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1 IX ENCONTRO DA ABCP AT – Instituições políticas MODELANDO OS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA EM BUSCA DE SEUS EFEITOS NAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS EM VIGOR ROBERTO RIBEIRO CORRÊA UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-graduação em Ciência Política [email protected] DHONNY ALMEIDA DE OLIVEIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará Mestrando em Ciência Política [email protected] Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

MODELANDO OS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA …€¦ · substantivos explicam as mudanças percebidas no decorrer do longo jogo da transição. Va-lorizando a teoria dos jogos,

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IX ENCONTRO DA ABCP

AT – Instituições políticas

MODELANDO OS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA EM BUSCA DE SEUS EFEITOS NAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS EM VIGOR

ROBERTO RIBEIRO CORRÊA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-graduação em Ciência Política

[email protected]

DHONNY ALMEIDA DE OLIVEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará

Mestrando em Ciência Política

[email protected]

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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MODELANDO OS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA EM BUSCA DE SEUS EFEITOS NAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS EM VIGOR

ROBERTO RIBEIRO CORRÊA UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-graduação em Ciência Política

[email protected]

DHONNY ALMEIDA DE OLIVEIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DO Pará

Mestrando em Ciência Política [email protected]

Resumo do trabalho:

Este artigo analisa a transição democrática brasileira (1974 a 1985), com o objetivo

de demonstrar que esse processo se deu de forma contingente, menos na dependência da

vontade dos atores do que da interação destes com outros com interesses próprios, em jo-

gos mediados por instituições cambiantes — ou seja, os “jogos de transição contingente”.

Com a teoria da escolha racional e os instrumentos da teoria dos jogos, investigo ser a de-

nominação “contingente” adequada para sustentar a hipótese de que evolução incremental

das instituições do anunciado processo transicional deu-se condicionada à aleatoriedade de

resultados não intencionais procedentes de escolhas intencionais. Os resultados esperados

desta investigação, os efeitos sobre o comportamento dos atores no curto, médio e longo

prazo, seguem sintetizados nos temas-títulos dos quatro capítulos: esquemas dos jogos da

transição democrática brasileira; a convergência e os limites da cooperação mútua; as metá-

foras da transição democrática ou jogos de um lance aos jogos repetitivos e; ao final, as

conclusões onde evidenciamos a precariedade de algumas dimensões do compósito político

institucional brasileiro em vigor.

Palavras-chave: Brasil; governos militares; transição democrática, teoria dos jogos.

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I. ESQUEMAS DOS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA

Os recursos teóricos aqui mobilizados categorizam o processo de redemocratização

brasileiro (1974 a 1985) como de ruptura, pacto e regulação. Um pouco de cada um desses

substantivos explicam as mudanças percebidas no decorrer do longo jogo da transição. Va-

lorizando a teoria dos jogos, preferimos na concorrência das teorias, conceituar a experi-

mentação brasileira como de transição contingente, no sentido de que a comunicação entre

os principais jogadores envolvidos na disputa de poder existiu, de forma recorrente, e por

isso mesmo estimulou, cada um deles, a cada momento, escolher uma estratégia diferente,

em reação a de seu oponente, uma vez que todos os envolvidos almejavam a promoção de

seus interesses. Os governos castelistas de Geisel e de Figueiredo comprovam a tese de

que o mundo político é altamente estruturado (TSEBELIS, 1990, p. 94). Vale lembrar, no

entanto, que o papel das instituições é resolver problemas recorrentes de coordenação nu-

ma sociedade em conflito, e a mudança destas em jogos institucionais, deve prevalecer,

como de fato ocorreu nos momentos finais da transição democrática brasileira, reafirmando

a tese segundo a qual todo o indivíduo que age em conformidade com a norma social, tem

sua ação governada por regras que emanam dessas instituições, mesmo que tais regras

não contemplem seus interesses imediatos (KNIGHT, 1992, p. 15). Esta lógica certamente

condicionou o recuo da linha-dura após o atentado do Riocentro (1981), fazendo com que

nas relações entre Executivo e Legislativo fossem predominando um crescente lassez faire,

lassez passer institucionais. Nesse prisma de abordagem, os acertos e contratos promovi-

dos pelos castelistas em reação à linha-dura, à oposição parlamentar e às forças democráti-

cas, foram sinais indutores de mudança comportamental na perspectiva do gradativo retorno

ao Estado democrático de direito. Ou seja, os castelistas adotaram uma estratégia geral e

dominante pela via da institucionalização incremental, representada por meio de pacotes

legislativos, cujo principal efeito foi induzir o aprendizado e as ações de cada ator.

Nesse clima orientado para mudanças, a ação coletiva foi a principal força na produ-

ção de um bem simbólico indispensável: a democracia; implicando participação popular en-

quanto forma de aumentar os custos da repressão e, a um só tempo, reduzir o custo da tole-

rância, com vistas a gerar consenso favorável à reversão das expectativas da extrema direi-

ta, em proveito da redemocratização (SANTOS, 1982; OLSON, 1971). Dessa forma, partin-

do de uma situação de “hegemonia fechada” (DAHL, 1996.), caracterizada pelo baixo nível

de participação e de contestação imposto pelo AI-5, vemos, a partir de 1974, com a posse

de Geisel a sinuosidade da trajetória da transição democrática ganhar impulso em meio a

uma sucessão de eventos rumo ao anteato da poliarquia — a Constituição Federal de 1988.

Com essa aproximação teórica analisamos o confronto dos castelistas com os diver-

sos atores nas variadas arenas onde se travaram as batalhas da transição, fazendo ver que

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no início desse processo a arena principal era quase exclusivamente intrapalaciana, com

castelistas e linha-dura digladiando-se numa sequencia de jogos que terminariam por envol-

ver outros atores, em outras arenas, como a seguir demonstramos.

II. A CONVERGÊNCIA E OS LIMITES DA COOPERAÇÃO MÚTUA

Desde que jogos políticos são, por sua natureza, recorrentes, não exageramos admi-

tindo que os da transição democrática sejam iterativos e por isso mesmo dependente em

seus desfechos do balanceamento de duas forças probabilísticas: a não cooperação e a

cooperação. Com efeito, sejam as equações (1.1.) e (1.2) expressões das utilidades espe-

radas (UE) para variações de payoffs de não cooperação e cooperação, respectivamente,

diante da possibilidade de variações dos sinais de instrução (p) e retaliação (q) emitidos por

um dos jogadores, entendidos estes sinais como probabilidades que podem assumir qual-

quer valor no intervalo [0,1] de sorte a que os pares ordenados do ponto resultante situe-se

no interior do quadrado definido pelas coordenadas (0,0), (0.1), (1,1) e (1,0).

(1.1)

(1.2)

Dado que a utilidade esperada depende do resultado do balanceamento de forças

advindas dos sinais de instrução e retaliação, a seguinte relação é uma construção lógica

para explicar as condições em que ocorre a emergência da cooperação:

(1.3)

Substituindo na inequação (1.3) as igualdades explicitadas em (1.1) e (1.2), e reor-

denando os termos desta, chego a inequação lógica fundamental da cooperação:

(1.4)

Com efeito, se para um jogador a relação (1.4) for verdadeira, ele escolherá coope-

rar. De outra maneira, o modelo sugere analisar como variações marginais nos payoffs (O,

R, P e T)1 conduzem à cooperação. A consistência do argumento da emergência da coope-

ração pode ser atestada considerando, prima facie, serem positivos os payoffs genéricos (T,

R, P, O > 0) para os quatro jogos aqui discutidos, dando sentido à proposição de que a pro-

babilidade de cooperação aumenta quando aumentam os payoffs associados à cooperação

(R e O), e diminui quando aumenta os payoffs associados à deserção (T e P), como de-

monstramos adiante (MOULIN, 1986; OSBORNE & RUBINSTEIN, 1994).

Partindo da relação (1.4) e atribuindo valores numéricos para os payoffs genéricos

de sorte a observar a gradiente de cada um dos quatro tipos de jogos, chega-se aos resul-

tados locados no diagrama cartesiano (p, q), sendo p, abscissa, e q, ordenada. Para encon-

1 R (recompensa); P(penalidade); O (otário); T (tentação). (TSEBELIS, 1990; p. 69)

0)()( >− NCUECUE

)()()( OTqPTpOR −>−+−

PqqTNCUE +−= )1()(

)1()( pORpCUE −+=

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trar os pontos relevantes situados na área probabilística (sombreada ou em destaque azul)

nas figuras resultantes das combinações entre p e q requeridas para que se desenvolva a

cooperação, as seguintes relações contam:

As equações (1.5) e (1.6) definem os interceptos da ordenada e da abscissa, respec-

tivamente, da reta E=0, também chamada de linha de indiferença entre cooperação e não

cooperação. Ao longo dessa linha a utilidade esperada será a mesma qualquer que seja a

estratégia escolhida. As equações (1.7) e (1.8), deduzidas de (1.4), são usadas para calcu-

lar as probabilidades mínimas de instrução (p*) e de retaliação (q*), pontos a partir dos quais

cresce a área geométrica da cooperação.

Esses pontos, em sua formulação literal, são deduzidos igualando a zero o segundo

membro ou lado direito da equação 1.4., para em seguida, fazendo q = 1, encontrar p*, e

para p = 1, encontrar q*.

Usando o algoritmo adequado à representação da desigualdade (1.4), como se ex-

pressa — matemática e geometricamente — a probabilidade de cooperação para os quatro

jogos, admitindo payoffs variáveis. Assim, uma vez dominadas as relações 1.4, 1.5, 1.6, 1.7

e 1.8, podemos calcular a magnitude da área de probabilidade de cooperação com as se-

guintes fórmulas aplicáveis ao dilema dos prisioneiros (1.9), jogo do galinha (1.10), jogo do

seguro (1.11); e, como exceção, o jogo do impasse para o qual não existem valores possí-

veis de p e q que produzam cooperação, sendo, portanto, sua área probabilística igual a

zero.

Com o objetivo de tirar conclusões úteis para fins empíricos no estudo da transição

democrática, examinamos cada um dos jogos

(1.5)

(1.6)

(1.7)

(1.8)

)/()(1

PTOTq −−=

)/()(1

OROTp −−=

)/()(*

OROTp −−=

)/()(*

PTRTq −−=

)])((2/[)(2

ORPTPRSDP −−−= . (1.09)

)(2/)2( PTPRSFGA −−+= (1.10)

)(2/)2( ORTPRFSE −−−= (1.11)

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Jogo do Dilema dos Prisioneiros

Figura 1 Representação gráfica do jogo do Dilema dos Prisioneiros no plano (p, q)

Para testar a coerência do modelo, usamos o algoritmo desenvolvido em planilha

eletrônica Excel2 e constatamos que ao elevar os valores de R de 3 para 3,5 e de O de 1

para 1,5 (payoffs da cooperação), geramos uma área probabilística de valor igual a 0,2813,

maior do que a anterior, de 0,125, o que significa a evolução da emergência de cooperação

entre jogadores com interesse próprio num jogo do dilema dos prisioneiros. Podemos variar

os payoffs da cooperação (até R = 3,99 e O = 1,99), chegando ao limite a partir do qual o

jogo do dilema dos prisioneiros transforma-se em outro qualquer jogo, e a área probabilística

alcança o limite de 0,495. Essa simulação numérica confirma a proposição de número 3.6

constante em TSEBELIS (1990, p. 84): num jogo do Dilema dos Prisioneiros com estratégias

contingentes, a probabilidade de cooperação aumenta com R e O. Por outro lado, se au-

mentamos os valores de T de 5 para 5,5 e de P de 2 para 2,5 (payoffs da não-cooperação),

a área probabilística se reduz de 0,125 para 0,0208, confirmando a proposição de número

3.7 constante em TSEBELIS (1990, p.84): num jogo do Dilema dos Prisioneiros com estra-

tégias contingentes, a probabilidade de cooperação diminui com o crescimento de T e P.

Jogo do Impasse

Cooperação Deserção Ordem

i1 i2 i1 i2 1 T

2 Microsoft Excel, 2000.

Cooperação Deserção Ordem

i1 I2 i1 i2 1 T

3 3 (R1R2) 1 4 (O1T2) 2 R

4 1 (T1O2) 2 2 (P1P2) 3 P

Área Probabilidade de Cooperação = 0,125 4 O

0101*

1

*

1 >>>> qqpp

)])((2/[)(2

ORPTPRSDP −−−=

Fração

0,00; 1,00

1,00; 0,00

0,00; 1,50

1,50; 0,000

1

2

0 1 2

p+q=1 E=0

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2 2 (R1R2) 1 4 (O1T2) 2 P

4 1 (T1O2) 3 3 (P1P2) 3 R

Área Probabilidade de Cooperação = 0 4 O

11*

1

*

1>>>> qqpp

0,00; 1,00

1,00; 0,00

0,00; 3,00

3,00; 0,000

1

2

3

4

0 1 2 3 4

p+q=1 E=0

Figura 3 Representação gráfica do jogo do Impasse no plano (p, q)

Com base nos dados da tabela acima produzimos a representação gráfica do Jogo

do Impasse no plano (p, q). Substituindo os valores dos payoffs em (1.7 e 1.8), chega-se a

conclusão que tanto 2*

=p como 2*

=q são maiores do que 1. Em consequência a linha E

= 0 estará sempre acima do quadrado unitário — formado pelos pontos: (00), (0,1), (1,1) e

(1,0), não interceptando a reta ( 1=+ qp ), o que implica a não existência de valores possí-

veis para p e q produzirem cooperação num jogo do impasse.

Jogo do Galinha

q

p

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Figura 4 Representação gráfica do jogo do Galinha no plano (p, q)

O mesmo procedimento de cálculo gera o gráfico do jogo do galinha (ou do covarde)

no plano (p, q). Uma vez que 01)/()(*

<−=−−= OROPp , qualquer valor da probabilida-

de de instrução pode induzir a cooperação nesse tipo de jogo. Por outro lado, outra caracte-

rística da representação geométrica é 0=E interceptando a linha de independência

( 1=+ qp ), significando que jogadores independentes podem escolher cooperar num jogo

do galinha.

Simulando por meio do mesmo algoritmo o aumento de R de 3 para 3,5 e de O, de 2

para 2,5, constata-se que a área probabilística de cooperação (em destaque azul) cresce de

0,50 para 0,66, denotando que a probabilidade de cooperação cresce com os payoffs da

cooperação. Não obstante, quando aumento T de 4 para 4,5 e O de 1 para 1,5, a área pro-

babilística de cooperação se reduz de 0,50 para 0,33. Com efeito, essas demonstrações

confirmam a validade das proposições (3.6 e 3.7) de TSEBELIS (1990), também para o jogo

do galinha..

Jogo do Seguro

Cooperação Deserção Ordem

i1 i2 i1 i2 1 T

3 3 (R1R2) 2 4 (O1T2) 2 R

4 2 (T1O2) 1 1 (P1P2) 3 O

Área Probabilidade de Cooperação = 0,50 4 P

0011**

11 ><<> qpqp

)(2/)2( PTPRSFGA −−+=

0,00; 1,00

1,00; 0,00

0,00; 0,67

2,00; 0,000

1

2

0 1 2 3

p+q=1 E=0

q

p

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Figura 5 Representação gráfica do jogo do Seguro no plano (p, q)

O último dos jogos, o jogo do seguro ou da segurança mútua traçado no plano (p, q),

apresenta 01*

<−=q para os números dispostos na tabela de payoffs, sugerindo que qual-

quer que seja o valor da probabilidade de retaliação q, a situação pode evoluir para a coope-

ração. Confirmando essa tendência, a linha 0=E corta a linha de independência

( 1=+ qp ), significando dizer que jogadores independentes podem escolher cooperar num

jogo de segurança mútua. Avaliando a sensibilidade da área probabilística da cooperação

(em destaque azul), constata-se que quando aumentamos R de 4 para 4,5 e O de 1 para

1,5; a área cresce de 0,50 para 0,666. Diversamente, quando aumentamos os payoffs da

não cooperação (T e P) em 0,5 pontos, verifica-se que a área cai de 0,50 para 0,33.

Com essas simulações e resultados, demonstramos que a flexibilidade da área de

probabilidade de cooperação dos jogos do dilema dos prisioneiros, do galinha e do seguro,

atende as proposições (3.6 e 3.7) de TSEBELIS (1990). O esforço de abstração aqui exerci-

tado permitiu aprofundar o entendimento teórico das nuances de cada um dos quatro jogos

face à questão cooperação versus não cooperação, na perspectiva de utilizá-los enquanto

recurso lógico e de linguagem na análise critica do processo histórico da transição democrá-

tica brasileira, em suas etapas específicas, como fazemos no capítulo a seguir.

0,00; 1,00

1,00; 0,00

0,00; 2,00

0,67; 0,000

1

2

3

0 1 2

p+q=1 E=0

q

p

Cooperação Deserção Ordem

i1 i2 i1 i2 1 R

4 4 (R1R2) 1 3 (O1T2) 2 T

3 1 (T1O2) 2 2 (P1P2) 3 P

Área Probabilidade de Cooperação = 0,50 4 O

0011**

11 <>>< qpqp

)(2/)2( ORTPRFSE −−−=

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III. AS METÁFORAS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA OU JOGOS DE UM LANCE

AOS JOGOS REPETITIVOS

O início do processo de transição põe à vista, de um lado, os castelistas anunciando

o processo de abertura, lenta e gradual; e do outro, a linha-dura proclamando, por meio de

iniciativas audaciosas, sua intensão de não colaborar com a orientação dos castelistas. Es-

tes últimos, em reação aos primeiros, recusam-se a estabelecer qualquer acordo, preferindo

acenar às oposições com estímulos à participação política. A ausência de um diálogo mais

fecundo entre castelistas e linha-dura marcou sempre a convivência entre esses dois grupos

na coalizão de poder pós-1964 o que explica no recurso a teoria dos jogos, a primeira fase

do governo Geisel se expressar na metáfora do dilema dos prisioneiros, pelo menos na are-

na principal, que aqui podemos denominar, para efeitos heurísticos, arena intrapalaciana.

Especificamente, na Figura 6, vemos que ambos os atores escolhem a não cooperação por

ser esta a estratégia dominante, que resulta em payoffs “P1, P2”, o segundo pior resultado

correspondente à célula (2; 2), implicando equilíbrio subótimo do tipo Nash, superável ape-

nas pela admissão de mudança nas regras do jogo, ou seja, pela comunicação entre os jo-

gadores. Na mesma figura, observe-se que o gradiente dos payoffs

( 1234 =⟩⟩=⟩= iiii OPRT ) induz, claramente, a escolha da não cooperação pelos jogado-

res, uma vez que iniciativas unilaterais de cooperação envolvem riscos de receber, com a

deserção do adversário, o pior dos resultados, o payoff “O”, de Otário. De fato, admitindo a

hipótese da plena comunicação entre os atores em confronto, a situação evoluiria gradati-

vamente para a célula da cooperação universal onde os payoffs (R1,=3; R2 =3) são maiores

do que os concernentes ao status quo, ( 2;221

== PP ), uma vez que estratégia para um

jogador, neste caso a linha-dura, é um mapa com sinais orientadores da melhor ação condi-

zente com a estratégia oponente, dos castelistas.

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Figura 6 - Dilema dos Prisioneiros. Conflito inicial entre castelistas e linha-dura na arena intrapala-ciana, imediatamente a posse de Ernesto Geisel.

Na paisagem inicial da abertura, a hipótese da violação das regras do dilema dos pri-

sioneiros para admitir a comunicação entre os jogadores com vistas a um resultado melhor

(R1, R2), parece razoável quando se avalia a curta fase de “tranquilidade” que vai da posse

de Geisel (15/03/1974) até a divulgação do resultado das eleições parlamentares

(15/11/1974)3. Acertos em jogos não cooperativos como o dilema dos prisioneiros não são

estáveis. A tentação de defecção continua alta para ambos os jogadores, convertendo a

comunicação entre eles à conversa fiada. Conversa que além do custo zero exige para

compreensão a comunicação plena, direta, sem referência a compromissos passados, mas

que em determinados contextos pode gerar a confiança mútua e gerar cooperação. Efetiva-

mente, política não se adapta facilmente a situações do tipo dilema dos prisioneiros, pelo

menos a médio e longo prazo. Na política, se os parceiros de uma mesma coalizão, como

castelistas e linha-dura, não dialogam, não se entendem, não cooperam, o status quo resul-

tante da defecção mútua não se congela, mas, pelo contrário, tende a se agravar pela ótica

dos interesses mínimos e mútuos dos integrantes da coalizão de poder. Conclusão, o não

entendimento entre as facções da coalizão de poder gera uma situação adversa para am-

bas, com probabilidade de favorecer tertius, como veremos a seguir.

3 Tranquilidade sim, mas aparente... Em 1974 foram assassinadas cerca de cinquenta pessoas nas matas e cárceres militares do

Araguaia (Gaspari, 2004, p. 22). O extermínio dos combatentes do Araguaia continuaria até dezembro de 1976 com a cumplicidade

dos castelistas. (Morais, T & Silva, E, 2005, p. 492). Em fevereiro de 1975, com a linha-dura retomando suas ações violentas e a

oposição pressionando, Geisel autoriza seu ministro da Justiça divulgar a versão oficial sobre os “desaparecidos” (FICO 2004, p.

217).

(3;3)

(4;1)

(1;4)

(2;2)

0123456789

1011121314151617181920

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

C

O

O

P

E

R

A

R

N

Ã

O

C

O

O

P

E

R

A

COOPER A NÃ O COOPER A

Ordem Payoff

1º T

2º R

3º P

4º O

Dilema dos Prisioneiros:

iiii OPRT ⟩⟩⟩

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A 1ª fase da transição democrática ocorre da posse de Geisel até as vésperas da

publicação dos resultados das eleições de novembro de 1974. Embora os castelistas jogas-

sem a transição na arena intrapalaciana enfrentando a linha-dura em jogo do tipo dilema dos

prisioneiros, jogavam também, em outras três arenas (parlamentar, econômica e eleitoral),

levando a que, observando o conceito de jogos ocultos ou aninhados (TSEBELIS, 1990), os

resultados obtidos nessas arenas terminassem influenciando o comportamento dos atores e

o resultado na arena principal, modificando, assim, a hierarquia dos payoffs genéricos e,

dessa maneira, transformando o jogo original nessa arena, o dilema dos prisioneiros, em

outro jogo, numa evolução dinâmica que, fase a fase, chegará, mercê da radicalidade do

conflito, até o desaparecimento dessa arena e com ela os seus atores, como a seguir de-

monstro.

� Arena Parlamentar.

Configura um jogo do seguro ou da segurança mútua tendo em vista governo e opo-

sições reconhecem-se, mutuamente, como patrocinadores do processo de abertura demo-

crática em franco desacordo com a linha-dura. Golbery manda recado aos congressistas

revelando a um deputado da oposição a intenção do governo de acabar com a censura

(GASPARI, 2003; p.508). O MDB, na campanha eleitoral de 1974, como resultado dessa

introspecção, enviaria um sinal aos castelistas: “[...] estava mais afinado com os planos de

liberalização do presidente do que o partido do governo” (SKIDMORE, 1994; p. 334 e 337).

Com esta cena, os jogadores têm interesse comum pela atuação coordenada, e assim esco-

lhem a cela da cooperação universal (R1;R2), o melhor payoff possível para ambos (4;4)

nas circunstâncias características daquele momento. Existe, todavia, riscos (a probabilidade

de cooperação e de não cooperação é de 50%). Com efeito, se, por qualquer razão, o a

oposição (coluna) não colaborar radicalizando o discurso contra o regime, o governo (linha)

será obrigado em razão do jogo que desenvolve na arena principal (castelistas x linha-dura)

a rever sua estratégia de cooperação na arena parlamentar, de sorte a não produzir o resul-

tado da cela O1; T2, isto é (1;3). Nesse sentido, o resultado provável de uma situação na

qual a oposição radicaliza é a não cooperação universal, estratégia que gera como resultado

a combinação (P1, P2) ou (2,2), o segundo pior resultado. Ou seja, o governo Geisel vê-se

na obrigação de radicalizar pelo uso da coerção, mesmo que isso acarrete danos a sua i-

magem, enquanto a oposição, por sua vez, ver-se-á privada de direitos políticos. Como o

jogo com a oposição parlamentar é repetitivo e de longo prazo, a tendência era de que es-

ses sinais induzissem à cooperação, pois que os jogadores da oposição levam em conta os

efeitos de suas ações correntes sobre o comportamento futuro dos outros jogadores, princi-

palmente o governo Geisel. O jogo do seguro depende, portanto, da confiança mútua entre

os contendores.

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13

� Arena Econômica:

Configura um Jogo do Seguro, com gradiente de payoffs específico dado por

iiii OPTR >>> . As diretrizes anunciadas pelo Governo Geisel no II PND (1975 – 1979)

contemplavam as expectativas de empresários e trabalhadores. A abordagem da equipe

econômica, entretanto, viria ser marcada pela ortodoxia, uma vez que sua estratégia alme-

java o controle do excesso de demanda herdado do “milagre”, fazendo as políticas fiscal e

monetária “levemente contracionistas” no exercício de 1974 (SIMONSEN, 1986; p. 176).

Pelas mesmas razões expostas no caso da arena parlamentar, os atores preferem a colabo-

ração mútua, uma vez que a conjuntura econômica internacional (contingência), sacudida

pelos choques dos preços do petróleo, quadruplicados à época, recomendava prudência.

Logo, essa disposição de cooperar seria colocada em cheque pela degradação das expecta-

tivas de empresários e trabalhadores, transformando o jogo original na arena econômica,

num jogo do dilema dos prisioneiros, o que matematicamente significa uma nova hierarquia

de payoffs obtida na repetição do jogo, simbolizada no aumento dos payoffs da deserção (T,

P) seguida da redução dos payoffs da cooperação (R, O).

� Arena Eleitoral.

Configura o jogo do impasse, comum às situações de transição. Esta é a metáfora

mais adequada para explicar a importância da conexão eleitoral na aferição do prestígio e

legitimidade tanto do governo, via ARENA, como da oposição, via MDB, junto às massas. A

expectativa dos jogadores é produto de um momento decisivo, pois que 1974 era um ano

eleitoral importante, era a primeira vez, desde as eleições de 1970, que o governo franquea-

va o acesso dos partidos ao programa eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Esse é um

tipo de jogo característico dos momentos de transição, quando atores em situação de latên-

cia conflituosa preferem aguardar o movimento da “natureza”, nesse caso a vontade majori-

tária do eleitorado brasileiro, para decidir sobre as respectivas estratégias a serem adotadas

nas rodadas seguintes. O jogo do impasse tem por característica zero de área probabilística

para cooperação ou não cooperação e, por especificidade, um gradiente de payoffs em que

a cooperação mútua aparece como o segundo pior retorno, enquanto a não cooperação

universal, como o segundo melhor: iiii ORPT >>> . A psicologia que está por detrás des-

se ordenamento de retornos sugere que os atores, governo Geisel e oposição (ARENA ver-

sus MDB), preferem manter a coerência de suas imagens e de seus compromissos, atacan-

do-se mútua e calculadamente, como, aliás, ficaria demonstrado durante campanha eleito-

ral. Não há dúvidas de que a arena eleitoral passava a ser, entre as arenas ditas secundá-

rias, a mais importante.

� Arena Intrapalaciana

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Nessa ordem de ideias é que admitimos ser o primeiro jogo da coalizão de poder do

regime militar na 1ª fase da transição — o dilema dos prisioneiros, pelo qual, em sua repeti-

ção, os atores evoluem para o jogo do impasse, o qual compartilha com o dilema dos prisio-

neiros a característica de ter por estratégia dominante a não cooperação, diferindo apenas

devido ao fato de que a melhor situação não produz um resultado subótimo, pois ambos os

jogadores ficam em melhor situação não cooperando, uma vez que o payoff da deserção

mútua “P1, P2” (2º melhor resultado) é superior ao da cooperação mútua “R1, R2” (3º me-

lhor resultado), como explicado no item precedente. Considerando esse escalonamento de

payoffs, outra dessemelhança emerge entre os dois jogos: o fato do equilíbrio no jogo do

impasse ser um ótimo de Pareto, no sentido de que os jogadores não podem melhorar essa

situação, quer individualmente, quer coletivamente.

Figura 7 Jogo do Impasse entre castelistas e linha-dura expressa a escolha pela não cooperação con-

dicionada a evolução da conjuntura. Cenário de expectativas nervosas no aguardo do resultado do

pleito de novembro de 1974

Finalmente, os estímulos à participação política dirigida pelos castelistas à oposição,

mais a suspensão da censura à imprensa, e a liberação da propaganda eleitoral gratuita na

TV, fora feita na crença de que o resultado favorável a ARENA não implicasse a destruição

do MDB como queria a linha-dura, e nem tampouco a supremacia da oposição no Congres-

so Nacional — era democracia “pra inglês ver”.

� Arena Parlamentar

(2;2)

(4;1)

(1;4)

(3;3)

0123456789

1011121314151617181920

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

C

O

O

P

E

R

A

R

N

Ã

O

C

O

O

P

E

R

A

C OOPERA NÃ O COOPERA

Ordem Payoff

1º T

2º P

3º R

4º O

Jogo do Impasse

iiii ORPT ⟩⟩⟩

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As vésperas da publicação do resultado das eleições de novembro de 1974, governo

e oposição jogam o jogo do seguro, visto serem os compromissos de ambos os atores coin-

cidentes no tocante ao processo de abertura. Tratava-se, o jogo do seguro, portanto, de um

confronto estabelecido a partir de um acordo tácito, dado que da parte do governo havia o

interesse de controlar a linha dura, e da parte da oposição, fazer avançar o processo demo-

cratizante, conquistando espaços de decisão no Congresso Nacional. O jogo do seguro,

portanto, escolhido para representar essa fase que antecede a publicação do resultado das

eleições, configura a percepção dos jogadores quanto ao fato de que seus interesses estão

associados ao esforço de coordenação, envolvendo, porém, certo risco, pois se por qual-

quer razão a oposição parlamentar (coluna) escolhe não cooperar ao invés de cooperar, o

governo (linha) receberia seu pior payoff (1 3).

Ou seja, a exigência de coordenação e a dúvida mútua levam a que o jogo do seguro

ofereça duas situações de equilíbrio: (R1, R2) e (P1, P2). Dessa forma, como jogadores ra-

cionais, governo e oposição preferem a cooperação mútua que pode ser alcançada median-

te comunicação entre eles.

� Arena Econômica

Em 1974 a economia brasileira inicia um processo de crise desencadeada com o

choque dos preços do petróleo. A despeito da situação, o Estado, ignorando as opiniões e

anseios de empresários e trabalhadores, continuou aparecendo como sujeito único do pro-

cesso econômico. Por isso, a ausência de comunicação efetiva entre governo e sociedade

civil conforma um jogo do dilema dos prisioneiros como representação ideal dessa segunda

fase da transição democrática brasileira, significando um equilíbrio de Nash, subótimo (2, 2)

dado que na assimetria de informações entre governo e sociedade civil, prevalece a cautela:

opto por não cooperar porque temo que meu adversário me faça de tolo não cooperando.

Numa situação como essa, nenhum dos jogadores tem estímulo para a mudança, a não ser

que mudem as condições do ambiente (OSBORNE & RUBINSTEIN, 1994).

� Arena Eleitoral

Conforma, às vésperas da publicação dos resultados eleitorais de 1974, uma situa-

ção típica de impasse. Na literatura a denominação “jogo do impasse” é usada como carac-

terização de disputas em que os jogadores preferem a não colaboração. Com o resultado

eleitoral de novembro de 1974, os atores da coalizão de poder tomam conhecimento da ex-

pressiva vitória alcançada pelo MDB ao conquistar 16 cadeiras no Senado e 169 na Câma-

ra, contra 6 e 204 da ARENA, além de fazer a maioria nas Assembleias Legislativas dos

estados mais importantes. O novo cenário frustrava as expectativas tanto de castelistas co-

mo da linha-dura, despertando apreensão e assim projetando sombras ameaçadoras sobre

o processo de distensão. O ano de 1975 inaugura a temporada do confronto radical entre os

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parceiros da coalizão de poder, agravando as expectativas de recuo estratégico do governo

Geisel. A interação repetitiva na arena principal, entre castelistas e linha-dura, passava ago-

ra a depender, em seus payoffs, do que ocorria nas demais arenas, sobretudo no Congres-

so que agora contava com a participação de uma oposição parlamentar mais autônoma,

inserida e mais comprometida com as forças democráticas, e mais sensíveis a conexão elei-

toral.

� Arena Parlamentar

Oposição e governo continuam, na arena parlamentar, a jogar o jogo do seguro. Com

efeito, num cenário de ameaças e esperanças o MDB adota duas linhas de atuação: comba-

te frontal as práticas de violência da linha-dura, que lhe valia prestigio perante a sociedade,

e valorização da autoridade do presidente Geisel, tornando público seu apoio à distensão. O

encontro de Golbery com os deputados Ulysses Guimarães e Thales Ramalho, do MDB, a já

mencionada suspensão da censura prévia ao jornal “O Estado de S. Paulo”, a divulgação da

versão oficial sobre os “desaparecidos” em atendimento a pressões da oposição, ilustram o

esforço de entendimento patrocinado pelos castelistas junto ao Congresso Nacional. Ulys-

ses Guimarães elogia publicamente “a inatacável honradez de intenções de Geisel”, em que

pese a morte do operário Manoel Fiel Filho e a cassação dos deputados Nelson Fabiano e

Marcelo Gatto, eleitos com o apoio dos comunistas do PCB (FICO, 2004, p. 216, GASPARI.

2004, pp. 490 e 492).

� Arena Econômica

Dilema dos prisioneiros, continua sendo o jogo iterativo na arena econômica. Geisel

optou pela política macroeconômica de reorientação do modelo de crescimento, com ênfase

na produção de bens intermediários em detrimento dos bens duráveis que haviam sustenta-

do o crescimento da fase anterior (1968-1973). Essa política desagradava o empresariado

nacional, principalmente em razão da forte presença do Estado e das vantagens concedidas

às empresas multinacionais. Do movimento sindical nenhum sinal de comunicação se fazia

sentir. A escolha dessa opção subótima — equilíbrio de Nash — era a síntese de um pro-

cesso cuja perspectiva de crescimento se daria cada vez mais pela autonomia do movimen-

to popular e de suas iniciativas distante em relação ao governo e às lideranças políticas de

oposição no Congresso Nacional (empresários, sindicalistas, militantes de esquerda, intelec-

tuais, igreja, etc.). Rompia-se o ciclo do medo.

� Arena Eleitoral

ARENA e MDB continuam jogando o jogo do impasse. Anunciada a vitória do MDB,

os dois partidos permaneceram em suas posições aguardando o resultado do confronto ite-

rativo entre castelistas e linha-dura na arena principal, onde se jogava o jogo do galinha.

Realmente, como veremos a seguir, na arena principal ou intrapalaciana, à investida de um

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ator seguia-se o recuo do outro e vice-versa, com efeitos fortes e diretos nas arenas parla-

mentar e eleitoral, sem, contudo, reduzir as probabilidades de entendimento quanto à evolu-

ção da transição.

� Arena Intrapalaciana

Sem dúvida a mais importante das arenas para entendimento das escolhas políticas

dos atores da coalizão de poder num contexto evolutivo de pequenas variações do quadro

institucional. Para descrever esse período de “radicalidade intestina” a metáfora adequada,

na arena principal, é o jogo do galinha, cuja característica fundamental é um gradiente de

payoffs para o qual a não cooperação universal é impensável, visto corresponder ao pior

dos resultados para ambos os contendores. Com efeito, a estrutura desse jogo parece ade-

quada, portanto, para representar a fase seguinte ao jogo do impasse, posto que o cenário

para ambos os jogadores não é mais de expectativa, mas de decepção.

Castelistas e linha-dura não se entendem, reconhecem que seus interesses, concep-

ções políticas e ideológicas são inconciliáveis e por isso optam por inaugurar um ciclo de

confrontos para o qual a não colaboração da parte de um dos jogadores implica necessari-

amente a colaboração da parte do outro, posto que passar por otário (Oi) é ainda melhor do

que a destruição mútua (P1, P2), um cenário imponderável.

Cresce a percepção da virtude da representação e da lógica dos jogos ocultos, pois

que na arena principal o confronto radical influenciava, por seus rebatimentos indesejáveis,

a reação da sociedade civil que assistia a postura do governo Geisel com desconfiança,

uma vez que as escolhas daqueles, diante da agressividade da linha-dura, parecia quase

sempre deslocadas do eixo estratégico da abertura .

Figura 7.3 Jogo do Galinha entre castelistas e linha-dura expressa confronto que perdura até a edição do Pacote de Abril de 1977.

� Arena Parlamentar

(3;3)

(4;2)

(2;4)

(1;1)0123456789

1011121314151617181920

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

C

O

O

P

E

R

A

R

N

Ã

O

C

O

O

P

E

R

A

C OOPER A NÃ O C OOPER A

Ordem Payoff

1 T

2 R

3 O

4 P

Jogo do Galinha

iiii PORT ⟩⟩⟩

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Continua o Jogo do Seguro entre governo e oposição, em que pese os pronuncia-

mentos de membros do Congresso Nacional denunciando a flagrante violação dos direitos

humanos. A campanha de violência da linha dura e o risco de retrocesso funcionam como

sinal de convergência de propósitos entre as lideranças moderadas do MDB para dar conti-

nuidade ao acordo tácito instaurado desde a primeira fase da transição, apesar da agressi-

vidade do governo cassando duas expressivas lideranças do MDB.

� Arena Econômica

O cenário é de não colaboração. O presidente da Federação do Comércio de São

Paulo, José Papa Júnior chama o governo de “regime espúrio”, e o empresário paulista Se-

vero Gomes, deixa o Ministério da Indústria e Comércio. Diante dessa sucessão de fatos,

continua na arena econômica o jogo do dilema dos prisioneiros. A política econômica segue

sendo aplicada sem levar em consideração as opiniões e críticas vindas do empresariado e

dos sindicatos.

� Arena Eleitoral

Permanece o impasse entre ARENA e MDB que aguardam as repercussões do pa-

cote de Abril. A sociedade civil reage. A entrevista do jurista Goffredo da Silva Teles Júnior é

publicada. Rompe-se o círculo do medo.

� Arena Intrapalaciana

A tensão entre os membros da coalizão de poder chegava ao extremo com a infor-

mação confirmada de que militares ligados ao CIE e ao SNI planejavam um atentado contra

Geisel com uso de míssil portátil. Diante desse quadro de confrontação radical, castelistas e

linha-dura captam os sinais mútuos de recuo estratégico e optam, convenientemente, pelo

jogo do impasse, como se dissessem uns aos outros: tu ficas lá, que eu fico aqui! Demarca-

ção territorial? Não, mero intervalo para o retorno imediato ao pugilato, uma vez que o Paco-

te de Abril, estratégia de Golbery, servia apenas de trégua — um ganhar de tempo — para

outras lutas políticas que a direita, com a linha-dura, e a esquerda, com a oposição, viriam a

ocorrer logo após o anúncio oficial da candidatura do general João Batista de Figueiredo

(31/12/1977) para suceder Geisel. Prova disso é que Geisel cassa o líder do MDB, deputa-

do Alencar Furtado, demite o representante da linha-dura no governo, o general Sylvio Fro-

ta, e anuncia sua intenção de revogar o AI-5.

� Arena Parlamentar

Ante as perspectivas do agravamento da situação política, em razão do acirrado con-

flito intrapalciano, os parlamentares de ambos os partidos, com interesse na continuidade da

abertura, preferem aguardar a situação evoluir, dando assim continuidade ao acordo tácito

de jogar o jogo do seguro. O MDB, embora por questões de princípios não reconheça como

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legitimo o espaço de disputa no Colégio Eleitoral. O jogo do seguro mostra então, sinais

fortes da continuidade da abertura, agora num patamar mais elevado e num ritmo sem dúvi-

da mais acelerado. A vitória de Figueiredo no Colégio Eleitoral encerrava as pretensões da

direita militar que agora tinha como opção a violência irrestrita como forma de barganhar o

recuo estratégico, como a seguir demonstramos na interpretação do significado político do

atentado do Riocentro e seus desdobramentos.

� Arena Econômica

Na arena econômica a proximidade do último ano da gestão Geisel, seguido do a-

núncio de seu sucessor, explica a continuidade do jogo do dilema dos prisioneiros. Empre-

sários identificados com a ala mais liberal da FIESP lançam um manifesto pedindo o retorno

mais rápido possível ao império da lei e a democracia. A dinâmica social represada em suas

variadas demandas, por anos de autoritarismo, começava a se manifestar através de uma

sociedade civil em processo de expansão e organização crescentes. Em maio de 1978 o

País toma conhecimento da greve dos metalúrgicos de São Bernardo e de seu líder, Luiz

Inácio da Silva, o Lula. Estavam dadas as variáveis fundamentais para a superação do velho

padrão de intermediação de interesses — o novo sindicalismo e uma nova mentalidade em-

presarial inconformada com as relações de subalternidade em relação ao Estado.

� Arena Eleitoral

Continua o jogo do impasse. Geisel e Golbery jogavam o firme propósito da ARENA

não repetir em 1978 o fiasco de 1974, uma vez que as eleições para governador estavam

asseguradas pelo voto indireto e a do presidente da República pelas mudanças na composi-

ção do Colégio Eleitoral, introduzidas pelo Pacote de Abril.

� Arena Intrapalaciana

Nesta quinta fase da transição (1976 a 1979), a evolução do conflito entre castelistas

e linha-dura continua circunscrito a metáfora do jogo do galinha, em razão das profundas

divergências da linha-dura com os rumos e o ritmo da abertura. É dessa época o assassina-

to do operário Manoel Fiel Filho (17/01/1976) nas dependências do II Exército, seguida da

exoneração de seu comandante, o general Ednardo D´Ávila de Mello (GASPARI, 2003 ).

� Arena Parlamentar

Geisel havia extinguido os instrumentos de exceção quando Figueiredo toma posse e

decreta a anistia e o fim do bipartidarismo seguindo a orientação de Golbery. Próceres do

partido do governo estabelecem negociações com os moderados do MDB buscando enten-

dimento em torno do objetivo comum simbolizado no avanço da transição democrática. Em

meio a esse processo, delineava-se, claramente, a crise de um modelo político que susten-

tara o regime autoritário de 1964. Nesse contexto, os líderes governistas, sensíveis às incli-

nações da sociedade por alternativas de poder, precisavam, mercê da recessão, da inflação

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e do desemprego, gerir uma agenda de acertos com as forças de oposição, para, dessa

forma, garantir a execução da curta e pacífica trajetória “daqueles” que seriam os momentos

finais de um modelo de Estado em desuso. Essa trajetória reforça a metáfora adequada

para esta arena, o jogo do seguro, num concerto de ações que se expressa na produção

legislativa da época, como o restabelecimento das eleições diretas para governador e a ex-

tinção das eleições indiretas para 1/3 do Senado (a senatoria biônica).

� Arena Econômica

O panorama econômico era desalentador possível nessa última fase dos governos

militares. A economia registrava taxas negativas de crescimento de -4,25%, em 1981 e -

2,93%, em 1983, ao tempo em que a inflação passava de 200% ao ano (1983 e 1984), em-

purrando os salários reais para níveis equivalentes a 50% do poder de compra de 1960. Em

que pese esse desempenho medíocre, na arena econômica, como resultado dos acertos

que vinham se processando nas arenas políticas, a variação dos payoffs acabaria transfor-

mando o jogo do dilema dos prisioneiros em um jogo do seguro, pois empresários e traba-

lhadores, por meio de suas organizações, tinham sido igualmente capturados pela atmosfe-

ra da cooperação mútua necessária à transição de poder, evitando ameaças a estabilidade.

� Arena Eleitoral

Fruto da estratégia de Golbery de dividir as oposições para garantir maioria no Colé-

gio Eleitoral, começa nesta arena o processo de diferenciação das camadas ideológicas e

programáticas represadas por anos de rigidez bipartidária. O evento casuístico do multipar-

tidarismo brasileiro, nessa fase, se apresentaria ainda contido, fazendo-se representar atra-

vés de cinco partidos: PDS, PMDB, PT, PDT e PTB. Para confirmar a conveniência do jogo

do seguro, em substituição ao jogo do impasse, representando esta fase da transição, con-

sideramos, na cronologia dos eventos, as eleições de 1982 e seu resultado como dado ex-

plicativo do ambiente mutante em favor do avanço firme, célere e irreversível rumo ao Esta-

do democrático de direito. A estratégia de Golbery dera certa apenas no tocante à busca de

uma maioria no Colégio Eleitoral visando à sucessão de Figueiredo. O precário balancea-

mento de forças na Câmara em favor dos castelistas, era compensado pelos resultados das

eleições majoritárias para o Senado. Tal situação, como nas demais arenas, ensejaria en-

tendimentos entre governo e oposição objetivando garantir a continuidade da abertura,

mormente na hora em que a linha-dura, percebendo a irreversibilidade do processo, adotara

como estratégia a confrontação radical expressa nos atentados a bomba desse período.

� Arena intrapalaciana

Na arena intrapalaciana é travado o jogo do seguro. O confronto anterior entre caste-

listas e linha-dura, simbolizado no jogo do galinha, teve seu curso de violências intensificado

nos primeiros anos do governo Figueiredo, culminando no atentado a bomba do Riocentro

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— um atentado que por seus desdobramentos e repercussão não apenas marcaria o fim

das ações terroristas de direita, mas também o início do processo de finalização do regime

militar. Para entender esta fase é preciso remontar ao início do processo sucessório de Gei-

sel, quando, derrotada a linha-dura com a exoneração de seu representante maior, o gene-

ral Sylvio Frota (12/10/1977), a escolha de seu sucessor recai sobre Figueiredo, um castelis-

ta que se relacionava razoavelmente bem com o grupo Médici. Descrito como afável com a

imprensa, mas de pouca habilidade política, Figueiredo se revelaria ambíguo, politicamente

desastrado e com pouca vontade para o exercício efetivo do poder. Na Casa Civil Figueire-

do manteve a personalidade política mais importante de seu governo, o general Golbery do

Couto e Silva, com a incumbência de montar, para essa nova fase, estratégias concernentes

com uma transição controlada, assente menos na coerção e mais na habilidade política tra-

dicional. Por sua projeção no governo e compromisso com a abertura, Golbery seria nova-

mente alvo das campanhas de difamação da direita e ver-se-ia, no caso Riocentro, sem a-

poio para levar a cabo investigações livres que resultassem na identificação e punição dos

responsáveis. Em discordância aberta com os rumos do inquérito presidido pelo Exército,

Golbery apresentava, em agosto de 1981, sua renúncia ao cargo de Chefe da Casa Civil,

levando a crer que o governo Figueiredo negociara com a linha-dura a continuidade da aber-

tura, em especial as eleições diretas para governador em 1982, em troca do arquivamento

do processo do Riocentro. Estabelecia, assim, o acordo de recuo mútuo de castelistas e

linha-dura, embora Figueiredo ainda tentasse, inutilmente, implementar manobra congres-

sual visando a prorrogação de seu mandato (SKIDMORE, 1988 e 194, GASPARI, 2003 e

2004). Tal lance, metaforicamente, pode ser traduzido, em sua lógica, pela ideia de que no

extremo da radicalização os jogadores que conflitam no interior de uma mesma coalizão de

poder, podem estar interessados, acima de qualquer postulação, na sobrevivência de sua

corporação e, por isso, colaboram. A questão de fundo passaria ser as eleições diretas para

presidente da República, com as pesquisas de opinião captando esse desejo majoritário do

eleitorado. Em abril de 1980 os favoráveis às diretas totalizavam 63% do eleitorado, alcan-

çando 74%, em fevereiro de 1983 (SOARES, 1984, p. 59). A despeito do evidente apoio da

sociedade civil em favor das diretas, o debate e as articulações políticas da oposição com

lideranças do governo e de seu partido, o PDS, por eleições diretas ou pela disputa no Co-

légio Eleitoral, passaram ser travadas não mais na arena intrapalaciana, mas sob os holofo-

tes da mídia. O dénouement4 do regime militar caminhava, portanto, em direção a uma ce-

na, na qual castelistas e linha-dura retiravam-se para que uma nova coalizão de poder sur-

gisse formada por ex-perdedores e alguns ex-vencedores: moderados do PMDB e liberais

do PDS. Uma nova coalizão de poder que buscaria com esforço de mobilização e de nego-

4 No drama, quando o protagonista da tragédia sofre a ação ao invés de exercê-la (Deutscher, I., 1968, O profeta banido. Prefácio).

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ciação pelas quais os interesses da reconstrução poliárquica brasileira teria o sentido maior

nas grandes mobilizações de massa que se seguiram desde as “Diretas-Já” até o ponto

quase final da transição: a vitória no Colégio Eleitoral da chapa Tancredo Neves/José Sar-

ney, apoiada pela Aliança Democrática..

� Arena Parlamentar

Encerrada a campanha das “Diretas-Já”, Tancredo Neves, em ato sucedâneo a der-

rota da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional, conclama as oposições a compa-

recerem unificadas ao Colégio Eleitoral para disputar a presidência da República, mesmo

que “tampando o nariz”. Esse discurso inaugurava, no parlamento, uma estratégia de jogo

consentânea com o jogo do impasse. Formava-se de um lado a coalizão centrista da Aliança

Democrática (Frente Liberal e PMDB) em apoio à chapa Tancredo-Sarney, e de outro, duas

outras coalizões representadas pela fração do que sobrara do PDS em apoio à candidatura

Paulo Maluf; e a esquerda, liderada pelo PT, pregando o não comparecimento ao Colégio

Eleitoral. O impasse estava mais uma vez colocado na cena política parlamentar brasileira,

refletindo, com isso, a especificidade do momento de transição de poder.

� Arena Econômica

Continua o jogo do seguro. Os mundos empresarial e sindical, nesta fase, preferem

colaborar entre si e com o governo, na medida em que um clima de confrontação do tipo

dilema dos prisioneiros ou jogo do galinha — não se presta quer devido a recessão ou devi-

do a lógica implícita a natureza daquela transição de poder, no curso da qual a indiferença

do governo Figueiredo pela disputa com a oposição, era visível, não justificando, portanto,

esperar por concessões do tipo populista.

� Arena Eleitoral

A pluralidade ideológica do espectro eleitoral decorrente da abertura em seu grau

máximo recomendava que os atores posicionados a direita, no centro e a esquerda do es-

pectro ideológico, aguardassem o resultado do processo de transição, justificando assim a

consistência de um Jogo do Impasse para representar os sentimentos dos jogadores a are-

na eleitoral daquele momento.

IV. CONCLUSÕES

Nos momentos seguintes a transição democrática, viria à busca do ordenamento do

Estado, simbolizada na convocação do Congresso Constituinte com a missão de escrever e

promulgar a Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, assim denominada pelo

seu líder maior, o deputado Ulisses Guimarães. Os constituintes, rejeitando as importantes

contribuições da Comissão Afonso Arinos e de outras frentes parlamentares, terminaram por

manter quase intactas as instituições do presidencialismo federalista que, combinado ao

voto proporcional de lista aberta, trouxe com o correr do tempo, o que era previsível; a i-

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mensa fragmentação partidária, levando relações entre Executivo e Legislativo viessem a

reproduzir as deficiências institucionais e as práticas corruptas do passado, com sérios da-

nos para a estabilidade e para a credibilidade da política e dos políticos perante a opinião

pública. Uma situação que alimenta a recorrente busca de uma Reforma Política capaz de

dar conta do urgente e necessário aperfeiçoamento de nossas instituições para, assim, me-

recerem as adjetivações de livres, estáveis, respeitáveis e duradouras, tal como desejado

pelo eminente jurista Afonso Arinos de Melo Franco.

A partir de considerações mais amplas no tocante aos instrumentos de análise utili-

zados neste artigo devemos nos referir, primeiramente ao fato de que nosso enfoque apoia-

se nos princípios dedutíveis da “escolha racional”, também chamada de “teoria da escolha

pública” ou “teoria da escolha social”, cuja característica comum é o entendimento de que a

racionalidade preside o comportamento humano na esfera econômica, social ou política. De

acordo com esse postulado, ser racional é saber escolher dentre os cursos de ação disponí-

veis, aquele que pelas crenças, informações e premissas esposadas pelo ator, conduz à

máxima utilidade esperada.

Em segunda referência, a teoria dos jogos como instrumental empírico que compre-

ende um conjunto de ferramentas analíticas desenhadas para nos ajudar a entender os fe-

nômenos que se observa quando agentes, atores ou jogadores, com poder de decisão e

diferentes ativos de poder, interagem com o objetivo explícito de promover seus interesses

particularistas, tendo por ambiente de ação e escolha, as arenas de poder e o aparato insti-

tucional pré-existente sujeito a mudança.

Em terceira referência, o esforço de trasladar o contexto político desta fase de nossa

história, para a teoria dos jogos, resumindo cada situação de conflito por meio de jogos en-

cenados em múltiplas arenas, demonstrando, com exemplos numéricos, que os payoffs dos

jogadores na arena principal, a arena intrapalaciana, variam de acordo com o cenário domi-

nante em outras arenas, imprimindo a trajetória contingente rumo à redemocratização.

Em quarta e última referência, dizer que escolha racional e teoria dos jogos se fun-

dem neste estudo para identificar e explicar comportamentos e escolhas políticas já ocorri-

das, mas que precisam ganhar, neste esforço de inovar a ciência política, uma dimensão

lógica explicativa de seus resultados, em referência específica, ao processo de transição

democrática brasileira do período 1974 a 1985, iluminando as complexidades ocultas às

sucessivas coalizões que se formam, se altera, e desaparecem, dando lugar a outras coali-

zões igualmente apensas às estratégias escolhidas a cada momento do conflito político.

Nossa hipótese central foi a natureza da transição democrática brasileira, por nós

denominada de transição contingente, no sentido de que o desenlace desse processo se

deu menos pela vontade dos atores envolvidos, do que pelo resultado aleatório da ação

Page 24: MODELANDO OS JOGOS DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA …€¦ · substantivos explicam as mudanças percebidas no decorrer do longo jogo da transição. Va-lorizando a teoria dos jogos,

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interativa desses mesmos atores, da dinâmica institucional e do contexto sociopolítico. Um

confronto estratégico que tem por marca a observância da racionalidade aplicada ao que

Tsebelis (1990) chama de jogos ocultos.

Como resultado desta investigação pudemos comprovar que a ditadura militar brasi-

leira, como parece acontecer com regimes assemelhados, sofreu um processo de crescente

fragilização de seus controles autoritários ao mesmo tempo em que jogos de negociação

com regras variáveis iam sendo travados entre parte das elites do sistema em declínio e a

elite de referência do sistema em ascensão.

V. OBRAS CITADAS

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FICO, C. (2004). Além do golpe: a tomada do poder em 31 de março de 1964 e a ditadura militar. Rio

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