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59 RESUMO MODELOS CONTEMPORÂNEOS DE DEMOCRACIA E O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 59-80, out. 2012 Recebido em 20 de maio de 2011. Aprovado em 9 de agosto de 2011. Lígia Helena Hahn Lüchmann 1 Esse trabalho faz parte do projeto de pesquisa (Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)) intitulado “Associativismo civil, participação e democra- cia: novas práticas e configurações”. Agradeço a leitura atenta e os comentários dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política. O artigo aborda teorias da democracia que, fazendo uso de diferentes argumentos, dão destaque ao papel das associações na promoção de ideais democráticos como participação, igualdade, justiça, legitimidade, deliberação e eficiência. Em que pese as variações teórico-normativas que registram diferenças no trata- mento e no valor dado ao papel das associações, é possível extrair, dentre um campo plural de abordagens teóricas, pelo menos três enfoques que apontam relações positivas, senão alternativas, entre as associações e a democracia: o enfoque da democracia participativa, da democracia associativa e da democracia deliberativa. Embora compartilhem a insatisfação com o modelo liberal eleitoral, reclamando, entre ou- tros, do peso competitivo e individual dado à dimensão da participação política, esses modelos democráti- cos manifestam, além de pontos em comum, diferenças analíticas que merecem atenção. Para expoentes da democracia participativa, o principal argumento acerca da importância democrática das associações está ancorado na tese de que as associações são instrumentos que qualificam a participação direta dos cida- dãos, verdadeira essência da democracia. Para a vertente da democracia associativa, as associações são soluções – possíveis e democráticas – para lidar com a administração da complexidade social. Teóricos da democracia deliberativa enfatizam a importância da sociedade civil, preenchida fundamentalmente por associações e movimentos sociais, para gerar poder legítimo na esfera pública. O artigo sugere que a ampliação e o aprofundamento da democracia depende da articulação, não isenta de tensões, entre os pressupostos da participação, da representação, da deliberação e da associação. PALAVRAS-CHAVE: associações; democracia participativa; democracia associativa; democracia deliberativa. I. INTRODUÇÃO 1 Os problemas e os limites apontados à democracia representativa vêm estimulando o debate e o desenvolvimento de novos modelos teóricos de democracia que ampliam os atores, os espaços, e os sentidos da política. “Democracia participativa”, “democracia associativa” e “democracia deliberativa” têm se destacado, entre um leque mais amplo de modelos, como aportes teórico-analíticos valiosos no sentido do questionamento dos pressupostos democráticos que tendem a restringir a ação política a determinados atores e estruturas institucionais, dadas como únicas e possíves frente à pluralidade e a complexidade social. Dessa forma, surgem como alternativas críticas às teorias “realistas” 2 que concebem a democracia como um mecanismo de escolha de líderes políticos mediante a competição, entre os partidos, pelo voto, equiparando a dinâmica política ao jogo do mercado (MACPHERSON, 1978). Para seus críticos, esse modelo “liberal” reduz a democracia a um mecanismo de escolha dos representantes políticos na formação dos governos e parlamentos 2 Entre as teorias “realistas” da democracia, sobressai-se a teoria do “elitismo competitivo” de Schumpeter e o mode- lo pluralista de Dahl. Segundo Held (1987), se o elitismo de Schumpeter enfatiza a concentração de poder nas mãos das elites políticas, a teoria pluralista enfatiza a ação dos gru- pos de interesses no processo de competição pelo poder. Para Macpherson (1978), essas teorias formam o modelo do “equilíbrio” ou do “elitismo pluralista”.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 43: 59-80 OUT. 2012

RESUMO

MODELOS CONTEMPORÂNEOS DE DEMOCRACIAE O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 59-80, out. 2012Recebido em 20 de maio de 2011.Aprovado em 9 de agosto de 2011.

Lígia Helena Hahn Lüchmann

1 Esse trabalho faz parte do projeto de pesquisa (Bolsa deProdutividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq))intitulado “Associativismo civil, participação e democra-cia: novas práticas e configurações”. Agradeço a leitura atentae os comentários dos pareceristas anônimos da Revista deSociologia e Política.

O artigo aborda teorias da democracia que, fazendo uso de diferentes argumentos, dão destaque ao papeldas associações na promoção de ideais democráticos como participação, igualdade, justiça, legitimidade,deliberação e eficiência. Em que pese as variações teórico-normativas que registram diferenças no trata-mento e no valor dado ao papel das associações, é possível extrair, dentre um campo plural de abordagensteóricas, pelo menos três enfoques que apontam relações positivas, senão alternativas, entre as associaçõese a democracia: o enfoque da democracia participativa, da democracia associativa e da democraciadeliberativa. Embora compartilhem a insatisfação com o modelo liberal eleitoral, reclamando, entre ou-tros, do peso competitivo e individual dado à dimensão da participação política, esses modelos democráti-cos manifestam, além de pontos em comum, diferenças analíticas que merecem atenção. Para expoentes dademocracia participativa, o principal argumento acerca da importância democrática das associações estáancorado na tese de que as associações são instrumentos que qualificam a participação direta dos cida-dãos, verdadeira essência da democracia. Para a vertente da democracia associativa, as associações sãosoluções – possíveis e democráticas – para lidar com a administração da complexidade social. Teóricos dademocracia deliberativa enfatizam a importância da sociedade civil, preenchida fundamentalmente porassociações e movimentos sociais, para gerar poder legítimo na esfera pública. O artigo sugere que aampliação e o aprofundamento da democracia depende da articulação, não isenta de tensões, entre ospressupostos da participação, da representação, da deliberação e da associação.

PALAVRAS-CHAVE: associações; democracia participativa; democracia associativa; democraciadeliberativa.

I. INTRODUÇÃO1

Os problemas e os limites apontados àdemocracia representativa vêm estimulando odebate e o desenvolvimento de novos modelosteóricos de democracia que ampliam os atores,os espaços, e os sentidos da política. “Democraciaparticipativa”, “democracia associativa” e“democracia deliberativa” têm se destacado, entreum leque mais amplo de modelos, como aportesteórico-analíticos valiosos no sentido doquestionamento dos pressupostos democráticosque tendem a restringir a ação política a

determinados atores e estruturas institucionais,dadas como únicas e possíves frente à pluralidadee a complexidade social. Dessa forma, surgemcomo alternativas críticas às teorias “realistas”2

que concebem a democracia como um mecanismode escolha de líderes políticos mediante acompetição, entre os partidos, pelo voto,equiparando a dinâmica política ao jogo domercado (MACPHERSON, 1978). Para seuscríticos, esse modelo “liberal” reduz a democraciaa um mecanismo de escolha dos representantespolíticos na formação dos governos e parlamentos

2 Entre as teorias “realistas” da democracia, sobressai-se ateoria do “elitismo competitivo” de Schumpeter e o mode-lo pluralista de Dahl. Segundo Held (1987), se o elitismo deSchumpeter enfatiza a concentração de poder nas mãos daselites políticas, a teoria pluralista enfatiza a ação dos gru-pos de interesses no processo de competição pelo poder.Para Macpherson (1978), essas teorias formam o modelodo “equilíbrio” ou do “elitismo pluralista”.

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cuja base de legitimidade é limitada ao processoeleitoral.

É exatamente tendo em vista a recuperação deuma dimensão normativa da democracia que, aoacusar a redução da política a uma lógicaindividualista e competitiva, desenvolve-se, a partirdos anos de 1960, uma concepção “participativa”ou “republicana” de democracia, ancorada no idealda participação direta dos cidadãos nos assuntosde interesse da coletividade. À luz de teóricosclássicos como Rousseau e John Stuart Mill, essereferencial enfatiza o caráter de autodeterminaçãodos cidadãos na condução da coisa pública, porum lado, e a dimensão pedagógica e transfor-madora da participação política, por outro. Paraos autores formuladores do modelo da democraciaparticipativa, Rousseau é um dos principaisexpoentes da defesa da autoridade soberana dopovo em decidir o que é melhor para a coletividade.De acordo com Held (1987), na “versão deRousseau, a idéia de autogoverno é apresentadacomo um fim em si mesmo; segundo ele, umaordem política que oferece oportunidades para aparticipação na elaboração dos negócios públicosnão deveria apenas ser um Estado, mas um novotipo de sociedade” (idem, p. 68; grifos no original).

O questionamento acerca das premissasliberais que estão centradas no caráter instrumental,elitista e competitivo da democracia eleitoraltambém se estende ao papel e ao lugar dasassociações nos processos políticos. Fung (2003)ressalta como, na perspectiva democrática liberalancorada na tese da maximização das escolhasindividuais, as associações são vistas como umcomponente da liberdade individual, rejeitandoqualquer atuação mais substantiva na esfera dapolítica em função dos riscos de ampliação, viademandas associativas, do poder do Estado sobrea sociedade, ou da feudalização do Estadoadministrativo na sua captura por interessesorganizados (COHEN & ROGERS, 1995).

De diferentes maneiras, abordagens teóricasalternativas da democracia procuram extrairelementos mais substantivos no que diz respeitoaos benefícios democráticos das associações, nãose conformando com as premissas que apontama liberdade individual e a competição no mercadocomo únicos recursos de sua justificação.Navegando na mesma corrente, essas abordagenscompactuam, de diferentes maneiras, com osprincípios da deliberação, da participação e da

importância das associações, sem romperem comos pressupostos gerais da representação eleitoral.Thompson (2008), por exemplo, mostra como avirada em direção à democracia deliberativa nãotem significado uma desconsideração à teoriaparticipativa. Antes do que transcender ademocracia participativa, muitos democratasdeliberativos procuram expandi-la, adicionando adeliberação na lista de atividades políticas queconformam o ideário da participação (idem, p.512). Da mesma forma, autores da democraciaparticipativa reconhecem a importância dospressupostos da deliberação e da associação tendoem vista a ampliação da participação no modeloda representação política de base eleitoral.

Assim, a proposta deste artigo não é enquadrarautores em modelos, mas procurar identificar osprincipais argumentos que traduzem a justificativada importância e do papel dado às associaçõespor essas três vertentes teóricas da democracia3.No caso da democracia participativa, o fococentral é o resgate dos ideais de autogoverno e desoberania popular por meio da participação doscidadãos nos processos de discussão e de decisãopolítica. Com efeito, visando a aprimoramento dademocracia liberal, os participacionistas incor-poram – ou combinam – pressupostos dademocracia direta no interior da democraciarepresentativa, dando ênfase à inclusão dos setoresexcluídos do debate político e à dimensãopedagógica da política. Para Pateman (1992), aparticipação é educativa e promove, por meio deum processo de capacitação e conscientização(individual e coletiva), o desenvolvimento dacidadania, cujo exercício configura-se comorequisito central para a ruptura com o ciclo desubordinação e de injustiças sociais. A participaçãodesenharia um outro ciclo, agora virtuoso,ancorado nas relações positivas entre a ampliaçãodos espaços e atores participativos, na mudançada consciência política, e na redução dasdesigualdades sociais (MACPHERSON, 1978). A

3 Trata-se, portanto, de um recorte no tema das teoriasalternativas da democracia. Além disso, esse trabalho nãotem a pretensão de apresentar o debate e os autores queanalisam diferentes efeitos democráticos das associações,incluindo, por exemplo, os trabalhos que, seguindo umaperspectiva neotocquevilliana, dão centralidade ao concei-to de capital social (PUTNAM, 1995; 1996). Para essaanálise, ver Warren (2001).

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ênfase na democracia direta, ou na ideia deautogoverno revela o peso, digamos indireto, dadoàs associações se comparado à perspectiva dademocracia associativa.

A vertente teórica da democracia associativaassume, de maneira mais enfática, e como reveladoem sua própria denominação, o papel dasassociações nos processos de aprofundamento ede ampliação da democracia. Aqui, os argumentosem defesa da impotância das associações àdemocracia giram em torno da constatação dosdiagnósticos acerca dos limites dos atores e dasinstituições políticas tradicionais (estados epartidos) frente ao acelerado aumento dacomplexidade dos fenômenos sociais. Para os seusautores, as associações figuram como importantesremédios democráticos (i) no sentido de superaçãodo individualismo; (ii) da democratização dosmecanismos de representação e/ou (iii) de umaatuação política mais diretamente voltada para aresolução dos problemas sociais, promovendomaior eficiência governamental (HIRST, 1994;2001; COHEN & ROGERS, 1995; ELSTUB,2007; 2008).

A democracia deliberativa, por seu turno, aoacusar as fragilidades da democraciarepresentativa e a redução da legitimidade doprocesso decisório ao resultado eleitoral, advogaque a legitimidade das decisões políticas advémde processos de discussão que, orientados pelosprincípios da inclusão, do pluralismo, da igualdadeparticipativa, da autonomia e do bem-comum,conferem um reordenamento na lógica do poderpolítico do modelo democrático liberal. Aqui, asassociações recebem abrigo no conceito desociedade civil, e, embora também se ventilemdiferenças e divergências quanto ao seu lugarpolítico, são consideradas como atores maisdiretamente vinculados aos interesses e problemasda vida social. As associações também seriamresponsáveis pela constituição de esferas públicasque problematizam, oxigenam e alteram osmecanismos tradicionais de formulação das regrase políticas que regulam e afetam a vida social.

Ao procurar apresentar os principais argu-mentos das teorias democráticas que colocam asassociações no horizonte da ampliaçãodemocrática nas sociedades contemporâneas, oartigo busca apontar, tendo em vista a pluralidadee a complexidade social, uma perspectivadescentrada de política e de sociedade que, diferente

do registro de um único corpo ou um conjuntopré-definido de instituições responsáveis pelosprocessos político-decisórios, reconhece múltiploscentros, práticas e instituições que conformam oprocesso democrático4. Nessa perspectiva, oartigo reconhece não apenas a importância dosdiferentes tipos de ação política – e as tensõesentre eles – a exemplo da participação direta, dosprocessos deliberativos e da representação eleitoral,como diferentes contribuições (ou efeitos)democráticos das associações, conformando o queWarren (2001) denomina de “ecologia democráticadas associações”.

O artigo está dividido em três partes. Naprimeira parte, justifica-se, de maneira breve, aescolha do termo “associação”, propondo umaperspectiva que contemple a pluralidade e asdesigualdades desse campo, ou seja, a comple-xidade dessas práticas sociais, e que atente ànecessidade de reconhecer as associações em seusaspectos multi-relacionais. Na segunda parte,apresenta-se os principais argumentos, nas trêsvertentes teóricas da democracia (participativa,associativa e deliberativa), que dão suporte àsavaliações acerca da importância democrática dasassociações. Na terceira e última parte, e a guisade conclusão, sugere que a ampliação e oaprofundamento da democracia dependem daarticulação, não isenta de tensões, entre ospressupostos da participação, da representação eda deliberação, levados a cabo – em diferenteslugares e seguindo múltiplos caminhos – porindivíduos, associações e instituições.

II. SOBRE O SIGNIFICADO DE “ASSOCIA-ÇÃO”

Certamente, há uma grande dificuldade parauma definição precisa de “associação”, ao ponto

4 Seguindo a compreensão de Young (2001) para quem oprocesso democrático não pode ser identificado ou reduzi-do a uma instituição ou um conjunto de instituições políti-cas, como os órgãos do Estado ou as esferas legislativas,etc. A ação política e as práticas comunicativas que susten-tam os processos de decisão democráticos ocorrem em di-ferentes fluxos e espaços e entre diferentes setores e atoressociais. Pensar a dimensão da inclusão enquanto critériocentral para a ampliação e o aprofundamento democráticosignifica, portanto, pensar e reconhecer a importância dediferentes espaços, atores e instituições políticas, sejamprocessos deliberativos, práticas autônomas do ativismopolítico, e instituições da democracia representativa.

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de perguntarmo-nos se seria possível, frente àmultiplicidade de práticas associativas, estabelecercaracterísticas gerais que permitam algumasdistinções sem recair em reduções e simplificações.Essa dificuldade pode ser encontrada em diferentesperspectivas teóricas, e está alicerçada nas váriasinterpretações acerca da importância das associa-ções para a vida democrática das sociedades. Ateoria do capital social de Putnam (1995; 1996),por exemplo, e seguindo uma tradição tocque-villeana, contempla, majoritariamente, as associa-ções “face-a-face”, ou as associações secundárias,a exemplo de clubes de futebol, corais, grupos deescoteiros, associações comunitárias etc5.Teóricos da democracia associativa como Cohene Rogers (1995) privilegiam, em sua análise, asgrandes associações – sindicatos e federações, porexemplo – que representam amplos setores sociaise mobilizam estruturas e recursos que extrapolama dimensão local. No caso dos estudos sobre osmovimentos sociais, o foco recai sobre aquelesgrupos e associações que contestam a ordem so-cial. Para a teoria da sociedade civil habermasiana,a vinculação entre as associações e o mundo davida desqualifica organizações que estão maisdiretamente inseridos nos campos político eeconômico, a exemplo dos partidos e sindicatos6.

Em que pesem essas diferenças, há uma noçãomais ou menos comum quando estamos falandode associação. Recuperando os principais autoresque contribuíram para a análise acerca daimportância democrática das associações, Warren(2001) ressalta a influência de Tocqueville paracerta sedimentação em sua concepção moderna,na medida em que esse autor via as associações

secundárias7, ao contrário dos vínculos primários,como ações coletivas benéficas ao cultivo dasensibilidade ética de um “auto interesse bemcompreendido”, desenvolvendo novas formasdemocráticas de interação. Warren (2001, p. 42)aponta duas características do associativismo quesão centrais para Tocqueville, quais sejam, aexistência de uma relativa igualdade social entreos seus integrantes e o caráter de voluntariedadena constituição de relações consensuadas quealteram a sensibilidade ética dos seus membros.

Nessa perspectiva, o sentido de associaçõescobre majoritariamente aqueles tipos de vínculosassociativos que são frutos de escolhas pessoaise que apresentam laços mais fracos (se compara-dos com as associações familiares, por exemplo)e maior grau de autonomia (se comparados comgrupos e organizações sindicais e profissionais,com estruturas mais hierárquicas em que osmembros são relativamente anônimos entre si).Relações mais igualitárias e voluntarismo são,portanto, duas características que têm marcado adefinição de associação, injetando certo paroquia-lismo no conceito ao negligenciar a importânciademocrática das associações tanto primárias (maisestreitas), quanto terciárias (idem, p. 40)8. Alémdisso, essa perspectiva apresenta limites frente auma concepção bipolar de sociedade9, em perceber

5 Uma influente vertente analítica acerca do associativismotem revigorado os pressupostos encontrados na obra Ademocracia na América, de Alexis de Tocqueville. Estudoscomo os de Almond e Verba (1963) e Verba e Nie (1972)encontraram diferenças consistentes no comportamentocívico – maior interesse em política, maior compromisso,confiança e eficácia política etc. – entre os indivíduos queparticipam e os que não participam em associações volun-tárias, com notável vantagem para os primeiros. RobertPutnam é uma referência central nessa linha interpretativa,fundamentalmente por seus estudos que apontam o pesodo capital social, e, mais especificamente, das associações,para a promoção de redes de engajamento cívico que sãocentrais para a vida democrática.

6 Uma apresentação mais detalhada dessas diferentes pers-pectivas encontra-se em Lüchmann (2011).

7 De acordo com Warren (2001), parece que foi Charles H.Cooley em Human Nature and Social Order (COOLEY,1983) quem primeiro diferenciou os três tipos de associa-ções de acordo com a natureza dos laços e do grau de auto-nomia. Assim, famílias e amizades são redes de associaçãoprimária, pois desenvolvem relações mais próximas e ínti-mas. As associações secundárias, embora também próxi-mas, distanciam-se do tipo de laços das “associações pri-márias” e voltam-se para relações que transcendem o mun-do individual, como os grupos cívicos, os clubes, as associ-ações religiosas, entre tantas outras. As “associaçõesterciárias” seriam os grupos de interesses e profissionais,nos quais os membros são relativamente anônimos entre sie têm pouco em comum, a não ser uma proposta específicaa que perseguem (WARREN, 2001, p. 39).

8 Entra aqui também o reconhecimento de que muitasassociações não são boas para a democracia, como determi-nados grupos privados, grupos racistas, de ódio, e muitosgrupos de interesses poderosos, que fazem jus às suspei-tas de facçiosismo levantadas por Madison e Rousseau emsuas preocupações com o ideal do bem comum (idem, p.10).

9 Seguindo a análise de Warren (2001, p. 32), Toquevilletrabalhou com um modelo bipolar em sua análise das rela-

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tanto as relações de desigualdade e de poder nointerior do campo associativo, quanto as relaçõesentre as associações e outras formas deorganização, como os estados e os mercados, naformação de complexas redes e parcerias por meioda provisão de serviços sociais, de financiamentospúblicos e privados, do desenvolvimento deprojetos nas diferentes áreas sociais, de inserçãode lideranças sociais nos aparelhos do Estado etc.

De acordo com Warren (idem), da mesmaforma que encontramos relações associativas nosestados e nos mercados, encontramos relaçõespolíticas e mercadológicas nas associações:“Nenhuma instituição pode atuar de forma purapor meio de operações de mercado ou do comandohierárquico. Da mesma forma, poucasassociações, devido aos seus envolvimentos como poder e o dinheiro, exibem, de forma pura, asqualidades consensuais e voluntárias das relaçõesassociativas” (idem, p. 54). O reconhecimento deque as associações interagem com estados,mercados e com relações de intimidade (idem, p.58) oferece reforço à ideia de que o campoassociativo é amplo e heterogêneo, envolvendotanto os grupos sociais nas diferentes esferas(social, cultural, econômica e política), quanto osdiferentes formatos, recursos e intenções. Adepender de suas características – liberdade depertencimento, objetivos e recursos – os diferentestipos de associações podem promover diferentesefeitos democráticos (ou antidemocráticos) que,no seu conjunto, conformam a “ecologiademocrática das associações” (ibidem). Algumaspodem ser importantes para o exercício dagovernança, outras para desenvolver habilidadescívicas, desenvolver atividades contestadoras e/ou de resistência, promover encontros sociais etc.A ideia de “ecologia” está assentada na premissade que o problema de generalizar os benefíciosdemocráticos das associações é o de apontarefeitos onde eles não existem. Além disso, as

associações “podem produzir efeitos similares pordiferentes razões” (idem, p. 141). E ainda, outroproblema pode ser o fato de se ignorar possíveisbenefícios democráticos em associações que sãodescartadas a priori em função de perspectivasteóricas e ideológicas10.

Como veremos a seguir, três vertentes teóricasda democracia dão destaque ao papel democráticodas associações. Embora a carência de definiçõesmais rigorosas acerca do significado deassociações, percebe-se o predomínio, na vertenteda democracia participativa, das “associaçõessecundárias”, com destaque aos movimentossociais e comunitários. O caráter de autonomia evoluntariado também se destaca na vertente teóricada democracia deliberativa, que coloca asassociações autônomas, voluntárias e/ou osmovimentos sociais como atores centrais doconceito de sociedade civil. Já a vertente dademocracia associativa apresenta um quadro maisamplo de associações, reconhecendo a importânciade organizações mais estruturadas e abrangentes,como sindicatos e associações profissionais.

III. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E OEXERCÍCIO DA PARTICIPAÇÃO DOSCIDADÃOS

A incorporação das associações no interior docampo teórico da democracia compõe o quadromais amplo de argumentos críticos ao modelo dademocracia liberal. De acordo com Fung (2003),a perspectiva liberal da democracia entende asassociações como componentes das liberdadesindividuais. Uma vez que a democracia diz respeitoàs garantias dos direitos individuais, entre eles, odireito de formar grupos e organizações tendo emvista a satisfação de interesses, a democraciacontribui “naturalmente” para a constituição dasassociações. Para além disso, qualquer exigênciade uma atuação política mais substantiva por partedas associações significaria colocar em risco aprópria democracia, seja por pressionar o Estado,estendendo as suas funções e atividades, seja por

ções entre Estado e sociedade civil e concebeu os efeitosinstitucionais das associações dentro desse modelo, queassume dois meios básicos de organização social: o coerci-tivo, legal e admistrativo – do Estado; e o meio social dasnormas, hábitos culturais, discussão e acordo, que caracte-rizam as relações não estatais. Nessa visão, o poder recaisobre o Estado, e as interações sociais são encontradas nasociedade, que assimila, sem qualificar suas especificidadesestruturais, o mercado.

10 Um exemplo interessante é o estudo de Baggetta (2009)sobre os grupos de corais nos EUA. Mesmo sendo gruposcom objetivos bem específicos e distantes de estarem vol-tados para a criação de oportunidades cívicas, eles apre-sentam um importante potencial para tal, ao promovereminteração, experiência gerencial e conexão com outras insti-tuições.

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intervir negativamente nas liberdades individuais.Assim, para o liberalismo, o argumento geral acercadas relações entre associações e democracia giraem torno do princípio da garantia das liberdadesindividuais, entre elas a liberdade de associação ea liberdade do mercado, tido como agente maiseficiente para a alocação de recursos na sociedade.Aqui, como analisam Cohen e Rogers (1995), sãotoleradas as associações voluntárias que nãoameaçem a eficiência do mercado ou das liberdadesfundamentais dos não membros. É esseargumento que permite diferenciar o potencialdemocrático das associações, revelado por suaatuação no sentido de aliviar as pressões edemandas que implicam a ampliação dos gastos efunções governamentais11.

Mesmo considerando-se as diferenças deenfoque e de argumentos, é possível encontrarum conjunto suficiente de elementos quecaracterizam a democracia participativa, emboratambém seja relevante constatar, novamente, suasarticulações com outras vertentes e perspectivasalternativas à democracia liberal.

Segundo Macpherson (1978), a ideia dedemocracia participativa surgiu no contexto dosmovimentos estudantis durante os anos de 1960,difundindo-se para outros setores, como as classestrabalhadoras, que passam a demandar maiorcontrole e melhores condições de trabalho duranteas décadas de 1960 e 1970. De maneira geral, osdemocratas participativos acusam o pressupostoequivocado da perspectiva democráticacontemporânea12 que reduz a participação doscidadãos ao momento eleitoral da escolha dosrepresentantes políticos. Com efeito, esses

teóricos criticam a concepção que limita o âmbitoda democracia a um arranjo ou método de escolhados líderes políticos e o âmbito do político aosespaços e atores que exercem a atividade políticapor meio da autorização dada pelo processoeleitoral. De acordo com Macpherson (idem), ademocracia é muito mais do que um métodopolítico; ela é um tipo de sociedade, ou “umconjunto inteiro de relações recíprocas entre aspessoas que constituem a nação ou outra unidade”(idem, p. 13). A extensão e a ampliação do termo“político” é ressaltada por Pateman (1992) aoanalisar processos participativos em outros lugaresque não o Estado, como é o caso do espaçoindustrial. Assim, em consonância com o ideal deampliação do político e da democracia, essesteóricos apontam para a importância da ampliaçãoe da diversificação da participação. A premissageral, seguindo a perspectiva de Rousseau, é a deque os cidadãos são ao mesmo tempo osformuladores e os seguidores de suas leis.Democracia significa, então, devolver aos cidadãoso exercício da atividade política que foi alienada,ou transferida, nas modernas democracias, aosrepresentantes eleitos. Com efeito, esse idealdemocrático está assentado no princípio deautogoverno dos cidadãos, visando desqualificara ideia de que a apatia política é um fenômenoabrangente e natural da vida social.

De acordo com Barber (1984), a democracianão significa o governo da maioria e nem a regrada representação, e sim o autogoverno. Sem aatuação ativa dos cidadãos, resta apenas elites oupolítica de massas (idem, p. 211). Uma democraciaforte, como nomeia a sua perspectiva democrática(“Strong Democracy”13), requer uma concepçãoforte de cidadania que não se satisfaz com adimensão passiva e legal do modelo representativoliberal. Para Barber, “cidadania” significaparticipação ativa na vida pública, o envolvimentocom os outros na constituição de um engajamentocomum. Por meio da participação, a cidadaniaoferece medidas que permitem reorientar asnecessidades particulares dos indivíduos emdireção a fins públicos (idem, p. 224). Seguindo,como os autores anteriores, a perspectiva de

11 Assim, os clubes e associações de caridade são bemvistos, por atuarem no sentido de assumir atividades quealiviam as demandas por aumento das atividades do Esta-do, diferente dos sindicatos, que aumentam as pressõessobre o Estado e interferem na liberdade do mercado(COHEN & ROGERS, 1995).

12 Denominada de “democracia de equilíbrio” ou “modeloelitista pluralista”, por Macpherson (1978), e de “teoria dademocracia contemporânea”, por Pateman (1992). De acor-do com Pateman, para essa teoria, a democracia é “ummétodo político ou uma série de arranjos institucionais anível nacional. O elemento democrático característico dométodo é a competição entre os líderes [elite] pelos votosdo povo, em eleições periódicas e livres” (idem, p. 25).Schumpeter (1984) é a referência central.

13 Modelo democrático pautado na realização da políticacomo atividade autônoma levada a cabo por indivíduosmobilizados para controlar as suas próprias vidas e contri-buir para a sua comunidade (BARBER, 1984, p. 296).

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Rousseau, Barber enfatiza a relação entre oindivíduo e a coletividade, relação essa queproporciona o alargamento das ideias e interessesem direção ao bem comum. Com efeito, o aspectopedagógico da participação é aqui reiterado, namedida em que essa cidadania forte, ancorada emvalores comuns compartilhados, só pode floresceronde a civilidade é reforçada por processoseducativos dados pela participação.

Embora a democracia participativa nãosignifique uma ruptura com o modelo eleitoral, acomplementariedade e a compatibilidade com essemodelo revelam mais do que uma acomodação,na medida em que visam impactar positivamenteo conjunto das instituições políticas em direção auma maior aproximação com o ideal deautogoverno. Seja alargando os espaços daparticipação, seja propondo processos decisóriospiramidais de articulação entre participação erepresentação, o certo é que, de alguma maneira,a introdução da participação, para essa vertente,influencia relações de poder e hierarquias,propiciando a formação de cidadãos mais críticose interessados na coisa pública.

Para Pateman, “somente se o indivíduo tiver aoportunidade de participar de modo direto noprocesso de decisão e na escolha de representantesnas áreas alternativas é que, nas modernascircunstâncias, ele pode esperar ter qualquercontrole real sobre o curso de sua vida ou sobre odesenvolvimento do ambiente em que ele vive”(PATEMAN, 1992, p. 145). De outra forma,prossegue a autora, “é de se duvidar que o cidadãocomum chegue algum dia a se interessar por todasas decisões que são tomadas a nível nacional damesma forma que se interessaria por aquelas queestão mais próximas dele” (idem, p. 146). Oreconhecimento da necessidade de manter, emalguma medida, os pressupostos do modelorepresentativo eleitoral é também corroborado porMacpherson, ao anunciar que, frente à dimensão,quantidade e complexidade dos processos dedecisão política, “nada podemos sem políticoseleitos” (MACPHERSON, 1978, p. 101). Esseautor ventila a possibilidade de ampliação daparticipação se forem removidos os principaisobstáculos a uma verdadeira democraciaparticipativa, quais sejam, a diminuição dadesigualdade econômica e social e a mudança daautoimagem do povo “do ver-se e agir comoessencialmente consumidor ao ver-se e agir comoexecutor e desfrutador da execução e

desenvolvimento de sua capacidade” (idem, p.102). Sem esses dois requisitos, inviabiliza-se omodelo democrático-participativo em dimensõesque ultrapassem a esfera local14.

A reativação da cidadania por meio daparticipação direta é aqui, portanto, o foco central.É nessa perspectiva que, incorporandocaracterísticas da teoria deliberativa, o trabalhode Fung e Wright (2001), ao reivindicar ummodelo que os autores denominam de “governançaparticipativa empoderada”15, parece se enquadrarbem na moldura mais ampla da democraciaparticipativa, na medida em que aspira oaprofundamento e a extensão da participação doscidadãos ordinários nas políticas que afetam assuas vidas. Tendo como referência empíricaexperiências públicas de participação em diferentespaíses16 que denominam de “democraciadeliberativa empoderada” (idem), os autoresanalisam como essas práticas alternativas podemrevelar o aprofundamento democrático, seja porpermitirem uma efetiva resolução de problemas,no sentido de trazer resultados que dizem respeitoàs necessidades concretas dos cidadãos, seja napossibilidade de proporcionarem maior igualdade,fundamentalmente por incorporarem os cidadãosmais pauperizados e excluídos dos processos dedecisão política; ou ainda por irrigarem processosde ampliação e aprofundamento da participação(idem, p. 28). Ademais, além de permitir aparticipação direta nos processos de discussão ede resolução dos problemas nas diferentes áreassociais, a participação constitui-se como “escolade cidadania”, ao possibilitar o desenvolvimentode cidadãos cívicos, melhor informados ehabilitados para a atuação política (idem, p. 29).

14 Para Barber, as exigências da participação não se res-tringem a esferas locais, estendendo-se para os planos regi-onal e nacional, a exemplo de encontros regionais e nacio-nais por meio das novas tecnologias de comunicação, daoferta de serviços – publicações e materiais – de informa-ção e educação cívica, referendos com amplos debates eparticipação, votação eletrônica sobre questões públicasvia debates, entre outros (BARBER, 1984).

15 “Empowered Participatory Governance” (EPG).

16 A exemplo dos “Neighborhood Councils” em Chicago,os “Workers Education Centers” em Wiscousin, os “HabitatConservation Plans” nos EUA, o “orçamento participativo”em Porto Alegre e a “governança local” em Kerala, India.

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Com efeito, o foco na participação – e, portanto,na democracia direta – dos cidadãos nos espaçosde discussão e formulação de políticas públicas éa característica central da democracia participativa.Para esse modelo, o aprofundamento da demo-cracia implica a criação de instituições públicasque incorporem a participação dos indivíduos nosprocessos de decisão. As associações sãoimportantes, embora não recebam um tratamentoou status central, a exemplo, como veremos, domodelo da democracia associativa. De acordo comFung (2003), as associações não são substitutasda participação individual, embora sejam muitoimportantes para a sua criação e qualificação. Demaneira geral, as reformas em direção àconstituição de oportunidades participativas sãodecorrentes da pressão de associações e demovimentos sociais. Assim, as associações jogamum importante papel na defesa de instânciasparticipativas, resistindo às recorrentes tentativasde recentralização e de controle governamental.Elas equipam e mobilizam os indivíduos,principalmente nas áreas mais pobres e fragilizadas,provendo informação e habilidades necessárias paraum engajamento cidadão junto aos espaçosdemocráticos participativos e às instituiçõespolíticas da democracia eleitoral.

De acordo com Macpherson (1978), orompimento com o ciclo vicioso da desigualdadee da não participação pode ocorrer, entre outraspossibilidades, por meio de movimentos eorganizações comunitárias, ou de associações queexercem pressão para a mudança das condiçõessociais, atraindo para a participação política,sobretudo, os setores mais empobrecidos dapopulação e que “estiveram por muito tempopoliticamente apáticos” (idem, p. 106)17.

Assim, para a vertente da democraciaparticipativa, o principal argumento acerca daimportância democrática das associações estáancorado na tese de que as associações sãoespaços ou instrumentos que qualificam aparticipação dos indivíduos como cidadãos,verdadeira essência da democracia. Associaçõesprovêem informações, contribuem para a criaçãode espaços de participação, empoderam indivíduospara uma participação mais ativa e qualificada juntoàs instituições participativas. O foco sobre aparticipação dos indivíduos no exercício defunções deliberativas e de administração e provisãode serviços públicos garante, embora emcombinação com as instituições da democraciarepresentativa, o avanço da democracia direta, ouda radicalização da democracia como um ideal deautogoverno. Cabe às associações secundáriaspavimentar os caminhos para o alcance dessesideais, contribuindo para a promoção dodesenvolvimento individual, entre outrosbenefícios democráticos18.

A ênfase na participação e na inclusão, nessemodelo democrático, negligencia aspectosrelacionados com a qualidade da participação, ecomo corolário, com as relações entre participaçãoe representação. De fato, quando olhamos asexperiências de participação institucional, aexemplo dos orçamentos participativos, e que sãotambém enquadrados, como analisam Urbinati eWarren (2008) como democracia participativa oudemocracia direta, esses termos não condizem,em boa medida, com uma realidade caracterizadapor uma pequena quantidade de indivíduosefetivamente ativos. Assim, como analisa Warren(2008), enquanto a noção de democraciaparticipativa sugere o ideal do autogoverno por

17 Algumas experiências de orçamento participativo (OP),no Brasil, podem ser consideradas exemplares, nesse senti-do. Vários estudos apontam a capacidade do OrçamentoParticipativo em mobilizar a participação de indivíduos desetores populares (FEDOZZI, 1996; AVRITZER, 2002).Em análise, sobre essa capacidade de inclusão de setores dapopulação com baixa renda e escolaridade, Lüchmann eBorba (2008) sugerem que, além do fato de tratar de ques-tões que afetam de forma mais direta os setores mais caren-tes e dependentes dos serviços estatais, o OP, ao obedecerà organização territorial das cidades, mobiliza e incorpora oassociativismo comunitário ou de bairro, considerado aprincipal forma de organização coletiva das populaçõesmais pobres. Assim, a regionalização dos espaços de dis-cussão do OP operacionaliza a participação dos indivíduos

em suas regiões e mobiliza, em boa medida, a atuação de umtipo de associação (de moradores) na discussão dos pro-blemas e na escolha de delegados e conselheiros, por meiode um desenho que combina participação e representação.

18 Warren (2001) desenvolve as diversas característicasque conformam os três tipos de efeitos democráticos quesão, potencialmente, produzidos pelas associações, quaissejam: efeitos no desenvolvimento individual em direção àpromoção de julgamentos autônomos; efeitos nas esferaspúblicas, tendo em vista a formação de opinião e de julga-mentos públicos e efeitos político-institucionais, seja am-pliando e qualificando a representação política, seja coope-rando para formas alternativas de governança.

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meio da participação, uma característica centraldesses processos participativos é a sua naturezarepresentativa. Nessa perspectiva, antes de seremmedidos pela quantidade dos indivíduosparticipantes, esses processos devem ser avaliadospela natureza e pela qualidade de representaçãodemocrática alcançada. De acordo com o autor,as teorias da democracia participativa não estãoequipadas para prover análises nesse sentido(idem). Da mesma forma, teorias da democraciadeliberativa reclamam da ausência, no campodemocrático participativo, de ferramentasanalíticas que avaliem a qualidade da participação.

IV. DEMOCRACIA ASSOCIATIVA: ASASSOCIAÇÕES COMO SUJEITOS DAPARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Na vertente teórica da “democraciaassociativa”, e como indicado no próprio termo,as associações assumem um papel político central.Se para a democracia participativa as associaçõescontribuem para a participação direta dosindivíduos, nutrindo e irrigando a cidadania, nessemodelo elas tornam-se os agentes por excelência,ao lado de governos e partidos, de atuação política.Poderíamos dizer que, aqui, as associaçõessubstituem os indivíduos como sujeitos centraisda democracia. De acordo com Elstub (2008), ademocracia associativa pode ser definida comoum modelo de democracia participativa no qual oideal de autogoverno é preenchido pelos grupos eassociações.

De maneira geral, e também em que pese asdiferenças entre os seus expoentes, o ponto departida comum do argumento acerca daimportância das associações diz respeito àsdeficiências dos modelos de formulação e dedecisão política de base eleitoral perante asmudanças na ordem social, política e econômicadas sociedades contemporâneas. Os principaisargumentos para a defesa desse ideáriodemocrático estão ancorados, portanto, na teseda debilidade teórica para lidar com as mudançassocietais e, como corolário, com o reconhe-cimento de que os repertórios, os espaços e asinstituições políticas existentes não atendem aosnovos desafios do mundo contemporâneo,competitivo e globalizado (BADER, 1995, p. 1).

Nesse contexto, os desafios superpõem-se,aprofundando as debilidades do Estado em lidarcom a complexidade e a pluralidade dos problemase demandas sociais. Bader (idem), por exemplo,

apresenta uma lista de questões que precisam serenfrentadas, entre elas: como combinar os desafiosdo individualismo e da diversidade cultural sem aperda de uma unidade mínima baseada naconfiança e na solidariedade? Como lutar contra apobreza e as desigualdades estruturais tanto emtermos globais como no interior dos estadosnacionais? Como prevenir os desastres ecológicos,as guerras, os genocídios e a limpeza étnica?Como sustentar políticas de bem estar social sobas condições de extrema competitividade? E ainda,como lidar com a crescente perda de“accountability” democrática dos estadosburocráticos (idem, p. 2)?

Alguns indicadores dão sentido à ideia decomplexidade social como um aumento no númeroe nas variações das relações e dos elementos queconstituem as sociedades atuais, e que tem levadoao declínio das capacidades e habilidades dosestados-nacionais em administrar as diferentesdemandas sociais e, como corolário, às justifica-tivas acerca da importância das associações parao aprofundamento da democracia (ELSTUB, 2008,p. 103). Em primeiro lugar, o aumento dapluralidade social, com a diversificação de grupos,setores, identidades e demandas sociais. Comoconseqüência, uma crescente percepção de queas esferas da representação e da gestão políticassão excludentes, fundamentalmente em seconsiderando os grupos historicamente oprimidose/ou subordinados, seja pelo recorte de classe, degênero, de etnia, de idade, entre outros, e adepender da configuração de cada realidade; sejada maior ou menor combinação entre essascondições e identidades sociais. Em segundo lugar,o aspecto do tamanho das sociedades, cujaspopulações, dispersas sobre amplos e diversosterritórios, encontram remotas possibilidades departicipar em processos de decisão políticacentralizados e burocratizados (idem). A crescentenecessidade de conhecimento especializado e ofenômeno da globalização são também elementoscentrais na constituição de um quadro decomplexidade social, por meio da expansão e dadiversificação tecnológica, da ampliação dacompetitividade dos mercados em escala global,do aumento dos problemas e demandasambientais, e que requerem articulações políticasem âmbitos globais, ao mesmo tempo em quenovas articulações regionais e locais.

Uma das referências deste debate, Paul Hirst(1994; 2001) analisa como as mudanças no mundo

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contemporâneo (sociedades pós-liberais), onde oescopo do governo não é mais tão claro, desenhamuma sociedade na qual “a divisão entre as esferaspública e privada e as formas de accountabilityparticular a cada uma delas está gravementecomprometida” (HIRST, 2001, p. 17). Quadrosmultivariados de internacionalização, regionalizaçãoe de localização das relações econômicas, políticase sociais desafiam a constituição de novasinstituições de coordenação e regulação.

Entre as mudanças sofridas, o autor destacaos processos de privatização e de comercializaçãoque transpassam as fronteiras do Estado e do mer-cado, por meio, entre outros, da atuação publi-cadas das organizações empresariais, emboradesprovida de controle democrático. Além disso,a diversificação das demandas sociais e acomplexificação das políticas públicassobrecarregam as possibilidades de controle efetivopor parte dos governos convencionalmente eleitos.A pluralização da sociedade, dos grupos e asmudanças na extensão da individualizaçãoinfluenciam as demandas pela provisão de serviçospúblicos até então uniformizados ehierarquicamente gerenciados pela burocraciaadministrativa estatal. Frente a essa realidade, deacordo com o autor, a democracia associativa é aúnica doutrina política bem adaptada para lidarcom os problemas da accountability democráticaem uma sociedade culturalmente diversificada(idem, p. 21). Nessa proposta, as estruturas deautoridade seguem modelos federalizados e plurais,sendo que o poder deve ser dividido não apenasterritorialmente, mas por funções em domíniosespecíficos. Assim, a democracia associativa teriaduas características centrais: ela permitiriaconstruir e transformar as divisões entre Estado esociedade, e promoveria a governança democráticanos âmbitos público e privado, restringindo ealterando as hirarquias e oferecendo um novomodelo de eficiência organizacional (idem, p. 74).

De acordo com o autor, a proposta de demo-cracia associativa, nesse contexto, pode serentendida como um terceiro caminho original entreo individualismo do mercado livre e o controlecentralizado do Estado. Embora reconheça que aideia de “associacionalismo” não seja nova19, o

autor propõe a necessidade de uma revisão tendoem vista a sua acomodação – e não substituição –à democracia representativa liberal e às condiçõesdadas pela pluralidade social. Por meio dasassociações, Hirst alega que é possível construirprocessos de governaça econômica e governançaem questões sociais tendo em vista garantir aliberdade individual e o bem estar social (HIRST,1994, p. 19). Nessa proposta, a democracia asso-ciativa limitaria o individualismo e promoveria amultiplicação de distintos domínios de autoridade,cabendo ao Estado ceder funções e criar meca-nismos de financiamento público, tendo em vistagarantir a atuação pública das associações comocorpos voluntários que exercitam accountability,tanto internamente, quanto junto ao poder público.

Hirst parte do pressuposto de que não são osindivíduos e nem certa ideia de sociedade civildispersa e formada por grupos periféricos que vãogarantir, frente a um mundo econômico operadopor corporações poderosas e um sistema políticosobrecarregado por burocracias estatais, umareforma pautada na boa administração e naresponsabilidade pública nos diferentes domíniossociais (idem). São as associações voluntáriasautogovernadas, constituídas, portanto, pormecanismos internos democráticos20. Para oautor, há um conjunto de necessidades individuaisque não podem ser satisfeitas pela ação privadade indivíduos isolados, e certas liberdades que sópodem ser perseguidas de maneira coletiva (comoa melhoria e o maior controle no trabalho viasindicatos ou maior desenvolvimento dascapacidades individuais via participação e

19 Hirst (1994) resgata um conjunto de autores do séculoXIX e início do século XX que abordaram a questão do

associativismo pelo viés do cooperativismo, do sindicalismoou do corporativismo.

20 Em crítica às propostas de outros autores (entre elesCohen e Rogers (1995)), Hirst alivia o forte papel dado aoEstado na formação de associações, o que pode gerar orga-nizações fracas e dependentes, ao mesmo tempoempoderando ainda mais o próprio Estado; tratando-se,pois, de uma crítica central à proposta da democraciaassociativa. Para o autor, o objetivo do Estado é o de pro-mover políticas que empoderem as associações e que de-volvam a elas várias atividades públicas (na esfera econô-mica e social) para o exercício democrático. Assim, diferen-te da ação do Estado, há que se pensar em formas alterna-tivas de construção de associações desde baixo, fundamen-talmente por meio das associações mais fortes, das igrejas,dos sindicatos e outros atores sociais. Da mesma forma, ademocracia associativa deve ser construída desde baixo(HIRST, 2001, p. 37-41).

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cooperação). De acordo com essa perspectiva, aresolução do impasse dado pela centralização daprovisão dos serviços sociais pelo Estado(centralizado e burocratizado) ou pelo mercadopassaria, portanto, pela devolução da provisão dedireitos e serviços de bem estar social para asassociações voluntárias. Compete ao Estadogarantir fundos públicos que permitam que oscidadãos, e não os burocratas, escolham eparticipem na formulação e na oferta desses bense serviços (idem, p. 185). Como resultado, o autorvislumbra uma sociedade cooperativa e plural,cabendo ao Estado a garantia e manutenção dessesistema, além de preservar sua responsabilidade econtrole em certos domínios que são comuns atodos os membros da sociedade, como, porexemplo, os direitos individuais, a defesa de seuterritório, certos poderes de polícia e provisõesnas áreas da saúde e meio ambiente. Mantém-se,nessa proposta, o papel do Estado e da classepolítica em incentivar e promover a descentrali-zação dos espaços e do poder por meio dasdiferentes agências de controle, cobrança deimpostos, fiscalização, elaboração de marcosregulatórios, entre outros21.

Cohen e Rogers (1995) também compartilhamcom o ideário associativista e dialogam comperspectivas liberais, republicanas e pluralistas queapontam críticas, sob diferentes graus e perspecti-vas, centradas nas ameaças advindas de uma maioraproximação, das associações, com o poderpolítico. Na listagem de problemas que sãoapontados por essas frentes analíticas, os autoresressaltam os riscos de facciosismo, da balcani-zação de interesses no interior do Estado, de seudomínio por determinados grupos da sociedade,e da sua ineficiência frente à sobrecarga dasdemandas sociais organizadas (idem). Entretanto,embora reconheçam contribuições dessasdiferentes vertentes, os autores advertem quetodas elas falham na visão da importância dosgrupos e das associações, na medida em que nãoavaliam as suas variações qualitativas e a suadimensão artefatual (idem).

Para esses autores, ao contrário de ameaças àdemocracia, as relações entre as associações e oEstado permitem a promoção do ideal do bemcomum, configurando um processo de somapositiva por meio do aumento do poder dasassociações e da maior eficiência do Estado e domercado, o que promoveria o fortalecimento daordem democrática (COHEN & ROGERS, 1995).É nessa perspectiva que os autores apontam pelomenos quatro funções que, por serem preenchidaspelas associações, justificam a importância dademocracia associativa frente aos problemas edesafios colocados pela complexidade social. Porum lado, pelo fato de sua maior proximidade comos problemas e maior conhecimento da realidadeem que estão inseridas, as associações sãorecursos imprescindíveis de produção e de ofertade informações, consideradas centrais para aqualificação e clarificação das deliberações edecisões políticas. As associações tambémpreenchem com os requisitos democráticos daequalização da representação política, aoproporcionarem oportunidades de explicitação devozes e demandas aos indivíduos e setores commenos recursos e poder, e que tradicionalmentetêm sido excluídos da representação políticaeleitoral de base territorial (idem, p. 43). Alémdisso, e seguindo a tradição participacionista, asassociações podem funcionar como “escolas dedemocracia”, desenvolvendo virtudes cívicas,competências políticas e autoconfiança, epromovendo o valor básico do reconhecimentodas normas democráticas. Por último, asassociações são centrais para a conformação deuma “governança alternativa”. Aqui, para além derepresentarem interesses, as associaçõespreencheriam funções “quase-públicas” nasuplementação de fornecimento de serviçospúblicos, promovendo, por meio da cooperação eda confiança, melhor performance econômica eaumento da eficiência estatal. Com efeito, paraesses autores, a democracia associativa requer umpapel ativo das associações, participandodiretamente nos espaços e instituições voltadas paraa formulação das políticas, a coordenação dasatividades econômicas, e o revigoramento e aadministração das políticas públicas (idem, p. 55).

Duas dimensões são centrais nessa abordagemda democracia associativa e que justificam aelaboração de uma proposta democrática que prevêuma atuação mais ousada por parte do Estado(diferente, portanto, de Hirst) na adoção de uma

21 O autor desenvolve o que denomina de “architecture ofan associationalist commonwealth” definindo as instânciase os papéis dos diferentes setores, parlamento, poder Exe-cutivo e poder Judiciário, nesse processo complexo de fi-nanciamento e de responsabilidades públicas (idem, p. 189-190).

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política para as associações, para além danecessidade de reforma das próprias instituiçõespolíticas. A primeira dimensão diz respeito aocaráter da artefatualidade. De acordo com Cohene Rogers (idem), diferente de serem fenômenosnaturais, ou produtos da cultura ou de algum outrosubstrato inalterado da vida social (idem, p. 46),as associações são artefatos. Dependem dasestruturas econômicas e políticas, dos recursos edas instituições nas quais estão inseridas. Podemvariar de acordo com a maior centralidade ou nãode governos, de informações disponíveis, dasoportunidades e dos incentivos. Mudam de acordocom as escolhas políticas. Isso significa que oEstado tem um papel ativo e importante não apenasna reforma institucional, tendo em vista incorporaras associações nos processos de discussão, deformulação e de execução de políticas, como naprópria formação das associações, provocando eincentivando de maneira mais incisiva, agindodiretamente no meio ambiente associativo nosentido de evitar a formação de facções e estimular,por meio de taxas, subsídios e sanções legais, odesenvolvimento de associaçãos respeitosas dasnormas democráticas igualitárias (idem).

A segunda dimensão aponta para o caráterqualitativo das associações. Tendo em vistaenfrentar os argumentos que sustentam os riscosdas facções, das diferenças de recursos e de poderno interior do campo asssociativo, essa dimensãoprocura delimitar determinadas características davida associativa interna tendo em vista extrair oselementos que fazem diferença sob o ponto devista do ideal democrático. Assim, partindo dopressuposto de que os grupos e as associaçõesdiferem em seus padrões de decisão interna, nasua maior ou menor capacidade de inclusão demembros, nas suas relações com outras associa-ções, na natureza e extensão de seu poder e noescopo de suas funções e responsabilidades22, osautores descartam uma visão que generaliza ocampo das associações, apontando seletivamentepara aquelas que preencheriam as qualidadessugeridas pelo modelo, a exemplo de sindicatos eoutras associações com representação mais amplade setores sociais.

Assim, de modo geral, de acordo comPerczynski (1995), os diferentes autores davertente da democracia associativa compartilhama tese de que as associações são cruciais para arepresentação dos interesses dos que não sãosuficientemente organizados por meio do sistemaeleitoral territorial23. No entanto, para esse autor,se Paul Hirst segue uma tradição pluralista, namedida em que valoriza a pluralidade dos grupose associações enquanto substratos da vida sociale relativiza o papel do Estado na constituição davida associativa, Cohen e Rogers, embora tambémvalorizem a perspectiva pluralista, apresentariamtraços mais marcantes da tradição corporativista,com destaque às associações mais abrangentesde defesa de amplos setores sociais, comosindicatos e associações profissionais, e ao papelativo do Estado na própria organização dasassociações e nas relações entre elas (idem, p. 78).

Em que pese essas diferenças, seja com relaçãoaos tipos de associação, seja com o papel do Estadoou às propostas de reforma política, a vertenteteórica da democracia associativa extrai, do campoda organização associativa, uma forte responsa-bilidade pública, construindo uma base argumen-tativa ancorada na tese de que as associações sãosoluções – possíveis e democráticas – para lidarcom a administração da complexidade social.Associações provêem informações, contribuempara a inclusão política e, fundamentalmente,ajudam os governos a administrarem a sociedadeem contextos de complexidade social. Nessavertente teórica, o foco na participação direta dasassociações no exercício de funções deliberativase de administração e provisão de serviços públicosalmeja garantir uma maior eficácia e accountabilityna formulação e no gerenciamento da coisa pú-blica, realizando, portanto, o avanço democráticopautado na cooperação, na igualdade política e naeqüidade distributiva.

22 Os autores apresentam uma lista de sete traços quevariam desde a accountability interna até o caráter de rela-ções com o Estado (COHEN & ROGERS, 1995, p. 48-50).

23 Assim como o orçamento participativo pode servir deexemplo de democracia participativa, em especial pelo fatode estar assentado na participação individual, os Conse-lhos Gestores podem ser considerados exemplos de demo-cracia associativa, na medida em que, nesses espaços, aparticipação institucional ocorre sob prerrogativas legaisque determinam a representação por meio de associações,organizações ou “entidades sociais”, fundamentalmentedaquelas que atuam ou que contam com algum reconheci-mento nas respectivas áreas de intervenção governamental.

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Entre as críticas dirigidas a essa proposta,destaco àquelas relativas ao tipo de associaçãoelencadas como boas para a democracia, àsrelações de poder no campo associativo e ao papeldo Estado nesse processo.

No que diz respeito ao tipo de associaçõessugeridas por Cohen e Rogers, Young (1995, p.210) chama a atenção para o fato da necessidadede se fazer distinções entre associações e grupossociais, na medida em que, para a autora, se umaassociação é uma instituição formalmenteorganizada (como um clube, corporação, partidopolítico, igreja ou sindicato), os grupos sociaissão menos artefatuais, ou mais “naturais”, nasociedade. Embora sejam construídos socialmentee sejam mutáveis, não se constituem por meio dedecisões explícitas ou por meio de políticasinstitucionais. Apresentam afinidades deexperiências similares de tipo de vida e são tambématores centrais para a política e a democracia, aexemplo dos grupos organizados pelo recorte degênero, etnia, raça, religião e orientação sexual(idem, p. 209). A incorporação desses grupos eassociações no modelo associativo permitiria, deacordo com a autora, a inclusão desses setoresnos processos de decisão e de execução depolíticas, ampliando e pluralizando os espaços eatores de poder e rompendo com as diferentespráticas de discriminação e injustiça social.

Por outro lado, a ênfase dada ao carátercooperativo junto aos governos é questionada, porexemplo, por Szasz (1995, p. 148) ao resgatar aimportância dos movimentos sociais e sua atuaçãoconflitiva frente aos poderes instituídos. Para alémdo reconhecimento de associações (e movimentossociais) de caráter contestador, ressalta-se tambémas relações de poder no interior desse campo derelações sociais. Aqui, os problemas deoligarquização no tecido associativo ameaçamprocessos pautados nos princípios da igualdade eda pluralidade (BADER, 1995). Da mesma forma,aponta-se problemas relativos às relações com oEstado, seja pelos receios de cooptação, seja pelosriscos, tanto da “feudalização” do Estado pordeterminados grupos sociais, como datransferência das responsabilidades do Estado paraa sociedade, gerando políticas fragmentadas,particularizadas e desiguais, e rompendo com adimensão dos direitos individuais universais(ROBTEUTSCHER, 2000).

V. DEMOCRACIA DELIBERATIVA: SOCIEDADECIVIL, ESFERA PÚBLICA E ASSOCIAÇÕES

No conjunto das abordagens teóricas quevisam o aprofundamento da democracia, ademocracia deliberativa tem se constituído, nasúltimas duas décadas, como a perspectivadominante nesse debate (DRYZEK, 2003;ELSTUB, 2008). Os democratas deliberativosentendem, de maneira geral, que a democraciarepousa no ideal de justificação do exercício dopoder político por meio da discussão pública entreindivíduos livres e em condições iguais departicipação. De acordo com Thompson (2008),o núcleo de todas as concepções da democraciadeliberativa está composto por aquilo que édenominado de requerimento de dar razão, ou seja,espera-se que tanto os cidadãos quanto os seusrepresentantes justifiquem as demandas políticase a elaboração de leis por meio de procedimentosigualitários e inclusivos de troca de argumentosadequados e voltados para a formação de opiniõesbem informadas. No entanto, se há um consensoentre os democratas deliberativos em sua rejeiçãoà limitação da democracia como modelo que seapóia sobre as ideias de interesse individual,agregação de preferências e competição política,as diferenças apontam para diversas questões,como o entendimento acerca do significado derazão adequada, a extensão dos forunsdeliberativos ou a desejabilidade do consenso comometa (idem, p. 498). Nesse debate, há tambémdiferenças sobre os locus e os atores deliberativos.Embora as instituições da democraciarepresentativa figurem como o locus central dedebate e de definição das questões públicas, elasnão são suficientes para gerar poder legítimo. Dediferentes maneiras, estudiosos resgatam aimportância das associações, com especial atençãoaos movimentos sociais, nesse processo24.

Tendo em vista superar os problemas dalegitimidade da autoridade política nas sociedadescomplexas e plurais, nas quais processos dejustificação das decisões políticas não derivam deuma concepção substantiva do bem comumcompartilhada por todos os cidadãos, e nem de

24 Diferente de práticas e experiências que estão baseadasna participação dos cidadãos, como as pesquisas de opi-nião deliberativa que têm sido coordenadas por Fishkin ecolaboradores. Cf. Fishkin e Luskin (2000) e Fishkin eRosell (2004).

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procedimentos legais desacoplados da vontade eda opinião democráticas, Habermas (1997; 2005)aponta os processos deliberativos, caracterizadospela formação e troca de opiniões – por meio dediscursos racionais sob condições que oportunizema inclusão dos afetados, de direitos iguais de fala,de ausência de repressão ou manipulação e pautadopela sinceridade e reciprocidade – como a basedemocrática da legitimidade política. Reconhe-cendo a pluralidade social e os limites sistêmicosdados pelo processo de diferenciação funcionalque caracteriza as sociedades complexas, essaproposta deliberativa advoga que a formação deopiniões ocorre em uma variedade de esferaspúblicas que, desprovidas de sujeitos25, confor-mam uma infraestrutura formada por processosde filtragem, a qual permite a circulação e atransformação das ideias e opiniões por meio deprocedimentos comunicativos que partem dasredes informais da esfera pública e atravessam oscorpos legislativos e governamentais.

Nessa perspectiva, Habermas (1997) apontapara uma dupla dinâmica do processo deliberativo,qual seja, a deliberação informal que ocorre naesfera pública que, por seu turno, influencia adeliberação formal dada nos espaços político-institucionais. Esses diferentes espaços – a esferapública informal e as instituições políticas egovernamentais – exercem papéis distintos ecomplementares para a produção de decisõespolíticas legítimas. A comunicação informal queocorre na esfera pública26 ocorre por meio de

grupos, associações e organizações que estão maispróximas do mundo da vida27, o que permitiria,para o autor, detectar melhor os problemas,discuti-los em fóruns abertos e plurais e torná-lospúblicos, adensando os debates e demandas aopoder estatal. Esse processo, que se realiza na redede comunicação dos espaços públicos, é osubstrato da proposta deliberativa. Aqui, em vezdo modelo individual de agregação das opiniõesque caracteriza a perspectiva eleitoral, a instânciageradora de poder legítimo é a esfera pública,fundamentalmente quando ocupada pelasorganizações da sociedade civil que operam comosensores na identificação de problemas relevantese na produção, contestação e interpretação devalores e demandas ancoradas em razões públicase operadas pelo intercâmbio discursivo. Sem aintervenção e a participação da sociedade civil,esvazia-se o caráter democrático da formação depreferências, já que o “seu núcleo institucional éformado por associações e organizações livres,não estatais e não econômicas [...] que captam osecos dos problemas sociais que ressoam nasesferas privadas, condensam-nos e os transmitem,a seguir, para a esfera pública política” (idem, p.99).

Nesse modelo democrático, a esfera públicapolítica – instâncias da representação eleitoral edas agências estatais – figura como um segundoestágio, promovendo meios institucionais deregulação para o processamento das demandas epara deliberar sobre as propostas, avaliando assoluções alternativas e tomando decisõesautorizativas sob condições justas de diálogoargumentativo em respeito aos pressupostos dapluralidade, condições de igualdade na participaçãoe liberdade (COHEN, 1999a). Nessa dinâmica, asoberania do povo desloca-se para procedimentosde geração de um poder que “resulta das interações

25 Em contraste com modelos participativos que defen-dem o exercício da participação direta face a face, funda-mentalmente nas escalas locais (DRYZEK, 2003). De acor-do com Habermas, a concepção republicana pautada naideia de que o “processo democrático depende das virtudesde cidadãos orientados para o bem comum” (HABERMAS,1997, p. 44), apresenta um caráter de homogeneidade evirtuosidade que não condiz com uma realidade complexa eplural. O reconhecimento do pluralismo cultural e social,bem como dos conflitos de interesses sociais, estimula oautor a redefinir a democracia, deslocando o foco da cidada-nia virtuosa para o dos espaços públicos e dos procedi-mentos comunicativos. Ademais, de acordo com Habermas,há que se reconhecer os limites ou fronteiras entre o Estadoe a sociedade, na medida em que compete ao primeiro aregulação e a administração dos problemas sociais.

26 De acordo com Habermas, “a esfera pública pode serdescrita como uma rede adequada para a comunicação deconteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxoscomunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se

condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temasespecíficos” (1997, p. 92).27

Na teoria da ação comunicativa, Habermas apresentauma diferenciação entre sistema e mundo da vida comodiagnóstico dos problemas contemporâneos. O sistema écomposto por dois subsistemas: o Estado e o mercado. Osmecanismos de coordenação da ação nesses subsistemassão respectivamente o poder e o dinheiro, caracterizando,portanto, uma ação baseada na racionalidade estratégica e/ou instrumental. Já o mundo da vida caracteriza-se pelaação comunicativa. Trata-se da esfera das tradições, da cul-tura compartilhada, da solidariedade e da cooperação.

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entre a formação da vontade institucionalizadaconstitucionalmente e esferas públicas mobilizadasculturalmente, as quais encontram, por seu turno,uma base nas associações de uma sociedade civilque se distancia tanto do Estado como daeconomia” (HABERMAS, 1997, p. 24).

Com efeito, cabe às associações da sociedadecivil28 a construção, na esfera pública, daformação da opinião e da vontade, influenciandoo poder político institucional. Essa concepção“auto-limitada” da atuação política das associações,e, portanto, mais indireta, se comparada à vertenteanterior, é objeto de questionamentos desen-volvidos por autores que visam operar maiorestransformações nos espaços do poder político, sejareclamando um papel mais direto das associaçõesnos espaços de poder, seja por ressaltarem umaatuação mais contestadora dos movimentossociais, seja por assumirem a importância deambos.

Para o primeiro caso, Joshua Cohen é umareferência central. De acordo com o autor,Habermas desloca o locus principal da participaçãoda sociedade civil para a esfera pública informal,apontando para uma via na qual o público participae atua na política, porém sem requerer encontrosde participação direta entre o Estado e a sociedade.Para Cohen (1999b), três princípios são essenciaispara a democracia deliberativa como estabele-cimento de condições para a livre discussãoracional entre cidadãos iguais, tendo em vista aautorização para o exercício do poder político: (i)o princípio de inclusão deliberativa, caracterizadopela ideia de que todos são cidadãos com osmesmos direitos, independentemente de sua

inserção social, política, religiosa, econômica ecultural. Trata-se, portanto, do respeito aoprincípio do pluralismo; (ii) o princípio do bemcomum, que diz respeito à possibilidade de umacordo público a respeito das prioridades sociais,tendo em vista a promoção de maior justiça sociale (iii) o princípio da participação, caracterizadopela garantia de direitos iguais de participação,incluindo os direitos de votar, de associação, deexpressão política, de ser eleito para um postopúblico e garantias de igualdade de oportunidadespara o exercício de uma influência eficaz (idem,p. 38).

A combinação desses três princípios permite,segundo Cohen, uma concepção de democraciadeliberativa que articule processos com resultados,e que faça valer de fato as expressões “pelo povo”e “para o povo” que são próprias do ideal dedemocracia. Entre o conjunto de sujeitos delibera-tivos, o autor destaca o papel das associações“secundárias”29, na medida em que representamos interesses de uma ampla base social que, deoutra forma, encontra-se subrepresentada. Aatuação desse associativismo é fundamental paracorrigir as desigualdades econômicas subjacentese garantir a competência regulatória requerida paraa promoção do bem comum (COHEN, 2000).

Uma segunda abordagem, ao acusar umaconfortável acomodação da atuação associativa aoEstado liberal na teoria habermasiana, aponta osmovimentos sociais como os atores centrais paraa construção de espaços deliberativos críticos àsinstituições existentes. Procurando ampliar asformas e os tipos de comunicação na propostadeliberativa, Dryzek (2003) enfatiza o papel dosdiscursos na esfera pública, porém com ênfasena contestação entre diferentes discursos antesdo que no engajamento identitário. Nessa viainterpretativa, reconhece-se a presença dediferentes e conflitantes discursos na esferapública, sendo um erro supor o prevalecimentode discursos progressistas dados principalmentepelos novos movimentos sociais (idem, p. 76)embora esses sejam os protagonistas de sua

28 Habermas resgata o conceito de sociedade civil de Cohene Arato (1992). Para esses autores, a sociedade civil é aesfera social ocupada por um conjunto de atores, organiza-ções e relações que se diferenciam dos partidos e outrasinstituições políticas (uma vez que não estão organizadostendo em vista a conquista do poder), bem como dos agen-tes e instituições econômicas (não estão diretamente asso-ciados à competição no mercado). As associações, entreelas os movimentos sociais, são os principais atores dasociedade civil, na medida em que representam apluralidade, a autonomia e a solidariedade, operando porlógicas de comunicação e de reciprocidade que procuraminfluenciar os sistemas político e econômico em direção àdemocracia. Assim, as associações e organizações autôno-mas, não estatais e não econômicas conformam o núcleocentral do conceito de sociedade civil (HABERMAS, 1997).

29 Enquanto grupos organizados que são intermediáriosentre o mercado e o Estado (COHEN, 2000, p. 43). Vemos,portanto, que o autor mantém as premissas acerca da im-portância das associações desenvolvidas na obraAssociations and Democracy (COHEN & ROGERS,1995).

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proposta de “democracia discursiva”, baseada naideia de que os discursos contestadores dasociedade civil promovem a ampliação e oaprofundamento da democracia. A ênfase naatuação contestadora da sociedade civil na esferapública aponta para as diferenças, por exemplo,com autores que enfatizam os processosdeliberativos no estilo do “modelo universitário”30,na medida em que “a democracia discursiva não éum clube exclusivo de cavalheiros” (idem, p.168)31. Constituindo a vida associativaautolimitada, ou seja, orientada pelas relações queestabelecem com o Estado, mas sem objetivos deconquista de poder, a sociedade civil é consideradao espaço de ação política mais autônomo e quemelhor preenche, em comparação com os agentesestatais, as condições de uma democraciadeliberativa autêntica, ancorada em processoscomunicativos baseados na reflexão e na ausênciade coerção. Dryzek apresenta algumascaracterísticas da ação política (autolimitada,porém não desprovida de poder) da sociedade civil,como a capacidade de promover mudanças nosdiscursos políticos e que afetam as políticaspúblicas, e mudanças na cultura política e nocampo da ética e dos comportamentos, a exemplodo movimento feminista e das organizaçõesambientalistas. Ocupando um lugar central naarquitetura da democracia deliberativa por gerarlegitimidade democrática, a esfera pública(DRYZEK & NIEMEYER, 2008) é o lugar daatuação das associações com menos risco deabsorção ou cooptação32.

Uma perspectiva mais articulada, no sentidode reconhecer diferentes funções democráticasdas associações, pode ser encontrada em Young(2003) que também endossa, embora apontandovárias críticas, procedimentos deliberativospautados na premissa da inclusão democrática.Ao procurar romper o ciclo desenhado pelas rela-ções entre as desigualdades sociais e econômicasestruturais e a exclusão política, a autora, paraalém de ampliar o leque de possibilidades e formascomunicativas nos processos deliberativos, in-cluindo, por exemplo, a saudação, a narrativa e aretórica33, e de apontar a necessidade de rediscutir-se a dimensão da representação política, tornando-a mais inclusiva frente a pluralidade e a complexi-dade das sociedades de massa atuais34, resgataas dimensões conflitivas da democracia mediantea valorização das lutas dos grupos ativistas quedenunciam as injustiças sociais35. A ideia de esferapública é aqui também central, e está relacionadacom o engajamento e as lutas sociais de protestoe de oposição às relações de desigualdade e dediscriminação. Assim, defendendo um modelodescentrado de sociedade, caracterizado pelaconstituição de variados lugares, instituições epráticas de ação e comunicação políticas, a autoratambém dá destaque aos processos de discussão,organização e participação das associações dasociedade civil na esfera pública, vistos comoimportantes ferramentas de oposição, publicitaçãoe de controle do poder pelos cidadãos organizados

30 De acordo com Budge (2000), no modelo universitário,uma proposta temática é apresentada e detalhada aos par-ticipantes de um fórum, que criticam e apresentam contra-propostas. Resultados relevantes são sumarizados e, sob oencorajamento do debate por um moderador competente,expõe-se as conclusões acerca da opinião coletiva formada,tudo sob controle tendo-se em vista a melhor aproximaçãocom o ideal de fala, a exemplo da igualdade e do respeitomútuo. Um exemplo são as “pesquisas de opiniãodeliberativas” (FISHKIN & LUSKIN, 2000; FISHKIN &ROSELL, 2004).

31 Embora mais recentemente, o autor (cf. DRYZEK &NIEMEYER, 2008) proponha a formação de “câmaras dediscursos” como formato de representação deliberativa.

32 Entendida como processo de incorporação de setoresou lideranças dos movimentos sociais na estrutura política,tendo em vista impedir as ameaças à estabilidade do siste-ma, sem efetivo compartilhamento de poder (DRYZEK,2003, p. 88).

33 De acordo com Young (2003), a ênfase no argumento(entendido como cadeia ordenada de raciocínio pautado naimparcialidade, objetividade, universalidade e naracionalidade) de ideal de comunicação deliberativa, impe-de, limita e exclui a participação e a voz dos setores oprimi-dos e marginalizados. Trazer à cena do debate público ou-tras formas de comunicação é, portanto, um elemento cen-tral para a promoção do ideal de inclusão democrática.

34 Propondo a representação de grupos por meio da ideiade “perspectiva social” tendo em vista a inclusão políticade setores excluídos e marginalizados (idem).

35 Analisando diferenças, aproximações e tensões entre aperspectiva ativista e a deliberativa, Young (2001) chama aatenção não apenas para a importância das duas formas deengajamento político em sociedades descentradas, comodas contribuições críticas da democracia ativista para a prá-tica e a teoria da democracia deliberativa, não apenas nosentido de pressionar para a publicidade a inclusividade,como no sentido de fazer prevalecer, nos espaçosdeliberativos, a discussão de questões que tocam a fundonas desigualdades sociais e econômicas estruturais.

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(idem). Para a autora, uma sociedade civil ativa,autônoma e diversificada é central para a demo-cracia, na medida em que a comunicação operadapela vida associativa promove organização e inte-ração grupal, permite a expressão pública dedemandas e problemas sociais e promove a inclusãodemocrática, especialmente dos grupos e setoreshistoricamente excluídos dos processos e mecanis-mos de representação política. Por outro lado, ecomo apontado anteriormente, em concordânciacom algumas assertivas da democracia associativa,as associações também exercem um papel maisativo na promoção de espaços e atividades de inte-ração com o Estado, como a implementação ouexecução de políticas públicas, por exemplo. Entre-tanto, o reconhecimento das tensões que caracteri-zam esses diferentes campos de ação e de organi-zação social serve de alerta para os constantesriscos de controle e perda de autonomia e de capa-cidade crítica e contestadora do campo associati-vo.

Assim, em que pese também a variedade e asdiferenças de enfoque e de perspectivas, o papelde destaque dado às associações, para essa ver-tente teórica, está diretamente relacionado à idéiade esfera pública. Nesse sentido, o principal argu-mento acerca da importância democrática dasassociações está ancorado na tese de que as asso-ciações são os atores centrais da sociedade civil eresponsáveis por tornar públicas e problematizaras demandas e problemas sociais. Associações emovimentos sociais promovem a legitimidadedemocrática ao alimentarem os debates e medidastomadas pelas instituições políticas, e desenca-deiam engajamento e ativismo político, exercendoatividades de base propositiva e/ou contestatória,problematizando a relações de poder e as injustiçassociais.

Como analisa Warren (2001), esse conceitode sociedade civil apresenta uma dimensão setorial,constituindo-se como “o domínio da organizaçãosocial na qual as relações de associação voluntáriasão dominantes” (idem, p. 56), o que impede depensar a sociedade civil como um campo de práti-cas que estão baseadas em relações que interagem,de diferentes formas, com o Estado, o mercado eas relações de intimidade. Além disso, a exclusãodas associações primárias36, por um lado, e dasassociações terciárias (como partidos e sindica-

tos), por outro, empobrece o caráter heterogêneoque conforma esse campo social. Além dadimensão da heterogeneidade, aponta-se, nessaabordagem, a uma estilização analítica que separa,normativamente, sociedade civil e Estado, aquelavista como o campo das virtudes em contraposiçãoao Estado, entedido como esfera do poder e darazão instrumental (GURZA LAVALLE, 1999;2003; DAGNINO, OLVERA & PANFICHI, 2006).Ao caráter relacional soma-se a necessidade deresgatar a dimensão das desigualdades sociais. Deacordo com Chambers e Kopstein (2001, p. 859)é bastante limitada uma concepção que enalteça aimportância de boas associações e da expansãoda esfera pública, com ênfase nos aspectos polí-tico-institucionais, sem considerar as condiçõessocioeconômicas subjacentes, ou a dimensão dasdesigualdades sociais que influenciam o campodas relações associativas.

VI. CONCLUSÕES: TENSÕES E COMBINA-ÇÕES ENTRE PARTICIPAÇÃO, DELIBE-RAÇÃO E ASSOCIAÇÃO

Embora as diferenças e especificidades, todasas três perspectivas da democracia questionamos limites da democracia liberal e buscam ampliaros sujeitos e os espaços da participação e dadeliberação reconhecendo, por variadosargumentos, o papel democrático das associações.No caso dos autores vinculados à democraciaparticipativa, o principal argumento acerca daimportância democrática das associações estáancorado na tese de que as associações sãoinstrumentos que qualificam a participação diretados cidadãos, verdadeira essência da democracia.Além de outros efeitos democráticos, as associa-ções contribuem para a criação de espaços departicipação e empoderam os indivíduos para umaparticipação mais ativa e qualificada junto àsinstituições participativas.

36 De acordo com Warren (2001), essa definição segue um

uso comum que exclui as relações íntimas entre famílias eamigos, consideradas de domínio “privado” ou“antipolítico”, seguindo a perspectiva de Hannah Arendt.Nesses termos, de acordo com o autor, podemos entenderpor que o conceito de sociedade civil é inadequado paraentendermos o terreno associativo da democracia. “É noâmbito das relações de intimidade que esperamos encon-trar as disposições éticas de reciprocidade, empatia e decuidados que, injetadas nos domínios políticos, podem as-segurar a democracia. Concepções espaciais-setoriais obs-curecem o que uma concepção relacional de associação tor-na óbvio” (idem, p. 57).

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Para a vertente da democracia associativa, asassociações são soluções – possíveis edemocráticas – para lidar com a administração dacomplexidade social. Associações provêeminformações, contribuem para a inclusão políticae, fundamentalmente, ajudam os governos aadministrarem a sociedade em contextos decomplexidade social. O foco na participação diretadas associações no exercício de funçõesdeliberativas e de administração e provisão deserviços públicos pretende, para os expoentesdessa vertente, a garantia de maior eficácia eaccountability na formulação e no gerenciamentoda coisa pública, realizando, portanto, o avançodemocrático pautado na cooperação, na igualdadepolítica e na eqüidade distributiva.

Para alguns autores vinculados ao debate sobrea democracia deliberativa, e em que pese também,como nas perspectivas anteriores, a variedade eas diferenças de enfoque, o papel de destaque dadoàs associações está diretamente relacionado à ideiade esfera pública. Por gerar poder legítimo, atuarmais diretamente nos espaços decisórios ou porcontestar relações de poder e injustiças sociais, ofato é que, para esses autores, as associações eos movimentos sociais ocupam um lugar centralno conceito de sociedade civil, fundamento centraldo aprofundamento democrático.

Assim, se tomarmos essas perspectivas no seuconjunto, podemos sugerir que a ampliação e oaprofundamento da democracia depende daarticulação, não isenta de tensões, entre ospressupostos da participação, da deliberação e daassociação. Tais pressupostos, quando vistos demaneira unilateral, apresentam algumas limitaçõesfrente à complexidade das sociedades contem-porâneas.

A ênfase dada ao poder das associações nomodelo da democracia associativa suscita impor-tantes questões, para além das perguntas sobre oescopo e os critérios de escolha das associaçõese dos riscos de manipulação e de controle doEstado. Por exemplo, dado o peso à cooperaçãocom o Estado e o mercado, Cohen e Rogers (1995)são criticados por negligenciarem o papel dasociedade civil e dos movimentos sociais no esta-belecimento de conflitos e oposições necessáriospara a mudança social (SZASZ, 1995). Além disso,registram-se os riscos da transferência dasresponsabilidades do Estado para a sociedade, pormeio de políticas fragmentadas, particularizadas

e desiguais, rompendo com a dimensão dosdireitos universais. Em vez de descentralização epluralização de poder, a resultante pode ser acriação de novas relações baseadas na competiçãoe na criação de sistemas incompatíveis econtraditórios entre si (ROBTEUTSCHER, 2000).Ademais, as possibilidades efetivas de captura dosprocessos de decisão política pelas associaçõesmais poderosas colocam em risco as intenções deinclusão dos setores pauperizados e marginali-zados, tradicionalmente excluídos das deliberaçõespúblicas (YOUNG, 1995).

No caso da abordagem “autolimitada dasociedade civil” desenvolvida pela perspectivadeliberativa, ressalta-se o caráter “sobrestimado”e “dicotomizado” das ações coletivas, por meiode uma perspectiva setorial que vê nestas o póloda virtude, em contraposição ao Estado, esfera dadominação e da lógica instrumental (GURZALAVALLE, 1999; 2003; DAGNINO, OLVERA &PANFICHI, 2006). A heterogeneidade da sociedadecivil constitui-se, entre outros, como elemento dequestionamento acerca da excessiva carganormativa do conceito que, ancorado na dicotomiaentre sistema e “mundo da vida”, acaba obscure-cendo as relações entre a sociedade e o Estado,ou entre a sociedade civil e a sociedade política.Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) chamam aatenção para os diferentes tipos de relacionamento,sendo que a “heterogeneidade da sociedade civil edo Estado configura um mapa extraordinariamentecomplexo de possibilidades de colaboração econfronto” (idem, p. 38). Por outro lado, Silva eZanata Jr. (2008) ressaltam como as perspectivasteóricas que carregam uma ênfase normativa nocaráter igualitário e democratizante das orga-nizações da sociedade civil têm dificultado asanálises acerca das desigualdades no interior dessecampo37, e limitado a “capacidade de problema-tizar a relação dessas organizações com os proces-sos de (re)produção das desigualdades no Brasil”(idem, p. 117). Seguindo esse caminho, GurzaLavalle, Castello e Bichir (2008) apontam para ofato de que “pouco sabemos, por exemplo, dashierarquias internas e da capacidade de ação desi-guais das organizações civis, da sua diferenciaçãofuncional e das clivagens políticas e conflitos in-ternos, em suma, do modus operandi da sociedadecivil” (idem, p. 73).

37 Ver também Kerstenetzky (2003).

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Por outro lado, e apontando para umaperspectiva descentrada de política e de sociedade(YOUNG, 2003), se o reconhecimento de queparticipação direta, atuação associativa eimplementação de espaços e procedimentosdeliberativos, para além – e em articulação com –os espaços de representação política eleitoral,conformam um quadro mais amplo, e, portanto,mais complexo e plural de atuação política e deinclusão democrática, há de se reconhecer certastensões e contradições nessas possíveiscombinações. No caso das tensões entreparticipação direta e deliberação, Fung e Cohen(2007), por exemplo, analisam como a qualidadeda deliberação pode trazer prejuízo para aparticipação, da mesma forma que, inversamente,a expansão, seja no número de pessoas, seja deespaços e temas de controle popular direto, podediminuir a qualidade da deliberação, na medida emque essa preza o debate qualificado ancorado emboas razões. Aponta-se também para as tensõesentre o associativismo ativista e a deliberação. Deacordo com Mutz (2006), para a democraciadeliberativa, a exposição a visões diferentes éingrediente central na formação da opinião. Essaexposição beneficia os ocupantes da esferapública, encorajando a troca de ideias e a reflexãonecessárias para a formação das opiniões e para asuperação de visões parciais ou paroquiais (idem,p. 8). Além disso, há uma relação direta com adimensão da legitimidade, uma vez que nenhumpensamento individual pode antever a variedadede perspectivas necessárias para uma decisãodemocrática legítima. Ou seja, ouvir o outro ladotem sido central para a democracia, sendo que aexposição a visões diferentes é a razão de ser dadeliberação política. Por outro lado, prossegue aautora, a participação e o ativismo políticoocorrem em um ambiente no qual as pessoaspensam igual. Com efeito, “pessoas que pensamda mesma forma incentivam uns aos outros paraa ação coletiva e promovem o tipo de paixão eentusiasmo que são centrais para a motivação daparticipação política” (idem, p. 4). Há, portanto,tensões entre participação associativa e deliberação.

Apesar disso, combinações ou reconciliaçõesentre maior participação, deliberação e associaçãoprometem ser um caminho promissor para oavanço democrático. A tese do poder descen-tradosugere o reconhecimento de diferentes espaços eatores, e, fundamentalmente, tendo em vistasociedades baseadas em desigualdades sociais eeconômicas estruturais, advoga pela importânciade atores e espaços autônomos de exercício dacrítica e da contestação política (YOUNG, 2003).

A ideia de “ecologia democrática dasassociações” (WARREN, 2001) parece seguir essaperspectiva de reconhecimento de diferentes (eem muitos casos conflitantes) atores e instituiçõesque, no seu conjunto, constituem um complexomosaico de práticas e orientações políticas esociais. Por um lado, o reconhecimento de quediferentes tipos de associações podem provocardiferentes efeitos democráticos permite um olharmais amplo para as diversas possibilidades – elimites – das práticas associativas, ao mesmotempo em que evita de esperar-se que asassociações combinem todas as virtudesdemocráticas, sendo, ao mesmo tempo,deliberativas, representativas, contenciosas,cultivadoras de virtudes cívicas, formadoras deopinião etc.

Abrigados pelo princípio liberal dos direitosindividuais e pela inevitabilidade do modelo derepresentação eleitoral, os diferentes argumentosaqui extraídos – da participação direta doscidadãos; da governança democráticaoperacionalizada por e com as associações; dadeliberação da sociedade civil na esfera pública;das práticas contestadoras dos movimentos sociais– permitem, no seu conjunto, ampliar ecomplexificar os espaços e as práticas políticas,adensando a democracia. Nessa perspectiva, umasociedade democrática depende da articulação, nãoisenta de tensões, entre os pressupostos daparticipação, da representação e da deliberação,levados a cabo – em diferentes lugares e seguindomúltiplos caminhos – por indivíduos, associaçõese instituições.

Lígia Luchmann ([email protected]) é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política na UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC).

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