas as capitais estudadas. Quanto à faixaetária, não foi observado um mesmo padrão para todas as regiões. Entre-tanto, em todas as cidades das Regiões Sul e Sudeste, com exceção dacidade de Vitória, observou-se que o grupo com 50 anos e mais de idadeapresentou o maior percentual de consumo, embora os dados da POF(2004), comparados aos do ENDEF, tenham revelado participação rela-tiva das frutas e verduras e legumes na dieta aquém da recomendaçãode 6% a 7% das calorias totais – entre 3% e 4%.

Alterações nos padrões de consumo alimentar parecem contribuirpara o aumento do sobrepeso e da obesidade bem como para o aumentode condições e agravos mórbidos. Se considerarmos a relação entre ali-

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mentação–nutrição, processo de envelhecimento e ocorrência de doen-ças, e ainda a escassez de dados específicos para esta faixa etária, faz-sepremente o desenvolvimento de novas analises que visem retratar estesfatores de risco modificáveis, como é o caso de estudos que caracterizemo padrão dietético.

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Em parceria com a UnATI, o Instituto de Nutrição desen-volve desde 1994 o Projeto de Extensão Nutrição e Terceira Idade, queintegra de forma orgânica a área de Ensino, Pesquisa e Extensão. Dife-rentes atividades educativas são aí desenvolvidas, o que inclui a orienta-ção individual e personalizada no atendimento ambulatorial a idososparticipantes do Projeto de Promoção de Saúde, do Projeto Idosos emMovimento Mantendo a Autonomia (IMMA) e ações coletivas em sala deespera no Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI), no Curso Nutrição eTerceira Idade e no Grupo Roda da Saúde.

Com base nessa experiência, serão apresentadas as principais pre-missas utilizadas, que têm como eixos teóricos: a) a perspectiva crítica daeducação em Saúde; b) a complexidade da relação homem–alimento;c) as necessidades específicas do grupo populacional idoso; d) a com-preensão do processo saúde–doença; e e) a reorientação do modeloassistencial com vista a atender aos princípios do SUS.

Trata-se de uma experiência em andamento, de um processoconstante de construção e reconstrução, com a contribuição de muitos alu-nos de Nutrição, professores, profissionais e residentes do NAI e, principal-mente, idosos que em diferentes momentos e de diversas formas participa-ram da nossa trajetória, e partilharam suas experiências e saberes.

A educação é um processo que ocorre durante toda a vida; é umaprática social que se insere em todos os espaços de convívio humano;corresponde a micropráticas que contribuem para a transformação dohomem e do mundo.

A partir do respeito e da valorização do conhecimento e da expe-riência do outro, propomos a construção de uma relação de parceria, naqual os sujeitos portadores de conhecimentos – profissionais e idosos –

AULA 5

EDUCAÇÃO NUTRICIONAL NO PROCESSODE ENVELHECIMENTOMaria Fátima Garcia de Menezes

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ouvem, falam, trocam, encontram semelhanças, diferenças e se modifi-cam a partir dessa relação (Boog, 1997; Carvalho et al., 2001).

A utilização de linguagem que facilite o processo de comunicaçãoé fundamental. No processo dialógico é importante considerar como seconfigura o processo comunicacional. É necessária atenção constante aoexcesso de termos técnicos – ou ao seu uso sem a discussão do signifi-cado –, fala rebuscada, formal, que dificulta a compreensão, bem comoo uso de diminutivos de forma intensa, que pode ser confundido cominfantilização ou inferiorização do outro.

O estímulo à autonomia e à independência para decidir é essen-cial. As mudanças ocorrem em função da disponibilidade de cada umem refletir e buscar os seus próprios caminhos, ao construir escolhaspossíveis frente à sua realidade, ao seu contexto de vida, que permiteme sustentam suas escolhas (Boog, 1997; Smeke & Oliveira, 2001). Énecessário atentar para o fato de que a ênfase sobre a autonomia, sobreo autocuidado, não venha a reforçar o peso na responsabilidade indivi-dual, o que facilmente pode recair na culpabilização, questão já bastantediscutida no campo da Educação em Saúde.

A complexidade do comportamento alimentar deve ser considera-da. O que é produzido, o que é comercializado, o que se come, o quantose come, como, em que horários, com quem, o que se deve ou nãocomer, o que se gosta, como se prepara, etc., e também o que sentimosem relação aos alimentos, tudo isso são elementos presentes no quedenominamos de comportamento alimentar (Fischler, 1995; Garcia, 1997).Ele é construído durante toda a vida e tem influências de diferentesnaturezas: biológica – preferências inatas, instinto, sobrevivência, conhe-cimento dos nutrientes e recomendações –; econômica – acesso, dispo-nibilidade, renda –; e, principalmente, de natureza cultural.

As marcas trazidas da infância (Mintz, 2001), as relações familiares,a nossa origem geográfica, as comemorações, a religião, o novo cenárioda vida moderna, entre outros fatores, são fundamentais na estruturaçãoda maneira como nos relacionamos com a comida. É principalmente nocampo das Ciências Humanas – Antropologia, Sociologia, Psicologia –que se busca a fundamentação necessária para compreender e perceberos caminhos difíceis, com possíveis transgressões, que precisam ser trilha-dos para a mudança.

As representações sobre o comer precisam ser tomadas em conta.A complexidade do comportamento alimentar envolve várias represen-

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tações sobre o comer e a comida, diferentes significados que os alimen-tos trazem em distintas situações. Quando comemos não são apenasnutrientes que consumimos, mas também experiências de prazer oudesprazer, sabor, símbolos (Boog, 1997; Casotti, 2002). Nesse contexto,existe o comer ou os comeres!? Simbolicamente, comemos o nervosismo,o INSS, a ansiedade, as frustrações, as perdas, as doenças, a solidão.Buscamos abordar a alimentação para além do nutriente, da restrição,da doença, da dieta, para incorporar a comida, o prazer, a saúde. Talabordagem se insere na manutenção das características da vida habitual,o que garante ao idoso sua inserção social e preserva o arcabouço sim-bólico de sua alimentação.

É necessária a utilização de indicadores subjetivos de avaliação.Entendemos que devem ser utilizados indicadores objetivos para avalia-ção do trabalho – evidências clínicas, laboratoriais, como perda ou ganhode peso, diminuição de colesterol sanguíneo, melhora da digestão, iní-cio de atividade física, etc. – e subjetivos – maior auto-estima, maiorbem-estar, mais tempo nas compras, etc. (Boog, 1997).

É fundamental a atenção às particularidades referentes ao proces-so de envelhecimento. Devemos considerar as necessidades específicasdo idoso, potencializar sua capacidade de aprender, criar, pensar, deci-dir e respeitar suas particularidades, o que pode envolver redução nacapacidade visual, auditiva, gustativa, de memória, concentração, entreoutras. Assim, é importante atentar para a seleção de informações emquantidade e qualidade, organização das atividades propostas – comdetalhamento das regras –, tamanho de letras para o material educativo,tom de voz e clareza na dicção.

O desenvolvimento de senso crítico às informações disseminadaspela mídia, a reflexão e a problematização da realidade são prerrogativasdo trabalho. Nesse sentido, valorizamos temas atuais – dietas de moda,transtornos alimentares, alimentos funcionais, rotulagem de alimentos –pautados na mídia, e buscamos explicitar a informação e sua inter-rela-ção com o marketing e a publicidade, frente ao que se coloca como uma“sociedade da imagem” e do “consumo”.

A incorporação de atividades lúdicas é indispensável. O espaçoeducativo pode privilegiar a conversa, a alegria, o prazer, e gerar ummomento produtor de reflexão e transformação. Utilizamos estratégiaspedagógicas que incorporam o outro de forma ativa. Por exemplo, Showdo Milhão, gincanas, palavras cruzadas, caça-palavras, jogo passa-repassa,

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painéis, teatro, música, estudo de caso, situação-problema. A incorpora-ção de atividades práticas é rotineira em nossa experiência. A articulaçãoorgânica da teoria ao cotidiano de vida, que se expressa no espaço daculinária, é experimentada em atividades como degustação, oficinasculinárias, lanche saudável, excursão à feira de produtos diet, como for-ma de investir na relação do indivíduo com a comida (Garcia, 2000).

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