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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento e co- orientação científica do Doutorando Nuno Santiago de Magalhães.

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a

orientação científica da Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento e co-

orientação científica do Doutorando Nuno Santiago de Magalhães.

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Aos meus pais, pois com eles aprendi o valor do

amor incondicional, sentido com todas as letras,

e em memória de Ana Carolina,

por me ter ensinado a nunca baixar os braços.

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AGRADECIMENTOS

As minhas primeiras palavras de gratidão são dirigidas à Universidade Nova de

Lisboa, que me proporcionou uma aventura absolutamente inesquecível nos últimos seis

anos, e à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde tive o prazer de travar

conhecimento com docentes, investigadores e colegas provenientes das mais diversas

áreas das Ciências Sociais, e que muito enriqueceram o meu percurso académico e

pessoal.

Gostaria de endereçar uma nota de agradecimento muito especial para a minha

orientadora científica, a Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento, em quem

muito admiro a excelência, a clareza de pensamento, a competência e pragmatismo,

reconhecendo que foi graças à sua perseverança que me foi possível finalizar esta

dissertação. Agradeço-lhe todos os conselhos e tempo disponibilizado durante as

reuniões nas instalações do Observatório Político. Ao Doutorando Nuno Santiago de

Magalhães, com quem partilho a paixão pelos Estudos Asiáticos, a mais profunda

gratidão por ter aceitado o convite para ser meu co-orientador, pela absoluta

disponibilidade demonstrada durante a realização deste trabalho de investigação, e por

todos os valiosos comentários que apenas um especialista nesta matéria seria capaz de

fazer com toda a firmeza e prontidão.

Agradeço também o acolhimento das seguintes instituições, onde fui sempre

recebida com simpatia e cordialidade para a realização da pesquisa bibliográfica: em

Londres, a London School of Economics e a City University London, em Paris, a

SciencesPo e em Lisboa, o Centro de Documentação da Fundação Oriente, o Instituto

Português de Relações Internacionais e o Instituto de Ciências Sociais. À Embaixada

da República Popular da China, à Embaixada do Japão e à Embaixada da República da

Coreia, agradeço não só o apoio prestado à realização da presente dissertação mas

também o cultivo de iniciativas que promovem o interesse do público português pelas

relações internacionais da Ásia, sobretudo as que foram realizadas em parceria com a

Fundação Oriente.

Esta nota de agradecimento não poderia deixar de fazer uma referência

obrigatória a todos os amigos que trago dos tempos da licenciatura em Ciência Política

e Relações Internacionais, na convicção de que poucos estudantes em Lisboa terão tido

a sorte de se cruzar com companheiros tão interessantes, com excecionais qualidades

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humanas, e com os quais espero partilhar as alegrias futuras por bons e largos anos; à

“família e amigos do Ramalhete”, pelo acompanhamento e revisão do meu trabalho, por

toda paciência e constantes palavras de incentivo. Sem eles, esta tarefa ter-se-ia

revelado bem mais árdua do que a devoção com que foi realizada.

Por último, mas não menos importante, à minha família, a quem dedico esta

dissertação: aos meus irmãos, André Soo-Won e Fátima Itsumi, por completarem o meu

crescimento e estarem sempre do meu lado; à minha mãe, Junko Inoue, a quem

agradeço a educação e a transmissão dos valores de humildade, sacrifício e disciplina; e

ao meu pai, Ricardo Gonçalves Pereira, por ser o meu herói desde o primeiro dia, por

me incutir a paixão pela política internacional e pelos Estudos Asiáticos e uma infidável

sede de conhecimento e descoberta, e por estimular a vontade de me superar a cada dia.

A todos, o meu mais sincero e profundo agradecimento.

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PANDAS, FAISÕES E TIGRES: A CENTRALIDADE DO NORDESTE NO

“NOVO REGIONALISMO” DA ÁSIA ORIENTAL

JOANA YEMI INOUE PEREIRA

[RESUMO]

PALAVRAS-CHAVE: Ásia Oriental, Nordeste Asiático, “Novo Regionalismo”,

Ecleticismo Analítico, pós-Guerra Fria.

Perante os recentes sinais de integração económica e cooperação política que se têm

registado na Ásia Oriental, o objetivo desta dissertação passará por avaliar o papel da

China, Japão e Coreia do Sul no processo de regionalização leste-asiático desde o fim

da Guerra Fria (1990-2010), tendo em conta as oportunidades e os desafios que o “Novo

Regionalismo” representa para a região. Para o efeito, será fundamental o recurso às

Teorias da Regionalização e ao Ecleticismo Analítico como molduras teóricas que

fundamentem as conclusões a que o trabalho se propõe chegar. Ainda neste contexto, e

considerando a inexistência de uma estrutura de segurança multilateral que envolva os

países do Ásia Oriental, propomos contextualizar o papel dos EUA, da Rússia e do

Sudeste Asiático nesta problemática e os obstáculos inerentes ao aprofundamento do

institucionalismo asiático.

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PANDAS, PHEASANTS AND TIGERS: THE CENTRALITY OF THE

NORTHEAST IN EAST ASIA’S “NEW REGIONALISM”

JOANA YEMI INOUE PEREIRA

[ABSTRACT]

KEYWORDS: East Asia, Northeast Asia, “New Regionalism”, Analythical Eclecticism,

post-Cold War.

In light of the recent signs of economic integration and political cooperation that have

been occurring in East Asia, the aim of this dissertation is to evaluate the role of China,

Japan and South Korea in the process of East Asian regionalization since the end of the

Cold War (1990 -2010), taking into account the opportunities and challenges that the

"New Regionalism" represents to the region. To this end, the Theories of

Regionalization and the Analytical Eclecticism will be of crucial relevance, serving as

theoretical frameworks that substantiate the conclusions of this research. In the same

context, and given the absence of a multilateral security framework involving the

countries of East Asia, we aim to contextualize the role of the U.S., Russia and

Southeast Asia in this matter and the inherent obstacles to deepening the Asian

institutionalism.

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ÍNDICE

Acrónimos ............................................................................................................................... 8

Introdução ............................................................................................................................. 10

1. Quadros de leitura analítica .......................................................................................... 17

1.1. As «novas» perceções de segurança e regionalização no pós-Guerra Fria ...... 17

1.2. O Nordeste Asiático nas Relações Internacionais ............................................ 32

2. Da velha à nova ordem internacional ........................................................................... 45

2.1. O Sino-centrismo da Ásia Oriental ................................................................... 45

2.2 O declínio da China e a ascensão japonesa ....................................................... 47

2.3. Significado das experiências de sino-centrismo e imperialismo japonês ........ 54

2.4. As heranças da Guerra Fria no Nordeste Asiático ............................................ 56

2.5. O pós-Guerra Fria e a “Nova Ordem Internacional” ........................................ 63

3. O “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental no pós-Guerra Fria ................................... 66

3.1. Experiências frustradas ...................................................................................... 66

3.2. Impulsos regionalistas ....................................................................................... 70

ASEAN+3 ................................................................................................................ 73

East Asia Summit (EAS) .......................................................................................... 76

A proliferação de ACL e de redes de produção transnacionais ............................... 78

3.3. O Nordeste Asiático enquanto protagonista ..................................................... 82

O Panda Gigante....................................................................................................... 85

O Faisão Amistoso ................................................................................................... 91

O Tigre do Meio ....................................................................................................... 95

3.4. Um caminho espinhoso ..................................................................................... 98

O Reino Eremita ..................................................................................................... 100

Uma questão pouco Formosa ................................................................................. 104

Panda ou faisão? ..................................................................................................... 106

3.5. Outros protagonistas ........................................................................................ 112

A Águia do Pacífico ............................................................................................... 112

O Urso Transiberiano ............................................................................................. 116

O Sudeste Asiático ................................................................................................. 120

Conclusão ............................................................................................................................ 122

Bibliografia ......................................................................................................................... 128

Anexos ................................................................................................................................ 138

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Acrónimos

ACL Ŕ Acordo de Comércio Livre

ACP Ŕ Acordo de Comércio Preferencial

AIEA Ŕ Agência Internacional de Energia Atómica (International Atomic Energy

Agency)

ANEAN Ŕ Associação de Nações do Nordeste Asiático (Association of Northeast Asian

Nations)

APEC Ŕ Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Asia-Pacific Economic

Cooperation)

ARF Ŕ Fórum Regional da Ásia (Asia Regional Forum)

ASEAN Ŕ Associação de Nações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian

Nations)

BDA Ŕ Banco de Desenvolvimento Asiático (Asian Development Bank)

BMD Ŕ Sistema de Defesa anti-míssil (Ballistic Missile Defence)

CEI Ŕ Comunidade dos Estados Independentes

CSNU Ŕ Conselho de Segurança das Nações Unidas

DPP Ŕ Democratic Progressive Party (partido independentista de Taiwan)

EAEC Ŕ East Asian Economic Caucus

EAVG Ŕ East Asia Vision Group

EUA Ŕ Estados Unidos da América

FBA Ŕ Fórum Boao para a Ásia

FMA Fundo Monetário Asiático

ICM Ŕ Iniciativa Chiang Mai

ICNAPP Ŕ Iniciativa de Cooperação do Nordeste Asiático para a Paz e Prosperidade

KEDO Ŕ Korean Peninsula Energy Development Organization

KMT Ŕ Kuomitang

LWR Ŕ Reatores de Água Leve (Light Water Reactor)

OI Ŕ Organização Internacional

ONG Ŕ Organização Não Governamental

PCC Ŕ Partido Comunista Chinês

PME Ŕ Pequenas e médias empresas

RDPC Ŕ República Democrática Popular da Coreia

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RPC Ŕ República Popular da China

RSCT Ŕ Teoria do Complexo de Segurança Regional (Regional Security Complex

Theory)

TPP Ŕ Parceria Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership)

UMA Ŕ Unidade Monetária Asiática

URSS Ŕ União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WMD Ŕ Armas de Destruição Maciça (Weapons of Mass Destruction)

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Introdução

O interesse pelo presente tema resultou do carácter paradoxal inerente à

importância geopolítica e geoeconómica do Nordeste Asiático, que contrasta com o

facto de ser uma das regiões mais voláteis e sensíveis do mundo. Se é verdade que os

países do Nordeste Asiático representam 1/5 do PIB mundial (FMI), não devemos

esquecer a vulnerabilidade a que estão expostos, tendo em conta a sensibilidade de

alguns dos efeitos da memória histórica, a perpetuação de rivalidades e a presença de

potências nucleares.

O corte temporal que definimos para estudar a forma como os países da Ásia

Oriental têm manifestado um interesse crescente em relação à regionalização

corresponde ao pós-Guerra Fria, nomeadamente as décadas de 1990 e 2000. A escolha

recaiu sobre este período devido às particularidades desta “nova era” no contexto

asiático. É fundamental recordar que o fim da bipolaridade na Europa não acompanhou,

temporalmente, o fim do Comunismo na Ásia Oriental, uma vez que a China, a Coreia

do Norte e o Vietname continuaram a ser governados por partidos comunistas. De facto,

o fim da Guerra Fria teve impactes muito diferentes na Europa e na Ásia: a queda do

muro de Berlim pôs termo à divisão europeia e ao domínio comunista no continente, o

que acabou por permitir a consolidação e o alargamento do projeto da União Europeia;

por contraste, na Ásia Oriental, o domínio comunista não desapareceu mas a dissolução

da URSS e a ascensão chinesa permitiram o reequilíbrio regional da balança de poderes.

No que diz respeito à delimitação geográfica do objeto de estudo (Anexo 1), e

embora não seja fácil estabelecer uma definição precisa de Nordeste Asiático, uma vez

que esta unidade geográfica envolve toda a área do Japão, Mongólia e Península

Coreana, mas também algumas parcelas territoriais da China e Rússia e Estados Unidos1

(Kim, em Friedman e Kim, 2006: 8), distinguimos a China, o Japão e a Coreia do Sul

como os atores centrais do Nordeste Asiático (Rozman, 2004: 3). Não obstante, e ainda

que o envolvimento geográfico dos EUA e da Rússia não seja total, o seu peso

geopolítico, geoestratégico e geoeconómico são fundamentais para a região, pelo que

optámos por analisar o seu contributo no âmbito desta dissertação.

Tal como o próprio título sugere, este trabalho este trabalho propõe analisar a

influência dos países do Nordeste Asiático no regionalismo da Ásia Oriental, definida

1 Guam.

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por autores asianistas (Beeson e Stubbs, 2012: 365; Dent, 2008: 4) como integrando as

sub-regiões do Nordeste e Sudeste2 Asiáticos.

A revisão da literatura sugere que esta distinção parece fazer sentido, tendo em

conta que a única experiência regionalista da Ásia Oriental antes de 1990 coincidiu com

a criação da ASEAN, em 1967. No entanto, tal como apontam as estatísticas do Anexo

2, as razões para nos centrarmos no papel do Nordeste Asiático enquanto potenciador ou

obstrutor do regionalismo asiático são evidentes: só esta sub-região é responsável por

mais de 80% do PIB, das reservas cambiais e das despesas militares da Ásia Oriental,

bem como por mais de 70% da população total e da força militar humana disponível

(percentagens relativas a 2009, Calder e Ye, 2010: 13). Na sequência dos recentes

progressos de regionalismo e regionalização, a Ásia Oriental tem-se tornado uma

entidade mais coesa e coerente (Pempel, 2005: 2; Dent, 2008: 4; Calder e Ye, 2010: 31),

graças ao interesse crescente de “Pandas, Faisões e Tigres” na integração regional, o

que permitiu a expansão do regionalismo do Sudeste Asiático para uma área geográfica

mais alargada que inclui os países do Nordeste Asiático.

A questão de partida “Qual o contributo dos três atores-chave do Nordeste

Asiático para o „Novo Regionalismo‟ da Ásia Oriental?” permite a clara identificação

do objeto de estudo (o “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental), medido pelo 1) rápido

aumento das relações económicas, 2) pelo estreitamento das relações políticas

(nomeadamente através de cimeiras e organizações que definem objetivos de ação

coletiva), 3) pela crescente integração social (sobretudo através da migração laboral), 4)

pela partilha consciente da identidade regional e 5) por uma ampla agenda de segurança

para resolver tensões e garantir a estabilidade (Rozman, 2004: 6). Em termos

institucionais, será dada uma atenção especial aos desenvolvimentos da ASEAN+3 e

EAS, não só por incluírem todos os membros da Ásia Oriental mas sobretudo por terem

assumido um protagonismo central no ““Novo Regionalismo”” leste-asiático. Embora

as Six-Party Talks contem apenas a RPC, o Japão, a Coreia do Sul, a Coreia do Norte, a

Rússia e os EUA na resolução de um problema específico (a desnuclearização da Coreia

do Norte), o facto de estas conversações se afigurarem como a única moldura de

segurança multilateral presente na região merece que as suas dinâmicas sejam estudadas

à luz das políticas externas dos Estados envolvidos, para que seja possível obter uma

2 Brunei, Camboja, Timor-Leste, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e

Vietname.

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percepção real sobre a forma como afetaram as relações do Nordeste Asiático e sobre a

viabilidade da sua evolução no sentido do “institucionalismo hard”.

Na verdade, a curiosidade pelo estudo do regionalismo na Ásia Oriental surgiu

com a verificação empírica de que o Nordeste Asiático é uma sub-regiões

geoeconómicas mais importantes do mundo que carece de um quadro de segurança

regional, idêntico à NATO ou à OSCE, quando “à primeira vista, o Nordeste Asiático

parece ter o que é preciso para estabelecer uma comunidade reconhecida com as suas

próprias organizações formais e consciência regional” (Rozman, 2004: 1). Neste

contexto, será pertinente investigar se houve um interesse reduzido por parte destes

países na criação de uma moldura de segurança multilateral e as razões que terão

motivado os EUA a apoiar a criação de instituições de segurança na Europa mas não na

Ásia, numa tentativa de responder à questão colocada por Christopher Hemmer e Peter

Katzenstein, em 2002: “Why is there no NATO in Asia?” (Hemmer e Katzenstein,

2002:575 cit. por Davison, em Connors et al., 2004: 1), aproveitando para discutir se as

Six-Party Talks se deverão assumir como o quadro de segurança multilateral

preferencial.

Durante o período em análise, o Nordeste Asiático desenvolveu um

“institucionalismo soft”, entendido à luz dos valores da “ASEAN Way”, que enfatiza o

diálogo e a resolução pacífica de conflitos (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008:

213). A “ASEAN Way” foi apresentada como uma peculariedade do regionalismo

asiático, resultante das suas raízes culturais. Por se focar no minimalismo

organizacional e na obtenção de consenso, os líderes asiáticos defendem que o seu

regionalismo é distinto e mais eficaz devido a falta da institucionalização (Acharya e

Johnston, 2007: 11). Mas existirão indicadores de que esta sub-região esteja disposta a

desenvolver um “institucionalismo hard”, à imagem das normas e instituições

ocidentais?

O debate sobre o futuro da Ásia ganhou novo ímpeto com o fim da Guerra Fria,

dividindo os que acreditavam que a Ásia poderia evoluir no sentido de uma nova ordem

regional estável (Pempel, 2005, Calder e Ye, 2010, Beeson e Stubbs, 2012) e os que

defendiam que a Ásia estaria condenada ao caos e à desordem, à imagem do passado

europeu (Friedberg, 1993). Neste seguimento, o propósito desta dissertação passará

também por caracterizar a evolução do tradicional Sistema de São Francisco para os

atuais contornos do “Novo Regionalismo” asático e calcular, tendo em conta os

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desenvolvimentos das últimas duas décadas, se o “vazio organizacional” (Frost e Kang

em Aggarwal et. al., 2008: 213; Calder e Ye, 2010), i.e, a ausência de uma organização

de segurança coletiva, poderá ser colmatado a curto ou médio prazo com o

desenvolvimento de instituições capazes de responder às necessidades decorrentes da

crescente interdependência económica e aos problemas de segurança que estão por

resolver.

Fontes e Metodologia

A presente dissertação procurará ir ao encontro dos “objectivos educativos”

traçados no plano de estudos da área de especialização em Estudos Políticos de Área, e

que se trazudem na (i) articulação de conhecimentos teóricos aprofundados e

competências metodológicas de investigação sobre os sistemas de interdependências

político-económicas, à escala de macro-regiões geopolíticas situadas em contexto de

globalização; (ii) no aprofundamento do conhecimento sobre as dimensões política e

económica, a nível interno e externo, dos países e das regiões envolvidas; e (iii) na

compreensão global dos desafios internacionais, numa perspectiva interdisciplinar,

capacitadora para a participação em processos de apoio à análise estratégica e à tomada

de decisão.

Para o efeito, a abordagem ao tema proposto será do tipo compreensivo, e partirá

do recurso a algumas fontes primárias (tratados, declarações conjuntas, discursos) mas

sobretudo a fontes secundárias (revisão da literatura). A bibliografia dedicada à

problemática em análise é bastante recente Ŕ sobretudo desde a década 2000 Ŕ, contando

particularmente com os trabalhos de Samuel Kim em The International Relations of

Northeast Asia, Edward Friedman e Sung Chull Kim em Regional Cooperation and its

Enemies in Northeast Asia: The impact of domestic forces (2006), Shunji Cui em

Beyond Rivalry? Sino-Japanese Relations and the Potential for a „Security Regime‟ in

Northeast Asia (2007), Vinod Aggarwal et. al em Northeast Asia: Ripe for Integration

(2008), Kent Calder e Min Ye em The Making of Northeast Asia (2010) e Mark Beeson

e Richard Stubbs em The Routledge Handbook of Asian Regionalism (2012).

A perspectiva teórica das relações internacionais utilizada para responder à

questão de partida é a do Ecleticismo Analítico, que conjuga as escolas Realista, Liberal

e Construtivista, permitindo assim que o papel do Nordeste Asiático no “Novo

Regionalismo” da Ásia Oriental seja analisado à luz de três variáveis Ŕ poder,

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interdependência económica e identidade Ŕ que se enquadram no contexto da ascensão

chinesa, da estagnação económica japonesa, das dinâmicas na Península Coreana, da

negligenciação americana pelos assuntos asiáticos e da ressurgência da Rússia e que

serão devidamente exploradas no primeiro capítulo.

O primeiro nível de análise identifica-se largamente com o argumento realista,

procurando estabelecer uma ligação entre o declíneo da hegemonia dos EUA na região e

a ascensão chinesa na explicação do reequilíbrio sistémico do sistema internacional.

A segunda dimensão vai de encontro às premissas liberais, que estabelecem uma

correlação entre interdependência económica e redução do conflito (Alagappa, 2003:

280), ou que defendem o spillover da cooperação económica para a cooperação

securitária.

Por fim, o peso da identidade na construção de uma comunidade regional na

Ásia Oriental corresponde ao argumento construtivista de que o Nordeste Asiático

pertence à “área cultural chinesa” (Fairbank et. al, 1989 cit. por Alagappa, 2003: 217), e

que a alteração dos padrões de cultura e a assimilação de uma identidade regional foram

determinantes no interesse regionalista por parte destes países.

Os factores causais supracitados fazem-se acompanhar de três momentos críticos

(“shifts temporais”) que foram determinantes para o aprofundamento da integração

regional na Ásia Oriental, a que chamamos “choques triplos”, em conformidade com a

designação atribuída em por Aggarwal (2008), e que correspondem ao Fim da Guerra

Fria, à Crise Financeira Asiática de 1997-98 e aos Atentados de 11 de Setembro de

2001.

A interdependência do Nordeste Asiático exerce alguma pressão sobre o “vazio

organizacional” existente. Antes de 2000, por exemplo, 25 das 30 maiores economias

do mundo eram membros de Acordos de Comércio Livre (ACL) ou de Uniões

Aduaneiras, sendo que as 5 economias que ficavam fora desta tendência estavam

localizadas no Nordeste Asiático (China, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Hong-Kong).

Posto isto, de que forma é que os impulsos regionalistas explicam o impressionante

envolvimento destes países em ACL regionais, sem que o institution-building tenha

acompanhado a integração económica?

A literatura institucionalista sugere que os sujeitos internacionais esperam que

tanto as instituições regionais como as internacionais sejam consistentes, duradouras, e

eficientes do ponto de vista da resolução de conflitos, criando expectativas sobre a

criação de uma “paz estável” (Nye, 2000: 45). Neste sentido, as instituições

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internacionais podem ser definidas como “explicit arrangements, negotiated among

international actors, that prescribe, proscribe, and/or authorize behavior‟‟ (Koremenos,

Lipson, e Snidal, 2001:762, cit. por Duffield, 2007: 2). Dentro destas categorias, há

quem defenda que as instituições internacionais devem produzir resultados duradouros e

vinculativos (cf. Wessels (1997: 267-299) cit. por Frost e Kang, em Aggarwal et. al.,

2008: 232) e quem considere que as instituições devem funcionar como espaços de

diálogo onde os Estados possam expressar as suas prioridades e preferências,

desenvolver a confiança mútua e tomar decisões coletivas (cf. Henning (2004: 4-5) cit.

por Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 232).

Assim, se quantificarmos a força das instituições regionais, em que a escala

varia entre instituições do tipo fraco (exemplos: ASEAN+3 e EAS) e forte (exemplo:

UE), segundo o carácter vinculativo das suas normas, será do nosso interesse reconhecer

se durante as últimas duas décadas a Ásia Oriental evidenciou uma propensão para

consolidar o seu institucionalismo regional ou se, por contraste, se mostrou mais

interessada na manutenção da fraqueza das suas instituições multilaterais.

Estrutura da dissertação

No capítulo inicial “Quadros de leitura analítica”, serão abordadas as “novas

perceções” de segurança no pós-Guerra Fria e o crescente interesse pelos processos

regionalismo e regionalização, aproveitando para clarificar estes conceitos e para

introduzir o debate sobre os complexos de segurança regionais e sobre o “Novo

Regionalismo”. De seguida, será traçado o Estado da Arte sobre a adaptação das teorias

das relações internacionais à realidade do Nordeste Asiático, com destaque para o

Ecleticismo Analítico.

No capítulo “Da velha à nova ordem internacional”, procuraremos desenhar o

quadro evolutivo da estrutura regional, desde o seu passado sinocêntrico e ascensão

imperial japonesa até ao estabelecimento do Sistema de São Francisco e da nova ordem

do pós-Guerrra Fria.

O terceiro capítulo, intitulado “O „“Novo Regionalismo”‟ da Ásia Oriental no

pós-Guerra Fria”, corresponde à exploração do argumento central da dissertação. Numa

primeira análise, começamos por avaliar o falhanço de instituições regionais como a

APEC, ARF e KEDO na formação de uma comunidade regional. A Crise Financeira

Asiática de 1997-98 constitui um dos principais impulsos regionalistas apresentados

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neste capítulo, sendo imediatamente seguida pela criação da EAS e ASEAN+3,

instituições sobre as quais verteremos uma atenção redobrada. Seguidamente, o Panda

Gigante (China), o Faisão Amistoso (Japão) e o Tigre do Meio (Coreia do Sul)

assumirão o protagonismo deste capítulo, o que significa que os avanços e recuos das

suas políticas regionalitas serão analisados no contexto das respetivas políticas internas

e externas.

Por fim, para uma abordagem ao tema do regionalismo leste-asiático que se

deseja tão completa quanto possível, não poderíamos deixar de fazer referência aos seus

obstáculos Ŕ o Reino Eremita (Coreia do Norte), a Questão pouco Formosa (Taiwan) e

a permanente disputa entre o Panda e o Faisão (rivalidade-sino-japonesa) Ŕ que nos

poderão ajudar a explicar as dificuldades em encontrar um quadro de segurança

multilateral comum para os países do Nordeste Asiático. Para o mesmo efeito, o papel

assumido pelos protagonistas do “Novo Regionalismo” será melhor compreendido com

a devida referência aos atores secundários, neste caso a Águia do Pacífico (EUA), o

Urso Transiberiano (Rússia) e o Sudeste Asiático, para que os seus posicionamentos

possam ser contextualizados na formação do novo desenho geoestratégico e

geoeconómico da Ásia.

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1. Quadros de leitura analítica

1.1. As «novas» perceções de segurança e regionalização no pós-Guerra Fria

Após o colapso da União Soviética, o mundo assistiu à intensificação de processos

de integração, o que provocou um crescente interesse pela Regionalização e pelos

Estudos de Área, sobretudo a partir dos primeiros anos do século XXI.

Embora ninguém duvidasse que a estrutura securitária internacional tivesse sofrido

profundas alterações, os seus novos contornos estavam longe de ser totalmente

consensuais. O fim do bipolarismo deu uma nova margem de manobra aos poderes

locais, dando um novo protagonismo à segurança regional (Katzenstein, 2000; Acharya

e Johnston, 2007: 1; Kagan, 2008: 4-6):

“First, and most obviously, it lifted the superpower overlay from Europe, and radically

changed the pattern of superpower penetration in Northeast Asia. With the implosion of the

Soviet Union in 1991, it also brought fifteen new states, and a new RSC3, into the game.

Second, by removing ideological confrontation and Soviet power from the equation, it

greatly changed both the nature and the intensity of global power penetration into third

world RSCs (…). Third, the ending of the Cold War exposed, and in many ways reinforced,

the shift in the nature of the security agenda to include a range of non-military issues and

actors, which had been visible since the 1970s.” (Buzan, 2003: 16-17).

Evolução do conceito de segurança

O conceito de segurança é “um conceito essencialmente contestado”4 (Baldwin,

Buzan, Emmers, Little, Smith, Tow). De facto, como alertou Arnold Wolfers, se o

conceito de segurança não for abordado especificamente, em termos de valores a

salvaguardar e ameaças identificadas, corre o risco de ser um conceito demasiado

ambíguo. Em 1952, Wolfers escreve um artigo para a Political Science Quarterly,

intitulado “National Security as an Ambiguous Symbol”, no qual argumenta que a

definição de segurança nacional nunca foi um conceito estável, constituindo, na

verdade, uma simbologia ambígua com uma significação diferenciada.

3 Complexo de Segurança Regional: a abordagem teórica ao conceito será desenvolvida na página 27.

4 Expressão originalmente empregada por W. B. Gallie, “Essentially Contested Concepts”, Proceedings of

the Aristotelian Society, N.S., 56 (1956), pp. 167Ŕ198.

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18

“Objetivamente”, “segurança nacional significa a ausência de ameaças a valores

adquiridos” e, “subjetivamente, a ausência do medo que esses valores sejam atacados”

(Wolfers, 1952: 481-485). Como a expressão “ausência de ameaças” não é, por si só,

menos ambígua, podemos reformular a definição de segurança, segundo Wolfers, como

uma “probabilidade baixa de risco para os valores adquiridos” (Baldwin, 1997: 13), de

forma a centralizar o foco da análise na preservação dos valores adquiridos e não na

existência ou inexistência de ameaças (Baldwin, 1997: 13).

Durante o período da Guerra Fria, o conceito de segurança estava intimamente

ligado ao Realismo, à componente militar e à dimensão dos Estados-Nação (segurança

do Estado e pelo Estado). Uma definição clássica do conceito em análise é dada por

Bellany (1981: 102): “Security [...] is a relative freedom from war, coupled with a

relatively high expectation that defeat will not be a consequence of any war that should

occur” e Walt, que define os estudos de segurança como o estudo da ameaça, controlo e

uso da força militar (Walt, 1991: 212). As diferentes abordagens ao conceito de

segurança (balança de poderes, bipolarismo, containment e deterrence) desenvolveram-

se em paralelo com o conflito Este-Oeste, numa altura em que a presença das armas

nucleares, pela sua força destrutiva, alterou o panorama das Relações Internacionais.

Não obstante, o fim da Guerra Fria pôs termo à estrutura bipolar e abriu a discussão

se o mundo se tornaria unipolar ou multipolar depois de 1990 (Mearsheimer, 1990).

As críticas à conceção realista não demoraram a surgir, por negligenciar uma série

de parâmetros não militares e por reduzir o nível da análise aos Estados, já que estes

deixaram de ser vistos, exclusivamente, como as principais referências de segurança. As

preocupações resultantes da sobrevivência do Estado deixaram de estar confinadas às

fronteiras nacionais e às fações intra-estatais (Tow, 2009). Com a proliferação de

organizações intergovernamentais e não-governamentais, a validade das teorias

existentes foi posta em causa. Houve uma necessidade de compreender melhor o

conceito de segurança, muito devido à mudança da natureza da guerra nas últimas

décadas. Alguns autores, como Ullman (1983: 123), sublinharam que definir segurança

nacional apenas em termos militares fornece uma imagem profundamente distorcida da

realidade. Outros, como Baldwin, enfatizaram a negligenciação do conceito de

segurança: “Paradoxical as it may seem, security has not been an important analytical

concept for most security studies scholars. [...] Security has been a banner to be flown, a

label to be applied, but not a concept to be used by most security studies specialists

(Baldwin, 1997: 9). Também Barry Buzan constatou que os analistas dos Estudos de

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Segurança se deparavam com o estado subdesenvolvido da noção de segurança

enquanto conceito de Relações Internacionais (Buzan, 1983: 3).

Tendo em consideração a pletora de tentativas para redefinir o conceito de

segurança no pós-Guerra Fria (cf. Tickner e Emma Rothschild), depreendemos que o

conceito não terá merecido a devida atenção na academia durante o período que

antecedeu a queda da União Soviética e ter-se-á tornado mais complexo e multifacetado

no período posterior. Durante os anos da Guerra Fria, os estudos de segurança

centraram-se sobretudo na gestão das relações entre dois blocos altamente militarizados

e, portanto, o entendimento do conceito de segurança pressupunha sempre a existência

de forças militares.

O contributo de Barry Buzan, percursor da Escola de Copenhaga5, para o

desenvolvimento dos Estudos de Segurança foram cruciais, já que acrescentaram o

sector político, o económico, o social e o ecológico ao já tradicional sector militar.

Em People, States and Fear, Barry Buzan alerta que a abordagem ao conceito de

segurança aplicado à realidade nacional (Segurança Nacional) e é muitas vezes feita em

termos de poder e paz. Enquanto a escola realista privilegia a perspetiva do poder, já

que este constitui o principal motivo para o comportamento dos Estados, a escola

idealista prefere a abordagem holística da paz. O autor defende o desenvolvimento mais

aprofundado do conceito de segurança que, segundo o próprio, deve ser estudado no

intermédio dos dois extremos de poder e paz: “ (…) security is more usefully viewed as

a companion to, rather than a derivative of power, and that it is more usefully viewed as

a prior condition of peace than a consequence of it.” (Buzan,1983: 2).

5 A Escola de Copenhaga, ou Copenhagen School na sua versão original, foi reconhecida como escola de

pensamento a partir da obra de Bary Buzan, People, States and Fear: The National Security Problem in

International Relations (1983). Desta linha de pensamento, acabou por sair a obra Security: A New

Framework for Analysis (1997), que Buzan escreveu em co-autoria com Ole Wæver e Jaap de Wilde. Não

só nesta obra, como numa série de publicações ao longo da década de 1990, Buzan desenvolveu a noção

de segurança social (societal security) como a forma mais eficaz de compreender a agenda de segurança

que emergiu no final da Guerra Fria. Ao passo que a segurança nacional tinha a soberania como valor

central, a segurança social centra-se na identidade, enquanto valor capaz de manter os padrões

tradicionais de identidade nacional e religiosa, de língua, cultura e costumes (Smith, 2002, p. 2). A Escola

deu uma ênfase especial ao conceito de “securitização”, ao qual é atribuído um carácter subjetivo, por

procurar um entendimento mais preciso de quem procura a securitização (“who securitizes?”), quais são

as ameaças (“on what issues?”), quais são os objectos de referência (“for whom?”), porquê se procura a

securitização (“why?”), para que resultados (“with what results?”) e, não menos importante, sob que

condições se securazita (i.e, explica se a securitização será bem sucedida). Esta abordagem da

securitização está diretamente relacionada com os cinco sectores referidos por Buzan na definição de

segurança (sector militar, político, o económico, o social e o ecológico) (Smith, 2002: p.3). Por último, a

Escola de Copenhaga também se destacou por defender a “segurança regional” e a Teoria do Complexo

de Segurança Regional (RSCT), fórmula que será desenvolvida mais à frente neste capítulo (cf. Buzan,

Regions and Powers: The Structure of International Security, 2003).

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A crítica que Buzan faz à literatura sobre esta matéria prende-se com a

compreensão ambígua e limitada que o conceito de segurança tem sofrido (Buzan,

1983: 4-11). Algumas hipóteses que o autor levanta para explicar a dificuldade em

encontrar um consenso na definição de segurança podem passar pela complexidade das

questões que o conceito levanta, tornando-se pouco atrativo para muitos investigadores;

pela linha ténue que separa este conceito da conceção de poder à luz da teoria realista

ou pela oposição à teoria realista da interdependência. Uma quarta hipótese explicativa

para o subdesenvolvimento do conceito de segurança vai de encontro à conveniência

dos decisores políticos, que preferem manter a ambiguidade simbólica do conceito de

segurança nacional (Buzan, 1983: 4-11).

Como vimos, a definição de segurança tem sido associada, ao longo dos tempos, à

teoria realista das relações internacionais. Nenhuma outra escola de pensamento

enfatiza a segurança como o Realismo. Para o efeito, recorde-se a passagem de Kenneth

Waltz quando afirma que em anarquia, a segurança é o fim último: “Only if survival is

assured can states seek such other goals as tranquility, profit, and power.” (Waltz cit. por

Baldwin, 1997: 21).

Em “The Logic of Anarchy: Neorealism to Structural Realism” (Buzan, et al.

1993), Buzan, Jones e Little tentam destrinçar Neorrealismo e Realismo Estrutural,

citando Gilpin, que aponta para três assunções políticas comuns aos realistas: a

primeira, de que a natureza da política internacional é essencialmente conflitual; a

segunda, de que a essência da realidade social é o grupo e não o indivíduo e

particularmente o grupo-conflito, seja ele Tribo, Cidade-Estado, Reino, Império, ou

Estado-Nação; e por último, mas não menos importante, de que a primeira motivação

humana em toda a vida política é poder e segurança (Keohane, 1986: 164-165).

Se para os realistas, a estabilidade6 explica-se através das teorias de balança de

poderes e/ou teorias hegemónicas, para os liberais a distribuição de poder Ŕ hegemónica

ou balançada/paritária Ŕ não explica o fenómeno da estabilidade. “As perceções,

instituições e relações de interdependência também importam, uma vez que dão uma

forma mais precisa à compreensão dos interesses nacionais e ameaças de

segurança”(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 3). Os liberais tendem assim a enfatizar os

efeitos pacifistas das instituições regionais, do comércio e dos regimes democráticos.

6 Estabilidade é aqui definida como “a ausência de um conflito militar, económico ou político sério entre

estados-nação” (Ikenberry e Mastanduno, 2003: 2).

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Os liberais acreditam no melhoramento das relações entre as nações e rejeitam a lei

da selva aplicada à política internacional (cf. Doyle, 1997:19). Para os liberais, a

estabilidade explica-se pela importância das instituições e da interdependência. Os

institucionalistas liberais defendem que as instituições internacionais facilitam a

cooperação e “reduzem obstáculos” como “a incerteza e os custos de transação”

(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 13). Os teóricos da Paz Democrática argumentam que

as estruturas de um Estado democrático possibilitam mecanismos institucionais que

inibem a violência das relações com outros Estados democráticos: “(…)“ordens

políticas mais institucionalizadas são geralmente vistas como mais estáveis e

desenvolvidas” (Ikenberry e Mastanduno, 2003: 13). Não só Doyle (1997), mas também

Russett e Antholis (1992) recorrem ao argumento empírico de que Estados

democráticos não entram em guerra entre si para sustentar a tese da Paz Democrática,

cujas raízes remontam à Paz Perpétua de Kant (1795).

William Case foi, recentemente, uma voz crítica do Liberalismo Democrático, ao

mencionar uma relação altamente ambígua entre tipos de regime e segurança na Ásia

Oriental (Case, 2009: 123 cit. por Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 280). De acordo com

Case, o autoritarismo asiático é tanto capaz de cooperar no incremento da paz e

estabilidade regionais como os Estados democráticos. Ainda assim, para Sorpong Peou,

o criticismo de Case não é tão convincente assim, já que o autor alicerça o seu

argumento em regimes autoritários e “novas democracias”, que não são facilmente

distinguíveis. Se estas chamadas “novas democracias” violarem Direitos Humanos, põe-

se a questão da efetividade democrática, já que a democracia não se resume a eleições

multipartidárias (Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 280).

Não obstante, e insatisfeitos com a perspetiva analítica herdada da Guerra Fria,

vários autores enveredaram pela análise do conceito de segurança à luz de outras teorias

das Relações Internacionais.

Pouco a pouco, o construtivismo foi conseguindo maior destaque nos debates sobre

teoria das relações internacionais. O fim da Guerra Fria desempenhou um papel

importante na legitimação das teorias construtivistas, já que tanto o realismo como o

liberalismo não anteviram esta possibilidade e tiveram mesmo alguma dificuldade em

explicá-la (Smith, 2002: 30). Os construtivistas, ao enfatizarem o poder das ideias e das

identidades, acreditam que o fim do confronto bipolar se ficou a dever ao facto de

Gorbatchev ter adotado a ideia de “segurança comum”.

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Se transpassarmos para a dimensão securitária, a célebre expressão de Alex Wendt,

de que “a anarquia é o que os Estados fazem dela”, então a segurança é o que fazemos

dela (Smith, 2002: 3).Para os construtivistas, uma comunidade de segurança é aquela

que é socialmente construída, logo, se a estrutura do sistema internacional é passível de

ser transformada, a segurança pode ser construída através da comunidade e não

obrigatoriamente por intermédio de poder (Smith, 2002: 3).

O colapso da União Soviética abriu espaço para as perspectivas culturais e

sociológicas nas Relações Internacionais: “os sociais construtivistas desviaram a sua

atenção do poder e segurança para evidenciar que as variáveis ideacionais são

importantes e como e porquê as políticas de identidade importam na política global do

pós-Guerra Fria. (…) A identidade de um Estado (…) provê o quadro cognitivo para [o

Estado poder] delinear os seus interesses, preferências, visão do mundo e consequente

ação de política externa”(Kim, 2004: 41).

Ao fim desta resumida contextualização conceptual, e cientes da dificuldade em

obter consenso por parte das escolas de pensamento tradicionais em matéria de Relações

Internacionais, e nos Estudos de Segurança em particular, optamos por adotar a

definição de comprehensive security no contexto asiático, que Alagappa define como “a

segurança que vai para além da esfera militar (sem a excluir) para abarcar as dimensões

políticas, económicas e socioculturais” (Alagappa, 1998: 624). Para o autor, a

componente central da comprehensive security é a “sobrevivência política”, que aqui é

entendida em termos de garantia da soberania nacional e da integridade territorial, bem

como do desenvolvimento socioeconómico e estabilidade política (Alagappa, 1998:

624).

Neste seguimento, a clareza da definição empregada por Luís Tomé merece também

a devida referenciação, por nos ajudar a balizar este conceito “essencialmente

contestado”: segurança é assim definida como “a proteção e a promoção de valores e

interesses considerados vitais para a sobrevivência política e o bem-estar da

comunidade7, estando tanto mais salvaguardada quanto mais perto se estiver da ausência

de preocupações militares, políticas e económicas”8.

A preferência por esta construção conceptual deriva da substituição gradual que a

noção de Paz Negativa (ausência de violência) tem vindo a sofrer em detrimento da

7 Sendo que comunidade se pode referir a um estado ou a entidades infra-, inter- ou supra- estaduais.

8 Tomé, Luís (2010) "Segurança e Complexo de Segurança: conceitos operacionais" in JANUS.NET e-

journal of International Relations, n.º 1, Outono 2010. Consultado [online] em 16/05/2012,

janus.ual.pt/janus.net/pt/arquivo_pt/pt_vol1_n1/pt_vol1_n1_art3.html.

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ideia de Paz Positiva, mais duradoura e muitas vezes definida em situações de pós-

conflito, incluindo democracia e desenvolvimento económico.9

Existem ainda outras abordagens teóricas ao conceito de segurança, desenvolvidos

pelos estudos de segurança humana, feminista, crítica, socialista ou pós-estruturalista

que se encontram bem consolidadas na literatura. Contudo, por não abrangerem a

diversidade e complexidade dos estudos de segurança do Nordeste Asiático, a nossa

preferência recai sobre o conceito de comprehensive security, por servir de “chapéu-

conceptual” às ameaças e dinâmicas de cooperação em estudo.

Teorias da Regionalização

Antes de aprofundarmos as problemáticas que ligam as teorias da regionalização ao

problema inicialmente proposto, é fundamental que se tornem claros os conceitos de

região, regionalismo e regionalização.

As tentativas de definir região ao longo do tempo revelaram-se, não raras vezes,

vagas e pouco precisas. Como afirmou Karl Deutsch “para um cientista político, a

definição de região é consideravelmente mais difícil do que a definição de rosa era para

Gertude Stein” (Deutsch, 1969: 93 cit. por Langenhove, 2011: 63). Walter Isard define

região como “uma generalização simples da mente humana” (cit. por Nye, 1968: vii),

enquanto Joseph Nye, para se referir a uma região internacional, fala “num número

limitado de Estados ligados por uma relação geográfica e por um nível de

interdependência mútua" (Nye, 1986).

Para que haja alguma clareza conceptual, adotamos a conceção construtivista de que

uma região é uma construção humana e, sendo “sempre um facto institucional, é

também uma ideia” (Langenhove, 2011: 64). Langenhove aponta ainda três condições

necessárias para que uma determinada área geográfica seja considerada região: em

primeiro lugar, deve ser posicionada por outros atores como uma região (“a região

existe”); segundo, as pessoas devem posicioná-la como um ator (“a região é um ator”);

e terceiro, as pessoas devem percecionar-se como atores e geradores de significado, em

nome da região (“a região atua”). “Em termos de segurança”, e segundo Barry Buzan,

“region means that a distinct and significant subsystem of security relations exits among

9 Shaw (1996) cit. por Stadtmüller (2005): 106.

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a set of states whose fate is that they have been locked into geographical proximity with

each other (Buzan, 1991: 188).

Paralelamente, por regionalismo entende-se a “política ou projeto por meio do qual

atores estatais e não-estatais cooperam e coordenam estratégias dentro de uma dada

região (…). O regionalismo tem como propósito perseguir e promover objetivos

comuns numa ou mais áreas (…) [e] varia entre promover um sentimento de

consciência regional ou comunidade através da consolidação de grupos e redes

regionais – soft regionalism Ŕ ou através de grupos pan- ou sub-regionais formalizados

por acordo ou organização interestadual Ŕ hard regionalism” (Fawcett em Marry Ferrel

et al., 2005: 24).

O regionalismo pode ser parte de um novo modelo de governança, como foi

arquitetado por Anne-Marie Slaughter em “A New World Order”, e que “em muito

divergia da ordem proposta pelo Presidente Bush no despertar da Guerra do Golfo, em

1991” (Slaughter cit. por Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 24). De facto, como

argumentou Henry Nau, a força das organizações regionais pode ser maior do que a dos

nacionalismos (Estados), da fragmentação (ONG‟s) e da globalização (OI‟s)

(Katzenstein, 2005 cit. por Nau, 2007: 385).

O termo regionalismo é, não raras vezes, confundido com regionalização. Enquanto

o primeiro constitui uma política ou projeto, o segundo corresponde ao processo e, à

semelhança da globalização, pode resultar de forças espontâneas ou autónomas

(Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 24). Da mesma forma, enquanto o primeiro é

tradicionalmente associado ao processo de criação de instituições por parte dos Estados-

Nação, o segundo aproxima-se de uma abordagem bottom-up, liderada pelos mercados e

sectores privados (Pempel 2005: 19).

A reboque da globalização, a regionalização cresceu a passos largos e tanto o

número de novas organizações como o de novos membros cresceu exponencialmente

(Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 29). O mundo assistia, assim, a novos impulsos

de regionalismo, em moldes que quebravam com paradigmas anteriores. O regionalismo

nos anos 90 promoveu a descentralização do sistema internacional, a excessiva presença

das superpotências no globo e o crescimento das identidades regionais. Indo ao encontro

de novas necessidades, o “Novo Regionalismo”, como ficou conhecido, prosperou num

ambiente internacional mais permissivo onde as regiões passaram a ter mais liberdade

para definir os seus propósitos e a sua identidade. (Fawcett in Marry Ferrel et al., 2005:

30).

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Hettne e Söderbaum identificaram como “causas do “Novo Regionalismo”: (1) a

transição da bipolaridade para uma estrutura multipolar ou tripolar, com uma nova

divisão do poder e uma nova divisão de trabalho; (2) o relativo declínio da hegemonia

norte-americana aliado a uma atitude mais permissiva por parte dos EUA em relação ao

regionalismo; (3) a erosão do sistema vestefaliano dos Estados-Nação e o crescimento

da interdependência e Globalização; e (4) a mudança de atitude dos países em

desenvolvimento e países pós-comunistas em relação ao desenvolvimento económico e

sistemas políticos neo-liberais.” (Acharya e Johnston, 2007: 9).

Assim, a emergente literatura sobre o “Novo Regionalismo” desafiou o neo-

liberalismo institucionalista, ao definir regionalismo “como um fenómeno mais

abrangente e multifacetado, que tem em conta o papel dos atores estatais e não-estatais,

bem como todo o conjunto de interações políticas, económicas, estratégicas, sociais,

demográficas e ecológicas entre as regiões” (Acharya e Johnston, 2007: 10). Ou seja, o

regionalismo deixou de se focar exclusivamente nas instituições formais para depender

também da atividade “dos setores informais, das economias paralelas e das coligações

não-formais” (Acharya e Johnston, 2007: 10). Posto isto, concluímos que a preocupação

central do “Novo Regionalismo” é provar a decrescente importância dos Estados e da

cooperação intergovernamental em virtude do regionalismo de facto: “neste sentido, o

“Novo Regionalismo” está mais preocupado com o processo de regionalização do que

com o region intitution-building” (Acharya e Johnston, 2007: 10).

Marry Ferrel, no capítulo introdutório de Global Politics of Regionalism: Theory

and Practice identifica como principais premissas do compêndio o facto de o

regionalismo ser uma resposta ao fenómeno da globalização e de partir das dinâmicas

internas da própria região: “Shaped in part by the internal regional dynamics on the one

hand, and on the other by external pressures such as globalization, instability, security

threats (both external and internal) and increased competition which affected the

behavior and strategies of both economic and political actors, regional actors sought

solutions to common problems through collective actions and decisionmaking to foster

enhanced regionalism” (Marry Ferrel et al., 2005: 14).

Em 1996, Kenichi Ohmae inaugurou a discussão sobre o fim dos Estados-Nação.

Para o autor de The end of the Nation State: the rise of regional economies, os Estados-

Nação são “dinossauros à espera de morrer”, por terem perdido a capacidade de

controlar as taxas de câmbio, de proteger as suas moedas e de gerar atividade

económica real (Ohmae, 1996). Segundo Hurrelmann, a era dourada dos Estados-Nação

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situa-se no imediato pós-Segunda Guerra Mundial (Hurrelmann et. al., 2007: 6 cit. por

Langenhove, 2011: 59), sendo que a sua existência foi desafiada sobretudo no pós-

Guerra Fria, à medida que os regionalismos ganhavam uma nova expressão mundial.

Como conclui Langenhove, “os Estados, em resposta às forças da globalização e da

autonomia cultural, estão a direcionar-se no sentido do region-building como forma de

aumentar a sua habilidade em lidar com os problemas e desafios da atualidade”

(Langenhove, 2011: 63).

Em certa medida, é difícil desassociar a ideia de regionalismo da experiência

europeia e do debate existente entre intergovernamentalistas e neo-institucionalistas. As

instituições são muitas vezes vistas como uma solução para problemas que envolvam

ações coletivas. Este institucionalismo agency-centred acredita que as instituições

afetam o processo de tomada de decisão ao alterar os cálculos custo-benefício: reduz os

custos de transação, promove a transparência e facilita o enforcement (Marry Ferrel et

al.,2005: 47).

Quando as controvérsias em torno das teorias de integração acenderam a discussão

entre intergovernamentalistas e supranacionalistas, a partir de finais da década de 1980,

começaram a surgir novas formas de integração regional e acordos de comércio livre

que despertaram o “interesse de académicos que não estavam a estudar o caso de

integração europeia” (Marry Ferrel et al.,2005: 7-8), o que permitiu o aparecimento de

trabalhos pioneiros, como é o caso do “Novo Regionalismo”.

Segundo esta abordagem, a definição de região não se esgota com a existência de

organizações formais, como é o caso da UE. O regionalismo é visto como uma forma de

integração pluridimensional que inclui aspetos económicos, culturais, políticos e sociais

e que tem o objetivo estratégico de region-building, o de estabelecer a coerência e

identidade regional (Marry Ferrel et al.,2005: 8). A região que cobre os Estados-

membros da ASEAN afigura um exemplo paradigmático de um conjunto de países que

soube ultrapassar as rivalidades históricas e que, motivado pelas dificuldades

provenientes da crise económico-financeira que assolou a região em 1997, caminhou no

sentido do regionalismo.

“Problemas regionais convidam soluções regionais”. Quem o diz é Louise Fawcett,

ao mencionar inúmeros benefícios do regionalismo: para além de promover a

cooperação política, económica e de segurança, o regionalismo pode desempenhar um

papel importante na consolidação do state-building, da democratização e da

transparência (Fawcett in Marry Ferrel et al., 2005: 21). Além disso, o regionalismo

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contemporâneo reflete as mais variadas condições e valores existentes, e por isso pode

ser levada a cabo por atores estatais e não-estatais.

Para Aaron Friedberg, o enfranquecimento da economia liberal e a emergência de

blocos regionais assinalam a tendência para a regionalização: “Recent rhetoric

notwithstanding, the dominant trend in world politics today is toward regionalization

rather than globalization, toward fragmentation rather than unification” (Friedberg,

1994: 5). O argumento central de Friedberg em “Ripe for Rivalry: Prospects for Peace

in a Multipolar Asia” deriva da análise sistémica que faz ao mundo do pós-Guerra Fria:

“em termos estratégicos, a bipolaridade não está a abrir espaço para a unipolaridade

(com os EUA a cavalgar o mundo como um colosso) nem para a multipolaridade (com

um grupo de “grandes potências” mais ou menos iguais e com compromissos globais),

mas está a dar lugar a um conjunto de sub-sistemas regionais nos quais os clusters dos

Estados contíguos interagem maioritariamente uns com os outros”. (Friedberg, 1994: 5).

Friedberg apelida esta tendência como o movimento para a multi-multipolaridade

(Friedberg, 1994: 6).

Barry Buzan e Ole Wæver publicam, em 2003, uma obra chave para os Estudos de

Área. Em Regions and Powers: The Structure of International Security defendem que a

segurança internacional será melhor compreendida se a percecionarmos numa série de

“complexos de segurança regionais”. Os autores fazem questão de ressalvar que o

conceito de “segurança global” tem uma orientação macro (de tipo “top-down”), e que a

Teoria do Complexo de Segurança Regional (RSCT) permite-nos trabalhar com uma

perspectiva mais equilibrada, sem precisarmos de recorrer a ideias mais rígidas e

simplificadoras como “unipolaridade” e “centro-periferia” (Buzan e Wœver, 2003: 40).

A RSCT distingue o sistema global, em que as potências mundiais têm a capacidade

de transcender a distância, do sub-sistema regional, em que o ambiente securitário é a

própria região local (Buzan e Wœver, 2003: 4). Uma vez que as ameaças demoram

menos a percorrer curtas distâncias do que longas distâncias, a RSCT defende que a

interdependência securitária deve ser feita a partir dos chamados “clusters de segurança

regionais” (Buzan e Wœver, 2003: 4). A RSCT é compatível com a estrutura neo-

realista Ŕ embora deixe de estar tão concentrada na estrutura a nível macro Ŕ e com a

abordagem construtivista, uma vez que se centra nos processos políticos pelos quais a

segurança é alcançada (Buzan e Wœver, 2003: 4).

Buzan opta pela perspectiva regionalista na abordagem que faz ao período do pós-

Guerra Fria uma vez que “the regional level stands more clearly on its own as the locus

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28

of conflict and cooperation for states and as the level of analysis for scholars seeking to

explore contemporary security affairs” (Buzan, 2003,: 10). Justifica a sua posição com

duas constatações adicionais:

1. O declínio da rivalidade entre as superpotências reduz a qualidade penetrativa

dos interesses das grandes potências em relação ao resto do mundo (Stein e

Lobell 1997: 119-20; Lake 1997: 61, cit. por Buzan e Wœver, 2003: 10); e

2. A maioria das grandes potências no sistema internacional do pós-Guerra Fria são

“lite powers”(Buzan e Segal: 1996), o que significa que as dinâmicas internas

tendem a afastá-las do compromisso militar e da competição estratégica nas

áreas mais sensíveis do globo, e acabam por interferir cada vez menos na forma

como os Estados locais gerem as respetivas ligações políticas e militares.

Ainda sobre a nova ordem mundial no pós-Guerra Fria, é importante esclarecer que

esta é passível de ser estudada a partir de três dimensões: estrutura, modo de governo e

forma de legitimidade. A estrutura é a forma como as unidades do sistema estão

relacionadas, a forma de governo corresponde à influência nos processos de tomada de

decisão e a legitimidade diz respeito à base pela qual o sistema é aceite pelas unidades

constituintes (Björn Hettne, in Marry Ferrel et al., 2005: 271).

Em termos estruturais, a distinção é feita entre ordens unipolares, bipolares e

multipolares. Se a distinção for feita em termos de modo de governo, então podemos

distinguir uma ordem mundial marcada pelo unilateralismo, plurilateralismo e

multilateralismo10

. Em matéria de legitimação, a escala vai desde a aceitação universal

do Direito Internacional à hegemonia exercida por uma Grande Potência, que acaba por

ser legitimada pelo interesse nacional e dependente da coerção e preempção.

Hettne afirma que apesar do multilateralismo ser muitas vezes preferido, o

regionalismo (plurilateralismo definido em termos de proximidade geográfica) é útil

(Hettne, in Marry Ferrel et al., 2005: 271-272).

Neo-realistas, como John Mearsheimer, acreditam que a multipolaridade é mais

propícia à instabilidade do que um sistema marcado pela bipolaridade. Quer isto dizer

que, à partida, o sistema multipolar que se seguiria à Guerra Fria iniciaria uma nova era

de conflitos entre Estados europeus (Mearsheimer, 1990).

10

É importante conseguir distinguir plurilateralismo de multilateralismo. Enquanto o primeiro se refere

exclusivamente à existência de um grupo de actores, o segundo implica a inclusão dos mesmos e a mútua

aceitação das “regras do jogo”.

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29

Aos olhos dos neo-liberais, pelo contrário, a nova ordem mundial incrementaria os

níveis de integração e harmonia entre os países do Velho Continente. Estas diferenças

explicam-se pela importância que ambos atribuem à estrutura do sistema internacional:

se os neo-realistas acreditam que a distribuição de poder entre Estados (estrutura)

determinará o destino do sistema internacional, os neo-liberais sustentam que existem

outros fatores (como as políticas domésticas ou a interdependência institucional e

económica) não menos determinantes do que a estrutura no funcionamento do sistema

internacional. Além disso, o neoliberalismo, enquanto filosofia económica, tem a

regionalização como uma das suas principais bandeiras, em nome do comércio livre e

da globalização dirigida pelos mercados (Marry Ferrel et al., 2005: 279).

Os neo-realistas não vêem com grande otimismo a possibilidade de uma paz

multipolar: “for the sake of stability”, “smaller is better (…) [and] two is the best of all”

(Waltz cit. por Friedberg, 1993-1994: 7-8.). Friedberg admite a instabilidade que os

neo-realistas atribuem à multipolaridade: “the neo-realists are probably right that, all

other things being equal, multipolar systems are intrinsically unstable” (Friedberg,

1993/94: 9). Contudo, logo de seguida chama atenção para o facto de, no mundo real,

todas as outras coisas não se manterem iguais e, portanto, fatores “não-estruturais”,

como lideranças e memória histórica, podem ser determinantes para a manutenção da

estabilidade.

No sentido de antecipar as dinâmicas do pós-Guerra Fria, Friedberg propõe-se a

analisar os fatores “não-estruturais” que influenciaram sistemas multipolares anteriores.

Ao debruçar-se sobre a Europa, Friedberg refere que as mudanças internas apontadas

por Stephen Van Evera em muito podem explicar a relativa estabilidade de uma Europa

multipolar. Em primeiro lugar, a consolidação democrática europeia anuncia que “há

boas razões para esperar que a Europa seja pacífica” (Friedberg, 1993/94: 11),

sobretudo se a tese de Michael Doyle se confirmar. Em segundo lugar, a sólida estrutura

sócio-económica, que se reflete no bem-estar material e elevados níveis de vida dos

europeus, contribui, em certa medida, para a estabilidade das sociedades democráticas

(cf. Van Evera in Primed for Peace). Por fim, as mudanças culturais na Europa

Ocidental são enaltecidas por Jervis, em The Future of World Politics e Van Evera em

Primed for Peace, que relacionam a falta de confrontos territoriais à mudança de

valores: “we may now be seeing … the triumph of interests over passions”; “dramatic

decline of nationalist propaganda, especially in European schools” (Jervis cit. por

Friedberg, 1993/94: 12).

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Ainda assim, “não é só da mudança de natureza dos Estados europeus que se espera

que sejam contrabalançados os efeitos da multipolaridade, [o mesmo se espera] das

interligações económicas, institucionais e culturais que os unem” (Jervis cit. por

Friedberg, 1993/94: 12). De facto, a interdependência económica poderá reduzir a

propensão para o conflito e, por conseguinte, poderá contribuir de forma significativa

para a manutenção da paz (Jervis cit. por Friedberg, 1993/94: 12). Para além da

interdependência económica, os países europeus aprofundaram as suas relações por via

da institucionalização. As vantagens de que poderão provir da participação dos Estados

em instituições internacionais são, em poucas palavras e de forma muito assertória,

explicadas por Hoffmann, Mearsheimer e Keohane (1990: 193): “Insofar as states

regularly follow the rules and standards of international institutions, they signal their

willingness to continue patterns of cooperation, and therefore reinforce expectations of

stability”.

A interligação cultural desempenha um papel crucial na definição da identidade

coletiva. O sentido de “diferenciação cultural” partilhada por europeus facilitou a

criação de regras de conduta por parte das potências europeias e a edificação de

instituições internacionais (cf. Hedley Bull, The Anarchical Society, 1977, p 33-38).

Para além dos motivos enumerados (natureza dos Estados e as interligações

económicas, institucionais e culturais, ou linkages), Friedberg refere ainda a variável

dos custos e benefícios que, segundo o próprio, deveria reduzir o receio do regresso à

multipolaridade. As razões para crer que o recurso à guerra será cada vez menos

provável, do ponto de vista dos recursos, são bastante óbvias: “(…) the Industrial

Revolution brought with it tremendous increases in the destructiveness of weaponry and

warfare, culminating in the advent of nuclear explosives. By raising the costs of war

between nations that possess them, these terrible implements of destruction have helped

to reduce its likelihood” (Friedberg, 1993/94: 14). Não só os Estados passaram a

agregar sentimentos nacionalistas que se alargaram até às regiões limítrofes e que

ajudaram a consolidar as respetivas identidades nacionais, como passaram a ter maiores

encargos do ponto de vista da providência. A principal fonte de riqueza passou da

agricultura para a indústria, contribuindo significativamente para a desvalorização de

conquistas territoriais11

, tornando os benefícios de guerra na Europa menos

compensatórios.

11

Cf. Carl Kaysen, “Is War Obsolete?” International Security, vol. 14, nº. 4 (Primavera 1990).

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31

Jervis conclui que a influência da polaridade do sistema internacional não é

suficiente para explicar a paz europeia. A presente investigação propõe-se a avaliar a

validade das mesmas preposições no Nordeste Asiático, mediante a validação empírica

que se desenvolverá nos próximos capítulos.

A pertinência desta análise prende-se também com o facto de haver poucas razões

para acreditar que a Europa será o futuro de outras regiões, visto que a regionalização

está a formar diferentes regionalismos que podem ser categorizados de forma diferente.

Do ponto de vista global e estruturalista, a distinção pode ser feita entre três tipos de

regiões: as centrais (core regions Ŕ constituídas pela Europa, América do Norte e Ásia

Oriental, que formam uma Tríade), as intermédias e as periféricas. A Europa tornou-se o

paradigma da regionalização; os EUA, Canadá e México representam o núcleo-duro da

América do Norte e estão organizados na NAFTA. A Ásia Oriental, como

comprovaremos ao longo da dissertação, é marcada por baixos níveis de integração

institucional, sobretudo na área da segurança, embora haja uma compensação em termos

de interligação económica transnacional, daí a região ser muitas vezes conhecida como

um regionalismo de facto, enquanto a UE é conhecida como um regionalismo de jure

(Marry Ferrel et. al., 2005: 277).

Ainda sobre a estabilidade do sistema internacional no pós-Guerra Fria, e apesar do

momento unipolar que se seguiu à queda do Muro de Berlim, Waltz alertou que “à luz

da teoria estrutural, a unipolaridade aparece como a configuração internacional menos

durável” (Waltz, 2000: 28), por duas razões:

1. O poder dominante encarrega-se de demasiadas tarefas além-fronteiras, o que

conduz ao seu enfraquecimento a longo prazo;

2. Mesmo que um poder dominante se comporte com moderação, contenção e

paciência, os Estados fracos ficarão preocupados com o seu comportamento futuro.

Waltz prossegue o seu argumento afirmando que, quando alguns Estados são

confrontados com um balanço de poderes desequilibrado, tentam “aumentar a sua força

ou aliam-se a outros [Estados] para equilibrar a distribuição internacional de poder”

(Waltz, 2000: 28). Alguns exemplos que ilustram o seu ponto de vista vão desde Carlos

de Habsburgo (Carlos I de Espanha), Luís XIV e Napoleão I em França, Guilherme II e

Hitler na Alemanha.

Ao longo da História Moderna, a atenção da política internacional centrou-se no

continente europeu mas, atualmente, depois de ter sido palco de duas guerras mundiais,

especula-se se voltará a ser uma grande potência: “Entretanto, a inevitável transição da

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32

unipolaridade para a multipolaridade está a ter lugar não na Europa, mas na Ásia”

(Waltz, 2000: 32).

1.2. O Nordeste Asiático nas Relações Internacionais

A literatura dedicada ao tema em debate é bastante consensual ao criticar o

tratamento incipiente que a Teoria das Relações Internacionais tem merecido na região

da Ásia-Pacífico.

G. John Ikenberry e Michael Mastanduno, logo no capítulo inaugural do compêndio

International Relations Theory and the Asia-Pacific esclarecem que apesar do crescente

interesse dos alunos de Relações Internacionais pelo período pós-Guerra Fria na Ásia-

Pacífico, os debates sobre as relações da Ásia-Pacífico tendem a ser sub-teorizados

(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 1). Os autores apontam como desafio o facto de se

procurar explicar o comportamento de países como a China, Japão ou Coreia tendo por

base o pensamento político ocidental, que deriva da sua própria experiência histórica.

O problema da sub-teorização é também apontado por David Kang: “European-

derived theories in general and realist theories in particular frequently have difficulty

explaining Asia international relations” (Kang, 2003-04: 165).

A abordagem neo-realista de Waltz centra-se na distribuição de poder para estudar o

comportamento dos Estados e as suas relações de segurança. Deste modo, o seu enfoque

dirige-se sobretudo ao papel dos EUA, ao poder crescente da China, ao potencial militar

japonês e ao declínio da influência russa. Se seguirmos o pensamento waltziano, estes

elementos de investigação têm um impacto significativo para explicar a estabilidade no

Nordeste Asiático (Cui, 2007: 28).

Os realistas têm dominado o debate sobre a segurança no Nordeste Asiático, ao

argumentarem que os Estados, enquanto unidades racionais na anarquia internacional,

são forçados a “maximizar poder, segurança e influência” (Kim, 2004: 18). Por outras

palavras, a segurança é a prioridade central na ordem anárquica e os Estados têm como

principal preocupação manter-se no sistema através do poder político. Daí que um

argumento que joga em favor dos realistas na explicação da estabilidade da Ásia

Oriental é o de que o Estado continua a ser a principal referência de segurança.

Segundo a perceção realista, os sistemas políticos seguem dois princípios

ordenadores: hierarquia, no caso dos sistemas domésticos e anarquia, no sistema

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internacional, uma vez que não existe uma autoridade universal e consensual que regule

o comportamento dos Estados (Waltz 1979: 88-93).

A teoria do poder hegemónico constitui uma das explicações realistas para

compreender a estabilidade na Ásia Oriental. Enquanto regional balancer, os EUA

gerem as crises de desconfiança, nomeadamente entre a China e o Japão: “O Japão

encara os EUA como forma de manter a China controlada e a China vê os EUA como

mecanismo que previne que o Japão adquira uma política externa e de segurança

independente” (Michael Yahuda, 2004: 343 cit. por Tomé, 2010: 69).

Podemos ainda destrinçar as leituras da realidade asiática por parte do Realismo

Ofensivo e do Realismo Defensivo. Enquanto o primeiro defende que as potências

emergentes, como a China, tendem a procurar um estatuto de poder hegemónico de

modo a salvaguardar a sua sobrevivência, o segundo considera que os Estados tendem a

ser maximizadores de segurança, e não maximizadores de poder. Neste caso, o

Realismo Defensivo olha com desconfiança para um tipo de estabilidade hegemónica,

preferindo a bipolaridade como estrutura internacional capaz de garantir paz e

estabilidade. Robert Ross, por exemplo, sustenta que há uma estrutura bipolar em

emergência na Ásia-Pacífico, em que os “Estados Unidos são o poder marítimo

dominante e a China o poder continental” (Ross, 1999: cit. por Peou in Beeson e

Stubbs, 2012: 277).

Os liberais são mais otimistas quanto à possibilidade da paz prevalecer no Nordeste

Asiático, devido à esperança que os liberais institucionalistas depositam na

interdependência económica e no papel das organizações internacionais para a redução

das incertezas e para que os Estados possam perseguir os seus interesses de uma forma

mais eficiente, do ponto de vista dos custos (Kim, 2004: 30). Por outro lado, o fim da

Guerra Fria foi contemporâneo de uma nova onda democrática e a constatação de uma

forte e duradoura correlação entre democracias liberais e garantias de estabilidade. A

tese de Michael Doyle da Paz Democrática começou a ganhar adeptos.12

Assim, a relativa estabilidade da Ásia Oriental explica-se, segundo o liberalismo,

com fatores como a interdependência económica (Kent e Calder, 2004) e a existência de

12

Kenneth Waltz contesta esta tese explicando que, não sendo possível alterar a estrutura internacional do

sistema com alterações domésticas dos estados (Waltz, 2000: 8 e 10), a paz resulta de um equilíbrio difícil

de alcançar entre estrutura interna e externa do sistema. Waltz faz questão de mencionar que até para

Kant, a Paz Perpétua era hipotética e que a tese de estados democráticos não entrarem em conflito com

outros estados democráticos não é assim tão linear (Waltz, 2000: 8 e 10).

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instituições na região, que também é vista como um indicador de abertura à cooperação

e diplomacia preventiva.

Já o construtivismo procura compreender a estabilidade asiática baseando-se no

peso da História e em fatores sócio-culturais.

Wendt desafia a perpetuação do sistema anárquico, alegando que a transformação

estrutural é possível.13

Segundo o autor, a teoria sistémica de Waltz foca-se apenas num

lado da relação agente-estrutura. Wendt argumenta que agente e estrutura são

mutuamente constitutivos: “the structure of the system and the structure of the

component units are one and the same thing, because the system and the units are

mutually constituted”. Portanto, é impossível “to talk about the structure of the

international system without simultaneously talking about the identity and interest of the

component units” (Buzan e Little, 2000: 42).

A Teoria das Relações Internacionais de Waltz e a Teoria Social das Relações

Internacionais de Wendt representam, respetivamente, uma abordagem materialista e

social. Enquanto para a estrutura idealizada por Waltz, a distribuição de poder é o factor

dominante, para a estrutura Wendtiana, as identidades e interesses das unidades

componentes são mais importantes (Cui, 2007: 35). Exemplificando com a diferença de

significado que o poder militar dos EUA tinha para o Canadá e para Cuba, apesar das

mesmas posições “estruturais”, Wendt conclui que os Estados agem de maneira

diferente para com os inimigos, pois “enemies are threatening and friends are not”

(Wendt, 1992: 396). A afirmação serve para explicar que, apesar da importância da

distribuição de poder no sistema internacional, esta pode não ser suficiente para avaliar

o comportamento dos Estados, já que também são afetados por cálculos subjetivos,

diretamente relacionados com a questão da sua identidade e dos seus interesses. Para o

problema em análise, a pertinência desta abordagem prende-se com a alteração do

paradigma de segurança no Nordeste Asiático: “while no one could deny the importance

of the rise of China, dynamic changes in the security outlook in Northeast Asia may be

influenced more by the ways in which the various regional actors identify with each

other” (Cui, 2007: 36).

A formação de uma identidade coletiva é crucial para que haja uma alteração

estrutural. As quatro variáveis que podem causar a identidade coletiva, segundo Wendt

13

O Realismo é céptico em relação à mudança do sistema internacional. Segundo Waltz, “The enduring

anarchic character of international politics accounts for the striking sameness in the quality of

international life through the millennia” (Waltz, 1979: 66).

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35

são a interdependência, o destino comum, a homogeneidade e auto-domínio (self-

restraint) (Cui, 2007: 36) O sentimento de pertença pode proporcionar aos atores o

interesse pela preservação da sua cultura (Cui, 2007: 38).

Tendo em consideração a região em estudo, alguns autores, como Gilbert Rozman

(2004), apontam o problema da identidade nacional como um impedimento no processo

de formação de um “Novo Regionalismo” no Nordeste Asiático. O argumento realista

sobre a natureza anárquica do sistema internacional e o argumento liberal ligado à

satisfação dos próprios interesses deixam assim de ser as únicas variáveis que explicam

os limites do regionalismo asiático.

As três perspectivas teóricas retratadas procuram explicar o poder recorrendo a

diferentes níveis de análise. Contudo, como defendem vários analistas do complexo de

segurança asiático (Katzenstein, Alagappa, Kim), as questões levantadas na introdução

da presente dissertação não podem ser devidamente tratadas sem a referência a factores

materiais, institucionais e ideacionais (ou históricos): “all three analytical paradigms

offer some insights into the various issue áreas of Northeast Asia foreign policies, but

none provides a completely satisfactory explanation of Northeast Asia international

politics as a whole” (Kim, 2004: 51). Samuel Kim expressa a sua preferência pelo

Ecleticismo Analítico Ŕ “The synthetic interaction approach directly tackles the

important yet understudied gaps between the different cultures of academe and

government and between theory and practice in international relations. (…) Such

synthetic interactive analyses of the many empirical puzzles and behavioral anomalies

underlying the foreign policies of Northeast Asia states can be constructed through

combining realist, liberal, and constructivist modes of explanation”(Kim, 2004: 51).

Já em 1959, longe de adivinhar os novos contornos do sistema internacional, Waltz

admite a insuficiência de aplicar apenas uma “imagem” na análise de questões

internacionais, por contribuir com uma explicação parcial do problema: “The

prescriptions directly derived from a single image [of international relations] are

incomplete because they are based upon partial analyses. The partial quality of each

image sets up a tension that drives one toward inclusion of the others…One is led to

search for the inclusive nexus of causes.” (Waltz, 1959 cit. por Oxford, 109). Waltz

“reconhece que a teoria realista pode resolver alguns, mas não todos os problemas”

(1986: 331).

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Um dos grandes percursores da teoria realista concede-nos, assim, a chave para

compreender a utilidade da abordagem inclusiva a que chamamos, nesta dissertação,

Ecleticismo Analítico.

Também Morgenthau, a seu tempo, sublinhou as limitações da aplicação particular

de uma perspectiva teórica: “Most theories of international relations (…) provide a

respectable protective shield behind which members of the academic community may

engage in noncontroversial theoretical pursuits. International relations in our period of

history are by their very nature controversial. They require decisions concerning the

purposes of the nation and affecting its chances for physical survival. By dealing with

the subject matter but not with the issues underlying these decisions, a theory can

appear to contribute to the rationality of the decision without actually doing so”

(Morgenthau, 1970: 247, cit. por Reus-Smit e Duncan, 2008: 119).

Paralelamente, em Security Politics in the Asia-Pacific – A Regional-Global

Nexus?, William Tow refere que “Non of the major and contending approaches in

international relations theory Ŕ realism, liberal-institucionalism or constructivism Ŕ is

sufficient to effectively embrace this range of transnational security dilemmas” (Tow,

2009: 3).

O debate entre neorrealistas e neoliberais continuou a dominar a atenção da

comunidade académica internacional, mesmo depois das transformações que derivaram

do fim da Guerra Fria.

No caso da Ásia, David Kang, ao estudar o crescimento chinês, prefere procurar

“interconexões entre fatores causais” do que “isolar um factor em detrimento de outros”

(Kang cit. por Reus-Smit e Duncan, 2008: 120). Na sua análise, Kang vai em busca de

justificações para a tendência de bandwagoning e não de balancing, por parte dos países

da Ásia-Pacífico (talvez à excepção do Japão) em relação à China. Para além de ter em

conta as capacidades (absolutas e relativas) e as políticas internas, Kang não ignora a

memória histórica da região: “uma China fraca e fragmentada criou problemas à

vizinhança, enquanto uma China próspera fê-los beneficiar” (Kang cit. por Reus-Smit e

Duncan, 2008: 120).

A interpretação de David Kang desafia as teorias existentes (sejam elas realistas,

liberais ou construtivistas) que focam certos factores, em detrimento de outros, para

caracterizar o crescimento chinês como um problema à estabilidade da Ásia-Pacífico.

Também Sorpong Peou defende a aplicação da análise eclética aos Estudos

Asiáticos: “Realism alone cannot explain why Japan remains pacifist and why ASEAN

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states engage in institution-building and soft-balancing. Liberalism alone cannot explain

regional peace and stability, despite the limits of institutionalization. Eclecticism

combines the theoretical insights of realism (power), liberalism (efficiency) and

constructivism (identity) to explain regional peace and stability in the Asia-Pacific.”

(Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 283).

Em suma, ao olhar com desconfiança para as certezas que derivam exclusivamente

de um paradigma, uma análise eclética permite que se estabeleçam conexões complexas

e multifacetadas entre poder, interesse e identidade.

Bandwagoning e Balancing

Em 1994, Randall L. Schweller questionava se “os Estados alinhavam mais com o

lado mais fraco ou forte do conflito” (Schweller, 1994: 72), colocando em confronto os

conceitos de bandwagoning e balancing, Schweller recusa a ideia de que os Estados

tendem a procurar bandwagoning por oposição a balancing: a diferença, para o autor,

reside no facto do primeiro procurar oportunidades de ganho, enquanto o segundo se

move pelo desejo de evitar perdas (Schweller, 1994: 74).

A dinâmica de bandwagoning é apresentada, pelo autor, como uma forma de

feedback positivo14

, que acontece mais frequentemente do que se possa pensar (cf. Walt

e Waltz), já que envolve poucos ou mesmo nenhuns custos, e há expectativa de ganho.

Ainda no artigo “Hierarchy, Balancing, and Empirical Puzzles in Asian International

Relations”, David Kang relembra que os analistas das Relações Internacionais devem

ser prudentes ao testar empiricamente as teorias clássicas das relações internacionais e

que devem “levar a sério a possibilidade de diferentes regiões no mundo serem, de

facto, diferentes” (Kang, 2004: 166). O facto de se ter verificado o fenómeno de

balancing na Europa, não significa que o mesmo se demonstre “homogeneamente

distribuído” por todas as regiões, incluindo a Ásia. Deste modo, Kang propõe-se a

investigar o tipo de comportamento (bandwagoning ou balancing) que a Ásia mais tem

evidenciado.

A célebre passagem de Kenneth Waltz Ŕ “ [seria] tão ridículo construir uma teoria

das relações internacionais baseada na Malásia ou na Costa Rica (…). Uma teoria geral

de relações internacionais é necessariamente baseada nas grandes potências” (Waltz,

14

Ao contrário do comportamento de balancing, visto que tem por objectivo prevenir o desequilíbrio do

sistema ou, caso a deterrence falhe, restaurar o equilíbrio de poderes.

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1979: 105) foi aproveitada por Kang para sustentar o argumento de que a tese da

balança de poderes defendida por Waltz, ao focar-se em “a few big things” (nos EUA e

na URSS, em particular), pode explicar estabilidade da Guerra Fria entre duas grandes

potências (variável dependente), mas não é capaz de explicar a razão pela qual os países

asiáticos não estão a contrabalançar o poder da China, à semelhança do que os EUA e a

Rússia fizeram até à viragem da década de 1990.

Bandwagoning ou, pelo menos, consentimento pelo statu quo por parte de Estados

secundários é uma característica central da hierarquia 15

(Kang, 2004: 172): ao contrário

das previsões realistas de que os Estados secundários teriam receio de contrabalançar o

poder dominante, numa hierarquia os Estados secundários passam para o seu lado com

o objetivo de sair beneficiado. No fundo, trata-se do fenómeno a que Scweller chama

“balancing for security and bandwagoning for profit” (Kang, 2004: 172).

Apesar de Waltz categorizar “Hierarquia” e “Anarquia” em extremos opostos (como

se não pudessem coexistir uma vez que, segundo o próprio, o sistema internacional é

anárquico), David Kang defende que a noção de “Hierarquia” encontra-se

suficientemente consolidada na literatura de Relações Internacionais e que a teoria de

balancing não deve ser a hipótese-padrão: “Balancing é o resultado esperado sob certas

condições (por exemplo, quando há um número reduzido de grandes potências).” Por

outro lado, a hierarquia e bandwagoning são os efeitos prováveis quando há um poder

(Estado) dominante no sistema (Kang, 2004: 173). O objetivo do trabalho passa também

por estudar o tipo de comportamento que se tem vindo a verificar no Nordeste Asiático,

e que será desenvolvido em capítulos posteriores.

Em suma, Kang sugere que a Ásia pode assumir uma ordem regional hierárquica,

em que os Estados terão mais propensão para comportamentos de tipo bandwagoning

do que balancing. Em adição, se recorrermos ao Choque de Civilizações para analisar o

crescimento da China, Huntington defende que os países asiáticos preferirão

bandwagoning a balancing contra a China, o que significará um regresso ao passado

sino-cêntrico da Ásia e não ao passado multipolar da Europa (Hungtington, 1996: 238).

15

O conceito “hierarquia” tem por base a teoria realista de Kenneth Waltz, que define uma ordem

hierárquica como um sistema no qual “os atores políticos são formalmente diferenciados de acordo com

os respectivos graus de autoridade” (Waltz, cit. por Keohane, 1986: 73). Neste campo, será pertinente

referir o contributo de David Lake em “Beyond Anarchy: The importance of Security Institutions” (in

International Security, Vol. 26, n.º 1 (Verão 2001), p 129-160) para a definição de sistema hierárquico

em matéria de Relações Internacionais, uma vez que traça quatro tipos de instituições hierárquicas:

esferas de influência, protetorados, impérios informais e impérios.

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Ecleticismo Analítico

“Nenhuma teoria geral (neorrealismo, neoliberalismo, construtivismo) pode explicar

totalmente as preocupações e comportamento dos Estados asiáticos” (Allagappa, 2003:

xiii). A interdependência do Nordeste Asiático é demasiado complexa e encontra-se

emaranhada na respetiva memória histórica, processos de state e nation-building e

problemas de legitimidade política (Allagappa, 2003: xiii).

Em Relações Internacionais, as regiões têm sido estudadas à luz de pelo menos três

teorias: as teorias clássicas da geopolítica, que se focam na base material das regiões

(ex. a natureza do terreno ou os imperativos do poder da terra/mar determinam os

meandros da política internacional); as teorias ideacionais da geografia, que sustentam

que as regiões são formadas política e culturalmente; e as teorias comportamentais da

geografia, que defendem que a distância espacial tem um impacte directo no

comportamento dos Estados.

As três teorias conferem uma ajuda importante para o estudo das regiões, mas,

isoladamente, não conseguem explicar de forma satisfatória o papel das regiões nem o

respetivo comportamento dos atores internacionais. (Reus-Smit e Duncan, 2008: 124).

Numa lógica pluridisciplinar, a análise eclética pode enriquecer a sua abordagem

recorrendo à Geografia. “Foi o que fez Katzenstein (2005) para compreender as

diferenças entre a Europa e a Ásia no contexto do “imperium” americano” (Reus-Smit e

Duncan, 2008: 124).

Alagappa prossegue na sua defesa por uma abordagem eclética, afirmando que “a

aderência dogmática a uma única teoria ou tradição pode conduzir a uma interpretação

errada do problema (…)”. Não quer isto dizer que “tudo é importante” ou que se vá

simplesmente “justapor diferentes visões”: “(…) O Ecleticismo Analítico não

corresponde a uma teoria ou tradição geral, mas antes a uma abordagem explicativa que

se baseia no conhecimento de outras teorias” (Allagappa, 2003: xiii).

O Ecleticismo Analítico é abordado por Katzenstein e Okawara no artigo “Japan,

Asian-Pacific Security and the Case for Analytical Eclecticism”16

, no qual certificam

que “os analistas que se focam exclusivamente nas capacidades materiais, eficiências

institucionais ou normas e identidades, negligenciam aspetos-chave da evidência”

(Katzenstein e Okawara, 2001: 154). Na alínea dedicada à análise da segurança

16

In International Security, vol. 26, n.º 3 (Inverno 2001/2002).

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japonesa e da Ásia-Pacífico, os autores argumentam que “o bilateralismo robusto e o

multilateralismo incipiente” das respetivas políticas de segurança não podem ser

explicadas por uma única perspetiva analítica, pois resultam de uma combinação de

poder, interesse e identidade (Katzenstein e Okawara, 2001: 164).

Em Portugal, o recurso à abordagem eclética nos estudos asiáticos é bastante

recente. Na sua tese doutoral, Luís Tomé elogia o Ecleticismo e aponta os limites das

abordagens tradicionais, que “potenciam o distanciamento entre a abstração teórica e a

realidade, tanto mais quando se pretende analisar e explicar factos e comportamentos

não-Ocidentais” (Tomé, 2010: 76).

Se as tradições de pesquisa promoverem a complementaridade dos argumentos, em

vez de competirem entre si, talvez as Relações Internacionais viessem a beneficiar desse

pluralismo. Tal como Katzenstein e Sil (2004: 7-17) argumentam, se triangularmos

realismo, liberalismo e construtivismo, deparar-nos-emos com variações que convergem

nos “vértices do triângulo, esbatendo certos preconceitos de exclusividade, de monismo

e de incompatibilidade de diversas teorias”(Tomé, 2010: 77).

Em vez de análises approach-driven, Katzenstein e Okawara apostam numa análise

voltada para a resolução de problemas (“problem-driven research”), que representa uma

mais-valia no estudo de “anomalias empíricas” que se verificam à luz de qualquer teoria

clássica (Katzenstein e Okawara, 2001: 183). Também no capítulo “Rethinking Asian

Security: A Case for Analytical Eclecticism”, Peter Katzenstein e Rudra Sil, elogiam o

valor acrescentado da análise eclética, que não negligencia as teorias clássicas mas

compromete-as a encontrar ligações conceptuais e empíricas, reconhecendo assim a

complexidade da vida internacional (Katzenstein e Sil em Reus-Smit e Duncan, 2008:

Figura 1 Tradições de Pesquisa e Pontos Convergentes (Fonte: Katzenstein e Sil, 2001: 9)

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118-119). A análise eclética não deve ser tomada como uma síntese teórica, uma vez

que não procura desmantelar as abordagens existentes e construir “um novo sistema

unificado de conceitos, assunções e princípios analíticos” que explique os problemas da

realidade internacional (Katzenstein e Sil em Reus-Smit e Duncan, 2008: 118-119).

Este tipo de abordagem poderá constituir-se como uma ferramenta muito útil ao

encorajar alunos e investigadores de Ciência Política e Relações Internacionais a

identificar questões interessantes e testar explicações alternativas, sem que fiquem

amarrados a debates teóricos muitas vezes repetitivos e inconclusivos. “O Ecleticismo

protege-nos de naturalizarmos assunções paradigmáticas sobre o mundo. Encara com

desconforto as certezas que derivam de um único paradigma (…). Teoria e Política são

melhor servidos pelo Ecleticismo” (Katzenstein e Okawara, 2001: 185). Neste contexto,

a fundação pragmática da análise eclética é conveniente num campo de atuação como a

especialidade de Estudos Políticos de Área.

Mesmo que à partida, as premissas de construções realistas, liberais e construtivistas

pareçam incompatíveis, podem ser transformadas, de forma produtiva, em lentes de

análise voltadas para a resolução de problemas. Alguns autores (Jick 1979; Tarrow

1995) defendem a triangulação de métodos como um meio para conseguir

conhecimento mais credível. Os riscos de incoerência justificam-se pelos potenciais

benefícios resultantes de uma melhor compreensão de problemas de investigação

(Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 5).

Não existe uma fórmula predefinida que conjugue todas as variáveis numa teoria

unificada: “O Ecleticismo distingue-se sobretudo pela articulação de problemáticas mais

complexas que enfatizam as ligações entre resultados estipulados em puzzles estudados

por diferentes tradições de pesquisa, e pelo desenho de esboços explicativos que

incorporam dados, interpretações e lógicas causais de pelo menos duas tradições

distintas” (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 16-17).

Alguns destes esboços ajudar-nos-ão a compreender os contextos em que as

capacidades materiais foram determinantes para os resultados, ou em que as crenças

individuais desempenharam um papel preponderante ou mesmo contextos em que as

normas coletivas tenham sido de importância vital (Suh, Katzenstein e Carlson, 2008:

18). Katzenstein e Sil acreditam que o Ecleticismo Analítico tem a capacidade de

reconhecer, com maior facilidade, aspectos escondidos da realidade social: “the best

case for progress in the understanding of social life lies in (…) the expanding fund of

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insights and understandings derived from a wide variety of theoretical inspirations”

(Rule cit. por Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 19).

Quando a Guerra Fria acabou, o futuro da Ásia deslumbrava-se bem diferente aos

olhos de otimistas e pessimistas. Se para os primeiros, o cenário teria contornos

antagónicos ao passado europeu, pelo interesse alargado em manter a estabilidade

regional, para os segundos, o conflito seria endémico, pela questão da rivalidade

histórica.

A tentativa de preservar a teoria realista no pós-Guerra Fria conduziu a cenários

exageradamente pessimistas para a Ásia (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e

Carlson, 2008: 21) “in the long-run it is Asia (and not Europe) that seems far more

likely to be the cockpit of great power conflict. The half millennium during which

Europe was the world‟s primary generator of war (and economic growth) is coming to a

close. For better and for worse, Europe‟s past could be Asia‟s future.” (Friedberg

1993/94: 7).

No entanto, e apesar da perpetuação de diversos tipos de tensão, a Ásia não entrou

em guerra nem assistiu à repetição de episódios de limpezas étnicas e conflitos

sangrentos Ŕ como acabaram por se verificar no continente europeu. Não quer isto dizer

que as premissas realistas revertem, necessariamente, em resultados negativos; o

problema consiste na simplificação resultante da aplicação dos conceitos realistas aos

dilemas de segurança e estratégias dos países asiáticos, em nome da consistência da

visão realista (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 21).

Katzenstein e Sil alertam sobre o perigo de se estender à Ásia a leitura realista

centrada na experiência europeia: “Ao contrário da Europa, a história do sistema de

Estados na Ásia foi marcada, durante séculos, pelo princípio da suserania.” (Katzenstein

e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23). Além disso, grande parte dos Estados

asiáticos viveu a experiência colonialista sem grandes relações com as potências

imperialistas europeias. Até mesmo em termos económicos, é difícil estabelecer

paralelismos entre as pioneiras economias liberais e industrializadas, na Europa, e as

economias “late industrializers” de Estados em formação, na Ásia. No mesmo

raciocínio, lembram os autores de “Rethinking Asian Security – A Case for Analytical

Eclecticism”, o efeito mais importante das instituições internacionais na Ásia é o de

manter a ambiguidade sobre o propósito do coletivo, ao mesmo tempo que conseguem

garantir a eficiência dos seus objetivos (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e

Carlson, 2008: 23).

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43

Os liberais não se vêem livres de críticas por parte de Katzenstein e Sil. No mesmo

artigo, os autores argumentam que, do ponto de vista dos liberais, o exponencial

crescimento asiático era um dado adquirido, embora a crise que abalou o Japão na

década de noventa, à data, a maior economia asiática, tenha vindo a demonstrar que

estavam errados (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 22)

Também os construtivistas poderão ter exagerado na declaração da emergência de

novas identidades coletivas no início dos anos noventa, quando a ASEAN dava os

primeiros passos no sentido de uma comunidade de segurança. Tal revelação tornou-se

obsoleta quando assistimos a uma resposta ineficiente por parte da organização perante

a crise económico-financeira de 1997 (Acharya cit. por Katzenstein e Sil em Suh,

Katzenstein e Carlson, 2008: 23).

Naturalmente, as tradições de pesquisa realistas, liberais e construtivistas recairão

sobre a possibilidade de se deflagrarem conflitos militares, sobre o crescimento

económico da Ásia e sobre as diferentes vertentes dos nacionalismos (Katzenstein e Sil

em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23). Contudo, o complexo de segurança asiático

obriga-nos a alargar os horizontes do debate criado em torno dos fatores que moldam a

ordem asiática, longe de adotar uma visão Ocidental ou Orientalista do que é o Ocidente

ou o Oriente. Como Weber afirma, a realidade política deve ser estudada, por definição,

em relação ao contexto dos atores envolvidos, requerendo, assim, “um multilinguismo

teórico baseado na desnaturalização dos assuntos e conceitos implantados nas tradições

de investigação existentes” (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23).

O pragmatismo, pós-positivista, que acompanha a análise eclética, não gerará

propriamente os mais elegantes modelos de investigação nem a narrativa mais rica, mas

pode permitir a consideração simultânea de uma ampla variedade de afirmações

analíticas, interpretativas e observacionais, extraídas de diversos contextos sociais e

com diferentes níveis de abstração (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson,

2008: 32).

Deste modo, o Ecleticismo Analítico contribui para o que Thomas Fararo apelidou

de “espírito de unificação”, o estado de espírito intelectual difuso, necessário à

consideração de possibilidades combinatórias que têm produzido, não raras vezes,

avanços inesperados e entendimentos comuns de progresso na história da ciência

(Fararo citado por Katzenstein e Sil in Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 32). Como já

foi referido anteriormente, a grande vantagem do Ecleticismo Analítico não passa pela

substituição ou subestimação das diversas tradições de pesquisa; em vez disso, procura

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fomentar o diálogo científico entre as diversas escolas de pensamento das relações

internacionais em geral, e dos estudos de segurança em particular.

O conceito “segurança” no contexto asiático deve ser explorado à luz da sua

história, e por isso vai além do entendimento generalizado de defesa militar das

fronteiras terrestres. As dimensões sociais e económicas ganham um peso significativo

na redefinição do complexo de segurança asiático.

Muthiah Alagappa edita dois livros (1998, 2003) que abordam a questão das teorias

das relações internacionais procurarem explicar as dinâmicas relacionais entre poder

material, perceções ideacionais e construção da ordem (“order-building”) na Ásia

(Tow, 2009: 5). As obras de Alagappa tiveram o propósito de estabelecer uma ponte

entre a Teoria das Relações Internacionais e os Estudos de Área, socorrendo-se de

evidências empíricas bem fundamentadas. O nível de análise regional ganha

protagonismo sobre as dinâmicas de segurança globais, em grande parte devido à

relevância que as potências regionais asiáticas ganharam no fim da Guerra Fria e à

intensificação das relações de interdependência intra-regional.

A complexidade política das relações internacionais asiáticas não se consegue

explicar se o enfoque teórico se dirigir exclusivamente sobre o comportamento dos

Estados com base na identidade, na distribuição das capacidades militares ou nas

instituições regionais (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 26). O

objetivo desta dissertação passa pela tentativa de compreender de que forma o poder, os

interesses económicos e as identidades afetam o comportamento dos Estados do

Nordeste Asiático, de uns em relação a outros.

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2. Da velha à nova ordem internacional

2.1. O Sino-centrismo da Ásia Oriental

“Durante mais de dois mil anos, a China esteve no centro da ordem

internacional da Ásia Oriental, dominando e/ou influenciando política,

económica e culturalmente os povos vizinhos e os destinos da macro-

região.” (Tomé, 2010: 94)

Antes da adoção do modelo vestefaliano, a Ásia Oriental foi marcada por um

passado sino-cêntrico, que consistia num sistema hierárquico de relações internacionais

em que grande parte dos países da região deveria prestar vassalagem à China,

refletindo-se num sistema tributário “que não assentava em tratados formais mas num

entendimento pessoal implícito de obrigação” (Tomé, 2010: 95). “Os tributários

reconheciam a superioridade da China e, em contrapartida, a China reconhecia a sua

independência, não interferindo nos seus assuntos internos e dando-lhes assistência

quando necessário. A China retinha, contudo, o direito de intervir, na premissa de que o

céu separa os territórios mas não os povos e que o imperador tinha e exercia autoridade

sobre todos” (Tomé, 2010: 95).

Por volta do século XIV, o sistema tributário encontrava-se institucionalizado

bem como a ordem hierárquica da Ásia Oriental, que era percecionada como uma

qualidade necessária na manutenção de uma paz duradoura na região. Os Estados

circundantes aceitavam o estatuto hegemónico da China e “beneficiavam do sistema”

(Kang em Beeson e Stubbs, 2012: 62).

David Kang sugere o termo Sociedade Confuciana para se referir à China,

Coreia, Vietname e Japão enquanto grupo de auto-consciência política que partilha as

mesmas normas, ideias e interesses. O Japão representava a zona limítrofe desta

sociedade na medida em que era o mais hesitante em aceitar o domínio chinês e a sua

posição central (Kang em Beeson e Stubbs, 2012: 62).

A esta designação de Kang, podemos dizer que Luís Tomé faz corresponder a

Zona Sínica, que compreende a Coreia, o Vietname, as Ilhas Ryukyu (Okinawa) e o

Japão17

. Kang faz referência às tribos nómadas (mongóis, quitãs, uigures e outros), que

se distinguem dos Estados sinizados da Sociedade Confuciana sobretudo pela

17

Embora o Japão apenas tenha pertencido à Zona Sínica temporariamente, em particular entre o século

VI e IX, e sobretudo por via cultural (Henshall (2004) cit. por Tomé, 2010: 98).

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identidade cultural, mas que ainda assim não deixam de aceitar a ordem sinocêntrica.

Paralelamente, Luís Tomé fala em Zona Próxima, para se referir ao Tibete e outros

povos nómadas e semi-nómadas da Ásia Central e ainda em Zona Distante, que

compreendia as unidades mais distantes do Sudeste Asiático, da Ásia do Sul, do Médio

Oriente, África, eventualmente, o próprio Japão e, mais tarde, a Europa (Alagappa,

1998: 68 cit. por Tomé, 2010: 94-95) (Anexo 3).

A supremacia chinesa assentava em dois fundamentos principais: o primeiro, de

carácter material, baseava-se no facto de a China se constituir como “o único Estado

capaz de projetar poder hegemónico” (Moon e Chun em Alagappa, 2003: 116); e o

segundo, de natureza moral, estava relacionado com o Confucionismo, por considerar

que China representa o “centro de gravidade moral” (Moon e Chun em Alagappa, 2003:

116), a partir do qual se transmitem os ensinamentos confucionistas para iluminar os

povos bárbaros18

das redondezas. O sistema confuciano baseava-se na hierarquia e não

na igualdade. O imperador era visto como o mediador entre o céu e a terra e “os

princípios de política externa eram os mesmos que regiam a política doméstica e até

mesmo as relações familiares (…). A China era o centro do universo civilizado, [não era

apenas um Estado entre pares, mas] era o vértice da civilização” (Krasner, 2001: 177).

Estes dois motivos contribuíam para a aceitação de uma ordem hierárquica na

Ásia e conferiam à China a autoridade material e moral para prosseguir o princípio de

shidazishao (“respecting the great, namely China, while the great takes care of the

small”) (Krasner, 2001: 177).

A ausência de normas que regulassem as relações internacionais asiáticas

derivava do facto de a China se assumir como única entidade civilizada, fazendo com

que “a conquista territorial e a anexação se tornassem as principais regras do jogo”

(Moon e Chun em Alagappa, 2003: 115).

No entanto, o sistema tributário não envolvia, necessariamente, um controlo

desmesurado por parte da China. Na Coreia, por exemplo, não houve representação

permanente durante o período Qing, mas também não houve nenhuma intervenção

externa ou intromissão na política doméstica até o final do século XIX, quando se

acentuaram as pressões internacionais (Krasner, 2001: 178). “Não eram protectorados

no sentido ocidental da palavra, mas cediam parte da sua autonomia à China” (Krasner,

18

Por bárbaros entendiam-se todos os povos não sinizados que estavam para lá do círculo sínico (Tomé,

2010: 95).

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2001: 179). De facto, os Estados não perdiam a sua independência, já que podiam

conduzir as suas políticas internas e externas independentemente da China.

“Quando as dinastias eram unidas e fortes, a China era expansiva, insistindo na

hierarquia de relações com os seus vizinhos, recompensando bons comportamentos e

castigando as unidades “marginais”; noutras fases, quando as dinastias estavam

enfraquecidas ou em declínio, tornavam-se mais pragmáticas, aceitando estabelecer

relações numa base de maior igualdade” (Tomé, 2010: 96-97).

A aceitação do sistema tributário centrado na China foi posto em causa, por

diversas vezes, ao longo da história. A invasão japonesa à Península Coreana no final

do século XVI, por exemplo, equivaleu a uma tentativa de desafiar a hegemonia chinesa

e a própria chegada das potências coloniais à Ásia veio alterar as relações de

vassalagem estabelecidas.

2.2 O declínio da China e a ascensão japonesa

“Depois de uma longa era sino-cêntrica, o sistema internacional da

Ásia Oriental entrou num Século de profundas e sucessivas

transformações. As forças motrizes foram, entre meados do Século

XIX e a II Guerra Mundial, o declínio da China, a colonização

europeia, as chegadas da Rússia e dos EUA e a emergência e o

expansionismo do Japão.” (Tomé, 2010: 99)

O estatuto epicentral da China na ordem da Ásia Oriental que, de certo modo,

garantira a estabilidade da região durante um longo período, seria posto em causa com o

advento do “período das humilhações”. O contacto com as potências europeias, em

especial durante as Guerras do Ópio (1839-1842 e 1850-1860), desafiou seriamente a

ordem sino-cêntrica da Ásia: “Os interesses materiais dos protagonistas eram

incompatíveis: a China e a Coreia queriam preservar a sua autonomia, as potências

europeias procuravam o acesso económico; o Japão procurou a autonomia e depois, a

expansão” (Krasner, 2001: 174).

A Ásia da segunda metade do século XIX debateu-se com duas formas de

organização do sistema internacional: o do Confucionismo Ŕ da hierarquia e da

deferência – e o do Ocidente Ŕ da soberania e igualdade (Krasner, 2001: 195). Se tanto

os países da ordem sino-cêntrica como os países ocidentais tivessem respeitado os

princípios que advogavam, talvez a história da Ásia que hoje conhecemos tivesse

contornos bem diferentes.

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Embora as culturas da Europa e Ásia-Pacífico estivessem em contacto desde o

século XVI, ambas começaram a entrar em rutura quando o Ocidente conseguiu ganhar

capacidade económica e militar para desafiar a China (Krasner, 2001: 178).

A China tinha-se tornado um Estado soberano moderno ao celebrar tratados com

o Ocidente, em particular com a Grã-Bretanha. A adoção de normas de Direito

Internacional Público e a abertura forçada de portos causaram profundas transformações

no conceito de soberania na Ásia (Krasner, 2001, cit. por Moon e Chun em Alagappa,

2003: 117). É nesta altura que, pela primeira vez, o conceito de soberania estatal no

sentido vestefaliano é introduzido na Ásia (Moon e Chun em Alagappa, 2003: 117). “O

Japão reformou a ordem política interna de um sistema feudal para uma monarquia

absoluta, através da Restauração Meiji19

. A China transformou a soberania da

monarquia absoluta em soberania popular na Revolução de 191120

” (Moon e Chun em

Alagappa, 2003: 117).

Devido à coerção militar levada a cabo pelas potências ocidentais, a China viu-

se forçada a alterar algumas políticas domésticas, vendo violada a sua soberania

vestefaliana, ao ser forçada a assinar uma série de tratados internacionais (Krasner,

2001: 180). As eventuais estratégias para travar a incursão ocidental foram obstruídas

pela falta de conhecimento que a China tinha sobre o Ocidente. Nesta matéria, o sistema

ocidental estava em clara vantagem, já que as práticas de soberania (existência de

representantes permanentes, como embaixadores e cônsules) facilitavam a transmissão

de informação (Krasner, 2001: 175).

Tanto europeus como japoneses precisavam de um quadro institucional que lhes

garantisse algum controlo sobre a China sem os custos da ocupação direta. É neste

contexto que surge o Tratado de Nanquim, em 1842, “o primeiro tratado desigual”

imposto à China, depois da Primeira Guerra do Ópio, e que estabeleceu cinco tratados

portuários entre a Grã-Bretanha e a China Qing, e nos quais era garantido o estatuto da

19

A Restauração Meiji traduziu-se numa série de mudanças político-sociais que ocorreram no Japão entre

1866-1869. O período Meiji iniciou-se com a destituição do Shogunato Tokugawa (a 9 de Novembro de

1867), que até então tinha preconizado uma política isolacionista (sakoku), mergulhando o Japão numa

dura crise económica. Aboliu-se o sistema de estratificação social e restituiu-se a posição central do

imperador, símbolo da unidade e poder nacional, que lançou um conjunto de reformas com vista à

modernização e industrialização japonesa. O Japão havia-se tornado numa Monarquia Constitucional

inspirada no modelo europeu, “copiou instituições, adoptou códigos e regras, imitou o exército prussiano,

a marinha britânica, a administração francesa ou as armas americanas” (Tomé, 2010: 117). O sistema

etnocêntrico japonês perdeu a validade prática e o seu receio pelo intervencionismo estrangeiro foi

substituído pela vontade imperialista, laçando-se, em pouco tempo numa verdadeira expansão militarista

na Ásia Oriental. 20

Também conhecida como “Revolução Xinhai” (Outubro 1911-Fevereiro 1912), estabeleceu a

República da China após o derrube da Dinastia Qing.

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extraterritorialidade. O Tratado foi altamente penoso para a China, ao obrigá-la a pagar

uma indemnização de 6 milhões de dólares pelo ópio confiscado pelos chineses, a

reduzir as suas tarifas de 60-70% para 5% e a ceder Hong Kong, representando a derrota

militar do Império do Meio (Magalhães, 2005: 117). Os ingleses violaram também o

princípio soberano da não-intervenção ao tomarem para si algumas funções estatais da

China, como o controlo das alfândegas, que visava ser uma medida temporária. Em

Xangai, por exemplo, os chineses eram tratados como estrangeiros e sujeitos a elevadas

taxas comerciais (Krasner, 2001: 181).

Seguiram-se uma série de “tratados desiguais”, incluindo o Tratado de Wangxia

com a América (1844), o Tratado de Whompoa com a França (1844), que ficaram

conhecidos como sistema de tratados na China (Cui, 2007: 76), e que representava uma

séria ameaça aos valores confucianos da China Imperial. Em 1849, os portugueses, que

haviam ocupado Macau desde 1557, rejeitaram a soberania chinesa (Krasner, 2001:

180). O conceito ocidental de igualdade de soberania veio a revelar-se, na verdade,

como desigualdade, colocando a China numa posição “semi-colonial” (Cui, 2007: 77).

Este sistema de tratados traduziu-e na “europeização da ordem regional”: “A China

deixou de ser hegemónica e o sistema tornou-se multipolar, dominado pelas grandes

potências ocidentais” (Magalhães, 2005: 150).

Em apenas duzentos anos (1650-1850), a população chinesa tinha passado de

100 milhões para 400 milhões de habitantes, aumentando a pressão sobre a terra e sobre

os recursos disponíveis. Conjuntamente, com a Revolta de Taiping (1850-1866), a

China entra em guerra civil. Entre 1857 e 1860 decorre a Segunda Guerra do Ópio,

“lançada por forças franco-britânicas e na sequência da qual é imposto à China um novo

par de tratados desiguais (o Tratado de Tianjin, em 1858 e o Tratado de Pequim, em

1860), sendo a China obrigada a abrir aos Ocidentais mais onze portos e a ceder aos

britânicos a Península de Kowloon, junto a Hong Kong” (Tomé, 2010: 100). Também a

Rússia czarista, por tratado em 1858, garantiu a ocupação da margem norte do rio Amur

e, em 1860, mais território entre o Ussuri e zona costeira (Krasner, 2001: 180). A Rússia

aproveitou ainda a fragilidade chinesa para começar as suas incursões sobre o

Turquestão e a região da Zungária, na Ásia Central, anexando esses territórios em 1870

(Tomé, 2010: 100).

“Em 1866 e 1871, foram enviadas, respetivamente, forças francesas e

americanas para a Coreia, na altura Estado tributário da China” (Krasner, 2001: 180).

Em 1879 o Japão anexou as Ilhas Ryukyu, sobre as quais mantinha um controlo indireto

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há dois séculos. Depois da Guerra Sino-Francesa, os franceses anexaram o atual

Vietname em 1885 e o Laos em 1893. Os alemães, que queriam estabelecer uma base

naval na Ásia, usaram como pretexto a morte de dois missionários para ameaçar a

China, assegurando a entrada em duas ilhas da Baía de Jiaozhou. Os russos conseguiram

uma concessão de vinte e cinco anos sobre Port Arthur. Foi com grande fúria que os

chineses receberam a notícia da celebração do Tratado de Shimonoseki, que se seguiu à

Guerra sino-japonesa de 1894-1895, em que China abdicava da soberania sobre a

Coreia, Taiwan, a Ilha dos Pescadores e a Península Liaodong em favor do Japão

(Fairbank, 1986: 193).

“A Guerra sino-japonesa de 1894-95 também inauguraria meio século de

sucessivas agressões do Japão contra a China, confirmando ainda o declínio do

“Império do Meio” e a emergência de uma nova potência asiática cuja expansão política

e territorial só iria parar meio século mais tarde.” (Tomé, 2010: 101). Apesar da

fragilidade chinesa, apenas as entidades tributárias, como a Coreia, o Vietname ou as

Ilhas Ryukyu, foram colonizadas. Os ingleses, em particular, tinham percebido a

dificuldade de ocupar territórios altamente povoados e relativamente desenvolvidos,

como tinha demonstrado o motim indiano de 1857 (Krasner, 2001: 181).

“Em 1898, a China arrendou à Grã-Bretanha os chamados “Novos Territórios”

(integrados no conjunto Hong Kong), por 99 anos, e à Rússia a Península de Kwantung

na Manchúria, por 25 anos” (Tomé, 2010: 101).

O célebre sinólogo americano, John King Fairbank, constata que a crise

económica arrastou, evidentemente, problemas políticos e sociais (Fairbank, 1986: 99).

Em adição à frequência das catástrofes naturais, a degradação da vida humana traduziu-

se também em graves problemas de fome, prostituição, corrupção e contrabando,

refletindo uma “desmoralização popular” (Fairbank, 1986: 104) que se manifestou na

prática do ópio.

A crise e as precárias condições de vida levaram o povo chinês a concluir que

grandes transformações seriam necessárias (Fairbank, 1986: 193). Como resposta à

humilhante derrota frente ao Japão, a Dinastia Qing procurou levar a cabo, em 1898, um

conjunto de medidas para reformar a política, a cultura e o sistema educativo chinês,

que ficou conhecido como a Reforma dos Cem Dias. Este movimento reformista,

conduzido pelo imperador Guangxu e apoiado por sectores mais progressistas da

sociedade chinesa e por missionários protestantes, gerou uma forte contestação junto de

sectores mais reacionários, que se aliaram à Imperatriz Dowager.

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A decadência da China e as sucessivas humilhações frente às potências

europeias facilitaram “a ambiguidade da Corte Imperial, que primeiro reprimiu e,

depois, incentivou os ataques desencadeados pelos Boxers contra os estrangeiros e, em

especial, tentando limitar o tráfico do ópio” (Arquivo da Fundação Mário Soares).

A imperatriz conservadora reverteu o prosseguimento das reformas e ordenou o

extermínio dos estrangeiros. O movimento dos Boxer21

conduziu uma série de ataques a

igrejas cristãs e perseguição a estrangeiros, motivando, a 31 de Maio de 1900, a

intervenção conjunta da Rússia, EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, Áustria-Hungria,

França e Itália, que destruiu a resistência das tropas chinesas. O malogro da Revolta dos

Boxers, que representou uma humilhação para o povo chinês22

, enfraqueceu a Dinastia

Qing e acelerou o desencadeamento da Revolução Republicana de 1911.

Apesar de tudo, é importante não esquecer que o movimento de reforma é um

capítulo da história do pensamento chinês e não do pensamento ocidental (Fairbank,

1986: 205) e que depois de 1900, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a

China viu nascer sentimentos nacionalistas que mais tarde se vieram a revelar

determinantes para a Revolução de 1911: “Malgré son apparition tardive, ce dernier

prenait sa source dans un sens de l‟identité culturelle qui se trouvait profondément ancré

dans la société chinoise et ses traditions” (Fairbank, 1986: 210). Quando a Dinastia

Qing colapsa, a Mongólia declara-se independente, ficando sob proteção russa. “Com a

China imersa no caos revolucionário”, também o Tibete aproveita para declarar a sua

independência, em 1912 (Tomé, 2010: 101).

“Se para a China, a interferência ocidental significou, em certa

medida, a sua desgraça, para o Japão constituiu um motor de arranque

do processo de nation-building semelhante aos moldes ocidentais”

(Cui, 2007: 100).

“A resposta do Japão ao desafio Ocidental não podia ser mais distinta da China”

(Tomé, 2010: 117). Enquanto o impacte ocidental deixou a China numa posição de

grande fragilidade, o Japão decidiu beber ideias e práticas ocidentais, de forma a

ingressar num processo que o transformaria numa das maiores economias do mundo,

21

Os Boxers eram membros da "Sociedade dos Harmoniosos Punhos Justiceiros", um grupo secreto

nacionalista chinês que se opunha ao imperialismo estrangeiro e ao Cristianismo. 22

Uma das cláusulas do Protocolo de Pequim (1901) envolvia uma avultada indemnização às potências

afetadas (cerca de 330 milhões de dólares em ouro), que seria cobrada nas alfândegas, passando estas a

estar sob administração estrangeira. O Protocolo permitia também a presença de bases militares para

proteção dos seus cidadãos.

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deixando para trás a ordem mundial equilibrada e relativamente estável que girava em

torno da China (Goto, 2003: 3 cit. por Cui, 2007: 100).

“As muitas humilhações impostas à China desde meados do Século XIX até à II

Guerra Mundial deixaram uma marca profunda no país, tornando os dirigentes e povo

chineses muito sensíveis à ingerência externa e às normas e ações que possam interferir

com a integridade territorial e a completa autonomia política (…)” do país, contribuindo

significativamente para “a emergência do nacionalismo enquanto força poderosa e

agregadora na China” (Tomé, 2010: 106).

A China deixou assim de ser o pivot da ordem hierárquica regional, passando a

dividir o estatuto de grande potência com o Japão, que decidiu “competir no sistema

internacional ocidental em que o forte come o fraco” (Goto, 2003: 3 cit. por Cui, 2007:

100). Cui argumenta que o Japão tinha duas formas de garantir a sua independência

nacional: promovendo o Pan-Asianismo (“emphasising the need for Asian unity in the

face of Western encroachment”) ou juntando-se ao clube das Grandes Potências (Cui,

2007: 100). Foi a segunda opção que prevaleceu na política externa japonesa, como

sendo a resposta mais realista (Saaler cit. por Cui, 2007: 100), embora uma nova ordem

asiática liderada pelo Japão tenha ganho muitos adeptos nas últimas décadas.

Com efeito, após as vitórias frente à China e à Rússia na viragem para o século

XX, e depois de sair da Primeira Guerra Mundial do lado dos vencedores, mas

sobretudo a partir da década de 1930, o Japão empregou a retórica pan-Ásia na tentativa

de criar uma nova ordem asiática sob a sua liderança (Cui, 2007: 101). A procura de

recursos e novos mercados funcionou como justificação económica para o Japão

avançar em direção ao sul (nanshin seisaku), de forma pacífica.

Em termos de recursos, o Japão sofria de uma forte dependência em relação ao

comércio com os EUA e com as potências e colónias europeias. “A Grande Depressão

americana de 1929 e a subsequente crise económica expunham o lado negativo da

integração da economia japonesa no sistema económico internacional, sobretudo, face à

sua dependência dos mercados externos e às políticas protecionistas de outros: um

documento da época do próprio Governo Imperial do Japão demonstra receio de que os

países industrialmente avançados deixem futuramente de fornecer as matérias-primas

para as nossas indústrias que competem com as deles próprios … se as políticas

económicas dos países avançados industrialmente se direcionarem no sentido da

proibição ou restrição da exportação de matérias-primas para este país, a

consequência para nós seria tremenda” (Copeland, cit por Tomé, 2010: 121).

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As preocupações de abastecimento convidam o Japão a colocar a segurança

económica no topo da agenda, conduzindo a políticas mais militaristas que tinham como

alvo principal a Manchúria: «cortes em bens de primeira necessidade do Japão e a

instabilidade no seu abastecimento tornam a Manchúria essencial para a segurança

nacional» (Copeland, cit. por Tomé, 2010: 122).

Na expectativa de se tornar uma espécie de Inglaterra da Ásia, o Japão procurou

integrar territórios que lhe garantissem recursos e mão-de-obra, num modelo que

sintetizava o colonialismo europeu e a expansão da Prússia de Bismark (Tomé, 2010:

118). Depois da anexação da Coreia, Taiwan, de uma parte considerável de território na

Manchúria e de várias ilhas circundantes, o Império do Japão ganhou prestígio junto das

potências ocidentais, posicionando-se do lado dos Aliados durante a Primeira Guerra e

garantindo um lugar de “membro permanente do Conselho da Sociedade das Nações e o

mandato de tutela sobre antigas possessões alemãs no Pacífico (Bonim, Marianas,

Carolinas e Marshall) (…). O Japão atingia o triplo objetivo de desenvolvimento

económico, segurança e igualdade com as grandes potências, sendo claramente a

potência hegemónica no Nordeste Asiático.” (Tomé, 2010: 120).

Em 1936, o Japão produziu um documento intitulado “Fundamentos da Nossa

Política Nacional” com o objetivo de assegurar a posição do Japão na Ásia Oriental,

mais concretamente na Coreia, Taiwan, Manchúria e outras partes da China e «ao

mesmo tempo, avançar e desenvolver-se nas áreas a Sul» (Copeland cit. por Tomé,

2010: 123); contudo, esta expansão para Sul deveria ser «gradual e por meios

pacíficos», se possível, para evitar a reação das potências Ocidentais (Tomé, 2010: 120).

“Entretanto, na China, em 1937, o Japão ajudou a criar um Governo Federal

Mongol e avançou para Sul de Pequim, ocupando toda a área até Xangai, incluindo a

capital Nanquin”. A guerra com a China não se fez esperar, “somando os nipónicos

sucessivas vitórias e praticando uma política de terror e de ocupação brutal, de que são

exemplos o morticínio e as violações em massa perpetradas na capital onde, aliás, os

japoneses instalariam a fantoche “República de Nanquin”, entre 1940 e 1945.” (Tomé,

2010: 123).

As pretensões imperialistas, fossem elas baseadas nos ideais de “Nova Ordem”

dos anos 30 ou na fórmula da “Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental”23

dos anos 40, não demoraram a chegar.

23

Que equivalia a um bloco de nações asiáticas lideradas pelos japoneses e livre das potências ocidentais.

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O Ministro dos Negócios Estrangeiros Matsuoka Yosuke anunciou formalmente

a ideia de “Esfera” no dia 1 de Agosto de 1940. Sob a bandeira “Ásia para os Asiáticos”

(Rhodes, 1976: 248), o Japão conduziu uma campanha expansionista mais agressiva em

direção ao Sul, ocupando a Indochina, subordinada à França Vichi, em Julho de 1941. O

ministro posterior, Shigenori Togo, que encontrou em funções em Outubro do mesmo

ano, defendeu que o sucesso desta Esfera garantiria a liderança japonesa da região da

Ásia Oriental. Seguindo esta lógica de pensamento, o Japão conduziu o ataque à base

militar norte-americana de Pearl Harbor, a 7 de Dezembro de 1941. Começava assim a

Guerra do Pacífico, coincidindo com a entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial.

Ainda entre Dezembro de 1941 e Junho de 1942, o Japão conquistou Singapura,

as Índias Holandesas, a Malásia, as Filipinas e a Birmânia. “No Verão de 1942, a

Armada Imperial levava o Japão a atingir o seu apogeu expansionista, chegando ao

Noroeste marítimo da Austrália, à Costa Norte da Nova-Guiné e a Guadalcanal (Ilhas

Salomão) e outras ilhas americanas no Pacífico.” (Tomé, 2010: 126)

A Esfera colapsou aquando da capitulação japonesa, em Agosto de 1945, sem

nunca se ter materializado na ideia de uma “Ásia unida”, pois esta fórmula acabou por

servir apenas os interesses japoneses e não os das regiões ocupadas, cujos níveis de vida

declinaram em virtude da falta de investimento económico.

2.3. Significado das experiências de sino-centrismo e imperialismo japonês

A centralidade chinesa é importante para compreender as raízes dos argumentos

dos analistas que acreditam que a China poderá estar a recuperar o sino-centrismo do

passado e/ou que poderá tornar-se o centro de um “Novo Regionalismo” que se estará a

formar na Ásia-Pacífico. Por outro lado, as próprias relações tributárias Ŕ “sempre

bilaterais, nunca multilaterais” (Mancall, 1968: 65 cit. por Cui, 2007: 120) Ŕ poderão

ajudar a encontrar uma explicação para a opção bilateral em detrimento do

multilateralismo. Primeiro, porque os participantes da ordem mundial chinesa

interagiam com a China Imperial mas não uns com os outros, de forma significativa.

Em segundo lugar, porque estes mesmos países encaram com desconfiança as ideias de

integração regional, temendo que se possam constituir como ameaça a uma soberania

que tanto custou a ganhar, e que os faça regressar a relações de vassalagem para com

uma China em crescimento (Cui, 2007: 120).

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O domínio ocidental «assina a ata de nascimento da Ásia contemporânea»

(François Godement cit. por Tomé, 2010: 115). A presença ocidental transformou o

sistema internacional da Ásia Oriental: “pôs fim ao sistema regional sino-cêntrico,

subvertendo a noção de superioridade da China e contribuindo, ao mesmo tempo, para a

emergência do Japão enquanto grande potência, o que tornou o sistema internacional da

Ásia Oriental difuso, com vários centros importantes de poder: Grã-Bretanha, França,

Holanda, Rússia, Estados Unidos, Japão e a própria China” (Tomé, 2010: 115).

As experiências do período colonial contribuíram ainda para o forte apego

asiático aos princípios da soberania, integridade territorial e não interferência nos

assuntos internos, ainda hoje aspetos cruciais da política regional. (Tomé, 2010: 115).

Os princípios por detrás da Nova Ordem japonesa, não eram muito diferentes do

sino-centrismo que tinha prevalecido na Ásia Pacífico até então. A hierarquia

desempenhava um papel pivot em ambos os projectos: enquanto a Ásia sino-cêntrica

estava dividida, como vimos anteriormente, em zona sínica, zona próxima e zona

distante, a Nova Ordem japonesa encontrava-se dividida em Estados independentes e

fantoches, protetorados semi-independentes (sob administração japonesa), e colónias

(pertencentes às potências europeias) (Saaler, 2006 cit. por Cui, 2007: 105). Portanto,

até certa medida, a ordem da Ásia-Pacífico pouco se alterou neste intervalo temporal:

passou de uma ordem hierárquica sino-cêntrica para uma nova hierarquia liderada pelo

Japão (Cui, 2007: 105).

O Imperialismo japonês deixou um legado de ressentimentos anti-nipónicos por

toda a Ásia Oriental, particularmente na China, Coreia e países do Sudeste Asiático:

“afinal, o “asiático” Japão teve um comportamento imperialista semelhante aos

ocidentais na Ásia e, em larga medida, mais brutal” (Tomé, 2010: 128).

Para os países do Sudeste Asiático, a ocupação japonesa “representa uma

memória histórica coletiva comum importante”, “que contribui para a reconstrução

identitária à escala regional” (Tomé, 2010: 128). Já no Nordeste Asiático, a dominação

japonesa contribuiu muito para a acentuação de nacionalismos, que passaram a ser

identificados com sentimentos anti-Japão. Muitos governos do pós-Guerra empregaram

o argumento da resistência contra a agressão japonesa para justificar as suas decisões. A

título de exemplo, Luís Tomé associa a aversão aos japoneses à ascensão do Partido

Comunista na China: “a luta pela libertação contra o invasor japonês ajudou,

inquestionavelmente, à posterior ascensão do Partido Comunista Chinês ao poder,

colhendo os frutos da vitória para efeitos de auto-legitimação” (Tomé, 2010: 128).

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A derrota do Japão e a experiência aterradora dos bombardeamentos atómicos

marcaram profundamente a sociedade japonesa, contribuindo para a institucionalização

de uma política externa pacifista, assente na não-nuclearização (Tomé, 2010: 129).

Por um lado, concluímos que as experiências de sino-centrismo e imperialismo

japonês afetaram os nacionalismos da Ásia Oriental, que passaram a dar uma ênfase

muito vincada aos princípios da soberania e da não-intervenção Ŕ atitude que acabou

por se refletir em questões como a democracia e mesmo direitos humanos. Por outro, o

declínio chinês e a ascensão japonesa da primeira metade do século XX clarificaram

que a ordem da Ásia-Pacífico deixara de ser claramente sino-cêntrica, passando o Japão

a disputar com a China, até hoje, a liderança pela região.

Se para alguns autores, estas experiências impediram a emergência de uma

consciência regional e de uma identidade coletiva, dando pouco alento a esperanças

multilateralistas (Cui, 2007: 121), outros acreditam que os ressentimentos históricos

contra as potências agressoras poderão ter unido os Estados invadidos para que não

voltassem a experienciar este tipo de sofrimento, criando eles próprios, a partir da

agressão sofrida, uma base identitária comum.

2.4. As heranças da Guerra Fria no Nordeste Asiático

O Tratado de Paz de São Francisco, assinado a 8 Setembro de 1951 entre o

Japão e as “potências aliadas”, pôs fim à Guerra do Pacífico e à posição de poder

imperial do Japão, que se viu obrigado a renunciar formalmente a todos os territórios

que tinha conquistado pela força. À assinatura do Tratado fez-se corresponder o início

do Sistema de São Francisco, que inaugurava um período de predomínio dos EUA na

região. Com efeito, ainda no mesmo dia, os EUA e o Japão assinaram um Tratado de

Segurança, em que os americanos se encarregavam da defesa japonesa, “podendo

dispor no território nipónico de forças terrestres, aéreas e navais que visavam também a

segurança de toda a Ásia-Pacífico” (Tomé, 2010: 140). Este Pacto seria renovado,

posteriormente, com os Tratados de Cooperação Mútua e de Segurança, em 1960, e,

novamente, em 1972 (Tomé, 2010: 140).

O Sistema de São Francisco corresponde a uma rede de alianças bilaterais ou um

sistema de hub-and-spokes, em que o centro (hub) era Washington e a periferia (spokes)

os países asiáticos envolvidos, e integrava-se na estratégia global de containment por

parte dos EUA. “A ideia do Sistema de São Francisco abandonou o multilateralismo”

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(Cui, 2007: 159). O Sistema, arquitetado por John Foster Dulles, futuro Secretário de

Estado do Presidente Eisenhower, baseava-se em alicerces já não exclusivamente

securitários, uma vez que se verifica a existência de uma dimensão económica (Cui,

2007: 159):

1. Uma densa rede de alianças bilaterais e formais de segurança, incluindo os

tratados de segurança mútua entre os EUA e a Austrália e Nova Zelândia

(Julho de 1951), as Filipinas (Agosto de 1951), o Japão (Setembro de 1951) e

a Coreia do Sul (Novembro de 1954);

2. Direito de estabelecer bases militares americanas por toda a região;

3. Ajuda à reconstrução mais modesta, em comparação com a ajuda da Europa

Ocidental; e

4. A integração gradual das economias aliadas, em condições preferenciais

respeitantes ao comércio bilateral-internacionalista e ordem financeira

promovidos pelos EUA, nas porções não-comunistas da Coreia e China.

É neste contexto que, do lado japonês, se desenvolve a Doutrina Yoshida,

distinguindo-se pela prioridade que atribui ao desenvolvimento económico, e que se

assume como um verdadeiro princípio basilar da política externa japonesa durante a

Guerra Fria. Tirando partido da imposição do Artigo 9º da Constituição, que proibia a

remilitarização japonesa24

, o Japão desinvestiu na Defesa, deixando a proteção da sua

integridade nas mãos de um aliado mais poderoso. Ao adotar esta estratégia de

bandwagoning, mesmo que forçosamente, o Japão põe em prática uma agenda realista

centrada na reconstrução económica do país, com o objetivo de voltar a ganhar prestígio

internacional.

Pretende-se assim demonstrar que, para além dos legados históricos

mencionados anteriormente, e como argumentam Hemmer e Katzenstein (2002), a

preferência norte-americana pela abordagem bilateral na relação com os seus parceiros

asiáticos ficou evidente no Sistema de São Francisco, podendo aqui encontrar-se uma

24

Artigo 9º da Constituição Japonesa de 1947: “Sinceramente aspirantes a uma paz internacional baseada

na justiça e na ordem, o povo do Japão renuncia para sempre à guerra como um direito soberano da

Nação e à ameaça ou uso da força como meio de resolução dos litígios internacionais. 2) A fim de

concretizar o objetivo do parágrafo precedente, as forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como

qualquer outro potencial de guerra não serão mantidos. O direito de beligerância do Estado não será

reconhecido.” (tradução de Osvaldo Takahara, em «A Constituição do Japão», disponível para consulta

em http://pt.scribd.com/doc/5523356/A-Constituicao-do-Japao, a 1 de Julho de 2012).

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explicação para a forma peculiar como os Estados do Nordeste Asiático conduziram as

suas políticas externas desde a Segunda Guerra Mundial.

De facto, depois de 1945, a organização das regiões desenvolveu-se em moldes

muito diferentes à da região em estudo. Se a predisposição geral do pós-Segunda Guerra

Mundial parecia ser a do multilateralismo a funcionar como critério para a diferenciação

de Estados mais integrados e desenvolvidos, o Nordeste Asiático escapou claramente a

esta tendência. E, do ponto de vista de uma sociedade internacional regional, a ausência

de uma moldura multilateral no Nordeste Asiático era vista como preocupante (Buzan e

Segal cit. por Cui, 2007: 113).

Na Ásia-Pacífico, a disputa ideológica subjacente ao período da Guerra Fria

acentuou a animosidade em relação a rivalidades históricas anteriores, na medida em

que dividiu nações, como foram os casos da Coreia, China, e Vietname e despoletou

duas guerras internacionais: a Guerra da Coreia e a Guerra da Indochina (Tomé, 2010:

187). “Os regimes comunistas, as muitas disputas territoriais ainda existentes ou os

hotspots Península Coreana e Taiwan são claramente “estigmas” da Guerra Fria;

similarmente também o pacifismo institucionalizado do Japão e as alianças dos EUA na

região (…)” (Tomé, 2010: 190).

Até certo ponto, podemos dizer que a ordem regional do Nordeste Asiático

conheceu uma evolução relativamente autónoma no que diz respeito à bipolaridade da

Guerra Fria a nível global (Tomé, 2010: 189). Alagappa sustenta que durante o period

de Guerra Fria an Asia-wide regional security system emerged, for the first time in

history (Alagappa, 1998: 88).

A política externa norte-americana em relação à Europa e à Ásia nas décadas de

40 e 50 conheceu contornos bastante díspares (Cui, 2007: 117). O nascimento da NATO

significava a preferência por uma estrutura multilateral para lidar com os assuntos

europeus, ao passo que na Ásia, a opção recaiu sobre o sistema de alianças bilaterais do

tipo hub-and-spokes. Contudo, Hemmer e Kantzenstein questionam-se sobre a razão

para o bem-sucedido modelo da NATO não ter sido importado para a realidade asiática.

Uma das explicações prende-se com a disparidade de poder entre os EUA e os aliados

asiáticos, tornando-se a moldura multilateral pouco atrativa aos olhos dos EUA; outra

justificação que parece ter desempenhado um papel não menos importante, reporta-se à

questão da identidade: “Shaped by racial, historical, political, and cultural factors, U.S.

policymakers saw their potential European allies as relatively equal members of a

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shared community. America‟s potential Asian allies, in contrast, were seen as part of an

alien and, in important way, inferior community” (Hemmer e Kantzenstein, 2002: 575).

Na Europa, os EUA encontravam não só a partilha comum de valores como a

democracia, religião e economias de mercado mas também a partilha da ameaça

soviética (Cui, 2007: 118). Pelo contrário, no Nordeste Asiático, os EUA deparavam-se

com o Japão, antigo inimigo na Segunda Guerra Mundial, economicamente devastado; a

China Nacionalista isolada em Taiwan depois de ter perdido a administração da China

Continental e a Coreia mergulhada no caos interno (Cui, 2007: 119). Na sua tese

doutoral, Shunji Cui argumenta ainda que a política norte-americana em relação ao

Nordeste Asiático foi “essencialmente instrumental”, pois foi orientada pelo propósito

ideológico da contenção do Comunismo, sobretudo após a ascensão do Partido

Comunista na China.

A preferência norte-americana pela abordagem Estado-Estado em relação aos

países do Nordeste Asiático durante o período da Guerra Fria pode ajudar a explicar a

perpetuação da opção bilateral nos anos que se seguiram ao fim desta. No fim de contas,

tinha sido o primado do bilateralismo a assegurar a estabilidade possível numa região

fortemente marcada por pontos de clivagem e fricção.

Pode argumentar-se que, do ponto de vista macro, a Guerra Fria acabou mais

cedo na Ásia (Cummings, 1998: 459 cit. por Cui, 2007: 122). De facto, a reaproximação

sino-americana na década de 1970 constituiu um elemento importante na reconstrução

da sociedade internacional do Nordeste Asiático e ajuda a explicar a interdependência

económica e consequentes tendências regionalistas que se fizeram sentir por toda a

região. A nova relação entre as duas potências “esvaziou a lógica da Guerra Fria do seu

anterior significado” (Cummings, 1998, cit. por Cui, 2007: 122), desempenhou um

papel decisivo na transformação interna da China e na sua integração na sociedade

internacional e possibilitou também que o Japão normalizasse as relações com a RPC

(Cui, 2007: 123).

Paralelamente, a tripolaridade que marcou as relações entre os EUA, URSS e

RPC, durante todo o período da Détente25

propiciou uma verdadeira “Dupla Guerra

Fria” na Ásia Oriental.

25

A Détente corresponde a uma fase da Guerra Fria que ficou marcada pela distensão das relações entre

os EUA e a URSS. Détente é definida por Kissinger como um “processo de gestão de relações com um

país potencialmente hostil com vista à preservação da Paz e manutenção dos interesses vitais”(cit. por

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60

As direções dos partidos comunistas na China e União Soviética começaram a

divergir, por razões ideológicas, logo a partir do XX Congresso do PCUS (1956):

“enquanto Kruschev implementava o seu “Novo Rumo”, Mao condenava a

destalinização e apresentava-se como o guia avançado da revolução comunista mundial”

(Tomé, 2010: 152). Contudo, como ressalva Luís Tomé, às questões pessoais e

ideológicas juntaram-se os assuntos de Estado, uma vez que a China Popular temia que

a Doutrina de Coexistência Pacífica sacrificasse os interesses da RPC e a própria

estratégia revolucionária mundial do Comunismo. Como se veio a verificar, a URSS

não apoiou a RPC nas crises dos Estreitos de Taiwan (em 1954 e 1958-60), o que para

Mao significava que os soviéticos “pactuavam” com os EUA na manutenção da divisão

da China. Quando Moscovo recuou na “Crise dos Mísseis de Cuba” (1962), depois de

ter recusado auxílio aos chineses no desenvolvimento das suas armas nucleares, Mao

criticou duramente Kruschev, acusando os soviéticos de serem tigres com garras de

papel e de conduzirem um movimento revisionista e contra-revolucionário (Tomé,

2010: 152).

A cisão sino-soviética atingiu dimensões mais complexas, ligadas à dinâmica da

própria região, e não passou despercebida aos EUA. Pelo contrário, as administrações

norte-americanas, sobretudo a Administração Nixon, tiraram partido desta rotura para

melhorar a relação com ambas as partes. Ao mesmo tempo que empregava a política de

linkage26

em relação à União Soviética, jogou a “cartada chinesa”, que se traduziu numa

série de operações diplomáticas com vista à reaproximação sino-americana. Em 1971,

Kissinger desloca-se secretamente a Pequim para negociar a substituição da República

da China pela República Popular da China nas Nações Unidas. Com a Resolução 2758

da AGNU, de 25 de Outubro de 1971, a RPC torna-se “a única representante legal da

Bell, 1977: 251). Assim, a conceção americana de Détente, nos anos 70, consistiu numa tentativa de

diminuir os riscos de um conflito nuclear e usar este interesse comum, partilhado com a URSS, para

estabelecer uma rede de relações com vantagens mútuas. Encorajou-se uma relação mais previsível entre

os rivais da Guerra Fria, de forma a recuperarem as desordens internas que os haviam abalado durante os

anos 60 (Gaddis, 2005: 186). A aceitação genuína da paridade estratégica, por parte dos EUA, foi

largamente refletida nos Acordos SALT (que limitavam o número de mísseis balísticos intercontinentais

(ICBM) e de lançamento submarino (SLBM) que cada lado podia instalar, assim como proibiam os

sistemas de defesa contra tais mísseis (ABM). 26

A política de linkage, preconizada por Nixon e Kissinger durante os anos da Détente, é descrita pelo

então Secretário de Estado como uma tentativa de livrar a política-externa norte-americana de oscilações

entre “overextension and isolacionism and to ground it in a firm conception of the national interest”

(Kissinger, 1979: 130). Os ganhos conseguidos em determinadas áreas onde a negociação era possível

não poderiam depois deixar de produzir avanços, igualmente significativos, noutras áreas afins

(Rodrigues, 2004). No caso das negociações SALT, por exemplo, pretendeu-se que servissem de alavanca

a uma atitude mais favorável de Moscovo na questão do Vietname, mas também que favorecessem a

posição negocial norte-americana na questão de Berlim e no Médio Oriente (Nixon, 1990: 3).

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61

China na ONU” e assegura assim o estatuto de membro-permanente no Conselho de

Segurança.

Evidentemente, o largo reconhecimento que a RPC começou a obter junto da

sociedade internacional funcionou em detrimento da República da China. Desde o

Shanghai Communiqué, que decorreu durante a imponente visita de Nixon à China

(1972) e em que os EUA acordaram na política de Uma China, Taiwan viu a presença

americana ser gradualmente reduzida, até à retirada completa das tropas em 1979, ano

em que os EUA estabelecem relações diplomáticas com a RPC (Tomé, 2010: 159).

Ainda assim, o Congresso americano aprova no mesmo ano o Taiwan Relations

Act, por meio do qual os EUA continuariam a assegurar defesa taiwanesa. O governo de

Taipé beneficiou da política de ambiguidade norte-americana: se por um lado, os EUA

acordaram com Pequim o reconhecimento de uma só China, por outro (e na prática),

atuavam segundo o princípio de duas Chinas.

A Détente, que assinalou a melhoria de relações entre os dois blocos da Guerra

Fria desde a implantação da Ostpolitik alemã, também se fez sentir no Nordeste

Asiático. Seul e Pyongyang procuraram reduzir os níveis de hostilidade, chegando

mesmo a assinar, em 1972, uma “Declaração de Princípios Conjunta”, com vista à

reunificação pacífica. Embora as negociações tenham sido suspensas no ano seguinte, as

duas capitais coreanas procuravam “evitar efeitos nefastos para si que pudessem resultar

da nova triangulação Washington-Moscovo-Pequim” (Tomé, 2010: 161).

Também o Japão procurou adaptar-se a este novo ambiente da Guerra Fria.

A fim de validar a aliança com o Japão, os EUA devolveram territórios que

haviam estado sob a sua administração desde o fim da Segunda Guerra Mundial,

nomeadamente as Ilhas Bonin, em 1968, e o Arquipélago das Ruykyu, em 1972. Ainda

neste mesmo ano, o Japão e a RPC estabeleceram relações diplomáticas. A aproximação

sino-japonesa tornou-se possível com a melhoria de relações sino-americanas, com a

aplicação da Doutina Fukuda27

e com a adoção do conceito de comprehensive security,

uma conceção de segurança mais abrangente, que não se esgota na força militar mas que

leva também em conta outras dimensões, como vimos na abordagem que fizemos ao

conceito de segurança no Primeiro Capítulo. No caso japonês, a demanda securitária

27

A Doutrina Fukuda inaugurou uma nova orientação de política externa em relação aos países do

Sudeste Asiático, sendo inicialmente proclamada pelo primeiro-ministro Takeo Fukuda, em 1977, durante

a primeira Cimeira ASEAN-Japão. Segundo esta doutrina, o Japão afirmava-se como uma nação pacífica

e ideologicamente neutra, que rejeitava o propósito miliar e que procurava uma cooperação positiva e de

confiança mútua com os países do Sudeste Asiático.

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recaiu sobretudo sobre a dimensão económica: em pouco tempo, o Japão tornou-se o

“segundo maior parceiro comercial não-comunista” da URSS, logo a seguir à RFA, e

“um dos maiores contribuintes financeiros e apoiantes políticos das Nações Unidas, um

dos principais impulsionadores da cooperação económica internacional, bilateral e

multilateral e um dos mais influentes membros do GATT, do FMI e da OCDE” (Tomé,

2010: 167-168).

A política anti-militarista e a garantia de segurança por parte dos EUA

permitiram que o país restabelecesse boas relações com outros atores regionais,

tornando-se, em pouco tempo, uma das grandes potências no regionalismo emergente da

Ásia-Pacífico. O Japão parecia ter definido com clareza as linhas de política externa que

viria a seguir até à atualidade, fortemente assentes na interdependência económica.

Após os desastres económicos e humanitários da campanha do “Grande Salto em

Frente” e da “Revolução Cultural” do período Mao, Deng Xiaoping Ŕ que se tinha

tornado líder do Partido Comunista Chinês em 1978 Ŕ levou a cabo um vasto programa

de reformas económicas que permitiu que a China transitasse de uma economia

planificada para uma economia de mercado, a que chamou Socialismo de Mercado. Por

sugestão de Zhou Enlai, Deng Xiaoping desenvolveu uma série de reformas nos

sectores da agricultura e indústria bem como nos sectores da defessa e ciência e

tecnologia, ficando conhecidas como “As Quatro Modernizações” denguistas.

Autorizou a criação de Zonas Económicas Especiais (ZEE), para atrair investimento

estrangeiro, e foi responsável pela ascensão de uma classe média urbana chinesa, que

fez disparar o consumo interno e as exportações nacionais.

Apesar dos sinais de revitalização económica que se fizeram sentir no Japão e na

China, a verdade é que a investida imperialista por parte do Japão e a posterior presença

ocidental na região, impediram quaisquer tentativas de reconstruir a ordem do Nordeste

Asiático sob uma única liderança no período da Guerra Fria, tornando o complexo de

segurança regional muito fragmentado (Cui, 2007: 125). Não obstante, a normalização

das relações China-EUA (1971-1979), China-Japão (1972) e os processos de

democratização na Coreia do Sul e em Taiwan pareciam fazer a região caminhar no

sentido de valores convergentes, contribuindo para a reemergência da sociedade

internacional regional.

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63

2.5. O pós-Guerra Fria e a “Nova Ordem Internacional”

O fim do confronto ideológico entre os EUA e a URSS significou, para muitos

autores, a vitória do “Excecionalismo Americano” e a convicção de que os valores

americanos têm validade universal (Cui, 2007: 127). Para estes (Charles Krauthammer,

2002; Wohlforth, 1999), a nova ordem internacional teria um cunho marcadamente

unipolar, já que o estatuto de potência pivot era atribuído aos EUA, por serem a

potência preponderante do sistema (não desafiada por nenhuma outra em termos de

poder relativo) e por terem a capacidade de projetar o seu poder a todas as áreas do

globo.

Ainda assim, Aldred e Smith alertam para o facto de não se dever afirmar que a

nova ordem internacional do pós-Guerra Fria é indiscutivelmente unipolar, uma vez que

os EUA encontram-se “constrangidos pelas agendas de outros países importantes e por

centros de poder internacionais”. Por outro lado, também não será correto dizer que a

nova ordem é “verdadeiramente multipolar”, uma vez que os EUA não são “just another

important power” (Aldred e Smith, 1999: 96).

A fim de superar este impasse conceptual, Aldred e Smith avançam com a

definição de “uni-tripolaridade”, com origens na visão hungtintoniana de “mundo uni-

multipolar”28

. Segundo esta conceção, a ordem mundial pós-1989 girava em torno de

três principais centros de poder: Ásia, Europa e EUA, sendo que este último ocupava a

“categoria especial” de superpotência (Aldred e Smith, 1999: 96).

Hungtington argumenta que a política internacional evoluiu de um breve

momento unipolar, logo a seguir à queda do Muro de Berlim, para dar lugar a um largo

período de uni-multipolaridade. Nesta nova ordem existe, num primeiro plano, o

predomínio de uma única superpotência (EUA) em todos os domínios de poder (militar,

político, económico, tecnológico e cultural). Num segundo plano, encontram-se os

principais poderes regionais (como por exemplo o condomínio franco-alemão na

Europa, Índia no Sudeste Asiático ou Brasil na América do Sul), seguidos de poderes

regionais secundários (Grã-Bretanha em relação ao condomínio franco-alemão,

Paquistão em relação à Índia ou Argentina em relação ao Brasil). A relação entre a

28

Samuel Hungtington definiu como mundo uni-multipolar “aquele em que a resolução dos problemas-

chave internacionais requere a ação de uma única superpotência e alguma combinação com outros estados

principais; e é aquele em que a única superpotência é capaz de vetar uma ação resultante da combinação

entre outros estados” (Hungtington, 1998).

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superpotência e os principais poderes regionais é a chave da ordem uni-multipolar,

sendo que a estabilidade do sistema depende do equilíbrio conseguido entre os

interesses de um e outros. E uma vez que a superpotência não consegue, sozinha,

estabelecer uma ordem unipolar Ŕ como decerto preferiria Ŕ a tendência do século XXI

é a de que o sistema internacional caminhe no sentido da multipolaridade (Hungtington,

1998, 1999 e 2003).

No que respeita ao momento temporal que é associado ao fim da Guerra Fria (a

queda do Muro de Berlim, em 1989, seguido do desmoronamento da União Soviética,

em 1991), interessa, no contexto desta dissertação, mencionar alguns paradoxos ligados

ao fim do confronto bipolar.

A queda do Muro de Berlim não teve, na Ásia, o impacte imediato que a Europa

conheceu: enquanto de Berlim a Moscovo os regimes comunistas colapsaram, na RPC,

Coreia do Norte e Vietname perpetuaram-se; ao contrário da experiência de

reunificação alemã na Europa, a Ásia não viu a sua situação ser alterada na Península

Coreana, que continuou dividida. Apesar do colapso da URSS reduzir

consideravelmente as tensões militares na Europa, a propensão para o conflito em

Taiwan e na Coreia do Norte viria a aumentar, ainda mais, depois de 1990 (Berger, em

Kim, 2004: 143).

Por outro lado, as transformações globais que se fizeram sentir depois de 1990, e

que em parte caracterizam a nova ordem internacional (vaga democratizadora, transição

para economias de mercado e crescimento económico), fizeram-se sentir no Nordeste

Asiático com alguma antecedência. Na RPC, por exemplo, as políticas de abertura

económica tiveram início na década de 1970. Registou-se também uma vontade

democratizadora e um acentuado crescimento económico, de que é exemplo a

democratização dos regimes sul-coreano e taiwanês, que, de certa forma, procuraram

diferenciar-se “da outra parte”: Coreia do Norte e RPC, respetivamente. Não obstante,

enquanto a democratização sul-coreana nunca abandonou “o consenso interno em torno

do ideal da reunificação da Península”, em Taiwan, “o processo de democratização fez

emergir as profundas divisões internas em torno do ideal de reunificação da China e da

“identidade chinesa/taiwanesa”, ameaçando o statu quo no Estreito e fazendo aumentar

a tensão com Pequim (…)” (Tomé, 2010: 211).

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65

Contudo, e para todos os efeitos, a balança de poderes tinha-se alterado no

Nordeste Asiático depois de 1990. O triângulo estratégico RPC-URSS-EUA tinha sido

substituído pela nova relação triangular entre os EUA, o Japão e a China. Com a

redução do significado das divisões ideológicas, o fim da Guerra-Fria permitiu que os

Estados asiáticos considerassem, com maior facilidade, o estreitamento de relações

económicas e securitárias entre blocos comunistas e capitalistas (Aggarwal et. al., 2008:

10-11). O Nordeste Asiático viu assim as tensões entre as potências da região

diminuírem de forma significativa, sendo que a redução de armamento e a melhoria de

relações económicas são dois indicadores que expressam essa mesma orientação.

Em pouco tempo, os EUA passaram do confronto à cooperação com o antigo

rival da Guerra Fria, nomeadamente na retirada iraquiana do Kuwait, nos acordos de

redução de armamento e no fortalecimento das relações comerciais. Também a Rússia e

a RPC procuraram normalizar as suas relações através da redução de patrulhamento nas

zonas fronteiriças e melhoria de relações comerciais e culturais (Zagoria, 1991: 2).

Posto isto, podemos afirmar que o fim da Guerra Fria eliminou a competição EUA-

URSS, esmoreceu a influência russa na região (nomeadamente no apoio russo

concedido à Coreia do Norte) e diminuiu a distância política entre Pequim e Tóquio.

Contudo, o desenvolvimento mais significativo do pós-Guerra Fria prende-se

com a contínua transformação da China desde meados da década de 1990. A China

personaliza o paradoxo do pós-Guerra Fria no Nordeste Asiático de “que tudo mudou,

mas nada mudou” (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 216): ao mesmo tempo que

parecia estar a tornar-se numa potência benigna, orientada para o mercado, acusava os

EUA de containment e continuava a apresentar gastos elevadíssimos no sector da

Defesa (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 216). Outros aspetos sistémicos

mantiveram-se igualmente inalterados: a Coreia do Norte continuou a ser uma ditadura

comunista totalitária e a questão taiwanesa permaneceu sem solução à vista.

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66

3. O “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental no pós-Guerra Fria

3.1. Experiências frustradas

Os especialistas em matéria de regionalismos tendem a adotar uma retórica

realista na abordagem que fazem à capacidade das instituições regionais asiáticas

“cooperarem, com exercício de poder, na ordem anárquica”. Michael Leifer, por

exemplo, argumentou que era problemática “qualquer tentativa de lidar, por meios não-

militares, com o crescimento de um potencial poder hegemónico e consequente

desequilíbrio da balança de poderes” (Beeson e Stubbs, 2012: 5).

Não obstante, foram muitos e diversificados os enquadramentos teóricos que

surgiram para desafiar as explicações realistas e neo-realistas para o regionalismo “soft”

do Nordeste Asiático.

Para além dos neo-liberais, concorrentes diretos da escola realista, os

construtivistas têm-se afirmado, sobretudo nos últimos anos, como os principais

desafiadores da tradição de pensamento realista, alimentando um debate particularmente

interessante do ponto de vista das Relações Internacionais, entre os papéis

desempenhados pelos agentes e pela estrutura no processo de regionalização asiático

(Beeson e Stubbs, 2012: 6).

Os construtivistas tendem a destacar os “fatores ideacionais” Ŕ como normas,

cultura e identidade Ŕ no processo de regionalismo e institution-building asiáticos

(Beeson e Stubbs, 2012: 6). Neste contexto, Amitav Acharya reconhece o regionalismo

asiático como um sistema de valores e normas que influenciam “a forma como as

regiões asiáticas evoluíram e que se distingue dos processos de regionalização e

regionalismos que encontramos em outras partes do mundo” (Acharya, 2009: 6; 21-23

cit. por Beeson e Stubbs, 2012: 5).

Na sua recente publicação Whose Ideas Matter? Agency and Power in Asian

Regionalism, Acharya argumenta que as ideias provenientes dos atores regionais

prevalecem sobre os interesses dos intervenientes externos no processo de

regionalização asiático. Como o autor refere, grande parte da literatura de Relações

Internacionais enfatiza o papel dos EUA para explicar a falta de uma estrutura

multilateral asiática com maior nível de institucionalização (Acharya, 2009: 60-68 cit.

por Sakaeda, 2009: 114). No entanto, Acharya contesta a centralidade que se tem dado

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67

aos interesses e perceções norte-americanas, salientando o papel dos decisores políticos

asiáticos na defesa pelos “princípios globais” de soberania e não-intervenção (Sakaeda,

2009: 115).

Em síntese, esta perspetiva construtivista elege uma abordagem de “baixo para

cima” (“bottom-up”) e desloca as forças ideacionais do institucionalismo ocidental para

um regionalismo e pensamento político próprios da Ásia. Noutras palavras, podemos

afirmar que o argumento de Acharya enfatiza o papel do agente em detrimento da

estrutura, respondendo assim à sugestiva interrogação que inaugura a sua obra (“Whose

Ideas Matter?”).

Com o fim da Guerra Fria, a retórica norte-americana em relação ao Nordeste

Asiático deixou de se basear apenas no poder relativo. O tradicional sistema de “hub-

and-spokes” que os EUA mantinham na Ásia deu lugar à cooperação multilateral (ou,

se preferirmos, “minilateral” [Cui, 2007: 130]).

O primeiro sinal de mudança na estratégia de Washington em relação à Ásia

coincidiu com a criação da APEC (Cooperação Económica da Ásia-Pacífico)29

, em

1989. Nos seus primórdios, a APEC pretendeu estabelecer-se apenas como um fórum de

debate entre os Estados-membros da ASEAN e os seus parceiros comerciais da região

do Pacífico. No entanto, em 1994, os países da APEC foram mais ambiciosos do ponto

de vista da integração regional e acordaram, através da Declaração de Bogor, na criação

de uma área de comércio livre até 2010 para as economias industrializadas e até 2020

para as economias em desenvolvimento.

Seguiu-se a criação do ARF (Fórum Regional da ASEAN)30

, reunido pela

primeira vez em 1994, e que se afirmou como “o acordo de segurança multilateral mais

importante da Ásia-Pacífico” (Cui, 2007: 130) por incluir todas as grandes potências

regionais. Os seus objetivos principais consistiam na promoção do diálogo construtivo e

consultoria sobre questões políticas e de segurança de interesse comum e na conjugação

29

A APEC é atualmente constituída por 21 economias, a saber: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China,

Hong Kong, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Perú,

Filipinas, Rússia, Singapura, Taipé, Tailândia, Estados Unidos da América e Vietname (Fonte: Asia-

Pacific Economic Cooperation, disponível para consulta em http://www.apec.org/ a 02/07/2012). 30

O ARF é atualmente constituído por: Austrália, Bangladesh, Brunei, Camboja, Canadá, China, União

Europeia, Índia, Indonésia, Japão, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Laos, Malásia, Mianmar, Mongólia,

Nova Zelândia, Paquistão, Papua Nova Guiné, Filipinas, Rússia, Singapura, Sri Lanka, Tailândia, Timor

Leste, EUA e Vietname (Fonte: Asean Regional Forum: “About us”, disponível para consulta em

http://aseanregionalforum.asean.org/about.html, a 02/07/2012).

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68

de esforços para a implementação da diplomacia preventiva e confidence-building

regional (ARF).

Um ano depois, os EUA fundaram, juntamente com o Japão e Coreia do Sul, a

KEDO (Organização para o Desenvolvimento Energético da Península Coreana), que

visava resolver a questão nuclear norte-coreana através da implementação do Acordo-

Quadro assinado entre os EUA e a RDPC em 1994.31

Apesar de criticada pela falta de

progresso (Segal, 1997, 245, cit. por Cui, 2007: 130), a KEDO representou “a primeira

tentativa no Nordeste Asiático para resolver um problema de segurança muito

específico e difícil, através de um acordo multilateral” (Cui, 2007: 130).

Contudo, o contributo destas três organizações (APEC, ARF e KEDO) para a

construção de uma comunidade regional na Ásia Oriental foi pouco significativo.

Em relação à APEC, Nick Bisley diz que é difícil pensar noutra instituição

regional que tenha sofrido uma mudança tão célere entre o entusiamo da sua criação e a

desilusão da sua estagnação: “There are few regional organizations as criticized for

ineptitude and do-nothingness as APEC” (Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 350).

O conjunto de membros da APEC incluía três dos cinco membros permanentes

do Conselho de Segurança das Nações Unidas e todas as “economias-chave” do Arco

do Pacífico. A organização viu a participação crescer de 12 para 21 economias32

e

desenvolveu um programa ambicioso, centrado na liberalização do comércio. Em 1994,

a Declaração de Bogor tinha elevado as expectativas sobre a real utilidade da

organização, já que a APEC passara a ter um modus operandi e objetivos mais

concretos para os quais deveria trabalhar. Contudo, se a decisão de criar uma área de

comércio livre já tinha sido de difícil negociação, o tempo provou o desconforto e

ceticismo de vários membros na prossecução desses mesmos objetivos. Os resultados

concretos da APEC ficaram muito aquém da projeção pública que teve nos primeiros

anos, sendo que o seu maior fracasso equivaleu ao programa de liberalização do

comércio, previsto para 2010.

A cimeira de líderes que se seguiu a Bogor, realizada em Osaka, evidenciou as

visões divergentes entre os membros “ocidentais” e “asiáticos” quanto ao futuro da

31

A KEDO é uma iniciativa de cooperação securitária multilateral com vista a dar uma resposta à ameaça

nuclear norte-coreana, e resultou da coordenação política entre o Japão, os EUA e a Coreia do Sul (com

consulta chinesa). Contudo, a ausência da participação russa e chinesa levantou questões sobre a sua

institucionalização (Snyder, em Lampton, 2001: 101). 32

Emprega-se o termo “economias” e não “estados-membros” exatamente para incluir as três “Chinas”

(RPC, Taiwan Ŕ “Taipé Chinesa” Ŕ e Hong Kong), que foram admitidas na APEC em 1991. Estava

previsto que seriam parte dos membros-fundadores, mas o opróbrio internacional que se seguiu ao

Massacre de Tiananmen adiou as respetivas admissões em dois anos.

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organização. Em primeiro lugar, não se obteve consenso em utilizar a APEC como

instituição precursora na redução das barreiras comerciais da região. Ou seja, enquanto

os líderes ocidentais procuravam que a instituição regional se focasse mais nos

resultados e tivesse um papel mais ativo na liberalização do comércio; os líderes

asiáticos preferiam uma cooperação económica menos aprofundada do ponto de vista

institucional (Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 356).

A credibilidade da APEC foi também fortemente abalada pela apatia com que

reagiu à Crise Financeira Asiática de 1997-98 e, por consequência, o desinteresse dos

seus membros acabou por se traduzir numa agenda demasiado ambígua.

Poder-se-á questionar a razão pela qual a APEC continua a perdurar, apesar da

grande desilusão que representou para o regionalismo asiático. Se, por um lado, a

organização falhou largamente em termos de eficácia económica, os membros da APEC

acabaram por reconhecer a sua utilidade política: “A 6ª. Cimeira de Líderes, realizada

em Auckland, foi crucial na intermediação do acordo diplomático que conduziu à

intervenção em Timor-Leste; a Cimeira de 2001, em Xangai, (…) ajudou a China e os

EUA a descongelarem as suas relações bilaterais, depois do incidente do avião EP-333

(Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 356). Em suma, os encontros anuais da APEC são

vistos pela maioria dos membros como uma oportunidade de diálogo político

importante, já que reúne todas as grandes potências da região da Ásia-Pacífico.

Também o ARF não fez progressos substanciais desde a sua criação. Não foi

bem-sucedido do ponto de vista da promoção da confiança, já que visava reduzir a

desconfiança entre os países da região, sobretudo no que respeitava aos seus programas

de defesa; nem conseguiu desenvolver mecanismos eficazes de diplomacia preventiva

para lidar com os vários flashpoints da região (Yuzawa, em Beeson e Stubbs, 2012:

346-348), pois os assuntos securitários mais importantes eram afastados por um ou

outro governo (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 233). A estagnação do

processo do ARF resultou da falta de confiança entre os Estados-membros. Além disso,

“the ASEAN Way of „consensus decision making‟ and „non-binding commitments”

33

Este incidente, também conhecido como “Incidente da Ilha de Hanói” ocorreu a 1 de Abril de 2001 e

correspondeu a uma colisão aérea entre um EP-3E ARIES II da Força Aérea norte-americana e um jato

intercetor J-8II da RPC. O episódio, que causou a morte do piloto chinês, resultou num diferendo

internacional entre os EUA e a RPC, mas que acabou por ser relativamente abafado através da emissão de

um documento americano bastante ambíguo sobre o incidente, evitando assim que o incidente evoluísse

num confronto de maior dimensão entre as duas potências.

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dificultou a tarefa de obter resultados tangíveis em termos de cooperação securitária

(Yuzawa, em Beeson e Stubbs, 2012: 348).

A criação da KEDO foi mais ditada pela necessidade prática da sua existência do

que por considerações teóricas e, por isso, a sua subsistência estava predefinida e

dependia do cumprimento, por parte da Coreia do Norte, do programa de

desnuclearização. Na sequência da falta de compromisso por parte de Pyongyang, o

Quadro Executivo da KEDO decidiu suspender o projeto dos Reatores de Água Leve

(LWR), em Março de 2006. Como afirmam Kartman, Carlin e Wit (2012: 150), “a

KEDO foi confrontada com vários problemas desde o seu início, e alguns deles

poderiam ter sido evitados se a organização tivesse ocupado um lugar de destaque na

mente de seus fundadores”.

Como resultado destes problemas, os Estados começaram a procurar outras

alternativas para prosseguir as suas políticas económicas, “criando um ciclo vicioso de

baixas expectativas e desinvestimento político e burocrático” (Bisley, em Beeson e

Stubbs, 2012: 357).

3.2. Impulsos regionalistas

Antes da Crise Financeira Asiática de 1997-98, o único esforço de cooperação

financeira existente era o Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), instituição

financeira fundada em 1966 e destinada ao desenvolvimento regional. Surgido no

decurso da Guerra do Vietname, o BDA desde logo excluiu a “Ásia comunista”,

falhando assim na pretensão de se tornar uma organização regional em sentido pleno

(Calder e Ye, 2010: 81). Apesar do BDA ter emprestado consideráveis quantias de

dinheiro às nações emergentes da Ásia, as suas funções estavam limitadas à atividades

de consultoria e coordenação económica.

O ano de 1997 colocou em questão não só o milagre económico da Ásia Oriental

mas também o respetivo modelo dos Estados Desenvolvimentistas34

da região, expondo

34

O conceito de “Estado Desenvolvimentista” surgiu pela primeira vez em 1982, numa tentativa de

Chalmers Johnson explicar o sucesso económico dos países da Ásia Oriental no pós-Segunda Guerra

Mundial, cujas políticas económicas passaram pelo intervencionismo estatal numa economia fortemente

orientada para os mercados e assente nas exportações. Segundo Johnson, o Japão industrializou-se

tardiamente e tinha consciência da sua vulnerabilidade económica e política (Johnson, 1982), tendo sido o

Estado a liderar o processo de industrialização, por vezes recorrendo a medidas protecionistas. O modelo

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71

a vulnerabilidade das economias regionais (Borrus et. al., 2000: 1; Dobson, 2001: 995).

O primeiro choque da Crise traduziu-se na rápida deterioração das economias regionais

e no efeito de contágio, tenha sido por canais financeiros ou por dinâmicas comerciais e

desvalorização competitiva. Registou-se também uma dependência excessiva em

relação ao capital da banca e o subdesenvolvimento dos mercados obrigacionistas locais

(Beeson e Stubbs, 2012: 131).

Os países que tiveram de acarretar com as medidas de austeridade do FMI,

nomeadamente a Tailândia, a Indonésia e a Coreia do Sul, acusaram a instituição

financeira pelo diagnóstico incorreto que fez da realidade asiática e pela consequente

dureza das medidas (Higgott, 1998 cit. por Katada em Beeson e Stubbs, 2012: 131).

O descrédito dos países da Ásia Oriental estendeu-se também aos EUA, por

hesitaram em resgatar a Tailândia e a Indonésia durante a Crise Financeira e por se

oporem, à semelhança do FMI, à criação do Fundo Monetário Asiático (FMA), proposto

pelo Japão em Setembro de 1997, e que contaria com uma capitalização inicial de 100

mil milhões de dólares. Os EUA justificaram-se, dizendo que a criação do FMA erodiria

o significado e utilidade do FMI.

O boicote norte-americano à criação do FMA, que contava já com a aprovação

da ASEAN, Taiwan e Coreia do Sul, foi recebida por estes países com bastante

desagrado. Para além de oporem fortemente ao FMA, os EUA persuadiram Pequim, que

mantinha já alguma reserva em relação a uma liderança regional japonesa, a tomar a

mesma posição. O sentimento de abandono e desinteresse dos EUA em relação à Ásia

foi ainda agravado pelas declarações do Secretário do Tesouro norte-americano, Robert

Rubin, que afirmou que a “implosão da moeda tailandesa foi apenas uma falha na

estrada” (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 218). Os asiáticos concluíram, por

si, que os EUA estavam mais interessados em promover o modelo anglo-americano de

capitalismo do que em resolver os problemas financeiros da Ásia, transparecendo a

ideia de que o FMI estava dominado pelos norte-americanos e que apenas defendia os

interesses das instituições financeiras ocidentais. Para o efeito, a abertura dos mercados

asiáticos a empresas estrangeiras à custa dos trabalhadores asiáticos e da soberania

dos países asiáticos representava uma instrumentalização eficaz dessa mesma política

(Bowles, 2002, 237-238, cit. por Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 367).

de planificação económica racional adotado por Tóquio foi rapidamente copiado pela Coreia do Sul e

outros países da ASEAN, nomeadamente a Tailândia, Malásia e Singapura.

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72

A tentativa falhada de criação do FMA é bem reveladora da dificuldade em

aprofundar o regionalismo asiático. Apesar de, na altura, o Japão representar a segunda

maior economia mundial e a mais influente na região, Tóquio não conseguiu reunir

consenso contra a oposição americana, sobretudo devido à inexistência de uma rede de

comunicação eficaz entre os países do Nordeste Asiático. Anos mais tarde, o sucesso da

Iniciativa Chiang Mai (ICM), liderada pelo Japão, China e Coreia, viria a provar que

situações de crise são mais facilmente ultrapassadas através da ação coletiva, tornando

possível a formalização da cooperação regional (Calder e Ye, 2010: 84).

Existiu ainda um sentimento de humilhação partilhado pelos asiáticos (Tsutomu

Kikuchi cit. por Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 217), por sentirem que a

soberania nacional estava comprometida, “ao verem a imagem de Suharto, ex-

Presidente da Indonésia, assinar o acordo do FMI com Michel Camdessus, então Diretor

de Gestão do FMI, que estava em pé, de braços cruzados, a olhar para Suharto de alto

para baixo. Esta imagem (Anexo 4) funcionou como um lembrete aterrador, com

reminiscências da era colonial” (Budianta cit. por Katada, em Beeson e Stubbs, 2012:

135).

A Crise Financeira Asiática evidenciou a ligação entre a estabilidade económica

e a estabilidade regional (Dieter em Beeson e Stubbs, 2012: 122). Os decisores políticos

não demoraram muito a assimilar esta realidade, tanto que só em 1998, o número de

ACL celebrados bilateralmente na Ásia aumentou 80% e o número de ACL plurilaterais

aumentou 90% (dados de 2010, do Centro de Integração Regional da Ásia, do BDA).

A Crise acarretou ainda outras consequências importantes, ao evidenciar o sério

compromisso chinês e japonês para com a região: a China doou mil milhões de dólares

à economia tailandesa quando a sua moeda colapsou, ao contrário do que fizeram os

EUA, que preferiram “castigar o governo pela má gestão económica” (Vatikiotis, 2003:

69, cit. por Beeson e Stubbs, 2012: 370). Depois de 1997-98, a China estreitou a sua

relação com a ASEAN e, ao contrário da sua oposição ao FMA, apoiou a ICM,

permitindo assim o desenvolvimento da cooperação financeira regional (Katada, em

Beeson e Stubbs, 2012: 133).

Em 1998, o então Secretário-geral da ASEAN, Rodolgo Severino, Jr., afirmou

que “a China está a emergir desta [crise] a cheirar bem. Ainda temos um problema

territorial com a China, mas as coisas estão a correr bem entre a ASEAN e Pequim”

(Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: p 218-219). Também o líder malaio, Mahathir

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73

bin Mohamad, declarou, em 1999, que “o desempenho da China na crise financeira

asiática tem sido louvável” e que “o seu elevado sentido de responsabilidade

[pouparam] a região de uma consequência muito pior” (Frost e Kang, em Aggarwal et.

al., 2008: 219).

Em suma, a Crise Financeira Asiática de 1997-98 provou que a ASEAN não

dispunha de mecanismos para superar a crise: a APEC foi incapaz de encontrar uma

solução para o desastre financeiro asiático e o BDA “respondeu timidamente para servir

como credor regional de último recurso”. Neste contexto, em que a crise despertou a

consciência de uma história comum, a nova estrutura da ASEAN+3 assumiu

prontamente um papel central na cooperação financeira na conjuntura de crise.

ASEAN+3

Na comemoração do 30º Aniversário da ASEAN, em Kuala Lumpur, deu-se

início, de uma forma bastante discreta, à formação ASEAN+3. Por essa altura

(Dezembro de 1997), a Malásia encabeçava a organização e convidou os líderes da

China, Japão e Coreia do Sul para o encontro inaugural da ASEAN+3. Acreditava-se

que a vontade do primeiro-ministro malaio, Mahathir Mohamed, em criar a “East Asian

Economic Caucus” (EAEC) Ŕ que nos anos 90 tinha recebido uma forte oposição norte-

americana, por poder interferir com o desenvolvimento do trabalho da APEC (Beeson e

Stubbs, 2002: 443) Ŕ, estava finalmente a materializar-se (Terada, em Beeson e Stubbs,

2012: 354).

Contudo, como a comemoração coincidiu com a Crise Financeira de 1997-98, os

países do Nordeste Asiático voltaram a ser convidados para a cimeira anual, realizada

em Hanói, com o objetivo de consolidarem a institucionalização da cooperação regional

na Ásia Oriental.

Apesar da hesitação inicial japonesa, o interesse chinês em aprofundar as

relações económicas com a ASEAN acabou por forçar a entrada do Japão nesta nova

moldura regional, uma vez que Tóquio não poderia tolerar que Pequim ganhasse uma

posição de “liderança incontestada na região” (Beeson e Stubbs, 2002: 443).

Em Novembro de 1999, na Cimeira de Manila, os Chefes de Estado/Governo

implementaram a “Declaração Conjunta de Cooperação na Ásia Oriental” (“Joint

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Statement on East Asia Cooperation”) onde, para além de retratarem os objetivos dos

países da ASEAN+3, expressaram “determinação e confiança no aprofundamento e

alargamento da cooperação na Ásia Oriental, no sentido de gerar resultados concretos,

com um impacto tangível sobre a qualidade de vida das pessoas da Ásia Oriental e sobre

a estabilidade da região no século XXI”35

. Em boa verdade, a importância desta

Declaração Conjunta reside no facto de, pela primeira vez, todos os líderes da região se

reunirem e darem uma voz coletiva à Ásia Oriental.

De acordo com a segunda Declaração Conjunta, de 20 de Novembro de 2007, a

ASEAN+3 é percecionada como “o veículo principal na construção a longo-prazo de

uma comunidade da Ásia Oriental” e a EAS é referida como tendo um “papel

complementar”, juntamente com outras organizações como a APEC, ASEM e ARF 36

.

Podem ainda ser apontadas algumas características que fazem da ASEAN+3

uma instituição peculiar.

Em primeiro lugar, é a primeira instituição da Ásia-Pacífico a excluir os EUA

que, de resto, já tinham “demolido qualquer proposta regional asiática que excluísse a

sua participação” (Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 365), como foram os casos da

EAEC e do FMA. As razões para a exclusão norte-americana prendem-se com a falta de

compromisso que demonstraram durante a Crise Financeira de 1997-98 e com o facto

de não terem sido convidados, pela Malásia, para o encontro inaugural da ASEAN+3.

Fred Bergsten, por exemplo, foi bastante assertivo na forma como expressou a

inadequada participação dos EUA na ASEAN+3: “Os asiáticos não são convidados para

as cimeiras periódicas americanas (e nem americanos nem asiáticos são convidados para

as frequentes cimeiras da União Europeia)” (Bergsten 2007: 3, cit. por Terada, em

Beeson e Stubbs, 2012: 367).

Em segundo lugar, a cooperação financeira tornou-se a agenda dianteira da

ASEAN+3, o que “ilustra uma anomalia na trajetória convencional da integração

regional de qualquer outra parte do mundo” (Dieter e Higgott, 2003, cit. por Terada, em

Beeson e Stubbs, 2012: 365). Em 1961, baseando-se na experiência europeia, Béla

Balassa publica um estudo em que classifica o curso de evolução da integração regional

em cinco fases. No entanto, a Teoria de Integração Económica é refutada por Dieter e

35

“Joint Statement on East Asia Cooperation”, de 28 de Novembro de 1999, disponível para consulta no

sítio da ASEAN: http://www.aseansec.org/5469.htm, a 02 de Julho de 2012. 36

“Second Joint Statement on East Asia Cooperation: Building on the Foundations of ASEAN Plus Three

Cooperation”, de 20 de Novembro de 2007, disponível para consulta no sítio da ASEAN:

http://www.aseansec.org/21099.htm, a 02 de Julho de 2012.

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Higgott, especialmente porque o desenvolvimento da ASEAN+3 vem provar que é

possível existir integração regional a partir da cooperação financeira (Dieter e Higgott,

2003, cit. por Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 369).

Esta cooperação financeira resultou da ICM, um acordo multilateral sobre os

mecanismos cambiais dos países da ASEAN+3. A iniciativa teve origem numa série de

acordos cambiais bilaterais, depois dos países da ASEAN+3 se terem reunido, em Maio

de 2000, em Chiang Mai (Tailândia), num encontro anual do BDA. Depois da Crise, os

países-membros da ASEAN+3 levaram a cabo esta iniciativa para gerir os problemas

regionais de liquidez a curto prazo e facilitar o trabalho de outros acordos e

organizações financeiras internacionais, nomeadamente através da criação de um pool

de reservas estrangeiras, que em 2010 contava com um 120 mil milhões de dólares.

Apesar de apenas vir a contar com o endosso do FMI alguns meses mais tarde, a ICM,

liderada pelos países do Nordeste Asiático e sem a presença dos EUA, da Austrália e da

Nova Zelândia, representou um “passo substancial para a cooperação regional da Ásia

Oriental” (Calder e Ye, 2010: 94), tendo sido creditada pela criação da base para a

estabilidade financeira asiática.

Com esta inovação formal suis generis, dada a tradição regionalista não-

institucionalizada da Ásia Oriental, a ASEAN+3 pôde desenvolver a sua própria

agenda, evitando assuntos políticos mais sensíveis, como a democracia e a promoção de

direitos humanos.

A ASEAN+3 possibilita que a ASEAN desempenhe um papel central na

cooperação da Ásia Oriental, embora a sua capacidade de liderança tenha sido

questionada por investigadores como David Martin Jones e Michael L.R. Smith

(Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 365), deixando para debate a questão sobre quem

deverá liderar a ASEAN+3. Mas para todos os efeitos, uma das razões que tem

permitido à ASEAN receber as cimeiras da ASEAN+3 e desempenhar um papel de

destaque neste processo de integração é precisamente a competição ou confronto entre a

China e o Japão37

.

Em 1998, o presidente sul-coreano, Kim Dae Jung, propôs a criação do “East

Asia Vision Group” (EAVG), que se baseava num conjunto de peritos, representantes

de cada estado-membro da ASEAN+3, que estaria disposto a traçar as principais linhas

de orientação de cooperação na Ásia Oriental (principais propósitos, princípios básicos

37

Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106).

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76

e medidas concretas). O Relatório do EAVG foi apresentado na Cimeira da ASEAN+3,

em 2001, e incluía como propostas de longo prazo a criação de uma Cimeira da Ásia

Oriental (EAS), um Fórum da Ásia Oriental e uma Área de Comércio Livre da Ásia

Oriental (Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 366).

Em suma, a institucionalização da ASEAN+3 seguiu um rumo que, em 1997,

poucos adivinhariam, deslocando o ponto de gravidade diplomático do regionalismo

económico asiático da APEC para a nova fórmula da ASEAN+3 (Moore em Kim, 2004:

117).

East Asia Summit (EAS)

“ „One Vision, One Identity, One Community‟: os banners que cobriam a cidade

de Kuala Lampur, em Dezembro de 2005, revelavam a grandiosidade das ambições dos

anfitriões malaios para a primeira Cimeira da Ásia Oriental” (Camroux, em Beeson e

Stubbs, 2012: 376), embora revelassem também as ambiguidades na definição da

integração regional asiática.

A ideia por detrás da criação da EAS consistia em transformar a ASEAN+3

numa moldura regional mais coerente e desenvolvida, permitindo assim que a China, o

Japão e a Coreia do Sul tivessem um papel mais ativo (e paritário, em relação aos países

da ASEAN) no processo de construção de uma comunidade regional na Ásia Oriental.

No entanto, a forma de integração regional especificamente asiática foi

enfraquecida pela celebração de acordos bilaterais de comércio livre entre países

asiáticos (Singapura e Coreia do Sul) e parceiros não-asiáticos (EUA, Austrália e Nova

Zelândia) (Camroux, em Beeson e Stubbs, 2012: 382). Além disso, seguido da

participação inicial da Austrália e Nova Zelândia, o alargamento da EAS aos EUA e

Rússia pode ser interpretado como um regresso ao regionalismo da Ásia-Pacífico,

tipificado pela APEC.

O facto de a ASEAN+3 herdar um passado comum, resultante da Crise

Financeira de 1997-98 e que culminou na ICM e no desenvolvimento da UMA, põe em

causa a relevância da EAS, à qual muitas vezes é atribuído um papel secundário por

incluir os mesmos membros da ASEAN+338

. A EAS é, para todos os efeitos, apenas

uma cimeira, sem secretariado permanente nem acordo institucional permanente: “it is

38

As reuniões dos dois fora são realizados após os encontros anuais da ASEAN.

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indeed just a summit, or as expressed prosaically by an eminent American scholar „a

dinner followed by sixteen speeches‟” (Ememerson, 2010: 2, cit. por Camroux em

Beeson e Stubbs, 2012: 376).

A ambiguidade da relação entre a APEC, a ASEAN+3 e a EAS tem-se mantido

ao longo dos anos. Na Cimeira da APEC em Hanói, em 2006, o então primeiro-ministro

malaio, Abdullah Badawi, referiu-se à ASEAN+3 como o “veículo primário” na

construção de uma comunidade regional asiática, à EAS como “um fórum

complementar para o diálogo sobre assuntos estratégicos, que inclui participantes

adicionais no apoio à construção de uma comunidade regional, para mútuo benefício”, e

demonstrou-se bastante duro na crítica que fez à APEC, nomeadamente em relação à

inexistência de um sentido de responsabilidade partilhado e à necessidade de

redefinição do seu papel na região:

“Since this is an APEC forum, I would like to suggest that the fifth, and probably the most

urgent, priority is to refine the role of APEC in the emerging regional architecture, and

make it a more effective process for regional cooperation in its specific field. Among the

things we might want to do is to make the APEC agenda more relevant to the needs and

aspirations of all Member Economies and not just a few. Common purpose can only evolve

from a sense of shared ownership, and this will only exist when the APEC agenda serves

the interests of all members as much as possible. All Member Economies need to be

accorded a sense of equality and their concerns addressed with equal measure. APEC

should also return to its original purpose as an instrument for promoting economic growth

through fostering freer, and fairer, flow of trade.” (Badawi, 2006)

A “Parceria Económica Global para a Ásia Oriental” ou, na sua versão original

“Comprehensive Economic Partnership for East Asia” (CEPEA) começou a ganhar os

primeiros contornos entre a terceira e quarta cimeiras da EAS, realizadas em 2008 e

2009, respetivamente. Por proposta japonesa, os 10 países da ASEAN, os “Plus Three”,

a Índia, a Austrália e a Nova Zelândia desenvolveram acordos de comércio livre, em

separado, entre os membros da EAS.

Paralelamente, e não em alternativa, o grupo ASEAN+3 continua a desenvolver

o Acordo de Comércio Livre para a Ásia Oriental, que exclui a Índia, Austrália e Nova

Zelândia.

Conclui-se assim que a relação entre a EAS e a ASEAN+3 ainda é bastante

ambígua. Enquanto alguns países preferem um agrupamento mais restrito, limitado à

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ASEAN+3, outros defendem a EAS alargada, que permita contrabalançar o poder da

China.39

A proliferação de ACL e de redes de produção transnacionais

“O regionalismo liderado pelos ACL parece ter chegado para ficar na Ásia”, já

que parece satisfazer os interesses de todos os países da Ásia Oriental: para as

economias do Nordeste Asiático, os ACL funcionam como um veículo para levarem a

cabo as suas estratégias de comércio regional e mundial; enquanto para os países da

ASEAN, o desenvolvimento de ACL também parece afirmar-se como um instrumento

privilegiado na expansão do comércio regional e no aumento a sua participação em

redes de produção avançadas (Kawai e Wignaraja, 2011: 2).

Na sequência do que foi mencionado, é relevante ressalvar que a

descentralização dos processos de produção fez disparar o comércio intra-regional,

aumentando de 37% em 1980, para 56% em 2008 (BDA, 2008). Ao consultarmos a

base de dados sobre ACL no Centro de Integração da Ásia, do BDA, verificamos que no

período entre 2000 e 2010, o número de ACL asiáticos aumentou de 3 para 61, dos

quais 47 já se encontravam em funcionamento, afigurando assim um crescimento

astronómico que coloca a Ásia a liderar o ranking dos ACL celebrados mundialmente

(Anexos 5 e 6).

Regra geral, as economias asiáticas preferem os acordos bilaterais aos

plurilaterais, por serem menos complexos e mais fáceis de negociar. Os primeiros

representam 77% dos ALC concluídos em 2010, enquanto os segundos apenas 23%.

Kawai e Wignaraja expõem quatro fatores que explicam a expansão dos ACL na

Ásia:

1. O aprofundamento da integração económica conduzida pelos mercados

asiáticos, que contribui para a formação de redes de produção e cadeias logísticas

asiáticas;

2. O sucesso dos processos de integração europeia e norte-americana, sob a

forma da UE e NAFTA, que motivou os países asiáticos a adotar ACL, sobretudo pelo

receio de serem negligenciados ou ultrapassados pelos “dois gigantes”;

39

Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106).

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3. A Crise Financeira Asiática de 1997-98, por evidenciar que as economias

asiáticas enfrentavam desafios comuns e que por isso deveriam unir esforços na área do

comércio e investimento, por forma a garantir o crescimento sustentado;

4. A lentidão no progresso das Negociações Doha, da OMC, estimularam os

países asiáticos a considerar os ACL como alternativa. A Agenda Doha visava a

redução das barreiras comerciais, por forma a aumentar o comércio global, mas a

expectativa criada sobre este ciclo de negociações, iniciado em Novembro de 2001 e

que prometia desenvolver os países pobres através do comércio, não tardou a esmorecer.

A agricultura representou o principal ponto de discórdia. Em poucas palavras,

pretendia-se que os países desenvolvidos reduzissem as tarifas agrícolas e os subsídios

aos produtores agrícolas e que os países em desenvolvimento reduzissem as tarifas dos

bens industriais e liberalizassem o comércio dos serviços. Contudo, a partir de 2008, as

negociações entraram num impasse, sobretudo devido à preocupação de proteger os

agricultores mais empobrecidos do aumento de preços na alimentação e petróleo (Kawai

e Wignaraja, 2011: 2).

Os autores do artigo «Asian FTAs: Trends, prospects and challenges», do

Journal of Asian Economics, salientam ainda três desenvolvimentos principais,

relacionados com a emergência dos ACL e com as novas dinâmicas das redes de

produção transnacionais:

1. O aprofundamento regional das redes de produção avançadas da Ásia, que

estão na base do seu sucesso de exportação global das últimas décadas (BDA, 2006);

2. A liderança asiática dos ACL mundiais (61 ACL em 2010), apesar de só

relativamente tarde recorrer a estes acordos como um instrumento de política comercial;

3. A emergência de literatura sobre os efeitos económicos dos ACL asiáticos.

(Kawai e Wignaraja, 2011: 1-2).

As redes de produção transacionais consistem nas relações intra- e inter-

empresariais através das quais a empresa organiza o conjunto das suas atividades, desde

a fase de Investigação e Desenvolvimento (I&D), à definição do produto e do seu

design, à fabricação ou prestação do serviço e à sua distribuição. Ou seja, estas redes de

produção têm em conta toda a cadeia logística transnacional existente entre a empresa

central e as empresas afiliadas e subsidiárias, incluindo fornecedores e empresas

subcontratadas (Borrus et. al., 2000: 1). As redes de produção transnacionais são

desenvolvidas para explorar as heterogéneas capacidades tecnológicas da região, de

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forma a acederem às vantagens locais de cada nódulo da rede, associado a tecnologias

altamente especializadas e às suas competências e ao seu know-how (Borrus et. al.,

2000: 2). Assim, estas redes promovem uma nova divisão internacional do trabalho, em

que os produtos são produzidos consoante a vantagem comparativa das diferentes

regiões.

Na Ásia Oriental, onde os níveis de complementaridade intra-regional são muito

elevados, as redes de produção transnacionais aparecem em moldes complexos e

altamente elaborados (Borrus et. al., 2000: 12).

Para ilustrar o tipo de funcionamento de uma rede de produção transnacional,

recorremos ao exemplo da indústria eletrónica asiática: neste tipo de indústria, as

empresas devem estar presentes nos principais mercados emergentes (“o domínio de um

mercado doméstico Ŕ mesmo que seja tão grande como o dos EUA Ŕ já não será

suficiente”) e devem dispor de recursos especializados, “tais como o conhecimento

tecnológico, a competência organizacional, finanças, experiência produtiva, redes de

fornecedores e clientes e inteligência de mercado” (Borrus et. al., 2000: 225). No caso

da indústria computacional, teremos uma montagem final dispersa pelos EUA e pelas

maiores economias europeias e asiáticas, em que “os microprocessadores são

provenientes dos EUA, os dispositivos de memória do Japão, as motherboards de

Taiwan, os discos rígidos de Singapura, os monitores da Coreia, Taiwan ou Japão, os

teclados e as fontes de alimentação de Taiwan, por aí fora”. (Borrus et. al., 2000: 226).

A figura que compõe o Anexo 7 ilustra algumas redes de produção transnacionais no

sector das Tecnologias de Informação, no Nordeste Asiático.

As concentrações industriais especializadas, como sustentou Michael Porter,

podem gerar crescimento e competitividade em moldes extraordinários, como foram

exemplos o Silicon Valley ou o “Sun Belt” nos EUA, a Mittelstand alemã ou a Terceira

Itália.

Porter, que define cluster económico como “a geographically proximate group

of interconnected companies and associated institutions in a particular field, including

product producers, service providers, suppliers, universities, and trade associations,

from where linkages or externalities among industries result” (Porter, 1998: 197),

chamou a atenção para a importância da proximidade geográfica num mundo

globalizado: “In a global economy one would expect location to diminish its

importance. But the opposite is true. The enduring competitive advantages in a global

economy are often heavily localized, arising from concentrations of highly specialized

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skills, knowledge, institutions, rivalry, related businesses and sophisticated consumers”

(Porter, 1998: 90).

E é exatamente esta tendência, de valorização da proximidade geográfica e da

concentração industrial especializada, que agora parece estar a verificar-se na costa

oriental chinesa, “no coração do Círculo de Xangai”. Tal como se pode observar no

Anexo 7, existem três clusters tecnológicos na costa chinesa que envolvem as principais

empresas japonesas, coreanas e taiwanesas.

As empresas taiwanesas desempenham um papel importantíssimo no Nordeste

Asiático. A taiwanesa Quanta Computer, responsável pela produção de um terço dos

portáteis em todo o mundo, passou 90% da sua produção para Xangai, empregando

mais de 20 mil chineses. As empresas taiwanesas de tecnologias de informação mais

conhecidas, a Acer e a Asus, também têm algumas das suas principais infraestruturas

localizadas na China (Calder e Ye, 2010: 142).

Só na megapolis de Xangai, por exemplo, as comunidades japonesas e coreanas

representam as maiores comunidades de estrangeiros, com 33 e 23 mil habitantes,

respetivamente, o que corresponde a um total de 22% e 15% da população estrangeira

residente (Calder e Ye, 2010: 143).

Verifica-se, pois, que de 1990 a 2010, a integração comercial foi liderada pelos

mercados e não pelos Estados: a criação de acordos de comércio preferenciais por parte

dos governos não afetou assim tanto para o aprofundamento das relações comerciais. As

empresas transnacionais foram estabelecendo redes de produção transnacionais, apesar

do fraco apoio institucional. “O resultado foi uma „fábrica asiática‟ por toda a região,

mais conduzida pelos mercados do que pelos governos.” (Pempel, 2010, cit. por Dieter,

em Beeson e Stubbs, 2012: 117).

Contudo, sobretudo depois da Crise Financeira de 1997-98, com a

regionalização económica feita de baixo para cima (“bottom-up”) tornou-se urgente a

criação de políticas governamentais que completassem os processos de integração

económica. Neste sentido, proliferaram encontros e cimeiras bilaterais entre os líderes

regionais (com os dirigentes políticos da China, Coreia e Japão a reunirem-se, no

mínimo, duas vezes por ano), bem como think tanks asiáticos (com ligações

ministeriais), que tinham por objetivo a promoção de acordos de comércio regional.

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82

3.3. O Nordeste Asiático enquanto protagonista

Kevin Cai observou que depois da Crise Financeira Asiática de 1997-98 existiu

uma “dramática mudança de pensamento entre políticos e empresários do Nordeste

Asiático, que se aperceberam da urgente necessidade de criar um mecanismo formal

regional para lidar com crises semelhantes que pudessem vir a ocorrer no futuro e para

manter o crescimento económico da região” (Kevin Cai, 2001: 11, cit por Beeson e

Stubbs, 2012: 449). A criação da ASEAN+3 e da EAS constituíram duas respostas a

essa necessidade.

As relações interestaduais entre os países do Nordeste Asiático passaram a

assentar nas molduras destas instituições, que funcionam como plataformas de

bandwagoning em relação à ASEAN. Para questões securitárias, as relações

interestaduais assentam no ARF e nas Six-Party Talks (Kim em Friedman e Kim, 2006:

6), e para questões económicas na ASEAN+3 e na EAS.

A partir de 1997, os canais de diálogo multiplicaram-se no triângulo do Nordeste

Asiático, desde a criação do Comité das Três Partes (“Three-Party Committee”) (Calder

e Ye, 2010: 156) ao aumento de acordos bilaterais e redes intergovernamentais,

incluindo cimeiras e encontros ministeriais nas áreas das finanças, negócios

estrangeiros, economia, comércio, ambiente, saúde, cultura e turismo (Terada, em

Beeson e Stubbs, 2012: 372).

Na viragem para o século XXI, vários líderes políticos, como Kim Dae-jung e

Mori Yoshiro, defenderam a criação de “Um Grande Desígnio” para o Nordeste

Asiático que consistia na construção de grandes infra-estruturas que ligassem a Coreia,

o Japão, a China e o Extremo Oriente Russo (Calder e Ye, 2010: 13).

Vários analistas e empreendedores japoneses e sul-coreanos propuseram a

criação de um túnel subaquático que ligasse os dois países, o que permitiria ligar o

Japão à Ásia Continental (Calder e Ye, 2010: 115). Propôs-se também a criação de uma

rede ferroviária transfronteiriça, oleodutos e redes elétricas que ligassem os países do

Nordeste Asiático, o que permitiria aumentar a cooperação entre a China, Japão e

Coreia (Calder e Ye, 2010: 115). A verdade é que os três países do Nordeste Asiático

precisam desesperadamente de recursos naturais (Friedman e Kim, 2006: 10) e com a

resolução do problema nuclear norte-coreano, a ligação entre as redes de caminho-de-

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ferro transiberiana e transcoreana satisfaria as necessidades da China, das Coreias e do

Japão (Friedman e Kim, 2006: 10).

A política de reconciliação sobre as mágoas históricas entre o Japão e a Coreia

culminou num encontro entre o primeiro-ministro Obuchi Keizo e o presidente Kim

Dae-Jung, em 1998. O primeiro-ministro japonês pediu perdão pelos crimes cometidos

durante o período colonial e o presidente sul-coreano “pareceu ter aceitado o pedido de

desculpas” e comprometeu-se a ultrapassar as mágoas do passado e “seguir em frente”

(Berger em Kim, 2004: 152). Em 2002, os dois países recebem o campeonato do mundo

de futebol e a opinião pública de um em relação ao outro acabou por mudar

significativamente.Vários outros sinais, como o intercâmbio cultural, apontavam para

uma nova era nas relações trilaterais do Nordeste Asiático. A título de exemplo,

segundo o Gabinete de Turismo Japonês, o número de sul-coreanos que visitou o Japão

entre 1990 e 2010 aumentou 70% a par do crescimento de 92,5% de chineses que

visitou o país no mesmo período. Estes dados são indicativos não só do aumento do

poder de compra na China e Coreia do Sul, mas também de maior interdependência

económica e perceções melhoradas entre os habitantes dos três países.

Como vimos, a cooperação entre “Pandas, Faisões e Tigres” tem-se realizado

sobretudo no quadro da ASEAN+3, sendo que as matérias de cooperação têm ido para

além da cooperação financeira. A título de exemplo, na Cimeira Trilateral da

ASEAN+3, em Novembro de 2007, os respetivos primeiros-ministros discutiram o

processo de paz da Península Coreana e apresentaram propostas para a cooperação

regional do Nordeste Asiático. Nessa Cimeira, Wen Jiabao defendeu o “melhoramento

das ligações rodoviárias, ferroviárias e aéreas e das telecomunicações de informação,

para satisfazerem a procura dos crescentes laços comerciais” (Calder e Ye, 2010: 116).

A Crise Financeira de 2008 provou a necessidade de haver maior coordenação

entre os três países do Nordeste Asiático, que acordaram, nesse ano, prestar assistência

mútua e coordenar a ação externa caso fossem confrontados como uma crise financeira

global. Em Outubro, decidiram estabelecer um órgão consultivo financeiro para

“promover a estabilidade financeira da Ásia”, conduzindo à histórica Cimeira Trilateral

de Fukuoka, a 13 de Dezembro no mesmo ano. Ainda em Dezembro, os respetivos

ministros da Cultura e Negócios Estrangeiros procuraram promover o intercâmbio e o

diálogo cultural entre a China, Coreia do Sul e Japão. Em Março de 2009, os ministros

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dos transportes e infraestruturas reuniram-se a fim de promover a cooperação trilateral

para combater os problemas de abastecimento de água. (Calder e Ye, 2010: 117-118).

Por último, um dos mais recentes e relevantes sinais de cooperação trilateral

ficou evidente na “Trilateral Cooperation VISION 2020”, assinada em Maio de 2010.

Nesta declaração, os três governos do Nordeste Asiático expressam a sua satisfação

pelos resultados substanciais que derivaram da cooperação trilateral na última década

e reconhecem que ainda há muito espaço para o desenvolvimento da cooperação

trilateral na promoção do intercâmbio de pessoas, bens, serviços e capital, seguindo os

princípios de boa vizinhança, confiança e benefícios mútuos e desenvolvimento comum

(MNE do Japão).

Assim, para que a cooperação trilateral sirva os interesses das três partes e

contribua para a paz, estabilidade e prosperidade regional, os três governos

comprometem-se a promover a “institucionalização e valorização da parceria trilateral”,

nomeadamente através da criação de um Secretariado para a Cooperação Trilateral com

sede permanente em Seul; a “cooperação económica sustentável”, salvaguardando a

negociação de um possível ACL trilateral; a “cooperação para a proteção do ambiente e

para o Desenvolvimento Sustentável”; a “cooperação e intercâmbios humanos e

culturais”; e “esforços conjuntos para a paz e estabilidade regional e internacional”. No

âmbito deste último ponto, Pequim, Tóquio e Seul comungam o princípio que “a

desnuclearização da Península Coreana contribuiria para a paz duradoura e a

prosperidade securitária e económica no Nordeste Asiático” e determinam-se a estreitar

a cooperação nos diversos fora regionais, “incluindo a ASEAN+3, a EAS, o ARF e a

APEC” e “apoiam a ASEAN como a força motriz para a cooperação na Ásia Oriental”

(MNE do Japão).

Como se antevê nesta “Trilateral Cooperation VISION 2020” e como será

argumentado adiante, os países do Nordeste Asiático estão empenhados na cooperação

regional mas hesitam em relação à liderança do processo de regionalização da Ásia

Pacífico. Deste modo, e por agora, a China, o Japão e a Coreia do Sul acomodam-se à

liderança regional do Sudeste Asiático40

, com o qual mantêm excelentes relações

comerciais (Anexo 8).

40

Apesar de, na proposta de criação da EAS, a China ter procurado equilibrar a preponderância dos países

do Nordeste Asiático em relação à ASEAN.

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O Panda Gigante

O fim da Guerra Fria exigiu que uma nova resposta estratégica por parte de

Pequim, que anteviu na ordem multipolar a melhor fórmula de contrabalançar a

supremacia dos EUA. A China mostrou o seu desejo de multipolaridade em declarações

públicas, deixando clara a sua visão da Ásia como uma região “relativamente pacífica”

e merecedora de uma abordagem mais multilateral para as questões de segurança

regional - isto é, menos dominada por Washington (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,

2008: 73).

Apesar da retórica chinesa apoiar o diálogo multilateral, na prática, e sobretudo

durante a primeira metade da década de 1990, o interesse multilateral da China foi

limitado e pouco evidente. Em 1994, chegou mesmo a recursar a participação nas

negociações da KEDO, com a justificação de que a desnuclearização norte-coreana era

apenas “interesse de três partes: a AIEA, EUA e Coreia do Sul” (Kun-Chin Lin em

Aggarwal et. al, 2008: 74). Kun-Chin Lin ilustra a fraca participação chinesa da

seguinte forma: “Frequentemente, a China quer um lugar na mesa [de negociações], mas

tenta limitar o ritmo e o âmbito das discussões, especialmente em áreas relacionadas

com transparência e conflitos regionais específicos” (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,

2008: 74).

Contudo, a atitude chinesa mudou significativamente em meados da década de

1990, tendo-se tornado num dos atores mais proactivos nas iniciativas regionalistas da

Ásia Oriental em geral, e do Nordeste Asiático em particular.

Depois de em 1996 ter promovido amplamente a criação do grupo “Xangai

Cinco”, mais tarde Organização de Cooperação de Xangai (OCX), a China divulga o

“Novo Conceito de Segurança”, em 1997, que rompe com as tradicionais linhas de

orientação da política externa chinesa, ao promover “a segurança cooperativa, o mútuo

benefício nas relações económicas, o respeito pela soberania e a dependência de

mecanismos de consulta e confidence-building para resolver disputas” (Kun-Chin Lin,

em Aggarwal et. al, 2008: 74).

A Crise Financeira de 1997-98 ofereceu à China a oportunidade de promover a

sua visão institucional e o seu papel na região (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,

2008: 74).

A alteração da postura da RPC em relação a iniciativas intra-regionais é

absolutamente histórica, e resultou não só do choque da Crise Financeira de 1997-98,

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mas também das suas novas responsabilidades em Hong Kong, que havia passado para

sua administração a 1 de Julho de 1997. Hong Kong sofreu uma grande exposição à

Crise, devido à interdependência regional que mantinha na região, o que resultou na

perceção chinesa que a RPC estava mais vulnerável do que nunca às flutuações

financeiras da Ásia Oriental (Calder e Ye, 2010: 90). Além disso, a China decidiu

apoiar a cooperação financeira na Ásia devido ao sentimento crescente de

sustentabilidade económica a longo-prazo e força diplomática (apesar da crise que se

fez sentir na região, a China continuava a crescer 8% ao ano, provando que a sua aposta

em políticas macroeconómicas contra cíclicas estavam corretas); à sua perceção das

dinâmicas competitivas na região (sobretudo após a iniciativa japonesa de criar um

FMA) e à crescente integração das suas redes intra-regionais no sistema financeiro

internacional, sobretudo as do Nordeste Asiático (Calder e Ye, 2010: 92). Apesar da

vulnerabilidade que anexação de Hong Kong provocou, a confiança dos líderes chineses

foi reforçada pela aparente imunidade da RPC ao efeito de contágio da crise (Kun-Chin

Lin, em Aggarwal et. al, 2008: 78).

Para demonstrar o inquestionável e crescente apoio da China à ASEAN+3,

evocamos o discurso de Zhu Rongji na Cimeira de Brunei (“Strengthening East Asia

Cooperation”), em Novembro de 2001, e que serviu de base para a futura política de

cooperação regional chinesa, no qual o primeiro-ministro afirmou que a ASEAN+3

constitui “o canal principal41

para a cooperação da Ásia Oriental” (Noore, em Kim,

2004: 118).

No ano 2000, a China propôs a criação de uma área de comércio livre com a

ASEAN (CAFTA) e no ano seguinte inaugurou o Fórum Boao para a Ásia (FBA)42

e a

Organização de Cooperação de Xangai.

É inegável a crescente participação da China na economia internacional. Ao fim

de 15 anos de difíceis negociações, a China é admitida na OMC, em 2001: “a decisão

dos líderes chineses aceitarem as rigorosas condições de admissão à OMC [a redução de

tarifas para a importação de produtos agrícolas e industriais, a eliminação de programas

subsidiários às exportações] é demonstrativa do seu compromisso em acelerar a sua

41

Este “canal” preferencial, ao contrário da APEC e da OMC, exclui Taiwan. 42

O FBA é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2002 por iniciativa da RPC. Através de

encontros de alto-nível entre os líderes asiáticos, o FBA procura promover ideias regionalistas, sendo a

integração do Nordeste um tema central. Para além da presença dos líderes políticos e académicos, e por

contraste com a maioria dos fora regionais da Ásia Oriental, o FBA conta com a especial participação de

empresas privadas (incluindo multinacionais ocidentais como a IBM, Microsoft ou BMW) (Calder e Ye,

2010: 149-151).

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reforma económica em direção a uma economia de mercado” (Moore, em Kim, 2004:

102).

Para a Ásia Oriental, a adesão chinesa à OMC é vista, simultaneamente, como

uma oportunidade e um desafio. Por um lado, a competitividade das indústrias chinesas

poderão deslocar as exportações dos países da ASEAN e dos parceiros do Nordeste

Asiático. Por outro lado, o crescimento chinês poderá revelar-se como motor de

arranque para as economias da região (Moore, em Kim, 2004: 104). A avaliar pela

participação das áreas costeiras chinesas em redes de produção transnacionais,

sobretudo ligadas a tecnologia de ponta, parece-nos que as consequências da abertura da

economia chinesa penderão para os dois lados: apesar de atrair investimento dos países

desenvolvidos do Nordeste Asiático, deslocando mão-de-obra dos países do Sudeste

Asiático para as suas zonas costeiras, o seu crescimento e necessidades produtivas

também impulsionam o crescimento destes mesmos países, quer por meio das redes de

produção transnacionais, quer pela expansão do mercado de consumo nestes países.

Em 2003, quando Hu Jintao e Wen Jiabao iniciaram funções, defenderam a

cooperação com os vizinhos do Nordeste Asiático e a conciliação com Taipé, deixando

antever a estratégia de “Peaceful Rise” que viria a ganhar terreno no Fórum Boao.

Numa entrevista do Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Shijie Zhishi

(“Negócios Estrangeiros”), em 2003, Wang Yi esclareceu as linhas de orientação da

política externa chinesa da seguinte forma: “as nossas relações com as nações vizinhas

afetam diretamente a nossa segurança política e económica, e nós promovemos o

pragmatismo e a construção de confiança com a vizinhança” (Calder e Ye, 2010: 170).

Em 2007, o Conselho de Estado da RPC declarou o compromisso chinês a alto-

nível num Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre os países do Nordeste

Asiático, incluindo os ministros de comércio da China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do

Norte, Rússia e Mongólia (Calder e Ye, 2010: 167). Os esforços multilaterais por parte

da China culminaram no sucesso da Cimeira Trilateral de 2008, depois das difíceis

relações entre a China e o Japão nos anos imediatamente anteriores. Também se

verificaram melhorias nas relações com Taiwan, depois da vitória do KMT nas eleições

de Maio, permitindo o desenvolvimento de mecanismos de diálogo e o aumento de

tráfego de passageiros entre “as duas Chinas”.

A interdependência económica é utilizada por Pequim como instrumento da sua

política externa. É o interesse nacional que estimula a RPC a cooperar com os seus

vizinhos regionais e, neste sentido, concordamos com Thomas Moore quando este

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afirma que “a procura de segurança económica e desenvolvimento nacional através da

cooperação multilateral pode ser caracterizada como um meio (neo-)liberal para atingir

um fim realista”. (Moore, em Kim, 2004: 127). Para Pequim, a manutenção da

estabilidade internacional, enquanto se foca no desenvolvimento económico doméstico,

constitui a sua prioridade nas suas relações económicas com o Nordeste Asiático

(Moore, em Kim, 2004: 130).

A posição chinesa em relação às organizações multilaterais pode ser

interpretada, aos olhos dos realistas, como uma forma da RPC contrabalançar a

supremacia norte-americana, servindo os próprios interesses nacionais (Dittmer, em

Fridman, 2006: 116). A estratégia ofensiva da China passa pela sua integração na

“região economicamente mais dinâmica” do mundo: “Ao identificar-se como Estado

asiático, a China passou do isolacionismo regional para a participação ativa na

proliferação do número de organizações regionais do pós-Guerra Fria”, muitas vezes

tomando a iniciativa ou desempenhando um papel de liderança, enquanto os EUA

pareciam esmorecer o seu interesse pela diplomacia multilateral (exceto quando esta

estava relacionada com a guerra contra o terrorismo) (Dittmer, em Fridman, 2006: 121).

Muitos realistas, como Mearsheirmer, acreditam que a China tentará converter o

seu poderio económico e militar para se tornar uma potência hegemónica regional (ou

mesmo global), tornando-se no competidor estratégico dos EUA (Tow, 2009: 85).

Os liberais, por sua vez, “anteveem bonança em vez de perigo” no extraordinário

crescimento económico chinês (Tow, 2009: 85). Os níveis de confiança e compromisso

com instituições multilaterais tenterão a melhorar, à medida que se aprofunda a

interdependência regional.

Já os construtivistas, como Iain Johnston (que estudou a participação chinesa em

instituições internacionais no período 1980-2000), concluem que “há dados

significativos sobre a socialização dos diplomatas, estrategas e analistas chineses”, em

resultado da participação chinesa nessas instituições internacionais, e que vai contra

“normas e práticas” realistas. (Tow, 2009: 86).

Para todos os efeitos, e sem reduzir os gastos na Defesa, a China promoveu a

cooperação multilateral na região, evitando confrontos com os EUA (o seu maior

mercado de consumo) e desempenhando um papel diplomático proactivo, como

exemplificam as Six-Party Talks. “O envolvimento chinês no regionalismo asiático

chegou relativamente tarde” (Calder e Ye, 2010: 181), mas o seu despertar para a

multilateralização da região ocorreu de uma forma surpreendente e extraordinária.

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A relação com os EUA e a estratégia de “ascensão pacífica”

Em Janeiro de 2001, o vice-primeiro ministro chinês, Qian Qichen, enfatizou a

cooperação sobre a contradição na relação Pequim-Washington, valorizando o

desenvolvimento económico nacional em detrimento da unificação da “motherland”,

logo, atribuindo à resolução do problema de Taiwan um carácter menos prioritário.

Esta declaração, mesmo que feita a nível doméstico, não impediu George W.

Bush de afirmar, quatro meses mais tarde, que faria o que fosse preciso para ajudar

Taiwan a defender-se (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al., 2008: 84). Já o seu

Secretário de Estado, Colin Powell, afirmou em 2004 que as relações entre os EUA e a

China eram as melhores desde há 30 anos.

Um ano depois, Qian Qichen, autor das declarações acima citadas, ataca os EUA

por prosseguir uma política expansionista (Kun-Chin Lin em Aggarwal et. al., 2008:

84).

Como acabamos de verificar, desde 2001, as relações sino-americanas têm sido

marcadas por perceções assimétricas que pouco favoreceram uma relação coerente e

equilibrada entre as duas superpotências. Não obstante, foi a esquizofrenia desta relação

que permitiu a manutenção do statu quo em Taiwan e compromisso dos dois países na

resolução do problema norte-coreano.

Os acontecimentos de 11 de Setembro alertaram a RPC para a sua

vulnerabilidade a ataques terroristas. Depois deste choque, a China voluntariou-se no

combate ao terrorismo (também devido aos interesses chineses em suprimir os uigures

dissidentes em Xinjiang), inaugurando um novo período de cooperação com os EUA.

O ambiente político e económico do pós-11 de Setembro “presenteou a China

com uma oportunidade estratégica para impulsionar um novo paradigma de relações

regionais. Com os EUA profundamente comprometidos primeiro no Afeganistão, e

depois no Iraque, a China teve a oportunidade de consolidar a sua posição, explorando o

declínio político, ideológico e militar americano na região” (Kun-Chin Lin, em

Aggarwal et. al., 2008: 86).

A doutrina de “Peaceful Rise”, proclamada por Hu Jintao, reconhece “a

liderança dos EUA na Ásia e no mundo durante o futuro próximo” e advoga que “a

ascensão da China terá um impacto benigno no ambiente global de segurança e por que

a China procurará promover parcerias (por oposição ao tipo de alianças da Guerra Fria)”

(Aggarwal et. al., 2008: 87).

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Em conformidade com esta estratégia, a China procurou reduzir as tendências

antiamericanistas e “mostrou aceitação para com ações provocatórias” por parte dos

EUA. De acordo com Susan Shirk, “a China estava a curvar-se para trás, para acomodar

os EUA” (cit. por Aggarwal et. al., 2008: 87), o que revela que tratar-se de uma

estratégia de bandwagoning da China em relação aos EUA. A doutrina parece ter tido o

efeito desejado em Washington, que por sua vez reconheceu a China como “um

contributo importante no combate ao terrorismo” e poderá ter flexibilizado a afirmação

da liderança chinesa na Ásia (Aggarwal et. al., 2008: 88).

“A diplomacia chinesa está a aceitar as instituições e normas internacionais

existentes e o domínio dos EUA nas estruturas de poder regionais e internacionais como

nunca tinha acontecido desde 1949” (Johnston em Kim, 2004: 90), e o exemplo mais

manifesto do statu quo chinês é precisamente a questão taiwanesa.

Em 2005, o Presidente Hu Jintao introduziu o conceito de “mundo harmonioso”

para se referir à construção de uma nova ordem regional e mundial, tendo sido mais

tarde adotado pelo 17.º Congresso do Partido Nacional, em 2007, como um objetivo

diplomático oficial (Calder e Ye, 2010: 172).

Não obstante, a estratégia de ascensão pacífica foi também acompanhada pela

assertividade chinesa que caracterizou a presidência de Hu Jintao desde 2002, e cuja

exaltação cresceu a partir de 2008, com a realização dos Jogos Olímpicos e com a

resposta à crise económica (Rozman, 2011: 299). Dando conta do interesse japonês no

regionalismo asiático, Pequim procurou não ficar atrás das iniciativas regionalistas e por

isso apoiou a cooperação trilateral com maior veemência, mas “sem sentido de

comunidade” (Rozman, 2011: 311), resistindo ao multilateralismo com uma agenda do

tipo não-económica e fazendo prevalecer as relações bilaterais de modo a maximizar o

seu peso na sub-região. Assim, a nova abordagem assertiva chinesa procura

marginalizar a Coreia do Sul no revivalismo das Six-Party Talks e o Japão no “Novo

Regionalismo” da Ásia Oriental (ao contrário do que se fazia esperar com a criação da

moldura ASEAN+3). Além disso, verifica-se o interesse de Pequim em contrabalançar o

poder americano, começando desde logo no quadro das Six-Party Talks (Rozman, 2011:

313). De facto, desde os seus primórdios que as conversações a seis representam uma

prioridade absoluta na política externa chinesa (Shulong e Xinzhu, 2008: 29-43), em

que os presidentes Jiang Zemin e Hu Jintao estiveram pessoalmente envolvidos.

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Em suma, e indo de encontro ao argumento de Joseph Nye, falar-se em soft

power chinês para se referir à estratégia chinesa na Ásia Oriental pode ser exagerado

(Nye cit. por Holyk, 2011: 247).

O Faisão Amistoso

Diz-se muitas vezes que “o Japão teve uma boa Guerra Fria” (Acharya; Buzan

cit. por Tow, 2001: 48) e, para todos os efeitos, conseguiu garantir o extraordinário

crescimento mantendo-se afastado dos confrontos militares inerentes ao conflito da

Guerra Fria.

Como vimos anteriormente, o fim do confronto bipolar destabilizou o equilíbrio

de poderes na região. O Japão confrontou-se com o receio de abandono por parte dos

EUA após a redução da ameaça comunista e, por conseguinte, tentou encontrar uma

nova posição estratégica na nova ordem internacional.

No início da década de 1990, o Japão revelou-se bastante entusiasmado com o

desenvolvimento de instituições de segurança multilaterais que difundissem tensões e

prevenissem o conflito. Entre as diversas iniciativas, procurou tornar-se membro

permanente do CSNU, aumentando substancialmente a sua contribuição para a ONU;

promoveu instituições de segurança regional como o ARF; e intensificou os diálogos

bilaterais e “mini-laterais” com os seus parceiros regionais.

Paralelamente, a sua relação com os EUA esmoreceu depois de uma sucessão de

crises que atormentaram a aliança na década de 1990.

A primeira crise esteve relacionada com a falta de contribuição humana japonesa

durante a Guerra do Golfo. Apesar da contribuição monetária avultada, a imprensa e o

Congresso americano não pouparam críticas à ausência de forças militares japonesas.

Verificou-se ainda o ressentimento por parte do eleitorado norte-americano, que teve de

“sacrificar as suas tropas para salvar o acesso às jazidas de petróleo que forneciam ao

Japão cerca de 70% das suas necessidades energéticas” (Tow, 2001: 49). A fim de

superar este criticismo e aumentar a sua credibilidade, o Japão promulgou a “Lei de

Cooperação Internacional para a Paz”, em 1992, que permitia às Forças de Auto-Defesa

Japonesas participar em Operações de Paz da ONU (o primeiro envio de forças

destinou-se ao Camboja, em 1993, seguindo-se Angola, Moçambique e Timor-Leste)

(Yuzawa, 2007: 1).

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A segunda crise surgiu em 1994, quando as tensões entre os EUA e a Coreia do

Norte escalaram e Washington se convenceu de que um ataque às bases nucleares norte-

coreanas seria inevitável. Ao considerar o cenário de guerra, “o governo americano

ficou chocado ao descobrir que o Japão não tencionava clarificar o nível de apoio

logístico que estaria disposto a disponibilizar em caso de conflito” (Berger, em Kim,

2004: 145).

Logo após a crise coreana, surgiram protestos contra a presença americana em

bases japonesas, na sequência de “uma violação brutal de uma estudante japonesa por

parte de três elementos da marinha americana colocados em Okinawa” (Berger, em

Kim, 2004: 145).

Depois da Guerra do Golfo (que tinha provocado um sentimento de impotência

da afirmação japonesa nos assuntos internacionais), o Japão sentiu necessidade de

redefinir a sua estratégia de segurança. O primeiro-ministro japonês, Morihiro

Hosokawa, pediu a um painel de especialistas, sob a liderança de Higuchi Hirotaro, que

deliberasse sobre o futuro da segurança japonesa. No seu relatório final, de 1994, a

Comissão Higuchi concluiu que a abordagem securitária do país deveria basear-se, em

primeiro lugar, no multilaralismo, em segundo, na aliança Japão-EUA e, em terceiro,

nas capacidades independentes de auto-defesa (Green, em Lampton, 2001: 76).

Depois da “crise logística”, o novo primeiro-ministro, Tsutomu Hata, prometeu

que faria o seu melhor para aprovar legislação que permitisse o apoio japonês em

situações de crise (Green, em Lampton, 2001: 77).

Por iniciativa de Joseph Nye, os dois países produziram uma série de

documentos com vista a esclarecer os compromissos do Japão e dos EUA para com a

aliança (Green, em Lampton, 2001: p 77-78). Os EUA e o Japão conseguem revitalizar

a sua aliança em 1997, com as Novas Diretrizes de Defesa (uma revisão do acordo de

Defesa de 1978) em que o Japão se “compromete, pela primeira vez, a fornecer apoio

logístico aos EUA durante uma crise de segurança regional” (Berger, em Kim, 2004:

146).

Depois do 11 de Setembro, os EUA procuraram formar uma “coligação de

vontades” (“coalition of the willing”) e puderam contar com o apoio do Japão. Ao

contrário das hesitações que se verificaram durante a Guerra do Golfo, o governo de

Koizumi enviou as Forças de Auto-Defesa para o Afeganistão e para projetos de

reconstrução no Iraque. Assim, depois dos atentados, o clima entre os dois aliados foi

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93

descrito como “um dos melhores de sempre” (Katada e Solis, em Aggarwal et. al.,

2008: 116-117).

Consequentemente, para reforçar o apoio internacional no combate ao

terrorismo, os EUA aligeiraram “a reação negativa à construção de instituições

regionais exclusivamente asiáticas na Ásia Oriental” (Katada e Solis, em Aggarwal et.

al., 2008: 117).

O Japão foi um importante impulsionador do regionalismo asiático (Pempel,

1996/97: 14, cit. por Cui, 2007: 184). As favoráveis condições económicas resultantes

do “Milagre Japonês” estimularam a emergência da interdependência regional, e não há

dúvida que mesmo nas últimas duas décadas, o Japão contribuiu significativamente para

o avanço do regionalismo, embora em moldes menos dinâmicos do que seus dois

vizinhos continentais, como verificam Calder e Ye:

“Unlike China, Japan has a fully democratic political system, within which veto players

proliferate, emboldened by potential support from complex legislative processes,

powerful intraparty factions, and a influential mass media. Unlike Korea, another

democratic state, however, it lacks a powerful chief executive. Its political structure thus

renders Japan more reactive and hesitant in foreign-policy making than either of its

neighbors, a tendency compounded by its geographical and cultural isolation, as a

distinctive island nation on the rim of Asia” (Calder e Ye, 2010: 211).

O sector agrícola japonês, por exemplo, é um dos principais opositores do

regionalismo asiático: os agricultores japoneses sabem que não poderão competir com

os mercados chineses e coreanos numa ACL. As pequenas empresas, que empregam

cerca de 60% da população ativa japonesa, também estão reticentes em aprofundar as

relações económicas com os vizinhos do Nordeste Asiático, por razões semelhantes às

dos agricultores japoneses e, sobretudo, pela ameaça que a mão-de-obra barata

representaria para os seus negócios (Calder e Ye, 2010: p 221-222).

Não obstante a hesitação em participar num ACL sub-regional, o Japão está a

deslocar as suas relações económicas em direção ao Nordeste Asiático, deixando de

estar puramente centradas nos EUA (Grimes, em Kim, 2004: 171). Grimes procura

explicar este fenómeno: “o comércio japonês com o Nordeste Asiático mudou

substancialmente nas últimas duas décadas, à medida que as economias regionais se

industrializavam e melhoravam a qualidade da sua manufatura” (Grimes, em Kim,

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2004: 185). A apreciação do yen em 198543

ajuda a explicar esta viragem politico-

económica japonesa: “as Japanese products became more and more costly relative to

those of other countries, it naturally became less and less profitable for Japanese firms

to be producing more labor-intensive (or later on, less technology-intensive) products at

home, and Northeast Asian neighbors soon took up the slack.” (Grimes em Kim, 2004:

185). O Japão investiu somas avultadas nas infraestruturas desses países, mas os gastos

foram compensados através de mão-de-obra barata e de boa qualidade.

Depois da Crise Financeira Asiática de 1997-98, o Japão foi responsável por

largas fatias contributivas que ajudaram a resgatar a Tailândia, a Coreia do Sul e a

Indonésia (19 mil milhões de dólares para o FMI e 30 mil milhões para o Plano New

Miyazawa, “which sought to reinforce regional currencies in short term and reinvigorate

investment and growth over the longer term”). Durante o Outono de 1997, o Japão

propôs o FMA, que contaria com um fundo de 100 mil milhões de dólares, sendo que o

Japão forneceria metade desse valor, para ajudar os países vizinhos a superar a crise.

Apesar da recusa americana, o indiscutível apoio japonês à ICM provou que “nenhum

outro governo no mundo contribuiu tanto para resolver a Crise Financeira Asiática”

(Grimes, em Kim, 2004: 193).

Por conseguinte, o Japão saiu com a sua credibilidade reforçada na região.

Todavia, apesar dos ímpetos regionalistas (também resultantes de preocupações

securitárias, como a ascensão militar chinesa [Yuzawa, 2007: 146] e o programa nuclear

norte-coreano), o Japão prefere a celebração de ACL bilaterais. Esta escolha é visível no

caso do Sudeste Asiático, onde o Japão negociou individualmente com as quatro

maiores economias da ASEAN antes de iniciar negociações para um ACL alargado

entre o Japão e a organização (Katada e Solis, em Aggawal et. al., 2008: 112). Por fim,

em relação à cooperação multilateral em matéria de segurança, apesar de o Japão ser um

membro-fundador das Six-Party Talks, ficou muitas vezes à margem das negociações,

desiludido com o fracasso das conversações em encontrar uma solução para japoneses

que foram vítimas de rapto norte-coreano e para o próprio programa de mísseis

balísticos de Pyongyang, que ameaça diretamente o seu território.

43

Na sequência dos “Acordos Plaza”, assinados em Setembro de 1985, que tiveram por objetivo

desvalorizar o dólar em relação ao yen japonês e ao marco alemão, através da intervenção nos mercados

cambiais.

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O Tigre do Meio

Depois da rápida industrialização sul-coreana registada entre as décadas de 1960

e 1980, a Coreia do Sul transformou-se numa das principais potências económicas do

mundo, mantendo, em 1990, o estatuto de 10.ª maior economia mundial. A Coreia foi

referida como um “caso ideal de um ciclo vicioso de crescimento, segurança e

prosperidade” (Chan e Mintz, 1992, cit. por Moon e Kim, em Kim, 2004: 251) que se

ficou a dever a uma estratégia de crescimento económico baseada nas exportações, a um

forte Estado desenvolvimentista (com o domínio do executivo) e a uma forte aliança

bilateral com os EUA. Paralelamente, a transição e consolidação democráticas, que

apenas chegaram em 1987 com o regresso às eleições presidenciais diretas e à

liberalização política (Lee, 2005: 100) foram cruciais para definir a agenda de segurança

da Coreia do Sul.

Em 1993, o Presidente Kim Young Sam sublinhou a importância do diálogo de

segurança multilateral num discurso histórico que decorreu durante a Cimeira da APEC.

Entretanto, a crise nuclear norte-coreana de 1994-95 tinha também acelerado “o

interesse sul-coreano pelo multilateralismo, como complemento aos laços de segurança

bilaterais entre os EUA e a República da Coreia” (Calder e Ye, 2010: 191).

O Presidente sucessor, Kim Dae-jung (1998-2003), percebeu as oportunidades

regionais e aprofundou as relações sul-coreanas com as potências circundantes:

convenceu os EUA a prosseguirem uma política de engajamento com a Coreia do

Norte; conseguiu apoio da Rússia para a sua “Sunshine Policy”44

; procurou a

reconciliação histórica com o Japão, promovendo a cooperação económica e securitária

entre os dois países; e melhorou as relações com a RPC (chegando a desenvolver

diálogos militares inter-ministriais) (Snyder, em Lampton, 2001: 105-106).

A conquista diplomática mais notável do Presidente Dae-jung esteve relacionada

com “a estimulação indireta da cooperação na busca de interesses regionais comuns”

(Snyder, em Lampton, 2001: 106). Foi sob os auspícios do Presidente Dae-jung que a

44

A “Sunshine Policy” caracterizou a política externa sul-coreana entre 1998 e 2008 tendo sido

preconizada pelo Presidente Kim Dae-jung Ŕ galardoado com o Prémio Nobel da Paz no ano 2000 Ŕ, na

sequência dos alcances da sua doutrina, e que culminaram na cimeira inter-coreana de Junho de 2000. A

Coreia do Sul advogou a cooperação ativa com a Coreia do Norte, rejeitando a fórmula anterior de

“unificação pela absorção”, mas também não toleraria nenhuma provocação armada por parte do governo

de Pyongyang (Cumings, 2005: 500-504). Esta política aproveitou a posição chinesa de “nem unificação

nem guerra”, e contou também com o apoio do sector empresarial sul-coreano no desenvolvimento da

cooperação económica com a Coreia do Norte, onde podia recorrer a mão-de-obra barata e de boa

qualidade.

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Coreia inaugurou a cooperação no quadro da ASEAN+3, esperando que conduzisse à

construção de uma comunidade regional e um ACL na Ásia Oriental. Kim Dae-jung

estava convicto de que a cooperação e integração económica regional conduziriam à paz

e prosperidade na região (Lee e Moon em Aggarwal, et. al., 2008: 44).

Em 1999, por ocasião da cimeira da ASEAN+3, Seul desempenhou um papel

central e na iniciativa de instituir o “East Asia Vision Group” (EAVG) e o “East Asia

Study Group” (EASG) e um ano depois, a 27 de Novembro de 2000, Kim Dae-jung

voltou a sugerir a transformação da ASEAN+3 numa “Cimeira da Ásia Oriental que

deveria, em última instância, conduzir a uma unidade económica coerente no Nordeste

Asiático” (Calder e Ye, 2010: 112).

Depois da Crise Financeira, os coreanos passaram a acreditar no regionalismo

como amortecedor contra os choques causados pelas instituições internacionais (e,

implicitamente, também pelas forças de mercado), que revelaram falta de sensibilidade

em relação à Coreia e às circunstâncias excecionais da sua vulnerabilidade. (Calder e

Ye, 2010: 198). Deste modo, aquando da proposta japonesa de criação de um FMA,

Seul foi um fervoroso apoiante desta iniciativa, em boa parte devido à dureza das

medidas do FMI.

O Presidente Kim Dae-jung também foi um fervoroso defensor dos ACL,

advogando que poderiam ser os tijolos da liberalização multilateral do comércio (Lee e

Moon, em Aggarwal, et. al., 2008: 46). Desde então, a celebração de ACL tem

percorrido um caminho ascendente, tendo a Coreia do Sul, em 2010, 7 ACL concluídos

e 20 ACL propostos ou em negociação (BDA).

“A Iniciativa de Cooperação do Nordeste Asiático para a Paz e Prosperidade”

(ICNAPP) foi estabelecida em 2003, pelo Presidente Roh Moo-hyun (2003-2008), e

tinha por objetivo a construção de “uma comunidade regional de confiança mútua,

reciprocidade e simbiose” na esfera económica e de segurança (Lee e Moon, em

Aggarwal, et. al., 2008: 48). Quanto às motivações que impulsionaram a ICNAPP, Lee

e Moon referem a “continuação do dilema de segurança regional”, nomeadamente a

perpetuação do problema norte-coreano, as tensões no Estreito de Taiwan, a ascensão

chinesa e a hipotética re-militarização japonesa (Lee e Moon, em Aggarwal, et. al.,

2008: 49). Além disso, a competição económica tinha ganho uma nova forma: a

industrialização asiática alterou a tradicional divisão internacional do trabalho, entre

países desenvolvidos e não desenvolvidos (o tradicional modelo japonês de “flying

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97

geese”45

). Assim, a China, o Japão e a Coreia do Sul, em particular, passaram a

competir “de igual-para-igual” em termos de produção e destinos das exportações (Lee

e Moon, em Aggarwal, et. al., 2008: 49).

Contudo, a ICNAPP coincidiu temporalmente com um impasse nas Six-Party

Talks, com a delicada rivalidade sino-japonesa e a deterioração das relações bilaterais

entre o Japão e a Coreia, deixando esmorecer a visão do Presidente Roh, que decidiu

fazer uma aposta mais pragmática na celebração de ACL como instrumento de política

económica (Lee e Moon em Aggarwal, et. al., 2008: 58).

Um fenómeno que não pode passar ao lado desta análise, e que está

estreitamente ligada ao “Novo Regionalismo” do Nordeste Asiático, é a chamada “Vaga

Coreana” (“Korean Wave” ou “Hanryu”). O termo refere-se à crescente popularidade da

cultura coreana, visível no interesse pela moda, música pop e séries televisivas (Jung-

Sun Park, em Armstrong et. al., 2006: 244).

A “Vaga Coreana” simboliza a regionalização dos fluxos transnacionais de

cultura e evidencia como um país no meio de dois gigantes económicos pode ser um

mediador cultural e estender a sua influência na transformação da identidade regional

(Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 255). A “Hanryu” permitiu também a

projeção do país para a região de uma forma absolutamente extraordinária, aumentando

exponencialmente o interesse pela compreensão da cultura coreana: segundo Park,

“antes da Vaga Coreana, muitos vizinhos asiáticos não sabiam muito acerca da Coreia,

ou conheciam apenas coisas muito simples e estereotipadas (…)” (Jung-Sun Park em

Armstrong et. al., 2006: 255).

Os benefícios económicos desta nova “febre” coreana são muitos, afetando

diretamente a indústria do turismo e a venda de produtos coreanos promovidos pelos

ídolos coreanos (produtos de cosmética De Bon, telemóveis Samsung ou

eletrodomésticos LG). Contudo, o receio pela criação de um estereótipo coreano,

sobretudo no que diz respeito ao exagero da sua cultura pop, incentivou as grandes

indústrias sul-coreanas a procurar a co-produção com indústrias japonesas, taiwanesas e

chinesas, reunindo celebridades de diversas ascendências nacionais. Este recente

45

O modelo japonês de “flying geese” foi responsável pelo impressionante crescimento económico do

Japão na década de 1980 e primeira metade da década de 1990. Segundo este paradigma de um sistema

económico centrado no Japão, a economia líder reduz os riscos e os erros das economias por detrás dela

(Kim em Aggarwal et. al., 2008: 2;4). Ou seja, seguindo a dinâmica das vantagens comparativas, o Japão

impulsiona o crescimento económico das novas economias industrializadas (Coreia do Sul, Taiwan,

Singapura e Hong Kong) e estas, por sua vez, impulsionarão o crescimento dos membros da ASEAN.

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desenvolvimento revelou-se um indicador importante da produção e disseminação da

cultura intra-asiática (Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 256).

Por outras palavras, a Vaga Coreana desafiou a divisão entre culturas

dominantes e dominadas e a dicotomia centro-periferia e “os fluxos unidirecionais de

influência cultural” (Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 256). De acordo com o

argumento de Charles Armstrong, a Coreia tem agora o potencial de “se manter no

centro” do regionalismo asiático, tornando-se um facilitador da cooperação regional,

como havia sonhado o governo de Roh: “a Coreia devia tornar-se o centro (“hub”) de

uma economia regional dinâmica” (Armstrong et. al., 2006: 246). Também Kent Calder

e Min Ye argumentam que, devido à localização geográfica da Península Coreana, uma

Coreia unificada pode funcionar como centro (“hub”) do Nordeste Asiático, uma

“entidade auto-suficiente e uma força marcadamente mais proactiva no regionalismo na

Ásia Oriental” (Calder e Ye, 2010: 186-187).

Em suma, e no que diz respeito ao desempenho da Coreia do Sul no

regionalismo asiático, podemos dizer que a antiga marginalização cedeu-lhe o lugar de

pivot na economia, segurança e cultura do Nordeste Asiático (Armstrong et. al., 2006:

149). De facto, a Coreia do Sul preencheu todos os requisitos de um “middle power”

emergente: é democrática, bem-sucedida economicamente, e dispõe de uma política

externa “altamente respeitada” e de uma “forte orientação regional” (Choo e Boissseau

em Nicolas, 2007: 108).

3.4. Um caminho espinhoso

Neste subcapítulo, consideramos três principais obstáculos à criação de uma

comunidade regional da Ásia Oriental, e que serão analisados em pormenor nos pontos

seguintes.

O primeiro obstáculo corresponde ao “problema norte-coreano”: para além da

ameaça nuclear, os EUA receiam que a Coreia do Norte forneça tecnologia e

armamento aos terroristas; os líderes norte-coreanos querem evitar a invasão externa e o

colapso interno; o Japão não quer reconhecer a legitimidade de Pyongyang enquanto a

Coreia do Norte não desistir do programa nuclear e enquanto não for conhecido o

destino das vítimas de rapto japonesas; e tanto a China como a Coreia do Sul e o Japão

querem evitar o colapso repentino da Coreia do Norte, pelo desastre económico que

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provocaria e pelas vagas de refugiados que destabilizariam a região. A própria China

não quer perder a Coreia enquanto “Estado-tampão” por recear que uma Coreia forte e

unificada, com poderio nuclear, se aproxime mais dos EUA e a marginalize.

Percebemos assim que a integração do regime norte-coreano é mais complexo

do que aparenta. Contudo, este “obstáculo” tem-se revelado também uma oportunidade

para a cooperação política e securitária entre as potências regionais, como comprovaram

as negociações da KEDO e das Six-Party Talks.

O segundo obstáculo analisado prende-se com a “questão taiwanesa”, que a

China se recusa a levantar nos fora regionais: a indefinição do seu estatuto jurídico-

internacional e a disputa com Pequim não abonam a favor de uma integração regional

transparente e inclusiva.

Por último, e não menos importante, o terceiro obstáculo à integração regional

está intimamente relacionado com a rivalidade sino-japonesa. De facto, a liderança

regional tem sido visivelmente disputada entre Pequim e Tóquio, mesmo que nenhuma

das capitais asiáticas tenha dado um passo claro nesse sentido.

Paralelamente, e como evidencia o quadro do Anexo 9, as disputas territoriais

que envolvem os países do Nordeste Asiático estão longe de ser irrelevantes e

funcionam como verdadeiros obstáculos à cooperação regional.

As Ilhas Senkako, em japonês, Diaoyu, na RPC ou Tiaoyutai em Taiwan,

correspondem a um grupo de ilhas não-habitadas sob administração japonesa mas

reclamadas por Pequim e Taipé. A RPC afirma que as ilhas são parte do seu território

desde a sua descoberta, em 1534, e o Japão alega que o grupo insular pertence ao Japão

desde a assinatura do Tratado de Shimonoseki, na sequência da primeira guerra sino-

japonesa de 1894-95. Em Setembro de 2010, o incidente que envolveu a colisão de duas

embarcações japonesa e chinesa ao largo das Senkako originou uma disputa diplomática

entre Pequim e Tóquio, na sequência da detenção do comandante da embarcação

chinesa. O episódio demonstrou o apego ao nacionalismo de ambas as partes, mas

deixou transparecer sobretudo o receio japonês pelo crescente poderio naval chinês e

pela sua afirmação mais assertiva no plano regional e internacional (Marcus, 2010).

Como será desenvolvido no subcapítulo dedicado à influência russa no

regionalismo da Ásia Oriental, a questão da soberania sobre as Curilas continua a causar

mal-estar nas relações entre Moscovo e Tóquio, constituindo um obstáculo a uma

cooperação transparente entre as duas potências.

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100

Aquando das visitas do primeiro-ministro japonês ao Santuário Yasukini46

, que

foram também alvo de duras críticas e manifestações sul-coreanas, a questão das

Rochedos de Liancourt47

serviu para estimular rancor sul-coreano contra o Japão.

Grande parte dos primeiros-ministros japoneses pediu desculpa à Coreia do Sul pela

brutalidade da ocupação japonesa, incluindo os primeiros-ministros Obuchi e Koizumi.

Contudo, apesar da aceitação dos pedidos de desculpa, a Coreia do Sul duvidou da sua

sinceridade na sequência das visitas ao Santuário, e uma vez que o Japão se recusou a

conceder a soberania das Ilhas Liancourt à Coreia do Sul.

O Reino Eremita

A Coreia do Norte teve um efeito importante para a formação do regionalismo

asiático, mesmo que não tenha sido pelos melhores motivos, mas pela incerteza política

e económica que provoca na região.

Em 1985, a Coreia do Norte assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear,

mas anunciou a sua retirada da AIEA em 1993, levando à primeira crise nuclear na

Península Coreana e ameaçando a paz e estabilidade de todo o Nordeste Asiático

(Friedman e Kim, 2006: 95).

A primeira crise nuclear de 1993-1994 foi resolvida com a visita do ex-

Presidente norte-americano, Jimmy Carter, a Pyongyang. O Acordo-Quadro de Outubro

de 1994 trouxe a Coreia do Norte de regresso aos acordos, após várias negociações com

a Administração Clinton, que procurou a suspensão do desenvolvimento de armas

nucleares com recurso a plutónio, em troca de petróleo e a eventual construção de

Reatores de Água Leve (LWR).

A KEDO constituiu o mecanismo institucional para a verificação deste acordo48

.

Contudo, como os EUA suspenderam as suas obrigações muito antes da data limite

estabelecida (2003), na sequência do incumprimento norte-coreano, a organização

acabou por se desmantelar em Maio de 2006 (Sang-young Rhyu em Aggarwal et. al.,

46

Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106). 47

As Takeshima, em japonês, ou Ilhas Dokdo, em coreano, são alvo de disputa entre o Japão e a Coreia e

fonte de tensões nacionalistas. Em 2005, o Japão declarou o Dia de Takeshima, para reforçar a soberania

japonesa sobre o território, apesar de atualmente as Ilhas estarem sob administração sul-coreana. 48

Esta iniciativa de cooperação securitária multilateral com vista a dar uma resposta à ameaça nuclear

norte-coreana, resultou da coordenação política entre o Japão, os EUA e a Coreia do Sul (com consulta

chinesa). Contudo, a ausência da participação russa e chinesa levantou questões sobre a sua

institucionalização (Snyder, em Lampton, 2001: 101).

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2008: 154). Paralelamente, as Six-Party Talks iniciaram-se em Agosto de 2003, na

sequência da retirada norte-coreana do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e tinha

como objectivo encontrar uma resolução pacífica para as preocupações securitárias

provenientes do programa nuclear da RDPC.

O lançamento de mísseis Taepodong em direção ao Japão, a 31 de Agosto de

1998, precipitou a cooperação EUA-Japão no desenvolvimento de um sistema

antimíssil, fortemente contestado por Pequim (Snyder, em Lampton, 2001: 107). Em

Março de 1999, por exemplo, o MNE chinês afirmou que o desenvolvimento do teatro

de defesa antimíssil teria “um impacto muito desfavorável para a balança de poderes e

estabilidade regionais no próximo século, e que [ia] para além das necessidades de

defesa legítimas do Japão e EUA, prejudicando a paz e segurança da região da Ásia-

Pacífico” (cit. por Tow, 2001: 24).

As relações entre os EUA e a Coreia do Norte agravaram-se em Janeiro de 2002,

quando, na sequência dos atentados terroristas de 11 de Setembro, o Presidente George

W. Bush rotulou a Coreia do Norte como parte do “Eixo do Mal”, juntamente com o

Iraque e Irão. Pyongyang interpretou as palavras de Bush como uma “declaração de

guerra” (Friedman e Kim, 2006: 96). Em Outubro de 2002, a Coreia do Norte admitiu

que estava a desenvolver um programa de enriquecimento de urânio desde 1998 e que ia

recuar no Tratado de Não-Proliferação, levando à segunda crise na Península.

Washington recusou negociações bilaterais e, perante a campanha de alta-

tecnologia militar evidenciada na Guerra do Iraque, Pyongyang viu-se obrigada a aceitar

as negociações tripartidas propostas por Pequim (Wada, em Friedman e Kim, 2006: 48).

Graças aos esforços diplomáticos chineses para resolver a questão nuclear num quadro

multilateral, os Three-Party Talks (China, EUA, Coreia do Norte) tiveram lugar em

Abril de 2003, seguidos de três rondas dos Six-Party Talks, até Junho de 2004.

(Friedman e Kim, 2006: 95). Pyongyang exigiu a abandono da retórica anti-Coreia do

Norte por parte dos EUA como condição sine qua non para o desmantelamento do

programa nuclear. As negociações viram a sua tarefa dificultada depois de Pyongyang

impor a garantia de segurança ao seu regime, por parte dos EUA, após a

desnuclearização do país (na sequência da possibilidade de mudança de regime na

Coreia do Norte, anunciada pela Administração Bush) (Friedman e Kim, 2006: 97).

O Presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, procurou acalmar os ânimos norte-

americanos e norte-coreanos. Contudo, o apoio de Roh à posição norte-coreana não foi

bem recebida por Washington. Apesar da escalada de tensões sobre o programa nuclear,

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o Presidente sul-coreano continuou a apoiar a cooperação económica inter-coreana

como solução para o problema nuclear norte-coreano, alimentando o criticismo interno

que temia o enfraquecimento da aliança com os EUA que, por sua vez, poderia trazer

um impacte negativo para a economia do país (Friedman e Kim, 2006: 96).

Face às críticas, Roh Moo-hyun contraiu a sua visão pacífica para a resolução do

conflito e, em Maio de 2003, acordou com o Presidente Bush “to take further steps to

prepare for increased threats from North Korea and gave tacit permission on

Washington‟s additional pressure to North Korea” (Friedman e Kim, 2006: 96).

Em Janeiro de 2005, a recém-nomeada Secretária de Estado norte-americana,

Condoleeza Rice, identificou a Coreia do Norte como um dos cinco “postos avançados

da tirania”. No mês seguinte, a Coreia do Norte recusou-se a participar nas Six-Party

Talks e declarou a posse de armas nucleares.

Graças à pressão chinesa, os EUA moderaram a atitude perante o governo de

Pyongyang, o que possibilitou o regresso da Coreia do Norte às negociações, em Julho

de 2005. Mas de pouco valeu a flexibilidade norte-americana: a Coreia do Norte

continuava a reclamar o direito à utilização pacífica da energia nuclear, levando à

suspensão das conversações em Agosto do mesmo ano (Wada, em Friedman e Kim,

2006: 49) e ao desmantelamento da KEDO no ano seguinte.

Em 2006 lançou sete mísseis Taepodong-2 e a 9 de Outubro conduziu o seu

primeiro teste nuclear. Em Abril de 2009 volta a lançar mísseis Taepodong-2, seguidos

de um segundo teste nuclear, em Maio do mesmo ano, aumentando a necessidade de

discussão e cooperação regional sobre estas atitudes provocatórias por parte do governo

de Pyongyang, que tiveram um impacte muito significativo na política de defesa

japonesa49

. Depois da condenação do lançamento do Taepodong-2, os EUA e a Coreia

do Sul defenderam sanções mais penosas para as violações norte-coreanas, decisão que

foi acompanhada unanimamente pelo CSNU.

A ameaça norte-coreana motivou o Japão a cooperar multilateralmente, em

moldes como nunca antes tinha feito, e a melhorar extraordinariamente a sua relação

com a Coreia do Sul.

A importância da China nas negociações com a Coreia do Norte é inegável,

dando mostras da sua eficácia diplomática no acordo histórico celebrado em Pequim, a

49

O incidente de 2001 entre as forças de auto-defesa marítimas japonesas e uma embarcação não

identificada Ŕ que se acredita ser norte-coreana Ŕ acabou por levar à morte 15 membros da embarcação,

mas teve aprovação da opinião pública japonesa, depois dos raptos norte-coreanos. O episódio

correspondeu assim ao primeiro uso da força por parte do Japão desde 1945 (Berger, em Kim, 2004: 150).

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13 de Fevereiro de 2007. A China afirma-se assim como um ator regional de peso,

sobretudo no quadro das Six-Party Talks. O seu mérito foi reconhecido pelos vizinhos

asiáticos e pelos EUA, que melhoraram significativamente a sua relação com a capital

chinesa em resultado da forma como lidou na crise norte-coreana (Tow, 2009: 243).

Em conjunto com os EUA, a China partilha a política dos “três nãos” (“three

no‟s”) a respeito da Coreia do Norte: “No nukes, no war, and no collapse of North

Korea” (“Não às armas nucleares, não à guerra, e não ao colapso da Coreia do Norte”).

Apesar do primeiro ser mais “hostil” e o segundo mais “próximo” do regime norte-

coreano, as duas potências têm conseguido cooperar nesta questão, de forma a garantir a

estabilidade regional (Snyder, em Lampton, 2001: 100).

Depois do 11 de Setembro e da formação do “Eixo do Mal”, a Administração

Bush mostrou-se hesitante em acomodar-se a um regime norte-coreano com

capacidades químicas biológicas (e possivelmente nucleares), e com o recurso a

terrorismo patrocinado pelo Estado (Calder em Kim, 2004: 237). Assim, em relação à

Coreia do Norte, o debate sobre a estratégia norte-americana tem conciliado

compromisso e coerção (Cheng, em Friedman e Kim, 2006: 61), embora os EUA não

tenham encontrado um equilíbrio para gerir da forma mais eficaz a política de carrots

and sticks.

A Coreia do Norte percebeu que a dissuasão através da posse de armas de

destruição maciça (WMD) garantia a sobrevivência do regime (Monteiro, 2011/12) e,

apesar de todos os problemas internos, continuou a provocar os países vizinhos com

testes de mísseis, testes nucleares e com a expansão do capital humano militar. Perante

estas ameaças e receio de colapso do regime, os países do Nordeste Asiático viram-se

obrigados a cooperar multilateralmente, que por via da KEDO e, sobretudo, por via das

Six-Party Talks. Apesar da desilusão provocada pelo impasse das negociações, a

cooperação securitária entre as potências regionais foi determinante para aumentar os

níveis de confiança entre os seus membros.

Assim, apesar de neste subcapítulo nos debruçamos sobre o problema nuclear

norte-coreano enquanto obstáculo ao regionalismo asiático, é importante salvaguardar

que foi precisamente a ameaça norte-coreana que possibilitou a cooperação dos países

do Nordeste Asiático na única moldura de segurança multilateral existente na região.

Portanto, até um certo ponto, é possível argumentar que o Reino Eremita funcionou

como obstáculo mas também como impulso ao regionalismo da Ásia Oriental, na

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104

medida em que obrigou os países vizinhos a encontrarem uma solução para minimizar

os riscos de segurança regional.

Uma questão pouco Formosa

A questão taiwanesa constitui um dos grandes obstáculos à melhoria de relações

entre a China, os EUA e o Japão, sendo apontado por muitos analistas como um (ou

mesmo o único) hotspot que poderia conduzir os três países ao confronto militar.

O PCC acredita que “os EUA foram responsáveis pela existência do problema

taiwanês” (Steve Tsang, em Dent, 2008: 96) e critica o desenvolvimento do sistema

anti-míssil por parte do Japão e EUA, acusando-os de aumentarem as tensões no

Estreito de Taiwan.

Taiwan continua a ser uma das questões vitais para a RPC, apesar de esta não

manter um controlo efetivo sobre a Ilha Formosa desde finais do século XIX. A

ocupação japonesa de 1895 à Segunda Guerra Mundial continua a ser uma herança

incómoda do “Século das Humilhações”:

“The textbooks depict the history of Taiwan and China as a morality tale about China‟s

exploitation by foreign powers during its period of weakness. Japan stole Taiwan from

the Qing government in 1895; Under the CCP, China defeated Japan in World War II, and

Taiwan should have been returned to China then. But the United States intervened with

the Sixth Fleet during the Korean War to keep Taiwan permanently separated from China.

The „century of humiliation‟ will not end until China is strong enough to achieve

reunification.” (Shrik, 2007: 186).

A descrição supracitada explica como a China vê Taiwan como uma questão de

honra e um direito histórico. Lowell Dittmer afirma mesmo que a China viu sempre

Taiwan “as a missing piece to be appropriated in order that China‟s identity might be

fully realized” (Dittmer, 2006: 685).

A par desta conjuntura, e da ligação que o PCC criou entre a independência de

Taiwan e a queda do regime (Shrik, 2007: 187). Pequim acredita ainda que a

independência taiwanesa pode funcionar como um elemento catalisador para a secessão

de outras regiões problemáticas como o Tibete, Xinjiang ou da Mongólia Interior (Zhao,

2005: 232).

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105

Em 2005, a aprovação da “Lei Anti-Secessão” da RPC, que legaliza o uso da

força na eventualidade de uma província ou qualquer território considerado chinês

declarar unilateralmente a independência, aumentou a tensão do Estreito, sobretudo

durante os últimos três anos em que o DPP esteve no poder. A eleição de Ma Ying-jeou

(KMT) nas Presidenciais de 2008 pode ser vista como uma expressão do pragmatismo

do eleitorado taiwanês, que prefere um discurso político mais moderado, em que possa

tirar proveito do aprofundamento dos laços económicos e, enquanto não houver

provocação, a China também não se sente legitimada nem apoiada internacionalmente

para agir.

Sob o resguardo da “diplomacia pragmática”, Taiwan tenta alargar o seu espaço

internacional, ao estreitar relações não-políticas com outros países e ao participar em

diversas organizações internacionais.

A interdependência económica entre Taiwan e a RPC tem-se revelado uma

receita bastante eficaz para manter a estabilidade ao longo do Estreito, o que nos leva a

afirmar que tanto Taiwan como a RPC têm vindo a beneficiar desta indefinição jurídico-

internacional, já que, objetiva e ironicamente, têm sido capazes de manter a sua

integridade em relação a uma possível agressão da RPC. Desde que Taiwan consiga

assegurar uma relação win-win com a China, as perspectivas económicas e,

informalmente, políticas, podem manter-se estáveis.

Tanto Washington como Tóquio defendem o statu quo, por servir os interesses

de ambos, mas ainda assim, o Japão tem sido mais discreto do que os EUA no apoio à

campanha de “diplomacia pragmática” taiwanesa (May, em Lampton, 2001: 57).50

Também é curioso observar a forma como os EUA jogam com a sua Realpolitik,

ao conseguirem salvaguardar os seus interesses com a China através da política de

ambiguidade que desenvolvem em torno da questão taiwanesa. E, ao contrário do que se

possa pensar, a ambiguidade americana garante a segurança do Estreito, já que não

oferece a Pequim a confiança suficiente para atacar, nem possibilita abertamente uma

50

Em 1979, ano em que os EUA trocam o reconhecimento da ROC pela RPC, Washington aprova o

“Taiwan Relations Act”, que lhe permitia prestar o apoio necessário na promoção dos princípios da paz,

da estabilidade e da democracia, assente na livre escolha do povo taiwanês. Aquando da última crise dos

mísseis no Estreito (1996), em que a China procede ao lançamento contínuo de mísseis em águas

taiwanesas com o objetivo de coagir o eleitorado a não votar em Lee Teng-hui, os EUA apercebem-se da

fraca cooperação que existia entre os militares taiwaneses e estadunidenses e que, de facto, a mera venda

de armas não era suficiente para Taiwan assegurar a sua segurança. A crise acabou por ter um efeito de

alarme, convencendo os EUA e o recém-eleito Presidente Lee sobre a necessidade de reformas no sentido

de melhorar afirmação política, bem como o software (sob a forma de reorganização) e o hardware

(através da aquisição de novos armamentos) de Taiwan.

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106

declaração de independência unilateral de Taiwan que proporcione o ataque armado da

República Popular. Recorrendo à teoria das Relações Internacionais acerca das alianças,

está aqui salvaguardado o chamado “medo do entrapment”, isto é, o medo de que um

dos aliados conduza o outro para um conflito indesejado, que ponha em causa os seus

interesses.

Os EUA não estão certamente interessados numa guerra entre Taiwan e a China

e, por isso, continuam a manter a tradicional política de Cross Strait Deterrence:

alertaram Pequim que não pode contar com o stand by americano caso ataque Taiwan,

do mesmo modo que avisaram Taipé que não poderia contar com as suas forças caso

precipitassem o conflito. Nas palavras do Presidente Bush “we oppose any unilateral

decision, by either China or Taiwan, to change the status quo of Taiwan‟s relationship

with the mainland” (Lawrence e Dean, 2003: 16-18). Esta política tem sido mantida já

que, com melhores e piores fases, os EUA têm conseguido assegurar a cooperação da

China em matérias vitais na política externa, como o combate ao Terrorismo, a

resolução do problema coreano, e cooperação em regiões problemáticas como o Sudeste

Asiático, Médio Oriente e Irão. Ao mesmo tempo, os americanos conseguem equilibrar

a balança de poderes na região, onde não têm aliados militares de peso.

Panda ou faisão?

“Durante os dias dourados da Guerra Fria, Washington, Pequim e Tóquio eram

aliados de facto contra Moscovo” (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 165). Contudo, com

o desaparecimento de uma ameaça comum, “Pandas”e “Faisões” deixaram de se ver

como parceiros estratégicos e a memória histórica, do tipo “vítima-agressor”, “tornou-se

uma verdadeira pedra no sapato para as relações sino-japonesas, mesmo no século XXI”

(Lam, em Friedman e Kim, 2006: 165).

A mudança estrutural do sistema internacional no pós-Guerra Fria, a crescente

interdependência económica e o emergente regionalismo tiveram um impacto profundo

nas relações sino-japonesas (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 166). Os japoneses

receiam que o rápido crescimento económico da China a torne uma “potência assertiva

e arrogante”. Além disso, a cooperação com os EUA no desenvolvimento do sistema de

defesa anti-míssil sugere que pode ser “implantado contra Pequim, mesmo que a razão

aparente seja a ameaça nuclear norte-coreana” (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 168).

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107

Não obstante, a opinião pública japonesa não se baseia só no fenómeno de “uma

China em crescimento e um Japão em estagnação”: a repressão em Tiananmen, em

1989, os testes de míssil no Estreito de Taiwan em 1995 e 1996, os testes nucleares, nos

mesmos anos, as manifestações anti-japonesas e o cancelamento abrupto de visitas

oficiais de alto nível, como a do primeiro-ministro Wu Yi com Koizumi em Maio de

1996, contribuíram para deteriorar a opinião pública em relação à China. De acordo

com um estudo conduzido pelo Gabinete do Primeiro-Ministro japonês, em 2004,

apenas 36,7% dos japoneses sentiam-se próximos da China Ŕ a percentagem mais baixa

de sempre. Como consequência, para muitos especialistas, este indicador coloca em

questão uma cooperação genuína entre os países da Ásia Oriental (Lam, em Friedman e

Kim, 2006: 168).

Neste subcapítulo, questiona-se o papel que a China e o Japão estarão dispostos

a desempenhar na liderança51

da Ásia Oriental e as suas implicações para a região e para

o sistema internacional. Até há pouco tempo, os dois países foram discretos na forma

como procuraram assumir a liderança regional, mas começam a dar mostras de maior

necessidade de destaque no âmbito regional.

A China e o Japão, como atores-chave do Nordeste Asiático e da Ásia Oriental,

têm em comum muitos interesses políticos e económicos. Contudo, esta é uma relação

complexa e tumultuosa. “Historicamente, quando a China era poderosa, o Japão era

fraco; quando o Japão se tornou mais forte, o Império da China começou a desagregar-

se” (Li, em Dent, 2008: 101).

A rivalidade sino-japonesa poderá determinar o futuro da estrutura institucional

da Ásia Oriental. Apesar das barreiras à cooperação que esta rivalidade representa, não

nos podemos esquecer que tem sido esta própria dinâmica de competição que tem

permitido a ambos ter um papel mais ativo na região.

No caso da cooperação multilateral, a China procurou, na Cimeira da

ASEAN+3, em 2004, transformá-la na EAS, por sentir que a ASEAN dominava o

processo, e que os “Plus Three” eram tratados como convidados (Hamanaka, em Dent,

2008: 68). Para Pequim, a EAS continuaria a excluir os EUA, mas os países do Sudeste

51

Sobre as capacidades de liderança inerentes a um Estado, Dent diz que estas se refletem na sua provisão

de bens públicos regionais (de modo a garantir o desenvolvimento sustentável e a estabilidade da região),

na capacidade de resolver problemas de ação coletiva, na liderança do processo de “construção da

comunidade” (através do desenvolvimento de molduras e organizações multilaterais) e através da

representação dos interesses da comunidade regional na comunidade global (Dent, 2008: 21-22).

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108

e Nordeste Asiáticos seriam tratados como iguais. Contudo, neste tipo de moldura, o

Japão defende a participação norte-americana e de outros parceiros do Pacífico, para

contrabalançar o peso da China. O contrário acontece no caso da regionalização

financeira: a China defende o envolvimento dos EUA enquanto o Japão prefere a

participação exclusivamente asiática (Hamanaka, em Dent, 2008: 68). Em relação a um

ACL regional, ambos excluem a possibilidade de participar num acordo que envolva o

outro.

A competição diplomática entre a China e o Japão sobre a participação na EAS

continuou (Hamanaka, em Dent, 2008: 69). Depois da inclusão de membros não

pertencentes à ASEAN+3, a China passou a defender que o futuro da Comunidade da

Ásia Oriental deveria passar pela ASEAN+3, e não pela EAS. Por oposição, o Japão

salientou a importância da EAS na construção da comunidade regional, pois esperava

que a participação da Índia e Austrália inibissem o crescimento da influência chinesa

(Hamanaka, em Dent, 2008: 69-70).

A crítica às posições chinesas e japonesas não se fizeram esperar. Em Dezembro

de 2005, um artigo da Asahi Shimbun criticou políticas regionais dos dois países,

afirmando que ambos “spent all their energy to reduce the other‟s influence, and did not

discuss which framework, the ASEAN+3 process among 13 countries or the EAS

among 16 countries, is more effective […] there is no need to choose either of them, and

it can be either 13 or 16, based on the theme of co-operation” (Hamanaka em Dent,

2008: 70).

Daqui concluímos que a participação dos Estados na cooperação regional, tanto

para o Japão como para a China, depende das questões tratadas e que, o Estado que

toma a posição de liderança procura sempre excluir uma potência mais forte

(Hamanaka, em Dent, 2008: 79-80).

O período de 2001-2006 ficou marcado pela tensão das relações sino-japonesas,

em resultado das visitas do Primeiro-Ministro Koizumi ao Santuário Yasukuni52

. A

possibilidade de ter havido manipulação de factos históricos para cobrir estratégias

nacionais (Kim, em Friedman e Kim, 2006: 6;50) levou a desentendimentos entre os

dois países, que culminaram na autorização de facto por parte da liderança chinesa para

52

O Santuário Yasukini, construído na Era Meiji, presta homenagem às forças armadas japonesas que

morreram na guerra, incluindo 14 criminosos de guerra Classe A japoneses e 1063 criminosos classe B e

C, dos quais 1043 são japoneses e 23 coreanos.

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109

as manifestações contra a obtenção japonesa do estatuto de membro-permanente do

CSNU.

De Setembro de 2006 a Setembro de 2007, o Japão e a China procuraram

normalizar as suas relações. Durante o governo Shinzo Abe, Tóquio procurou

estabelecer uma relação estratégica recíproca com Pequim, através da realização de duas

cimeiras sino-japonesas de alto-nível (Hughes, em Dent, 2008: 52). Neste período, a

imprensa e academia começaram a falar numa “nova era” das relações China-Japão.

A maioria dos académicos chineses considera que a estratégia japonesa consiste

na contenção da China, para que esta não ameace os seus interesses e desafie a sua

posição na Ásia Oriental, para além de que a aliança Japão-EUA é percecionada como

uma tentativa de travar a ascensão chinesa (Li, em Dent, 2008: 111).

Contudo, na viragem para o século XXI, muitos analistas chineses começaram a

ter uma voz menos hostil em relação às políticas de Tóquio. Ma Licheng, comentador

da People‟s Daily, publicou em 2002 um artigo controverso sobre as relações sino-

japonesas, no qual defendia xinsiwei (“New Thinking” ou “forma de pensamento

renovada”) na relação com o Japão (Li em Dent, 2008: 111). No seu artigo, criticou o

nacionalismo exacerbado e o comportamento irracional de alguns cidadãos chineses

(Li em Dent, 2008: 111), muitas vezes refletido em manifestações anti-Japão. O Japão

já se havia desculpado, em diversas ocasiões, pelos crimes de guerra que tinha cometido

e por isso China devia “perdoar o que o Japão fez no passado e devia focar-se nos

interesses que os dois países têm em comum e cooperar para estabelecer uma Ásia

próspera e estável” (Li em Dent, 2008: 111).

Ma Licheng vai mais longe, e afirma que a China deverá preparar-se para aceitar

a militarização japonesa: “há uma diferença entre o desenvolvimento das capacidades

militares do Japão e o renascimento do militarismo japonês” (Ma cit. por Li em Dent,

2008: 112). Muitos outros académicos, como o Professor Shi Yinhong, defenderam uma

“revolução diplomática” (waijiao geming) nas relações sino-japonesas. O wishful

thinking também esteve presente nos fundamentos para o estreitamento das relações

com Tóquio, uma vez que possibilitaria a “redução da ameaça” por parte de Washington

(Li em Dent, 2008: 114).

Para a China, as aspirações japonesas do pós-Guerra Fria refletem a teoria

realista de Relações Internacionais, segunda a qual umo país procura aumentar a sua

influência política e económica a nível global, de modo a satisfazer os seus interesses

nacionais. “Os analistas chineses tendem a ver o Japão como um ator unitário, que

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110

procura competir com outras grandes potências mundiais, e com a China em particular”

(Li em Dent, 2008: 114). Ainda na ótica de realismo defensivo chinês, o Japão procura

um papel mais significativo no mundo e na Ásia Oriental, devido à mudança da

estrutura do sistema internacional, provocado pelo fim da Guerra Fria (Li em Dent,

2008: 115). O próprio Waltz, em 2000, argumenta que o Japão ambicionaria tornar-se

uma grande potência, em resultado do seu poderio económico e do sentimento de

vulnerabilidade em relação a outras potências (e à China, em particular) (Waltz, 2000:

32-34, cit. por Li, em Dent, 2008: 115).

Neste contexto, não é difícil perceber a apologia do realismo ofensivo em

Pequim, segundo o qual um Estado procurará explorar qualquer oportunidade para

maximizar o seu poder relativo e todas as grandes potências não são potências de

status-quo (Li, em Dent, 2008: 115).

Não obstante, a diversidade de pensamento estratégico possibilitou que muitos

analistas chineses reconhecessem a importância de outras dimensões da segurança,

sobretudo a económica e a energética. A título de exemplo, estes académicos sugeriram

que uma das principais razões para o Japão querer evitar um conflito em Taiwan

prendeu-se com o impacto negativo que teria para a sua economia, podendo por em

causa a sua livre navegação a Sul do Mar da China Ŕ vital para os interesses económicos

japoneses (Li, em Dent, 2008: 116).

O neoliberalismo institucionalista também encontrou terreno na política externa

japonesa do pós-Guerra Fria para explicar as suas premissas. De facto, Tóquio procurou

a cooperação securitária com os vizinhos asiáticos, nomeadamente através de

organizações regionais, para aumentar a sua segurança, já que precisava de um ambiente

estável e pacífico para manter o crescimento económico (Li, em Dent, 2008: 116).

Apesar das desconfianças mútuas, as relações económicas entre a China e o

Japão continuaram a crescer, dando ânimo às explicações liberais que defendiam que a

estratégia japonesa passa pela criação da interdependência económica (Li, em Dent,

2008: 116-117).

Ainda assim, a complexidade das relações sino-japonesas não foi

suficientemente bem explicadas pelas teorias realista e liberal. A identidade do agente

teve uma influência determinante neste processo, tendo sido modificada pela história e

cultura (por exemplo, as visitas ao Santuário Yasukuni, provaram a forte ligação que os

japoneses tinham em relação ao passado, mas a identidade do agente foi catalisadora

para a deterioração das relações com a China) (Li, em Dent, 2008: 118).

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111

A “perceção da ameaça” que a estratégia de segurança japonesa representa para

Pequim, constitui um dos grandes obstáculos à formação da identidade chinesa como

grande potência (Li, em Dent, 2008: 119). Tanto a China como o Japão desejam

maximizar o seu poder, mas sentem-se inseguros quanto às intenções “do outro” Ŕ uma

imagem indissociável na promoção das respetivas políticas de segurança.

Ainda assim, poder-se-á questionar o lugar da China na Ásia Oriental: será que o

seu crescimento pode funcionar como fonte de estabilidade regional ou de conflito?

A China ainda tem presente o “século de humilhações”, retratado no Segundo

Capítulo: “The legacy of a „victim mentality‟ is still discernible in China” (Tsang, em

Dent, 2008: 85). Não obstante, este “complexo psicológico” nem sempre foi tratado da

mesma forma pelas sucessivas lideranças chinesas. Com Hu Jintao, a China adotou a

estratégia de “Peaceful Rise”, que tinha por objetivo a construção de um país socialista,

com características chinesas, num contexto de globalização. Zheng Bijian, autor desta

política, afirmou em 2007 que este objetivo deveria ser alcançado em 25 anos,

nomeadamente através de um envolvimento económico mais ativo no processo de

globalização; da inovação das instituições internas, da reconstrução industrial e da

melhoria da qualidade da força de trabalho; e através da limitação do uso da força e da

procura de hegemonia (de modo a facilitar o crescimento chinês baseado nos pontos

anteriores) (Tsang, em Dent, 2008: 85).

No contexto desta política, concluímos que enquanto nenhum parceiro regional

se adiantar na liderança regional, a China não fará muito por ter um papel ativo na

construção da comunidade regional (Tsang, em Dent, 2008: 97). Por outro lado, é difícil

imaginar uma liderança japonesa amplamente aceite pelos países da Ásia Oriental,

devido ao seu passado imperial (Kim, em Armstrong et. al., 2006: 177).

Mas para todos os efeitos, mesmo que Pequim não almeje a liderança da Ásia

Oriental, “gosta da realidade de que a sua enorme presença induza os seus vizinhos a

respeitá-la devidamente” (Steve Tsang, em Dent, 2008: 91).

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112

3.5. Outros protagonistas

A Águia do Pacífico

A importância dos EUA no Nordeste Asiático é inegável, particularmente no

papel que desempenhou na contenção norte-coreana e na ambiguidade que demonstrou

em relação à questão taiwanesa.

A mesma certeza aplica-se à importância que o Nordeste Asiático teve para os

EUA. “Yet in America‟s past, Northeast Asia has been consistently misperceived and

all too often underappreciated, with disastrous consequences. A misreading of regional

dynamics in 1949 led US secretary of state Dean Acheson to place continental Asia

outside the US defense perimeter, leading to the Korean War. A misreading of mainland

China by Douglas MacArthur in late 1950 led to Chinese intervention and a bloody

escalation of that conflict. John Foster Dulles was but the first in a long line of

American policy makers showing great interest in Northeast Asia who nevertheless

misread the subtle interactions within the region.” (Calder em Kim, 2004: 225).

Kent Calder responsabiliza os EUA pela forma desapaixonada com que muitas

vezes olhou para a região, utilizando a sua divisão territorial como meio para ganhar

mais influência (Calder em Kim, 2004: 225). Ainda assim, o autor apela, como se pode

concluir da análise ao excerto supracitado, à participação mais ativa dos EUA no

Nordeste Asiático, sem descurar os desafios que esta região pode representar.

“Uma das principais fontes de liderança na Ásia Oriental nos últimos cinquenta

anos veio de fora da própria região” (Beeson, em Dent, 2008: 229) e na sequência desta

afirmação, Katzenstein argumenta que “o nosso mundo de regiões está profundamente

incorporado no imperium americano” (Katzenstein, 2005: 1). Contudo, é preciso

lembrar que pode não ser este o caso do regionalismo no Nordeste Asiático.

Decididamente, a Rússia, a RPC e a Coreia do Norte não fazem parte da esfera de

influência norte-americana, e a própria influência sobre o Japão é muito mais limitada

(Calder e Ye, 2010: 227).

A capacidade de liderança norte-americana sobre a região está em declínio, em

parte devido à ascensão chinesa e ao interesse crescente num regionalismo

exclusivamente asiático, mas também devido à falta de estratégia americana, provocada

pelos problemas políticos e económicos internos (Beeson, em Dent, 2008: 229). Assim,

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113

a estrutura do Sistema de São Francisco está a erodir-se com a crescente cooperação dos

“spokes”, que não incluem os EUA na nova moldura multilateral.

Por funcionar como um sistema de “hub-and-spokes”, o Sistema de São

Francisco não facilitou a comunicação entre os países do Nordeste Asiático. Apesar de

serem fortes aliados dos EUA, o Japão e a Coreia relacionavam-se com alguma

desconfiança e rancor histórico, tendo apenas estabelecido relações diplomáticas em

1965.

Neste contexto, os EUA têm sido confrontados com um dilema estrutural nas

Six-Party Talks, em que são colocados numa posição incómoda entre a contradição de

interesses sul-coreanos e japoneses: o Japão prefere adotar, em relação à Coreia do

Norte, a estratégia de controlo de armas, com uma averiguação rigorosa, sendo a sua

grande prioridade recuperar os reféns japoneses. Como Seul espera a reunificação, a

prioridade sul-coreana é a manutenção da estabilidade. (Calder e Ye, 2010: 234). Nas

Six-Party Talks, os padrões de atuação foram muitas vezes definidos nas capitais

asiáticas e não em Washington (apesar do poderio militar), devido ao conhecimento

mais aprofundado e a um interesse maior por parte destes países, o que punha em

questão o imperium americano no Nordeste Asiático.

Apesar da proliferação de regionalismos que surgiram no pós-Guerra Fria, os

EUA assistem, com alguma relutância, ao estabelecimento de instituições económicas e

securitárias no Nordeste Asiático (Calder em Kim, 2004: 243). O “medo de exclusão”

parece uma justificação válida. Porém, os EUA exacerbaram, por diversas vezes, a sua

oposição a um bloco que congregasse a China, o Japão e a Coreia, tal como aconteceu

no bloqueio ao FMA, por exemplo. De facto, a coesão do Nordeste Asiático pode ter

um forte impacto sobre os interesses americanos, por agravar as crises de crédito

domésticas e a instabilidade do mercado financeiro.

Contudo, com a Crise Financeira Asiática e a criação da ASEAN+3, os EUA

deixaram se opor tão assertivamente à cooperação regional asiática como a primeira

Administração Bush tinha feito no caso da EAEC, no início dos anos 90. A razão para

esta acomodação prende-se, em boa parte, à falta de alternativas eficazes a um Sistema

de São Francisco, centrado em Washington. Alagappa argumenta, neste sentido, que “a

hegemonia americana não é, de todo, a solução ideal para os problemas de segurança da

Ásia Oriental” (Alagappa, 2003: 164).

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114

A relativa paz e estabilidade que se fizeram sentir no Nordeste Asiático desde o

fim da Segunda Guerra Mundial provam que o bilateralismo funcionou bem mas que

não resolveu o problema coreano e a indefinição taiawanesa, o que demonstra que os

desafios da região não estão bem adaptados a soluções exclusivamente bilaterais, sendo

que, tal como os desafios energéticos e ambientais, serão melhor tratados num contexto

multilateral (Calder e Ye, 2010: 244).

Apesar de os Estados Unidos terem vindo a perder capacidade de liderança na

Ásia Oriental, e no Nordeste Asiático em particular, Washington não deve negligenciar

a importância que esta sub-região representa para o país. O Nordeste Asiático é um

dos principais destinos do investimento estrangeiro dos EUA, portanto também lhes

interessa a estabilidade das suas relações com os países da região, sobretudo com os

industrializados e tecnologicamente sofisticados China, Japão e Coreia do Sul (Calder e

Ye, 2010: 243). Os EUA vêem a China como um competidor geopolítico mas também

um parceiro económico importante, que assegura o abastecimento do seu mercado e que

tem mais dólares no seu Banco Central do que qualquer outro Estado no mundo (Tow,

2009: 83).

O valor acrescentado das redes humanas poderá servir interesses norte-

americanos. A influência americana nas lideranças e elites regionais é um dos trunfos

que os EUA têm na região e, a avaliar pelas estatísticas, essa influência poderá ser cada

vez mais crescente. O número de habitantes provenientes do Nordeste Asiático nos

EUA tem aumentado substancialmente em particular, os estudantes internacionais nas

universidades norte-americanas são maioritariamente provenientes desta sub-região,

contando com a presença da China, Coreia do Sul, Taiwan e Japão nos seis primeiros

países de origem (dados relativos ao ano letivo 2009/2010, do Institute of International

Education).

“For America‟s future, most observers would agree, Northeast Asia is inevitably

a region of fateful importance” (Calder e Ye, 2010: 225). Mas mais uma vez, também os

EUA poderão ser de uma importância extraordinária para a região: têm potencial para

serem estabilizadores regionais nas relações sino-japonesas e entre o Estreito de Taiwan

(Calder e Ye, 2010: 246).

Os EUA devem comprometer-se com o Nordeste Asiático, já que as suas

relações económicas, politicas e culturais estão a aprofundar-se de uma maneira sem

precedentes: “In a world beyond the „hub-and-spokes‟, where the US leverage grows

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weaker, even as intra-Asian ties continue to deepen, Americans will need to be more

attentive, connected, and informed than heretofore of the historic trends flowing from

across the Pacific” (Calder e Ye, 2010: 247).

“O Século do Pacífico”

“The future of politics will be decided in Asia, not Afghanistan

or Iraq, and the United States will be right at the center of the

action.” Hilary Clinton, Novembro de 2011

Obama intitulou-se o primeiro Presidente do Pacífico, na convicção de que o

Presidente George W. Bush não tinha prestado a devida atenção aos assuntos regionais

asiáticos (Lieberthal, 2011).

Em “America's Pacific Century”, um artigo de Hilary Clinton publicado pela

Foreign Affairs, a Secretária de Estado do Presidente Obama começa por defender que

os EUA “need to be smart and systematic about where we invest time and energy, so

that we put ourselves in the best position to sustain our leadership, secure our interests,

and advance our values” (Clinton, 2011). E a Ásia-Pacífico, segundo Clinton, devia

merecer um “investimento substancial acrescido” “durante a próxima década” (Clinton,

2011).

Para além de defender o fortalecimento das relações bilaterais com os parceiros

asiáticos, Hilary Clinton enfatiza a importância da cooperação multilateral (“we believe

that addressing complex transnational challenges of the sort now faced by Asia requires

a set of institutions capable of mustering collective action”) (Clinton, 2011).

Contudo, a retórica norte-americana não será assim tão fácil de pôr em prática.

Em primeiro lugar, e de acordo com Lieberthal, porque “os EUA não terão os recursos e

a capacidade para ir de encontro às promessas do Presidente”, enquanto não resolverem

os problemas domésticos em matéria fiscal (Lieberthal, 2011). Além disso, e apesar de

alguns países da Ásia Oriental defenderem a presença norte-americana para

contrabalançar a ascensão chinesa, a verdade é que com a crescente interdependência

económica regional, nenhum deles tem interesse num conflito entre Washington e

Pequim e verem-se obrigados a escolher um dos lados.

Apesar das dificuldades, o histórico ACL com a Coreia do Sul e a “Parceria

Trans-Pacífico” (TPP) representam dois passos significativos da Administração Obama

no sentido de manter a posição pivot dos EUA na Ásia Oriental. De acordo com a

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Secretária de Estado do Presidente Obama, a TPP deverá servir de “referência para

acordos futuros” e “crescer para servir de plataforma para uma maior interação regional

e, eventualmente, uma zona de comércio livre da Ásia-Pacífico.” (Clinton, 2011).

Logo no primeiro ano de mandato, em Julho de 2009, Obama assinou o “Tratado

da ASEAN de Amizade e Cooperação no Sudeste Asiático”, cumprindo assim a única

pré-condição para participar na EAS. No discurso do Presidente norte-americano em

Tóquio, em Novembro do mesmo ano, Obama reforçou o compromisso regional para

com a EAS.

Por último, e a propósito das relações com a China, Kissinger propõe que estas

caminhem no sentido da “co-evolução”, afirmando que é mais adequado do que o

rótulo parceria, ou seja, e segundo o próprio, “significa que ambos os países

prosseguem os seus imperativos internos, cooperando onde for possível, e ajustam as

suas relações para minimizar o conflito. Nenhum dos lados avaliza todos os objetivos

do outro ou presume uma identidade total de interesses, mas ambos os lados procuram

identificar e desenvolver interesses complementares.” (Kissinger, 2011: 562). Kissinger

defende esta posição, partindo do pressuposto de que a China e os EUA não estão

destinados ao confronto, pois seria “o caminho para o desastre, para ambos os lados”

(Kissinger, 2011: 563). Assim sendo, Kissinger propõe a criação de uma “Comunidade

de Pacífico” que reduza o receio chinês da contenção americana e minimize o medo

norte-americano de ver a sua influência na região ser sacudida pelo Panda Gigante.

O Urso Transiberiano

Para o “Urso Transiberiano”, durante a Guerra Fria, o Nordeste Asiático era

considerado uma área secundária em relação à Europa ou em relação a países da Ásia-

Pacífico, como a Índia ou o Vietname. No entanto, num discurso em Vladivostok em

Julho de 1986, Gorbatchev tentou rever a política soviética em relação à Ásia Oriental,

destacando a importância da região, e da China em particular, para a política externa da

URSS. Nesta sequência, a URSS normaliza as relações com a China, em Maio de 1989

e estabelece relações diplomáticas com a Coreia do Sul em Setembro de 1990. “(…)

Quando a União Soviética colapsou, em Dezembro de 1991, a Rússia iniciou a sua

diplomacia com o Nordeste Asiático dificultada pela pobre posição política e económica

e as relações que herdou” (Harada, 1997: 12-14).

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Em Abril de 1993, o presidente aprovou um documento do Conselho de

Segurança Russo que enfatizava que a Rússia devia continuar a ser tratada como

“grande potência” e declarava, pela primeira vez, que os seus interesses nacionais

divergiam dos interesses norte-americanos (Harada, 1997: 15). Assim, a Rússia

enumerou as suas relações externas segundo uma ordem de prioridade: 1) Comunidade

dos Estados Independentes (CEI), 2) Europa de Leste, 3) Europa Ocidental, 4) EUA, 5)

China, 6) Japão, 7) Península Coreana, 8) Ásia do Sul e Ásia Ocidental, 9) Médio

Oriente, 10) América do Sul e América Central.

Neste seguimento, Moscovo procurou melhorar a sua relação com todos os

países do Nordeste Asiático e ter uma participação mais ativa no regionalismo que

parecia estar a formar-se em redor dos três países da região: “Disappointment with U.S.

assertiveness and a new inevitability about the rise of China raised the stakes for a

region-wide calculus” (Rozman et. al, 2006: 236).

Em boa verdade, os “choques triplos” impulsionaram a renovação da estratégia

russa para com o regionalismo na Ásia Oriental: alteraram a política doméstica da

Rússia e, por conseguinte, a sua ação externa (Aggarwal et. al., 2008: 181).

A Rússia foi fortemente afetada pelo efeito de contágio da Crise Financeira

Asiática, que resultou no fim da Era Ieltsin e inaugurou uma nova forma de governo na

Rússia (Aggarwal et. al., 2008: 191). “O governo doméstico neo-absolutista emergiu

como fonte crucial para o comportamento russo de política externa, e Moscovo não

hesitou em promover os seus objetivos neomercantilistas no Nordeste Asiático”

(Aggarwal et. al., 2008: 209). Esta política mais pragmática foi personificada na

imagem do Presidente Vladimir Putin, que teve um papel crucial nesta viragem política

em relação ao novo modo de olhar o Nordeste Asiático.

Durante os seis primeiros meses de mandato, Putin realizou uma série de viagens

à Ásia, demonstrando o seu compromisso para com a região. A primeira visita de um

Presidente russo à Coreia do Norte aconteceu em Junho de 2000, numa tentativa de

provar a sua capacidade de mediação. No mês seguinte, integrou a Cimeira do G-8, em

Okinawa, “onde teve a intenção de demonstrar que a Rússia era a única potência capaz

de influenciar a Coreia do Norte” (Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 154) e em

Setembro viajou até Tóquio (Rozman et. al., 2006: 15). Um ano decorrido desde a sua

visita a Pyongyang, Putin recebe o líder norte-coreano em Moscovo. Apesar das

relações com a Coreia do Norte terem melhorado a olhos vistos, o Presidente russo

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procurou ser cauteloso e, para comprovar a sua vontade em mediar o conflito inter-

coreano, visita Seul no mesmo ano.

A relação russa com as Coreias ganhou assim uma nova dinâmica. A Sunshine

Policy tinha aproximado Seul e Moscovo, e Putin soube aproveitar este progresso para

cumprir os seus próprios objetivos de política externa. Travou conhecimento pessoal

com Kim Jong-il, e nos três encontros que teve com o líder norte-coreano, “ligou o

plano da energia e transportes à ressurgência da Rússia na região (Rozman et. al, 2006:

27), nomeadamente através da construção de um oleoduto que satisfaria as necessidades

energéticas norte-coreanas. “A noção de "Caminho da Seda de Ferro" (“Iron Silk

Road”) sugeriu um corredor ferroviário paralelo que assegurasse a posição do caminho-

de-ferro transiberiano. De repente, o futuro da Rússia na região tornou-se intimamente

ligada ao processo de reintegração da península” (Rozman et. al, 2006: 27).

Em 2004, “Putin e Roh sonharam com cinco linhas transcontinentais para o

Pacífico” Ŕ petróleo, gás, caminho-de-ferro transiberiano e transcoreano, eletricidade e

fibra ótica. Os sonhos cedo se desvaneceram, quando uma missão da Gazprom provou

que “não havia atalhos para a resolução de muitos problemas” (Rozman et. al, 2006:

244), em 2005, e quando os analistas económicos anunciaram que os mercados

envolvidos não estavam a dar sinais de interesse nestes projetos megalómanos.

As relações com China tinham-se voltado a fortalecer em finais de 2003, abrindo

caminho para uma o estreitamento de laços comercias, que se refletiram nas grandes

quantidades de armas russas vendidas ao Exército de Libertação Chinês (Rozman et. al,

2006: 17). Ao mesmo tempo, Moscovo procura melhorar as relações comerciais e

culturais com Taipé, sem antagonizar Pequim.

A China tinha ganho importância renovada para Moscovo, que procurava o

balanço geopolítico na multipolaridade. “Durante a sua primeira visita a Pequim, em

Julho de 2000, Putin enfatizou a importância da parceria estratégica para defender o

equilíbrio de poderes mundial” (Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 150). Putin e

Jiang Zemin expressaram a oposição de ambos os países ao programa anti-míssil

(BMD) promovido pela Administração Clinton e ao separatismo em Taiwan e na

Chechénia. No ano seguinte, Jiang Zemin visitou Moscovo, onde assinou um tratado de

amizade de 20 anos entre a China e a Rússia.

Contudo, o esforço russo em equilibrar a balança de poderes no Nordeste

Asiático, “mantendo a China afastada do domínio regional”, “é evidente”. Putin temia

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que os interesses russos ficassem comprometidos com as vantagens que a China

retiraria de uma integração económica asiática (Rozman et. al, 2006: 22).

No que diz respeito ao Japão, as relações Moscovo-Tóquio não conheceram

grandes melhorias desde o colapso da União Soviética, mantendo-se a disputa territorial

sobre um pequeno grupo de ilhas a sul das Curilas (as ilhas Etorofu, Kunashiri,

Shikotan, e Habomai), situado entre o Mar Okhotsk e o Oceano Pacífico. Com a visita

de Ieltsin ao Japão, em Outubro de 1993, iniciaram-se negociações para resolver as

disputas territoriais, culminando na promessa de retirada das tropas russas. A retórica de

Moscovo acabou por não se verificar na prática, com a justificação de que a resolução

do problema territorial “devia ser deixado para a próxima geração” (Harada, 1997: 53).

Apesar de existir alguma tensão esporádica entre os dois países sobre a legitimidade de

poder sobre as ilhas, a Rússia de Putin evita o assunto em encontros de alto nível, para

que este não se torne um embaraço nas suas relações bilaterais “O Japão está

interessado em encontrar uma solução rapidamente, mas a Rússia quer evitar as

negociações por questões domésticas” (Harada, 1997: 58-59).

Ao contrário da UE, em que as normas refletem, em larga medida, os valores

ocidentais, a EAS é mais apelativa para os russos devido ao respeito pelo princípio da

não-ingerência nos assuntos internos. Contudo, uma coligação sino-russa no perímetro

da Ásia Oriental não seria recebida com o maior dos entusiasmos pelos parceiros

regionais (sobretudo o Japão), o que obrigou Moscovo a mudar de estratégia (Rozman

et. al., 2006: 249). No discurso de Putin na cimeira da EAS, em Dezembro de 2005, o

Presidente russo deixou um apelo claro no sentido de ser aceite na organização,

salientando particularmente o contributo russo para a segurança energética (Rozman et.

al, 2006: 250).

A ligação que a Rússia faz entre políticas energéticas e geopolíticas demonstra

que Moscovo procura utilizar os recursos naturais, como gás natural e o petróleo, como

trunfos da sua política externa.

A Rússia percebeu também que a criação de melhores relações com o regime de

Pyongyang aumentaria a sua credibilidade junto do governo sul-coreano e pressionaria

as Six-Party Talks, para contrariar a insistência americana nas Four-Party Talks

(Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 153). George W. Bush considerou que a Rússia

estava a passar a mensagem errada a Kim Jong-il, e por isso tentou marginalizá-la do

processo norte-coreano, procurando apenas o diálogo com a China, Japão e Coreia do

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Sul. Moscovo conseguiu um lugar nas Six-Party Talks graças à pressão de Pyongyang,

que procurou um equilíbrio nas negociações e que a coordenação do processo se

movesse de Washington para Pequim (Rozman et. al, 2006: 28).

A eleição do novo Presidente russo, Dmitry Medveded, em 2008, pouco alterou

a visão estratégica russa em relação ao Nordeste Asiático, uma vez que nomeou

Vladimir Putin para o cargo de primeiro-ministro e o próprio sugere a continuidade dos

anteriores padrões de política externa russa.

O Sudeste Asiático

Em poucos anos, os países do Sudeste Asiático passaram do confronto à

cooperação, ultrapassando a heterogeneidade étnica e religiosa que por diversas vezes

foi motivo de conflito. Em 1967, os governos da Tailândia, Singapura, Indonésia,

Malásia e Filipinas assinaram a Declaração de Banquecoque, a partir da qual se

estabelecia a criação da ASEAN, sobre o lema “Uma Visão, Uma Identidade, Uma

Comunidade”. Com a adesão do Brunei, Cambodja, Laos, Mianmar e Vietname, fixou-

se o modelo“ASEAN10” que hoje conhecemos. O mecanismo encontrado para

salvaguardar os princípios de soberania, não-intervenção e renúncia à ameaça ou uso da

força na resolução de disputas, ficou célebre na fórmula ASEAN Way, que enfatizava o

consenso na tomada de decisões, a diplomacia informal, o minimalismo institucional e o

confidence-building, acreditando-se que este seria a chave para garantir a eficácia e

durabilidade da organização.

Os objectivos e propósitos apresentados na carta fundadora da ASEAN remetem

para a cooperação económica, social, cultural e para promoção da paz e estabilidade

regionais. Contudo, tendo em conta o contexto em que a ASEAN foi estabelecida, sabe-

se que procurou também travar os avanços internos e externos do comunismo na região,

para que o crescimento económico não deixasse de se afigurar como prioridade. Por

conseguinte, entre 1975 e 1995, os países do Sudeste Asiático conheceram a redução de

pobreza mais abrupta (dois terços) do mundo industrializado, o que permitiu a

emergência de uma classe média significativa e o aumento do investimento estrangeiro

(Solingen, em Friedman e Kim, 2006: 18). Em 1992, os membros-fundadores da

ASEAN decidiram estabelecer, entre si, uma área de comércio livre, tornando-se o

primeiro ACL multilateral em toda a região.

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No entanto, a Crise Financeira Asiática de 1997-98 expôs a vulnerabilidade

económica dos membros da ASEAN, submetendo-os a duras condições de austeridade

que tão depressa não esqueceriam. Numa tentativa de contrariar o descontentamento

social, o exacerbamento de nacionalismos e as incertezas económicas, os líderes do

Sudeste Asiático adotaram, no mesmo ano e na Cimeira de Kuala Lumpur, o plano

“ASEAN Vision 2020”, que concebe a ASEAN como um concerto de nações do

Sudeste Asiático, “outward looking, living in peace, stability and prosperity, bonded

together in partnership in dynamic development and in a community of caring societies”

(ASEAN).

No subcapítulo intitulado “Impulsos regionalistas”, dedicado à Crise Financeira

Asiática e ao processo de formação da ASEAN+3 e EAS, testemunhamos que os países

do Sudeste Asiático aperceberam-se que o poder económico dos parceiros do nordeste

era fundamental para superar a crise e que apenas a liquidez e a força das suas moedas

possibilitaria a cooperação financeira regional, tal como ficou evidente na ICM, que os

países da ASEAN abraçaram com grande entusiasmo.

Ao transparecer a dificuldade da ASEAN, ARF e APEC em responder a

conjunturas de crise, a Crise Financeira de 1997-98 diferenciou a ASEAN+3 como a

estrutura preferencial do Sudeste Asiático para lidar com preocupações “económico-

securitárias” (Emmers, em Aggarwal e Koo, 2008: 201).

Até recentemente, a ASEAN liderou o caminho de regionalização na Ásia

Oriental. Não obstante, face às limitações do seu processo de tomada de decisão (que

requere consenso) e à marginalização política por parte das grandes potências asiáticas,

o centro de gravidade do “Novo Regionalismo” deslocou-se, entre 1990 e 2010, do

Sudeste para o Nordeste Asiático.

Por fim, e tendo em conta as variáveis causais do regionalismo asiático sugeridas

no capítulo introdutório, apuramos que as três dimensões tiveram um peso significativo

na opção regionalista dos países do Sudeste Asiático: 1) a ordem bipolar e o medo de

expansão comunista, 2) a vontade de cooperação económica expressa na Declaração de

Banquecoque, e 3) a prossecusão de uma identidade regional comum, manifestada no

motto da organização e na “ASEAN Vision 2020”.

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Conclusão

Como se procurou demonstrar no âmbito da problemática em epígrafe, a Ásia

Oriental conheceu, entre 1990 e 2010, impulsos regionalistas que romperam com o

tradicional sistema de “hub-and-spokes” de São Francisco, em resultado das

transformações políticas dirigidas pelos governos centrais do Nordeste Asiático. Depois

de quase uma década de falsos arranques e expectativas defraudadas, o regionalismo

asiático parece ter ganho uma nova forma (Rozman, 2004: 351), ainda que com

características diferentes da experiência europeia.

Segundo o Banco de Desenvolvimento Asiático, “o centro de gravidade da

economia internacional está a deslocar-se para a Ásia”, daí que a necessidade de

cooperação económica regional tenha aumentado substancialmente para fazer face aos

desafios emergentes. Assim, e nas palavras de Peter Katzenstein, o “Regionalismo

Asiático é uma ideia que veio para ficar” (cit. por Stubbs, 2002: 446), sendo

caracterizado pelo (1) “ritmo extraordinário do comércio e investimento intra-regional,

impulsionado pelo dinamismo da costa da China e pelas repercussões de uma maior

abertura de mercado com entrada na OMC”, pelo (2) “recuo do unilateralismo assertivo

dos EUA”, pelo (3) “interesse comum em estabilizar a mudança sistémica da Coreia do

Norte e da volatilidade sino-japonesa” e pela (4) “veia competitiva transversal que

reconhece a influência limitada das suas economias em separado e as vantagens de uma

voz regional para os assuntos económicos, capaz de obter um maior reconhecimento

internacional” (Rozman, 2004: 351).

De acordo com a abordagem teórica definida na Introdução e explorada na

primeira parte da presente dissertação, os contornos do “Novo Regionalismo” foram

examinados à luz do Eclecticismo Analítico, combinando elementos realistas, liberais e

construtivistas, ou seja, tendo em consideração as dimensões de poder,

interdependência económica e identidade como variáveis causais da questão em estudo.

Num primeiro nível de análise, podemos afirmar que o Nordeste Asiático

afigura-se um laboratório fascinante para o estudo das transformações do sistema

internacional no pós-Guerra Fria, não só pelo carácter paradoxal que concilia o

acentuado crescimento económico com as tensões securitárias existentes, mas sobretudo

porque a alteração da estrutura do sistema internacional que se verificou depois de 1990

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despertou a sub-região para a questão do regionalismo, numa tentativa de se destacar

num ambiente internacional que se desejava multipolar.

Quanto à segunda dimensão, a da interdependência económica, é importante

recordar que a correlação entre economia e segurança é bastante controversa,

dominando o debate entre neo-realistas e neo-liberais quanto à hipótese da

interdependência económica conduzir a maiores níveis de cooperação e, em

consequência, reduzir os riscos de guerra. Na perspectiva liberal, a interdependência

económica torna os custos de guerra mais elevados, diminuindo assim o incentivo ao

conflito. Nesta sequência, os neo-liberais institucionalistas acreditam ainda que as

organizações internacionais, mesmo que de índole económica, criam confiança e

transparência entre os estados-membros, reduzindo os níveis de incerteza e

desconfiança (Keohane e Nye, 1977; 1987 em Cui, 2007: 153). Por outro lado, os neo-

realistas aceitam a ligação entre segurança e economia, mas admitem que a integração

económica apenas deve ser praticada quando potencia o poder económico do estado e

serve os seus interesses. Não obstante, muitos autores defendem que a interdependência

económica pode ser propensa ao aumento de tensões (Keohane, 2000: 6; Alagappa,

2003: 293; Dale Copeland, 2000), como aconteceu na Europa antes da Primeira Guerra

Mundial. Posto isto, e depois de identificados os avanços e recuos no processo de

regionalização leste-asiático, concluímos que a interdependência económica

intrarregional foi determinante para os avanços regionalistas verificados entre 1990 e

2010.

Por último, se alguns autores têm referido que o sentimento de identidade

comum da Ásia Oriental tem aumentado de forma notável (Simon Tay cit. por Stubbs,

2002: 446), especialmente desde a experiência de “humilhação” partilhada aquando da

Crise Financeira de 1997-98, e a sua consequente superação; outros defendem que o

aprofundamento da cooperação multilateral asiática será difícil ou mesmo pouco

provável devido à heterogeneidade cultural (Hungtington, 1996). De qualquer modo,

concluímos que o peso da identidade funcionou como variável interveniente tanto para

os impulsos (no exemplo do ideal de “comunidade asiática”, projectada por Mahathir

Mohamed na criação da EAEC) ou dificuldades (no exemplo da rivalidade sino-

japonesa) na formação do “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental.

A investigação realizada sugere que as três componentes têm uma importância

significativa na nova arquitetura regional, embora seja difícil distrinçar o peso relativo

de poder, interdependência económica ou identidade na explicação do “Novo

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Regionalismo” leste-asiático, o que prova exatamente os limites do Eclecticismo

Analítico, tal como se previu no capítulo inicial. Como Acharya argumenta, os agentes

(actores regionais) fazem a diferença sobre a estrutura, já que fazem prevalecer as suas

ideias sobre os interesses dos atores externos no processo de regionalização. No entanto,

o posicionamento dos protagonistas secundários, como aqui foi retratado, foi mais

permissivo em relação ao estreitamento da cooperação leste-asiática, em resultado da

alteração da estrutura de poder internacional.

Paralelamente, a análise sugerida respeitou também uma ordem temporal em que

definimos três momentos críticos, a que chamamos “choques triplos”, que desafiaram a

ordem institucional do Nordeste Asiático. O fim da Guerra Fria permitiu a melhoria das

relações entre os países da sub-região, a Crise Financeira expôs as fraquezas das suas

economias e os atentados de 11 de Setembro puseram em questão o equilíbrio de

poderes no Nordeste Asiático.

Em concordância com o nosso argumento central, o Nordeste Asiático tem

assumido o comando na regionalização da Ásia Oriental, não só pelo peso económico e

político-militar que representa, mas sobretudo pela crescente interdependência

intrarregional, manifestada através do aumento dos encontros políticos, transações

comerciais e fluxos de investimento direto que, especialmente depois de 1997, os

governos de Pequim, Tóquio e Seoul procuraram acompanhar com as respetivas

agendas regionalistas.

Com o fim da Guerra Fria, o reequilíbrio de poderes funcionou a par da ascensão

chinesa, do intervencionismo japonês e do papel de pivot regional assumido pela Coreia

do Sul. Em 1997, a Crise Financeira Asiática serviu de catálise à impressionante

escalada regionalista, tal como ficou patente na criação da ASEAN+3, e que provou não

só a estreita cooperação entre os seus membros mas também a centralidade da China,

Japão e Coreia do Sul nesta nova moldura (“Plus Three” as prime movers, em Dobson,

2001: 1007). Sobre as suas motivações, Gilbert Rozman concluiu que “a maioria dos

esforços do regionalismo no Nordeste Asiático são desenhados para servir os interesses

nacionais dos atores”, ajudando-os “na redução das desigualdades geográficas e no

desenvolvimento de locais mais atrasados e sensíveis no seu território” (Rozman cit. por

Alagappa, 2003: 217) e combatendo a proliferação nuclear norte-coreana e as

rivalidades territoriais existentes. No fundo, a grande mais-valia da ASEAN+3 passa

pela sujeição dos “Plus Three” a mecanismos que os obriguem “a dar-se melhor”

(Aggarwal et. al., 2008, 233). Por fim, e na perspectiva de “Faisões” e “Tigres”, os

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acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 colocaram em causa a constância das

respetivas alianças com a “Águia do Pacífico”, obrigando-os a procurar novas soluções

que permitissem manter a estabilidade regional. Consequentemente, e sobretudo desde a

transição para o novo milénio, a criação de um ACL no Nordeste Asiático passou a

dominar as agendas dos think tanks regionais (Calder e Ye, 2010: 151-152), na

expectativa de que a interdependência económica reduzisse os níveis de confrontação.

Por isso, para além da integração económica, é visível que os interesses dos

membros da ASEAN+3 nesta moldura passam também pelas suas preocupações

securitárias.

Como vimos em “Um caminho espinhoso”, a cooperação no Nordeste Asiático

não tem sido facilitada devido às acesas disputas territoriais (Ilhas Curilas,

Takeshima/Dokdo e Senkaku/Diaoyu), à ameaça norte-coreana, à “Questão Taiwanesa”,

à presença de potências nucleares (EUA, Rússia, China e Coreia do Norte) e à

reminiscência de mágoas históricas que pouco abonam em favor da criação de uma

comunidade regional estável e consistente. Além disso, a harmonização de valores

asiáticos, euroasiáticos e ocidentais nem sempre foi bem-sucedida, bem como a

convivência entre antigas potências imperialistas agressoras (Rússia e Japão) e as

respetivas vítimas (China e Coreia). Também a confiança entre países socialistas (China

e Coreia do Norte), antigos países socialistas (Rússia e Mongólia) e países capitalistas

(Japão, Coreia do Sul e EUA) não logra o maior dos entusiasmos. Fica assim evidente

que o regionalismo da Ásia Oriental não é de todo inevitável, complicando-se a sua

antevisão em resultado das divergências sino-japonesas quanto ao modelo institucional

preferencial.

Em adição aos níveis de análise propostos anteriormente, seguindo a abordagem

do Eclecticismo Analítico e dos “choques triplos”, o enfoque nas políticas externas e

orientações internas dos governos centrais do Nordeste Asiático e das principais

potências externas dominantes (leia-se, EUA e Rússia) mereceram um tratamento

especial na nossa análise.

Assim, verificamos que a China tem demonstrado uma postura mais construtiva,

como provam as parcerias estratégicas, a OCX, a capacidade diplomática nas Six-Party

Talks e as respostas às crises financeiras. Uma vez que o desenvolvimento económico e

a sobrevivência da One China constituem as principais prioridades de Pequim, a capital

chinesa tem todo o interesse em garantir a estabilidade regional. A nível interno,

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destacamos o papel de Hu Jintao e de estrategas e académicos chineses na preparação da

estratégia de “ascensão pacífica” do “Panda Gigante”.

O Japão tem assumido mais responsabilidades internacionais em matéria de

segurança, sobretudo depois de a sua aliança com a “Águia do Pacífico” ter atravessado

um período difícil, nos primórdios da década de 1990. O “Faisão Amistoso” revelou-se

um ator central para o “Novo Regionalismo” asiático, sobretudo depois da Crise

Financeira Asiática, tendo ganho uma nova confiança renovada junto dos seus pares, ao

dirigir iniciativas tão importantes como o FMA. Não obstante, o processo de

regionalização e de formação de um ACL que inclua os países do Nordeste Asiático tem

sido travado internamente principalmente pelo sector agrícola e pelos pequenos

empresários japoneses, que temem não ter capacidade de competir com a mão-de-obra

barata chinesa.

O “Tigre do Meio” está a assumir uma efectiva posição pivot, em que tem a

responsabilidade de promover a abordagem multilateral para a resolução do problema

norte-coreano e a de chamar a China e o Japão para a cooperação triangular. No

contexto interno, não podemos descurar a centralidade de Kim Dae-jung no arranque do

regionalismo leste-asiático e os benefícios da sua Sunshine Policy.

Apesar da presença norte-americana beneficiar a estabilidade do Nordeste

Asiático, os EUA não facilitaram, primeiramente, a criação de uma estrutura

multilateral de segurança nem um quadro de cooperação económico-financeira que os

excluísse (como por exemplo a iniciativa do FMA). Contudo, o declíneo da hegemonia

americana na região, que se acentuou com a sua agenda política do pós-11 de Setembro

e com os problemas domésticos em que se encontrava imerso, tem favorecido as

esperanças de uma cooperação “mais asiática”.

Ainda assim, e aos olhos da “Águia do Pacífico”, existe uma preocupação

perante os sinais regionalistas asiáticos, nomeadamente a diminuição da sua presença e

“influência estrutural” na região (Grimes, 2009, cit. por Stubbs e Beeson, 2012: 424).

Assim, e como tem defendido a própria Administração Obama, o envolvimento dos

EUA deve ser mais proativo, por razões estratégicas e de modo a poder beneficiar da

prosperidade do Nordeste Asiático. Alguns passos significativos que têm sido dados

nesse sentido e traduzem-se, a título de exemplo, no crescente investimento financeiro

nesta sub-região e na formação de elites asiáticas em universidades norte-americanas.

A Rússia não ficou imune aos efeitos económicos da Crise Financeira Asiática e,

sobretudo depois da eleição de Putin, “O Urso Transiberiano” tornou-se mais assertivo

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na forma de encarar o regionalismo da Ásia Oriental, servindo-se dos seus recursos

energéticos como instrumento de política externa.

Depois da Crise Financeira de 1997-98, a ASEAN revelou as suas fragilidades e

a sua insegurança em lidar com choques futuros, contando por isso com a estrutura

ASEAN+3 como quadro preferencial para lidar com preocupações relacionadas com

matéria económica e securitária, deslocando assim a comando do “Novo Regionalismo”

do Sudeste para o Nordeste Asiático.

Sobre a possibilidade de o Nordeste Asiático vir a desenvolver um

“institucionalismo hard”, a revisão da literatura e o trabalho exploratório desenvolvido

demonstram que se mantém o interesse do Nordeste Asiático e da ASEAN num

“institucionalosmo soft”, já que, nas palavras de Frost e Kang , “uma nova instituição

não funcionaria bem ou seria irrelevante” (em Aggarwall, 2008: 236). Em relação às

vantagens do institution-building na Ásia Oriental, “autores como Mearsheimer e

Joseph Grieco já demonstraram que o seu efeito é limitado”, uma vez não impediriam a

China de procurar a maximização de poder nem sossegariam os estados vizinhos

relativamente às suas intenções (Magalhães, 2007: 25).

Como vimos, as Six-Party Talks correspondem às conversações de segurança

mais importantes na região, com vista a resolver o problema da nuclearização norte-

coreana, tendo sido esperado, não raras vezes, que a sua estrutura evoluisse para um

quadro de segurança multilateral: “Could the SPT become the platform for the creation

of a permanent, institutionalized security forum in Northeast Asia?” (Frost e Kang, em

Aggarwall, 2008: 239). Contudo, as últimas décadas sugerem que as estratégias de

“avoidance” deverão manter-se. Se as Six-Party Talks forem bem-sucedidas na remoção

da ameaça nuclear norte-coreana, acredita-se que os estados do Nordeste conseguirão

normalizar as suas relações (Frost e Kang, em Aggarwall, 2008: 239), mas não existem

certezas sobre a formação de uma nova arquitectura de segurança multilateral que

envolva os países do Nordeste Asiático.

Em suma, a preferência pelo “institucionalismo soft” representa uma tendência

das últimas duas décadas que parece querer manter-se a curto e médio prazo, embora o

caminho em direção à construção de uma comunidade regional seja inegável.

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138

Anexos

Anexo 1. O Nordeste Asiático e a região envolvente (Calder e Ye, 2010: 86)

Anexo 2. O Nordeste Asiático e a ASEAN em perspectiva geoeconómica

comparada (Calder e Ye, 2010: 6)

Fonte: Cia World Factbook (2009) dados relativos a 2008

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Anexo 3. O sistema sinocêntrico (Tomé, 2010: 95)

Anexo 4. Michel Camdessus (à esquerda) e o Presidente Suharto (à direita) na

assinatura do acordo de ajuda financeira do FMI, a 15 de Janeiro de 1998.

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Anexo 5. Evolução dos Acordos de Comércio Livre concluídos na Ásia

Oriental, entre 2000 e 2010 (Kawai e Wignaraja, 2011: 4)

Fonte: Banco de Desenvolvimento Asiático

Anexo 6. Acordos de Comércio Preferencial (ACP) na Ásia Oriental, por

Estado, 2010 (Dieter, em Beeson e Stubbs, 2012: 121)

País Propostas

Em negociação Concluídas

Total Acordo-Quadro

assinado / Em

negociação

Em

negociação Assinados

Em

funcionamento

Brunei 4 1 1 0 8 14

Camboja 2 0 1 0 6 9

China 8 3 3 1 10 25

Hong Kong 1 1 0 1 1 4

Índia 11 4 7 0 11 33

Indonésia 7 1 1 1 7 17

Japão 6 0 5 0 11 22

República da Coreia 10 2 8 1 6 27

Laos 2 0 1 0 8 11

Malásia 3 1 5 2 8 19

Mianmar 2 1 1 0 6 10

Nova Zelândia 4 1 3 2 7 17

Filipinas 4 0 1 0 7 12

Singapura 4 1 9 3 18 35

Taipé 1 2 1 0 4 8

Tailândia 6 4 3 0 11 24

Vietname 3 1 2 0 7 13

Fonte: Banco de Desenvolvimento Asiático, Centro de Integração Regional da Ásia

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Anexo 7. Empresas que constituem os clusters de Tecnologias de Informação

transnacionais na China (Calder e Ye, 2010: 141)

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Anexo 8. Evolução do Comércio entre a ASEAN e o Nordeste Asiático (1990-2010)

Fonte: FMI, Direção das Estatísticas do Comércio (consultado a 17-08-2012)

Anexo 9. Disputas territoriais no Nordeste Asiático

Países envolvidos Tipo de Disputa Nível de intensidade

China-Rússia Fronteiriça Baixo

China-Japão-Taiwan Marítima (Senkaku/Diaoyu/ Tiaoyutai) Médio

China-Coreia do Norte Fronteiriça Baixo

China-Tadjiquistão Fronteiriça Baixo

Japão-Rússia Marítima (Ilhas Curilas) Médio

Japão-Coreia do Sul Marítima (Takeshima/Dokdo) Médio

Fonte: Alagappa, 2003: 385