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Modelo de Gouy-chapman

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Page 1: Modelo de Gouy-chapman

MODELOS DE DUPLA CAMADA DIFUSA DEGOUY-CHAPMAN E STERN APLICADOSA LATOSSOLOS ÁCRICOS PAULISTAS1

L.R.F. ALLEONISeção de Algodão/IAC, C.P. 28 - CEP: 13020-902 - Campinas,SPO.A. de CAMARGO2

Seção de Pedologia/I AC, C.P. 28 - CEP: 13020-902 - Campinas,SP.

RESUMO: Modelos teóricos da dupla camada difusa de Gouy-Chapman e de Stern foram aplicados a um latossolovariação Una ácrico, de Guaira e a dois latossolos roxos ácricos, localizados em Ribeirão Preto e Guaíra, cidadesao norte do Estado de São Paulo, onde solos com caráter ácrico ocupam vasta área nas quais são cultivadas váriasculturas de interesse econômico. Na concentração mais elevada do eletrólito suporte (KCl 0,l N), os dados obtidosem laboratório adaptaram-se melhor ao modelo de Stern. Entretanto, nas menores concentrações (KCl 0,01 e0,001N), correspondentes a valores mais comuns encontrados em solos altamente intemperizados, o modelo deGouy-Chapman representou melhor a variação da densidade superficial de carga com o potencial elétrico dasamostras estudadas.Descritores: solos ácricos, dupla camada difusa, modelos de Gouy-Chapman e Stern.

GOUY-CHAPMAN AND STERN DIFFUSE DOUBLE LAYER MODELS APPLIED TOACRIC OXISOLS FROM THE STATE SÃO PAULO - BRAZIL

ABSTRACT: Theoretical models of Gouy-Chapman and Stern, referred to diffuse double layer, were applied tothree acric Oxisols, two named dusky red latosol and one Una variant latosol, from the São Paulo State - Brazil.Samples were collected in Ribeirão Preto and Guaira, regions of large occurrence of these soils, supporting manyeconomic crops. In the highest concentration of the electrolyte (KC1 0.1N), the obtained values were better relatedto the Stern model. On the other hand, in more dilluted solutions (KC1 0.01 and 0.001N), corresponding to moreusual ionic strenght of highly weathered soils, the variation of surface charge density of the samples with electricpotential was in better agreement with the Gouy-Chapman theory.Key words: acric oxisols, diffuse double layer, Gouy-Chapman and Stern models

INTRODUÇÃO

A superfície dos colóides do solo possuicarga elétrica líquida predominantemente negativa.Ions de carga positiva, que estão normalmentedissociados na solução do solo, tendem apermanecer na vizinhança desta superfície, atraídosque são pelo campo elétrico formado (BOLT,1978). As forças de difusão tendem a trazer estescátions de volta à solução em equilíbrio, onde suaconcentração é menor. Com a ação concomitantedestas duas forças opostas, uma distribuiçãoespacial de cátions numa "camada difusa" é estabe-

lecida, na qual a concentração deles aumenta emdireção à superfície, partindo de um valor igualàquele na solução para um valor maior,determinado, principalmente, pela magnitude dacarga superficial (UEHARA & GILLMAN, 1981).

A teoria de Gouy-Chapman

Esta teoria descreve a distribuição deíons próximos à superfície carregada dos colóides,relacionando a carga com o potencial elétrico nasuperfície. Assumindo um eletrólito simétrico,tem-se a seguinte equação (RAIJ, 1971):

1 Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor à Escola Superior de Agricultura "Luiz deQueiroz"/USP, para obtenção do título de Mestre em Solos e Nutrição de Plantas.

2 Bolsista do CNPq.

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onde: s = densidade de carga superficial(meq/cm2); h = concentração do eletrólito (mol/1); t = constante dielétrica do meio; k = constantede Boltzmann; T = temperatura absoluta (°K); p =3,14-16; z = valência do contra-íon; e = cargadoelétron (coulomb) e yo = potencial elétrico nasuperficie (mV).

Num sistema de cargas variáveis, opotencial da superfície é controlado pela adsorçãode íons determinadores de potencial, a qual por suavez depende da atividade destes íons na solução(UEHARA & GILLMAN, 1981). O valor de yo,em mV, é obtido usando-se a equação de Nernst,simplificada por RAIJ & PEECH (1972):

onde: PESN = ponto de efeito salino nulo, termopreferido em relação a PCZ (ponto de carga zero),de acordo com proposição de ALLEONI &CAMARGO (1993), já que o método utilizado parasua obtenção foi a titulação potenciométrica dasamostras em diferentes concentrações de eletrólito,conforme CAMARGO et al. (1986).

A aplicação das equações l e 2 emcolóides com carga permanente ou constante e comcarga variável ou interface reversível (RAIJ &PEECH, 1972) permite algumas observaçõesimportantes. Nos componentes com cargasuperficial constante, tais como solos poucodesenvolvidos, um aumento na concentração doeletrólito, na valencia do fon ou na constantedielétrica do meio terá que ser necessariamenteseguido de um decréscimo no potencial elétrico dasuperfície, de modo a manter a densidade de cargasuperficial constante. Este fenômeno éacompanhado por uma redução na espessura ou,como afirmam UEHARA & GILLMAN (1981),por uma compressão da dupla camada elétrica.Para colóides com interface reversível, o potencialna superfície num dado pH, que é obtido a partirda equação 2, é independente da concentração doeletrólito. Por essa razão, ocorre aumento nadensidade de carga quando, por exemplo, aconcentração do eletrólito aumenta (BELL &GILLMAN, 1978).

A equação de Gouy-Chapman, emboramuito utilizada, não é adequada para situações emque a concentração salina é alta (RAIJ, 1971) ouquando são utilizados valores moderadamente altosde potencial (UEHARA & GILLMAN, 1981). Isto

ocorre devido ao fato de os íons seremconsiderados cargas pontuais e poderemaproximar-se indefinidamente da superfíciecarregada.

A teoria de Stern

Stern introduziu correções no modelo deGouy-Chapman, principalmente levando em contao tamanho finito dos íons (RAIJ, 1986), ou seja,eles não poderiam se aproximar da superfície alémde uma certa distância, alguns poucos nanômetros,segundo UEHARA & GILLMAN (1981). Nestateoria, assume-se que existem duas camadas: umamais próxima à superfície (s1), chamada de camadade Stern, representada pelos íons adsorvidos, eoutra composta pelos outros íons, formando umacamada difusa (s2). A parte da dupla camada entreo plano no qual a superfície do colóide estálocalizada e o plano de Stern, que passa peloscontra-íons, é considerada um condensadormolecular, no qual o potencial yo decrescelinearmente com a distância da superfície dapartícula para um valor yo no plano de Stern(SIQUEIRA, 1985). A densidade de cargas nascamadas de Stern é dada por:

onde: N1 = número disponível de sítios, por cm2,para adsorção de íons; NA = número de Avogadro;M = massa molecular do solvente = 18g/mol paraágua; n = concentração de íons (n = moles/litro xn° de Avogadro); r = densidade do solvente; yo =potencial elétrico no plano de Stern e f =potencial de adsorção específica do contra-íon pelocolóide.

A densidade total de carga é dada por:

A densidade de carga superficial étambém obtida pela equação para o condensadormolecular (RAIJ, 1971):

onde: t' = "constante" dielétrica média na camadade Stern e d = espessura da camada de Stern emnm.

O objetivo deste trabalho é verificar aadequação dos modelos de Gouy-Chapman e deStern a três latossolos ácricos do norte paulista.

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MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas amostras superficiaise subsuperficiais de dois latossolos roxos ácricos(LRác-1 e LRác-2, localizados em Ribeirão Pretoe Guaíra, respectivamente) e um latossolo variaçãoUna ácrico (LUác), de Guaíra. Ambas as cidadeslocalizam-se ao norte do estado de São Paulo esustentam uma agricultura altamente tecnificada.Para que fossem aplicados os modelos deGouy-Chapman e de Stern, as equações l, 2, 3, 4e 5 foram simplificadas de acordo com RAIJ(1971), dando origem a novas equações:

Os potenciais elétricos, yo e yd, sãodados em mV; s1, s2 e s em meq/cm2; c é aconcentração molar do eletrólito simétrico nasolução em equilíbrio e d aparece em nanômetros.Considerou-se a ausência de adsorção específica,assim f = 0.

A carga superficial líquida pela teoriade Gouy-Chapman foi determinada pela equação 7,após substituir yd por yo. Cálculos para utilizaçãodo modelo de Stern foram feitos com as equações4,7, 8 e 9.

Para obtenção de s2, s1, s e yd foiutilizada a solução numérica de RAIJ (1971),assumindo-se valores diferentes para yd, obtendo-ses2, s1, s e yo nesta ordem. Na TABELA laparecem os valores assumidos de yd e os demaisparâmetros obtidos posteriormente. Tomando-se,como exemplo, yd = 5mV; c = 0,01 M; z = l(eletrólito 1:1); d = 0,lnm, os demais atributosforam assim calculados: inicialmente foideterminada a carga na dupla camada difusa (s2),através da equação (7). A seguir, obteve-se a cargana camada de Stern (s1), utilizando-se a equação(8). Somando-se s2 e s1, obteve-se a cargasuperficial total (s). Finalmente, com a densidadede carga conhecida, obteve-se o potencial elétricona dupla camada difusa (yo), com auxílio daequação (9). Estes valores de s2, s1, s e yo (0,12;0,04; 0,16 e 8) estão destacados na TABELA 1.

Nas Figuras l, 2 e 3 plotaram-se osvalores de carga elétrica superficial em função dopotencial elétrico, sendo apresentados também ospHs nos quais estes pontos foram obtidos. As

curvas indicadas por Gouy-Chapman representamnestas figuras a relação entre s2 e yd, e as curvasindicadas por Stern representam a relação entre se yo. A carga elétrica líquida superficial, emmeq.l0"8/cm2, foi obtida após a divisão da cargaelétrica líquida (em meq/100g) pela superfícieespecífica (em m2/g). Segundo LAVERDIÈRE &WEAVER (1977), a expressão dos valores de cargaem relação à superfície específica fornece melhorescomparações entre os solos, daí ter-se optado poresta unidade. Para a construção das figuras, foramconsiderados apenas os pontos entre pH 4,0 e 7,5,faixa que engloba a grande maioria dos solostropicais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observa-se que, nas três concentraçõesde KCl, valores positivos de potencial e de cargaelétrica líquida somente apareceram nas amostrasdo horizonte B, onde o efeito da matéria orgânica,no sentido de abaixar o ponto de efeito salino nuloe gerar cargas negativas, foi menor. Isto pode sercomprovado analisando-se a Figura 2 (KCl 0,01N)onde, para um mesmo valor de potencial elétrico,por exemplo -65mV, a carga líquida no horizonteA foi maior, próxima de -3,2meq.l0-8/cm2, contra-l ,4meq.l0-8/cm2 do horizonte B, mesmo tendo umpH menor: 4,5 contra 6,8.

Para todas as curvas, se forem tomadosisoladamente os pontos da camada superficial ou dasubsuperficial, nota-se que os modelos descreverambem a variação da densidade de carga líquida como potencial elétrico do meio. Valores cada vezmaiores, no lado negativo, foram observados àmedida que o pH foi aumentando. Isto significa quequanto mais alto o pH, mais distantes seus valoresficaram em relação ao PESN, acarretando assimum potencial maior (equação 2). Comoconseqüência, o valor da carga elétrica negativaaumentou (equações l e 3).

Observou-se, também, que para seratingido um mesmo valor de carga líquida (porexemplo -3,0 meq.l0-8/cm2), foi necessário umvalor menor de yo na maior concentração de KCl0,lN (-37mV no modelo de Gouy-Chapman e-85mV no modelo de Stern), um valorintermediário em KC1 0,01N (-85mV paraGouy-Chapman e -135mV para Stern) e um valormais alto (em módulo) em KCl 0,001N (-140mVpara Gouy-Chapman e -180mV para Stern). Devidoao fato de o potencial ser dependente do pH domeio (equação 2), pode-se concluir que uma

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variação neste pH tem efeito mais marcante nacarga líquida de um solo quanto maior for suaforça iônica, o que pode ocorrer, por exemplo,quando um adubo é aplicado no solo. No caso doslatossolos ácricos, esta afirmativa é bastanteimportante, devido à baixíssima capacidade deretenção de cátions que estes solos possuem.

Como a força iônica da solução do solo,segundo BELL & GILLMAN (1978) e BLACK &CAMPBELL (1982), dificilmente supera 0,005 -sendo comuns valores em torno de 0,002 - parecemais adequado comparar os dados obtidos delatossolos ácricos com as concentrações 0,01 e0,001N de KCl (Figuras 2 e 3).

Na maior concentração de KCl (0,lN)houve uma tendência de os pontos ajustarem-semelhor à curva de Stern, principalmente osrelativos às camadas subsuperficiais, sendo que àmedida que a concentração do sal foi diminuindo,os pontos foram se aproximando mais do modelode Gouy-Chapman. Entretanto, é importantelembrar que para valores de potencial acima de

l00mV, o modelo de Gouy-Chapman prevêdensidades de carga que são fisicamenteimpossíveis de ocorrer (OLPHEN, 1963).

LAVERDIÈRE & WEAVER (1977)obtiveram resultados semelhantes com amostras deseis espodossolos dos Estados Unidos e do Canadá,sendo que apenas uma amostra seguiu o modelo deStern, tendo as demais amostras apresentado densi-dades superficiais de carga, num dado potencial,superiores às que o modelo previa. Nesse trabalho,os autores afirmam que em solos com alto teor dehidróxidos metálicos, como é o caso dos latossolosácricos, a variação na composição e no grau decristalinidade dificultam, em parte, a adequaçãoexata destes modelos teóricos. Além disso, RAIJ &PEECH (1972) complementam que o pior ajustedos pontos ao modelo de Stern na concentração deKC1 0,001N é esperado, já que na determinaçãodas cargas por titulação potenciométrica assume-sea ausência de H+ como contra-íon na duplacamada, condição difícil de ser encontrada embaixas concentrações de eletrólito.

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CONCLUSÕES

1. Houve boa correlação entre os modelos teóricose os valores obtidos em laboratório.

2. Nas concentrações de eletrólito mais próximasdos valores usuais de força iônica de solosaltamente intemperizados, o modelo deGouy-Chapman representou melhor a distribuiçãoda densidade superficial de carga em função dopotencial elétrico das amostras estudadas.

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Enviado para publicação em 02.03.94Aceito para publicação em 20.04.94